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23 REM: R. Esc. Minas, Ouro Preto, 62(1): 23-34, jan. mar. 2009 Abstract The N-S trending Manhuaçu-Santa Margarida shear zone system extends for ca. 300 km in eastern Minas Gerais. As one of the main structures of the crystalline core of the Neoproterozoic Araçuaí Orogen, the Manhuaçu-Santa Margarida system is made up of a series of ductile shear zones, which show a sigmoidal trace in map view. The northern segment of the system mainly consists of west-verging thrusts and subordinate dextral strike-slip shear zones. The central and southern segments are dominated by dextral strike-slip shear zones. The development of the Manhuaçu-Santa Margarida system occurs in four distinct Neoproterozoic deformation phases. During the first phase, the system nucleated as a series of thrust shear zones, which remain preserved in the northern segment. During the second phase, the thrust zones experienced a clockwise rotation coupled with an intensive strike-slip reactivation, becoming vertical and NE-striking in the southern portion of the orogen. The third deformation phase generated normal-sense shear zones, observed only in the northern segment of the system. Brittle deformation along WNW-striking fault zones and jointing are the manifestations of the fourth and youngest deformation phase. The southern segment of the Manhuaçu-Santa Margarida system, dominated by dextral strike-slip zones, rotates progressively to a NE orientation and merges with the structures of the northwestern segment of the Ribeira belt. Therefore, the structures of the southern termination of the Manhuaçu-Santa Margarida system are of the same age or slight older than the dextral strike-slip shear zones that characterize the tectonic grain of the northwestern portion of the Ribeira Belt. Keywords: Strike-slip shear zones, Araçuaí orogen, Ribeira belt, Brasiliano. Geociências Geometria e evolução do feixe de zonas de cisalhamento Manhuaçu - Santa Margarida, Orógeno Araçuaí, MG (Geometry and evolution of the Manhuaçu-Santa Margarida shear zone system, Araçuai Orogen, MG) Cláudio Maurício Teixeira da Silva Departamento de Geologia, Escola de Minas, Univ. Federal de Ouro Preto. E-mail: [email protected] Fernando Flecha Alkmim Departamento de Geologia, Escola de Minas, Univ. Federal de Ouro Preto. E-mail: [email protected] Antônio Carlos Pedrosa-Soares CPMTC-IGC-UFMG, Campus da Pampulha, Belo Horizonte. E-mail: [email protected] Resumo O Feixe de Zonas de Cisalhamento Manhuaçu-Santa Margarida de orientação geral NS estende-se por, aproximada- mente, 300 km na região leste de Minas Gerais. Como uma das principais estruturas do núcleo cristalino do Orógeno Araçuaí, é constituído por um conjunto de zonas de cisalhamento dúcteis, que, em mapa, mostram traços sigmoidais. O seu segmento norte é composto por zonas de cisalhamento reversas que pro- movem o transporte de material em direção a oeste e, subordi- nadamente, por zonas transcorrentes dextrais. Os segmentos central e sul são dominados por zonas transcorrentes dextrais. O desenvolvimento do feixe deu-se em quatro fases deformaci- onais neoproterozóicas. A primeira fase promoveu a nucleação do conjunto de zonas reversas, que ficaram parcialmente pre- servadas no segmento norte do feixe. Durante a segunda fase, as zonas preexistentes experimentaram, de norte para sul, uma rotação progressiva para a vertical e para a direção NE-SW, além de intensa reativação transcorrente dextral. A terceira fase gerou zonas de cisalhamento normais de ocorrência restrita ao segmento norte. Na quarta fase, formaram-se falhas transver- sais e juntas. Em sua terminação sul, o feixe, dominado por zonas transcorrentes dextrais, rotaciona-se até confundir-se com as estruturas da porção NW da Faixa Ribeira. Tal fato implica que as estruturas dessa porção do feixe são de mesma idade, ou algo mais velhas que as transcorrências dextrais, que marcam o quadro tectônico do segmento NW da Faixa Ribeira. Palavras-chave: Zonas de cisalhamento, transcorrência, Oró- geno Araçuaí, Faixa Ribeira, Brasiliano.

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Page 1: Cláudio Maurício Teixeira da Silva et al. Geociê · PDF fileCláudio Maurício Teixeira da Silva et al. Abstract ... um núcleo, constituído por rochas gra-níticas e metamórficas

23REM: R. Esc. Minas, Ouro Preto, 62(1): 23-34, jan. mar. 2009

Cláudio Maurício Teixeira da Silva et al.

AbstractThe N-S trending Manhuaçu-Santa Margarida shear zone

system extends for ca. 300 km in eastern Minas Gerais. As oneof the main structures of the crystalline core of theNeoproterozoic Araçuaí Orogen, the Manhuaçu-SantaMargarida system is made up of a series of ductile shear zones,which show a sigmoidal trace in map view. The northern segmentof the system mainly consists of west-verging thrusts andsubordinate dextral strike-slip shear zones. The central andsouthern segments are dominated by dextral strike-slip shearzones. The development of the Manhuaçu-Santa Margaridasystem occurs in four distinct Neoproterozoic deformationphases. During the first phase, the system nucleated as a seriesof thrust shear zones, which remain preserved in the northernsegment. During the second phase, the thrust zones experienceda clockwise rotation coupled with an intensive strike-slipreactivation, becoming vertical and NE-striking in the southernportion of the orogen. The third deformation phase generatednormal-sense shear zones, observed only in the northernsegment of the system. Brittle deformation along WNW-strikingfault zones and jointing are the manifestations of the fourth andyoungest deformation phase. The southern segment of theManhuaçu-Santa Margarida system, dominated by dextralstrike-slip zones, rotates progressively to a NE orientation andmerges with the structures of the northwestern segment of theRibeira belt. Therefore, the structures of the southern terminationof the Manhuaçu-Santa Margarida system are of the same ageor slight older than the dextral strike-slip shear zones thatcharacterize the tectonic grain of the northwestern portion ofthe Ribeira Belt.

Keywords: Strike-slip shear zones, Araçuaí orogen, Ribeirabelt, Brasiliano.

Geociências

Geometria e evolução do feixe de zonas decisalhamento Manhuaçu - Santa Margarida,

Orógeno Araçuaí, MG(Geometry and evolution of the Manhuaçu-Santa Margarida

shear zone system, Araçuai Orogen, MG)

Cláudio Maurício Teixeira da SilvaDepartamento de Geologia, Escola de Minas, Univ. Federal de Ouro Preto. E-mail: [email protected]

Fernando Flecha AlkmimDepartamento de Geologia, Escola de Minas, Univ. Federal de Ouro Preto. E-mail: [email protected]

Antônio Carlos Pedrosa-SoaresCPMTC-IGC-UFMG, Campus da Pampulha, Belo Horizonte. E-mail: [email protected]

ResumoO Feixe de Zonas de Cisalhamento Manhuaçu-Santa

Margarida de orientação geral NS estende-se por, aproximada-mente, 300 km na região leste de Minas Gerais. Como uma dasprincipais estruturas do núcleo cristalino do Orógeno Araçuaí, éconstituído por um conjunto de zonas de cisalhamento dúcteis,que, em mapa, mostram traços sigmoidais. O seu segmentonorte é composto por zonas de cisalhamento reversas que pro-movem o transporte de material em direção a oeste e, subordi-nadamente, por zonas transcorrentes dextrais. Os segmentoscentral e sul são dominados por zonas transcorrentes dextrais.O desenvolvimento do feixe deu-se em quatro fases deformaci-onais neoproterozóicas. A primeira fase promoveu a nucleaçãodo conjunto de zonas reversas, que ficaram parcialmente pre-servadas no segmento norte do feixe. Durante a segunda fase, aszonas preexistentes experimentaram, de norte para sul, umarotação progressiva para a vertical e para a direção NE-SW,além de intensa reativação transcorrente dextral. A terceira fasegerou zonas de cisalhamento normais de ocorrência restrita aosegmento norte. Na quarta fase, formaram-se falhas transver-sais e juntas. Em sua terminação sul, o feixe, dominado porzonas transcorrentes dextrais, rotaciona-se até confundir-se comas estruturas da porção NW da Faixa Ribeira. Tal fato implicaque as estruturas dessa porção do feixe são de mesma idade, oualgo mais velhas que as transcorrências dextrais, que marcam oquadro tectônico do segmento NW da Faixa Ribeira.

Palavras-chave: Zonas de cisalhamento, transcorrência, Oró-geno Araçuaí, Faixa Ribeira, Brasiliano.

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Geometria e evolução do feixe de zonas de cisalhamento Manhuaçu - Santa Margarida, Orógeno Araçuaí, MG

1. IntroduçãoO Orógeno Araçuaí localiza-se en-

tre o Cráton do São Francisco e a mar-gem continental leste brasileira, a norteda Faixa Ribeira, e corresponde à maiorparte do Orógeno Araçuaí-Congo Oci-dental. Constitui um dos vários compo-nentes do sistema orogênico neoprote-rozóico originado durante a aglutinaçãodo Gondwana Ocidental (Pedrosa-Soares et al., 2001, 2007, Alkmim et al.,2006, 2007). Do ponto de vista tectôni-co, o Orógeno Araçuaí compreende a fai-xa de dobramentos homônima (Almeida,1977), situada na sua porção externa, eum núcleo, constituído por rochas gra-níticas e metamórficas de médio a altograu. A porção sul do núcleo do oróge-no possui, como estruturas mais proe-minentes, quatro zonas de cisalhamentotranscorrentes de expressão regional,denominadas zonas de Abre Campo,Manhuaçu-Santa Margarida, Guaçuí eBatatal (Figura 1). Como parte de um pro-jeto de investigação tectônica sobre ossistemas de zonas transcorrentes da por-ção sul do Orógeno Araçuaí, o presentetrabalho enfoca o aqui denominado Fei-xe de Zonas de Cisalhamento Manhua-çu-Santa Margarida. Após uma descri-ção da sua geometria geral, interpretam-se a sua evolução e função cinemática.Com os resultados aqui apresentados,pretende-se contribuir para o entendi-mento da evolução do Orógeno Araçuaíe sua relação tectônica com a Faixa Ri-beira, bem como para o entendimento dageometria e função cinemática de siste-mas transcorrentes em orógenos de ummodo geral.

2. Estudos préviossobre as zonas decisalhamento Manhuaçue Santa Margarida

Costa et al. (1995, 1997 e 1998) cha-maram de “Cinturão Transcorrente Ma-nhuaçu” o conjunto de grandes linea-mentos anastomosados de direção NS eNNE existentes entre Caratinga eManhuaçu, em Minas Gerais. ParaCosta et al. (1998), tais estruturas repre-

sentariam, em Minas Gerais, a porçãonordeste da Faixa Ribeira, a qual seriacaracterizada pela alternância entre do-mínios tectônicos compressionais etranscorrentes. Zonas transcorrentesdextrais, que cortariam sistemas de em-purrão mais antigos, representariam aúltima manifestação de uma colisão en-tre placas continentais durante o Neo-proterozóico. Cunningham et al. (1998)postulam que a região de Manhuaçu exi-biria um conjunto de falhas direcionais eoblíquas dextrais de direção NS, as quaiscomporiam estruturas em flor positiva,típicas de ambientes transpressivos.Noce et al. (2003) detectam entre as cida-des de Cataguases e Miraí uma espessazona de cisalhamento marcada por inten-so retrometamorfismo.

3. Característicasgerais do Feixe deZonas de CisalhamentoManhuaçu-SantaMargarida

O Feixe de Zonas de CisalhamentoManhuaçu - Santa Margarida configurauma faixa de direção preferencial norte-sul, com inflexões para NE nas suas por-ções terminais. Compreende uma áreaentre os paralelos 18045’ e 22000’ e meri-dianos 41045’ e 43015’, entre as cidadesde Governador Valadares, a norte, e deJuiz de Fora, a sul (Figuras 1, 3, 5 e 7). Ofeixe, que possui largura variável entre15 e 40 km, baliza-se pela Zona de Cisa-lhamento de Manhuaçu, a leste, e pelaZona de Cisalhamento de Santa Marga-rida, a oeste. Exibe outros elementos degrande continuidade no seu interior, en-tre eles, as zonas de cisalhamento Reale-za-Caratinga e São Sebastião do Batatal.Os litotipos por ele afetados pertencema complexos infracrustais paleoprotero-zóicos (Mantiqueira ou Piedade, Juiz deFora e Quirino), ao Complexo Pocrane(arqueano?), a unidades supracrustais(Andrelândia e Paraíba do Sul) e suítesgranitóides (G1, pré-colisional, e G2,sincolisional) de idade neoproterozóica(Pedrosa-Soares et al., 2001, 2003, 2007,2008; Signorelli, 2003; Ribeiro, 2002;

Tuller, 2002; Féboli & Paes, 2002; Féboli,2002; Noce et al., 2003, 2007, 2007b;Romano & Noce 2003; Schobbenhauset al., 2004). As zonas componentes doFeixe de Zonas de Cisalhamento Ma-nhuaçu - Santa Margarida mostram tra-ços anastomosados que isolam blocosalongados, de larguras variáveis entre 2e 7 km (Figura 1). De um modo geral, oscomponentes do feixe expressam-se norelevo como vales alongados. A exceçãofica por conta da Zona de Cisalhamentode Santa Margarida, que é marcada poraltos topográficos, devido à ocorrênciade rochas quartzíticas em grande partede seu traçado. Na sua terminação nor-te, a paisagem associada ao Feixe deZonas de Cisalhamento Manhuaçu -Santa Margarida é caracterizada pela pre-dominância de hogbacks; e nos segmen-tos central e sul, pelo predomínio de espi-gões alinhados, que lembram as formasdo dorso de peixes (fishbacks, Figura 2).

Todos os componentes do feixesão de natureza dúctil e se materializamem rochas da série milonítica. A movi-mentação dos blocos é reversa e dirigi-da para oeste, no segmento norte, oblí-qua, reversa-dextral, no segmento cen-tral, e essencialmente transcorrente dex-tral, no segmento sul. Em função disso,e também da sua geometria e históriaevolutiva, o Feixe de Zonas de Cisalha-mento Manhuaçu - Santa Margaridapode ser subdividido em três domíniosestruturais, os quais correspondem aosseus segmentos norte, central e sul(Figura 1).

4. O segmento norteO segmento norte, compreendido

entre as localidades de Governador Va-ladares e Ubaporanga (Figura 3), carac-teriza-se pelo predomínio de zonas re-versas em relação às zonas transcorren-tes. Envolve três ramos principais quesão contínuos por todo o domínio. Oramo leste corresponde à terminação doFeixe de Zonas de Cisalhamento de Ma-nhuaçu; o central, à terminação da Zonade Cisalhamento São Sebastião do Bata-tal; e o oeste, à continuação da Zona deCisalhamento de Realeza-Caratinga.

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Figura 1 - Mapa geológico simplificado do Orógeno Araçuaí e porção nordeste da Faixa Ribeira mostrando a zona de cisalhamentode Abre Campo (ZCAC), o Feixe de Zonas de Cisalhamento Manhuaçu-Santa Margarida (FC-MSM), as zonas de cisalhamentoGuaçuí (ZCGu), Batatal (ZCB), Maripá de Minas (ZCMM) e Além Paraíba (ZCAP). SN = Segmento Norte, SC = Segmento Central eSS = Segmento Sul. Mapa confeccionado com base em Schobbenhaus et al. (2004), onde: Apo = Complexo Pocrane,A3M/PP2pd = Complexo Mantiqueira/Piedade, PP2jft = Complexo Juiz de Fora (unidade tonalítica), PP2jfe = Complexo Juiz de Fora(unidade enderbítica), PP1mi = Grupo Itabira, NPps = Complexo Paraíba do Sul, NPdst = Formação S. Tomé, NP3a-Sga = tonalitos daSuite Galiléia, NP3a-1lbg = tonalito Bom Jesus do Galho (Suíte Galiléia), NP3a-2Ivn = tonalito Vermelho Novo, NP3a- Smu = SuíteMuriaé, ENb = Grupo Bareira e Q2 (fl e li) = depósitos do Quaternário.

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Geometria e evolução do feixe de zonas de cisalhamento Manhuaçu - Santa Margarida, Orógeno Araçuaí, MG

Figura 2 - Aspectos do relevo associado ao Feixe de Zonas de Zonas de Cisalhamento Manhuaçu-Santa Margarida (FC-MSM). a)Paisagem de hogbacks vista de NW, na região de Jerusalém-Novo Horizonte (MG), correspondente à porção norte do feixe. b)Espigões em dorso de peixe (“fishbacks”), alinhados na direção NNE- SSW, e vistos de NW, na região de Fortaleza-Divino, localconhecido como Serra de Fortaleza, porção central do feixe.

Figura 3 - Mapa geológico e localização das seções estruturais do segmento norte (SN) do Feixe de Zonas de CisalhamentoManhuaçu - Santa Margarida (FC-MSM), confeccionado com base em Schobbenhaus et al. (2004), onde: Apo = Complexo Pocrane,A3M/PP2pd = Complexo Mantiqueira/Piedade, PP2jft = Complexo Juiz de Fora (unidade tonalítica), PP4-aç = Corpo Açucena, NP3a-1Itg = tonalitos da Suíte Galiléia (Sga), NPdt = Formação Tumiritinga, NPrj = Formação João Pinto e NPdst = Formação S. Tomé.Localidades: FT = Fernandes Tourinho, Sb = Sobrália e Ub = Ubaporanga. ZRC = Zona de Cisalhamento Realeza-Caratinga, ZCSS= Zona de Cisalhamento São Sebastião do Batatal e ZCM = Zona de Cisalhamento Manhuaçu.

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Movimentos essencialmente transcor-rentes ocorrem, em parte, nos ramos cen-tral e oeste. Zonas de cisalhamento re-versas com traços curvos em mapa searticulam aos ramos mencionados e sãocomuns por todo o segmento. Esse seg-mento é cortado, na região de Fernan-des Tourinho e Sobrália, por um conjun-to de falhas transcorrentes de direçãoNW-SE, bem como por um sistema dejuntas de direções ENE e ESE.

Nas seções levantadas nesse seg-mento (Figuras 4a, 4b e 4c), observa-seque as zonas de cisalhamento possuemmergulhos variáveis para leste e passamde predominantemente reversas, a nor-te, para transcorrentes, a sul. A foliação(Figura 4d) mostra a orientação prefe-rencial 109/25 e a lineação de estiramen-to (Figura 4e) tem como orientações maisfreqüentes 077/35 e 000/05, característi-cas de movimentações reversas e direci-onais, respectivamente. Os indicadorescinemáticos incluem dobras assimétricas,sigmóides (pods) de foliação e porfiro-clastos assimétricos. A seção AA1(Figura 4a) contém quatro zonas de em-purrão mergulhantes para leste, as quaisse associam a grandes dobras rompidas.O Pico do Ibituruna tem na base oTonalito Derribadinha da Suite G1 (pré-colisional) e, no ponto culminante, umcorpo granítico foliado da Suíte G2(sincolisional). O Tonalito Derribadinha(Suíte Galiléia) está gnaissificado, comveios aplíticos centimétricos discordan-tes, dobrados e boudinados. A foliaçãoapresenta dobras apertadas e desarmô-nicas, vergentes para oeste e, também,com trajetória sigmoidal, contornandoamêndoas simétricas e assimétricas. Ogranitóide do Pico do Ibituruna é homo-gêneo, de cor cinza-claro a róseo, de gra-nulação fina a média e contém diquescentimétricos de pegmatóides. Nos arre-dores de Governador Valadares, os mo-vimentos evidenciados pelas foliaçõese lineações variam entre reverso-dextrais,a sul, e sinistral-reversos, a norte. Paraleste, ocorre o Tonalito Galiléia (Suíte G1),gnaissificado e milonitizado, no qual, lo-calmente, a foliação toma um aspectosigmoidal e os veios pegmatíticos ficamboudinados. Zonas de cisalhamento

normais, afetando a foliação dominante,podem ser observadas na região (Cun-ningham et al., 1996, Nalini et al., 2000). Aseção BB1 (Figura 4b) atravessa zonasreversas e transcorrentes, que cortamrochas dos complexos Mantiqueira, Juizde Fora e Pocrane, além do Tonalito Der-ribadinha (Figura 3c). Nas zonas de cisa-lhamento, as rochas encontram-se milo-nitizadas, em maior ou menor intensida-de, e dobradas. Na seção CC1 (Figura 4c),ocorrem, de oeste para leste, o TonalitoBom Jesus do Galho, Complexo Juiz deFora, Tonalito Derribadinha e ComplexoPocrane (Féboli, 2002, Féboli et al., 2002,Tuller, 2002). A leste da BR-116, a seçãoé dominada por zonas reversas, onde orelevo característico é caracterizado porhogbacks. Zonas transcorrentes dextraispredominam a oeste. No interior das zo-nas de cisalhamento, as rochas estãonormalmente milonitizadas, exibindo cris-tais de granada milimétricos, sin-cinemá-ticos à foliação. Localmente, essas ro-chas apresentam sigmóides de foliação,dobras de arrasto e intrafoliais.

5. O segmento centralO segmento central estende-se de

Caratinga, a norte, até as proximidadesde Ervália-Carangola a sul, com uma lar-gura variável entre 20 e 30 km (Figura 5).As zonas de cisalhamento, de direçõespredominantemente norte-sul, são con-tínuas por toda sua extensão e exibem,em mapa, traços anastomosados. O es-paçamento entre os traços das zonasconstituintes é de 1 km, no mínimo, a8 km, no máximo. As zonas transcorren-tes predominam no interior do feixe, aopasso que as reversas estão restritas àssuas bordas. A atitude modal das folia-ções (Figura 6d) é de 097/80 e as linea-ções orientam-se preferencialmente emtorno de 015/24 (Figura 6e).

Na seção DD1 (Figura 6a), as zonasreversas principais estão na sua porçãoENE e lançam rochas do ComplexoPocrane sobre o Tonalito Derribadinha(Suíte Galiléia). Outras zonas reversasocorrem a leste de Caratinga e BR-116,onde são cortadas pela zona de cisalha-mento transcorrente de Realeza-Caratin-

ga, que corresponde à zona de desloca-mento principal de uma estrutura em florpositiva, bem exposta no segmento daBR-116, que passa por essa área. As duaszonas da extremidade WSW da seçãocorrespondem às zonas de cisalhamen-to de Abre Campo (Peres et al., 2004) eMatipó (Cunningham et al., 1998). EntreCaratinga e São João da Jacutinga, estáa Zona de Cisalhamento de São Sebasti-ão do Batatal, que se conecta à de Ma-nhuaçu a sul dessa seção, próximo à lo-calidade de Alegria. Os diversos litoti-pos estão milonitizados nas proximida-des dessas zonas e se apresentam, lo-calmente, com sigmóides de foliação.Grandes dobras intrafoliais são os ele-mentos mais comuns entre os traços daszonas de cisalhamento. A seção FF1 (Fi-gura 6b) envolve rochas das unidadesJuiz de Fora e Andrelândia, a oeste, ePocrane, a leste. Estão presentes, nessaseção, zonas reversas reativadas e trans-correntes, com predomínio das últimassobre as primeiras. Os litotipos encon-tram-se milonitizados nas zonas de cisa-lhamento, exibindo pods de foliação,dobras apertadas, porfiroclastos de fel-dspatos e cristais de granadas rotacio-nados e mobilizados pegmatóides. Nosintervalos entre as zonas, são comunsmegadobras vergentes para oeste. Naaltura de Realeza, ocorre a zona principalde uma grande estrutura em flor positi-va, uma vez que os caimentos das zonasvizinhas para aí convergem. A Zona deCisalhamento de Santa Margarida, a oes-te, pode ser seguida nas linhas de cume-adas dos morros por cerca de 200 km,desde Santa Bárbara, a norte, até as pro-ximidades de Argirita, a sul. Ao longo detoda sua extensão, há inúmeros pontosde extração de saibro, as “saibreiras” daregião, as quais se caracterizam pela ex-posição do produto de alteração super-gênica de intercalações métricas de fai-xas ricas em quartzo e faixas ricas em fel-dspatos. Tais massas apresentam-se como aspecto de megaribbons, descritos naliteratura em escala de lâminas (e.g.,Hippertt et al., 2001). Nesta zona, a folia-ção (Figura 6d) orienta-se preferencial-mente segundo 080-100/60-85, com line-ações de estiramento (Figura 6e) subori-

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Geometria e evolução do feixe de zonas de cisalhamento Manhuaçu - Santa Margarida, Orógeno Araçuaí, MG

Figura 4 - Seções geológico-estruturais através do segmento norte do Feixe de Zonas de Cisalhamento Manhuaçu - SantaMargarida e diagramas com a representação estatística das principais estruturas. a) seção estrutural AA1; b) seção estruturalBB1; c) seção estrutural CC1; d) estereograma da foliação metamórfica; e) estereograma da lineação mineral e f) diagrama deroseta das juntas. A posição das seções encontra-se no mapa da Figura 3.

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zontais (355-010/13-25) ou de alta obli-qüidade (053-100/62-65). As juntas (Fi-gura 6f) que ocorrem nesse domínio cons-tituem um conjunto de orientação prefe-rencial ENE e um par conjugado cisa-lhante de direções ENE-WSW e WNW-ESE. A seção HH1 corta os mesmos lito-tipos da seção anterior. Ela mostra umazona reversa na extremidade leste e zo-nas transcorrentes dextrais nas demaisporções. A leste da seção ocorrem gra-nada charnoquitos (neoproterozóicos ?),que mostram granulação fina a grossa,com enclaves máficos e, localmente,

bandamento gnáissico incipiente comcaimento para ENE (075/30). As juntas,nesse domínio, têm direções predominan-tes WNW-ESE e, secundariamente, ENE-WSW.

6. O segmento sulO segmento sul envolve rochas das

unidades Juiz de Fora, Quirino e Paraíbado Sul, além de granitóides neoprotero-zóicos (Figura 7). Caracteriza-se por umconjunto de zonas transcorrentes subpa-ralelas de direção NE-SW, com espaça-mentos que variam entre 1 a 7 km e cuja

largura média fica em torno de 30 km.Uma única zona reversa foi identificadana borda nordeste do domínio. As folia-ções mostram forte caimento para SE e asua orientação preferencial é 125/77(Figura 8d). As lineações exibem a atitu-de modal de 035/05 (Figura 8e). As jun-tas que ocorrem nesse segmento estãopreferencialmente orientadas na direçãoNW-SE (Figura 8f). A terminação sul dofeixe dá-se por uma diminuição progres-siva de sua largura, com a perda de defi-nição de vários de seus elementos. AZona de Cisalhamento de Manhuaçudesaparece nas proximidades de Muriaé

Figura 5 - Mapa geológico e seções do segmento central (SC) do Feixe de Zonas de Cisalhamento Manhuaçu - Santa Margarida,confeccionado com base em Schobbenhaus et al. (2004), onde: Apo = Complexo Pocrane, PP2pd = Complexo Mantiqueira/Piedade,PP2jft = Complexo Juiz de Fora (unidade tonalítica), PP2jfe = Complexo Juiz de Fora (unidade enderbítica), NPps = Complexo Paraíbado Sul, NPpl = Formação Palmital do Sul, Np3a-1lbg/Sga = tonalito Bom Jesus do Galho (Suíte Galiléia), NP3a-2Ivn = tonalito VermelhoNovo e NP3a- Smu = Suíte Muriaé. Zonas de Cisalhamento: Abre Campo (ZCAC), Matipó (ZCMp), Santa Margarida (ZCSM), Realeza-Caratinga (ZCRC) e Manhuaçu (ZCM).

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Geometria e evolução do feixe de zonas de cisalhamento Manhuaçu - Santa Margarida, Orógeno Araçuaí, MG

Figura 6 - Seções geológico-estruturais através do segmento central do Feixe de Zonas de Cisalhamento Manhuaçu - SantaMargarida e diagramas com a representação estatística das principais estruturas. a) seção estrutural DD1; b) seção estrutural FF1;c) seção estrutural HH1; d) estereograma da foliação metamórfica; e) estereograma da lineação mineral e f) diagrama de roseta dasjuntas. A posição das seções encontra-se no mapa da Figura 5.

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e a de Realeza-Caratinga desaparece anordeste de Cataguases. A partir de Mi-raí, permanece apenas a Zona de Cisa-lhamento de Santa Margarida, que, porsua vez, é truncada por uma zona de ci-salhamento trancorrente dextral de ori-entação ENE-WSW, aqui denominadaZona de Cisalhamento Maripá de Minas(Figura 7). Essa zona, em virtude de suaorientação cinemática e associação comelementos tectônicos de mesmas carac-terísticas, é aqui vista como elementocaracterístico da Faixa Ribeira, ou seja, aterminação sul do Feixe de Cisalhamen-to Manhuaçu - Santa Margarida carac-teriza-se como um truncamento por ele-mentos característicos da Faixa Ribeira.

A seção JJ1 (Figura 8a) atravessarochas das unidades Mantiqueira, Juizde Fora, Quirino e Paraiba do Sul, alémde granitóides neoproterozóicos da Suí-te Muriaé. A seção KK1 (Figura 8b) atra-vessa praticamente os mesmos litotiposda seção anterior e uma série de zonastranscorrentes dextrais. A seção LL1 (Fi-gura 8c) atravessa os litotipos dos com-plexos Juiz de Fora e Quirino e Paraíbado Sul. Na região leste de Juiz de Fora,são comuns as saibreiras instaladas emrochas quartzo feldspáticas alteradas efriáveis. Em uma dessas saibreiras, foramencontradas rochas menos alteradas, nasquais os megaribbons de quartzo apresen-tam-se em dobras intrafoliais rompidas.

7. Evolução do feixe dezonas de cisalhamentoManhuaçu - SantaMargarida

Tomando por base as relações decorte e superposição observadas nocampo entre os elementos estruturaispresentes no interior do feixe, quatro fa-ses de deformação podem ser caracteri-zadas. A mais antiga (Dn) é representadapor zonas de cisalhamento reversas edobras assimétricas, as quais se associ-am a uma foliação penetrativa em todasas escalas e conspícua lineação de esti-ramento posicionada na direção de

Figura 7 - Mapa geológico e seções do segmento sul (SS) do Feixe de Cisalhamento Manhuaçu - Santa Margarida (FC-MSM),confecionado com base em Schobbenhaus et al. (2004), onde: PP2pd = Complexo Mantiqueira/Piedade, PP2jfe = Complexo Juiz deFora (unidade enderbítica), PP2q = Complexo Quirino, NPps = Complexo Paraíba do Sul e NP3a-2Smu = Suíte Muriaé. Zonas deCisalhamento: Abre Campo (ZCAC), Santa Margarida (ZCSM), Maripá de Minas (ZCMM) e Além Paraíba (ZCAP).

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Geometria e evolução do feixe de zonas de cisalhamento Manhuaçu - Santa Margarida, Orógeno Araçuaí, MG

Figura 8 - Seções geológico-estruturais através do segmento sul do Feixe de Zonas de Cisalhamento Manhuaçu - Santa Margaridae diagramas com a representação estatística das principais estruturas: a) Seção estrutural JJ1; b) Seção estrutural KK1; c) Seçãoestrutural LL1; d) Estereograma da foliação metamórfica; e) Estereograma da lineação mineral e f) Diagrama de roseta das juntas.A posição das seções encontra-se no mapa da Figura 7.

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mergulho da foliação. Todos os seus ele-mentos refletem transporte tectônico di-rigido sistematicamente para oeste, soba ação de um campo compressivo de ori-entação geral E-W e nas condições dafácies anfibolito a granulito. A segundafase de deformação (Dn+1) foi responsá-vel pela formação de zonas de cisalha-mento dúcteis transcorrentes e pela ro-tação e reativação das zonas de cisalha-mento preexistentes, também como zo-nas transcorrentes dextrais. A estas zo-nas associam-se foliações miloníticasverticais a subverticais, lineações de es-tiramento direcionais, além de várias es-truturas de pequena escala que servemcomo indicadores cinemáticos. Essa fasedesenvolveu-se nas condições metamór-ficas da fácies xisto verde a anfibolito. Aterceira fase de deformação (Dn+2) gerouzonas de cisalhamento normais de ocor-rência restrita ao segmento norte. Taiszonas nucleram-se, principalmente, porreativação de zonas mais antigas, demodo que sua orientação preferencial,reproduz aquela das estruturas anterior-mente descritas. A quarta fase (Dn+3) éde natureza rúptil e foi responsável pelaformação de falhas e juntas com as ori-entações preferenciais EW e NNE-SSW,no segmento norte; ENE-WSW e WNW-ESE, no segmento central; e NW-SE, nosegmento sul. Pegmatitos e outros vei-os quartzo-feldspáticos, de espessurasdecimétricas a métricas, podem estar en-caixados em tais falhas e juntas. O fatode o Feixe de Zonas de CisalhamentoManhuaçu - Santa Margarida, como umtodo, tornar-se, em direção a sul, pro-gressivamente dominado pelas estrutu-ras transcorrentes Dn+1 e coalecer-se coma trama da Faixa Ribeira, que na sua por-ção norte é também dominada por estru-turas transcorrentes dextrais de orien-tação NE-SW (Pedrosa-Soares et al.,2003), tem duas implicações importan-tes. Em primeiro lugar, pode-se afirmarque as zonas dextrais do feixe são maisvelhas ou, mais provavelmente, de mes-ma idade das estruturas dominantes daporção norte da Faixa Ribeira. Em segun-do lugar, pode-se também afirmar que,do ponto de vista estrutural, o limite en-

tre o Orógeno Araçuaí e a Faixa Ribeira,na região enfocada, pode ser posiciona-do ao longo da zona de cisalhamentode Maripá de Minas (ZCMM), orienta-da a NE-SW, que baliza o feixe pelo sul.

8. Discussão econclusões

A maioria dos autores que estuda-ram a região afetada pelo Feixe de Zonasde Cisalhamento Manhuaçu - SantaMargarida postulou a atuação de trêsfases deformacionais, com a geração dastranscorrências dextrais dando-se pos-teriormente a uma fase compressionalprincipal (Costa et al.,1995 e 1998;Fischel, 1998; Cunningham et al., 1996,1998; Signorelli, 2002; Tuller , 2002; Noceet al., 2003; Romano & Noce, 2003; Pereset al., 2004). Alkmim et al. (2006, 2007),em um modelo evolutivo do OrógenoAraçuaí-Congo Ocidental, propõem que,na porção sul do Orógeno Araçuaí, apósa etapa sincolisional, teriam se formadoas zonas trancorrentes dextrais, que, en-tre 560 e 535 Ma, promoveriam o escapelateral de massas em direção a SW. Emvirtude do grande espessamento litos-férico adquirido nas fases precedentes,o orógeno experimentaria colapso gravi-tacional entre 520 e 490 Ma, acompanha-do de intrusão de grande volume de gra-nitos pós- colisionais.

Em função do exposto, vê-se queos resultados aqui obtidos relativos àevolução do Feixe de Zonas de Cisalha-mento Manhuaçu - Santa Margarida es-tão em acordo com a maioria dos estu-dos previamente realizados em partes desua zona de ocorrência. Eles permitem,também, que as seguintes conclusõessejam tiradas:

• O Feixe de Zonas de Cisalhamento Ma-nhuaçu-Santa Margarida, com um tra-ço sigmoidal em mapa, uma larguramédia de 22 km e um comprimento deaproximadamente 300 km, é constituí-do por um conjunto de zonas dúcteisde empurrão e transcorrências dex-trais.

• A sua terminação norte dá-se na altu-ra da cidade de Governador Valada-res, onde é francamente dominado porfalhas de empurrão. A sua terminaçãosul, caracterizada por transcorrênciasdextrais, é marcada por uma progres-siva rotação para a direção NE e coa-lescência com zonas transcorrentesdextrais dominantes na porção noro-este da Faixa Ribeira.

• A evolução do feixe deu-se em quatrofases. A sua nucleação como um con-junto de zonas dúcteis de empurrãodeu-se durante etapa colisional prin-cipal do Orógeno Araçuaí, entre 585 e560 Ma (Pedrosa-Soares et al., 2001,2007) e foi acompanhada de metamor-fismo regional e produção de granitosanatéticos nas condições da fácies an-fibolito e granulito. A seguir, o con-junto foi rotacionado para a posiçãovertical e para a direção NE-SW e rea-tivado, em intensidades crescentes denorte para sul, por movimentos direci-onais dextrais. Nessa segunda etapaevolutiva, que ocorreu provavelmen-te entre 560 e 535 Ma, a deformação,também em regime dúctil, foi acompa-nhada de reações metamórficas típi-cas da fácies anfibolito baixo a xistoverde. Outras estruturas associadas aofeixe são zonas de cisalhamento dúc-til-rúpteis normais, falhas transcorren-tes de direção preferencial WNW-ESSE e juntas, atribuíveis a duas fa-ses mais jovens.

• Enfatiza-se que o Feixe de Zonas deCisalhamento Manhuaçu-Santa Mar-garida é truncado pelas estruturas daFaixa Ribeira, situada a sul do Oróge-no Araçuaí. Os elementos do feixe, ro-tacionando-se progressivamente paraa direção NE-SW, confundem-se e sãolocalmente truncados pelas estruturasdominantes da porção NW da FaixaRibeira. Tal fato implica que as estru-turas dessa porção da Faixa Ribeira,também transcorrências dextrais, sãode mesma idade ou mais jovens queos elementos tectônicos dominantesdo segmento sul do Feixe de Cisalha-mento Manhuaçu-Santa Margarida.

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Geometria e evolução do feixe de zonas de cisalhamento Manhuaçu - Santa Margarida, Orógeno Araçuaí, MG

9. AgradecimentosOs autores agradecem o apoio fi-

nanceiro recebido do CNPq através dosprojetos 477618/2003-0 e 478960/2006-9,e ao Programa de Pós-Graduação doDEGEO-UFOP que ofereceu infra-estru-tura e apoio logístico para o desenvolvi-mento do presente estudo. Os autoresFernando F. Alkmim e A.C. Pedrosa Soa-res agradecem ao CNPq pelas bolsas deprodutividade em pesquisa.

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Artigo recebido em 03/07/2008 eaprovado em 31/10/2008.