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Ciências POLÍTICAS I Adriano Codato Fernando Leite Pedro Leonardo Medeiros Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Para assistir as videoaulas deste livro, assine o site www.planoeducacao.com.br

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© 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

Capa: IESDE Brasil S.A.

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Todos os direitos reservados.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

C597cv.1

Codato, AdrianoCiências políticas, I / Adriano Codato, Fernando Baptista Leite, Pedro Leo-

nardo Cardozo de Medeiros. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012.252 p.

Inclui bibliografiaISBN 978-85-387-3208-2

1. Ciência política. 2. Estado. 3. Poder (Ciências Sociais). 4. Sociologia políti-ca. I. Leite, Fernando Baptista. II. Medeiros, Pedro Leonardo. III. Inteligência Edu-cacional e Sistemas de Ensino. IV. Título.

09-4761 CDD: 320CDU: 32

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Doutor e Mestre em Ciência Política pela Universida-de Estadual de Campinas (Unicamp). Bacharel em Ciências Sociais pela Unicamp. Professor de Ciência Política na Uni-versidade Federal do Paraná (UFPR), um dos coordenado-res do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP) e editor da Revista de Sociologia e Política (<www.scielo.br/rsocp>).

Adriano Codato

Mestrando em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Ciências Sociais pela UFPR. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP/UFPR) e bolsista do CNPq.

Fernando Leite

Mestrando em Ciência Política pela Universidade Fe-deral do Paraná (UFPR). Bacharel em Ciências Sociais pela UFPR. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP/UFPR).

Pedro Leonardo Medeiros

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SumárioA Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas ....................................13

O objeto da Ciência Política ..................................................................................................................14Política e Ciência da Política .................................................................................................................17Principais tradições da Ciência Política contemporânea ...........................................................23Conclusão ....................................................................................................................................................32

O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas ...............................41

Poder e política .........................................................................................................................................42Os dois tipos de concepção de poder mais importantes da Ciência Política .....................45Conclusão ....................................................................................................................................................53

O Estado moderno: a teoria contratualista e sua crítica sociológica .......59

Autoridade e legitimidade ....................................................................................................................60O homem faz a história e o Estado ....................................................................................................60A história faz o homem e o Estado ....................................................................................................69Conclusão ....................................................................................................................................................72

O Estado burocrático: racionalidade e dominação ...................................79

O Estado burocrático e o monopólio da violência física e simbólica ....................................81A legitimidade da dominação burocrática .....................................................................................85Conclusão ....................................................................................................................................................89

O Estado capitalista: as perspectivas marxista e weberiana .................97

A tradição marxista ..................................................................................................................................98A tradição weberiana ............................................................................................................................107Conclusão: contraste entre as teorias marxista e weberiana .................................................113

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Formação e desaparecimento do Estado: perspectivas marxista e weberiana .............................................................121

O Estado enquanto produto sócio-histórico ................................................................................122Expropriação dos recursos materiais e simbólicos ....................................................................125Lutas de classe e o surgimento do Estado ....................................................................................128O fim do Estado .......................................................................................................................................130Conclusão ..................................................................................................................................................133

O conceito de ideologia ..................................................................................143

Os sentidos negativos do conceito de ideologia ........................................................................144A ideologia como o impensado da prática científica ................................................................146Os sentidos positivos do conceito de ideologia ..........................................................................148Ideologia em sentido gnosiológico .................................................................................................151Ideologia em sentido sociológico ....................................................................................................152Conclusão ..................................................................................................................................................153

Doutrinas políticas da era moderna: liberalismo, socialismo e fascismo ...............................................................159

Considerações metodológicas: a definição das doutrinas políticas ....................................161Liberalismo ...............................................................................................................................................162Socialismo .................................................................................................................................................169Fascismo ....................................................................................................................................................174Conclusão ..................................................................................................................................................179

Grupos, interesses e representação política .............................................187

Coletividades e ação política .............................................................................................................189A lógica da ação coletiva e a tendência à abstenção ................................................................192Interesses e representação política .................................................................................................194Conclusão ..................................................................................................................................................198

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Comportamento eleitoral: teorias que explicam o voto......................207

A corrente psicológica ..........................................................................................................................209A corrente sociológica ..........................................................................................................................213A corrente da racionalidade ...............................................................................................................217Conclusão ..................................................................................................................................................219

Gabarito .................................................................................................................231

Referências ...........................................................................................................245

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Apresentação

“Ciência Política”?

Política, definitivamente, não é ciência. Ciência é uma atividade que exige objetividade, imparcialidade, método e uma alta dose de racionalidade. Envolve conhecimento técnico especializado e domínio de teoria. Para “fazer ciên-cia”, é preciso disposição para procurar e dizer a verdade.

A política parece ser o oposto de tudo isso. Na polí-tica (isto é, na atividade política) não se quer demonstrar, mas persuadir; não se visa compreender e explicar, mas arregimentar apoios. Políticos dificilmente dizem “não”, mas “talvez”. Em política, não se pode ser inflexível, mas também não se admite neutralidade. A racionalidade polí-tica é um tipo muito especial de racionalidade. Ela parece, aos não iniciados, muitas vezes misteriosa: inimigos histó-ricos tornam-se aliados inseparáveis e partidos de oposi-ção, uma vez no governo, assumem as mesmas priorida-des da antiga situação.

Ciência Política não é, então, uma contradição em termos? É possível mixar esses dois mundos? Este livro sustenta que sim e quer demonstrar isso.

Política não é ciência, mas a Ciência Política o é. Ou melhor: a Ciência Política, um dos ramos das Ciências So-ciais, é o conhecimento sistemático, objetivo, metódico e rigoroso acerca da prática política.

A Ciência Política tem hoje mais do que nunca um destaque inusitado nas Ciências Humanas. E o caso do Brasil é especialmente ilustrativo desse progresso, tanto institucional como culturalmente.

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Desde os anos 1990, a Ciência Política passou, pouco a pouco, a cumprir o papel que o ensaísmo erudito havia desempenhado antes dos anos 1950; a Filosofia, nos anos 1960; a Sociologia, nos anos 1970; e a Economia, nos anos 1980 – ou seja, um ponto de referência para os debates públicos da cena política nacional.

Se o caráter brasileiro foi um dos temas que, lá pelos anos 1930, polarizou a preocupação dos intelectuais e de boa parte da sociedade letrada; se a questão do desenvol-vimento econômico foi o assunto em moda nos anos 1940 e 1950; se as questões ligadas à pobreza e à distribuição de renda foram o tema dos anos 1970; e se a superinflação foi a principal aflição dos 1980, o retorno à democracia, seu funcionamento mais previsível e regular (por meio de eleições periódicas), o crescimento e o fortalecimento das instituições políticas (partidos, parlamentos) terminaram, entre outras razões, por colocar a política na ordem do dia. Junto dessa política prática, ressurgiu uma ciência da prática política e os problemas tradicionais ligados à ques-tão do poder tenderam a receber um enfoque cada vez menos normativo (no registro do que deveriam ser) e cada vez mais descritivo (aquilo que efetivamente são).

Assim, à medida que os especialistas em generali-dades, os bacharéis em ciências jurídicas e sociais e os grandes articulistas do jornalismo político cumpriram sua função como explicadores do Brasil, eles foram sendo substituídos, graças à expansão do ensino universitário pós-graduado, pelos novos profissionais das ideias: os cientistas políticos e sociais. Estes últimos assumiram uma espécie de discurso competente diante dos grandes pro-blemas nacionais, quer pela forma de pôr as questões, quer pelo vocabulário usado para respondê-las. Não era isso, afinal de contas, o “economês”, a língua franca na aca-demia brasileira nas décadas de 1970 e 1980?

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Nos anos 1990, terminado o ciclo de transição do regime ditatorial militar, seguiu-se a democracia como direito de todos, a política como negócio de alguns. Esse “negócio da política”, para usar uma expressão comum, tende então a ser tratado de duas maneiras. Nos períodos eleitorais, surge todo tipo de perito em ler pesquisas, adi-vinhar as preferências do eleitorado e elaborar frases no lugar de ideias (essa é, enfim, a essência do marketing po-lítico). Ao lado desses tudólogos (especialistas em tudo), uma nova espécie de profissional – o cientista político, cada vez menos preso a questões somente acadêmicas – passa a ser consultada com frequência por jornalistas, candidatos, estrategistas em campanhas etc., em função de um saber específico: aquele saber que é o resultado de um método de investigação e não de uma opinião ou de uma intuição.

Daí que a profissão exija hoje muito mais sofisticação teórica, muito mais pesquisas empíricas, com a elaboração de questionários, a coleta de dados e a análise dos resul-tados sendo procedimentos cada vez mais usuais, em es-pecial quando se trata de saber, por exemplo, a opinião da população sobre o Legislativo, o papel dos partidos, o perfil dos candidatos ou o grau de satisfação com os servi-ços das empresas públicas.

Este volume foi pensado como uma introdução muito elementar ao estudo científico da política. Escrito como um manual para não iniciados, ele está organizado em torno de três grandes eixos temáticos: a questão do poder e do seu exercício institucionalizado por meio do Estado (capítulos 2 a 6); a questão da ideologia e das doutrinas políticas (capítulos 7 e 8); e a questão do comportamen-to efetivo dos agentes políticos (capítulos 9 e 10). A título de introdução, o capítulo 1 faz um resumo das principais correntes teóricas da Ciência Política contemporânea e se esforça por mostrar qual é afinal a diferença entre política e Ciência da Política.

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O livro foi escrito coletivamente. Além dos autores que o assinam, fomos ajudados pelo colega Hugo Loss, que contribuiu decisivamente em muitas partes e em vários capítulos. Este trabalho de equipe só foi possível pelo clima de camaradagem entre os integrantes do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da Universidade Federal do Paraná, e pela seriedade e cuidado com que cada um encarou sua tarefa.

Adriano Codato

Curitiba, inverno de 2009.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

Em todas as comunidades políticas, existem esses dois humores diversos que nascem

da seguinte razão: o povo não quer ser comandado nem oprimido pelos grandes,

enquanto os grandes desejam comandar e oprimir o povo.

Nicolau Maquiavel

Apresentaremos ao leitor o que é a Ciência Política e o que fazem os cientistas políticos.

Essas questões, aparentemente banais, são, ao contrário, muito importantes. É por meio delas que conhecemos o verdadeiro objeto da Ciência Política (o que ela estuda) e a particularidade da Ciência Política como uma disciplina científica. Uma disciplina só é científica quando possui um objeto de pesquisa claramente delimitado e defini-do – e quando esse objeto é composto por uma ordem de fenômenos reais, ou seja, que não dependem nem da imaginação nem da vontade do cientista. Vamos também distinguir claramente a prática científica dos “politólogos” de seu objeto de estudo – a política propriamente dita.

Em um segundo momento, apresentaremos como a Ciência Política aborda os seus assuntos resumindo as principais tradições teóricas da disciplina. A Ciência Políti-ca – como qualquer ciência, aliás – não é um corpo homogêneo e uniforme de méto-dos, teorias e explicações. Há quase sempre, e nas ciências humanas em especial, abor-dagens muito diferentes dos mesmos fenômenos. Nesse sentido, pretende-se fornecer ao leitor um mapa das principais correntes teórico-metodológicas da Ciência Política, enfatizando sua evolução nos Estados Unidos, país onde a Political Science mais se de-senvolveu e mais se sofisticou no século XX.

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O objeto da Ciência Política

A visão comum da “política” e os fenômenos políticosAs ciências definem-se em função dos objetos dos quais se ocupam. Assim, para

entendermos o que é e o que faz a Ciência Política precisamos ter uma ideia exata de seu objeto de estudo.

A Ciência Política, como diz o nome, trata de uma categoria particular de fenôme-nos histórico-sociais: os “fenômenos políticos”. Resumindo mais poderíamos dizer que a Ciência Política trata da política.

O que é, então, a política?

Quando lemos ou ouvimos a palavra política, a primeira coisa que vem à mente da maioria das pessoas é a imagem dos políticos profissionais e dos endereços onde eles atuam ou estão mais presentes: no Executivo, no Congresso Nacional, nos ministérios. Eles são também os protagonistas de campanhas eleitorais, dirigentes partidários, lí-deres locais etc. Essa ideia não é cientificamente errada. De fato, isso também é “políti-ca”. Essa ideia de política, contudo, é muito restrita, é insuficiente.

Se prestarmos atenção a esses elementos que comumente entendemos como sinônimos de política, percebemos que todos eles se referem, de alguma maneira, ao poder de Estado: como consegui-lo, como mantê-lo, como usá-lo.

EstadoPor enquanto, podemos entender o Estado como um conjunto de instituições

políticas formais.

O Estado e todos os fatos políticos ligados a ele, como aqueles que acabamos de mencionar, são os principais fenômenos políticos das sociedades humanas. É por isso que as pessoas tendem a confundir política com Estado ou mais simplesmente com governo. É por isso, também, que os fatos políticos ligados ao Estado e ao poder de Estado constituem o principal foco de atenção da Ciência Política.

Contudo, a política, em sentido amplo, não se reduz a isso: há vários fenômenos políticos que não se resumem ao Estado ou ao governo. Os fenômenos políticos vão muito além da política institucional que acompanhamos cotidianamente por meio da TV, dos jornais e revistas.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

Para esclarecer melhor essa questão, vamos entender a política como uma ordem particular de fenômenos que ocorrem em todas as sociedades humanas e aos quais daremos o nome de fenômenos políticos.

Essa é uma definição mais ampla de política. Ela é importante porque a Ciência Política estuda todos os fenômenos políticos das sociedades humanas, e não somente a política legal e os processos de governo (ainda que estes sejam seus principais temas de pesquisa).

O que seria, portanto, a política em sentido amplo? Quais seriam os fenômenos políticos?

Política, fenômenos políticos e poderPolítica em sentido amplo refere-se ao exercício de alguma forma de poder. Poder e

política são, assim, quase sinônimos.

Por enquanto, é suficiente entendermos o poder simplesmente como a capacidade de influenciar o comportamento das pessoas (RIBEIRO, 1981). Nesse sentido, sempre que uma pessoa ou instituição estimula ou coage alguém de modo a influenciar seu comportamento, existe uma relação de poder. Nessa relação há, sempre, algum tipo de interesse (não necessariamente egoísta, podendo ser algum interesse altruísta, por exemplo), e tal interesse geralmente é orientado de modo a produzir uma decisão.

Vemos assim que a política, o jogo de poder – ou seja, a “transa” para se obter uma decisão qualquer – está em toda parte, na conduta humana. Quando um casal, no início de seu relacionamento, vai gradualmente marcando os papéis dentro do lar (eu mando aqui, você manda ali e assim por diante), estamos diante de um miniprocesso decisório, ou seja, de um miniprocesso político. Da mesma forma, quando os garotos de uma rua se organizam em um time de futebol e vão atribuindo responsabilidades a alguns, mesmo informalmente, também há um miniprocesso político. (RIBEIRO, 1981, p. 23)

Para haver um fenômeno político não é necessário que as pessoas que sofrem os estímulos ou a coação, em uma relação de poder, cedam necessariamente a eles. Ou seja: não é preciso que o poder exercido obtenha êxito. Um fenômeno político existe, portanto, mesmo quando aquele que sofre a ação do poder resiste a ele. A própria exis-tência de estímulos ou coerções sobre alguém, com a finalidade objetiva de influenciar seu comportamento, é suficiente para configurar um fenômeno político.

Formas explícitas e implícitas de políticaAs formas de influenciar o comportamento das pessoas são extraordinariamen-

te diversas. Somos acostumados a perceber como fenômenos políticos somente as formas mais explícitas de poder e influência, por exemplo, a situação em que um in-

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divíduo busca conscientemente mudar o comportamento de outro, utilizando-se do seu prestígio social, ou da autoridade institucional de que está investido, ou mesmo da violência física. Mas os fenômenos políticos podem ser mais sutis. Desse modo, a educação, por exemplo, configura também um fenômeno político: é um processo em que se estimula (e mesmo se obriga) as pessoas a pensarem e agirem de determinada forma.

Portanto, qualquer estímulo ou constrangimento pode configurar um fenômeno político. Até mesmo valores culturais podem sê-lo, na medida em que influenciam o modo como as pessoas pensam. Tudo isso, inclusive as formas mais explícitas e mesmo deliberadas de modificar o comportamento de outrem, constitui o que chamamos de fenômenos políticos.

Não há qualquer correlação necessária entre política institucional e formas explí-citas de poder e entre política em sentido lato e formas implícitas de exercício do poder. E isso pelas seguintes razões:

a política institucional também envolve formas sutis de poder;

a política em sentido lato, ou seja, os fenômenos políticos em geral, também abrangem formas explícitas de poder.

Portanto, a diferença entre política em sentido estrito e política em sentido lato ou fenômeno político não depende da forma como o poder é exercido, mas do tipo de ator e contexto em que se exerce o poder.

O poderA Ciência Política não trata apenas da política institucional, isto é, daquele tipo

de fenômenos associados, geralmente, aos processos de governo, às eleições ou à luta entre os partidos. A Ciência Política, na realidade, estuda todos os fenôme-nos que são permeados por algum tipo de poder (explícito ou implícito; violento ou tácito; deliberado ou inconsciente; exercido por indivíduos, por instituições ou mesmo sociedades inteiras). A matéria-prima da Ciência Política é, portanto, o poder.

A ênfase da Ciência Política na política institucionalizadaA maior parte dos esforços dos cientistas políticos está voltada para a compreen-

são e a explicação de fenômenos políticos socialmente significativos. Dentre o imenso rol de fatos políticos, a ênfase recai sobre aqueles que produzem decisões efetivas e

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

que afetam um grande número de pessoas, isto é, possuem um caráter público (RIBEI-RO, 1981, p. 15). É por isso que, apesar de qualquer fenômeno político estar apto a ser objeto de análise científica pela Ciência Política, os fatos políticos ligados ao Estado – ou seja, à política institucionalizada – são o seu principal assunto.

Política institucionalA Ciência Política estuda os fenômenos políticos, ou seja, quaisquer fenôme-

nos sociais que envolvem poder. O poder está presente em uma situação em que se exerce estímulo ou coação sobre alguém de modo a influenciar seu comporta-mento. Contudo, a Ciência Política tende a enfocar mais, por seu caráter público e socialmente significativo, a política institucional.

Política e Ciência da Política

A especificidade do objeto das ciências humanasA Ciência Política é uma ciência humana e social e, assim como qualquer ciência

humana, tem um problema metodológico importante. Ao contrário das ciências natu-rais, nas ciências humanas o pesquisador faz parte de seu objeto de estudo ou, como diz Cerroni (1986, p. 30), nas ciências sociais o objeto de estudo é o próprio sujeito que pretende conhecê-lo. Entre muitos problemas metodológicos que isso implica, o que mais nos interessa aqui é o problema da confusão entre a ciência (política) e o seu objeto de estudo (a política).

Na Física e nas outras ciências exatas, é praticamente impossível que o cientista “comprometa-se” politicamente com o seu objeto. Os fenômenos da natureza são com-pletamente independentes da imaginação, da vontade, dos valores ou dos interesses de quem os estuda. Não importa o que o cientista faça, ele não vai – e não pode – in-fluenciar as leis da natureza. Ele pode, no máximo, manipular essas forças dentro dos limites que a própria natureza impõe aos seres humanos (no laboratório, por exemplo). Nas ciências humanas, ao contrário, por causa da confusão entre o objeto e o sujeito de conhecimento, é possível que o sujeito passe a influenciar o seu objeto de estudo – e vice-versa. Assim, o cientista político pode passar a fazer política, em vez de estudá-la; ou a política (os interesses, as paixões, as ideias) pode influenciar o cientista político, co-locando em xeque a sua objetividade e, portanto, todo o empreendimento científico. Por isso, é importante distinguir claramente uma coisa da outra.

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A objetividade e a ciênciaNão há nada mais importante para uma ciência do que a objetividade. O princípio

e o propósito da ciência é construir teorias sobre a realidade a fim de descobrir a lógica, os padrões e as regularidades presentes no mundo. Desse modo, o único objetivo da ciência é criar ideias fiéis à realidade e produzir explicações críveis sobre ela. É diferente da arte, por exemplo, que não se limita a representar (teoricamente) a realidade, mas a produzir um universo de símbolos e significações independente da natureza e da rea-lidade objetiva das coisas, dando liberdade absoluta à imaginação subjetiva do artista. A imaginação científica deve ajustar-se à realidade, e assim é limitada por ela. Para isso, é preciso objetividade. Sem objetividade, não há ciência.

A Ciência Política consiste, idealmente, em um estudo lógico e metodologica-mente rigoroso, sistemático, objetivo, realista, racional, cumulativo e empiricamente orientado sobre o mundo político. Ela se pretende tão objetiva e fiel aos fatos quanto possível. Para isso, os cientistas políticos (e os demais cientistas sociais) desenvolveram métodos e técnicas de pesquisa a fim de garantir tal objetividade, controlando ou con-tornando ao máximo as preferências do pesquisador.

A distinção entre política e ciênciaComo vimos, o objeto das ciências humanas possui a especificidade, em com-

paração com as ciências naturais, de confundir-se com o próprio observador. Isso impõe sérios problemas para a objetividade das ciências humanas. Uma das principais formas de evitá-los ou diminuí-los é entender claramente a diferença entre o objeto e o observador.

No caso da Ciência Política, é imprescindível distinguir o estudo da política da prá-tica política propriamente dita: o cientista político, enquanto executa seu dever cientí-fico, não toma – e não deve tomar – partido nas questões, nos fenômenos que estuda. Se ele analisa, por exemplo, as etapas do processo que conduz à escolha e implantação de uma política governamental, ele tem que, antes de pronunciar-se sobre a justiça ou injustiça promovida por essa decisão, identificar os agentes e os interesses envolvidos no processo de escolha entre alternativas, isto é, a configuração específica de fatores que determinam o resultado político observado. O cientista político pode investigar também a organização política de uma sociedade e suas formas de governo. Pode ca-racterizar um regime político específico como democrático, ditatorial etc. Esse traba-lho de análise das relações de poder entre grupos e indivíduos deve ser prioritário em relação às suas preferências pessoais sobre a melhor forma de regime. Novamente, seu objetivo principal é responder a questões científicas acerca desses fenômenos, com a finalidade exclusiva de produzir conhecimento válido sobre os fenômenos em questão.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

O princípio heurístico da ciência e a definição de cientista político

Cientista político é o profissional que se dedica ao estudo dos fenômenos políti-cos, buscando descrevê-los e compreendê-los por meio de métodos científicos. Isso é o princípio heurístico1 do estudo e da pesquisa científica: sua finalidade é produzir conhecimento, responder a problemas científicos para conhecer a realidade, explican-do suas causas e a conexão entre os fenômenos. O cientista político está interessado, portanto, em conhecer como e por que os fenômenos políticos são ou funcionam de determinada forma. Sem esses princípios, a ciência perde o principal aspecto que a dis-tingue de outras instâncias e formas de conhecimento – ela perde a sua razão de ser.

Ciência, ética e moral: a contribuição de Nicolau Maquiavel

A ciência trata do que é e não do que deve ser. A ética de um governante, a moral de uma comunidade política e as questões que envolvem relações sociais de poder não interessam à ciência política senão como objetos de estudo.

Foi Nicolau Maquiavel (1469-1527) quem primeiro intuiu um método e aplicou os princípios científicos ao estudo da vida política. Até ele, o estudo da política consistia em uma investigação moralista e politicamente engajada dos problemas decorrentes do exercício do poder. Os pensadores sociais buscavam, em geral, idealizar e/ou pres-crever o que a política deveria ser, em vez de analisar o que ela de fato é. O estudo da política estava assim submetido a preferências muito subjetivas sobre o bom e o mau governo, a utopias generosas e irrealizáveis, e a posições politicamente interessadas – tudo isso passando por tratados objetivos e fiéis ao mundo da política.

A verdade efetiva da coisa(MAQUIAVEL, cap. XV)

“[...] sendo meu intento escrever algo útil para quem me ler, parece-me mais conveniente procurar a verdade efetiva da coisa do que uma imaginação sobre ela. Muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais foram vistos e que nem se soube se existiram na verdade, porque há tamanha distância entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes sua ruína do que sua preservação.”

1 Segundo o Dicionário Houaiss, heurística é a “arte de inventar, de fazer descobertas; ciência que tem por objeto a descoberta dos fatos”. A capacidade heu-rística de uma teoria ou ciência é sua capacidade para dar respostas a questões científicas. A cada resposta, amplia-se o conhecimento sobre um fenômeno e o arsenal de métodos de análise disponíveis, conferindo à ciência a característica cumulativa: um conhecimento e um método contribuem para o desenvolvi-mento de novos conhecimentos e métodos, que por sua vez expandem a capacidade heurística da ciência.

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Assim, Maquiavel chocou grande parte de sua geração (e choca as pessoas ainda hoje) apresentando a política como um intrincado jogo envolvendo forças orientadas de modo a conquistar, acumular e manter o poder. Sua obra mais conhecida, O Príncipe (1532), embora lido como um guia prático para se obter sucesso político (uma espécie de manual de autoajuda do político profissional), é na realidade uma reflexão profun-damente realista sobre a natureza do poder.

O autor entende a política não como um domínio em que se luta apenas por poder, prestígio e riquezas, mas principalmente por glória, reconhecimento e respeito dos governados. Esse objetivo – instrumento para, segundo Maquiavel, realizar “gran-des coisas” – depende tanto da capacidade individual do líder político (o príncipe, na metáfora por ele escolhida) quanto da sorte. Esses dois elementos são temperados pela ocasião ou, diríamos hoje, pela conjuntura, pela correlação de forças entre os agentes políticos em uma determinada situação. Um líder verdadeiro deve saber equilibrar-se entre as forças em presença, usando, se necessário, a violência. A violência não é o meio da política, mas um recurso legítimo.

A ideia de Maquiavel acerca da natureza da política (nesse caso, a política institu-cionalizada, ligada ao Estado e ao poder de Estado) foi exagerada e distorcida por seus inúmeros leitores e comentadores. Mas o que interessa aqui é, antes de tudo, a forma como Maquiavel desenvolve seu argumento; é o que lhe confere o atributo de funda-dor da Ciência da Política. Ele parte de questões profundamente práticas – questões que todos os políticos se colocam todos os dias – para refletir, objetivamente, sobre elas:

O que é necessário para um líder conquistar o poder?

O que é preciso para que um líder sustente o Estado?

De que modo se deve governar uma comunidade política?

É melhor se amado ou temido pelos governados?

Como evitar os aduladores?

Como lidar com os assessores?

Na busca de respostas para esses problemas, ele reflete sobre fatores e causas do sucesso ou insucesso dos políticos de seu tempo. Ao fazer isso de maneira realista (ainda que apaixonada), ele inaugura a abordagem “científica” da política.

Maquiavel busca identificar qualquer fator ou causa que possa ser determinante do fenômeno que estuda, a despeito de qualquer implicação ética ou moral. Descobre ele – ou melhor, revela ele – que, na maioria dos casos, o jogo político é um jogo de interesses envolvendo cálculos para atingir fins geralmente tidos como “egoístas”, uti-lizando meios muitas vezes cruéis e injustos. Ele conclui que os homens envolvidos na Ci

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

política real agem – e precisam agir – de forma egoísta e por vezes cruel para atingir seus objetivos. Essa descoberta, contudo, vai de encontro com as visões aprazíveis da política – como a “busca do bem comum”, “a realização do interesse público” – ou visões estritamente prescritivas, e moralmente convenientes, como as da Igreja da época do Renascimento.

Vejamos um exemplo.

Em certa altura de O Príncipe, Maquiavel fala de Agátocles (317-289 a.C.), guerreiro que se tornou rei de Siracusa e ficou reconhecido por sua imensa crueldade. Apesar de desaprovar moralmente as atitudes de Agátocles, Maquiavel observa como sua cruel-dade foi determinante para suas conquistas e para seu sucesso político em geral:

Não se pode chamar de “valor” assassinar seus cidadãos, trair seus amigos, faltar à palavra dada, ser desapiedado, não ter religião. Essas atitudes podem levar à conquista de um império, mas não à glória. Pois, considerando o valor de Agátocles ao entrar e sair de perigos e a grandeza de ânimo para suportar e superar as adversidades, não se vê por que ele deva ser julgado inferior a qualquer líder excelente. Todavia, a sua crueldade feroz, a sua desumanidade e as maldades infinitas impedem que seja celebrado entre os homens excelentes. (MAQUIAVEL, 1996, p. 44)

Lembramos que a política não é, necessariamente, ou não precisa ser sempre egoísta, mesquinha, cruel etc. Ela pode mobilizar indivíduos virtuosos e idealistas, e proceder escrupulosamente. Se a Ciência Política descobrir que os atributos e valo-res morais positivos são causas dos fenômenos políticos analisados, ou mesmo que são importantes para o sucesso político, a Ciência Política irá reconhecê-los enquanto tais, da mesma maneira que faz com atributos moralmente negativos. Nesse sentido, Maquiavel recusa os valores morais porque ele acredita que as forças que movem a política e conferem sucesso político, pelo menos nos casos que analisa, são muitas vezes amorais ou imorais. Maquiavel fornece, portanto, um modelo de atitude científi-ca: ele nos mostra quais os efeitos das atitudes práticas de tal ou qual líder político; se são eficazes politicamente ou não; se são suficientes para produzir os efeitos políticos desejados ou não etc. Não busca aprovar ou reprovar qualquer atitude política por ela ser moralmente negativa.

Isso não quer dizer que o cientista político não possa ou não deva tomar partido nas questões que estuda. Só não o deve fazer enquanto assume e cumpre o seu papel de cientista. No trecho que apresentamos há pouco, o próprio Maquiavel reprova “moral-mente” as atitudes de Agátocles, reconhecendo, contudo, de maneira realista, que elas foram eficientes.

A ação política do cientista deve apresentar-se abertamente dessa forma: como uma ação política; não pode orientar os achados da pesquisa ou mesmo substituí-la. Não compete à ciência tomar partido entre tal ou qual questão política ou posição moral; ainda que o cientista possa, enquanto ator político ou como cidadão comum, assumir posições políticas – fora da pesquisa científica.

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A vocação científica e a vocação política

Max Weber (1864-1920) distinguiu admiravelmente bem a vocação científica e a vocação política (WEBER, 2000). O principal da distinção nós já abordamos: o cientis-ta é um profissional da ciência e, enquanto pratica a ciência, orienta-se pela finalida-de heurística e pela objetividade, ou seja, deve responder objetivamente a questões científicas buscando assim descrever e explicar os fenômenos políticos. O político, pelo contrário, age politicamente: orienta-se a partir de uma ideologia ou mesmo de uma ética que não tem como objetivo a descoberta da “verdade”; não busca aproximar-se da realidade ou esclarecê-la, mas mobilizar e influenciar as pessoas; persegue e busca realizar projetos com vistas a produzir efeitos sociais. A atividade política é permeada de valores e de interesses – sejam “bons” ou “maus” – que não seguem, e não precisam seguir, as exigências do método científico, exatamente porque não estão comprometi-dos com o realismo e com a finalidade da ciência.

Como a ciência pode auxiliar a política e a humanidade em geral

É claro, a pesquisa científica pode ter consequências políticas. As descobertas da ciência frequentemente produzem aplicações ou efeitos políticos, até mesmo aci-dentalmente. Mas o fazem por causa dos fatos que a ciência desvela ou esclarece. As finalidades técnicas ou políticas são consequências, e não princípios da pesquisa cien-tífica. Pode-se até mesmo pedir auxílio à ciência para decidir sobre questões técnicas ou políticas, mas o que a ciência irá responder é se determinada coisa produz ou não produz determinado efeito; se determinado fenômeno é causado por outro; se é mais ou menos provável que um fenômeno qualquer ocorra caso um fator ou processo qual-quer esteja presente etc.

Tome-se o caso dos sistemas eleitorais.

Quando se comparam diferentes fórmulas que definem como será contabiliza-do o voto das pessoas – por meio do sistema majoritário, do sistema proporcional, se devem ser adotados ou não distritos eleitorais de tamanho reduzido etc. –, o es-pecialista pode afirmar, com razoável segurança, a partir da comparação com outras experiências políticas, quais serão os efeitos práticos de se adotar o modelo “a” ou “b”. O cientista político pode prever, inclusive, que impactos essa mudança terá sobre o sistema de partidos, se levará ou não à diminuição do número de partidos, e se isso é eficiente ou não para a estabilidade democrática. O cientista político pode até preferir um sistema eleitoral a outro, pode inclusive defender publicamente um tipo específico de mudança. O que ele está obrigado a fazer, contudo, é explicar, objetivamente, todos os prós e contras envolvidos no fenômeno estudado.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

A ciência – em nosso caso, a Ciência Política – não responde portanto à questão do que devemos fazer em nossas vidas ou que tipo de coisa é melhor; pois essas não são questões científicas; não se referem a julgamentos de fato, mas de valor; competem à ética e à consciência dos indivíduos. Mas a ciência pode nos dizer quais serão as con-sequências prováveis de nossos atos; quais seriam as condições ótimas para que tal ou qual objetivo se realize.

Conhecimento da realidadeA Ciência Política estuda a política; ela não se confunde com a prática política.

A Ciência Política pode, todavia, fornecer suporte para a ação política esclarecendo sobre os efeitos que podem ocorrer dependendo da decisão tomada; as pessoas podem muito bem utilizar o conhecimento da realidade produzido pela Ciência Po-lítica para transformar essa realidade.

Principais tradições da Ciência Política contemporânea

Fizemos uma breve descrição do objeto e do método da Ciência Política que tornou claro como esse objeto (os fenômenos políticos) abrange uma grande varie-dade de fatos nas sociedades humanas. Além disso, é preciso dizer também que há várias formas de estudar os mesmos fatos e várias são as explicações possíveis para eles. Formas diferentes de abordar e explicar os fenômenos políticos implicam teorias diferentes e às vezes opostas. Elas muitas vezes competem entre si pela explicação mais legítima ou mais eficiente dos fenômenos políticos.

A seguir, apresentamos as principais tradições teóricas da Ciência Política, sinteti-zando seu argumento principal e seu foco de análise.

InstitucionalismoO Institucionalismo foi a primeira escola teórica com a pretensão de se consti-

tuir como uma Ciência da Política. Desenvolveu-se nos Estados Unidos entre o fim do século XIX e a década de 1920. Sua principal influência intelectual foi a Filosofia clássica alemã2. Em função disso, sua ênfase analítica era sobre o Estado (também o principal

2 A Filosofia clássica alemã se desenvolveu nos séculos XVIII e XIX e tem esse nome por causa da significativa quantidade de grandes filósofos alemães que surgiram nesse período. Os principais deles são Immanuel Kant (1724-1804), Johann G. Fichte (1762-1814), Georg W. F. Hegel (1770-1831), Friedrich W. J. Schell-ing (1775--1854), Arthur Schopenhauer (1788-1860) e Friedrich W. Nietzsche (1844-1990).

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conceito dos institucionalistas), enfatizando sua soberania absoluta e ignorando limi-tações ao seu poder – seja pela religião, seja por instituições típicas das sociedades liberais, como a propriedade privada e os direitos civis (ALMOND, 1990, p. 190).

A tradição teórica institucionalista esteve essencialmente comprometida com um projeto político. Foi deliberadamente orientada no sentido de auxiliar a política demo-crática. Seu objetivo principal era estudar e racionalizar a estrutura legal do regime de-mocrático norte-americano e desenvolver métodos de educação democrática dos ci-dadãos, de modo a ajustá-los aos preceitos da democracia liberal representativa. Tendo esse projeto no horizonte, e inspirados pela Filosofia clássica alemã, os institucionalis-tas lançaram mão de métodos filosóficos, jurídicos e históricos em seus estudos. Sua ênfase residia nos aspectos formais e legais das instituições políticas (democráticas).

Apesar do caráter formalista e filosófico de sua abordagem, e do aspecto para-doxal de uma “ciência subsumida pela política”, os institucionalistas esforçaram-se para desenvolver e utilizar técnicas de pesquisa empírica. Foram os primeiros a aplicar surveys (“pesquisas de opinião”) para avaliar e medir as disposições democráticas dos cidadãos.

Trabalhos clássicos do Institucionalismo Political Science, or the State Theoretically and Practically Considered, de Theo-dore Woolsey, de 1878 (WOOLSEY, 1878).

The State: elements of historical and practical politics, de Woodrow Wilson, de 1889 (WILSON, 1918).

Entretanto, o Institucionalismo foi sistematicamente perdendo força e expressão na Ciência Política norte-americana à medida que vários cientistas políticos passaram a se opor a ele. As principais razões dessa progressiva aversão foram:

a grande ênfase que o Institucionalismo dava ao Estado;

a concepção do Estado como uma entidade suprema, quase metafísica, desli-gada da sociedade;

a perspectiva excessivamente formalista do Institucionalismo, já que se dava pouca ou nenhuma atenção ao comportamento político dos cidadãos e aos processos de produção e implementação de decisões públicas – os institucio-nalistas se limitavam a constatá-los.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

Comportamentalismo

Os fundamentos do Comportamentalismo: a Escola de Chicago

Por volta do início da década de 1920, a partir do programa de pesquisa fun-dado por Charles Merriam, surge, na Universidade de Chicago, uma nova escola de pensamento sociológico: a Escola de Chicago. Ao lado de seus seguidores e colabo-radores, Harold Gosnell e Harold Lasswell foram responsáveis pelo desenvolvimento de um modelo teórico-metodológico e de um programa de pesquisa que, a partir da década de 1940, inspirariam a chamada behavioralist revolution (a “revolução comportamentalista”).

A Escola de Chicago influenciou e inspirou profundamente os cientistas políticos norte-americanos a partir da década de 1920. Suas pesquisas ressaltaram a existência de um grande nível de fragmentação sociopolítica na sociedade americana, fortale-cendo os argumentos dos investigadores que se opunham ao “estatismo exarcebado” (a demasiada ênfase na soberania do Estado) dos institucionalistas.

Apoiado na psicologia, o Comportamentalismo mudou o foco de análise das ins-tituições políticas e em especial do Estado para o comportamento político dos indivídu-os. Essa nova perspectiva buscava entender o comportamento dos agentes políticos (cidadãos, eleitores ativos, políticos profissionais), a partir de aspectos mentais e de fenômenos psicológicos. Os processos políticos serão tidos, a partir daí, como passíveis de explicação por meio das características psicológicas dos indivíduos.

O Comportamentalismo desenvolveu e aplicou métodos de pesquisa rigorosos, especialmente surveys e experimentos psicológicos que buscavam encontrar correla-ções entre o comportamento político observado e aspectos psicológicos individuais, analisando, por exemplo, as atitudes, os estados emocionais, o conteúdo verbal e as condições psicológicas, medidos por meio de entrevistas e indicadores fisiológicos como o ritmo cardíaco, a pressão sanguínea etc. (ALMOND, 1996).

A partir do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tomou força a principal vertente do Comportamentalismo, o Pluralismo, que viria a ser a tradição dominante na Ciência Política nas décadas de 1950 e 1960.

A principal corrente comportamentalista: o Pluralismo

No Pluralismo, o conceito de Estado é substituído pelo de governo e, mais tarde, por sistema político. A ideia por trás dessa substituição era tanto heurística

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como política: pretendia-se evitar a ênfase na “soberania” do Estado3 ressaltando os grupos de interesse que agem fora da esfera do governo.

Os pluralistas buscaram apontar a existência de grupos de interesse, bem como os defenderam politicamente contra o que chamavam de monismo do Estado, referindo- -se à tendência do velho institucionalismo de exacerbar o poder do Estado. Sua ênfase, seguindo a tradição da Escola de Chicago, reside nos indivíduos, na esfera privada, enfatizando a ação e a influência de grupos políticos organizados (legais ou não) na política. O processo decisório, ou seja, o processo pelo qual as demandas sociais são processadas e implementadas pelo sistema político, passa a ser o principal objeto de estudo da Ciência Política americana. Como os grupos de pressão (integrantes da so-ciedade civil) são representados no processo decisório pelos políticos, deriva daí que as políticas são o produto da influência de grupos que estão fora do Estado. Assim, a ênfase pluralista sobre o processo decisório exprime a visão liberal, por parte dos plu-ralistas, do Estado como uma instituição submetida à sociedade civil.

O argumento dos pluralistas era fortalecido por fenômenos políticos reais que ocorriam no mundo ocidental, como a proliferação de instituições de representação de interesses, os partidos políticos, os sindicatos profissionais e, sobretudo, as instân-cias politicamente atuantes (extralegais ou paralegais) como os grupos de pressão, a mídia de massa, as igrejas, as associações civis (GUNNEL, 1995; ALMOND, 1990).

Em seus estudos, os pluralistas normalmente analisam um processo de formula-ção e implementação de uma decisão política qualquer. Então, identificam os atores envolvidos (políticos profissionais, grupos de pressão, associações interessadas, a mídia etc.), os recursos e a capacidade de cada um para interferir no processo decisório no intuito de garantir a realização de seus interesses.

Trabalhos clássicos do Pluralismo Who Governs?, de Robert Dahl, de 1961 (DAHL, 1961).

A Systems Analisys of Political Life, de David Easton, de 1965 (EASTON, 1965).

Politics: who gets what, when, and how, de Harold Laswell, de 1936 (LASWELL, 1936).

3 Tal ênfase é uma herança dos teóricos contratualistas, como Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), e da Filosofia alemã. A expressão soberania do Estado refere-se, basicamente, à legitimidade que possui o Estado como detentor do monopólio da violência física e como gestor de todos os assuntos comuns da sociedade. Trata-se da instituição que detém todo o poder de conceber e aplicar leis de alcance universal dentro do território. A máxima “um governo, um povo, um território” exprime bem essa ideia. Os pluralistas tendem a enfatizar os grupos de pressão e outras instâncias da sociedade civil, que influenciam e orientam o Estado. Eles fazem isso por meio de sua ênfase analítica sobre o processo decisório, ou seja, de formulação e implementação de políticas públicas, submetendo tal processo à influência dos grupos de pressão, que são representados no governo pelos políticos. Muitos até mesmo recusam ou evitam usar a palavra Estado.Ci

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Por causa dessa ênfase nos chamados grupos de pressão ou de interesse e a tendên-cia de enxergar a realidade política como uma miríade de grupos concorrendo entre si, muitos autores acusaram o Pluralismo de estar comprometido tacitamente com a democracia, em especial a norte-americana. De todo modo, como grupos de pressão e interesse existem abertamente e atuam de forma visível somente em democracias mais ou menos estáveis e consolidadas, é natural que os pluralistas estudem a política quase que exclusivamente nos regimes democráticos.

CulturalismoA Ciência Política culturalista é uma importante tradição teórica que se desenvol-

veu, especialmente nos Estados Unidos, a partir da década de 1960. Trata-se de uma tradição altamente influenciada pela Sociologia. Ao contrário do Institucionalismo ou do Comportamentalismo, busca explicar os fenômenos políticos a partir da cultura po-lítica da população ou país estudado.

A cultura política consiste, basicamente, em padrões de comportamento e siste-mas de valores e percepção generalizados na sociedade. A principal característica do argumento culturalista é que nenhuma instituição política (por exemplo, um regime político) pode funcionar adequadamente se não houver, na sociedade, uma cultura política compatível.

A partir dessa perspectiva, os culturalistas sustentam que deve haver uma com-plementaridade ou uma congruência entre a cultura política e as instituições políticas para que o sistema político funcione adequadamente. No caso da democracia, deve haver uma cultura participativa, ou o que chamam de cultura cívica. Por isso, Almond e Verba (1989) sustentam a ideia de que a democracia não funciona apenas com institui-ções políticas democráticas. Ela precisa de uma cultura política democrática e participa-tiva para funcionar e manter-se.

Discutindo com o Comportamentalismo, em especial com o Pluralismo, os cul-turalistas argumentam que o sistema político (o governo e todas as instâncias da so-ciedade que têm influência política significativa) depende de os indivíduos possuírem certas orientações psicológicas para funcionar. Essas “orientações psicológicas” de que falam os culturalistas são formas de pensamento; formas de entender e agir na realida-de. Essas formas de pensamento dependem da cultura da sociedade. Por sua vez, as instituições políticas dependem das formas de pensamento/cultura política dos indiví-duos para operar adequadamente.

Os culturalistas têm como foco, portanto, a cultura política de uma sociedade. Fazem grandes pesquisas de opinião e sondagens sobre atitudes (surveys) com um grande número de pessoas para identificar a cultura política de um grupo ou país. Analisam

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também a história política e social desse país, de modo a fundamentar as conclusões que tiram dos surveys. Tendem, igualmente, a tecer comparações entre várias socieda-des, em momentos diferentes ou mesmo entre lugares diferentes da mesma sociedade buscando, por meio da comparação, distinguir e identificar a evolução/transformação da cultura política.

Trabalhos clássicos do Culturalismo The Civic Culture, de Gabriel Almond e Sidney Verba, de 1963 (ALMOND; VERBA, 1989).

Making Democracy Work: civic traditions in modern Italy, de Robert Putnam, de 1993 (PUTNAM, 1993).

MarxismoO marxismo é uma corrente teórica que surgiu da obra do intelectual alemão Karl

Marx (1818-1883), influenciando muitos outros pensadores que buscaram, no século XX, desenvolver e aperfeiçoar seu legado teórico e político. É uma das tradições inte-lectuais mais influentes não apenas a Ciência Política como também em grande parte das ciências humanas (Economia, Sociologia, Estudos Culturais etc.).

A importância do marxismo para a Ciência Política é evidente pelo fato de a po-lítica ser um elemento central da obra de Marx – e não somente a política formal, ins-titucional, à qual ele também confere muita atenção, especialmente em suas obras históricas, entre as quais se destaca O 18 Brumário de Louis Bonaparte (1852) – mas especialmente porque a dimensão política, ou seja, o poder e o conflito, faz parte da própria visão de Marx sobre as sociedades humanas.

Todas as sociedades são constituídas e divididas entre classes sociais distintas. As condições objetivas ou de existência, principalmente as condições econômicas, definem as classes sociais. Cada classe social detém parte dos recursos e bens (principalmente econômicos) da sociedade. Eis o aspecto político disso tudo: há, sempre, uma luta (ao mesmo tempo explícita e implícita) entre as classes sociais pela posse desses recursos e bens. Dessa luta deriva uma hierarquia entre as classes.

Por isso, em todas as sociedades há classes dominantes e classes dominadas. Na sociedade capitalista, a classe dominante é a dos capitalistas, isto é, a classe dos indiví-duos e grupos que detêm os meios e os instrumentos de produção; enquanto a classe dominada é o proletariado, isto é, a classe dos indivíduos e grupos que vendem a sua força de trabalho para os capitalistas. Na sociedade capitalista, o que faz os capitalistas Ci

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dominarem o proletariado é exatamente a natureza do vínculo econômico entre eles: a riqueza gerada pelo trabalho do trabalhador é, em sua esmagadora maioria, apro-priada pelo capitalista, que devolve ao trabalhador, em forma de salário, apenas uma pequena parcela da riqueza gerada pelo seu trabalho.

Mas no marxismo a “política” não se encerra aí. O Estado é uma peça central do pensamento marxista pelo motivo de ele desempenhar uma função central na domina-ção de uma classe pela outra: o Estado sempre funciona de modo a conservar a ordem de qualquer sociedade. Isso pode ser feito tanto diretamente, isto é, por meio da posse do aparelho estatal por parte da classe dominante, como indiretamente, graças ao pró-prio funcionamento objetivo do Estado em nome da “economia de mercado”. De toda forma, no capitalismo o Estado sempre funciona de modo a conservar os princípios da ordem: a propriedade privada e os vínculos econômicos que ligam trabalhadores e capitalistas. É por isso que o Estado contribui para a dominação, assegurando a coesão e a conservação de uma sociedade essencialmente desigual (POULANTZAS, 1977).

Tal é a razão de o marxismo sempre enfatizar o Estado em seus estudos, ainda que de uma forma bastante diferente dos institucionalistas.

Ele aborda, também, as relações que se estabelecem entre o Estado e as várias classes sociais, e as formas específicas de que se revestem as relações antagônicas entre classes, enfatizando sempre a dimensão econômica (as relações sociais de pro-dução; o modo de produção) dessas relações.

Trabalhos clássicos do Marxismo O 18 Brumário de Louis Bonaparte, de Karl Max, de 1852 (MARX, 1997).

A Ideologia Alemã, de Karl Marx e Friedrich Engels, de 1846 (MARX, 2007).

Poder Político e Classes Sociais, de Nicos Poulantzas, de 1968 (POULANTZAS, 1977).

Cadernos do Cárcere, de Antonio Gramsci, escrito entre 1926 e 1937 ( GRAMSCI, 2004).

O Estado na Sociedade Capitalista, de Ralph Miliband, de 1969 (MILIBAND, 1973).

NeoinstitucionalismoO Neoinstitucionalismo compreende a principal tradição teórica surgida na Ciência

Política contemporânea, após o Comportamentalismo. Este movimento ganhou força a

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partir da década de 1970. Como o nome sugere, trata-se de uma tradição teórica que volta a colocar as instituições políticas e sociais no centro das atenções. Há, contudo, duas abordagens radicalmente diferentes que reivindicam ou são reconhecidas pelo rótulo de neoinstitucionalistas, e são suas correntes principais.

Neoinstitucionalismo de escolha racional

O Neoinstitucionalismo de escolha racional deriva do movimento de aplicação de teorias oriundas da Economia à Ciência Política, especialmente a teoria da escolha racional, que é uma teoria econômica que constrói seu argumento a partir de axiomas ou grandes premissas sobre a natureza do comportamento humano.

Esses axiomas referem-se à natureza calculista, racional e maximizadora (podería-mos mesmo dizer egoísta) do ser humano. Todos os indivíduos estabelecem objetivos e os perseguem racionalmente, no sentido econômico do termo, ou seja, buscam atin-gir os fins determinados com o mínimo dispêndio de recursos (meios). Isso permite a realização de vários cálculos e previsões, pois os analistas buscam prever a ação que o indivíduo irá tomar partindo da premissa de que seu raciocínio seria racional e que sua avaliação entre os fins e meios seria semelhante à do analista.

A dimensão institucional do Neoinstitucionalismo de escolha racional consiste em entender as instituições como as “regras do jogo”. Assim, as instituições políticas são vistas como conjuntos de regras que definem o que está em jogo e como se deve jogar.

Imaginemos como se dá o “jogo da política”.

Cada regime tem uma estrutura institucional peculiar que estabelece princípios e normas para se fazer política. Os neoinstitucionalistas de escolha racional analisam então as regras que regulam o jogo para considerar como elas afetam os cálculos e o comportamento dos indivíduos. Essas regras vão desde as formas implícitas que regu-lam a distribuição do poder em uma comunidade até as normas constitucionais que definem as atribuições e disciplinam o funcionamento do Congresso, por exemplo. O intuito é prever, da maneira mais precisa possível, as ações e as opções dos “jogadores”. As instituições têm aqui esse sentido: são regulamentos tais como aqueles que orien-tam um jogo de tabuleiro e discriminam a margem de manobra dos concorrentes.

A ênfase dessa corrente recai sobre o comportamento político de grupos e indiví-duos. São já tradicionais os estudos sobre a ação de políticos e partidos no Parlamento. Trata-se de uma teoria frequentemente aplicada a casos mais pontuais e específicos.

O Institucionalismo de escolha racional tem, contudo, a grande desvantagem de não levar em consideração as especificidades do universo da política em relação à eco-

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nomia, de onde tirou a inspiração para construir o modelo para analisar as ações de indivíduos e grupos. Outra insuficiência dessa perspectiva analítica é desconsiderar a história das instituições políticas, ou como a história e os fatores sociais pesam na escolha e na ação política dos indivíduos.

Esse é o assunto da outra corrente, o Neoinstitucionalismo histórico, que veremos a seguir.

Trabalhos clássicos do Neoinstitucionalismo de escolha racional An Economic Theory of Democracy, de Anthony Downs, de 1957 (DOWNS, 1957).

The Logic of Collective Action, de Mancur Olson, de 1965 (OLSON, 1965).

Neoinstitucionalismo histórico

Assim como o Culturalismo, o Neoinstitucionalismo histórico é uma tradição teó-rica altamente influenciada pela Sociologia. Sua concepção das instituições e a forma como as considera são largamente inspiradas pela Sociologia clássica de Max Weber, Karl Marx e Émile Durkheim (1858-1917). Entendem as instituições como algo além de meras “regras de jogo” – como fazem os neoinstitucionalistas de escolha racional. Sustentam que instituições políticas (e, na verdade, quaisquer instituições sociais) con-sistem em maneiras de ser, pensar e agir que, com o passar do tempo e por meio de processos históricos complexos, generalizam-se na sociedade, incorporando-se nas “coisas” (nos códigos jurídicos, nos protocolos formais etc.) e nas “mentes” (nos siste-mas de valores e nas formas de pensamento) das pessoas.

As instituições consistem assim em regularidades que atravessam toda a socieda-de e exercem coerção sobre os indivíduos, obrigando-os a ajustarem seu comporta-mento a determinadas regras e princípios.

As instituições podem ser formalizadas, como no caso da família ou do Direito, ou podem ser informais, como costumes sociais, formas de organização econômica regulares porém não formalizadas ou hierarquias sociais tácitas. Ainda que não deixem de ser “regras do jogo”, vão muito além disso, estando mesmo na base do pensamento dos indivíduos.

Esse Neoinstitucionalismo também se distingue daquele de escolha racional porque é histórico, ou seja, ele estuda e enfatiza a transformação das instituições com o passar do tempo. Dessa forma, o Neoinstitucionalismo histórico busca explicar os fenômenos políticos analisando o processo histórico de formação e transformação das instituições sociopolíticas.

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Os neoinstitucionalistas históricos buscam explicar fenômenos históricos e políti-cos de longo alcance, como o processo de modernização das sociedades (a passagem da sociedade tradicional para a sociedade industrial) ou a transformação de regimes políticos e sociais (a passagem dos regimes comunistas aos capitalistas, ou a transição das ditaduras militares para a democracia constitucional).

Trata-se, portanto, de uma teoria de grande alcance que pode, contudo, ser apli-cada a casos mais específicos, como a formação de uma política de governo. Aqui, o foco de análise residiria na história do sistema institucional (que pode ser formal ou não) responsável por definir e decidir sobre uma questão política específica.

Trabalhos clássicos do Neoinstitucionalismo histórico States and Social Revolutions, de Theda Skocpol, de 1979 (SKOCPOL, 1979).

Big Structures, Large Processes, Huge Comparisons, de Charles Tilly, de 1984 (TILLY, 1984).

ConclusãoDefinimos o objeto de estudo da Ciência Política, isto é, a política e os fenôme-

nos políticos. Vimos como a política refere-se, sempre, a processos que envolvem poder, e como a Ciência Política busca descrever e explicar esses processos. Também distinguimos claramente ciência e política, de modo a deixar claro que a Ciência Po-lítica não se confunde com a política propriamente dita (seu objeto de estudo). Essa distância é muito importante para que a Ciência Política seja, de fato, uma ciência. A seguir, apresentamos as principais correntes teórico-metodológicas que compõem a Ciência Política. A Ciência Política atual, especialmente a norte-americana, é extrema-mente especializada, sofisticada e complexa. Há muitas subdivisões nas correntes que apresentamos, e outras menores que não mencionamos aqui. O debate entre elas é também extremamente rico e instigante e é impossível reproduzi-lo em poucas pági-nas. Assim, convidamos o estudioso interessado a consultar as Referências, de modo a aprofundar seu conhecimento.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

Texto complementar

O príncipe (fragmentos)(MAQUIAVEL, 2001, p. 25-28, 77)

Capítulo IVA razão pela qual o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se rebelou contra seus sucessores após a morte deste

1. Consideradas as dificuldades que devem ser enfrentadas para a conserva-ção de um Estado recém-conquistado, alguém poderia ficar pasmo ante o fato de que, tendo se tornado senhor da Ásia em poucos anos, não apenas havia termina-do sua ocupação Alexandre Magno veio a morrer e, a despeito de parecer razoável que todo aquele Estado devesse rebelar-se, seus sucessores o conservaram e para tanto não encontraram outra dificuldade senão aquela que, por ambição pessoal, nasceu entre eles mesmos. Argumento: os principados de que se conserva memória têm sido governados de duas formas diversas: ou por um príncipe, sendo todos os demais servos que, como ministros por graça e concessão sua, ajudam a governar o Estado, ou por um príncipe e por barões, os quais, não por graça do senhor mas por antiguidade de sangue, têm aquele grau de ministros. Estes barões têm Estados e súditos próprios que os reconhecem por senhores e a eles dedicam natural afeição. Os Estados que são governados por um príncipe e servos têm aquele como maior autoridade, porque em toda a sua província não existe alguém reconhecido como chefe senão ele, e se os súditos obedecem a algum outro, fazem-no em razão de sua posição de ministro e oficial, não lhe dedicando o menor amor.

2. Os exemplos dessas duas espécies de governo são, nos nossos tempos, o Turco e o rei de França. Toda a monarquia do Turco é dirigida por um senhor: os outros são seus servos; dividindo o seu reino em sandjaks, para aí manda diversos administradores e os muda e varia de acordo com sua própria vontade. Mas o rei de França está em meio a uma multidão de antigos senhores que, nessa qualidade, são reconhecidos pelos seus súditos e por eles amados: têm as suas preeminências e não pode o rei privá-los das mesmas sem perigo para si próprio. Quem tiver em mira, pois, um e outro desses governos, encontrará dificuldades para conquistar o Estado Turco, mas, vencido que seja este, encontrará grande facilidade para conservá-lo, Ao contrário, encontrar-se-á em todos os sentidos maior facilidade para ocupar o Estado de França, mas grande dificuldade para mantê-lo.

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3. As razões da dificuldade em ocupar o reino do Turco decorrem de não poder o atacante ser chamado por príncipes daquele reino, nem esperar, com a rebelião dos que rodeiam o soberano, poder ter facilitada a sua empresa: é o que resulta das razões referidas. Porque, sendo todos escravos e obrigados, são mais dificilmente corruptíveis e, quando fossem subornados, pouco de útil poder-se-ia esperar, visto não serem eles capazes de arrastar o povo atrás de si, pelos motivos já mencionados. Logo, se alguém assaltar o Estado Turco, deve pensar que irá encontrá-lo todo unido, convindo contar mais com suas próprias forças que com as desordens dos outros. Mas, vencido que seja e uma vez desbaratado em batalha campal de modo que não possa refazer os exércitos, não se deve recear outra coisa senão a dinastia do prínci-pe; uma vez extinta esta, ninguém mais resta que deva ser temido, já que os demais não gozam de prestígio junto ao povo; e como o vencedor deste nada podia esperar antes da vitória, depois dela não deve receá-lo.

4. O contrário ocorre nos reinos como o de França, porque com facilidade podes invadi-lo em obtendo o apoio de algum barão do reino, pois que sempre se encon-tram descontentes e os que desejam fazer inovações. Estes, pelas razões referidas, podem abrir o acesso àquele Estado e facilitar a vitória. Esta, depois, se desejares manter-te, arrasta atrás de si infinitas dificuldades, seja com aqueles que te ajuda-ram, seja com os que oprimiste. Não é bastante extinguir a estirpe do príncipe, pois permanecem aqueles senhores que se tornam chefes das novas revoluções e, não podendo nem contentá-los nem exterminá-los, perde aquele Estado tão logo surja a oportunidade.

5. Ora, se for considerado de que natureza era o governo de Dario, se o encon-trará semelhante ao reino do Turco. Para Alexandre foi necessário primeiro encurra-lá-lo e desbaratá-lo em batalha campal sendo que, depois da vitória, estando morto Dario, aquele Estado tornou-se seguro para Alexandre pelas razões acima expostas. Seus sucessores, se tivessem sido unidos, poderiam tê-lo gozado tranquilamente, pois ali não surgiram outros tumultos que não os por eles próprios provocados. Mas quanto aos Estados organizados como o da França, é impossível possuí-los com tanta tranquilidade. Dessa circunstância é que nasceram as frequentes rebeliões da Espanha, da França e da Grécia contra os romanos; em decorrência do grande número de principados que havia naqueles Estados e por todo o tempo em que per-durou a sua memória os romanos estiveram inseguros na posse daqueles domínios. Mas extinta a lembrança dos principados, com o poder e a constância de sua autori-dade, os romanos tornaram-se dominadores seguros. Puderam eles, também, com-batendo mais tarde em lutas internas, arrastar cada facção, para o seu lado, parte daquelas províncias, segundo a autoridade que havia adquirido junto a elas; e essas províncias, por não mais existir o sangue de seus antigos senhores, não reconheciam

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

senão a soberania dos romanos. Consideradas, pois, todas estas coisas, ninguém se maravilhará da facilidade que Alexandre encontrou para conservar o Estado da Ásia, e das dificuldades que foram arrostadas pelos outros para manterem o conquistado, como Pirro e muitos outros. Isso não resultou da muita ou da pouca virtude do ven-cedor, mas sim da diversidade de forma do objeto da conquista.

[...]

Capítulo XVDaquelas coisas pelas quais os homens, e especialmente os príncipes, são louvados ou vituperados

1. Resta ver agora quais devam ser os modos e o proceder de um príncipe para com os súditos e os amigos e, porque sei que muitos já escreveram a respeito, duvido não ser considerado presunçoso escrevendo ainda sobre o mesmo assunto, máxime quando irei disputar essa matéria à orientação já por outros dada aos príncipes. Mas, sendo minha intenção escrever algo de útil para quem por tal se interesse, pareceu-me mais conveniente ir em busca da verdade extraída dos fatos e não à imaginação dos mesmos, pois muitos conceberam repúblicas e principados jamais vistos ou co-nhecidos como tendo realmente existido. Em verdade, há tanta diferença de como se vive e como se deveria viver, que aquele que abandone o que se faz por aquilo que se deveria fazer, aprenderá antes o caminho de sua ruína do que o de sua pre-servação, eis que um homem que queira em todas as suas palavras fazer profissão de bondade, perder-se-á em meio a tantos que não são bons. Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade.

2. Deixando de parte, assim, os assuntos relativos a um príncipe imaginário e falando daqueles que são verdadeiros, digo que todos os homens, máxime os prín-cipes por situados em posição mais preeminente, quando analisados, se fazem notar por alguns daqueles atributos que lhes acarretam ou reprovação ou louvor. Assim é que alguns são havidos como liberais, alguns miseráveis (usando um termo toscano, porque avaro em nossa língua é ainda aquele que deseja possuir por rapina, en-quanto miserável chamamos aquele que se abstém em excesso de usar o que possui); alguns são tidos como pródigos, alguns rapaces; alguns cruéis, alguns piedosos; um fedífrago,1 o outro fiel; um efeminado e pusilânime, o outro feroz e animoso; um

1 Fedífrago: aquele que foge a um compromisso ou não cumpre um acordo; traidor. (N. da E.)

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humano, o outro soberbo; um lascivo, o outro casto; um simples, o outro astuto; um duro, o outro fácil; um grave, o outro leviano; um religioso, o outro incrédulo, e assim por diante.

3. Sei que cada um confessará que seria sumamente louvável encontrarem-se em um príncipe, de todos os atributos acima referidos, apenas aqueles que são con-siderados bons; mas, desde que não os podem possuir nem inteiramente observá- -los em razão das contingências humanas não o permitirem, é necessário seja o prín-cipe tão prudente que saiba fugir à infâmia daqueles vícios que o fariam perder o poder, cuidando evitar até mesmo aqueles que não chegariam a pôr em risco o seu posto; mas, não podendo evitar, é possível tolerá-los, se bem que com quebra do respeito devido. Ainda, não evite o príncipe de incorrer na má faina daqueles vícios que, sem eles, difícil se lhe torne salvar o Estado; pois, se bem considerado for tudo, sempre se encontrará alguma coisa que, parecendo virtude, praticada acarretará ruína, e alguma outra que, com aparência de vício, seguida dará origem à segurança e ao bem-estar.

Atividades

Vimos que a palavra 1. política tem vários sentidos. O principal deles, próprio do senso comum, identifica a política com a política institucional, ou com aque-las ações relativas ao processo de governo. Mas há outro sentido, mais amplo, que constitui o objeto da Ciência Política. Diga qual é esse sentido de política e explique-o.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

Vimos que existe uma relação muito próxima entre o poder, os fenômenos polí-2. ticos e a Ciência Política. Por que os fenômenos políticos estão tão próximos do poder? O que isso representa para a Ciência Política? Explique.

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Descreva como a Ciência Política se relaciona com a política. Diferencie ciência 3. e política, e descreva os objetivos de cada uma.

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A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

Especifique o foco de análise e sintetize o argumento central de três correntes 4. teórico-metodológicas da Ciência Política.

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O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas

A definição de poder é o conceito central da Ciência Política. Contudo, ele é também o conceito mais problemático e sobre o qual há provavelmente menos con-senso. Suas conotações são tão diversas e seus usos tão amplos que, cientificamente, a noção de poder torna-se muitas vezes vaga e pouco operacional. Por isso, alguns teóricos sociais preferem os conceitos de dominação, autoridade e mesmo força ao de poder.

Vamos discutir o conceito de poder e suas várias implicações mostrando sua uti-lidade (e atualidade) analítica. Faremos isso, primeiro, apresentando a definição clás-sica do filósofo Thomas Hobbes (1588-1679). A seguir, resumiremos as concepções de poder subjetivistas (que focam os indivíduos como o centro das relações de poder) e as concepções objetivistas (que atribuem a fatores extraindividuais o fundamento do poder).

Ainda que a Ciência Política seja relativamente recente, tomando forma apenas a partir do início do século XX, vários pensadores e filósofos refletiram e estudaram a po-lítica e os fenômenos ligados ao poder muito antes disso. Todos esses autores influen-ciaram profundamente a reflexão da Ciência Política atual. Por isso, ela deve muito à filosofia política e, principalmente, a Aristóteles, Platão, Maquiavel e Hobbes.

Platão (428-347 a.C.) estabeleceu as bases do pensamento político em sua obra A República, em que investiga a comunidade política ideal, lançando assim uma luz sobre os aspectos éticos da política.

Aristóteles (384-322 a.C.) propôs, no seu importante livro Política, uma tipologia das formas de governo que se tornaria clássica e cujas definições de monarquia (go-verno de um só), aristocracia (governo de poucos) e democracia (governo de muitos) permanecem até hoje.

Maquiavel (1469-1627) introduziu uma forma nova de ver os conflitos em torno do poder construindo uma plataforma para o estudo científico da política ao procurar conhecer as causas reais do sucesso dos governantes, em vez de prescrever uma polí-tica ideal e idealizada.

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Já Hobbes propôs aquilo que seria, mais tarde, o princípio central da Ciência Polí-tica: a definição de poder. É dele, do conceito de poder, que trataremos agora.

Poder e políticaA política no sentido estrito, ou seja, como ato de governar, como fenômeno

ligado à gestão ou à “administração pública”, implica necessariamente o poder: nin-guém governa sem conflito; e ninguém governa sem mobilizar recursos para realizar seus interesses, crenças ou motivações, impondo-os sobre outrem.

A política em sentido amplo, aquela que envolve formas ocultas, imperceptíveis e mesmo dissimuladas de influência, conflito e controle, também implica o poder.

Por isso, não é possível separar política de poder. Na verdade, o que chamamos de fenômenos políticos ou processos políticos envolve necessariamente o poder: todo fenô-meno político implica relações entre indivíduos, grupos ou instituições que possuem algum caráter agonístico (isto é, conflituoso). Seja de forma dissimulada, como em uma relação em que uma parte influencia imperceptivelmente a outra, estimulando-a a adotar certas atitudes ou formas de pensar; seja da forma mais explícita, como em uma relação de conflito claro e aberto, em que uma parte obriga a outra, sob ameaça, a adotar certa atitude ou realizar determinada ação, a política sempre envolve poder.

A concepção de poder de Thomas Hobbes: seu princípioEm sua obra principal, O Leviatã (1651), Thomas Hobbes apresentou uma concep-

ção de poder que influenciaria todas as ciências humanas, inclusive a Ciência Política, enfatizando especialmente o caráter agonístico, conflituoso do poder e da natureza humana em geral. Toda discussão contemporânea sobre o poder deve ou relaciona-se em alguma medida à definição de Hobbes. É preciso, portanto, que entendamos bem sua concepção.

Hobbes possui, como adiantamos, uma visão agonística da natureza humana. Isso perpassa todo o seu pensamento e é sua principal característica. Seu modelo de explicação da origem do Estado baseia-se na noção de um estado de natureza brutal, anterior à vida civil, em que os homens são orientados pela realização de seus interes-ses e aspirações mesmo que para tal seja necessário liquidar fisicamente seus adver-sários. Porém, os seres humanos não são animais comuns: eles são dotados de uma vontade, o que equivale a dizer uma intenção. Isso implica a presença de faculdades cognitivas que distinguem o ser humano dos animais. Os homens têm a capacidade de

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O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas

criar e perseguir valores. Os seres humanos precisam preencher algo que vai além da mera sobrevivência biológica, da simples subsistência. Os valores ou as “necessidades do espírito” que Hobbes menciona referem-se aos significados que produzimos, e que dão sentido à vida. As pessoas são motivadas, valorizam e prezam uma infinidade de significados (como a honra, por exemplo).

Tanto a subsistência como o preenchimento das “necessidades do espírito” se dão por meio da luta entre indivíduos e grupos. E os seres humanos não abominam a luta: muito pelo contrário, estão naturalmente propensos a lutar por seus interesses (tanto aqueles relativos à subsistência como aqueles relativos aos valores perseguidos).

A supressão dessa guerra de todos contra todos – a saída do estado de natureza – exige, para tanto, a criação do Estado soberano. O estado de natureza a que Hobbes e todos os filósofos contratualistas1 se referem consiste na situação hipotética que pre-cede a formação do Estado: trata-se de uma circunstância em que os indivíduos não estão submetidos a um poder maior, vivendo em constante guerra entre si. A passa-gem do estado de natureza ao estado de direito é um marco civilizatório: os indivíduos abrem mão de sua liberdade total e passam, em nome do bem comum, a submeter-se a leis e a um poder soberano encarnado no Soberano.

Mas esse não é nosso foco. Nosso foco é aquilo que, segundo Hobbes, existe entre os homens e que é transmitido ao Estado de modo a suprimir a guerra de todos contra todos: o poder.

A concepção de poder de Thomas Hobbes: sua definição

Poder como recursos, atributos e propriedades

O poder é um atributo essencial, isto é, uma propriedade que faz parte dos indiví-duos, que é incorporado e acumulado.

Na realidade, o poder é um recurso, uma propriedade que o indivíduo possui e que lhe confere maiores chances de realizar seus interesses e obter ou acumular algum valor ou benefício. Hobbes chama esses valores ou benefícios de bens, mas é importante mencionar que o termo aqui não tem a conotação exclusivamente material de seu uso comum: qualquer coisa que favoreça ou que permita a um indivíduo obter determinados ganhos, valores, bens etc. é poder. A essa “coisa” se dá o nome geral de recursos ou meios, os quais tomam formas particulares na realidade concreta – prestígio ou o reconheci-mento social, por exemplo.

1 Thomas Hobbes, John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) são denominados filósofos contratualistas pelo fato de em suas obras a ideia de contrato entre os indivíduos ser central para explicar o nascimento da vida social.

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Hobbes identifica duas classes gerais de poderes:

os poderes naturais, que nascem com a pessoa como as faculdades físicas e psi-cológicas individuais (força, beleza, inteligência, eloquência etc.), que possibi-litam aos indivíduos que as possuam obter um determinado bem ou realizar objetivos que lhe confiram algum benefício;

os poderes instrumentais, que são adquiridos e acumulados no decorrer da vida, como determinados recursos (riqueza, fama, prestígio, títulos etc.), seja por acaso e/ou a partir de seus poderes naturais – assim como os poderes naturais, os poderes instrumentais conferem aos indivíduos mais chances de realizarem seus objetivos e acumularem bens.

Características gerais do poder

O poder é cumulativo. Poder atrai poder. É como o capital econômico: superadas as condições iniciais para sua aquisição, os próprios mecanismos de acumulação de ca-pital favorecem a multiplicação do capital previamente adquirido. Por exemplo, é mais fácil dobrar uma fortuna de um milhão de reais do que atingir esse primeiro milhão; é mais fácil conservar a fortuna ou o poder do que conquistá-los.

Essa ideia de Hobbes é bastante realista: alguém reconhecido como belo tem mais chances de conseguir um bom casamento do que alguém reconhecido como feio; alguém oriundo de uma família culta tem mais chances de entrar em uma boa universidade; alguém rico tem mais chances de ser bem-sucedido em suas empreita-das no mercado do que alguém pobre etc.

O poder, em Hobbes, é tanto essencial como relacional.

Essencial no sentido de que é algo inato, detido, possuído pelos homens. Asse-melha-se a uma potencialidade ou a capacidades latentes que são aplicadas quando necessário, isto é, para obter quaisquer bens (materiais ou simbólicos).

O poder, apesar disso, possui uma dimensão relacional, ou seja, ele depende do contexto no qual o indivíduo se insere (das relações com os outros, por exemplo). Trata--se do que Hobbes chama de valor do poder. O valor é o julgamento social do poder.

A eficácia e a eficiência do recurso detido pelo indivíduo variam conforme uma situação particular, específica. Não é qualquer bem que está em jogo em qualquer situação, mas cada situação irá exigir determinado recurso para se obter o bem em questão. É por isso que o poder não tem um valor em si mesmo: seu valor depende do contexto. A aplicação eficaz do poder em uma determinada situação gera seu valor, o que adiciona uma dimensão relacional ao poder.

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O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas

Assim, embora o poder seja substantivo (na forma de recursos possuídos pelos indivíduos), a sua efetivação, no sentido de realizar algum interesse ou acumular bens, depende do valor, ou seja, do grau e da forma em que aqueles recursos possuídos pelos indivíduos são reconhecidos e valorizados socialmente.

Os dois tipos de concepção de poder mais importantes da Ciência Política

A concepção hobbesiana de poder, resumida acima, influenciou toda a Ciência Política. Algumas características da concepção formulada por Hobbes são recorrentes em praticamente qualquer definição do conceito de poder, ainda que possa haver, aqui e ali, diferenças e discordâncias quanto a outros pontos.

Uma característica recorrente em todas as teorizações é o entendimento do poder como algo que envolve algum tipo de conflito, explícito ou implícito. O poder envol-vido nessas relações conflituosas, seja como ele for entendido ou que forma venha a tomar, é sempre decisivo para determinar o resultado dessas relações conflituosas, ou quem ganha e quem perde.

Outra característica recorrente é o fato de o poder depender de recursos. Os re-cursos sempre acompanham qualquer concepção de poder; seja se confundido com o próprio poder ou como meios de se exercer poder sobre alguém.

Contudo, a concepção hobbesiana de poder foi trabalhada, refinada e problema-tizada posteriormente por muitos pensadores e cientistas políticos, gerando várias interpretações que, apesar de estarem de acordo quanto a certos pontos específicos (especialmente quanto ao caráter agonístico do poder), divergem substancialmente em outros.

Poderíamos agrupar essas concepções em dois grandes tipos: as concepções sub-jetivistas e as concepções objetivistas. As concepções subjetivistas são aquelas que entendem o poder como um fenômeno interindividual (entre indivíduos ou sujeitos); as concepções objetivistas entendem o poder como um efeito social objetivo, externo e geral, que produz efeitos políticos visíveis que podem ser apreendidos por meio das hierarquias sociais ou das relações de dominação.

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A concepção subjetivista de “poder”

Elementos da concepção subjetivista de poder

Para os subjetivistas, o poder é um fenômeno interindividual, ou seja, implica a consciência dos indivíduos e uma relação de conflito, explícita ou implícita, entre eles.

A concepção subjetivista encontra sua formulação clássica nos escritos do soció-logo alemão Max Weber (1864-1920), que apresentou uma definição de poder das mais significativas: “Poder é a probabilidade de um ator, dentro de uma relação social, impor a sua vontade, a despeito de qualquer resistência, não importando a base sobre a qual essa probabilidade reside.” (WEBER, 1978, p. 53).

Portanto, o poder, para os subjetivistas, é uma relação de conflito, em que neces-sariamente há indivíduos que possuem vontades, e que, utilizando-se de determina-dos recursos (que poderíamos chamar de meios de poder), impõem ou buscam impor a sua vontade, contra qualquer resistência. Por exemplo, um indivíduo rico utiliza o dinheiro que possui para influenciar políticos de modo a obter algum benefício ou realizar algum interesse. Essa relação é uma relação de poder. Nela, há uma vontade (manifesta pelo indivíduo), a qual, por meio da mobilização de recursos (neste caso, o dinheiro), é imposta a outrem.

O dinheiro não é o único tipo de recurso ou meio de poder – aqui é preciso lem-brar de Hobbes: alguém pode ser, por exemplo, muito bonito ou muito sábio e, assim, mobilizando sua beleza ou sua sabedoria, pode impor sua vontade sobre outrem; isso, também, é poder.

Recursos e poder sob a óptica subjetivista

O que é muito importante enfatizar é que os recursos não se confundem com o poder: são meios de poder, ou seja, são a base na qual o poder reside. O poder é, nessa perspectiva, uma relação social; ele só existe naquele tipo de relações em que há a von-tade de algum indivíduo, que mobiliza determinados recursos para impor essa vontade sobre outro indivíduo.

O poder, portanto, não está nas pessoas, ele não é uma essência ou propriedade inata dos indivíduos. O poder é um conceito usado para definir aquele tipo de relação social de imposição entre os indivíduos. Por isso, segundo a concepção subjetivista, a expressão fulano tem poder é imprecisa, ainda que não seja categoricamente recusada. A forma mais precisa de se aplicar o conceito de poder, para os subjetivistas, seria dizer que fulano tem grandes chances de ser beneficiado ou de impor a sua vontade em uma relação de poder, caso possua a quantidade de recursos necessária para tanto.Ci

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O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas

É interessante atentar que a concepção subjetivista de poder é muito parecida com aquela formulada por Hobbes em meados do século XVII. Os subjetivistas diferen-ciam-se de Hobbes, contudo, por delimitarem mais sua definição: o poder não é algo essencial, no sentido de uma característica ou propriedade inata; ele é um tipo de rela-ção social específica. Assim, só há poder quando essa relação social específica ocorre, e ela envolve indivíduos, suas vontades, os recursos disponíveis, a capacidade de mobili-zação desses recursos, e a imposição (bem-sucedida ou não) dessas vontades.

Poder e coerção

Para os subjetivistas, o poder também costuma ter um caráter coercitivo. Ou seja, tende-se a lançar mão do conceito de poder para definir relações sociais explicitamen-te conflituosas, em que uma parte ameaça a outra de modo a obrigá-la a agir de deter-minada maneira ou com determinado fim. Desse modo, os subjetivistas tendem a usar sinônimos ou palavras semanticamente semelhantes, como influência ou autoridade para definir relações de conflito mais sutis e tácitas, por exemplo, quando alguém con-vence outro a agir de certa forma, ou quando alguém, graças à sua autoridade, influen-cia outro indivíduo a fazer o mesmo.

Exemplos de relações de poder

Vejamos alguns exemplos típicos de relações de poder segundo os subjetivistas. Imaginemos dois indivíduos, A e B, sendo ambos governantes de países distintos. Na situação em que estão envolvidos, A deseja que B aja de acordo com seus interesses. Deseja, portanto, que B siga a sua vontade. Neste caso, A quer que B ceda territórios ao seu país. Para atingir esse objetivo, A mobiliza recursos (a força militar) para obrigar B a ceder à sua vontade (ceder territórios), ameaçando, por meio daqueles recursos, privá-lo de algo que ele preza caso não aja de acordo (invadir e subjugar o país de B à força).

Ou então: um grande empresário (dono de um hipermercado, por exemplo) quer atuar em uma nova cidade. Esse mercado está repleto de pequenos comerciantes (su-permercados de bairro, padarias, mercearias, lojas familiares etc.). O grande empresá-rio deseja obter sucesso em sua nova empreitada. Sua vontade, contudo, esbarra nas vontades dos pequenos comerciantes, que não desejam que uma grande empresa domine o mercado local. Mas eles pouco podem fazer: o grande empresário mobili-za recursos (dinheiro, capacidade administrativa, marketing etc.) eficientes para esse propósito e em maior quantidade que os pequenos comerciantes, de modo a realizar sua vontade de obter sucesso econômico. No processo, a firma do grande empresário domina o mercado que antes estava repleto de comerciantes locais, obrigando muitos a venderem suas propriedades a ele.

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Pensemos, por fim, em mais um exemplo: um pai de família deseja que seus filhos comportem-se melhor dentro de casa. Para fazer com que sua vontade se realize e prevaleça, ele mobiliza certos recursos (a autoridade paterna ou mesmo a força física) para obrigar que seus filhos ajam de acordo com seus interesses, ameaçando-os de perderem algo que prezam (a mesada, por exemplo) ou a se submeterem a algo desa-gradável (um castigo, por exemplo) caso recusem a ajustar-se à vontade do pai.

Concepção subjetivista de poderSegundo a concepção subjetivista, onde há indivíduos dotados de motivações

ou vontades diferentes, havendo recursos sendo mobilizados de modo a impor essas vontades a outrem, contra qualquer resistência, há poder.

Obras sobre a concepção subjetivista do poder Two faces of power, de Peter Bachrach e Morton Baratz. (BACHRACH; BA-RATZ, 1969).

Análise Política Moderna, de Robert Dahl (DAHL, 1988).

Who Governs?, de Robert Dahl (DAHL, 1989).

Economia e Sociedade, de Max Weber (WEBER, 1994).

No tópico seguinte, vamos descrever uma concepção que se diferencia e se opõe à concepção subjetivista. É chamada de objetivista por entender o poder como um fenômeno objetivo, externo, generalizado e irredutível aos indivíduos.

A concepção objetivista de “poder”

A dimensão sutil e tácita do poder

Assim como a concepção subjetivista, a concepção objetivista entende o poder como uma situação que envolve algum grau de conflito. Sejamos mais precisos: trata-se de uma situação em que alguém é beneficiado enquanto outro não é, ou é explicita-mente prejudicado. O grau e a forma em que alguém ganha ou perde varia de situações menos perceptíveis (e nem por isso menos prejudiciais ao desfavorecido pela relação Ci

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O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas

de poder) às mais explícitas e perceptíveis. Nestas, os próprios indivíduos submetidos ao poder costumam saber que estão sendo prejudicados. Essa dimensão explícita e perceptível do poder é semelhante à concepção que os subjetivistas têm do poder.

Em geral, os objetivistas não recusam a concepção subjetivista, entendendo que esta descreve, na realidade, formas explícitas de poder (em geral, são os subjetivistas que costumam recusar as concepções objetivistas de poder, criticando a elevada abs-tração das proposições dos objetivistas). Os objetivistas, portanto, reconhecem que as situações que os subjetivistas descrevem como relações de poder envolvem, de fato, poder. Contudo, insistem que o poder não se reduz a relações interindividuais ou à consciência dos indivíduos (vontade); pelo contrário, a dimensão mais importante (e mais eficaz) do poder não é claramente visível e – isso é o fundamental dessa concep-ção – não depende das vontades individuais para existir e ser exercido. Os objetivistas abordam dimensões mais sutis do poder.

Poder como um efeito generalizado de instituições sociais

Umberto Cerroni apresenta muito bem os princípios da concepção objetivista, criticando as concepções subjetivistas ao falar do Estado:

[...] com a redução do complexo e diferenciado fenômeno histórico do Estado à mera máquina coativa acionada pela vontade (arbitrária) da elite governante, desaparece a especificidade da vontade política como estrutura normativa que faz funcionar coativamente uma regra social destinada a viabilizar um mínimo de consenso. E fica assim fechada a panorâmica sobre a construção de um sistema normativo dotado de um máximo de consenso, como se anuncia possível na democracia moderna. (CERRONI, 1993, p. 202)

Quando fala da “redução do complexo e diferenciado fenômeno histórico do Estado à mera máquina acionada pela vontade da elite governante”, Cerroni está criti-cando a visão subjetivista, que entende que o poder (e os fenômenos sociais em geral) é determinado pelas motivações individuais: a vontade individual faz funcionar a “má-quina coativa” do Estado. Para Cerroni, assim como para os objetivistas, tanto o poder como os fenômenos sociais são relativamente independentes das vontades individu-ais, invertendo a relação de causalidade: são as vontades individuais que dependem e são determinadas pelos fenômenos sociais e coletivos (como o poder), e não o contrá-rio. Assim, logo a seguir ele apresenta e defende a concepção objetivista de poder ao falar do Estado: a “vontade política” é o produto de uma “estrutura normativa” (que po-demos entender como um conjunto de instituições, regras e procedimentos moldados historicamente e profundamente impingidos nas mentes das pessoas, orientando seu comportamento). Essa “estrutura normativa” gera, assim, papéis sociais determinados que os indivíduos precisam assumir – papéis esses que, por sua vez, implicam uma hie-rarquia social e uma divisão desigual de benefícios e privilégios. O poder, portanto, é independente das vontades individuais, sendo um fenômeno objetivo, social, coletivo e generalizado.

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Falando do “poder simbólico”, Pierre Bourdieu também apresenta uma concepção objetivista de poder:

[...] é necessário saber descobri-lo [o poder] onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (BOURDIEU, 2003, p. 7)

Bourdieu está defendendo a ideia de que as próprias instituições sociais (em sentido lato: os sistemas simbólicos, a cultura, os valores, os papéis sociais, as várias hierarquias sociais, as profissões, as organizações etc.) geram situações que implicam a existência de poder. Por seu próprio funcionamento, as instituições sociais geram hierarquias e privilégios.

Poder e consenso

Os objetivistas enfatizam, com a discussão sobre o poder, a questão do con-senso tácito. Querem dizer que a principal dimensão do poder não consiste no momento em que um indivíduo impõe sua vontade sobre outro; mas no próprio consenso acerca do que vale a pena impor; lutar ou valorizar. E principalmente no consenso acerca do valor das coisas.

Assim, o poder é um fenômeno cognitivo, ou seja, que opera em um nível incons-ciente: por meio da socialização e da educação sistemática, as instituições sociais incu-tem nos indivíduos formas de pensamento, categorias de percepção, de apreciação e de julgamento do mundo que:

fazem com que os indivíduos aceitem inconscientemente as divisões e hierar-quias do mundo social tais como são, reconhecendo formas de dominação como legítimas;

fazem os indivíduos entenderem o mundo de uma forma hierárquica.

Damos um exemplo. Em alguns países, no passado ou mesmo hoje, a condição étnica de judeu ou de negro era altamente negativa. Bastava ser judeu ou negro para sofrer vários tipos de desfavorecimento em diversas situações da vida, como no tra-balho, e mesmo descrédito e desonra nas relações sociais. Para os objetivistas, isso é uma forma de poder – e é particularmente terrível, porque as pessoas dificilmente conseguem percebê-la como poder ou dominação. Alguém não precisa impor a sua vontade sobre negros ou judeus para que estes estejam submetidos e sejam desfa-vorecidos na sociedade. Basta ser judeu ou negro em uma sociedade que desvaloriza essas características.

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O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas

Os exemplos podem se multiplicar ao infinito. Imaginemos um indivíduo analfabe-to, que nunca passou pela escola, em meio a uma conferência universitária. Se durante os debates esse indivíduo for, digamos, fazer uma pergunta ou dar uma opinião, todos irão imediatamente reconhecer sua condição. Não somente a sua diferença em relação aos demais (ser iletrado em um meio de letrados), mas a falta de alguma coisa muito importante naquele universo: certas capacidades específicas (a língua culta, por exem-plo) e outros atributos intelectuais significativos (a fraseologia complexa, a cultura acu-mulada por anos de leitura etc.). Tal falta é sempre reconhecida, ainda que a forma do reconhecimento varie: aquela coletividade pode reagir com pena, por exemplo, mas a pena é apenas uma forma virtuosa de reconhecer e discriminar uma desvantagem. A falta, a desvantagem, a característica negativa é sempre reconhecida. Assim, de uma forma ou de outra, o analfabeto está definitivamente excluído não apenas daquele meio (ao qual, por direito, não pertence), mas do prestígio (de ser) intelectual, de suas benesses e vantagens materiais e simbólicas. Na verdade, em uma situação assim muito provavelmente ele será estigmatizado ou mesmo ridicularizado.

Nisso tudo, se olharmos somente para os indivíduos não entenderemos que aí está operando, na verdade, uma estrutura de poder ou de dominação, ou seja, um con-junto de instituições sociais, coletivas, generalizadas e, principalmente, invisíveis que estão gerando todo tipo de hierarquias e desigualdades, colocando uns em condições desprivilegiadas em relação a outros.

Assim, voltando a esse exemplo, o poder aqui é muito mais sutil e, portanto, mais perverso: ele reside nas próprias condições sociais objetivas que fizeram aquele indiví-duo ser analfabeto e os outros, intelectuais. O poder, nessa perspectiva, agiu quando o analfabeto nunca pôde cursar uma escola ou por não ter tido acesso a livros, enquanto outros tiveram acesso a tudo isso; o poder atuou também quando as pessoas, tanto o analfabeto como os demais, aprenderam não só a olhar para o analfabetismo como algo negativo, e a reprová-lo por isso, mas como o símbolo de uma falta: a falta da capacidade de se pronunciar sobre os assuntos que inclusive dizem respeito aos não alfabetizados. A negação do direito de voto aos analfabetos no Brasil durante a maior parte do século XX é um caso da mesma família.

Poder e sociedade

O poder está na própria sociedade, em suas divisões e em suas diferentes condi-ções de existência, que fornecem às pessoas atributos e capacidades desigualmente valorizados, tornando as pessoas desiguais. Isso tudo ocorre por meio da adaptação, da imitação e da educação. Ajustando-se as pessoas ao meio social, elas se ajustam a uma condição hierarquizada, que lhes confere ou não privilégios de todos os tipos.

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O indivíduo pode estar, assim, marcado por uma condição socialmente negativa (isto é, reconhecida como negativa pela coletividade), que o acompanhará por toda a vida. Essa condição socialmente negativa, como no caso do pertencimento a alguma etnia estigmatizada, pode ser especialmente perversa, já que o indivíduo não tem como se desvencilhar dela.

Esse tipo de poder que os objetivistas focam é invisível aos olhos dos subjetivis-tas. Contudo, segundo os objetivistas, a sociedade não só está repleta dessas formas objetivas de poder (isto é, formas derivadas das instituições sociais e dos fenômenos coletivos) como essas seriam a verdadeira forma do poder.

Assim, a sociedade é atravessada, em todos os níveis e de todas as maneiras por hierarquias tácitas. Absolutamente tudo tem um valor, que é socialmente instituído e historicamente variável, e que diferencia e hierarquiza as coisas e as pessoas. A posse ou não posse dessas características – que vão desde a forma de se vestir, os bens materiais, as capacidades físicas e mentais, a formas de ser e de se portar – coloca os indivíduos em situações de desfavorecimento objetivo. E tal favorecimento ou desfavorecimento objetivo inclusive influencia e mesmo comanda as chances de um indivíduo impor a sua vontade sobre outro, ou seja, influencia as formas mais explícitas de poder.

A concepção objetivista se aplica, é claro, tanto à política institucional como aos fenômenos políticos em geral. Os neoinstitucionalistas históricos2, por exemplo, utili-zam largamente a concepção objetivista do poder: o poder reside na própria estrutura das instituições; e as instituições produzem efeitos de poder e dominação que não derivam ou não são determinados pelas vontades individuais.

Portanto, a concepção objetivista enfatiza os efeitos do poder e da dominação que são oriundos da própria organização social, das instituições sociais e dos sistemas de valores (como a cultura) – enfim, dos fenômenos sociais objetivos, extraindividuais, que se criam e se transformam a partir de processos históricos generalizados. Não se reduzem, portanto, a qualquer vontade ou consciência individual.

Isso não quer dizer, de forma alguma, que é impossível mudar a sociedade ou a estrutura de dominação. Os indivíduos fazem isso a todo momento, sem nem mesmo perceberem, na medida em que lutam e se esforçam para mudar sua condição. Além disso, os indivíduos podem, por meio da própria ciência, tomar consciência da opera-ção e do mecanismo do poder, percebendo suas formas tácitas. Podem, assim, modi-ficar as instituições sociais no sentido de controlar os efeitos do poder e as formas de dominação social que elas, objetivamente, produzem.

2 Os cientistas filiados à tradição teórica neoinstitucionalista de viés historicista estudam os fenômenos políticos por meio da análise da transformação das instituições e dos processos históricos em que elas são construídas.Ci

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O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas

Concepção objetivista de poderA concepção objetivista sustenta que existe poder onde existem instituições

sociais e valores culturais cujos efeitos distingam e hierarquizem as pessoas e grupos entre si. Essa forma de poder, mais tácita e imperceptível do que aquela presente na ordem direta de um indivíduo a outro, pode ser repetida inconscientemente por meio do consenso que as pessoas têm sobre o valor das coisas e por meio do pró-prio funcionamento das instituições sociais, produzindo e reproduzindo desigual-dades de todo tipo.

Obras sobre a concepção objetivista de poder Objective interests and the sociology of power, de Ted Benton (BENTON, 1981).

Sobre o poder simbólico, de Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1989. p. 7-16).

Espaço social e gênese das “classes”, de Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1989. p. 133-61).

Microfísica do Poder, de Michel Foucault (FOCAULT, 1982).

O sujeito e o poder, de Michel Foucault (FOUCAULT, 1995).

Poder Político e Classes Sociais, de Nicos Poulantzas (POULANTZAS, 1982).

ConclusãoO poder é a principal dimensão da política. A própria natureza conflituosa da polí-

tica implica relações de poder. Assim, sem o conceito de poder, a própria Ciência Política não existiria, pois não seria possível pensar adequadamente os fenômenos políticos.

Vimos algumas perspectivas concorrentes para entender o poder. Hobbes lançou os fundamentos do conceito de poder, entendendo-o como uma coisa que confere aos

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indivíduos a capacidade de impor a sua vontade sobre outrem. Vimos como o poder possui uma natureza agonística, isto é, de conflito e mesmo de imposição. A partir dessa discussão, apresentamos e descrevemos as duas grandes maneiras de entender teoricamente o poder: as concepções subjetivistas e objetivistas.

As concepções subjetivistas entendem o poder como uma relação intersubjetiva, focando os indivíduos como os sujeitos do poder. Dessa perspectiva, há poder quando, em uma situação qualquer, alguém busca impor sua vontade particular sobre outrem, mobilizando determinados recursos para tanto.

Já os objetivistas entendem o poder como um fenômeno social que deriva das instituições sociais e as perpassa. As instituições condicionam os indivíduos a pen-sarem, julgarem e agirem de determinado modo, fazendo que os indivíduos sejam ajustados a determinadas posições sociais, hierarquizadas e desiguais, produzindo e reproduzindo as hierarquias e as desigualdades. O poder, nesse sentido, não pertence a um sujeito, mas permeia toda a sociedade: ele é um produto do funcionamento ob-jetivo das instituições sociais – tanto as instituições tácitas e não formalizadas (como os costumes e o processo de educação) quanto as instituições mais explícitas e formais (como a família ou o Estado).

Texto complementar

Poder e dominação(WEBER, 1978, p. 53-54. Tradução nossa.)

Poder (Macht) é a probabilidade que um ator, dentro de uma relação social, esteja em posição de realizar sua própria vontade a despeito de qualquer resistên-cia, não importando a base sobre a qual essa probabilidade reside.

Dominação (Herrschaft) é a probabilidade que um comando com um dado con-teúdo específico seja obedecido por um dado grupo de pessoas. Disciplina é a proba-bilidade que, em virtude da habituação, um comando seja obedecido pronta e auto-maticamente, em formas estereotipadas, por parte de um dado grupo de pessoas.

O conceito de poder é sociologicamente amorfo. Todas as capacidades conce-bíveis de uma pessoa e todas as combinações concebíveis de circunstâncias podem colocá-la numa posição de impor a sua vontade numa dada situação. O conceito sociológico de dominação deve portanto ser mais preciso e pode apenas significar a probabilidade que um comando seja obedecido.Ci

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O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas

O conceito de disciplina inclui a habitação característica da obediência de massa acrítica e irresistente.

A existência de dominação ocorre apenas na situação real de uma pessoa emi-tindo ordens a outros com sucesso; não implica necessariamente na existência de um corpo administrativo ou, para esse fim, numa organização. É, entretanto, inco-mum encontrá-la desvinculada de pelo menos um desses. Uma “organização gover-nante” (Herrschaftsverband) existe até o ponto em que seus membros sejam sujeitos à dominação por parte da ordem da estabelecida.

O líder de uma família governa sem um corpo administrativo. Um chefe Bedoin, que arrecada contribuições de caravanas, pessoas ou embarcações que passam por sua fortaleza, controla esse grupo de viajantes que não pertencem à mesma orga-nização, tão logo e por quanto tempo eles encararem a mesma situação; mas para fazer isso ele precisa de seguidores que, nas ocasiões apropriadas, sirvam como o seu corpo administrativo no exercício da compulsão necessária. (Contudo, é teorica-mente concebível que esse tipo de controle seja exercido por um único indivíduo).

Se possuir um corpo administrativo, uma organização está sempre, em algum grau, baseada na dominação. Mas o conceito é relativo. Em geral, uma organização efetivamente governante é também uma organização administrativa. O caráter da organização é determinado por uma variedade de fatores: o modo em que a ad-ministração é conduzida, o caráter do pessoal, os objetos sobre os quais se exerce controle e a extensão da jurisdição efetiva. Os primeiros dois fatores, em particular, são dependentes, no mais alto grau, do modo pelo qual a dominação é legitimada.

Atividades

Que relação pode ser estabelecida entre os fenômenos políticos ou a política e 1. o poder?

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Em que consistem os dois tipos de poder segundo Hobbes? Explique sucinta-2. mente por que eles são definidos como formas de poder.

Descreva as principais características da concepção subjetivista e da concepção 3. objetivista de poder.

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O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas

Há formas4. explícitas e formas sutis de poder. Defina cada um desses tipos qual deles mais se aproxima da concepção objetivista.

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O Estado moderno: a teoria contratualista e sua crítica sociológica

Qual a importância de entendermos o que é, como surgiu e como atua o Estado? Essa pergunta pode parecer, a princípio, estranha ou irrelevante, mas se olharmos a vida social com um pouco mais de atenção e interesse veremos que o Estado define, regula, garante e fixa o limite do proibido e do permitido de praticamente todas as nossas ações.

Logo quando nascemos, recebemos um nome, mas para que ele seja legalmente válido devemos ter o nosso nascimento registrado em cartório. É o Estado que licencia e autoriza os cartórios, dando poder a eles de falar em seu nome e em nome da lei. Mais tarde, somos levados “naturalmente” a fazer uma carteira de identidade, uma car-teira de trabalho e a nos inscrevermos no cadastro de pessoa física da Receita Federal. Se estudarmos, nosso conhecimento só terá um valor efetivo se for garantido oficial-mente por um diploma. E os diplomas só são válidos se e quando são referendados pelo Estado. Todas essas situações, que nos são impostas e das quais é impossível esca-par, têm algo em comum: a necessidade de serem reconhecidas e aprovadas (“seladas, assinadas e carimbadas”, poderíamos dizer) pelo Estado.

Assim, o Estado não é uma entidade abstrata, exterior aos indivíduos e distante da vida social, pois tem grande influência no que fazemos ou deixamos de fazer. Por isso mesmo é necessário compreender o que é, o que faz e como surgiu o Estado. Essa é uma etapa essencial para entendermos as ações dos homens em sociedade e sua política.

O tema do Estado é um dos temas recorrentes da Ciência Política. Sua abordagem, todavia, extrapola os limites da disciplina, incorporando uma antiga discussão de pen-sadores políticos que trataram do assunto desde o século XVI. Nosso objetivo é rever a discussão da filosofia política contratualista sobre a origem do Estado e contrapô-la à visão dos cientistas sociais sobre as razões e as funções do Estado nas sociedades contemporâneas.

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Autoridade e legitimidadeExistem dois princípios básicos do poder do Estado, por meio dos quais ele conse-

gue constranger a vontade e as ações humanas: a autoridade e a legitimidade.

A autoridade é a forma pela qual o Estado coage as ações humanas de forma ex-plícita: por meio das leis, das prisões, dos tribunais, dos decretos, das multas, da polícia – em uma palavra, da força física e demais recursos materiais que sustentam e tornam concreto o emprego dessa força. O Estado garante explicitamente o exercício da sua autoridade quando ele mobiliza os recursos coercitivos que lhes são próprios com o objetivo de constranger as ações dos indivíduos.

A legitimidade é a maneira mais dissimulada (e mais eficiente) por meio da qual o Estado garante o exercício do seu poder e a obediência dos dominados. Ela é adquirida de maneira tácita por meio de uma série de instituições políticas (as eleições periódi-cas dos governantes), sociais (a escola) ou econômicas (o mercado) etc. As ações do Estado são legítimas a partir do momento em que ele consegue produzir e incutir, nos indivíduos, uma crença na justeza, na validade e no seu direito de exercer a autoridade. Em outras palavras, a legitimidade é a crença que os indivíduos têm na validade da dominação autoritária do Estado.

AnalogiaPodemos fazer uma analogia com a linguagem da informática: a autoridade

seria equivalente ao hardware, ao passo que a legitimidade seria equivalente ao sof-tware. A primeira é a estrutura física que garante o funcionamento do Estado; ao passo que a outra é a estrutura espiritual ou mental que cumpre o mesmo objetivo.

Daqui em diante, veremos em detalhes como essas duas variáveis – autoridade e legitimidade – foram entendidas em cada momento da história do pensamento da ciência do Estado.

O homem faz a história e o EstadoIniciaremos a abordagem do problema do Estado com a filosofia política, mais

precisamente com as concepções dos teóricos contratualistas. Esta escola de pen-samento teve início no século XVI e seus integrantes mais conhecidos são Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

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oderno: a teoria contratualista e sua crítica sociológica

Para entender de forma mais precisa a ideia básica dos contratualistas, devemos salientar dois pontos-chave do seu pensamento: as noções de natureza humana e a noção de contrato social. Devemos mencionar ainda que as divisões presentes dentro dessa escola (ou seja, as formas antagônicas ou divergentes que os intelectuais têm de entender o mesmo problema) estão ligadas diretamente à concepção que cada um deles possui do que é a natureza humana e de como é ou deve ser o contrato (ou o que o contrato deve prescrever).

Apesar de divergências em vários pontos (o que abordaremos mais adiante), os contratualistas convergem quanto à ideia de contrato nos seguintes termos: para todos eles, o contrato é um sistema de direitos e deveres decididos de forma voluntária pelos indivíduos com o objetivo de orientar/limitar as ações humanas. Dessa forma, o contrato é escolhido deliberadamente pelos homens, estrutura a realidade social e funda o Estado civil (a vida em sociedade).

Compreendida como os atributos, adjetivos ou características inatas a todos os indivíduos (isto é, que existem para além das vontades e do aprendizado, pois são dados da espécie humana), a natureza humana é vista, muito esquematicamente, de duas formas pelos contratualistas: existem aqueles que creem que o ser humano é na-turalmente bom e aqueles que creem no ser humano naturalmente mau.

No que diz respeito ao Estado, o argumento mais geral dos contratualistas é que o Estado é fundado por um contrato ou um pacto, isto é, o Estado existe a partir do mo-mento em que os homens decidem, deliberadamente, associarem-se e formarem para si mesmos um conjunto de regras com o objetivo de preservar ou anular a natureza humana ou o direito natural.

Dessa forma, tanto a autoridade quanto a legitimidade do Estado são formadas pelo contrato social.

Princípios básicos da filosofia política contratualista O homem constrói a realidade social, o que inclui também e principalmente suas instituições políticas, em especial o Estado.

Existem características de personalidade que são inerentes, inatas ao ho-mem (noção de natureza humana).

Existem direitos naturais de todos os homens (ideia muito próxima à de di-reitos individuais ou direitos humanos).

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Thomas Hobbes: o Estado absolutoThomas Hobbes foi um pensador inglês que viveu entre 1588 e 1679, e sua prin-

cipal obra de teoria política é O Leviatã. De maneira bem resumida, pode-se dizer que Hobbes formula três pressupostos sobre os quais estrutura sua teoria sobre o Estado:

O ser humano é naturalmente mau ou interessado.

Os indivíduos têm os mesmos interesses, direcionam-se para os mesmos objetivos.

O homem é naturalmente livre.

Dom

ínio

púb

lico.

Folha de rosto da primeira edição de O Leviatã.

Por meio da relação entre esses axiomas, perceberemos que os homens estão em um potencial estado de guerra de todos contra todos: dado que o ser humano é natu-ralmente mau e tem liberdade para fazer o que quiser, caso os interesses se choquem haverá uma disputa infinita para realizá-los.

Porém, para garantir a sua existência e sua integridade física, os indivíduos têm de abrir mão de sua liberdade natural e de seu poder individual para construir um contrato social que, em última instância, é o fiador de uma autoridade à qual todos devem se submeter. Ele é a garantia de que haverá a limitação da ação dos homens, preservando a integridade física de cada indivíduo e a existência da espécie. Em suma, os indivíduos abrem mão de sua liberdade e de seus direitos naturais para garantir sua existência – caso contrário, os homens se destruiriam.Ci

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O Estado m

oderno: a teoria contratualista e sua crítica sociológica

Das causas, geração e definição de um Estado(HOBBES, 2000. Cap. XVII)

“O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a li-berdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com a sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a consequência necessária [...] das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento dos seus pactos e ao respeito àquelas leis de natureza [...].

Porque as leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, ou em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mesmas, na ausên-cia do temor de algum poder capaz de as levar a ser respeitadas, são contrárias às nossas paixões naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de na-tureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las e quando pode fazê-lo com segurança), se não for instituído um poder suficientemente grande para a nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas na sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros.”

Esse contrato se apresenta de forma concreta na figura do Estado, que é a institui-ção que regula a ação e as vontades dos homens, é aquele ao qual todos os seres hu-manos concedem a sua liberdade em troca de proteção. Assim, os homens só podem se proteger uns dos outros se todos concordarem em entregar sua liberdade natural a um poder inquestionável (o Estado). O Estado é assim o responsável por trazer a ordem para dentro da desordem que a natureza humana, por si só, desencadearia; ou seja, o contrato (objetivado na figura do Estado) garante a proteção dos homens em relação a si mesmos, mas em detrimento da liberdade particular de cada um.

Segundo Hobbes, o poder do Estado é inquestionável e indestrutível. Qualquer homem que quebrar o contrato (social) que funda o Estado será eliminado pela força da vida civil. Dessa forma, o poder do Estado, depois de fundado, está para além das vontades individuais, agindo de forma coercitiva sobre essas vontades ao regular as pulsões dos homens.

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Principais obras políticas de Hobbes The Elements of Law, Natural and Political (1650).

De Cive [Do Cidadão], 1642.

Philosophicall Rudiments Concerning Government and Society (1651); tradu-ção para o inglês do De Cive.

Leviathan, or the Matter, Forme, and Power of a Commonwealth, Ecclesiasticall and Civil (1651).

The Questions Concerning Liberty, Necessity and Chance (1656).

Behemoth, or The Long Parliament (1681; obra póstuma).

Hobbes foi um pensador social que teorizou os princípios políticos do Estado ab-solutista. O absolutismo é uma forma de regime na qual o Estado possui o governo generalizado da sociedade. O Estado absolutista é característico do Antigo Regime, que existiu na transição do modo de produção feudal para o capitalista (aproximada-mente entre os séculos XV e XVIII na Europa ocidental). Nesse tipo de Estado o poder do soberano é total sobre as instituições e os súditos.

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Luís XIV, Rei da França e de Navarra, 1701. Hya-cinthe Rigaud. Óleo sobre tela. Museu do Louvre, Paris. Ci

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O rei Luís XIV (1638-1715), da França, ficou conhecido como ícone do Estado abso-luto, não apenas por seu poder e projeção mundial, mas por sua célebre expressão “o Estado sou Eu”, que sintetiza adequadamente a centralização do poder social na figura do soberano.

O soberano absolutoPara Hobbes, o Estado é o produto de um contrato motivado pelo interesse

maior de cada um conservar a própria vida. Para garantir esse objetivo, o Estado deve ser um poder social inquestionável e superior às vontades individuais. Encar-nado na figura do soberano absoluto, ele é a forma civilizada de evitar a guerra de todos contra todos.

John Locke: o Estado liberalConhecido por ser um dos precursores teóricos do liberalismo político, John

Locke nasceu na Inglaterra, em 1632, e morreu em 1704, também na Inglaterra. Locke entende o estado de natureza de uma forma diferente da de Hobbes. Para Locke, o homem em seu estado natural não está imerso em um estado de guerra latente, mas em um estado de relativa estabilidade: há momentos de perturbação e momentos de harmonia. A sua maior diferença em relação a Hobbes é que, pelo princípio básico da teoria de Locke, o que caracteriza o estado de natureza é a propriedade privada, isto é, o homem teria naturalmente direito à propriedade privada.

Principais obras políticas de Locke Questions Concerning the Law of Nature (1664).

Essay Concerning Toleration (1667).

Two Treatises of Government (1689).

Na filosofia de Locke, o que define a natureza humana não é um valor (ela não é má ou boa), mas um “direito”: a propriedade. Caso não exista um conjunto de regras que garantam o direito inato do homem (à propriedade), pode ocorrer a guerra. Isto é, se a propriedade não for violada, o homem viverá em um estado de paz; caso contrário, haverá conflito. Dessa forma, torna-se necessário estabelecer um conjunto de regras para garantir a propriedade e evitar os inconvenientes gerados pela eventual violação da propriedade.

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O direito do homemPara Locke, o Estado é fundado por um contrato para garantir a perpetuação

do direito natural do homem: a propriedade privada. No caso de Hobbes, ocorre o contrário: o Estado é fundado não para garantir as capacidades inatas do homem, mas para cerceá-las. Ainda ao contrário de Hobbes, segundo Locke, o Estado não teria um poder ilimitado diante do indivíduo: aqui o Estado serve ao indivíduo.

É aqui que é preciso realizar um pacto, um contrato entre as partes que vivem em sociedade. O contrato social funda o Estado, que tem como único objetivo garantir aos homens o direito à propriedade privada; garantindo esse direito natural, garante-se a paz.

Do começo das sociedades políticas(LOCKE, 1983. Cap. VIII)

“Se todos os homens são, como se tem dito, livres, iguais e independentes por natureza, ninguém pode ser retirado deste estado e se sujeitar ao poder político de outro sem o seu próprio consentimento. A única maneira pela qual alguém se despoja de sua liberdade natural e se coloca dentro das limitações da sociedade civil é através de acordo com outros homens para se associarem e se unirem em uma comunidade para uma vida confortável, segura e pacífica uns com os outros, desfrutando com se-gurança de suas propriedades e [mais bem] protegidos contra aqueles que não são daquela comunidade. Esses homens podem agir desta forma porque isso não preju-dica a liberdade dos outros, que permanecem como antes, na liberdade do estado de natureza. Quando qualquer número de homens decide constituir uma comunidade ou um governo, isto os associa e eles formam um corpo político em que a maioria tem o direito de agir e decidir pelo restante.

Quando qualquer número de homens, através do consentimento de cada in-divíduo, forma uma comunidade, dão a esta comunidade uma característica de um corpo único, com o poder de agir como um corpo único, o que significa agir somente segundo a vontade e a determinação da maioria. Pois o que move uma comunidade é sempre o consentimento dos indivíduos que a compõem [...].

E assim cada homem, consentindo com os outros em instituir um corpo políti-co submetido a um único governo, se obriga diante de todos os membros daquela sociedade a se submeter à decisão da maioria e a concordar com ela; do contrário, se ele permanecesse livre e regido como antes pelo estado de natureza, este pacto inicial, em que ele e os outros se incorporaram em uma sociedade, não significaria nada e não seria um pacto.”

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Jean-Jacques Rousseau: o Estado para o indivíduoJean-Jacques Rousseau foi um filósofo do Iluminismo francês que nasceu em Ge-

nebra, Suíça, em 1712, e morreu em Ermenonville, França, em 1778. Rousseau enten-de o homem como um ser naturalmente bom. No livro Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens (1755), ele argumenta que o homem é ao mesmo tempo naturalmente bom e que tem a liberdade como um direito natural (“O homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe”, escreverá ele). Assim, diferencia-se radicalmente de Hobbes, que entende a natureza humana como má, e de Locke, que acredita ter o homem direito inato à propriedade (e não à liberdade).

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Folha de rosto do Discurso sobre a Desigualdade (1754), de Rosseau, em uma edição holandesa de 1755.

No entanto, como pode ser o homem naturalmente livre, mas por toda parte ter sua liberdade cerceada e negada? Como pode a realidade do homem ser demasiada-mente coativa e ao mesmo tempo os homens terem como direito essencial a liberda-de? Rousseau desenvolveu grande parte de sua teoria sobre essas questões, buscando compreender o processo de passagem de uma natureza humana essencialmente livre para uma vida social regulada, coercitiva.

Para explicar como ocorre esse processo, Rousseau não toma como ponto de par-tida nenhum caso particular, histórico, mas sim um caso imaginário. Ele concebe um homem selvagem que consegue tudo o que precisa na natureza. Tudo aquilo que ele tem vontade estaria imediatamente disponível: alimento, abrigo etc. seriam fornecidos aos homens sem custo algum. Essa é, muito resumidamente, a figura do “bom selvagem”.

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Nota-se aqui a total diferença entre Rousseau e Locke, pois para o primeiro não existe propriedade privada no estado de natureza, mas sim ausência de propriedade.

Porém, quando o homem se apropria do que a natureza lhe oferece, quando toma para si os recursos que estavam disponíveis a todos de forma igualitária, a liberdade cessa e a coerção tem início. Em outras palavras, para Rousseau a propriedade priva-da dá início à desigualdade entre os homens: todos ambicionam a propriedade, mas poucos a detêm. Essa desigualdade básica está na origem da coerção social: as coer-ções sociais existem para garantir a desigualdade, a distribuição desigual dos bens. A origem dos maiores males da vida do homem estaria, portanto, no advento da proprie-dade privada. Quando surge a propriedade privada, surgem todos os males: o egoís-mo, o interesse, a desigualdade.

Do soberano(ROUSSEAU, 1983. Livro I, cap. VII)

“A fim de que o pacto social não venha a constituir, pois, um formulário vão, compreende ele tacitamente esse compromisso, o único que pode dar força aos outros: aquele que se recusar a obedecer à vontade geral a isso será constrangido por todo o corpo – o que significa apenas que será forçado a ser livre, pois é esta a condição que, entregando à pátria cada cidadão, o garante contra toda dependên-cia pessoal, condição que configura o artifício e o jogo da máquina política, a única a legitimar os compromissos civis, que sem isso seriam absurdos, tirânicos e sujeitos aos maiores abusos”.

Podemos agora entender como Rousseau trabalha sua noção de contrato social. O contrato serve para garantir ao homem a sua liberdade natural. O Estado, fundado por meio do contrato, deve evitar que o homem seja privado da sua liberdade em função do convívio social. Assim, percebemos que, nessa filosofia, o Estado está a serviço da liberdade humana.

Note-se que Rousseau se distingue muito de seus contemporâneos do Ilumi-nismo. Visto que o pensamento da época era o de que a arte e a ciência iriam tirar os homens das trevas para mostrar-lhes a luz, que somente por meio do desenvol-vimento dessas instituições o homem poderia se desenvolver, Rousseau sustenta o contrário: que são justamente essas instituições as que mais limitam a ação do homem, são as que mais empurram-no às “trevas”. Assim, é necessário reformulá-las de modo a fazer com que elas legislem para o homem.

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Principais obras políticas de Rousseau Discours Sur L’Origine et les Fondements de L’Inégalité Parmi les Hommes (1755).

Du Contrat Social (1762).

Lettres Sur la Législation de la Corse (1764).

Considérations Sur le Gouvernement de Pologne (1770-1771).

Projet de Constitution pour la Corse (obra póstuma).

Há muito do pensamento de Rousseau nos grandes movimentos revolucionários que clamam pela liberdade e pela igualdade. A Revolução Francesa (1789-1799), um dos principais marcos históricos e políticos de todos os tempos, as revoluções socialis-tas do século XX e mesmo o movimento anarquista foram fortemente influenciados e justificados pelo pensamento de Rousseau.

A história faz o homem e o EstadoPercebemos que a escola contratualista possui uma explicação padrão sobre a

origem do Estado: eles acreditam que o Estado (sendo Estado também um sinônimo de “vida civil”, “vida civilizada”, isto é, “vida social”) é fundado por meio da vontade in-dividual. O Estado, para os contratualistas, encontra sua legitimidade e sua autoridade na vontade do homem.

A partir do século XIX, veremos que o enfoque sobre o Estado será o oposto desse: o Estado, dirão os teóricos sociais, é o resultado de um processo de desenvolvimento histórico, isto é, ele é produto da história, e não da vontade arbitrária do homem. Há, portanto, uma diferença muito grande em entender o Estado (ou qualquer outra insti-tuição social) como produto direto das vontades humanas (como ocorre com os con-tratualistas) e entender o Estado como o resultado complexo de mecanismos sócio- -históricos (como é o caso da Sociologia e da Ciência Política). Na Sociologia, que nasce no século XIX e se consolida nas primeiras décadas do século XX, a própria noção de natureza humana será historicizada.

Os pensadores que abordaremos a seguir defendem que todas as características tidas como “naturais” são produtos sociais. Em suma, o argumento central aqui é o de

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que tanto o Estado quanto a noção de natureza humana (qualquer noção que se tenha a respeito do que o homem é ou deve ser) são produtos de longos processos históri-cos alheios à vontade consciente dos homens. Essa concepção ficará mais clara quando abordarmos Pierre Bourdieu, pois grande parte da sua carreira intelectual foi dedicada a desmistificar, por meio da Sociologia, qualquer noção de “natureza humana”.

Max Weber: por uma visão histórica e sociológicaMax Weber foi um sociólogo alemão nascido em 1864 e morto em 1920. Ele é, dos

autores clássicos, aquele que melhor sintetizou uma concepção de Estado. Para Weber, o Estado não deveria ser definido sociologicamente por seus fins, isto é, pelas funções sociais que ele cumpre, mas sim “pelo meio específico que lhe é peculiar, tal como é peculiar a todo outro agrupamento político, ou seja, o uso da força física” (WEBER, 1989, p. 55-56).

A obsessão de Weber em ser ao mesmo tempo rigoroso e minucioso em relação ao vocabulário da Sociologia permitiu que ele propusesse a seguinte definição: “Em nossa época [...] devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território [...], reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física [...]” (WEBER, 1989, p. 56).

A partir dessas duas passagens conseguimos extrair os seguintes argumentos:

o Estado é definido pela maneira como faz algo e não pelo o que ele faz – dito de outra forma, o Estado se define pela forma com que realiza uma determina-da função, e não pela função que realiza;

a maneira específica pela qual todo o Estado faz algo é pela mobilização da força física, sobre a qual ele tem, ou pretende ter, o monopólio – a força física é o meio pelo qual o Estado empreende uma função qualquer;

o monopólio do uso da força física organizada em instituições específicas (tri-bunais, polícia, exércitos etc.) tem de ser legítimo.

Em Weber, conseguimos ver claramente a divisão entre autoridade e legitimidade. A força física deve ser entendida em termos institucionais: é o aparato que garante a autoridade, e não se confunde, em nenhuma hipótese, com a violência privada. A legi-timidade, por sua vez, deriva (tem de derivar) da população que está submetida a essa autoridade. Weber nomeia essas duas variáveis de justificativas externas e justificativas internas, respectivamente.

As justificativas internas do exercício do poder dão origem aos três tipos puros de dominação: a dominação carismática, a tradicional e a burocrática, que sucintamente podemos distinguir conforme a seguir.Ci

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A dominação carismática deriva sua legitimidade das características pessoais do governante ou líder (como exemplo empírico mais próximo desse tipo, poderíamos citar os líderes populares), como honra, coragem, bondade, lealdade etc. É a fé dos seguidores nessas características que garante a legitimidade da dominação.

A dominação tradicional deriva a sua legitimidade do tempo, da continuidade da dominação. Ou seja, as regras estão estabelecidas desde tempos imemoriáveis, o que lhes garante uma validade anterior, uma convicção baseada no hábito.

A dominação burocrática deriva a sua legitimidade da crença socialmente compar-tilhada na validade e na universalidade das regras racionais e impessoais que devem gerir toda organização burocrática, o Estado em primeiro lugar.

Se as justificativas internas estão ligadas às crenças subjetivas dos agentes na va-lidade da dominação do Estado, como vimos acima, as justificativas externas estão li-gadas ao aparato objetivo do Estado e podem ser entendidas com base na seguinte citação: “a dominação organizada, necessita, por um lado, de um estado-maior admi-nistrativo e, por outro lado, necessita dos meios materiais de gestão” (WEBER, 1989, p. 59). Logo, as razões externas estão vinculadas aos aparelhos coercitivos, aos apare-lhos “materiais” do Estado.

Justificativas da dominaçãoAs justificativas externas da dominação dizem respeito aos recursos materiais

de gestão (militar, financeiro, administrativo, logístico etc.), por meio dos quais o Estado consegue impor sua autoridade aos súditos ou aos cidadãos. As justificativas internas da dominação dizem respeito às representações subjetivas que os agentes sociais constroem sobre a legitimidade do poder de Estado, e que possibilitam a ação coercitiva desse Estado.

A grande característica dos pensadores sociais a partir do século XIX, e essa é uma diferença central em relação aos contratualistas, é o fato de não depositarem no indiví-duo a responsabilidade pela construção da realidade social. Portanto, devemos salien-tar que, segundo Weber, tanto a autoridade quanto a legitimidade do Estado são um produto da história social dos agentes. Os próprios recursos mobilizados pelo Estado no processo de dominação não dependem da vontade deliberada dos indivíduos, mas são produto de longos processos históricos – os quais têm como motor a luta pelo poder, e não a necessidade de realizar ou preservar um “direito natural”.

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Pierre Bourdieu: para a crítica da noção de “natural”A definição de Estado por Pierre Bourdieu (1930-2002) é dotada de um elemento

que o distingue amplamente da definição enunciada pelos filósofos contratualistas: a historicidade. O Estado não pode ser compreendido como o produto de uma vontade deliberada dos homens, nem como uma necessidade imanente à existência humana, mas sim como uma instituição criada socialmente cujas formas e funções são resul-tados contingentes de processos histórico-sociais. O Estado é um produto histórico, uma realidade que surgiu a partir de conjunturas e desenlaces sociais específicos em determinados locais, em determinado tempo e sob determinadas condições. Assim, o Estado é uma realidade arbitrária, e não uma entidade eterna ou complementar à natureza humana.

A especificidade do Estado e o fundamento do seu poder é a capacidade que ele tem de criar sobre si e sobre algumas de suas ações/funções a impressão de serem naturais, atemporais ou decorrentes de necessidades humanas inatas. Essa caracterís-tica especial contribui para a reprodução da estrutura estatal e para a efetividade de suas ações sobre o mundo social. Dessa forma, Bourdieu poderia entender o argumen-to contratualista como uma forma de reproduzir o poder do Estado. Na medida em que os contratualistas definem o Estado como uma exigência da natureza humana (o Estado deve disciplinar os indivíduos, assegurar a propriedade etc.), eles reiteram e re-produzem os fundamentos do poder e da existência do próprio Estado, pois assumem como elementos definidores do Estado atributos imaginários que ele próprio produz.

Bourdieu afirma que “é preciso colocar em questão todos os pressupostos e todas as pré-construções inscritas na realidade que se trata de analisar e no próprio pensa-mento dos analistas” (BOURDIEU, 1996, p. 94). Denunciando a forma como o Estado produz um discurso inatista sobre si mesmo, Bourdieu desvela os fundamentos do poder propriamente estatal em vez de contribuir para a sua reprodução. Esse é um dos grandes objetivos contidos em suas obras: desvelar os sistemas de dominação presen-tes na ordem social.

ConclusãoExiste uma diferença nos estudos sobre o Estado antes e depois do século XIX. Para

Weber, escrevendo no início do século XX, e Bourdieu, escrevendo no fim do século XX, a legitimidade e autoridade do Estado não estão fundamentadas no contrato social ou na natureza humana, isto é, na validade ou necessidade de um acordo entre as partes e nas necessidades e obrigações impostas pelo direito natural. Podemos perceber que ocorre uma inversão na ordem das razões: na filosofia política (anterior ao século XIX),

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o Estado é entendido como o produto das vontades humanas e da natureza humana. Na ciência política e na sociologia política (posteriores ao século XIX), o ponto de par-tida é a história social: a legitimidade e a autoridade do Estado são um produto da história. É a história – os processos sócio-históricos, as lutas políticas, os conflitos eco-nômicos, as querelas ideológicas – que constroem a “natureza humana” e definem o direito natural.

Por isso, tanto para Weber como para Bourdieu o Estado não é fundado por um pacto social, mas deriva de um longo processo de acumulação do monopólio legítimo de força física e simbólica sobre um determinado território. Assim, os indivíduos não de-cidem racionalmente e deliberadamente sobre a construção do Estado. Ele, na realida-de, é um produto objetivo da história coletiva dos indivíduos e nenhum indivíduo em particular tem o seu controle. O que está em foco nessa discussão é a oposição entre o voluntarismo do sujeito e a capacidade de coerção da sociedade sobre os sujeitos. Por um lado, acredita-se que os indivíduos têm livre-arbítrio sobre suas ações e sobre a construção da realidade; por outro, a realidade social é mais o produto de longos processos históricos de acumulação e mudança das estruturas sociais. Esses processos estão além das vontades particulares dos homens, são externos a eles.

Analisando mais de perto a relação entre a teorização de Bourdieu e as concep-ções dos contratualistas, percebemos outra diferença significativa. Os filósofos do contrato partem de uma (suposta) natureza humana para posteriormente pensar a (origem da) sociedade. Para Bourdieu o caminho é outro: parte-se da sociedade para depois se construir a “natureza humana”. Para os primeiros, a sociedade é um efeito da natureza do homem; em Bourdieu, a natureza humana e até mesmo a noção de “na-tural” (quando se fala de valores naturais ou direito natural) é construída pela própria sociedade e garantida pelo (poder de) Estado.

Texto complementar

A definição weberiana de Estado(WEBER, 1999. p. 525-526, 528-529)

Do ponto de vista da consideração sociológica, uma associação “política”, e par-ticularmente um “Estado”, não pode ser definida pelo conteúdo daquilo que faz. Não há quase nenhuma tarefa que alguma associação política, em algum momento, não tivesse tomado em suas mãos, mas, por outro lado, também não há nenhuma da qual se poderia dizer que tivesse sido própria, em todos os momentos e, exclusivamente,

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daquelas associações que chamam políticas (ou hoje: Estado) ou que são historica-mente as precursoras do Estado moderno. Ao contrário, somente se pode definir so-ciologicamente o Estado moderno por um meio específico que lhe é próprio, como também a toda associação política: o da coação física. “Todo Estado fundamenta-se na coação”, disse em seu tempo Trotski, em Brest-Litovsk. Isso é de fato correto. Se existisse apenas complexos sociais que desconhecessem o meio da coação, teria sido dispensado o conceito de Estado; ter-se-ia produzido aquilo a que caberia o nome de anarquia, neste sentido específico do termo. Evidentemente, a coação não é o meio normal ou o único do Estado – não se cogita disso –, mas é o seu meio espe-cífico. No passado, as associações mais diversas – começando pelo clã – conheciam a coação física como meio perfeitamente normal. Hoje, o Estado é aquela comuni-dade humana que, dentro de determinado território – este, o território, faz parte da qualidade característica –, reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima, pois o específico da atualidade é que a todas as demais associações ou pessoas individuais somente se atribui o direito de exercer coação física na medida em que o Estado o permita. Este é considerado a única fonte do “direito” de exercer coação.

Política significaria para nós, portanto, a tentativa de participar no poder ou de influenciar a distribuição do poder, seja entre vários Estados, seja dentro de um Estado entre os grupos de pessoas que este abrange. Isso corresponde, essencial-mente, ao uso da palavra na linguagem corrente. Quando se diz de uma questão que é a questão “política”, de um ministro ou funcionário que é um funcionário “polí-tico”, de uma decisão que é “politicamente” condicionada, sempre se tem em mente que interesses de distribuição, conservação ou deslocamento de poder são decisi-vos para a solução daquela questão, condicionam aquela decisão ou determinam a esfera de ação daquele funcionário. Quem pratica política, reclama poder: poder como meio ao serviço de outros fins – ideais ou egoístas –, ou poder “pelo próprio poder”, para deleitar-se com a sensação de prestígio que proporciona.

O Estado, do mesmo modo que as associações políticas historicamente prece-dentes, é uma relação de dominação de homens sobre homens, apoiada no meio da coação legítima (quer dizer, considerada legítima). Para que ele subsista, as pes-soas dominadas têm que se submeter à autoridade invocada pelas que dominam no momento dado. Quando e por que fazem isso, somente podemos compreender conhecendo os fundamentos justificativos internos e os meios externos nos quais se apoia a dominação.

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Por toda parte inicia-se o desenvolvimento do Estado moderno, pela tentativa de desapropriação, por parte do príncipe, dos portadores “particulares” de poder administrativo que existem a seu lado, isto é, daqueles proprietários de recursos ad-ministrativos, bélicos e financeiros e de bens politicamente aproveitáveis de todos os tipos. Todo o processo constitui um paralelo perfeito ao desenvolvimento da em-presa capitalista, mediante a desapropriação gradativa dos produtores autônomos. No fim vemos que no Estado moderno de fato há a concentração em um ponto supremo da disposição sobre todos os recursos da organização política, que mais nenhum funcionário é proprietário pessoal do dinheiro que desembolsa ou dos prédios, das reservas, dos instrumentos ou da maquinaria bélica de que dispõe. No “Estado” atual está, portanto, completamente realizada – e isso é essencial para o conceito – a “separação” entre o quadro administrativo, os funcionários e trabalha-dores administrativos, e os meios materiais da organização.

Para nossa consideração, cabe, portanto, constatar o puramente conceitual: que o Estado moderno é uma associação de dominação institucional, que dentro de determinado território pretendeu com êxito monopolizar a coação física legítima como meio de dominação e reuniu para esse fim, nas mãos de seus dirigentes, os meios materiais de organização, depois de desapropriar todos os funcionários es-tamentais autônomos que antes dispunham, por direito próprio, desses meios e de colocar-se, ele próprio, em seu lugar, representado por seus dirigentes supremos.

Atividades

Existem duas formas de definir o Estado: através da perspectiva voluntarista, 1. onde o indivíduo está na origem do Estado; e através de uma perspectiva his-tórica, em que o Estado surge para além da vontade dos indivíduos. Cite exem-plos de escolas e autores de cada uma dessas correntes e explique sucintamen-te como eles entendem o Estado.

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Dentre os clássicos das ciências sociais, Max Weber foi o pensador que mais for-2. malizou uma definição de Estado. Segundo Max Weber, como o Estado deve ser definido? Quais são os mecanismos internos e externos utilizados pelo Estado para garantir sua influência sobre os indivíduos?

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Pierre Bourdieu afirma que o Estado é uma realidade de origem propriamente 3. histórica, “situada e datada”. Explique, com suas palavras, o que significa essa afirmação de Bourdieu.

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O Estado burocrático: racionalidade e dominação

Em 1.º de janeiro de 2009, entrou em vigor o acordo ortográfico que determina mudanças na grafia da língua portuguesa, a fim de unificar a escrita de todos os países que a têm como idioma oficial.

Por esse acordo, aprovado em 1990 e assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em setembro de 2008, fica abolido o uso do trema, de grande parte dos acentos diferenciais e de acentos em ditongos de paroxítonas, além de serem feitas alterações nas regras de uso do hífen e de outros aspectos linguísticos mais ou menos substan-ciais. Tais alterações no idioma não ocorreram sem protestos e há aqueles que chamam a atenção para a arbitrariedade dessa decisão, imposta, alegam os críticos, por uma minoria de especialistas, em detrimento dos falantes comuns. Ainda que não mude o som das palavras (sua pronúncia), muda o jeito de escrevê-las (sua grafia). Esse exem-plo permite evidenciar o ponto a ser debatido.

Começar um texto que trata do Estado burocrático com o relato de uma mudança ortográfica não é casual. Analisemos esse fato com mais atenção.

Embora idealizada já há muitos anos – por linguistas, filólogos e especialistas da língua em geral –, a mudança ortográfica do português só pôde ser efetivada no Brasil graças a um “decreto” do presidente da república, que subscreveu e autorizou as refe-ridas alterações na língua, definindo inclusive o dia em que entrariam em vigor. Não foi, portanto, qualquer assinatura que pôde ratificar o documento: era o presidente, e apenas ele, a pessoa capaz de fazer valer, pela autoridade do seu cargo, e de acordo com as determinações legais nele investidas, as mudanças visadas. E quando dizemos “fazer valer” referimo-nos ao conjunto de sanções associadas, a partir de agora, aos desvios em relação a esse novo padrão culto da língua: nos vestibulares e nos concur-sos públicos, por exemplo, a resistência a ou a simples ignorância dessas novidades passa a ser punida com uma nota menor, com uma classificação pior, barrando, em consequência (sem o trema...), o acesso a cargos públicos (juiz, procurador, policial) e a vagas universitárias, por exemplo.

As mudanças impõem-se, portanto, sobre todos os falantes da língua, quer estes queiram ou não, da mesma maneira como as regras de trânsito ou as regras eleitorais

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pesam sobre todos os cidadãos de um país, variando apenas a natureza das sanções em caso de desvio em relação ao padrão normal, ou seja, legal – tal como instituído nos códigos e subscrito pelas autoridades competentes.

É preciso, contudo, fazer aqui uma especificação: se a assinatura do presidente da república foi capaz de gerar tais consequências, mudando a grafia da língua à revelia do que pensam ou querem os falantes dela (e impondo tais mudanças por meio da ameaça de sanções – reprovação em exames, desqualificação em concursos etc.), é porque ele o fez não em nome próprio, em função do seu carisma pessoal ou do poder político do seu partido, mas em razão do lugar que, no momento, ele ocupa: como autoridade máxima do Poder Executivo do país. Caso fosse um cidadão como qualquer outro, sua assinatura não teria a autoridade e o poder necessários para impor, como normal e legal, um padrão específico de uso da língua. A autoridade para dizer o que será certo ou errado não advém da pessoa, mas do cargo que ela ocupa, isto é, do fato de ele ser o chefe do Estado brasileiro.

Chegamos, assim, ao nosso tema central: o Estado em sua forma burocrática mo-derna. É ele, e não os indivíduos que ocupam os seus postos, a fonte desse poder quase mágico de impor a uma dada população uma maneira particular e, portanto, arbitrária (no sentido de que poderia ser diferente), não apenas de escrever, como no exemplo acima, mas também de pensar e de se comportar, e isso em todos os aspectos da vida (políticos, econômicos, culturais, entre outros).

Mas deve-se perguntar: como o poder do Estado tem a faculdade de não ser redu-tível ao poder político daqueles que ocupam os seus postos? Ou, dito de outra manei-ra, o que fundamenta essa diferenciação entre o cargo e o ocupante? Por que o cargo confere autoridade ao ocupante, e não o contrário? Mas de onde vem então o poder do Estado?

O fundamento dessa distinção entre a pessoa do governante e o posto político no qual ela está instalada é produto de um processo histórico em que o Estado foi se tornando independente de seus comandantes e adquirindo as feições de uma ficção jurídica: a coroa, a realeza, o soberano são noções que substituem a figura do rei em carne e osso; a nação é uma ideia abstrata que substitui, em um dado país, os indiví-duos e suas diferenças profundas (de classe, de gênero, de cor etc.); o poder Executivo é uma expressão mais precisa e mais de acordo com a organização política do Estado burocrático que a ideia de que somos comandados por um chefe. Essa ficção jurídica que é o Estado produz, contudo, efeitos bastante reais, pois está apoiada sobre uma crença coletiva, isto é, compartilhada por todos, seja dos que governam (e que então podem falar em nome do Estado), seja dos que são governados (e que, portanto, a ele se submetem), de que o Estado tem legitimidade para fazer o que faz.

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Vejamos, em detalhes, as características desse Estado burocrático moderno que surgiu em um momento bem preciso da história social das nações.

O Estado burocrático e o monopólio da violência física e simbólica

Segundo a já conhecida definição de Max Weber, o “Estado [moderno] é uma co-munidade humana que pretende, com êxito, o monopólio legítimo da força física dentro de um determinado território” (WEBER, 1982, p. 56, grifos do autor).

Ou seja: só existiria o Estado, em sua forma moderna, quando um grupo conse-guisse monopolizar o “direito” a usar a força física como forma de coação ou dissuasão. Não posso, portanto – a não ser sob determinadas circunstâncias legalmente especifi-cadas (a “legítima defesa”, por exemplo) –, fazer uso da violência física se não faço parte desses grupos especializados (ou seja: treinados especificamente para esse fim) a que o Estado delega a função de coerção: a polícia, para os assuntos internos ao Estado; e o exército, para os conflitos externos. Uma noção como a de “vingança pessoal” é, assim, excluída em um universo como esse: cabem às forças policiais (e, nesse caso, às estru-turas judiciárias) todos os atos de julgamento, punição, prisão e restituição da liberda-de. A concentração do “direito” a usar a violência física nas mãos de apenas alguns é parte do que um autor como o alemão Norbert Elias (1897-1990) chama de processo civilizador: paralelamente a tal concentração do uso da violência no Estado, cresceria nossa intolerância cultural a ela, ou seja, nosso grau de “civilização”.

A legitimidade da violência(WEBER, 1982, p. 56)

O Estado burocrático moderno é a única fonte de legitimidade para a ação de violência física, a qual, no limite, deixa de ser vista como “violenta” (no sentido de “arbitrária”), justamente por ser legítima (entenda-se: necessária): “Especificamente, no momento presente, o direito de usar a força física é atribuído a outras instituições ou pessoas apenas na medida em que o Estado o permite. O Estado é considerado a única fonte do ‘direito’ de usar a violência”.

Sendo assim, uma das características definidoras do Estado burocrático moderno, diferenciando-o de outras formas de organização política (como o Estado das monar-quias no Oriente antigo, o Estado feudal na Europa na Baixa Idade Média) é ser ele a única fonte de autoridade para o uso da violência física dentro de um determinado território.

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O monopólio do poder de taxar e de guerrearEsse não é, contudo, o único monopólio que o define: há também outro, bastante

ligado ao anterior – o de cobrar impostos. Assim,

[...] a cobrança de impostos feita pelo Estado dinástico [monárquico] aplica-se diretamente ao conjunto dos súditos – e não, como o imposto feudal, apenas aos dependentes [do rei], que podem, por sua vez, taxar seus próprios homens. O imposto de Estado, que aparece no último decênio do século XII, desenvolve-se vinculado ao crescimento das despesas de guerra. Os imperativos de defesa do território, atribuídos primeiro ao olho por olho, tornam-se pouco a pouco a justificativa permanente do caráter “obrigatório” e “regular” de impostos percebidos “sem limite de tempo, a não ser o definido pelo rei regularmente” e aplicados direta ou indiretamente “a todos os grupos sociais”. (BOURDIEU, 2005, p. 101)

A fim de assegurar o controle sobre um determinado território, é preciso financiar a formação de forças armadas capazes de fazê-lo, o que, evidentemente, depende de recursos econômicos, oriundos justamente dos impostos que a população desse “terri-tório protegido” é coagida (por aquelas mesmas forças armadas) a pagar. Daí poder-se dizer que há uma relação de causalidade circular entre o monopólio da violência física e o da cobrança de impostos: ambos alimentam-se mutuamente e dependem um do outro para existir. Dos recursos oriundos dos impostos depende também toda a es-trutura material do Estado burocrático moderno: prédios, equipamentos, veículos etc. Além, é claro, do corpo de funcionários estatais – os burocratas.

As necessidades de controle sobre o território e de cobrança de impostos obri-gam ainda que esse Estado acumule informações (sobre os seus cidadãos, sobre os re-cursos físicos de seu território, suas fronteiras etc.), e nascem daí as estatísticas, censos, os mapas e a vontade de saber tudo sobre sua população. Tais informações guiam os funcionários estatais e os políticos profissionais na elaboração das diretrizes de ação do Estado: a aplicação de recursos em um determinado programa social, bem como a maneira como esses recursos serão administrados, depende fortemente das informa-ções que os órgãos estatais são capazes de prover.

InformaçõesO Programa Bolsa Família do governo Lula, vigente desde 2004 e associado à

estratégia governamental Fome Zero, depende das informações providas por insti-tuições como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): por meio dessas informações são determinadas, dentre outras coisas, a faixa de renda atendida pelos benefícios, bem como os valores desses benefícios.

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Resumindo, podemos dizer, acompanhando Weber, que o Estado moderno defi-ne-se como o produto da ação de um grupo social que obteve êxito no processo de concentração de toda uma série de recursos: econômicos, informacionais e de coação física; e que, por meio desses recursos, tornou-se capaz de controlar um território de-terminado, impondo-se sobre a sua população.

Acima de tudo, a especificidade do Estado burocrático reside em sua imensa ca-pacidade administrativa: enquanto em outras formas de organização política, como na China dos mandarins, “quase todas as coisas ficam entregues a si mesmas. Os funcio-nários não governam, mas somente interferem em tumultos e incidentes desagradá-veis” (WEBER, 1999, p. 517) e a administração da vida cotidiana fica entregue aos clãs camponeses, guildas e associações corporativas, nas sociedades de Estado moderno, ao contrário, a administração de todos os aspectos da vida dos cidadãos é centralizada (seja no que se refere ao trânsito, à qualidade dos alimentos ou à ortografia da língua). Em outras palavras, não posso construir uma estrada porque assim o quero, assim como não posso grafar uma palavra segundo a minha própria vontade, pois é preciso que os órgãos governamentais aprovem tais medidas e as realizem, já que eles são os únicos detentores da autoridade administrativa dentro de um determinado território.

O monopólio do poder de normatizar e de instituirChegamos agora a um novo ponto da discussão. Até o momento, vimos como

o Estado concentra recursos de vários tipos a fim de administrar a vida de seus cida-dãos. Esse, contudo, não é o único efeito da ação estatal: além de administrar vidas, ele também as normaliza – ou seja, classifica-as e padroniza. Exploremos isso mais a fundo.

Como já foi dito, no exemplo da reforma ortográfica, a autoridade – e, portanto, a capacidade de gerar efeitos – da assinatura do decreto presidencial decorre não das características especiais ou do poder próprio do indivíduo que o assina, de seu caris-ma pessoal, mas do fato de ele ter sido nomeado, por meio de um rito de instituição (a cerimônia de posse), como presidente da república. Sua autoridade (e o poder de sua assinatura) é um produto desse rito (com todas as formalidades e simbolismos que ele comporta – os juramentos, discursos, bandeiras e desfiles; além, é claro, da faixa presidencial, transmitida pelo presidente anterior) que o institui1 publicamente como ocupante daquele cargo, devendo ser, por conta disso, reconhecido por todos os cida-dãos, gostem eles disso ou não.

1 Segundo o Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa (2002), instituir significa “1. dar formação; educar, instruir; 2. dar começo a; estabelecer, criar, fundar; 3. atribuir a (outrem ou a si próprio) uma missão, tarefa etc.; nomear(-se), constituir(-se); 4. designar (alguém) como herdeiro; constituir; 5. marcar (data, prazo etc.); determinar, fixar.”

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Div

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ção.

A faixa do presidente da República nas mãos de pessoas comuns.

Outro exemplo: não posso outorgar-me o título de médico, por maiores que sejam os meus conhecimentos de medicina. Para poder exercer a atividade, preciso ser reconhecido, por um curso de graduação, como apto a tal, recebendo, então, o diploma de médico, garantia jurídica de meus conhecimentos especializados; o curso, por sua vez, assim como o meu diploma, tem de ser reconhecido pelo Ministério da Educação, ou seja, pelo Estado. É este último a fonte máxima de autoridade e são os seus veredictos que determinam a identidade social dos indivíduos – como médicos ou advogados, idosos ou jovens, saudáveis ou doentes, casados ou solteiros, aptos a dirigir um automóvel ou não. Por meio dos seus atos jurídicos de reconhecimento (di-plomas, certidões, perícias, autorizações), os diversos órgãos estatais dizem o que cada indivíduo é em sua “verdade pública” (ou seja: padronizada, categorizada), começando pelo registro de um nome, de um sexo, de uma filiação, de uma nacionalidade.

É para esse poder de instituir, de dizer aquilo que cada um é (homem ou mulher; branco ou negro; civil ou militar), que o sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002) procura chamar a atenção ao expandir a definição weberiana de Estado moderno, juntando, ao monopólio da violência física, também o da violência simbólica.

Por violência simbólica, entenda-se a capacidade de criar e impor uma “visão de mundo”, e de impô-la como verdadeira, natural. Segundo essa nova definição, além de recursos econômicos, informacionais e de coerção física, o Estado burocrático mo-derno controlaria também os instrumentos de imposição de significados culturais, contribuindo, dessa forma, para uma uniformização das consciências:

A cultura é unificadora: o Estado contribui para a unificação do mercado cultural ao unificar todos os códigos – jurídico, linguístico, métrico – e ao realizar a homogeneização das formas de comunicação, especialmente a burocrática (por exemplo, os formulários, os impressos etc.). Por meio dos sistemas de

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classificação (especialmente de acordo com a idade e o sexo) inscritos no direito, nos procedimentos burocráticos, nas estruturas escolares e nos rituais sociais [...], o Estado molda as estruturas mentais e impõe princípios de visão e de divisão comuns. (BOURDIEU, 2005, p. 105)

Por meio do sistema de ensino e do poder Judiciário, o Estado consegue impor um consenso sobre o significado do mundo social, colocando um freio nas lutas sim-bólicas entre os indivíduos: o veredicto jurídico, por exemplo, serve como resolução oficial, pública (devendo, portanto, ser reconhecida por todos), de um determinado conflito entre partes interessadas. Diferentemente de uma simples injúria ou xinga-mento (“ladrão!”, “corrupto!”), a sentença emitida por um agente especializado que é mandatário da autoridade estatal (o magistrado) possui a capacidade de se fazer reco-nhecer e se impor, por meio de sanções, a todos.

Com o seu monopólio da violência simbólica legítima, ou seja, da autoridade de nomear, de instituir, o Estado possui um imenso poder regulador sobre as ações dos seus cidadãos (ou súditos), distribuindo direitos e deveres. Nada lhe escapa: nascimen-to, casamento, divórcio ou óbito, todas as fases da vida são por ele registradas (e, assim, uniformizadas e padronizadas). Espécie de “deus laico”, o Estado moderno funciona-ria, segundo expressão de Bourdieu, como um “banco central de autoridade”, servindo como o lastro final de todo ato ou rito que se pretenda legítimo, não arbitrário.

Vimos até aqui como o Estado burocrático moderno diferencia-se de outras formas de associação política por conta do seu monopólio sem precedentes sobre toda uma série de recursos ou poderes: o de exercer a violência física e simbólica legítimas, o de cobrar impostos, concentrar informações e administrar todos os aspectos da vida co-tidiana da população de um dado território. Trata-se, portanto, de uma diferenciação quanto aos meios de que esse Estado (ou o grupo que fala em seu nome) faz uso para efetivar sua dominação política. Há, contudo, outro aspecto em que o Estado moderno diferencia-se dos demais: o do tipo de justificação que fundamenta o seu domínio; ou, dito de outra maneira, o do fundamento de sua legitimidade.

A legitimidade da dominação burocráticaWeber escreveu que “O Estado [...] é uma relação de dominação de homens sobre

homens [...]. Para que ela subsista, as pessoas dominadas têm de se submeter à autori-dade invocada pelas que dominam no momento dado” (WEBER, 1999, p. 526).

Max Weber identifica três tipos básicos de dominação, segundo o fundamento da legitimidade que a sustenta, ou seja, segundo o motivo pelo qual os dominados submetem-se à autoridade dos dominantes. Assim, os dominados acreditam na vali-dade da dominação, ou mais simplesmente no poder de mandar dos poderosos, em função de três razões:

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em função do peso das tradições políticas;

em função do carisma do líder; e

em função da racionalidade aliada à legalidade da estrutura de poder.

No caso da dominação tradicional, o fundamento do poder reside na seculari-dade dos costumes e hábitos, que, transmitidos de geração a geração desde tempos imemoriais, vetam a possibilidade de questionamento, segundo a fórmula: “é assim, porque sempre foi”.

No caso da dominação carismática, a submissão a um líder ocorre por conta de uma crença na sua excepcionalidade (o “carisma”, a “vocação”). Encaixa-se aqui a entre-ga à liderança do profeta, do líder guerreiro, do chefe de partido.

O ponto que nos interessa aqui é a dominação legal ou burocrática, que funda-menta a crença no poder do Estado.

Aqui a submissão ocorre por conta da confiança que se deposita na “legalidade” e “racionalidade” da dominação. Acredita-se que se deve obedecer aos dominantes (e entenda-se por dominantes, no caso, qualquer indivíduo que ocupe uma posição ele-vada na estrutura de poder do Estado – um alto burocrata, um chefe militar ou um político) porque eles possuem uma competência “objetiva” que os habilita a adminis-trarem os recursos e decidirem sobre as questões de sua área de influência. Além disso, o poder que exercem não é um poder arbitrário, mas está regulado por normas legais (no caso do político profissional, o tempo do mandato, por exemplo), racionalmente instituídas e válidas para todos, isto é, universais.

A competência técnica da burocraciaO tipo de dominação que caracteriza e faz a especificidade do Estado burocrático

moderno é justamente este último, ainda que não estejam de forma alguma excluídos elementos das duas outras formas: há ainda o carisma do líder político, bem como o peso dos costumes na obediência. Na realidade, em cada um desses três tipos pode haver elementos dos outros.

Mas as sociedades em que se desenvolveu o Estado moderno, dirá Weber, são essencialmente dominadas por um corpo de funcionários especializados para exercer a função de administração de todos os aspectos da vida dos cidadãos dentro de um determinado território. A dominação é exercida a partir dos escritórios das empresas privadas, das repartições públicas e por meio de todas as técnicas e procedimentos burocráticos cotidianos – atas, memorandos, despachos, certificados, protocolos etc.

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A especificidade desse corpo de funcionários em relação ao resto da população é que eles foram treinados para e consagrados a exercer a função administrativa: os cursos e concursos pelos quais passam servem como garantias de sua competência, tornada, dessa forma, “objetiva”, “comprovada”. Daí a dominação burocrática basear-se nessa diretriz de racionalidade e eficiência: quem domina são aqueles que estão preparados (treinados, certificados) para dominar. Tal conceito, o de um grupo trei-nado especificamente para exercer o poder e governar, é uma invenção ocidental que o Estado burocrático moderno levou às últimas consequências, pois em outras sociedades, como na China, por exemplo, a camada social que integrava o Estado, os mandarins, eram literatos de formação humanística sem nenhum preparo especí-fico para as funções administrativas – suas habilidades resumiam-se a um vasto co-nhecimento da literatura chinesa milenar, ao domínio da caligrafia e da arte poética (WEBER, 1999. p. 517).

Além da competência técnica e do treinamento para administrar, o funcionalis-mo do Estado moderno diferencia-se por conta da sua forte hierarquização e divisão do trabalho, com cada um exercendo uma atividade específica e fixa, dentro de um regime salarial de contrato e de acordo com uma regulada perspectiva de carreira. Em oposição a uma hierarquização social baseada nos privilégios do nascimento ou em títulos de nobreza, a burocracia caracteriza-se por uma ideologia do mérito e da com-petência, apoiada evidentemente em seus próprios certificados, preferencialmente os escolares. A posse desses títulos escolares funciona, assim, como garantia e prova de uma competência e aptidão “objetivas” para exercer os postos de poder.

O Estado moderno e sua organização burocrática diferenciam-se das demais formas históricas de associação política ainda por outro aspecto: nesse Estado, há uma separação completa entre o quadro administrativo (os burocratas) e os meios materiais da administração, ou seja, os prédios, equipamentos, veículos, recursos financeiros e tudo o mais que garante a realização do trabalho burocrático. Os funcionários estatais – como, aliás, os trabalhadores de uma empresa capitalista – não são donos dos instru-mentos que utilizam, os quais pertencem ao patrimônio público, estatal. Isso faz dos burocratas administradores de um recurso que não é o seu, o que está no fundamento da noção de que o seu trabalho é um serviço público, e não privado ou que vise a fins egoístas. Essa separação entre o quadro administrativo e os meios de administração é parte de um processo histórico amplo de transformação do Estado em uma entidade cada vez mais impessoal, cujo patrimônio transcende os indivíduos que dele fazem uso, e que, portanto, estaria apto a representar o bem comum, e não mais os diversos interesses sociais particulares.

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A autoridade do Estado burocráticoAssim como o seu aparato material, a autoridade do Estado também é irredutível

aos indivíduos que ocupam os seus postos. Voltamos, assim, à questão que trabalhamos no início: o Estado, como caução ou lastro de todo ato que se pretende legítimo, como fundamento último da legitimidade, parece escapar a qualquer tentativa de localização de sua fonte de autoridade – a ação de um policial só pode ser diferenciada de uma vio-lência porque está associada a uma ordem judicial que a legitima e que foi emitida por um juiz, ele próprio devendo sua legitimidade às hierarquias superiores do poder Judici-ário, e este poder como um todo devendo sua autoridade às leis e aos códigos.

Mas a questão que decorre daí é:

Quem legitima as leis e os códigos?

O escritor tcheco Franz Kafka, no romance O Processo (1925), coloca seu perso-nagem Joseph K. a fazer-se a mesma pergunta: “Onde estava o juiz que ele nunca tinha visto? Onde estava o alto tribunal ao qual ele nunca havia chegado?” (KAFKA, 1988, p. 246).

O personagem Joseph K. é acusado de um crime que supostamente não come-teu. Todo o desenrolar da história centra-se na tentativa da personagem em tomar co-nhecimento de sua causa, a começar pelo crime que supostamente teria cometido, e que jamais é especificado; ele mesmo não conhece detalhes do seu processo judicial. A partir daí ele irá, na busca da verdade, afundar-se mais e mais em estruturas buro-cráticas labirínticas, as quais, a despeito de sua corrupção e precariedade, emanam um poder mágico, uma autoridade oriunda da “Lei”, essa entidade fantasmática, impalpá-vel e invisível que os tribunais, a polícia e os promotores representam.

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Kafka e os grilhões que prendem o homem.

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Franz Kafka(ROSCHEL, 2009)

“Franz Kafka nasceu em Praga a 3 de julho de 1883, cidade que durante todos os 40 anos da vida do escritor pertenceu à monarquia austro-húngara.

Filho de um abastado comerciante judeu, Kafka cresceu sob as influências de três culturas: a judia, a tcheca e a alemã.

Formado em direito, ele fez parte, junto com outros escritores da época, da chamada Escola de Praga. Esse movimento era basicamente uma maneira de criação artística alicerçada em uma grande atração pelo realismo, uma inclinação à metafísi-ca e uma síntese entre uma racional lucidez e um forte traço irônico.

Esse híbrido de ironia e lucidez aparece na maioria dos textos de Kafka.

Suas obras também conseguem formalizar e abrigar leituras totalmente rela-cionadas com a condição do ser humano moderno. O olhar kafkiano é direcionado para coisas como a opressão burocrática das instituições, a “justiça” e a fragilidade do homem comum frente a problemas cotidianos. [...]

As obras mais famosas de Kafka foram escritas entre 1913 e 1921, são elas: A Metamorfose, O Processo, O Castelo, O Foguista (que é na verdade o primeiro capítulo de América), A Sentença e O Artista da Fome.”

A despeito dos artifícios literários (ou, quem sabe, justamente por meio deles), Kafka apresenta de forma precisa e veemente a questão dos fundamentos da autori-dade e do poder em uma sociedade burocratizada.

ConclusãoPor meio de sua infinita e insondável cadeia hierárquica, de suas labirínticas re-

partições, a representação do Estado burocrático apresentada por Kafka em O Processo nos faz lembrar que o fundamento da autoridade desse Estado (ou, mais exatamente, dessa forma moderna de dominação social) não se funda na razão ou na competência técnica dos funcionários, mas na força, na arbitrariedade – como, de resto, toda as-sociação política (que, relembrando Weber, é sempre uma “relação de dominação de homens sobre homens”).

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A diferença reside, evidentemente, na forma historicamente variável como essa arbitrariedade é encoberta: no começo do processo de formação do Estado moderno, com o surgimento das monarquias absolutistas, a pessoa do rei (como representante do poder divino ou como, ele próprio, participante desse poder) ainda centralizava boa parte dos instrumentos de legitimação (seu nome, sua filiação dinástica); com o pro-cesso de burocratização, o Estado deixa de centrar-se na pessoa do rei e transforma-se em uma ficção jurídica, cuja legitimidade reside não mais em um indivíduo específico, mas na coerência interna e na racionalidade de seus estatutos e procedimentos, ou seja, em sua legalidade.

Ao explorar os meandros da estrutura administrativa que sustenta essa ficção jurí-dica que vem a ser o Estado moderno, Kafka oferece uma eloquente crítica da domina-ção legal e burocrática, tal como a descreve, em linguagem científica, Weber. Literatura e ciência social, neste ponto, convergem e alimentam-se.

Textos complementares

Meditações pascalianas(BOURDIEU, 1997, p. 298-300)

Como demonstra Eric L. Santner, a respeito do caso, consagrado pela análise de Freud, do presidente Daniel Paul Schereber, que caiu em delírio paranoico no momento de sua nomeação, em junho de 1893, como Senatspräsident, presidente da terceira câmara da Corte Suprema de Apelação, a possibilidade ou ameaça de uma crise está sempre presente, potencialmente, sobretudo nos momentos inaugu-rais em que se faz valer o arbítrio da instituição. Tal ocorre porque a apropriação da função pelo impetrante também constitui a apropriação do impetrante pela função: o titular toma posse de sua função apenas na medida em que aceita se deixar pos-suir por ela em seu corpo, a que se vê obrigado pelo rito de investidura o qual, ao impor a adoção de uma vestimenta – em geral, um uniforme –, de uma linguagem, igualmente padronizada e estilizada, como um uniforme, e de uma hexis corporal adequada, pretende envolvê-lo, de modo durável, com uma maneira de ser impes-soal e a manifestar por esse quase-anonimato que ele aceita o sacrifício, por vezes exorbitante, da pessoa privada.

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[...]

Os ritos de instituição oferecem uma imagem exagerada, particularmente visí-vel, do efeito da instituição, ser arbitrário que tem o poder de arrancar do arbítrio, de conferir a razão de ser dentre as razões de ser, aquela em que se constitui a afir-mação de que um ser contingente, vulnerável à doença, à enfermidade e à morte, é digno da dignidade transcendente e imortal que lhe é atribuída, a exemplo do que se passa com a ordem social. E os atos de nomeação, desde os mais triviais da ordem burocrática ordinária, como a concessão de uma carteira de identidade ou de um atestado de saúde ou de invalidez, até os mais solenes, que consagram as nobrezas, levam, ao cabo de uma espécie de regressão ao infinito, até essa espécie de realiza-ção de Deus sobre a terra que vem a ser o Estado que garante, em última instância, a série infinita dos atos de autoridade capazes de atestar, por delegação, a validez dos certificados de existência legítima (como doente, inválido, professor titulado ou pároco). E a sociologia se completa assim numa espécie de teologia da última instância: investido, a exemplo do tribunal de Kafka, de um poder absoluto de jul-gamento e de uma percepção criativa, o Estado, semelhante ao intuitus originarius divino segundo Kant, faz existir ao nomear e ao distinguir. Como se vê, Durkheim não era tão ingênuo como se quer fazer crer quando dizia, assim como Kafka pode-ria tê-lo feito, que a “a sociedade é Deus”.

O processo(KAFKA, 1988, p. 130-134)

A hierarquia e os escalões do tribunal são infinitos e, mesmo para o iniciado, insondáveis. O procedimento nas cortes é em geral secreto até para os funcioná-rios inferiores, daí não poderem quase nunca acompanhar plenamente a evolução posterior dos casos em que trabalham; a causa judicial surge no seu campo de visão sem que saibam de onde vem e prossegue sem que eles fiquem sabendo para onde. Portanto, o ensinamento que se pode extrair do estudo das fases isoladas do pro-cesso, da decisão final e dos seus fundamentos, escapa a esses funcionários. Eles têm permissão para se ocupar apenas da parte do processo que a lei lhes delimita e o mais das vezes sabem, daquilo que se segue, ou seja, dos resultados do próprio trabalho.

[...]

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De fato, os funcionários são em muitos aspectos como crianças. É frequente que coisas inofensivas, entre as quais entretanto infelizmente não figura a conduta de K., os firam de tal modo que eles param de conversar até com bons amigos, desvian-do-se quando os encontram, trabalhando contra eles em tudo que é possível. Mas depois, de forma surpreendente, sem nenhuma razão particular, por causa de uma pequena brincadeira, que só ousa fazer porque tudo parece sem perspectiva, eles se deixam levar ao riso e ficam reconciliados. É pois difícil e fácil ao mesmo tempo tratar com eles, para tanto quase não existem normas. Às vezes é de admirar que uma única vida de duração média baste para apreender tanta coisa, a fim de que se possa trabalhar aqui com algum êxito. Seja como for, chegam horas sombrias, como todos as têm, em que se acredita não ter conseguido nem o mínimo, em que parece que só os processos desde o início destinados a um bom desfecho teriam chegado a bom termo, o que também iria acontecer sem qualquer ajuda, ao passo que todos os outros foram perdidos a despeito de todo o acompanhamento, de todo o esforço, de todos os sucessos pequenos e aparentes com os quais se tem tanta satisfação. Depois, entretanto, nada mais parece seguro, e diante de certas perguntas não se ousaria nem mesmo negar que processos naturalmente bem tramitados foram de-sencaminhados exatamente pela ajuda que se quis oferecer. Também isso é uma espécie de autoconfiança, mas é a única coisa que então resta. Os advogados estão particularmente expostos a esses acessos – são acessos, é claro, mais nada – quando de repente lhes tiram da mão um processo que levaram muito longe de forma sa-tisfatória. Certamente é a pior coisa que pode suceder a um advogado. Não que o processo seja retirado dele pelo acusado: isso de fato jamais acontece, um acusa-do que nomeou um determinado advogado tem que ficar com ele aconteça o que acontecer. Como é que ele poderia ainda manter-se só, se pediu ajuda uma vez? Isso portanto não acontece, mas é certo que às vezes acontece que o processo tome um rumo que o advogado não pode mais acompanhar. O processo, o acusado, tudo, em suma, é pura e simplesmente tirado do advogado; aí nem as melhores relações com os funcionários podem mais ajudar, pois mesmo estes não sabem nada. O processo acaba de ingressar numa fase em que não se pode mais oferecer nenhuma ajuda, em que nele trabalham cortes judiciais inacessíveis, onde até o acusado já não é mais acessível ao advogado. Então, um dia, você chega em casa e encontra sobre a mesa de trabalho várias petições que fez com todo o zelo e as mais belas esperanças nesta causa: elas foram devolvidas porque não podem ser transferidas para a nova etapa do processo, são pedaços de papel sem valor.

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O Estado burocrático: racionalidade e dom

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Atividades

A cerimônia de posse do presidente da República é um rito de instituição por 1. meio do qual são conferidas a um indivíduo a identidade e a autoridade de chefe máximo do Estado nacional (“chefe de Estado”). Cite um outro exemplo que ilustre a ideia de rito de instituição, destacando por que ele pode ser carac-terizado como tal.

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Uma mudança ortográfica é um exemplo típico da ação de normalização que o 2. Estado moderno exerce sobre os seus cidadãos. Dê outros exemplos desse tipo de ação estatal.

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O Estado burocrático: racionalidade e dom

inação

O Processo3. , obra literária de Franz Kafka, ilustra a dominação burocrática do Es-tado em sua forma moderna. Procure outro produto cultural (livro, filme etc.) que também sirva como ilustração de algum aspecto característico do Estado moderno. Justifique a sua escolha.

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O Estado capitalista: as perspectivas marxista e weberiana

O Estado tem grande importância para a realidade social. Por meio das institui-ções de governo, da burocracia e das leis, ele garante a administração de um pedaço importante da vida em uma comunidade política, produzindo uma formidável quanti-dade de efeitos: políticos, econômicos e ideológicos. O Estado capitalista tem o poder de regular, por exemplo, o mercado econômico, disciplinar o funcionamento da demo-cracia e avalizar e difundir uma concepção abstrata (jurídica) de cidadania na qual só se é verdadeiramente igual no papel.

Não é preciso ser muito intuitivo para perceber que as decisões do Estado favore-cem explicitamente alguns interesses, mas agridem outros, promovendo os assuntos de uma (pequena) parte da sociedade em detrimento da maioria, considerando com atenção a demanda de certos grupos e ignorando a necessidade dos demais. Ou seja, o Estado capitalista não age como uma instituição que distribui, igualmente, benefí-cios e prejuízos. O Estado pode adiar a implementação de determinada medida ou bar-ganhar infinitamente seus termos e condições, enquanto, por outro lado, é bem rápido para deliberar quando os negócios de alguns estão em jogo. Em suma, as decisões estatais (as “políticas públicas”) nunca alcançam todos de forma igual, nem agradam todos de forma igual.

Além disso, verificamos que existem Estados muito diferentes entre si.

O Estado capitalista chinês, sustentado por um regime político de partido único (o Partido Comunista), não é o mesmo Estado dos norte-americanos, no qual vigora um regime multipartidário com a predominância real de dois partidos (o Republicano e o Democrata) que se alternam no poder. Algumas funções econômicas e estruturas burocráticas são semelhantes, mas outras são muito diferentes. Por exemplo, é com-pletamente distinta a forma de cada um se relacionar com o mercado político (mer-cado eleitoral). Enquanto nos Estados Unidos se admite a representação de muitos interesses sociais (grandes firmas capitalistas, financistas poderosos e rentistas, o com-plexo militar-industrial, os produtores de petróleo do Texas etc.), e o Estado tem de res-ponder, de alguma maneira a eles, na China quem define as políticas de governo são as cúpulas burocráticas do Partido, que controlam as instâncias decisórias do Estado de

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forma ditatorial. Do ponto de vista histórico, o Estado chinês teve origem em uma re-volução social camponesa em meados do século XX; o Estado norte-americano surgiu de uma guerra anticolonial em fins do século XVIII. O primeiro foi inspirado por uma ideologia socialista e igualitária; o segundo, por uma ideologia liberal e democrática.

Tendo em mente essas poucas diferenças aqui listadas, é esperável que surjam certas questões, tais como

Os Estados – quaisquer Estados – possuem alguma função social específica e invariável, isto é, constante ao longo do tempo?

Os Estados possuem funções e é por meio delas que se pode defini-los e caracterizá-los?

Como se deve descrever sociologicamente um Estado? Por meio das suas ações internas ou das suas relações externas?

Qual é o limite do poder estatal perante a sociedade? Quem define isso? Em nome de quê?

Existem na Ciência Política duas grandes teorias sociais utilizadas para compreen-der e explicar o Estado: a teoria weberiana e a teoria marxista.

Resumiremos as características e as especificidades de cada uma, mostrando suas evoluções mais recentes, a fim de sublinhar suas diferenças e suas dificuldades.

A tradição marxista

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Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), por Cassio Loredano.Ci

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O Estado capitalista: as perspectivas m

arxista e weberiana

A tradição marxista de estudos sobre o Estado está assentada mais sobre inter-pretações das obras de Marx e Engels e de alguns dos seus continuadores mais impor-tantes, como Lênin e Gramsci, do que em uma teoria política consistente e coerente desenvolvida pelo próprio Marx. Daí que a “teoria marxista do Estado”, uma das escolas mais influentes da Ciência Política, seja produto da leitura e do comentário dos textos desses clássicos do pensamento socialista e da sua atualização para a compreensão do Estado capitalista contemporâneo.

Marx e Engels produziram, na realidade, uma série de análises específicas sobre a política europeia da segunda metade do século XIX em diante. Trataram da Revolução na Alemanha e na França em 1848, do golpe de Estado na França em 1851, da Guerra de Independência dos Estados Unidos, da política externa da Inglaterra, da revolta dos operários em Paris em 1871, entre outros acontecimentos. Nos textos em que os abor-dam, lançaram uma infinidade de sugestões, noções e conceitos para entender a polí-tica nas sociedades de classe.

A partir desse material, produtivo mas heterogêneo, os teóricos Nicos Poulantzas (1936-1979) e Ralph Miliband (1924-1994) adaptaram de diferentes maneiras as ideias originalmente pensadas para dar conta dos conflitos políticos e das contradições so-ciais dos tempos heroicos do capitalismo. Assim, temos aqui antes uma exposição das visões desses cientistas políticos sobre como entender as funções do Estado capitalista do que uma discussão do pensamento do próprio Marx.

Obras de Marx & Engels sobre a política, o poder e o Estado Barbárie e Civilização, de Friedrich Engels (ENGELS, 1982).

O 18 Brumário de Luis Bonaparte, de Karl Marx (MARX, 2006).

As Lutas de Classe em França de 1848 a 1850, de Karl Marx (MARX; ENGELS, 1982).

A Guerra Civil na França, de Karl Marx (MARX; ENGELS, 1983).

A Burguesia e a Contrarrevolução, de Karl Marx (MARX, 1987).

Antes, porém, vejamos alguns princípios teóricos gerais da ciência política marxista.

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Heteronomia e externalismoPara os marxistas, o Estado não pode ser entendido como uma realidade em si

mesmo: na verdade, o Estado é o produto das relações contraditórias entre os agentes sociais que existem fora dele. Para facilitar a compreensão desse ponto, podemos ima-ginar o Estado não como uma coisa, mas sim como um lugar.

Que lugar é esse, o lugar do Estado?

De forma sintética, podemos dizer que, para os marxistas, o Estado é o lugar em que as lutas de classe (isto é, a luta entre esses grupos – as classes sociais – em nome da defesa dos seus interesses específicos) se convertem em decisões políticas. Isso se dá por meio do Estado, ou melhor, o Estado é o lugar em que a vontade de uma classe específica – a classe dominante – é concretizada.

Esse pressuposto permite entender uma segunda ideia: a heteronomia1 do Estado em relação à sociedade: o Estado (qualquer Estado histórico) não é autônomo em rela-ção aos interesses sociais dominantes. Aliás, esses interesses estão inscritos nos meca-nismos internos do Estado.

Por ser heterônomo, o Estado não possui uma lógica própria, não funciona de ma-neira independente. Todas as suas ações/decisões são derivadas de outros interesses – interesses propriamente sociais – alheios aos interesses próprios dos seus dirigentes (políticos, burocratas etc.).

Para entender a relação entre heteronomia e função do Estado, devemos perce-ber que o Estado é heterônomo na exata medida em que ele cumpre uma função. A principal função do Estado capitalista é garantir a preponderância dos interesses de uma classe em especial – a burguesia. Como essa classe é preponderante no modo de produção capitalista e tem, por isso, interesse na reprodução desse tipo de socie-dade, o papel do Estado é assegurar a reprodução do capitalismo. Ele faz isso na exata medida em que atende aos interesses da burguesia.

O modo de produçãoModo de produção é um conceito que pretende integrar três estruturas ou

esferas do mundo social: a estrutura econômica, a estrutura política e a estrutura ideológica.

1 Conforme o Dicionário Houaiss, heteronomia é o oposto de autonomia. Algo heterônomo é aquilo que está sujeito a uma lei exterior ou à vontade de outrem; que recebe do exterior as leis reguladoras de sua conduta.

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O Estado capitalista: as perspectivas m

arxista e weberiana

O escravismo, o feudalismo e o capitalismo são exemplos de modos de pro-dução: em cada um deles verificamos diferenças muito grandes no tipo de relações entre os principais agentes sociais (proprietário e escravo, senhor feudal e servo, burgueses e proletários); no tipo de organização política (Estado) e na ideologia dominante.

A caracterização de um modo de produção determinado – o capitalista por exemplo – deve obrigatoriamente levar em conta as três dimensões de análise (o nível econômico, o político e o ideológico). Contudo, nas análises históricas são as transformações no nível econômico que definem, em última instância, a passagem de um modo de produção a outro e a configuração da nova forma de organização social.

O Estado (ou melhor, todos os Estados – capitalista, escravista etc.) tem uma função geral e uma função específica: garantir a coesão social (função geral) e, por meio dela, preservar a dominação política de uma classe, a classe economicamente dominan-te, sobre todas as demais classes sociais (função específica).

Essa função geral pode ser designada, em termos técnicos, como a reprodução do modo de produção. O Estado funciona de maneira a manter estáveis as relações sociais que vigoram em um determinado modo de produção (ou para “garantir a reprodução do modo de produção”) a fim de defender a primazia de uma vontade específica – a vontade da classe economicamente dominante. Nesse caso, podemos dizer que o Estado é a variável dependente, e o modo de produção é a variável independente: à medida que ocorrem mudanças históricas no modo de produção (isto é, nas relações entre o econômico, o político e o ideológico), o Estado transforma-se proporcional-mente a fim de cumprir aquelas funções.

O modo de produção contém duas variáveis que são decisivas para entender a “forma do Estado”: as relações de produção e as relações de classes (ou as “lutas de classe”). Dessa maneira, alterações significativas nas relações de produção ou osci-lações (diminuição ou agravamento) das lutas de classes produzem sobre o Estado efeitos que alteram a estrutura, a organização e o modo pelo qual o Estado cumpre suas funções (geral e específica). Portanto, toda análise marxista sobre o Estado tem de levar em consideração no mínimo três variáveis:

o tipo de relações de produção;

a situação das lutas de classe – para, a partir delas, conseguir derivar a

forma-política ou, em outras palavras, o aspecto do Estado.

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Levando em consideração esses fatores, é possível verificar como o Estado varia, em que direção varia, por que varia etc.

Isso significa, basicamente, que só entendemos o Estado se entendemos a confi-guração do modo de produção. Logo, só entendemos o Estado capitalista se entende-mos a configuração do modo de produção capitalista. Enfim, só poderemos entender o Estado capitalista contemporâneo se entendermos a configuração atual do modo de produção capitalista – o que implica, por exemplo, determinar como são as rela-ções de produção em um sistema econômico globalizado, altamente dependente do capital financeiro e em que as conexões políticas e comerciais entre os Estados estão condicionadas, em última instância, pelo poder do Estado norte-americano; e também determinar qual o estágio atual da luta de classes.

As lutas de classeAs lutas de classe são a expressão das relações de força existente entre os

proprietários dos meios de produção e os não proprietários dos meios de produção. A relação de força/luta entre essas duas classes principais tem como combustível o interesse de cada classe em adquirir para si o monopólio dos meios de produção.

Assim, em conclusão, entender e explicar o Estado, para os marxistas, nunca pode ser um trabalho que tem como foco o próprio Estado (seu aparelho, sua burocracia, seu poder). Como o Estado não é autônomo em relação à ordem social, mas heterôno-mo, sendo um produto da ordem social para cuja reprodução contribui, toda teoria do Estado é, antes, uma teoria sobre a sociedade na qual esse Estado está inserido.

O ideário político marxista(MARX; ENGELS, 1983, p. 32)

“O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade geral, mas a abolição da propriedade burguesa.

Ora, a propriedade privada atual, a propriedade burguesa, é a última e mais perfeita expressão do modo de produção e de apropriação baseado nos antagonis-mos de classes, na exploração de uns pelos outros.

Nesse sentido, os comunistas podem resumir sua teoria nesta fórmula única: a abolição da propriedade privada.

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O Estado capitalista: as perspectivas m

arxista e weberiana

Censuram-nos, a nós comunistas, o querer abolir a propriedade pessoalmente adquirida, fruto do trabalho do indivíduo, propriedade que se declara ser base de toda liberdade, de toda atividade, de toda independência individual.

A propriedade pessoal, fruto do trabalho e do mérito! Pretende-se falar da propriedade do pequeno burguês, do pequeno camponês, forma de propriedade anterior à propriedade burguesa? Não precisamos aboli-la, porque o progresso da indústria já a aboliu e continua a aboli-la diariamente. Ou porventura pretende-se falar da propriedade privada atual, da propriedade burguesa?

Mas, o trabalho do proletário, o trabalho assalariado cria propriedade para o proletário? De nenhum modo. Cria o capital, isto é, a propriedade que explora o trabalho assalariado e que só pode aumentar sob a condição de produzir novo tra-balho assalariado, a fim de explorá-lo novamente”.

Instrumentalismo e estruturalismoComo foi dito acima, o Estado segue os interesses da classe dominante na medida

em que garante (a ela) a reprodução da ordem social, na medida que, por meio do seu poder político, garante para a classe dominante o poder social: o monopólio dos meios de produção.

Mas como isso ocorre? Como os interesses da classe dominante podem ser repro-duzidos pelo Estado?

Existem duas formas de explicar esse fenômeno: pela concepção instrumentalista e pela concepção estruturalista.

Ambas as abordagens partem de um mesmo ponto comum, embora enunciem a ideia de formas diferentes: as decisões do Estado capitalista obedecem aos interes-ses das classes dominantes; a função do Estado capitalista é produzir as condições so-ciais que garantam a reprodução do modo de produção capitalista. Mas elas divergem sobre como o Estado faz isso, ou como as classes dominantes conseguem afinal impor seus interesses no Estado.

Podemos tentar entender essas questões analisando um debate entre os cien-tistas sociais marxistas Ralph Miliband e Nicos Poulantzas, veiculado por uma revista socialista inglesa chamada New Left Review em fins dos anos 1960 e início dos 1970.

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O instrumentalismo: Ralph Miliband

Ralph Miliband (1924-1994) foi um cientista político belga que ensinou na Inglaterra e nos Estados Unidos e que seguiu a tradição marxista. Podemos en-tender o argumento desse autor se atentarmos para dois pontos-chave da sua explicação: o papel dos indivíduos na ação do Estado e a necessidade de análises empíricas para conhecê-lo.

Análise empíricaAnálise empírica é um procedimento científico ancorado na pesquisa, na coleta

e na verificação de dados (informações) obtidos de forma direta. Isso pode ser rea-lizado, por exemplo, por meio de questionários e entrevistas em que o pesquisador recolhe informações dos indivíduos estudados para posteriormente produzir cor-relações estatísticas e interpretações. Assim, é possível constatar tendências, sime-trias, assimetrias e correlações entre fatores na realidade estudada.

Em seu principal livro, O Estado na Sociedade Capitalista, Miliband (1972) pretende fazer uma análise do Estado em uma situação historicamente determinada – as socie-dades capitalistas avançadas. Seus objetivos são basicamente:

rebater as teorias pluralistas que têm uma interpretação mistificadora da polí-tica nas sociedades democráticas;

mostrar a pertinência do conceito de classe econômica dominante para essas sociedades, acoplado ao conceito de elites econômicas; e

mostrar a pertinência do conceito de classe politicamente dominante para o estudo dessas sociedades, atrelado ao conceito de elite estatal.

Segundo Miliband, a classe economicamente dominante consegue fazer com que o Estado funcione segundo sua vontade porque ela está “fisicamente” presente no aparelho do Estado. Para conferir essa premissa (de que o Estado está povoado pela classe economicamente dominante), Miliband propõe uma análise comparativa entre os indivíduos empregados no Estado e os integrantes da classe dominante: se houver correspondência entre eles (mesma educação, mesmos mecanismos de socialização, visão de mundo semelhante, origem social comum), há uma grande possibilidade de provar que, de fato, o Estado reproduz o modo de produção na medida em que serve aos interesses dos indivíduos que o ocupam.

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arxista e weberiana

Após uma exaustiva análise empírica da política na Grã-Bretanha, Miliband afirma que os indivíduos que exercem o poder de Estado, tomam as decisões fundamentais e controlam as cúpulas das instituições centrais do sistema estatal – a elite estatal – são recrutados no seio da classe economicamente dominante. Isso determina o seu com-portamento político. Presidentes, primeiros-ministros, ministros de Estado, assessores e diretores de agências executivas, altos funcionários públicos e outros administrado-res importantes do Estado, a cúpula militar, juízes de cortes supremas, alguns dos diri-gentes das assembleias parlamentares: a maioria esmagadora dessa elite estatal é pro-veniente da classe economicamente dominante da Grã-Bretanha – e está altamente predisposta a beneficiar sua classe de origem.

Assim, o Estado capitalista é guiado, controlado e encurralado pela classe domi-nante. Fica por isso condenado a atender os interesses desses indivíduos (os capitalis-tas), uma vez que os indivíduos que dirigem o Estado (a elite estatal) tendem a utilizá-lo (o Estado) como um instrumento direto para garantir a predominância dos primeiros.

A partir daí, Miliband inicia uma tradição de análises empíricas sobre a relação entre o Estado/a elite estatal, os capitalistas e as decisões fundamentais do Estado, em especial no terreno econômico, sustentando ser necessário checar empiricamen-te a relação entre essas variáveis. Deve-se olhar para os indivíduos – quem são eles, onde estão e como chegaram lá – para, em seguida, evidenciar a forma pela qual o Estado segue os interesses dos indivíduos que integram a classe dominante (MILI-BAND, 1972).

Estruturalismo: Nicos Poulantzas

Para Nicos Poulantzas, a pior maneira de provar a natureza de classe do Estado capitalista é a partir das relações subjetivas entre a burocracia e a burguesia. A questão não está aí: se a colocamos nesse nível, o nível das relações entre indivíduos, abrimos espaço para os adversários do marxismo argumentarem que o Estado não é capita-lista, nem está condenado a atender sistematicamente os interesses dos capitalistas porque, efetivamente, existem Estados cujas cúpulas políticas e administrativas não são dominadas por indivíduos de origem social burguesa ou que têm vínculos diretos com os capitalistas. Para Poulantzas, o Estado é capitalista – ou seja, o Estado, no capitalis-mo, está destinado a agir sempre a favor dos capitalistas – independentemente dessa relação.

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Nicos Poulantzas.

Nicos Poulantzas (1936-1979) foi um cientista político grego e um dos mais co-nhecidos pensadores dedicados ao estudo do Estado. Para entender o pensamento de Poulantzas, no que diz respeito às relações entre classe e Estado, devemos nos deter em dois pontos que são completamente antagônicos em relação a aspectos presentes na análise de Ralph Miliband: em Poulantzas, o foco está nas estruturas (não nos indiví-duos) e nas análises lógicas (não nas pesquisas empíricas).

Estrutura e indivíduo na teoria socialÉ importante salientar que entre estrutura e indivíduo há uma oposição que

divide todo o campo da teoria social.

O enfoque estrutural pressupõe que os indivíduos não têm domínio sobre suas ações, ou seja, os indivíduos são coordenados por forças que estão acima deles – as estruturas sociais.

O segundo enfoque é o oposto: os indivíduos têm um controle (ainda que va-riável) sobre suas ações e conseguem levar a cabo suas vontades, aspirações, proje-tos, podendo promover alterações nas estruturas sociais.

Resumindo: para a análise estrutural as estruturas sociais determinam, confor-mam, constrangem a ação dos indivíduos, enquanto para a perspectiva individualis-ta são os indivíduos que constroem, modificam, redesenham as estruturas por meio de suas ações.

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arxista e weberiana

Na abordagem estruturalista, tudo se passa como se a sociedade fosse um siste-ma de forças interligadas que se relacionam como em um ecossistema – só que, no lugar de espécies naturais, teríamos grupos sociais se relacionando a partir de forças desiguais. Nos ecossistemas, existem algumas espécies que contribuem mais para a construção e a reprodução do todo, tendo mais poder (a espécie humana, por exem-plo, afeta muito mais a realidade do planeta do que as antas e as pacas). Assim, afirmar que o modo de produção tem uma capacidade muito maior de constranger a atuação dos agentes estatais equivale a dizer que essa é uma realidade muito mais fundamen-tal do que a origem ou o pertencimento de classe dos indivíduos que integram a ad-ministração do Estado.

Para Poulantzas, o Estado está estruturalmente coagido a seguir os interesses da classe dominante mesmo que inexistam indivíduos oriundos dessa classe fisicamente presentes no aparelho do Estado. Isso ocorre porque o Estado (capitalista) está inserido em um sistema de relações de força comandado pelo modo de produção (capitalista). Assim, mesmo que os indivíduos que ocupam o Estado não tenham nenhuma relação direta com as classes economicamente dominantes, eles são coagidos, indiretamente, a seguir os interesses dessas últimas, pois o lugar que elas ocupam na sociedade (em razão do modo de produção) é a força principal da sociedade, a força que mais contri-bui para a construção da realidade social.

A maioria dos estudos de Poulantzas não está orientada por uma abordagem em-pírica. Ao contrário, seus trabalhos são predominantemente bibliográficos. Poulantzas coleta uma literatura imensa sobre um determinado país, estuda sua história e sua formação social, e a partir daí produz, com base em conclusões lógicas, orientadas pelo seu marco teórico (o marxismo), uma interpretação. Com efeito, ele tenta identificar na realidade estudada elementos relevantes, os quais são destacados por sua perspectiva teórica: as lutas de classes, o estágio do desenvolvimento econômico, as formas de do-minação política, os tipos de relações sociais predominantes etc. Dessa forma, o autor promove uma leitura do material escolhido utilizando a teoria como uma lente para revelar a lógica escondida por trás dos dados (POULANTZAS, 1976).

A tradição weberianaTanto quanto Karl Marx, Max Weber (1864-1920) possui vários escritos em que

trata dos problemas da política, do poder e do Estado. A diferença é que Weber buscou, explicitamente, dar um conteúdo específico à noção de Estado moderno, isto é, àquela forma de dominação que corresponde ao Estado capitalista na terminologia dos mar-xistas. No entanto, não desenvolveu nem formalizou uma teoria completa sobre o as-sunto. Como se verá, a questão do Estado, em Weber, decorre da suas análises do pro-cesso histórico de formação dos Estados europeus.

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Obras de Weber sobre a política, o poder e o Estado Parlamentarismo e Governo numa Alemanha Reconstruída: uma contribui-ção à crítica política do funcionalismo e da politica partidária, de Max Weber (WEBER, 1974, p. 7-91).

La Institución Estatal Racional y los Partidos Políticos y Parlamentos Modernos: Sociología del Estado, de Max Weber (WEBER, 1964, p. 1047-1117).

Os Três tipos Puros de Dominação Legítima, de Max Weber (WEBER, 1986, p. 128-41).

Conferência sobre o Socialismo, de Max Weber (WEBER, 1993, p. 85-128).

A política como Vocação, de Max Weber (in WEBER, 2000).

Estudos Políticos: Rússia - 1905 e 1917, de Max Weber (WEBER, 2005).

Weber propõe uma definição histórica e sociológica do Estado mediante análise:

do processo de concentração do poder característica dos grandes Estados ter-ritoriais modernos; e

das transformações sociais que permitiram essa concentração.

Para entender integralmente a teoria weberiana do Estado, o analista deve se ater a duas relações extremamente importantes:

entre o poder central do Estado (o líder soberano, o príncipe, o rei, o ditador etc., isto é, qualquer figura política que encarne esse poder – o senhor, na lin-guagem do autor) e os funcionários do Estado (no caso do Estado capitalista, a burocracia);

entre o poder central e as instituições que compõem o aparato estatal (exérci-to, judiciário, legislativo, ministérios etc.) – ou seja, a relação do poder central com o aparato administrativo.

Tanto o poder central quanto o aparato administrativo são motivados pela busca do poder. Para Weber, a essência da política é a luta pelo poder (a política não é, como é para os marxistas, a expressão da dominação de classe). Ocorrem disputas políticas no interior do aparelho de Estado, com o senhor buscando cada vez mais submeter a burocracia, ou seja, tentando cada vez mais ampliar o seu arbítrio a fim de impor suas vontades sobre seus funcionários. Estes, por sua vez, tentam cada vez mais se tornar

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independentes, autônomos em relação aos desígnios do poder central, impondo a ele os seus próprios interesses.

Por meio dessas relações, conseguiremos ilustrar que, segundo Weber, para de-terminar as características e os efeitos de um Estado importam as relações sociais que ocorrem dentro do Estado (a perspectiva marxista, ao contrário, sustenta que o mais importante são as relações sociais fora do Estado, relações essas que, como vimos, con-dicionam suas ações). Também conseguiremos entender como o Estado, para Weber, não se define pela função que desempenha, mas deve ser explicado em si mesmo, pelas formas históricas que assume. São elas que estipulam suas funções.

Autonomia e internalismoA natureza das relações sociais entre o poder central e o aparato administrativo

determina os tipos de Estado e seus efeitos sobre a sociedade.

Por exemplo, o Estado patrimonial é uma organização política em que o líder ad-ministra o seu território seguindo a mesma lógica da administração familiar. Não há uma separação nítida entre o público (os bens e recursos do Estado) e o privado (as propriedades do senhor). As relações entre o líder e a comunidade política são relações pessoais (como a de um pai em relação ao filho), caracterizadas pela dependência e pelos laços de lealdade. O quadro administrativo é constituído por dependentes dire-tos do senhor (familiares ou funcionários domésticos), parentes, amigos pessoais (“fa-voritos”) ou fiéis (“vassalos”) etc. Nesse caso, é bastante significativo o grau de arbítrio do senhor sobre seus funcionários.

Já no Estado burocrático-racional (isto é, no Estado capitalista), a relação entre o senhor, isto é, o superior hierárquico, e o quadro burocrático, formado segundo sua competência técnica, é uma relação tipicamente impessoal. O funcionário não obe-dece diretamente ao líder, nem está sujeito à vontade discricionária do senhor, mas às leis e aos regulamentos. Ele simplesmente cumpre as funções administrativas que lhe foram designadas. É exatamente por isso que o burocrata tem, comparativamente, mais poder do que o servo patrimonial (WEBER, 1999).

Nessa ilustração, percebemos que existem dois tipos muito distintos de Estado: o patrimonial e o burocrático. Mas como o primeiro se transforma no segundo? Esse processo de mudança ocorre através das lutas dentro do Estado, com os funcionários lutando para diminuir o arbítrio do líder, por um lado, e o líder lutando para ampliar seu arbítrio sobre os funcionários de outro. Dessa forma, sublinhamos que Weber en-fatiza as relações sociais que se desenvolvem no interior do Estado (onde ocorre uma competição pelo poder) e a distribuição desigual do poder. Esses fatores determinam as características específicas que o Estado assumirá.

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Se o Estado é produzido pelas lutas internas em torno do poder propriamente estatal (o poder político), podemos dizer que, para Weber, o Estado é uma entidade autônoma, em grande medida alheia a efeitos externos (por exemplo, alheia ao modo de produção). Essa perspectiva exige, para compreender o fenômeno, uma aborda-gem “internalista”: o foco deve estar nas relações que ocorrem dentro do aparelho do Estado.

Weber não define o Estado pelos papéis que cumpre na realidade social e sim pela forma específica (“histórica”) por meio da qual executa esses papéis, quaisquer que sejam eles:

Do ponto de vista sociológico, uma associação “política”, e particularmente um “Estado”, não pode ser definida pelo conteúdo daquilo que faz. Não há quase nenhuma tarefa que alguma associação política, em algum momento, não tivesse tomado em suas mãos, mas, por outro lado, também não há nenhuma da qual se poderia dizer que tivesse sido própria, em todos os momentos e exclusivamente, daquelas associações que se chamam políticas (ou hoje, Estados) ou que são historicamente as precursoras do Estado moderno. Ao contrário, somente se pode definir sociologicamente o Estado moderno por um meio específico que lhe é próprio [...]: o da coação física. (WEBER, 1999, p. 525. Adaptado.)

Aqui percebemos a ênfase dada por Weber ao meio próprio, ou seja, à maneira específica (e o termo aqui tem o sentido de exclusiva) pertinente unicamente ao Estado: a coação física. Isto é, somente o Estado pode utilizar ou autorizar o uso da força física para resolver qualquer problema ou para atingir qualquer fim.

É evidente a diferença entre a teoria marxista e a teoria weberiana do Estado. Para os marxistas, só é possível entender o Estado por meio da função que ele executa na sociedade: a reprodução da preponderância política e econômica da classe dominan-te. Para Weber, ao contrário, o Estado nunca pode ser definido pelo que ele faz, pois os Estados fizeram, ao longo da história, e fazem, hoje em dia, muitas coisas diferentes. Ele deve ser definido pela maneira exclusiva pela qual ele sempre executou suas diversas atividades.

O ideário político weberiano(GERTH; MILLS; 1982, p. 58)

Para Weber, na política é essencial uma constituição que assegure uma super-visão parlamentar contínua sobre o poder burocrático. Admirador da organização e do modo de funcionamento do parlamentarismo inglês, Weber advogava um siste-ma parlamentar ativo, com partidos políticos fortes, com direito de inquérito como forma de controle sobre a burocracia e que fosse capaz de produzir uma liderança política genuína e capaz. Para nosso autor, democracia e parlamentarismo eram es-sencialmente métodos de seleção das lideranças políticas. Weber era essencialmente

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contrário ao corporativismo (a representação política por categorias profissionais no lugar dos políticos de carreira) e opunha-se radicalmente à democracia de massas (“democracia plebiscitária”). Na biografia que sua mulher, Marianne, escreveu, ela recorda o diálogo entre Weber e Ludendorff, oficial do Exército Alemão na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Diz Weber: “Numa democracia o povo escolhe um líder no qual confia. O escolhido diz, então: – ‘Agora se calem e obedeçam-me’. Povo e partido deixam então de ter liberdade de interferir em sua atuação. Mais tarde, o povo pode fazer o julgamento. Se o líder tiver cometido erros, à forca com ele!”. Ou seja, ele será punido na forma da lei política das democracias: não será reconduzido ao poder, não será eleito novamente. Essa punição equivaleria à morte para o polí-tico profissional.

A classificação do Estado e o Estado na históriaExistem duas formas de se trabalhar com a teoria weberiana. A primeira se apro-

xima mais de análises de tipo histórico2, enfatizando processos de desenvolvimento e trajetórias de transformações. A segunda utiliza antes um recurso classificatório3. Abor-daremos as duas em paralelo para facilitar a explanação.

A teoria marxista também possui uma divisão entre uma análise voltada mais para a compreensão de processos sociais de larga escala e uma análise voltada para a explicação de conjunturas políticas determinadas, mas a oposição é mais marcada na teoria weberiana. A teoria marxista é, de fato, pouco conjuntural, pois suas preocupa-ções são de caráter macroestrutural. Ela exige que se levem em conta, na interpretação das sociedades, grandes estruturas sócio-históricas e relações de força entre classes, problemas esses que não dizem respeito à interação direta entre os agentes em uma situação muito específica. A teoria weberiana é mais operacional e mais prática para ser utilizada em estudos com um foco bem preciso.

De um ponto de vista histórico, o que está em questão nas abordagens weberia-nas é a forma como a distribuição dos poderes entre os principais agentes do Estado se altera ao longo da história. Ou seja, o problema aqui é identificar como a divisão do poder entre um líder central e seu aparato assume configurações diferenciadas em função de seus conflitos específicos. As diferentes configurações na repartição do poder engendram diferentes tipos de Estado, e esse ponto de vista está relacionado com a outra dimensão analítica: a dimensão classificatória. Uma orientação de pesqui-sa desse tipo procura encontrar traços característicos para classificar (quase como um botânico) os vários tipos de Estado presentes na história.

2 Para um exemplo de aplicação ver Skocpol (1979).3 Para um exemplo de aplicação ver Lijphart (2003).

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A principal diferença, e que deve ser salientada, é que o primeiro tipo de aborda-gem foca o processo de construção de um dado tipo de Estado e a transição de um tipo para outro. O segundo tipo de abordagem se atém aos Estados “já prontos” e, descon-siderando a análise histórica, busca identificar elementos relevantes (quantitativos e qualitativos) para promover uma classificação desses vários tipos de Estado.

No primeiro caso, o pesquisador deve se ater a elementos relevantes que se trans-formam em um dado lapso de tempo – esses elementos contribuem para a modifica-ção do tipo de Estado. Nas análises classificatórias, ao contrário, os elementos relevan-tes devem ser abordados não na sua alteração, mas nas suas diferenças e semelhanças. Por isso, nas análises classificatórias é imprescindível a comparação (o analista deve comparar mais de um Estado para verificar como essas variáveis – chamadas até aqui de elementos relevantes – diferenciam-se de um Estado para outro, para, a partir dali, produzir uma classificação).

AnálisesNa análise histórica, o pesquisador deve perceber como as variáveis (ou os ele-

mentos relevantes) se alteram ao longo do tempo. As alterações dessas variáveis modificam, por consequência, a forma do Estado (e, por consequência, sua função). Assim, enquanto a perspectiva histórica focaliza o processo intermediário de um tipo de Estado a outro, ressaltando transformações qualitativas nas variáveis, a pers-pectiva classificatória fixa determinados pontos de análise no tempo, comparando dois momentos distintos a fim de observar as semelhanças e diferenças dos elemen-tos que definem um Estado.

Ao contrário da perspectiva marxista, todo estudo weberiano é “multicausal”: ele não tem qualquer variável independente, ou seja, ele não procura explicar os fenôme-nos por meio de uma única variável – como é o modo de produção para a teoria mar-xista. Assim, tanto para classificar quanto para identificar processos de mudança do Estado pela perspectiva weberiana é necessário levar em consideração um conjunto de variáveis. O ideal não é defini-las previamente, mas identificá-las no contato com a realidade. Todavia, podemos extrair do estudo das obras de Weber as variáveis que ele considerava mais importantes para pensarmos o Estado: religião (quando se trata de um Estado religioso), exército, sistema tributário, administração e o campo jurídico.

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Conclusão: contraste entre as teorias marxista e weberiana

Percebemos que a teoria marxista e a weberiana são muito diferentes entre si. Essas diferenças promovem uma grande divisão dentro do campo da Ciência Política, pois as duas perspectivas são excludentes e antagônicas. Retomaremos aqui suas prin-cipais discordâncias.

A primeira diferença encontra-se na forma como é pensada a relação entre a so-ciedade e o Estado.

Na teoria marxista, o Estado é uma função da sociedade, isto é, os movimentos e as transformações na sociedade (no modo de produção) causam efeitos sobre o Estado.

Na teoria weberiana, ocorre o inverso. Há uma primazia dos efeitos que se desen-volvem no interior do Estado.

Assim, segundo a perspectiva weberiana, nas análises políticas o enfoque recai-ria na autonomia do Estado, enquanto para os marxistas o enfoque recairia na sua heteronomia.

A forma pela qual os cientistas políticos weberianos analisam o Estado leva em consideração o conjunto das instituições políticas que o compõem e as relações so-ciais dentro do Estado ou como o poder está distribuído entre os agentes e as institui-ções. Por isso, pode-se dizer que os weberianos adotam uma perspectiva internalista de análise: entendem o Estado olhando para o seu interior, tanto para sua organização institucional, quanto para os agentes sociais que o integram.

Exatamente o contrário se passa na teoria marxista. Os marxistas estão muito mais atentos a como as relações sociais, fora do Estado, contribuem para a sua configura-ção. Dessa forma, o Estado é uma função da ordem social (e não da ordem política), modificando-se conforme se modifica a dinâmica da sociedade na qual está inserido. Aqui, portanto, adota-se uma perspectiva externalista: o objetivo é explicar o Estado em função das variáveis que estão fora dele.

A segunda diferença entre as duas teorias está na maneira de definir Estado.

Para os marxistas, o que define o Estado é a função que ele desempenha na vida social: a reprodução do modo de produção e de dominação.

Para Weber, o Estado não pode ser definido pelos seus fins e sim pelos seus meios. Com isso, Weber quer dizer que o Estado não pode ser definido pela sua função, mas sim pela forma com que leva a cabo, em regime de monopólio, uma função qualquer.

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Texto complementar

Uma crítica weberiana à perspectiva marxista(SKOCPOL, 1979, p. 41-43. Adaptado.)

[...] o debate marxista sobre o Estado se fixa no problema da autonomia do Estado, uma vez que a maioria dos participantes do debate tende a encarar o Estado de uma forma completamente funcionalista, como um aspecto das relações [de classe] ou das lutas de classe. [...] [Entretanto,] continua a ser essencial para os mar-xistas enfrentar mais diretamente as questões de saber em que consistem os Estados em si mesmos e como é que suas estruturas variam e as suas atividades se desenvol-vem no quadro das [diferentes] estruturas socioeconômicas. Até o momento, pra-ticamente todos os marxistas [partem] do pressuposto que as formas e as funções do Estado variam de acordo com [a configuração dos] modos de produção, e que os governantes não têm possibilidades de contrariar os interesses básicos de uma classe dominante. As explicações permanecem circunscritas às questões de como os Estados variam e agem em função de modos de produção e das classes dominantes. Resulta daqui que dificilmente se questiona essa versão marxista persistente [...] de fundir o Estado com a sociedade.

Devemos, contudo, questionar essa inabalável tendência sociológica se quiser-mos estar bem preparados para analisar as revoluções sociais. À primeira vista, uma perspectiva determinista socioestrutural (no caso, que englobe um tipo de análise de classe) parece obviamente ser uma abordagem fecunda. Esse deve ser o caso uma vez que as revoluções sociais englobam [...] as lutas de classes e têm como re-sultado transformações socioestruturais básicas. Todavia, as realidades históricas das revoluções sociais apontam insistentemente para a necessidade de uma abor-dagem mais centrada no Estado. [...] as crises políticas que impulsionaram as revolu-ções sociais não foram de forma alguma reflexos epifenomenais de tensões sociais ou de contradições entre classes. Antes foram expressões diretas das contradições centradas nas estruturas dos Estados do Antigo Regime. Os grupos políticos que tomaram parte nas lutas sociais revolucionárias não representavam meros interes-

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ses de forças sociais. [Mas] constituíram-se [...] como grupos de interesse no interior desse conflito e combateram as formas das estruturas do Estado. Os partidos de van-guarda que emergiram durante as fases radicais das revoluções sociais foram espe-cialmente responsáveis pela formação de exércitos e administrações centralizadas sem as quais as transformações revolucionárias não teriam podido ser consolidadas. Além disso, as revoluções sociais modificaram as estruturas do Estado tanto ou mais do que modificaram as relações de classe, os valores e as instituições sociais. [...] as consequências das revoluções sociais sobre o subsequente desenvolvimento eco-nômico e sociopolítico das nações que elas transformaram deveram-se não apenas às mudanças das estruturas de classe, mas também às alterações nas estruturas e funções do Estado levadas a cabo pelas revoluções. Em suma, as convulsões sofridas pelas classes e as transformações socioeconômicas que caracterizaram as revolu-ções sociais estiveram estreitamente interligadas com o desmoronamento das es-truturas do Estado dos antigos regimes e com a consolidação e funcionamento das estruturas do Estado dos novos regimes.

Só podemos entender as transformações sociais revolucionárias se conside-rarmos seriamente o Estado como uma macroestrutura. O Estado não é uma mera arena onde as lutas socioeconômicas são disputadas, mas sim um conjunto de orga-nizações administrativas, policiais e militares [centralizadas e] mais ou menos bem coordenadas por uma autoridade executiva. Qualquer Estado [...] extrai recursos pe-cuniários da sociedade e aplica-os na criação e manutenção de organizações coerci-vas e administrativas. Naturalmente, essas organizações estatais básicas são institu-ídas e devem operar no contexto de relações socioeconômicas baseadas na divisão de classes, tanto quanto no contexto da dinâmica econômica nacional e internacio-nal, [pois] as organizações coercivas e administrativas constituem apenas partes de sistemas políticos globais, [os quais] podem ainda incluir instituições [cuja função é representar os interesses] sociais no âmbito da atuação política do Estado, bem como instituições [por meio] das quais indivíduos que não pertencem ao aparelho de Estado são mobilizados para participar na ação política do Estado. [...] Onde quer que existam, essas organizações fundamentais do Estado são pelo menos poten-cialmente autônomas em relação a um controle direto [...] das classes dominantes. O grau de autonomia que realmente têm, e com que repercussões, variam de caso para caso.

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Atividades

Sabemos que existem duas formas diferentes de explicar o Estado: pela teoria 1. marxista e pela teoria weberiana. Fale sobre cada uma dessas teorias abordan-do as suas principais diferenças.

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Quando o assunto é o Estado capitalista, pode-se dizer que a teoria de Marx é 2. muito genérica e que esse problema não foi devidamente tratado pelo autor. As diversas apropriações das ideias de Marx sobre a política, o poder e o Estado pela teoria marxista contemporânea deram origem a explicações muito dife-rentes. Explique as duas principais correntes do pensamento marxista quando o assunto é o Estado.

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Também a teoria weberiana tem diferentes formas de apropriação. Exponha 3. sinteticamente as correntes que integram a teoria weberiana diferenciando a abordagem histórica da abordagem tipológica.

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Formação e desaparecimento do Estado: perspectivas marxista e weberiana

Quando olhamos para o mundo social (incluindo o mundo político), geralmen-te não nos questionamos sobre o conceito que fazemos dele. Tendemos a tomar as coisas como dadas, como “naturais”. Achamos apropriado ou inevitável ter de cumprir leis, pagar impostos e parece-nos inquestionável a necessidade de estudar, casar e tra-balhar. No entanto, todos esses padrões de comportamento, valores e regras sociais são fenômenos históricos e “arbitrários”, ou seja, produtos artificiais da ação humana. A naturalidade dessas práticas, como se não fossem resultado de certas convenções, é justamente o que as faz tão eficazes.

O caráter arbitrário e histórico desses princípios e práticas – ou seja, o fato de eles não serem fatos universais ou “leis” da natureza – torna-se evidente quando começam a se transformar, quando mudam. Por exemplo, quando começam a surgir uniões (“casa-mentos”) entre homossexuais em sociedades que têm como norma (e como “normal”) os casamentos heterossexuais. Ou quando as mulheres começam a conquistar espaço dentro de uma sociedade patriarcal; ou ainda quando pessoas de uma classe “inferior” assumem postos com certo poder político. Prontamente, indivíduos e grupos reivindi-cam uma volta à “normalidade”, àquilo que é “natural”, in status quo ante (“na situação de antes”).

Um dos maiores propósitos da ciência social é desnaturalizar noções preconcebi-das e formas de ver o mundo que geralmente aparecem como derivadas da própria na-tureza das coisas. Certas práticas sociais “universais”, “eternas” e “imutáveis”, isto é, que sempre existiram daquela forma e que devem ser assim “porque sempre foram assim”, podem ser desmitificadas por meio da análise social. Uma das estratégias utilizadas pelos cientistas sociais para desnaturalizar valores, práticas e instituições é identificar sua gênese, ou seja, como aquela realidade surgiu e quais são as condições sociais que tornam possível a sua existência. Assim, podemos mostrar que todos os valores, todas as atitudes e todas as intenções implícitas e explícitas que a instituição constrói são, na verdade, produtos da história e não um dado natural ou inato da natureza do ser humano.

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É por meio da Ciência Política que podemos identificar como (e por que) uma de-terminada instituição política nasceu. Devemos entender o Estado – por exemplo – por meio do mesmo princípio: ele é uma realidade com uma história social, ou seja, não é nem um fato natural e nem uma entidade atemporal. Assim, para compreender essa instituição política em sua integridade – isto é, em suas estruturas e suas funções –, é necessário lançar mão de estudos que se voltem para a origem da formação estatal. Como afirmou Pierre Bourdieu, “a análise da gênese do Estado como fundamento dos princípios de visão e de divisão vigentes [...] permite compreender tanto a adesão [...] à ordem estabelecida pelo [próprio] Estado, como os fundamentos propriamente políti-cos dessa adesão aparentemente natural” (BOURDIEU, 1996, p. 120).

Como, quando e por que surgiu o Estado?

Como se constituíram historicamente suas instituições específicas?

Existe algum padrão no processo de surgimento dos Estados nacionais modernos?

Destacaremos a lógica do processo histórico que leva à formação do Estado, ex-pondo resumidamente os dois principais modelos explicativos utilizados na Sociolo-gia Política e na Ciência Política para explicar a origem dos Estados: o weberiano e o marxista.

O Estado enquanto produto sócio-históricoAs teorias sobre a gênese do Estado estão divididas em duas grandes escolas

sociológicas:

a tendência weberiana (de Max Weber) pensa a instituição estatal como um produto histórico, geograficamente determinado, resultante de um específico processo de expropriação e concentração do poder político;

já a tradição marxista (de Marx e Engels) trata o Estado como um produto uni-versal das sociedades de classe e pensa as diferentes formas que os Estados podem assumir historicamente como resultante das transformações do modo de produção.

A primeira forma de análise foi desenvolvida por Weber em seus estudos sobre a racionalização do aparelho administrativo estatal moderno. A segunda forma é deri-vada da teoria marxista do materialismo histórico ou, mais precisamente, da aplicação do pensamento de Marx aos estudos sobre a origem do Estado e sua conexão com as lutas de classe.

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A necessidade do EstadoNa perspectiva weberiana, parte-se da constatação de que a instituição estatal

é o produto das necessidades geradas pelas próprias relações sociais e pelas relações de força entre os grupos, o que Weber chama de estrutura de dominação: o Estado é o produto das necessidades administrativas da sociedade, ou melhor, da sua lógica administrativa.

As variáveis que geram essas necessidades são principalmente duas:

conjunturas externas (entendidas como relações de disputa entre diferentes agrupamentos humanos; “ordem externa”); e

conjunturas internas (relações entre as ramificações desses agrupamentos; “ordem interna”).

As disputas entre os diferentes agrupamentos sociais podem gerar necessidades que pressionam a ordem interna a alterar-se. Isso faz as relações entre os homens se tornarem mais complexas – o que pode produzir uma ordem administrativa superior como o Estado. Por exemplo: situações de guerra, de disputa por território, disputa por alimentos, entre outras conjunturas adversas, podem exigir e produzir relações sociais mais complexas que têm como finalidade, seja a manutenção de uma determi-nada ordem de dominação, seja a subversão dessa ordem. O Estado seria, portanto, o produto dessas necessidades geradas pelos conflitos entre diferentes grupos sociais (MANN, 1992; SKOCPOL, 1985, p. 31).

As disputas internas seguem a mesma lógica. Contudo, em vez de pensarmos em diferentes grupos sociais podemos pensar em diferentes facções ou frações do mesmo grupo, as quais, ao entrarem em atrito, exigem que a ordem política se torne mais complexa. Por exemplo, em determinados estágios da dominação social torna-se ne-cessário desenvolver, estruturar e ramificar o aparato administrativo (recrutando mais funcionários, especializando os existentes, dividindo o trabalho etc.). Esse aumento de complexidade obriga o líder a conceder mais recursos aos seus funcionários, alterando as relações sociais internas entre os agentes (MANN, 1992).

Com essas reordenações do poder interno, as relações sociais vão gradativamen-te se alterando e se adaptando às novas conjunturas – em uma frase: as relações sociais vão sendo selecionadas. Aquelas mais aptas permanecem em detrimento das menos aptas, que desaparecem diante das necessidades geradas pelo aparelho de domina-ção (WEBER, 1964, p. 31). Em meio a essas transformações, o Estado surge como um produto de necessidades e também como um meio para saciá-las.

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Em conclusão, podemos dizer que dentro do processo de seleção das relações sociais somente as sociedades que desenvolveram Estados conseguiram se perpetuar em um mundo em que o Estado é uma condição necessária básica para a existência política: isso explicaria a generalização das formações estatais pelo planeta. Isso se dá porque, com a necessidade de sobrevivência, a luta entre diferentes agrupamentos humanos gera a construção de um Estado (MANN, 1992).

A concentração do poderUma das características centrais da teoria weberiana do Estado é a forma como

Weber busca explicar a origem do Estado por meio da concentração do poder, ou seja, o Estado como sendo o produto da centralização dos poderes “privados” da sociedade.

Essa perspectiva de análise parte da ideia de que o Estado é o resultado de uma grande quantidade de poder condensado em uma rede social específica e relativa-mente pequena. Nesse sentido, o que motiva uma pesquisa sob essa orientação teóri-ca é identificar como, historicamente, ocorreu a centralização do poder, como o poder alcançou aquela centralidade e densidade necessárias para constituir um Estado.

Esse tipo de estudo é um dos mais recorrentes nas análises políticas contempo-râneas. Sempre está presente, nem que seja implicitamente, na maioria dos trabalhos que buscam estudar as origens do Estado burocrático moderno e é sempre fortemente influenciado pelos textos de Max Weber (1999).

Análises weberianas sobre a formação do Estado

No Brasil

Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro (FAORO, 1975).

Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda.

Bases do Autoritarismo Brasileiro, de Simo Schwartzman (SCHWARTZMAN, 1982).

O Minotauro Imperial, de Fernando Uricoechea (URICOECHEA, 1978).

No mundo

Construção Nacional e Cidadania, de Reinhardt Bendix (BENDIX, 1996).

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Nações e Nacionalismo, de Ernest Gellner (GELLNER, 1993)

Estados e Revoluções Sociais, de Theda Skocpol (SKOCPOL, 1979).

Dessa forma, sendo o Estado o efeito do processo histórico de concentração do poder social, a pergunta agora é:

Como ocorreu essa concentração?

Expropriação dos recursos materiais e simbólicosA corrente teórica weberiana sustenta que o Estado se forma a partir do momento

em que expropria os grupos sociais de seus poderes específicos. Os recursos materiais e simbólicos pertencentes a grupos atomizados na sociedade (“grupos de interesses”) são usurpados, expropriados, cooptados ou aniquilados de modo a permitir a forma-ção da instituição estatal (“centralização do poder”).

Assim, para o Estado se formar e se consolidar é necessária a expropriação de dois tipos de recursos: materiais e simbólicos. Os recursos materiais são basicamente armas, terras, recursos monetários e trabalho. Os recursos simbólicos são as crenças, ensina-mentos, valores, pensamentos e ideologias. Ao expropriar, dominar e centralizar esses recursos, o Estado estará formado.

Recursos materiaisA passagem a seguir pode nos ajudar a entender o ponto que queremos abordar

no que diz respeito à expropriação, pelo Estado, dos recursos materiais:

De modo geral, o desenvolvimento do Estado moderno tem por ponto de partida o desejo de o príncipe expropriar os poderes “privados” independentes que, a par do seu, detêm força administrativa, isto é, todos os proprietários de meios de gestão, de recursos financeiros, de instrumentos militares e de quaisquer espécies de bens suscetíveis de utilização para fins de caráter político. (WEBER, 1989, p. 61)

O poder do Estado se funda à medida que o poder central (soberano, príncipe, rei, o poder Executivo etc.) consegue eliminar (cooptando ou destruindo) os centros privados de poder político. Esses centros são aquelas pequenas elites territoriais que desfrutam de um poder local qualquer.

Ao concentrar os recursos financeiros (por meio da concessão de crédito, da co-brança de impostos, intermediando negócios etc.) e ao monopolizar a força física (por

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meio da formação de um exército e da eliminação das milícias privadas dos líderes regionais), o Estado conquistará os dois instrumentos infraestruturais principais – o crédito e as armas – para a centralização do poder. Dessa forma, à medida que os líde-res políticos locais necessitem economicamente do poder central e não tenham à dis-posição um exército particular ou milícias, aumenta a influência política desse centro de poder que é o Estado.

O segundo aspecto amplamente abordado dentro dessa perspectiva é a centrali-zação territorial ou a delimitação de fronteiras. O Estado, além de centralizar recursos materiais específicos e de dispor de um exército próprio, necessita empreender a cons-trução de fronteiras territoriais que limitem o seu território e que estejam administrati-vamente vinculadas ao poder central.

Recursos simbólicosEntretanto, a gênese do Estado não ocorre somente a partir do momento em que

a expropriação e a concentração dos recursos materiais se consolida, mas também quando ocorre a expropriação de outra forma de recurso: os simbólicos. Isto é, a partir do momento em que o Estado reclama para si o monopólio de ensinar, de transmitir significados, de produzir crenças e formas específicas de interpretar e avaliar as coisas do mundo. Dessa forma, o Estado concentra meios materiais (exercito, crédito, funcio-nários etc.) e bens simbólicos (crenças, ideias, significados, julgamentos etc.).

PatrimonialismoUma estrutura administrativa patrimonialista é aquela em que o poder central

tem monopólio de recursos materiais e exerce poder na medida em que controla as concessões desses recursos. Ou seja, há a confusão entre os bens do Estado e os bens do poder central, pois a política é feita por meio desses recursos conferidos pessoalmente pelo senhor patrimonial.

A citação a seguir, de Pierre Bourdieu, explica bem o que queremos dizer aqui. Bour-dieu tem como objetivo mostrar como é fundado o Estado moderno em contraposição à ordem feudal, na qual havia uma confusão entre a vida pública e a vida privada graças ao seu caráter patrimonialista:

[...] o processo de “desfeudalização” implica mais geralmente uma ruptura dos laços “naturais” (de parentesco) e dos processos de reprodução “natural”, ou seja, não mediados por uma instância doméstica, poder real, burocrático, instituição escolar etc. [...] ele se institui na e para a instauração de uma lealdade específica que implica uma ruptura com todas as fidelidades originárias, relacionadas à etnia, casta, família etc. Por tudo isso, [esse processo] se opõe à lógica específica da família que, por arbitrária, é a mais “natural” ou naturalizável (o sangue etc.) das instituições sociais. (BOURDIEU, 2005, p. 60)

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Antes da fundação do Estado propriamente moderno, o monopólio da produção simbólica era das famílias, dos clãs, das castas etc. O que ocorreu foi que o Estado ex-propriou o poder de ensinar que essas instituições possuíam: no lugar delas, a produ-ção das crenças sociais legítimas passou a ser realizada pela escola. Foi por meio dela que passaram a ser ensinadas formas de pensamento – estruturas cognitivas – propria-mente estatais e, assim, transmitidas determinadas concepções sobre o mundo social e sobre a posição que os indivíduos ocupam (ou devem ocupar) nesse mundo.

A partir do momento em que o Estado detém o monopólio dos instrumentos de produção das crenças e das visões de mundo – como o ensino –, ele produz automa-ticamente um sistema de julgamento que legitima as próprias práticas estatais e que funciona a favor de sua própria existência. Ou seja: é por deter esses recursos materiais e simbólicos que o Estado garante a sua própria existência.

O Estado é, dessa forma, senhor de mecanismos de poder que atingem o homem tanto objetivamente quanto subjetivamente, que acarretam por um lado uma coação física e, por outro, uma coação mental.

A construção estatal dos espíritos(BOURDIEU, 1996, p. 105-106)

“Por meio dos sistemas de classificação [...] inscritos no direito, dos procedimen-tos burocráticos, das estruturas escolares e dos rituais sociais [...], o Estado molda as estruturas mentais e impõe princípios de visão e divisão comuns, formas de pensar que estão para o pensamento culto assim como as formas primitivas de classificação descritas por Durkheim e Mauss estão para o “pensamento selvagem”, contribuindo para a construção de que designamos comumente como identidade nacional – ou, em linguagem mais tradicional, o caráter nacional. (É sobretudo por meio da escola que, com a generalização da educação primária durante o século XIX [especialmente na Europa], exerce-se a ação unificadora do Estado na questão da cultura, elemento fundamental da construção do Estado-nação [...]). Ao impor e inculcar universalmen-te (nos limites de seu âmbito) uma cultura dominante assim constituída em cultura nacional legítima, o sistema escolar, particularmente através do ensino da história [...], inculca os fundamentos de uma verdadeira “religião cívica” e, mais precisamente, os pressupostos fundamentais da imagem (nacional) de si.”

Um bom exemplo desse duplo processo de desapropriação material e simbólica pode ser retirado de nossa história nacional.

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No Brasil, entre 1889 e 1930, o poder estava distribuído entre as oligarquias re-gionais, principalmente as de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Esses esta-dos detinham um grande poder político e praticamente controlavam todo o país. De 1930 até 1945, ocorreu um processo de centralização e de expropriação do poder dos líderes regionais. Ao mesmo tempo, lançando mão de propagandas e ideias naciona-listas veiculadas pela arte e por todo o sistema de ensino, deu-se início ao processo de construção simbólica e conceitual do Estado. Esses processos deram origem ao Estado brasileiro moderno (FAUSTO, 2008, p. 261).

Lutas de classe e o surgimento do EstadoA abordagem derivada da teoria social de Karl Marx tem como ponto fundamen-

tal a visão do Estado como produto direto e necessário das lutas de classe e vincula suas mutações – tanto da sua estrutura interna como da maneira de cumprir suas fun-ções – às transformações históricas dos modos de produção (isto é, as articulações específicas entre as estruturas econômicas, políticas e ideológicas).

As lutas de classe são as lutas entre os proprietários e os não proprietários de meios de produção (terra, indústrias, capital monetário, conhecimento etc.). Assim, os proprie-tários lutam para conservar o monopólio desses meios, ao passo que os não proprietários lutam para contestá-lo e quebrá-lo, ou seja, para alterar sua distribuição na sociedade.

Essa dinâmica é interpretada por Marx como sendo o motor da história, isto é, o princípio explicativo do desenvolvimento e transformação das sociedades de classe. Tudo o que ocorre na história humana é efeito dessa luta, inclusive e principalmente o Estado. Dessa forma, segundo a perspectiva marxista, a cada fase ou estágio dos modos de produção social corresponde uma forma política específica. Em uma sociedade es-cravista, por exemplo, existiria uma forma estatal que é completamente diferente da forma estatal presente em uma sociedade cujo trabalho é servil ou assalariado. O que condicionaria a diferença das formas estatais não seriam as características internas do Estado, mas sim a organização do modo de produção.

Portanto, para a perspectiva marxista existe uma conexão necessária entre a esfera política e a esfera econômica, sendo que esta última sempre condiciona a primeira: a uma economia capitalista deve corresponder um Estado capitalista; a uma economia escravista, um Estado escravista, e assim por diante. A cada forma econômica corres-ponderia, portanto, uma forma política.

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Análises marxistas sobre a formação do Estado

No Brasil

Formação Política do Brasil, de Paula Beiguelman (BEIGUELMAN, 1976).

Rumos e Metamorfoses, de Sônia Draibe (DRAIBE, 1985).

Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr (PRADO JR., 1981).

Formação do Estado Burguês no Brasil, de Décio Saes (SAES, 1985).

No mundo

Linhagens do Estado Absolutista, de Perry Anderson (ANDERSON, 1985).

Poder Político e Classes Sociais, de Nicos Poulantzas (POULANTZAS, 1977).

O papel do Estado e as lutas de classeO Estado é uma expressão necessária da luta de classes e tem como função

garantir e reproduzir o estágio atual da luta de classes. As políticas estatais atende-riam mais aos grupos que possuem uma posição privilegiada nessas lutas, ou seja, as classes dominantes na sociedade.

A origem do Estado(ENGELS, 1982, p. 193-194)

“Como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes, e como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que, por intermédio dele, se converte também em classe politicamente dominante e ad-quire novos meios para a repressão e exploração da classe oprimida. Assim, o Estado antigo foi, sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para manter os escravos subjugados; o Estado feudal foi o órgão de que se valeu a nobreza para manter a su-jeição dos servos e camponeses dependentes; e o moderno Estado representativo é o instrumento de que se serve o capital para explorar o trabalho assalariado”.

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Nesse sentido, podemos dizer que o Estado surge à medida que as lutas de classe convergem para um ponto, ou seja, quando elas passam a ser decididas em um espaço específico: o Estado. Dessa forma, a instituição estatal só passa a existir na medida em que se torna necessário esse ambiente particularmente designado, tanto para coorde-nar as lutas de classe quanto para realizar as medidas apropriadas segundo o resultado das lutas de classe.

Pontos principais das perspectivas marxista e weberianaExistem grandes diferenças entre a perspectiva marxista e a weberiana.

Para a weberiana, o que determina o Estado são as dinâmicas que ocorrem no seu interior: o Estado é definido pelo seu poder interno.

Por outro lado, segundo a perspectiva marxista, o Estado é determinado por forças que se situam fora dele: na sociedade.

Assim, podemos dizer que Weber adota uma perspectiva internalista, ao passo que Marx adota uma perspectiva externalista.

Outra diferença é que Weber percebe uma oposição entre o público e o privado: o Estado surge na medida em que ocorre essa separação (quando os poderes particula-res são expropriados, formando a ordem pública). Por outro lado, para Marx não ocorre essa separação, pois o “público” é condicionado pela esfera privada.

A perspectiva marxista e a perspectiva weberianaEm síntese, existem duas diferenças básicas entre a perspectiva marxista e a

weberiana: a primeira é que Weber postula uma oposição entre o público e o priva-do enquanto Marx assume uma relação de determinação entre ambos; a segunda é que Weber adota uma perspectiva internalista enquanto Marx adota uma perspec-tiva externalista.

O fim do EstadoExistem duas formas mais comuns de se entender o fim do Estado. A primeira diz

respeito ao fim da ordem econômica vigente e o início de uma sociedade comunista; a segunda está ligada à ampliação da ordem econômica atual e ao aumento do alcance das entidades transnacionais. Ambas possuem em comum uma abordagem “econo-micista”, ou seja, uma crença de que causas econômicas (e suas transformações) estão na base dos fenômenos estatais. Mas embora elas sejam semelhantes nesse sentido, divergem em outro: enquanto uma relaciona o fim do Estado à derrocada da ordem econômica atual, a outra relaciona o fim do Estado à sua intensificação.Ci

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O comunismo e o fim do EstadoÉ sabido que a teoria marxista pressupõe como condição para a constituição do

comunismo o fim do Estado. O fim do capitalismo ocorreria nesta sequência:

revolução do proletariado;

tomada do Estado pelo proletariado; e

fim da ordem estatal e capitalista, inaugurando a sociedade comunista (em que não existiria propriedade privada nem, portanto, lutas de classe).

Para compreender esse argumento, precisamos notar que ele segue uma lógica dialética1. Tal pensamento é fundado no processo contínuo e mutável entre a tese, antítese e síntese:

a tese, no caso, é a dominação da burguesia (momento atual);

a antítese seria a dominação do proletariado (que é a classe que se opõe à burguesia); e

a síntese seria o fim do modo de produção atual e a formação de outro (o co-munismo), alterando toda a realidade social – nesse estágio, acabaria a luta de classes e, como consequência, também o Estado.

O desaparecimento do Estado(ENGELS, 1982, p. 196)

“[...] o Estado não existiu eternamente. Houve sociedades que se organizaram sem ele, não tiveram a menor noção do Estado ou de seu poder. Ao chegar a certa fase de desenvolvimento econômico, que estava necessariamente ligada à divisão da sociedade em classes, essa divisão tornou o Estado uma necessidade. Estamos agora nos aproximando, com rapidez, de uma fase de desenvolvimento da produ-ção em que a existência dessas classes não apenas deixou de ser uma necessidade, mas até se converteu num obstáculo à produção mesma. As classes vão desapare-cer, e de maneira tão inevitável como no passado surgiram. Com o desaparecimen-to das classes, desaparecerá inevitavelmente o Estado. A sociedade, reorganizando de uma forma nova a produção, na base de uma associação livre de produtores iguais, mandará toda a máquina do Estado para o lugar que lhe há de corresponder: o museu de antiguidades, ao lado da roca de fiar e do machado de bronze”.

1 A dialética tem como método de análise a busca por dois elementos conflitantes que dariam origem a um terceiro elemento. Seus elementos básicos são tese, antítese e síntese. A tese e a antítese se definem por serem uma o oposto da outra, ao passo que a síntese é o resultado do choque entre as duas. Dessa forma, toda a ciência baseada em um método dialético deve buscar encontrar e contrastar contrários e, a partir deles, derivar um resultado provável ou constatado.

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As supranacionais e o fim do EstadoA relação entre o fim do Estado e do seu poder e a emergência de um poder

econômico transnacional deve ser entendida como uma relação inversamente propor-cional entre as duas entidades. À medida que a cooperação comercial internacional aumenta, o poder do Estado diminui. Isso ocorre porque se entende o poder comercial como algo descolado do poder estatal, algo que se desenvolve em paralelo e de forma negativa, opositiva a ele. Há, portanto, uma relação antagônica entre poder de Estado e poder da economia, de forma que ambos, lutando por sua existência, necessitam eliminar um ao outro para que se obtenha a sua plena realização.

Esse pensamento ganhou força a partir das grandes guerras e se constituiu plena-mente, tal como o entendemos hoje, após a guerra fria. Percebe-se que após as guerras o poder do Estado não é mais medido somente por sua capacidade territorial, de pro-dução e de armas, mas também por sua capacidade tecnológica. Depois de lançadas as bombas atômicas, isso ficou bem claro: os países que não detinham aquela tecnologia perderam lugar na conjuntura mundial, e os únicos que a possuíam ascenderam como os grandes polos do mundo: os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Em seguida, durante a guerra fria, ocorreu uma competição tecnológica entre Estados Unidos e União Soviética. A corrida espacial, particularmente, mostrou que a tecnologia se tornou um grande poder cobiçado e reconhecido pelos Estados.

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O astronauta Edwin E. Aldrin ao lado da bandeira dos Estados Unidos na pri-meira vez em que o homem pisou na Lua. Percebe-se neste período a forte ênfase que a tecnologia teve para representar a força das nações.

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A entrada dessa nova variável (a tecnologia) na mensuração do poder de influ-ência fez com que outra esfera de poder ganhasse espaço: as grandes empresas, que detêm o monopólio da tecnologia. Esse potencial tecnológico lhes garante uma posição “competitiva” em relação aos próprios Estados-Nação de após a Guerra Fria (STRANGE, 1992, p. 436). Dessa forma, o aumento do poder das empresas multinacionais ou trans-nacionais pode ocasionar a perda de poder dos Estados, pois essas empresas possuem um grande recurso (tecnologia) que pode suplantar a autoridade estatal.

ConclusãoEntender a gênese do Estado é importante para desnaturalizar noções e concep-

ções que adquirimos por meio do próprio Estado. Grande parte das nossas referências e valores nos são transmitidas pela ação (direta ou indireta) da instituição estatal. Esses va-lores não são facilmente identificados nem questionados, pois eles assumem uma forma naturalizada, inevitável, sendo vistos como “normais” ou sequer percebidos. A identifi-cação dos processos que estão na origem do Estado – e de qualquer outra instituição ou prática social – nos permite justamente identificar os mecanismos responsáveis pela construção desses valores que nos são legados e que aprendemos a aceitar como legí-timos. Utilizando uma perspectiva sócio-histórica, podemos identificar os processos de disputa que tiveram como produto o Estado e entenderemos que o mundo social atual é só um estágio dessas lutas e não uma realidade imutável e estática no tempo.

Percebemos que não é possível estudar a gênese do Estado sem lançar mão do conhecimento da história e de teorias da história. Mas aqui podemos optar por duas escolas ou abordagens fundamentais: tanto uma que olhe para causas externas ao poder político quanto outra que foque causas que dizem respeito somente ao poder político. A escolha entre uma e outra perspectiva só pode ocorrer com base nos dados empíricos, pois existem situações em que uma ou outra permitirá enten-der melhor os fenômenos sociopolíticos. Assim, o que determina o marco teórico a ser utilizado é a própria necessidade da pesquisa. Logo, qualquer filiação ao modelo que anteceda a análise empírica corre o risco de estar mais preocupada em provar esse modelo – forçando o encaixe dos dados à sua perspectiva teórica – do que em explicar, de fato, a realidade.

As teorias que falam sobre o fim do Estado são principalmente a comunista e a teoria do poder das multinacionais. Ambas se assemelham no que diz respeito à utili-zação da variável econômica, que põem em primeiro plano, mas se distinguem quando abordam a forma pela qual essa variável age na realidade: para a teoria comunista, o fim do Estado está condicionado diretamente ao fim das lutas de classe, ao passo que para a teoria das multinacionais o Estado encontraria seu fim com a exacerbação do peso do poder econômico, que seria maior e contrário ao poder do Estado.

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Portanto, em síntese, para a teoria comunista existe uma relação diretamente pro-porcional entre Estado e lutas de classe, enquanto para a teoria do poder das multina-cionais ocorre uma relação inversamente proporcional.

Textos complementares

Origem do Estado segundo Weber(WEBER, 1989, p. 61-62)

De modo geral, o desenvolvimento do Estado moderno tem por ponto de par-tida o desejo de um príncipe expropriar os poderes “privados” independentes que, a par do seu, detém força administrativa, isto é, todos os proprietários de meios de gestão, de recursos financeiros de instrumentos militares e de quaisquer espécies de bens suscetíveis de utilização para fins de caráter político. Esse processo se de-senvolve em paralelo perfeito com o desenvolvimento da empresa capitalista que domina, a pouco e pouco, os produtores independentes. E nota-se enfim que, no Estado moderno, o poder que dispõe da totalidade dos meios políticos de gestão tende a reunir-se sob mão única. Funcionário algum permanece como proprietário pessoal do dinheiro que ele manipula ou dos edifícios, reservas e máquinas de guerra que ele controla. O Estado moderno – e isto é de importância no plano dos concei-tos – conseguiu, portanto, e de maneira integral, “privar” a direção administrativa, os funcionários e trabalhadores burocráticos de quaisquer meios de gestão. Nota-se, a essa altura, o surgimento de um processo inédito, que se desenrola a nossos olhos e que ameaça expropriar do expropriador os meios políticos de que ele dispõe e o seu poder político. Tal é, ao menos aparentemente, a consequência da revolução (alemã de 1918), na medida em que novos chefes substituíram as autoridades estabeleci-das, em que se apossaram, por usurpação ou eleição, do poder que controla o con-junto administrativo e de bens materiais e na medida em que fazem derivar – pouco importa com que direito – a legitimidade de seu poder da vontade dos governados. Cabe, entretanto, indagar se esse primeiro êxito – ao menos aparente – permitirá que a revolução alcance o domínio do aparelho econômico do capitalismo, cuja ati-vidade se orienta, essencialmente, de conformidade com leis inteiramente diversas das que regem a administração política. Tendo em vista meu objetivo, limitar-me-ei a registrar esta constatação de ordem puramente conceitual: o Estado moderno é um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e que procu-rou (com êxito) monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento de domínio e que tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos diri-

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gentes os meios materiais de gestão. Equivale isso a dizer que o Estado moderno ex-propriou todos os funcionários que, segundo o princípio dos “Estados” dispunham outrora, por direito próprio, de meios de gestão, substituindo-se tais funcionários, inclusive no topo da hierarquia.

Sem embargo, ao longo desse processo de expropriação que se desenvolveu, com êxito maior ou menor, em todos os países do globo, nota-se o aparecimento de uma nova espécie de “políticos profissionais”. Trata-se, no caso, de uma categoria nova, que permite definir o segundo sentido dessa expressão. Vemo-los, de início, colocarem-se a serviço dos príncipes. Não tinham a ambição dos chefes carismáticos e não buscavam transformar-se em senhores, mas empenhavam-se na luta política para se colocarem à disposição de um príncipe, na gestão de cujos interesses políti-cos encontravam ganha-pão e conteúdo moral para suas vidas. Uma vez mais, é só no Ocidente que encontramos essa categoria nova de políticos profissionais a servi-ço de poderes outros que não o dos príncipes. Não obstante, foram eles, em tempos passados, o instrumento mais importante do poder dos príncipes e da expropriação política que, em benefício destes, se processava.

Origem do Estado segundo Engels(ENGELS, 1982, p. 195-196)

O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é “a realidade da ideia moral”, nem “a imagem e a reali-dade da razão”, como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa socie-dade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses an-tagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da “ordem”. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela e distanciando-se cada vez mais, é o Estado.

Distinguindo-se da antiga organização gentílica, o Estado caracteriza-se, em primeiro lugar, pelo agrupamento dos seus súditos de acordo com uma divisão ter-ritorial. [...] Essa organização dos súditos do Estado conforme o território é comum a todos os Estados. Por isso nos parece natural; mas, em capítulos anteriores vimos

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como foram necessárias renhidas e longas lutas antes que em Atenas e Roma ela pudesse substituir a antiga organização gentílica.

O segundo traço característico é a instituição de uma força pública, que já não mais se identifica com o povo em armas. A necessidade dessa força pública especial deriva da divisão da sociedade em classes, que impossibilita qualquer organização armada espontânea da população. Os escravos integravam, também, a população; os 90 mil cidadãos de Atenas só constituíam uma classe privilegiada em confronto com os 365 mil escravos. O exército popular da democracia ateniense era uma força pública aristocrática contra os escravos, que mantinha submissos; todavia, para manter a ordem entre os cidadãos, foi preciso também criar uma força policial [...]. Esta força pública existe em todo Estado; é formada não só de homens armados como, ainda, de acessórios materiais, os cárceres e as instituições coercitivas de todo gênero, desconhecidos pela sociedade das gens.1 Ela pode ser pouco importante e até quase nula nas sociedades em que ainda não se desenvolveram os antagonis-mos de classe, ou em lugares distantes, como sucedeu em certas regiões e em certas épocas nos Estados Unidos da América. Mas se fortalece na medida em que exacer-bam os antagonismos de classe dentro do Estado e na medida em que os Estados contíguos crescem e aumentam de população. Basta-nos observar a Europa [de fins do século XIX], onde a luta de classes e a rivalidade nas conquistas levaram a força pública a um tal grau de crescimento que ela ameaça engolir a saciedade inteira e o próprio Estado.

Para sustentar essa força pública, são exigidas contribuições por parte dos cida-dãos do Estado: os impostos. [...]. Donos da força pública e do direito de recolher os im-postos, os funcionários, como órgãos da sociedade, põem-se então acima dela. [...].

[...] na maior parte dos Estados históricos, os direitos concedidos aos cidadãos são regulados de acordo com as posses dos referidos cidadãos, pelo que se eviden-cia ser o Estado um organismo para a proteção dos que possuem contra os que não possuem. Foi o que vimos em Atenas e em Roma, onde a classificação da população era estabelecida pelo montante dos bens. O mesmo acontece no Estado feudal da Idade Média, onde o poder político era distribuído conforme a importância da pro-priedade territorial. E é o que podemos ver no censo eleitoral dos modernos Estados representativos. Entretanto, esse reconhecimento político das diferenças de fortuna não tem nada de essencial; pelo contrário, revela até um grau inferior de desenvol-vimento do Estado. A república democrática – a mais elevada das formas de Estado, e que, em nossas atuais condições sociais, vai aparecendo como uma necessidade

1 Gens é o mesmo que clã, isto é, uma forma de organização social típica do comunismo primitivo, baseada em um conjunto de famílias que se presumem ou são descendentes de ancestrais comuns. Engels define gen também como “círculo fechado de parentes consanguíneos por linha feminina, que não podem se casar uns com os outros”.

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cada vez mais iniludível, e é a única forma de Estado sob a qual pode ser travada a última e definitiva batalha entre o proletariado e a burguesia – não mais reconhece oficialmente as diferenças de fortuna. Nela, a riqueza exerce seu poder de modo indireto, embora mais seguro. De um lado, sob a forma de corrupção direta dos fun-cionários do Estado, e na América vamos encontrar o exemplo clássico; de outro lado, sob a forma de aliança entre o governo e a Bolsa.

Atividades

Existem duas formas de explicar a gênese do Estado: uma “internalista”, outra 1. “externalista”. Elas correspondem, respectivamente, à teoria weberiana e à te-oria marxista. Explique os principais aspectos dessas teorias focando a forma como elas se distinguem no que diz respeito à análise do Estado.

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A teoria weberiana busca explicar o Estado por meio das disputas pela centrali-2. zação do poder. Uma das formas utilizadas para centralizar o poder é expropriar os recursos que se encontravam dispersos e em monopólio de grupos indepen-dentes do Estado. Como ocorreu o processo de expropriação desses recursos? Que recursos são esses?

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Sabemos que o Estado é uma realidade arbitrária, algo que surgiu em um dado 3. momento da existência humana, uma realidade que não é natural ao homem. Podemos então falar em “fim do Estado”? Como a Ciência Política pensa o fim do Estado? Fale sobre as diferenças e semelhanças entre as teorias que buscam explicar o fim do Estado.

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O conceito de ideologia

Tanto na linguagem sociológica como na linguagem comum, ideologia é uma pa-lavra polêmica e polissêmica, isto é, tem mais de um significado. Não há consenso no interior do campo científico atual quanto ao significado do conceito de ideologia. A mesma palavra pode significar, para teorias diferentes, coisas muito diferentes. É pre-ciso ter em mente também que o significado do conceito é manipulado no interior das lutas políticas – e mesmo no interior de disputas “puramente” acadêmicas. Por isso, devem ser sistematizadas suas várias acepções para utilizá-lo adequadamente no estudo científico da política.

Um dos principais problemas de se definir ideologia, de um ponto de vista tec-nocientífico, é que, como vários outros termos de uso corrente nas Ciências Sociais (poder, Estado, classe), ele é tomado de empréstimo da linguagem cotidiana. Logo, o sentido que a noção possui é influenciado imediatamente por seus usos sociais. Além disso, indivíduos e grupos engajados politicamente lançam mão do termo o tempo todo, dando a ele significados diversos que variam de acordo com as circunstâncias da luta política. Como ideologia anda muito próximo de poder, ou melhor, de situa-ções que envolvem poder e conflito, o interesse que indivíduos e grupos politicamente orientados têm ao usarem a palavra ideologia é particularmente alto, e esse interesse influencia a forma como as pessoas a entendem e usam. Assim, o sentido do conceito não é consensual: é algo que está em jogo permanentemente na disputa política.

Essa dificuldade faz parte de uma dificuldade mais geral das ciências humanas: o homem e a sociedade não são entidades passivas, mas entes ativos que influenciam as categorias do observador científico. O que estudamos não são leis naturais inde-pendentes da vontade e da cultura humanas, mas, antes, seus produtos. Esse produtos variam no tempo e no espaço em função das formas específicas pelas quais as pessoas se relacionam e se comunicam. Chamamos isso de a arbitrariedade dos fenômenos sociais. A aparente fluidez dos fenômenos sociais, que disso deriva, abre uma margem muito ampla para a definição e a classificação dos fenômenos observados.

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Com isso em mente, analisaremos rapidamente a literatura especializada bus-cando recorrências de significado, e apresentaremos aqueles sentidos e características mais comuns e academicamente mais pertinentes do conceito de ideologia.

Dom

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lico.

Berlim: o muro que separava ideologias.

Os sentidos negativos do conceito de ideologia

Ideologia como “ciência das ideias”Originalmente, a palavra ideologia significava exatamente o que sua etimologia

indica: um “estudo das ideias”.

Ideologia seria a ciência responsável pela análise das representações mentais dos homens. O filósofo francês Destutt de Tracy (1754-1836) propôs esse termo para nomear uma nova disciplina cujo princípio, inspirado pelo materialismo1, afirmava que as “ideias procediam das percepções sensoriais do mundo exterior à consciência, e não de raciocínios a priori, sendo elas, portanto, resultado da interação entre os organismos vivos e o meio ambiente” (CODATO, 2008, p. 245). Contudo, a noção de ideologia como uma ciência das ideias não teve muito futuro, perdendo espaço para outras formas de concebê-la. Assim, a palavra ideologia assumiria, logo no início do século XIX, significa-dos completamente diferentes daquele de sua origem.

1 O materialismo histórico é uma escola filosófica que se baseia na ideia de que o pensamento humano depende das condições objetivas (materiais, econômi-cas, sociais, culturais etc.) nas quais está inserido, não sendo independente de seu contexto.

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O conceito de ideologia

Ideologia como sistema ilusório de crençasA noção de dissimulação e mesmo cinismo passaram, progressivamente, a ser as-

sociadas ao termo ideologia por conta de seus usos políticos. Assim, falar da ideologia de alguém lança dúvidas sobre suas crenças e ideias, indicando motivações obscuras com um fundamento em geral político.

Em seu texto clássico intitulado Ideologia e Utopia, o sociólogo alemão Karl Man-nheim apresenta duas definições gerais do conceito de ideologia: a “total” e a “particu-lar”, que é a que nos interessa neste momento. A definição “particular” de ideologia diz respeito a “um sistema ilusório de crenças [usado para disfarçar] a natureza real de uma situação, cujo verdadeiro reconhecimento contrariaria os seus interesses [da própria ideologia]” (MANNHEIM, 1979, p. 123-126).

Esse sentido possui as seguintes características:

consiste em um conjunto de ideias que se supõe deformarem uma determi-nada realidade – são ideias falsas, que produzem uma ilusão, isto é, uma repre-sentação mental que inverte ou falsifica uma realidade;

a ideologia é geralmente associada às ideias do oponente, caracterizadas como falsas e cínicas;

refere-se a interesses em função dos quais um indivíduo ou grupo é levado, voluntária ou involuntariamente, a produzir falsas representações no intuito de realizá-los;

refere-se somente a parte falsa das ideias de alguém, e não a sua totalidade.

A acepção “particular” a que Mannheim se refere é semelhante à marxista orto-doxa, que entende a ideologia como uma “falsa consciência” que faz os indivíduos desconhecerem as condições objetivas (especialmente econômicas) nas quais estão inseridos. Há aí uma contradição entre as condições reais dos indivíduos (a posição que ocupam no sistema socioeconômico) e as representações/ideias que eles têm dessas condições.

Na tradição marxista, todos os indivíduos e grupos ocupam uma posição obje-tiva no sistema socioeconômico (que na terminologia marxista poderíamos chamar também de modo de produção ou, de forma menos precisa, sociedade). Essa posição é determinada, na maior parte das vezes, pela situação de cada um nas relações de produção (de bens e serviços) e nas relações de apropriação do que é produzido. A um determinado conjunto de referenciais socioeconômicos corresponde uma classe social. Assim, uma classe social indica que os indivíduos e grupos que a compõem

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compartilham uma situação socioeconômica semelhante. Nas sociedades capitalistas, por exemplo, há duas situações gerais que organizam e dividem o sistema socioeco-nômico: aqueles que detêm a propriedade dos meios de produção (os capitalistas) e aqueles que não possuem tal propriedade, vendendo a sua força de trabalho (o prole-tariado; os trabalhadores/operários).

A cada situação socioeconômica corresponde uma série de demandas e constran-gimentos objetivos, intrínsecos à situação/posição ocupada. Por exemplo, a explora-ção dos trabalhadores é intrínseca à lógica do sistema capitalista: o lucro do capitalista depende necessariamente do valor gerado pelo trabalho do proletariado. A riqueza gerada pelo trabalho é em larga medida apropriada pela classe capitalista, que devol-ve apenas uma pequena parcela dessa riqueza (gerada, segundo a tradição marxista, pelo trabalho do proletariado) aos trabalhadores na forma de salários.

Para a tradição marxista, tudo isso são fatos objetivos, próprios do sistema socioe-conômico, e independem da concepção ou da forma como os indivíduos reconhecem sua situação. Aqui, a “falsa consciência”, ou a “ideologia”, corresponde a concepções, ideias, crenças, representações etc. que fazem os indivíduos ou grupos desconhece-rem a sua condição de explorados: a “falsa consciência” impede o proletariado de per-ceber a exploração capitalista e, portanto, de agir contra ela. Trata-se, portanto, de uma mistificação ou de uma ilusão.

Mas atenção: a “ideologia” ou a “falsa consciência” não é somente a ideologia ou a falsa consciência típicas do capitalismo, como no exemplo que acabamos de dar. O fundamental aqui é o fato de os indivíduos terem ideias distorcidas de sua própria condição objetiva (que, no marxismo, refere-se a condições materiais de existência). Veremos mais adiante que a tradição marxista também confere outros significados ao conceito de ideologia, menos pejorativos e mais explicativos.

A ideologia como o impensado da prática científicaOutra acepção corrente, especialmente na literatura filosófica de inspiração mar-

xista chamada de “teoria crítica” (como a Escola de Frankfurt), refere-se à ideologia como conjuntos de crenças de viés político (com consequências políticas) que orien-tam tacitamente a prática científica.

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O conceito de ideologia

Escola de FrankfurtA chamada Escola de Frankfurt é um grupo de filósofos e intelectuais alemães

de inspiração marxista. Formada por volta da década de 1930, essa corrente se tornou famosa por formular a chamada “Teoria Crítica”, que busca denunciar aspec-tos perversos de instituições ocidentais supostamente universais, como a razão e a ciência, além de certos elementos da cultura ocidental, como a cultura de massa. Alguns de seus expoentes principais são Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Walter Benjamin e Jürgen Habermas.

Essa é uma forma de definir as “premissas ideológicas” que estão ocultas na prá-tica científica:

Uma avaliação crítica da ideologia da Ciência Política muito certamente deve levar em conta a tese, apresentada por Thomas Kuhn, de que os cientistas inevitavelmente adotam uma estrutura de crenças, valores e mitos sobre a objetividade de seu trabalho. Entretanto, guiando o pensamento dos cientistas há um paradigma ou uma noção básica de ordenação sobre o caráter fundamental da realidade. (CHILCOTE, 1998, p. 43)

Esse “caráter fundamental da realidade” consiste em um ideário a que aderem os cientistas sem qualquer questionamento ou mesmo consciência, sendo, portanto, su-posições. Chilcote sugere com isso, por exemplo, que a Ciência Política americana seria baseada em uma série de premissas não científicas sobre a natureza das coisas, o que, por sua vez, influencia toda a sua prática acadêmica e científica.

Ideologia como mistificação intencionalA conotação mais usual que o conceito de ideologia adquiriu – e que persiste até

hoje – é política, e isso em um duplo sentido.

Em primeiro lugar, a palavra é apropriada por agentes sociais envolvidos na luta política pelo controle do poder. Em segundo lugar, o conceito passará a referir-se de forma bastante próxima a situações que envolvem poder ou relações de poder. A pas-sagem a seguir é adequada porque ilustra esse duplo caráter: apropriada pelo meio político, a palavra ideologia adquire um forte componente de poder, próprio desse campo. Como afirma Codato,

[Napoleão] Bonaparte reprovou a atividade política dos “ideólogos” [...] e registrou que sua ação reformadora, inspirada nos ideais do Iluminismo, consistia de fato em manipular as ideias (matéria-prima dessa “metafísica obscura”) para edificar “um governo de homens sanguinários”. Como essa doutrina estava em desacordo com o sentimento dos homens e as lições da História, ideologia passou também a nomear toda teoria abstrata, imaginativa, irrealizável na prática (ou, para falar como Antonio Gramsci, “ideologias arbitrárias”, por oposição a “ideologias historicamente orgânicas”). (CODATO, 2008, p. 245)

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Percebe-se que o componente político da acepção, ou seja, a implicação de poder está relacionado ao artifício político do ludíbrio e da dissimulação. Ideologia passa a ser um termo pejorativo que indica ideias manipuladas com o intuito de mascarar inten-ções e enganar outrem a fim de realizar pretensões políticas.

Os sentidos positivos do conceito de ideologia

Ideologia como “doutrina”Em capítulo dedicado às “ideias políticas”, Marcel Prélot (1964, p. 64-78) faz

uma distinção entre “teoria” e “doutrina” a partir de Gaétan Pirou em sua obra Traité D’Économie Politique [Tratado de Economia Política].

O que Prélot chama de ideias políticas envolve tanto ideias científicas acerca do universo da política (que ele chama de teorias) como conjuntos de ideias propriamente políticas, que ele chama de ideologias, tomadas como sinônimo de doutrinas. A teoria remete à observação e à inferência, enquanto a doutrina remete a julgamento e à ação:

A teoria é o resultado da observação. Coloca-se no terreno do conhecimento positivo, mas não consiste apenas na constatação dos fatos; ela ultrapassa-a para proceder a seu agrupamento; depois, indo ainda mais longe, à sua explicação. Para fazê-lo, utiliza o que, em lógica das ciências, denominam-se hipóteses, que, uma vez verificadas, transformam-se em leis. Em consequência, a teoria corresponde ao conjunto dos fatos não somente constatados e ordenados, como também explicados e organizados. É o elo posto pelo espírito entre eles. [...] A doutrina considera também os fenômenos, mas os aprecia, os aceita ou os recusa em função de um ideal imanente ou transcendente em relação ao Estado. As doutrinas julgam os fatos e indicam os caminhos a seguir para assegurar a felicidade dos cidadãos, ou o poder do Estado. Referem-se ao melhor, ao mais nobre, ao mais moral, ao mais justo, ao mais forte, segundo a Weltanschauung2 em que se inspiram. (PRÉLOT, 1964, p. 66)

Prélot avança uma tese interessante a respeito da separação entre teoria e dou-trina: ele argumenta que, em certa medida, as doutrinas também comportam uma di-mensão de teoria, ou de ciência. Para desenvolver seu raciocínio, primeiramente Prélot define ideologia como um “conjunto de ideias políticas” (PRÉLOT, 1964, p. 75). Elas, como quaisquer outras ideias, sempre possuem alguma relação com a realidade, já que ideias referem-se, de alguma forma, a um conjunto de estímulos que vêm de fora, de um contexto real. Dessa maneira, as doutrinas/ideologias políticas, enquanto sistemas de ideias orientadas de modo a transformar o mundo, estão mais ou menos ajustadas ao mundo e aos fatos políticos concretos. As ideias que constituem especificamente as doutrinas ou ideologias políticas, por exemplo, são compostas por informações sobre as instituições, os fatos e a vida política de uma época. Nesse sentido, liberalismo, so-cialismo e fascismo, por exemplo, seriam doutrinas.

2 Weltanschauung: palavra alemã que significa “visão de mundo”. (N. da E.)Ciên

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Dependendo das circunstâncias (históricas e políticas) em que determinada doutrina se insere, ela pode ser mais ou menos realista, ou seja, seu aspecto teórico- -científico pode ser mais proeminente, apresentando descrições e mesmo explicações mais próximas da realidade. De forma análoga, uma situação política qualquer pode também desfavorecer tal aspecto científico, estimulando a doutrina política a distorcer a realidade em prol de seus objetivos políticos. Por exemplo: os liberais podem acen-tuar radicalmente as “liberdades inatas” do indivíduo por razões puramente políticas, pela crescente oposição ao socialismo e ao fascismo etc.

Evidentemente, isso não equivale a tomar tais ideias como obras científicas. As doutrinas, de fato, estão orientadas e são determinadas por uma finalidade que não é científica, mas política, e assim não estão comprometidas com valores científicos como a produção de conhecimento. Mas isso não implica que devamos recusá-las por com-pleto, como “falsas representações”, negando qualquer realidade que possam vir a ter.

Mesmo no caso extremo de uma ideia política que inverte fatos reais delibera-damente, para ludibriar os adversários, ela ainda faz alusões à realidade concreta: a própria intenção de enganar os adversários já é uma reação a circunstâncias reais. Portanto, quando analisadas junto ao seu contexto político, as ideias políticas “irreais” nos fornecem muitas informações úteis, inclusive esclarecendo a razão de distorção de certos elementos da realidade.

O filósofo italiano Norberto Bobbio também fornece suporte para a concepção que associa ideologia a um conjunto de ideias políticas direcionadas à prática política (doutrinas).

Segundo Codato (2008, p. 244), Bobbio apresenta um “sentido mais neutro e ope-racional” de ideologia, que se contrapõe à acepção de um conjunto de crenças falsas e mistificadoras. Assim, Bobbio propõe que a expressão pode significar “um sistema de crenças ou de valores, que é utilizado na luta política para influir no comportamento das massas, para orientá-las em uma direção em vez de outra, para obter o consenso, enfim, para instituir a legitimidade do poder” (BOBBIO, 2002, p. 129). Nesse nível de generalidade, “uma teoria política qualquer pode tornar-se ideologia no momento em que vem assumida como programa de ação de um movimento político” (BOBBIO, 2002, p. 129).

Ainda dentro da tradição que associa ideologia a doutrinas políticas, Ronald Chil-cote refere-se ao uso da palavra como um substituto para regimes totalitários e, mais especificamente, como um sinônimo de ideologia comunista (CHILCOTE, 1998, p. 41). Chilcote diz que tal concepção era utilizada tipicamente nos Estados Unidos durante a Guerra Fria para se referir ao regime soviético: fazia-se uma associação pejorativa entre comunismo e ideologia, para apresentá-lo como dogmático e autoritário. Isso era muito comum no universo político norte-americano, e ainda é relativamente usado.

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Por fim, a acepção de ideologia como sinônimo de “doutrina” é bastante comum. Esse sentido, mais restritivo, entende ideologia apenas como um “conjunto de ideias políticas”.

Ideologia como consciência políticaEssa definição faz parte da tradição marxista e foi desenvolvida especialmente

pelo ativista e teórico político Vladimir Ilitich Lênin (1870-1924).

Ideologia torna-se aqui não um conjunto de ideias mistificadas e mistificadoras, mas a forma de consciência política das classes sociais em relação aos seus “verdadeiros” interesses. Como resumiu Codato,

Em Lênin, ideologia é o sistema ou conjunto de ideias, principalmente políticas, produto de um grupo ou classe social, que, através dele, representa, manifesta, justifica e racionaliza seus interesses (daí sua fraseologia característica: “ideologia proletária”, “ideologia burguesa”). (CODATO, 2008, p. 245)

Ideologia como consciência de classeUma vez que nem sequer se pode falar de uma ideologia independente, ela-

borada pelas próprias massas operárias no decurso do seu movimento, o problema põe-se unicamente assim: ideologia burguesa ou ideologia socialista. Não há meio- -termo (porque a humanidade não elaborou uma “terceira” ideologia; além disso, em geral, em uma sociedade dilacerada pelas contradições de classe, não pode nunca existir uma ideologia à margem ou acima das classes). Por isso, toda diminuição da ideologia socialista, todo distanciamento dela implica o fortalecimento da ideologia burguesa. Fala-se de espontaneidade. Mas o desenvolvimento espontâneo do mo-vimento operário resulta justamente na sua subordinação à ideologia burguesa, [...] pois o movimento operário espontâneo é o corporativismo[...] e o corporativismo é justamente a escravidão ideológica dos operários pela burguesia. Por isso, nossa tarefa, a tarefa da social-democracia, consiste em combater a espontaneidade, desviar o movimento operário dessa tendência espontânea corporativista de se refugiar sob as asas da burguesia, e atraí-lo para as asas da social-democracia revolucionária.

(LENIN, 1977, p. 107-108. Adaptado, grifo do autor.)

Essa acepção é relativamente próxima daquela que associa ideologia a doutrinas, mas é mais inclusiva e não requer o mesmo grau de mobilização e sistematização que aquela suscita.

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O conceito de ideologia

Ideologia em sentido gnosiológicoHá uma tradição de pensamento que confere um significado diferente ao con-

ceito de ideologia. Isso permite que ela perca o forte aspecto político adquirido na sua associação a doutrinas políticas ou a conjuntos de ideias falsas ou mistificadoras, e atri-bui um aspecto mais cognitivo e antropológico, que alguns chamam de gnosiológico, enquanto outros, de noológico (MANNHEIM, 1979, p. 125). O que isso quer dizer?

GnosiologiaSegundo o Dicionário Houaiss, gnosiologia significa: “teoria geral do conheci-

mento humano, voltada para uma reflexão em torno da origem, natureza e limites do ato cognitivo, frequentemente apontando suas distorções e condicionamentos subjetivos, em um ponto de vista tendente ao idealismo, ou sua precisão e veracida-de objetivas, em uma perspectiva realista; gnosiologia, teoria do conhecimento”. E ainda segundo o mesmo dicionário, noologia significa, “no pensamento seiscentista e setecentista, esfera do conhecimento filosófico responsável pela investigação da cognição humana”.

Trata-se de uma tradição teoricamente próxima da semiologia, da semiótica e da hermenêutica, que aproxima o significado da palavra ideologia do conceito antropoló-gico de cultura. Inexiste, assim, a referência especial às ideias políticas (doutrinas) ou ao caráter “verdadeiro” ou “falso” das ideias (falsa consciência). O termo passa a descrever sistemas de ideias, crenças, valores e símbolos típicos de uma sociedade determinada. Esses sistemas de símbolos – que os antropólogos e sociólogos muitas vezes chamam de cultura – são sociais e transmitidos socialmente, por meio da comunicação, da família, da escola etc., fornecendo aos indivíduos formas de pensamento. É por isso que se diz que tal acepção tem um caráter “cognitivo”: porque esses sistemas simbólicos fornecem estrutu-ras cognitivas, que fazem os indivíduos pensarem de determinada forma.

Os sociólogos costumam usar o conceito de representações para se referir às ide-ologias no sentido gnosiológico.

Lembramos que Karl Mannheim identificou “dois significados gerais” do termo ideologia – o que ele chamou de significado particular e significado total. Já vimos que o significado particular referia-se à acepção de ideologia como um conjunto de ideias falsas. O significado total refere-se à acepção cognitiva ou gnosiológica: ideologia no sentido total quer dizer um sistema de representações; maneiras de ver o mundo; cul-tura, enfim (MANNHEIM, 1979). Ele possui as seguintes características:

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refere-se a formas ou princípios de pensamento ou à maneira como os agen-tes concebem a realidade – e assim, sendo culturais-cognitivas, não faz senti-do referir-se às ideias de alguém como “falsas” ou “verdadeiras”, pois as catego-rias de percepção das partes envolvidas são simplesmente “semelhantes” ou “diferentes”;

refere-se ao significado das ideias, enfatizando seu aspecto linguístico, comu-nicativo, gramático, expressivo e figurativo;

é uma referência de amplo alcance, pois, abarcando uma “forma de pensa-mento” não especificada, abrange qualquer representação, crença, valor etc., ignorando se correspondem ou não à realidade objetiva;

as representações (e seus sinônimos) referidas pelo significado total não são necessariamente ligadas a interesses (daí seu baixo aspecto político), porque é uma referência às maneiras de as pessoas pensarem, sentirem, apreciarem, comportarem-se etc.

Por essas características, a acepção gnosiológica e cognitiva é muito semelhante aos conceitos de representações coletivas (Émile Durkheim) e de imaginário (Cornelius Castoriadis, Gilbert Durand). Ela tende a não enfatizar ou mesmo a desconsiderar o aspecto político em sentido lato, ou seja, a dimensão do poder, prestando pouca aten-ção às relações de força e de dominação que envolvem as representações e os siste-mas simbólicos. Enfatiza a peculiaridade dos sistemas simbólicos, como se esses não tivessem outra função além de comunicar significados e dar sentido às coisas. Não interessa se o que é significado está de acordo com a realidade ou não. A realidade é o significado. O que importa são os efeitos culturais, sociais e cognitivos gerados pelos significados das representações, tomados em si mesmos.

Muitos autores acreditam ser melhor utilizar conceitos antropológicos ou socio-lógicos como os de cultura, representações coletivas, sistemas simbólicos e semelhantes para se referir à acepção gnosiológica de ideologia.

Ideologia em sentido sociológicoEssa concepção entende ideologia como estruturas sociais instituídas nas mentes

e nas coisas (sistemas simbólicos, de crenças, valores, estruturas de significados etc.). São essas estruturas que fornecem os referenciais pelos quais os indivíduos entendem e interpretam toda a realidade, influenciando, assim, sua ação.

Dessa maneira, a ideologia é tanto uma estrutura como uma prática, ou seja, um conjunto sistemático de ações que carregam e ao mesmo tempo são orientadas por ideias.

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O conceito de ideologia

O raciocínio, em essência, é simples: para agir, precisamos interagir com o ambien-te exterior, e nós o fazemos por meio de ideias e de uma linguagem. Nós atribuímos significados às coisas, voluntária ou involuntariamente, e então essas coisas tomam a forma de valores e julgamentos (às vezes práticos, como “quente”, “frio”, “perigoso” etc.). São esses significados, apreendidos por meio dos códigos e convenções transmitidos pelos outros e pelas instituições sociais, que nos permitem responder aos estímulos externos.

A ideologia é uma estrutura porque tem caráter sociológico, objetivo e generali-zado, sendo relativamente regular. Mas ela é também uma prática porque a cultura, os sistemas de símbolos e as representações só existem se forem constantemente atua-lizados pelas ações das pessoas. Ela indica, assim, uma estrutura de práticas, ou seja, é um artifício teórico que descreve um terreno em que ocorrem práticas orientadas por determinadas ideias.

É por meio da ideologia, portanto, que os indivíduos conhecem e se reconhecem. Além disso, esses atos de conhecimento e de reconhecimento guiam a nossa prática e se manifestam por meio dos valores e da linguagem. Eles carregam a marca de condi-ções objetivas (atributos econômicos, culturais) que são hierarquizadas. Por exemplo, as ideias, o pensamento, a cultura de um indivíduo pobre e de um indivíduo rico não são apenas diferentes entre si: elas são subordinadas umas às outras, compondo uma hierarquia. Da mesma forma, a cultura de um indivíduo culto lhe confere privilégios e o coloca em uma posição superior. Seus atributos, contudo, foram-lhe herdados a partir de suas condições de vida. A adesão a tal ou qual ideia ou forma de pensamento corresponde, portanto, a aderir a uma ordem hierárquica.

ConclusãoApresentamos aqui as principais acepções do conceito de ideologia a partir da

literatura filosófica e tecnocientífica, considerando tanto os usos cotidianos e as apro-priações feitas pelo termo no universo da política como as definições elaboradas por especialistas e cientistas sociais.

Como se trata de um conceito ambíguo, é preciso, sempre que o utilizamos, apre-sentar claramente em que sentido nós o entendemos e definir ao que exatamente nos referimos. Isso é necessário com qualquer conceito que não possua uma definição uní-voca, aos moldes das ciências naturais, mas é especialmente necessário com o concei-to de ideologia, por todas as razões que já vimos.

Também insistimos para que se busque utilizar o conceito de ideologia de forma científica ao inseri-lo em textos técnico-científicos. Ou seja: é preciso que os cientistas

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sociais e os cientistas políticos busquem descrever e explicar as coisas, em vez de emitir julgamentos de valor e empregar o conceito de ideologia a partir de seus usos pejora-tivos, como uma forma de desaprovar e desqualificar elementos da realidade social e política. Assim, quando um cientista social usa ideologia, ele deve fazê-lo para descre-ver um fato político em que as características da definição aplicada efetivamente exis-tam, não sendo uma atribuição arbitrária. Assim, se por um acaso houver elementos pejorativos na realidade que analisamos, talvez seja cientificamente útil empregar as definições de ideologia de teor mais político, mas para descrever e explicar a realidade produzindo uma representação teórica realista.

Texto complementar

Ideologia(MARX; ENGELS, 1983, p. 6-7)

A produção de ideias, de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui como emanação direta do seu comportamento material. O mesmo acontece com a produção intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral, religião, metafísica etc., de um povo. São os homens que produzem as suas representações, as suas ideias etc., mas os homens reais, atuantes e tais como foram condicionados por um determinado desenvolvi-mento das suas forças produtivas e do modo de relações que lhe corresponde, in-cluindo até as formas mais amplas que estas possam tomar. A consciência nunca pode ser mais do que o Ser consciente e o Ser dos homens é o seu processo da vida real. E se em toda a ideologia os homens e as suas relações nos surgem invertidos, tal como acontece numa câmera obscura, isto é apenas o resultado do seu processo de vida histórico, do mesmo modo que a imagem invertida dos objetos que se forma na retina é uma consequência do seu processo de vida diretamente físico.

Contrariamente à filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui parte-se da terra para atingir o céu. Isto significa que não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam e pensam nem daquilo que são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação de outrem para chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens, da sua atividade real. É a partir do seu processo de vida real que se representa o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas desse

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O conceito de ideologia

processo vital. Mesmo as fantasmagorias correspondem, no cérebro humano, a su-blimações necessariamente resultantes do processo da sua vida material que pode ser observado empiricamente e que repousa em bases materiais. Assim, a moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, tal como as formas de consciência que lhes correspondem, perdem imediatamente toda a aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento; serão antes os homens que, desenvol-vendo a sua produção material e as suas relações materiais, transformam, com essa realidade que lhes é própria, o seu pensamento e os produtos desse pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consci-ência. Na primeira forma de considerar este assunto, parte-se da consciência como sendo o indivíduo vivo, e na segunda, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos reais e vivos e considera-se a consciência unicamente como sua consciência.

Atividades

A definição científica do conceito de 1. ideologia implica problemas metodológi-cos bem difíceis. Mencione alguns desses problemas e explique, a partir deles, como devemos definir cientificamente esse conceito.

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Entre as definições de 2. ideologia apresentadas, qual você considera a mais útil para definir e explicar as ideias políticas? Desenvolva.

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O conceito de ideologia

Pense em sua vida cotidiana: nos noticiários e nas revistas que consulta, nas 3. conversas e debates em que se engaja etc. Agora, procure classificá-los a partir das definições apresentadas, dizendo qual é a definição de ideologia mais co-mum para você.

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Doutrinas políticas da era moderna: liberalismo, socialismo e fascismo

Nosso objetivo é definir e explicar as três principais doutrinas políticas da era mo-derna: o liberalismo, o socialismo e o fascismo.

Seguindo a sugestão de Michel Prélot (1964, p. 64-78), deve-se entender a expres-são doutrina política como um conjunto de ideias de caráter ao mesmo tempo teórico e político: de um lado, as doutrinas são compostas por ideias e representações da re-alidade, e, por outro lado, apontam um caminho a ser seguido, ou seja, compõem-se também por ideais que prescrevem o que a realidade deve ser.

Fazer uma definição adequada de uma doutrina política específica não é, contudo, tarefa simples, pois todos nós temos alguma opinião sobre o que é o liberalismo, ou o socialismo, ou o fascismo. Essas são, sem dúvida, as doutrinas políticas mais conheci-das e importantes da história das sociedades industriais modernas. Muitos associam automaticamente liberalismo e livre-mercado, socialismo com intervenção do Estado e fascismo com regimes totalitários (como o nazismo alemão e o fascismo italiano). Esses conceitos já fazem parte do imaginário coletivo. Seguramente, não são representações falsas desses fenômenos. Mas a simplificação a que submetem os fatos reais aos quais se referem esconde, todavia, sua imensa complexidade.

Um dos grandes problemas para tratar a questão das ideologias/doutrinas po-líticas contemporâneas começa no fato de as próprias palavras ou conceitos serem parte do fenômeno político que se quer descrever. É como se nós, cientistas (ou pre-tendentes a tal), utilizássemos os termos e os significados de nosso objeto de estudo para estudá-lo. A especificidade do caso em questão agrava o problema: ideologias e doutrinas políticas são objetos de interesse prático – não são meras filosofias. Além de tudo, a essa disputa por dizer a verdade sobre o sentido real das doutrinas políticas se somam projetos políticos que trazem consigo a marca de circunstâncias históricas muito singulares. Por exemplo, o liberalismo no Brasil do século XIX (que em grande medida se ajustou a estruturas de dominação política ou social como o escravismo e o autoritarismo) não tem as mesmas características do liberalismo nos Estados Unidos.

Norberto Bobbio tece um comentário esclarecedor sobre esse problema logo na introdução de seu famoso Dicionário de Política:

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A maior parte destes termos [utilizados usualmente pela Ciência Política] é derivada da linguagem comum e conserva a fluidez e a incerteza dos confins. Da mesma forma, os termos que adquiriram um significado técnico através da elaboração daqueles que usam a linguagem política para fins teóricos estão entrando continuamente na linguagem da luta política do dia a dia, que por sua vez é combatida, não o esqueçamos, em grande parte com a arma da palavra, e sofrem variações e transposições de sentido, intencionais e não intencionais, muitas vezes relevantes. Na linguagem da luta política quotidiana, palavras que são técnicas desde a origem ou desde tempos imemoriais, como oligarquia, tirania, ditadura e democracia, são usadas como termos da linguagem comum e por isso de modo não unívoco. Palavras com sentido mais propriamente técnico, como são todos os ismos em que é rica a linguagem política – socialismo, comunismo, fascismo, peronismo, marxismo, leninismo, stalinismo etc. –, indicam fenômenos históricos tão complexos e elaborações doutrinais tão controvertidas que não deixam de ser suscetíveis das mais diferentes interpretações. (BOBBIO et al., 1998, p. V)

Quando falamos em liberalismo, a que nos referimos precisamente? Existem inú-meros indivíduos, grupos e partidos políticos que se autoproclamam liberais (no Brasil houve um Partido Liberal; há um Instituto Liberal etc.). A própria definição de liberal e liberalismo está em jogo não só na teoria mas também na arena política. O modo que um agente político nomeia e caracteriza as coisas constitui uma das principais armas da luta política: a imagem, a representação e o significado que determinada doutrina ou movimento político possui joga um papel central no sucesso político dessa doutrina ou movimento. Por isso mesmo, Bobbio adverte:

Nenhum termo da linguagem política é ideologicamente neutro. Cada um deles pode ser usado como base na orientação política do usuário para gerar reações emocionais, para obter aprovação ou desaprovação de certo comportamento, para provocar, enfim, consenso ou dissenso. (BOBBIO et al., 1998, p. V-VI)

Esse problema de método (como definir tecnicamente um termo político cujo uso é político) está relacionado a outro, muito importante: a que nos referimos quando falamos de uma doutrina política como o socialismo, o liberalismo ou o fascismo?

Estamos nos referindo aos grupos sociais e aos movimentos políticos que empol-gam essas ideologias? Nesse caso, nós devemos considerar liberal ou socialista quem se define como tal? Ou, ao contrário, nós devemos analisar a prática política efetiva desses grupos à luz de seus motivos e da luta política na qual estão envolvidos e aí sim atribuirmos os devidos rótulos? Além de tudo, a definição de socialismo ou liberalismo pode ser feita a partir de instituições e estruturas sociais, e não de agentes políticos es-pecíficos: fala-se em um Estado liberal, em instituições fascistas, em partidos socialistas, e por aí afora.

Por fim, podemos focar nossa atenção sobre conjuntos de ideias, como a filosofia e a literatura dessas formações ideológicas: há ideias liberais, ideias socialistas etc., que compõem um pensamento político organizado. Tudo isso deve ser considerado ao de-finirmos uma doutrina política.

Inúmeros problemas – teóricos e práticos – derivam daí. Podemos olhar para a re-alidade concreta e extrair dela (da observação das práticas, das ideias manifestas e dos fenômenos políticos em geral) uma definição razoável das doutrinas em questão. Isso, Ci

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no entanto, não é nada fácil em função de um complicador: na história, há inúmeros grupos, instituições e concepções que têm o mesmo rótulo, e eles (grupos, instituições e concepções) muitas vezes possuem diferenças significativas entre si. Ou podemos tentar definir as características gerais de um fenômeno político – o que também é in-certo, porque se corre o risco de produzir um constructo teórico tão geral e abstrato que não descreve ou explica qualquer fato real.

Por causa desses problemas todos, uma definição adequada precisa considerar essa especificidade do objeto de estudo; ela deve ser histórica, não trans-histórica. Deve traduzir para os conceitos teóricos a lógica que opera na realidade concreta. Assim, além de descrever resumidamente o conteúdo das três doutrinas políticas em questão – liberalismo, socialismo e fascismo –, pretendemos apresentar igualmente as características institucionais dos regimes políticos e/ou dos sistemas sociais baseados nessas formações ideológicas. Antes, contudo, seria útil apresentar o método empre-gado nesse empreendimento.

Considerações metodológicas: a definição das doutrinas políticas

A partir da enorme literatura especializada sobre as principais doutrinas políticas da era moderna, foi possível construir tipos ideais do liberalismo, do socialismo e do fas-cismo. Duas dimensões foram privilegiadas na análise dessas formações ideológicas:

as ideias políticas produzidas por doutrinários ou por representantes de cada doutrina política (sejam políticos, filósofos, escritores, partidários etc.) – essas ideias formam, como resume Norberto Bobbio, o espírito de uma época;

os aspectos institucionais ou, como diz Bobbio, estruturais, destacando-se então as estruturas institucionais (como o Estado, os partidos) e sociais (como o mercado ou a opinião pública) que relevam dessas ideias políticas.

Tipo idealA construção de tipos ideais é um procedimento desenvolvido pelo sociólogo

alemão Max Weber (1978). Consiste em um artifício metodológico para se construir modelos e descrições puramente teóricas, abstratas (daí ideais) de fenômenos so-ciais e históricos complexos. Assim, um tipo ideal é um esquema que retém apenas os aspectos essenciais de algum elemento real, reduzindo para fins heurísticos a riqueza da realidade empírica. Arquitetamos, por exemplo, um tipo ideal de uma

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doutrina política qualquer observando suas várias manifestações concretas (históri-cas) e buscando características comuns entre elas.

Todas as doutrinas teóricas e instituições políticas alteram-se com o passar do tempo. Isso ocorre porque indivíduos e grupos mudam à luz de novas circunstâncias e modificam seus usos e significados. Assim, não buscaremos oferecer aqui uma defi-nição unívoca, uniforme, que elimine as ambiguidades de cada doutrina, mas antes contextualizá-la, apresentando suas principais variações históricas, tanto no que diz respeito ao conteúdo das ideias como no que se refere às características das formações políticas derivadas delas.

Liberalismo

As condições históricas do liberalismoEmbora tenha exercido influência em muitas partes do mundo, como na América

Latina, na Austrália e em partes da Ásia (como na Índia e no Japão), o liberalismo é um fenômeno essencialmente europeu e, em menor grau, norte-americano. Mais precisa-mente, o liberalismo é um fenômeno político e ideológico típico da Europa da chama-da Idade Moderna. Foi nesse tempo e lugar que ele teve seu epicentro. Há, portanto, uma relação histórica muito próxima entre o liberalismo e os fenômenos sociais, cultu-rais e econômicos que ocorreram na Europa ocidental durante esse período. Portanto, entender algo desse contexto histórico, suas características básicas, lança luz sobre a compreensão do liberalismo.

Qual era, então, o espírito, o clima da época que influenciou o liberalismo e do qual ele próprio fez parte?

Durante os séculos XV e XVI, aprofundou-se na Europa, a partir da Itália, um grande movimento de transformações em todas as áreas da vida intelectual que viria a ser cha-mado de Renascimento. Contrastando com as concepções correntes durante a Idade Média, os intelectuais renascentistas desenvolveram uma concepção antropocêntrica, que viria atribuir mais importância ao intelecto humano, em oposição às doutrinas re-ligiosas da Idade Média e sua ênfase divina e fatalista que submetia o homem a forças extraterrenas, isto é, forças que se encontravam fora de seu raio de ação e além de sua capacidade de conhecimento.

Os renascentistas passaram a enfatizar a potencialidade criativa e libertadora do intelecto humano, acreditando que o uso da razão tornava possível a conquista e o Ci

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conhecimento do mundo. Será possível, a partir de então, deixar de aceitar as coisas tal como elas são. Paralelamente, a difusão das ideias renascentistas aprofunda os ideais humanistas e incita o desenvolvimento, no século XVIII, de um movimento intelectual que se convencionou chamar de Iluminismo e foi marcado por duas vertentes princi-pais: o Racionalismo e o Empirismo. Foi com o Iluminismo e por causa de sua aposta na tazão humana como instrumento de conhecimento e de emancipação social que surgiu a ciência moderna (BOBBIO et al., 1998).

Norberto Bobbio fornece uma boa caracterização do Iluminismo:

[...] com Descartes, há uma rejeição da tradição; a razão encontra em si mesma seu ponto de partida, eliminando pela dúvida metódica e pelo espírito crítico todo dogma e toda crença, confiante apenas nos novos métodos empírico-analíticos da ciência. Esta revolução cultural encontrará sua plenitude política no Iluminismo, quando, em nome da razão, será declarada guerra à tirania exercida sobre as consciências pelo Estado, pela Igreja, pela escola, pelos mitos e pelas tradições; quando, enfim, será dado o ponto de partida para a aplicação do espírito científico ao domínio da natureza e à reestruturação da sociedade. Tem sido este o longo processo histórico que levou o indivíduo a se sentir livre, a ter plena consciência de si e de seu valor e a querer instaurar plenamente o regnum hominis [o governo dos homens] sobre a Terra. (BOBBIO et al., 1998, p. 695)

O liberalismo está intimamente ligado às ideias iluministas e à sua atitude diante do mundo. Muitas das transformações sociais e econômicas ocorridas durante os sé-culos XVIII e XIX – da noção de igualdade à máquina a vapor – se devem aos progressos tecnocientíficos, ao desenvolvimento do capitalismo e ao advento das ideias liberais.

Além das intensas transformações em todas as áreas da vida intelectual – gerando efeitos sociais, econômicos e políticos, além de produzir novas instituições sociais –, o liberalismo se inseriu em um movimento de oposição generalizado, representado especialmente pelo Iluminismo, ao absolutismo monárquico. Desse modo, o corpo de ideias que impulsionou o liberalismo estava ligado diretamente à luta de certas classes sociais, especialmente da burguesia, contra a ordem monárquico-feudal tradicional.

O liberalismo históricoA forma assumida pelo liberalismo como doutrina e instituição política, e as

características por ele adquiridas em suas fases iniciais, estiveram relacionadas à oposição às monarquias absolutas que dominaram a Europa no fim da Idade Média. Foi, portanto, um contexto social, político, econômico e cultural particular que deu forma ao liberalismo. Prova disso é a Revolução Gloriosa na Inglaterra no século XVII, definindo a supremacia do Parlamento sobre os poderes da Coroa.

A monarquia absoluta constituiu a fase final do feudalismo e a fase inicial do ca-pitalismo comercial. Essa ordem política se apoiava em três pilares: a Igreja, o rei e a propriedade fundiária. Havia, grosso modo, três classes principais: os possuidores dos títulos nobiliárquicos (a nobreza e, no topo dela, a corte, dominada pelo rei), os que

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possuíam títulos eclesiásticos (a Igreja e seus componentes), e aqueles que não pos-suíam nada (em geral, camponeses). A Igreja contribuía para a estabilidade da ordem monárquico-feudal: economicamente, possuía terras e favorecia o modo de produção feudal; culturalmente, exercia imensa influência, já que a religião fornecia a maior parte das justificativas, dos valores e referenciais com que as pessoas pensavam e viviam. Esses valores, na maior parte das vezes, contribuíam para legitimar a ordem feudal e monárquica, por exemplo, a doutrina da fonte divina do poder do rei1, que dava supor-te simbólico e ideológico a seu poder absoluto. O rei, por outro lado, representava o Estado. Na verdade, o rei em carne e osso era o Estado.

Com o desenvolvimento do comércio europeu, lenta e sistematicamente emergiu entre aqueles que não possuíam títulos uma classe de comerciantes e de proprietários que viria a ser chamada de burguesia. Esse processo gerou uma série de transforma-ções econômicas e sociais nas relações tradicionais de produção que viriam a minar as bases da ordem feudal.

A ascensão da burguesia sob o capitalismo(MARX; ENGELS, 1982, p. 107-109. Adaptado.)

“Dos servos da Idade Média nasceram os burgueses livres das primeiras cida-des; dessa população municipal, saíram os primeiros elementos da burguesia.

A descoberta da América, a circum-navegação da África ofereceram à burgue-sia em ascensão um novo campo de ação. Os mercados da Índia e da China, a coloni-zação da América, o comércio colonial, o incremento dos meios de troca e, em geral, das mercadorias imprimiram um impulso, desconhecido até então, ao comércio, à indústria, à navegação e, por conseguinte, desenvolveram rapidamente o elemento revolucionário da sociedade feudal em decomposição.

A antiga organização feudal da indústria, em que esta era circunscrita a corpo-rações fechadas, já não podia satisfazer às necessidades que cresciam com a aber-tura de novos mercados. A manufatura a substituiu. A pequena burguesia industrial suplantou os mestres das corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes cor-porações desapareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina.

Todavia, os mercados ampliavam-se cada vez mais: a procura de mercadorias aumentava sempre. A própria manufatura tomou-se insuficiente; então, o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufatura; a média burguesia manufatureira cedeu lugar aos milio-nários da indústria, aos chefes de verdadeiros exércitos industriais, aos burgueses modernos.

1 É por isso que seu poder era absoluto, vindo daí a denominação de monarquia absoluta: por ser um “representante de Deus na Terra”, uma espécie de porta- -voz da vontade divina, não havia limitações para sua vontade, tampouco para o seu poder. Todas as funções estatais eram dominadas por ele.

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A grande indústria criou o mercado mundial preparado pela descoberta da América. O mercado mundial acelerou prodigiosamente o desenvolvimento do co-mércio, da navegação, dos meios de comunicação. Esse desenvolvimento reagiu por sua vez sobre a extensão da indústria; e à medida que a indústria, o comércio, a navegação, as vias férreas se desenvolviam, crescia a burguesia, multiplicando seus capitais e relegando a segundo plano as classes legadas pela Idade Média.

[...]

Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia era acompanhada de um progresso político correspondente. Classe oprimida pelo despotismo feudal, asso-ciação armada administrando-se a si própria nas cidades aqui, república urbana in-dependente, ali, terceiro estado, tributário da monarquia; depois, durante o perío-do manufatureiro, contrapeso da nobreza na monarquia feudal ou absoluta, pedra angular das grandes monarquias, a burguesia, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclu-siva no Estado representativo moderno.”

Características gerais do Estado liberal: a oposição à monarquia absoluta

Com o Iluminismo, o Estado se tornou uma entidade terrena, um poder tangível, produto da ação humana e passível de controle racional. Essa concepção desestabiliza um dos pilares da ordem absolutista: a legitimidade (divina) do rei.

Para o liberalismo, o Estado deve (ou deveria, já que estamos falando de ideais) ser o mandatário do povo. Só o povo pode ser o soberano, e somente o bem-estar comum (isto é, de todos) é absoluto. Disso resulta o princípio do exercício do poder sob o Estado liberal: a separação entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. A razão de tal separação é impedir o controle de todo o poder por um único indivíduo (um déspota) ou grupo determinado (os católicos, os protestantes etc.). O Estado deve estar submetido à sociedade civil, submetido ao povo, isto é, à vontade geral.

Na doutrina liberal clássica, o Poder Legislativo deveria ser o poder fundamental, prevalecendo sobre os demais (KÜHNL, 1979).

Segundo John Locke (1632-1704), a base do Estado liberal e sua principal institui-ção política é o Parlamento, que é composto pelos deputados – os “representantes do povo”. Esses deputados seriam os representantes do que mais tarde se convencionou

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chamar de a opinião pública. Para Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), somente um Parlamento que refletisse a opinião pública constituiria um governo verdadeiramente democrático (DEUTSCH, 1979).

Essa era, aliás, a condição básica para salvaguardar a liberdade dos indivíduos segundo o liberalismo clássico. O Parlamento deveria ser um local de debates racio-nais com o objetivo do bem comum. Seria o Parlamento, a partir da opinião pública, que produziria leis e normas gerais a serem aplicadas a todos os membros de uma comunidade. O Poder Executivo e o Poder Judiciário limitar-se-iam a aplicar e a julgar a validade da aplicação das normas elaboradas no Parlamento. Mais especificamente, o Judiciário seria o responsável pela aplicação e preservação da Lei, enquanto o Exe-cutivo deveria implementar decisões que, oriundas do Parlamento, representariam e realizariam o bem comum (KÜHNL, 1979). O Parlamento também fiscalizaria e imporia limites ao poder Executivo no intuito de controlá-lo, já que, segundo o liberalismo, este é o Poder que mais se assemelha ao poder dos regimes absolutistas. Idealmente, o Poder Executivo só agiria após a lei ser aprovada pelos membros do Parlamento.

Assim, o Estado liberal está baseado em uma série de premissas e prescrições de caráter filosófico e ideológico (no sentido de um conjunto de ideias políticas). Esse Estado é condicionado pelo individualismo – “indivíduos livres e iguais de direito re-gulam suas mútuas relações mediante contratos privados, livremente estabelecidos, tanto para questões econômicas ou de outro tipo” (KÜHNL, 1979, p. 252). Regulamen-tações, normas e leis são tidas, essencialmente, como acordos juridicamente sancio-nados feitos entre indivíduos. O “domínio pessoal” do Estado absolutista (manifestado pela famosa frase “O Estado sou eu”, de Luís XIV) é substituído por leis gerais e abstratas. Por princípio, as leis não são estabelecidas por e nem direcionadas para um indivíduo: elas são estabelecidas por todos (pela “vontade geral”) e direcionadas para todos (isto é, são “válidas para todos”, independentemente de raça, credo, cor, classe, gênero etc.). Nesse regime e conforme essa doutrina, os indivíduos regular-se-iam a si mesmos, sal-vaguardando a sua liberdade, o bem essencial (DEUTSCH, 1979; KÜHNL, 1979).

A função do Estado liberal consistiria em garantir acordos e elaborar “regras gerais sobre as relações entre as pessoas privadas” (KÜHNL, 1979, p. 253). Daí a ênfase do Estado liberal na defesa das várias liberdades individuais, como o direito à proprieda-de, à migração e imigração, ao livre matrimônio, à liberdade de contrato e de exercício profissional, religioso, político etc. Para os liberais, esses são “direitos naturais”, ou seja, são direitos inatos a todos os seres humanos, não cabendo ao Estado inibi-los. Como diz Kühnl: “A sociedade burguesa mantém-se como esfera da autonomia privada, en-quanto que o Poder Público se sujeita às necessidades da esfera privada.” (KÜHNL, 1979, p. 255)

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Qualquer intervenção estatal para privilegiar alguns (ainda que sejam aqueles que nada possuem) é vista como uma violação do princípio da igualdade de todos pe-rante a lei. A política de cotas nas universidades (com base na cor ou na renda, visa-se a garantir um número de vagas a determinadas pessoas) é um exemplo de política anti-liberal. Para os liberais, o Estado não tem como finalidade garantir a justiça social, a qual deveria ser obtida na própria esfera privada por meio da operação do livre-mercado e conforme as capacidades individuais (“méritos”) de cada um. Como se supõe que todos os indivíduos sejam igualmente racionais e capazes de perseguir a realização de sua felicidade, não haveria problemas na distribuição e na alocação de recursos – desde que os indivíduos fossem deixados realmente livres para produzir e comercializar. O mercado tenderia, portanto, a um equilíbrio “natural”, estabelecendo espontaneamen-te a justiça material.

Mérito e cotas: dois lados da mesma moedaOs argumentos de críticos e defensores de políticas afirmativas convergem em

um ponto: para ambos, haveria uma oposição entre a instituição da meritocracia como regra para recrutamento acadêmico e a implantação de mecanismos com-pensatórios, sociais ou raciais. Adversários das cotas, retomando uma espécie de re-tórica da ameaça [...] afirmam que sua adoção eliminaria o mérito e o conhecimento prévio, premiando os menos capazes, com efeitos agregados sob a forma de medio-crização universitária. Defensores das cotas subestimam o significado racionalizador de instituições meritocráticas, resumindo a discussão com o argumento de que fins socialmente justos justificam a adoção dos meios necessários para atingi-los.

O equívoco de ambos consiste em não perceber a coerência existente entre meritocracia e a adoção de uma regra de cotas como procedimento para a ocupa-ção de vagas universitárias. [...]

Meritocracia constitui um sistema distributivo, que confere de modo desigual vagas e títulos universitários, premiando a capacidade, responsabilidade e talento individuais. Para que seja justo, é preciso que esteja baseado em uma efetiva igual-dade de oportunidades, julgando apenas o esforço e competência individual, e não o sobrenome (o que, parece óbvio, não constitui mérito próprio). Dessa forma, insti-tuir um sistema de cotas é a alternativa eficaz e racional para assegurar um indispen-sável critério meritocrático, como procedimento para o recrutamento aos bancos universitários. (MARENCO, 2009)

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Tipos específicos de liberalismoHá vários movimentos intelectuais que se desenvolveram nos séculos XVIII e XIX

e que se chamaram ou foram chamados de liberalismo: o liberalismo jurídico, o libera-lismo econômico (ligado à Economia Política clássica) e o liberalismo político (ligado à filosofia política).

O liberalismo jurídico focava os aspectos institucionais do Estado a fim de garantir uma estrutura jurídico-política (“constitucional”) capaz de preservar, em lei, os direitos individuais. De viés formalista, esse gênero de liberalismo orientava-se para conservar as liberdades conquistadas no período das revoluções burguesas (na Inglaterra e na França), especialmente aquelas liberdades ligadas aos direitos de propriedade e ao exercício da cidadania.

Já o liberalismo econômico corresponde à tradição da Economia Política inglesa, representada por autores como Adam Smith e David Ricardo. Baseia-se na ideia de que o máximo de realização humana depende da busca individual pela felicidade. Inspi-rado nos fisiocratas franceses, esse liberalismo é adepto da doutrina do laissez-faire, a qual imagina que a economia possui leis próprias que tendem ao equilíbrio sempre que os indivíduos forem livres para produzir e consumir. Movidos por interesses parti-culares, os indivíduos atuariam no mercado a partir de cálculos e expectativas plena-mente racionais. Sendo todos igualmente livres e igualmente racionais, a tendência era que a riqueza gerada fosse naturalmente distribuída, já que a economia, quando livre de entraves, permite o franco desenvolvimento da racionalidade individual (tida como universal), atingindo por essa via o equilíbrio entre justiça e direito.

O liberalismo político, enfim, presta uma atenção especial ao exercício do poder no interior do Estado. Defende o regime parlamentar por considerar a luta política no Legislativo como a realização do “princípio do justo meio”, ou seja, “a autêntica expres-são de uma arte de governar capaz de promover a inovação, nunca porém a revolução” (BOBBIO et al., 1998, p. 688). Na prática, dependendo das circunstâncias históricas, os adeptos do liberalismo político oscilaram entre o simples comprometimento com a autonomia do Poder Legislativo (defendendo o embate parlamentar, mas sem modi-ficar o desequilíbrio do poder de representação de cada classe) e uma posição mais inovadora que estimulasse a mobilização de novas energias e forças políticas no curso dessa luta institucional.

Foi exatamente a ampliação da representatividade social do Parlamento (mais classes sociais e classes sociais diferentes usufruindo do direito de nomear represen-tantes) que conduziu ao encontro entre o liberalismo e a democracia – ainda que liberal não seja, necessariamente, sinônimo de democracia. Questões como o sufrágio univer-sal, a igualdade política e a igualdade social não constituíam originalmente focos de atenção do liberalismo político, especialmente em virtude das tendências socialistas e Ci

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revolucionárias que passaram a acompanhar essas reivindicações a partir da Revolu-ção Francesa (1789).

SocialismoA oposição à ordem capitalista/liberal

O socialismo é uma doutrina política que combate o capitalismo, identificando o regime capitalista com a ordem socioeconômica correspondente à ideologia/doutri-na liberal. Mencionaremos sucintamente as principais razões da oposição entre essas duas correntes e como isso deu forma à doutrina socialista.

O liberalismo traz para o centro do debate político a questão da liberdade indi-vidual. Segundo Umberto Cerroni, é esse o “o grande mérito histórico do liberalismo” (CERRONI, 1986, p. 62). Para os socialistas e os críticos do liberalismo em geral, a liber- -dade individual é, contudo, estritamente formal. O argumento principal por trás dessa ideia é, grosso modo, o seguinte: o liberalismo possui uma visão essencialista e trans-histórica do que considera serem os “direitos do indivíduo”; ou seja, ele não concebe que os direitos, as leis, os deveres, os valores e as instituições sejam produtos sociais e históricos, mas, ao contrário, crê que sejam fenômenos “naturais”.2 As leis e valores contrários a tais “direitos naturais” são vistos como arbitrários e artificiais, devendo ser suprimidos para que a vida cultural e econômica “tome seu curso natural”. Dentre esses direitos, um deles é especialmente exaltado: o direito de propriedade. A propriedade é, para os liberais, um direito natural, e o desfrute que, em vida, os indivíduos podem obter dos “direitos naturais” depende apenas de suas faculdades naturais e inatas.

Muitos críticos, especialmente os socialistas, dirão que os pretensos “direitos na-turais” do indivíduo são, na verdade, produto de uma tentativa de naturalizar um inte-resse de classe específico e legitimar uma ordem social desigual. A declaração da pro-priedade como “direito inato”, por exemplo, constituiria uma arma da burguesia para estabelecer um privilégio social. E esse privilégio é a base de seu poder político.

Para a doutrina socialista, a “opinião pública” a que se referem os liberais é, em essência, a opinião da classe dominante; e a representação política existente no Par-lamento defende, em última instância, os interesses da classe dominante. Dessa pers-pectiva, o papel do Estado liberal não é “defender as liberdades individuais”: é conser-var uma sociedade desigual.

2 Naturalização é o nome que se dá ao ato político de fazer algo que é uma construção social e histórica parecer natural, ou seja, fazer parecer algo próprio da natureza. Se algo é natural, então é necessariamente verdadeiro e autoevidente, não sendo possível recusá-lo ou evitá-lo, já que é próprio da “natureza das coisas”. A naturalização é uma tática política bastante eficaz, pois se as pessoas passam a reconhecer certas instituições sociais como naturais, eternas e inevitáveis, essas insitutições adquirem imensa legitimidade, estando acima de qualquer suspeita ou questionamento. Assim, a naturalização retira interesses historicamente determinados e politicamente instituídos do campo da ação histórica, tornando-os imunes à luta política.

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O socialismo científico de Karl MarxAs principais ideias socialistas foram desenvolvidas pelo filósofo e economista

alemão Karl Marx em parceria com Friedrich Engels (1820-1895). Na obra clássica inti-tulada Política e Governo, Karl Deutsch (1912-1992) dedica um capítulo inteiro à síntese da doutrina política elaborada por Marx e Engels. Partiremos de Deutsch para sinteti-zar os aspectos mais gerais do que é conhecido como socialismo científico.

SocialismosO socialismo marxista não é a única forma de doutrina socialista existente na

história, mas é sem dúvida a principal. Ainda que existam discussões acerca de um socialismo não marxista, como o liberal-socialismo, persiste que a tradição marxista conferiu a fisionomia adquirida pela doutrina socialista a partir do século XIX até os dias de hoje.

Para Deutsch, Marx investe no estudo das diversas ciências (Economia, Filosofia, Direito) para entender o funcionamento da história e das sociedades humanas. Sua intenção seria, além de tudo, apresentar e batalhar por uma solução para os problemas sociais, políticos e econômicos das sociedades capitalistas. Daí a expressão socialismo científico, ou seja, uma doutrina política fundada em uma análise pretensamente cien-tífica (sociológica, econômica) do funcionamento das sociedades.

Para Marx e Engels, a lógica da luta de classes é o que confere ordem e inteligi-bilidade à história humana. É por meio desse pressuposto que eles estabelecem leis objetivas e tendências gerais em ciências sociais. A lei da evolução histórica é chama-da de materialismo dialético ou materialismo histórico. São essas filosofias científicas – materialistas – que, explicando as contradições sociais derivadas da luta de classes, explicam a razão pela qual as sociedades mudam.

Diz-se materialista porque a base das transformações decisivas são as condições materiais nas quais os indivíduos vivem, ou seja, a base econômica, o sistema ou modo de produção. E é dialética porque no interior de uma ordem determinada (tese), a partir de suas próprias características, geram-se, espontaneamente, contradições (antítese) que conduzem a uma situação de crise profunda que, por sua vez, gera uma nova ordem (síntese) possuidora de características opostas à anterior.

Esse dinamismo histórico pode ser percebido nas quatro principais fases do desen-volvimento histórico, definidas por Marx segundo seu modo de produção específico:

comunismo primitivo, que corresponde às sociedades primitivas sem classes;

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escravismo, correspondente às sociedades baseadas na força de trabalho escrava;

feudalismo, baseado em um sistema constituído por uma minoria de grandes proprietários, uma aristocracia guerreira apoiada na propriedade daqueles, e uma classe de camponeses (servos) explorada por ambos; e

capitalismo.

Este último modo de produção marca o período de ascensão e domínio de uma nova classe social, a dos proprietários dos meios de produção (a burguesia e suas várias frações), responsável pelas transformações técnicas que marcaram a Idade Moderna.

O socialismo seria o modo de produção que seguiria, historicamente, o capitalismo. Marx o deduz3 a partir de várias características que percebe na própria condição objeti-va do proletariado no capitalismo: o proletariado seria a antítese direta da burguesia – e a sua superação. O socialismo marcaria então a ascensão do proletariado como nova classe dominante e o enriquecimento material coletivo, conduzindo a uma sociedade industrial moderna sem classes e de abundância econômica – o comunismo.

Além da condição do proletariado, Marx também apoia suas deduções a partir de características (que considerava) objetivas no modo de produção, oriundas das rela-ções de propriedade e de produção do capitalismo – sua base econômica, enfim. Para Marx, a essência do sistema capitalista é a exploração dos trabalhadores e estaria base-ada na combinação dos seguintes elementos:

divisão entre proprietários e não proprietários dos meios de produção;

teoria do valor-trabalho; e

teoria da mais-valia.

A teoria do valor-trabalho afirma que o valor de qualquer produto deriva sempre da quantidade de trabalho despendido em sua produção. O trabalho como a fonte do valor de todo bem ou produto (“mercadoria”) é, para Marx, uma lei geral de economia, aplicando-se a qualquer sociedade ou modo de produção. A separação do trabalho de seu rendimento imediato, ou seja, a separação entre uma classe de proprietários dos meios de produção (a burguesia) e outra de não proprietários (o proletariado, os trabalhadores) constitui a especificidade do capitalismo. Unindo a teoria do valor-trabalho e a separação entre o trabalho de seu rendimento temos necessariamente, para Marx, a mais-valia.

Em que consiste a mais-valia? Como a fonte de todo valor é sempre o trabalho, a fonte ativa da riqueza seria o proletariado. Contudo, a riqueza produzida pelo proleta-

3 Lembramos que não existia nenhuma nação socialista na época de Marx, que morreu em 1883: a União Soviética viria a ser o primeiro país socialista apenas em 1917.

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riado não é apropriada por ele, mas pelo proprietário dos meios de produção – o ca-pitalista (a classe burguesa). É isso o que significa a expressão separação do trabalho de seu rendimento imediato: a riqueza gerada pelo trabalho é apropriada pelos que con-tratam o trabalho. Porém, a riqueza que retorna ao trabalhador – em forma de salários – é sempre muito inferior à riqueza que o próprio trabalho gerou.4

Esse fenômeno, que inicialmente geraria crises sucessivas, seria suficiente para dar fim ao capitalismo. Mais tarde, Marx tornou seu modelo mais complexo e assumiu a possibilidade de o capitalismo persistir mais em virtude de modificações e corre-ções em sua configuração econômica. Um exemplo disso é quando há a exploração de países por “nações capitalistas”, o que promoveria a melhora na condição geral dos operários suprimindo temporariamente seu ímpeto revolucionário. Esses movimen-tos, contudo, produziriam novas situações de crise, como “uma consequente cadeia de guerras mundiais, de depressões e de sofrimento das massas” (DEUTSCH, 1979, p. 133) que conduziriam os operários dos países capitalistas mais desenvolvidos à tomada de posição revolucionária.

A subida do proletariado ao poder marcaria a fase inicial do socialismo. Teria início então, por meio da ditadura do proletariado (o governo da maioria sobre a minoria), o processo de destruição do poder econômico e social da burguesia e a socialização dos meios de produção. A socialização dos meios de produção consiste no principal meio de se acabar com a exploração ao se suprimir separação entre o trabalho e seu rendi-mento, pondo fim à separação fundamental entre classes que existe no capitalismo. No decorrer do regime socialista, contudo, ainda existiriam classes sociais, escassez econômica e o Estado.

O comunismo seria a conclusão histórica possível (e desejável) da fase socialista, o resultado aprazível e obsequioso de um período de ajustamento sociopolítico e de de-senvolvimento tecnoeconômico. Aí a economia seria racional e a sociedade seria rica o bastante para que as pessoas pudessem adquirir bens em função de sua necessidade, não havendo distinções de classe. Todas as sociedades formariam uma humanidade unificada.

Aspectos político-econômicos do socialismoOs aspectos econômicos são de importância fundamental na doutrina socialista.

Na verdade, o caminho para uma sociedade comunista de abundância material e jus-tiça social constrói-se, principalmente, pela via econômica. É lógico, portanto, que as tentativas reais de implementação do regime socialista enfatizassem a política econô-

4 Por exemplo: um programa operacional, “produto” do trabalho do programador de computador, valerá dezenas de milhares de reais, mas a parcela dessa riqueza dada a ele será ínfima, pois a maior parte será apropriada pelo capitalista. Assim, a fonte dos lucros da empresa é a exploração do trabalhador. A mais--valia é precisamente a parcela do valor gerado pelo trabalhador que foi apropriada (isto é, não paga) pelo capitalista.Ci

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mica. Disso deriva que compreender as características econômicas dos regimes socia-listas reais é imprescindível para conhecê-los.

A principal característica das economias socialistas durante o século XX foi o fato de elas serem planejadas; daí a expressão economias planificadas. Para os socialistas, a economia de mercado, típica das sociedades capitalistas, é “anárquica”, irracional, de-sorganizada e ineficiente, com um descompasso estrutural entre a oferta e a demanda de bens e serviços e graves assimetrias na alocação de recursos, gerando acentuada desigualdade socioeconômica. Lembramos que, em teoria, a finalidade do socialismo é uma sociedade ao mesmo tempo economicamente rica e socialmente justa. Trata-se, portanto, de suprimir as classes sociais e, junto com elas, as desigualdades que estão em suas bases. Para atingir esse objetivo, os países que adotaram o regime socialista recorreram ao planejamento de toda a economia: queriam, dessa forma, construir uma economia absolutamente racionalizada.

Atingir o nível de desenvolvimento avançado idealizado com o comunismo não mostrou, todavia, ser tarefa fácil. Como realizar uma economia ao mesmo tempo plane-jada, racionalizada e socialmente justa? Como planificar eficientemente a economia? Em primeiro lugar, era preciso acabar com a propriedade privada, que seria a fonte das desigualdades sociais. Em todos os países, o Estado foi o meio utilizado para acabar com a desigualdade. Os meios de produção, que antes eram propriedade privada dos capitalistas, sob o regime socialista passam a ser propriedade do “Estado proletário”.

O regime de produção socialistaA propriedade no principal país socialista, a União Soviética, era gerida, grosso

modo, da seguinte forma: cada empresa ou fábrica possuía um diretor de fábrica, que basicamente exercia o papel de direção e administração de um empresário capita-lista. O diretor era apontado pela administração central e geralmente provinha dos quadros do próprio Partido Comunista. Além disso, administração central também definia o montante de recursos a serem aplicados e as metas e cotas de produção. O diretor era incumbido de atingir essas metas.

Para fiscalizar o diretor, a administração central inicialmente utilizava a supervi-são ministerial; a partir da reorganização industrial de 1957, esse papel foi relegado às unidades de administração regional (oblasts), no interior da quais se estabelece-ram conselhos econômicos regionais, os sovnarkhozes. Um conselheiro, apontado pelo Partido, coordenava o conselho e era o principal responsável pela fiscalização dos diretores de determinada unidade administrativa.

Desse modo, a administração central, constituída e dirigida por quadros do Par-tido Comunista, buscava controlar a produção econômica, estabelecendo o plano

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de produção, que definia as metas e as cotas a serem atingidas, bem como descre-via os meios que deveriam ser tomados de modo a atingi-las. O plano deveria ser aplicado em nível regional pelos diretores, e a administração buscava se certificar de que eles estavam cumprindo as diretrizes do plano por meio dos secretários dos conselhos regionais.

Socialismo científico: ciência ou doutrina política?Umberto Cerroni sintetiza uma crítica comum feita ao socialismo científico ao

dizer que “perde-se de vista quando a análise marxiana deixa de ser científica e começa a tornar-se demasiado político-prescritiva” (CERRONI, 1993, p. 67-68). Muito do que Marx apresenta como uma “previsão”, isto é, como uma antecipação científica de um processo histórico objetivo (com certo caráter teleológico) acaba mostrando-se, em vários aspectos e em várias circunstâncias da luta política socialista, como um projeto político.

Parece-se lançar mão da tática, muito comum em matéria de doutrinas e ideologias políticas, de dizer como as coisas “são” ou como elas “serão” para, na verdade, transformar o presente ou determinar o futuro que, sem a “previsão”, tornar-se-ia algo improvável ou mesmo impossível. Assim, diz-se o que a realidade “é” para na verdade transformá-la naquilo que se deseja que ela seja. Fala-se de um “ser” quando na verdade está se falan-do em um “dever ser”. Assim, o aspecto político da doutrina socialista ou do socialismo científico passa a superar e mesmo a suprimir o aspecto científico. Isso também ocorre com o liberalismo no caso das democracias liberais: o liberalismo econômico milita para que a realidade funcione de acordo com seus preceitos; da mesma forma, o socialismo milita para que o futuro ocorra de acordo com as “previsões” de sua teoria.

Fascismo

Características históricas geraisO fascismo pode ser entendido como uma reação ideológica ao mesmo tempo

contra o liberalismo, o socialismo e a democracia parlamentar. Mas não é possível falar do fascismo em abstrato, destacando-o da realidade concreta. O núcleo ideológico da doutrina fascista e os aspectos institucionais de seu regime estão ligados à experiên-cia histórica alemã (o período nazista) e italiana. Porém, outras experiências “fascistas”,

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como o regime imperial japonês que sucedeu à restauração Meiji, também denun-ciam circunstâncias comuns que conduzem a regimes políticos de tipo fascista. A partir desses casos, vamos apresentar as condições históricas gerais que marcaram a ascen-são dos fascismos históricos.

Em sua obra clássica intitulada As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia, o sociólogo e historiador Barrington Moore Jr. compara as circunstâncias históricas de vários países que tiveram regimes fascistas e identifica que, onde ocorreu uma aliança entre a burguesia (especialmente quando esta é política e economicamente fraca) e a aristocracia agrária (especialmente quando esta é forte) contra os camponeses, tende--se a gerar uma “modernização conservadora” com inclinações ao fascismo. Tal oposi-ção da elite contra os camponeses não é explícita ou mesmo deliberada: trata-se do resultado prático de uma aproximação entre as classes proprietárias e a aristocracia que ocorre tendo como base as circunstâncias e os interesses imediatos de cada grupo. É isso que os leva a se aproximarem política e economicamente, causando, a longo prazo, prejuízos aos camponeses (MOORE JR., 1983).

Foi comum o apoio dos camponeses aos regimes fascistas concretos. Isso ocorre pelo fato de os camponeses terem sido prejudicados pela ascensão do comércio e do capitalismo em seus países sem, contudo, terem se transformado em operários urba-nos. Foi assim na Alemanha, na Itália e no Japão. Ainda que ali a coligação entre a forte aristocracia rural e a fraca burguesia urbana tenha prejudicado os camponeses, eles apoiaram o regime atraídos pela ideologia reacionária, apologética dos valores tradi-cionais e do mundo rural, em relação aos quais nutrem tanto apreço, especialmente em uma ordem em que são cada vez mais marginalizados pelo desenvolvimento do capitalismo industrial.

Os fatores gerais estão presentes em países que tiveram regimes fascistas e são:

a existência de um “impulso burguês” muito mais fraco que nos países condu-zidos por democracias liberais, como a Inglaterra;

a existência de uma coligação entre classes burguesas relativamente fracas e frações dissidentes de classes rurais aristocráticas fortes contra os camponeses e operários urbanos;

a coligação entre a burguesia fraca e a aristocracia forte, gerando um desenvol-vimento econômico associado a uma democracia fraca e instável que conduz ao fascismo;

as transformações econômicas oriundas do desenvolvimento do comércio e do desenvolvimento capitalista gerando tensões sociais e culturais que tomam uma forma política reacionária por meio da qual se tenta conservar valores e instituições de um passado romantizado;

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as transformações econômicas produzindo profundas mudanças na socieda-de, mas a partir de instituições e valores tradicionais.

Esses fatores não ocorrem imediatamente antes de um regime fascista ser imple-mentado: são fatores históricos de médio prazo, que ocorrem a partir do momento em que a modernização política e econômica ganha força nesses países.

Além disso, em todas as experiências fascistas ocorridas até hoje houve claro apoio ao movimento fascista por parte de setores das classes burguesas estabelecidas, isto é, a aceitação ativa ou passiva do regime fascista por setores “liberais”. As principais razões de tal aceitação são a preservação dos interesses político-econômicos dessas classes e a necessidade de “desmobilização parcial e talvez temporária das classes infe-riores” (GERMANI, 1979, p. 262).

É um fato comum, durante a história ocidental moderna, as classes médias e su-periores abrirem mão da democracia e assumirem posições políticas autoritárias face ao risco de piorarem a sua condição socioeconômica ou à iminência de uma revolução das classes inferiores, contrariando mesmo os preceitos liberais que eventualmente defendem quando a ordem social, política e econômica funciona de forma adequada a seus interesses. Certas configurações dessas circunstâncias podem conduzir essas classes a defenderem regimes fascistas.

Elementos doutrinários do fascismoTodos os regimes fascistas são ditatoriais, antidemocráticos, antiparlamentares e

monopartidários. Vejamos como essas características se integram no caso do fascismo alemão, o nazismo.

Existe um nítido processo de transformação nas posições político-ideológicas dos nazistas que ilustra tal integração. Em primeiro lugar, os inimigos dos nazistas são o Estado liberal e a democracia parlamentar. No que pode ser chamado de primeira etapa, a arma dos nazistas foi atacar a democracia parlamentar, denunciando o que acreditavam ser sua ineficácia decisória e o caráter fictício, abstrato de seus ideais.

O Estado liberal, segundo a doutrina fascista(NEUMANN, 1979, p. 269)

O Estado liberal é “neutro e negativo”, diziam eles [os fascistas], uma mera má-quina. Para usar a expressão de Lassalle, é “um Estado gendarme”. Portanto, é um Estado “sem substância” – incapaz de chegar a decisões, ou de determinar o que é bom ou mau, justo ou injusto. A ideia de liberdade degenerou a ponto de se confun-

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dir com a anarquia. [...] A democracia é o governo da “massa desorganizada”, um agre-gado de Robinsons Crusoes e não um povo. Seu princípio é a “contagem de cabeças” e seus parlamentos, dominados por grupos privados, são arenas de luta selvagem pelo poder. A lei serve apenas aos interesses privados; os juízes nada mais são do que peças de uma máquina. O liberalismo e a lei, de fato, excluem-se mutuamente, embora se tenham aliado temporariamente através de [variados] expedientes.

Carl Schmitt, um dos principais ideólogos do nazismo, tece as seguintes críticas ao parlamentarismo e à democracia:

Hoje a discussão parlamentar nada mais é que um expediente para deixar registradas decisões já tomadas anteriormente. Todo deputado fica manietado pela rígida disciplina partidária. Ele não se atreveria a deixar-se desviar por um oponente. O debate é uma farsa. Os discursos são feitos para constar das atas. Como as principais decisões são tomadas em comitês secretos ou em negociações informais entre os grupos que estão no controle, até mesmo o caráter público do debate é uma fraude. [...] O parlamento também já não é exclusivamente um órgão legislador; é antes um administrador, e aliás, muito ineficiente. Na era do capitalismo de monopólio, as leis se tornaram instrumentos para ocultar decisões individuais. A homogeneidade do povo é quase inexistente. O sistema pluralista substituiu por muitas lealdades a lealdade básica para com a nação. O princípio federativo, protegendo interesses particulares, tornou ridícula a ideia da soberania do povo unido. (SCHMITT apud NEUMANN, 1979, p. 270-271)

Essas críticas eram acompanhadas de uma defesa do poder absoluto (de admi-nistrar e legislar) do presidente. Sendo o presidente o “eleito do povo”, seria ele a única representação legítima, devendo ter poder absoluto.

Na segunda etapa, essa concepção evolui para a defesa do Estado totalitário, re-presentado como a verdadeira democracia. Partia-se da ideia de que o presidente e depois o Estado totalitário eram a única representação da vontade do povo.

Este elemento é muito importante: geralmente há uma relação quase simbiótica entre o que os fascistas chamam de povo e o Estado, que na Alemanha, mais tarde, transformar-se-ia na relação entre povo e partido nazista. À medida que conflitos po-líticos e ideológicos entre elementos da burocracia e quadros do partido nazista se in-tensificavam, a situação levou os nazistas a subordinarem o Estado a si, tanto na teoria como na prática. O partido seria a única e verdadeira instância de purificação e salva-ção nacional, e o Estado seria mero instrumento para atingir tal finalidade.

Somente os aspectos antidemocráticos e totalitários, contudo, não são suficientes para definir o fascismo, pois eles marcaram também outros regimes, como os “parti-dos comunistas, os socialismos africanos, os nacionalismos sul-americanos e asiáticos e os movimentos políticos muçulmanos integralistas” (CERRONI, 1993, p. 70). No plano histórico, o fascismo se distingue do comunismo por se tratar de uma forma de moder-nização conservadora e mesmo reacionária, de características paradoxais, que busca restaurar um passado idealizado ao mesmo tempo em que implementa uma moder-

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nização econômica (o desenvolvimento da indústria moderna). Um exemplo disso é o ideal de expansão e de hegemonia nacional. Nos casos alemão e japonês, havia um projeto de expansão para restaurar a “grandeza da Nação”, que era vista como algo que foi perdido. Mas tal expansão, necessária para trazer de volta o “passado mítico”, só seria realizável por meio do domínio bélico, exigindo, portanto, uma economia in-dustrial moderna.

No plano ideológico, o substantivo povo, entendido como elemento racial, é um fenômeno ideológico extremamente importante no imaginário fascista. Refere-se ao ideal de unidade e pureza nacional: todos os indivíduos da nação devem possuir deter-minadas propriedades essenciais que os distinguem dos estrangeiros – e que os torna superiores a estes.

O partido é, por sua vez, representado como a expressão necessária do “povo”: a perfeição, a pureza, a riqueza, a dignidade e todas as virtudes humanas, próprias de uma Nação superior, emanam do “povo”, estando presentes também, por dedução, no partido. O “destino” do partido é purificar o povo e salvá-lo da “degeneração”. Seguindo essa lógica, o líder do partido torna-se uma espécie de messias incumbido do destino de liderar o movimento de purificação e libertação danação. Esse aspecto mitológico e mesmo mágico também é uma característica fundamental do fascismo, especialmente o alemão e o italiano. Aqui reside a principal frente de oposição contra os movimentos de esquerda, acusados de deturpar e contribuir, inclusive racialmente, para degenerar os valores da nação.

O fascismo é um fenômeno típico da modernização tardia. As transformações econômicas causadas pelo progresso abrupto do capitalismo constituem uma ameaça aos valores tradicionais, outra ameaça residindo obviamente no socialismo e no co-munismo. Tal progresso, contudo, não gera uma forte burguesia urbana, porque ele ocorre sob os auspícios da aristocracia agrária e das estruturas sociais e políticas pree-xistentes. A partir da exaltação dos valores tradicionais, são exaltados certos ícones do imaginário popular, em especial aqueles pertinentes às circunstâncias da classe média vulgarizada e da elite “deslocada” (ou em ameaça de sê-lo), como a disciplina, a hierar-quia e a autoridade, que ganha tons apologéticos.

Tal força dos valores tradicionais está ligada à manutenção de laços sociais e es-truturas econômicas herdadas do período feudal e monárquico. Sua manutenção não ocorre em sociedades que passaram por um lento processo de modernização e abur-guesamento (como a Inglaterra) ou por grandes revoluções burguesas (como a França e, em menor grau, os Estados Unidos), e é por esse motivo que essas sociedades foram mais resistentes ao fascismo, a ponto de ele efetivamente não ter obtido sucesso.

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ConclusãoApresentamos uma definição histórica das três principais doutrinas políticas da era

moderna: liberalismo, socialismo e fascismo. Abordamos tais doutrinas a partir de duas dimensões fundamentais: o conteúdo de suas ideias, manifestas nos discursos e nas ações políticas de seus representantes; e as características das instituições políticas que constituíram os regimes. Tais elementos foram apresentados relacionando-os a contex-tos históricos concretos, o que permitiu perceber que eles são objetos da luta política.

Texto complementar

A falência da democracia liberal(CAMPOS, 1940, p. 27-30)

[...] as instituições representativas já não têm um conteúdo espiritual que sirva de polo a um sistema de crenças essencial para garantir a duração de todas as ins-tituições humanas. A categoria da discussão, que era o processo forjado pelo libe-ralismo para instrumento intelectual das decisões políticas, já não comporta, pela própria natureza de que se reveste o fenômeno político, os termos entre os quais se arma a curva de tensão dos conflitos sociais e econômicos do mundo contemporâ-neo. As formas parlamentares da vida política são hoje resíduos destituídos de qual-quer conteúdo ou significação espiritual. As próprias massas já perceberam que as tensões políticas se deslocam para outro plano de dimensões proporcionais às das forças em conflito, e que não se trata, no processo político, de resolver uma diver-gência de ideias ou de pontos de vista intelectuais, mas de compor um antagonis-mo de interesses, cada um dos centros em conflito fazendo o possível para reunir a maior massa de forças, a fim de que a decisão final lhe seja inteiramente favorável.

Na própria imprensa, em que de modo mais fiel se refletem os interesses do dia, observa-se, em todos os países, uma indiferença crescente pelo que se passa nos parlamentos. Ninguém, hoje, tem dúvidas de que o meridiano político não passa mais pelas suas antecâmaras ou pelas suas salas de sessões. O centro de gravida-de do corpo político não cai onde reina a discussão, mas onde impera a vontade.

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Os corpos deliberativos deixaram de deliberar. A linguagem política do liberalismo só tem um conteúdo de significação didática, ou onde reinam os professores, cuja função é conjugar o presente e o futuro nos tempos do pretérito. Para as decisões políticas uma sala de parlamento tem hoje a mesma importância que uma sala de museu. [...]

Na Alemanha, enquanto um parlamento em que já houve o maior número de partidos procurava inutilmente chegar a uma decisão política mediante os métodos discursivos da liberal-democracia, Hitler organizava nas ruas, ou fora dos quadros do governo, pelos processos realistas e técnicos, por meio dos quais se subtrai da nebulosa mental das massas uma fria, dura e lúcida substância política, o controle do poder e da nação.

Na França, quando se trata das grandes e graves questões, em que a opção envolve riscos e abre margem ao perigo, o parlamento, numa ostensiva confissão da sua abulia, transmite os plenos poderes a um César temporário.

Quem quiser saber qual o processo pelo qual se formam efetivamente, hoje em dia, as decisões políticas, contemple a massa alemã, medusada sob a ação carismá-tica do Fuehrer, e em cuja máscara os traços de tensão, de ansiedade e de angústia traem o estado de fascinação e de hipnose.

Só podem ter dúvidas sobre o áspero clima político, em cuja atmosfera carrega-da de tensão mal começamos a penetrar, os homens que vivem em estado de inge-nuidade em relação à experiência imediata, ou num mundo de satisfação simbólica de desejos, em que tudo se passa como nos contos azuis [...].

Esse mesmo estado de espírito é que julga possível realizar, por processos ra-cionais, não só a integração política nacional, mas igualmente a internacional, ou a organização de toda a humanidade numa comunhão de interesses e de fins. Para ele, com efeito, o conceito de política é o conceito que os professores costumam dar da política nos recintos herméticos onde se fabricam modelos da realidade não à imagem desta, mas à imagem dos sonhos ou dos arquétipos platônicos que a ima-ginação propõe aos nossos desejos. O mesmo pensamento liberal, que concebia a política interior como um conflito de ideias, suscetível de resolver-se mediante os métodos da inteligência discursiva ou da dialética forense, transpondo esse concei-to para o plano mundial, julgou possível realizar a organização de uma comunidade internacional, criando um Fórum Mundi, em que um grupo de juristas, assistido por uma equipe de técnicos, ponha e resolva em termos de razão a massa irracional de motivos por força dos quais se arma entre as nações um arco de tensão política e econômica, sempre mais refratário a qualquer tratamento racional ou ideológico.

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Atividades

Apresentar uma definição adequada de uma ideologia política como o libera-1. lismo, o socialismo e o fascismo não é uma tarefa fácil como parece a princípio. Há muitos problemas de método que tornam essa tarefa um desafio. Mencione alguns desses problemas e explique, a partir deles, como se faz uma definição científica adequada das ideologias políticas.

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Compare o liberalismo, o socialismo e o fascismo e procure contrastá-los entre 2. si, descrevendo as principais características que os distinguem e os opõem.

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Doutrinas políticas da era m

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Entre as doutrinas políticas apresentadas, qual é, em sua opinião, a mais ade-3. quada? Desenvolva o seu argumento justificando suas proposições utilizando como base as definições apresentadas.

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Grupos, interesses e representação política

A burguesia vive em luta permanente; primeiro, contra a aristocracia; depois, contra as frações da própria burguesia cujos interesses se encontram em conflito com o desenvolvimento da indústria; e sempre contra a burguesia dos países estrangeiros. Em todas as suas lutas, vê-se forçada a apelar para o proletariado, a recorrer a sua ajuda e desta forma arrastá-lo para o movimento político. A burguesia fornece aos proletários os elementos de sua própria educação política, isto é, armas contra ela própria.

Karl Marx e Friedrich Engels

Quantas vezes não ouvimos em conversas informais e em discursos solenes, não lemos nos jornais e em revistas científicas (destinadas exclusivamente aos acadêmicos) expressões tais como “o Estado pretende impor”, “o governo defende”, “o Brasil propõe” ou, como na epígrafe acima (retirada de O manifesto do partido comunista (1848), obra seminal do pensamento político do século XIX), “a burguesia vive em luta [...] contra a aristocracia”; “a burguesia fornece”? O que tais sentenças possuem em comum é a crença de que coletividades (o Estado, a burguesia, o governo etc.) são capazes de agir como se fossem um único indivíduo, e não um aglomerado deles.

Somos bombardeados por esse tipo de frase com tal intensidade que se torna cada vez mais difícil formular uma questão bastante simples: como as coletividades agem? As ações (pensar, desejar, lutar) não são características exclusivas dos indivídu-os? E não seriam apenas estes indivíduos a terem capacidade de formular objetivos e interesses e, portanto, traçar estratégias racionais para realizá-los?

Não custa lembrar aqui que o sociólogo e economista alemão Max Weber (1864-1920) define ação como um comportamento dotado de significado subjetivo para aquele que o executa – dotado, portanto, de um sentido mental. Torna-se óbvia, logo, a vinculação entre ação e subjetividade. Ora, todos nós sabemos que coletividades (a Igreja, o Estado, o proletariado) não possuem subjetividade, não pensam nem sentem. Como dizer então que agem? E, mais ainda, que agem politicamente, ou seja, que in-terferem de forma estratégica nas disputas pela distribuição dos poderes e privilégios de uma dada sociedade?

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Se na linguagem cotidiana ou na linguagem política (como é o caso, aqui, do Ma-nifesto de Marx e Engels) o uso de coletivos como sujeitos da ação não chega a ser de todo incompreensível – já que tais formas de discurso não possuem como meta a elu-cidação de causalidades ou a construção de argumentos precisos, mas apenas a cria-ção de laços sociais ou rivalidades entre os interlocutores, por meio, por exemplo, dos slogans que abundam em propagandas eleitorais e programas de partido –, na lógica da pesquisa científica (e na linguagem que a expressa) esse uso tem consequências de-sastrosas: em vez de descrever causalidades e explicar eventos, os coletivos funcionam como substitutos da descrição e da explicação. Um exemplo: ao falar simplesmente que “o Estado almeja realizar determinada medida”, abstemo-nos de descobrir que es-pecíficas agências estatais o fariam, quais os mecanismos burocráticos envolvidos na questão e, muito importante, quem seriam os indivíduos que tomariam as decisões necessárias para a produção de tal medida. Deixa-se de lado, como se vê, o grosso da explicação: como o Estado faz o que faz.

O grande problema está no fato de essa forma de pensamento (que usa e abusa dos coletivos) não ficar restrita ao discurso de políticos e diletantes: também entre aqueles que se propõem a analisar o mundo da política de forma científica – os cien-tistas políticos ou sociais – esse é um raciocínio usual. Abandonar, contudo, o uso (e abuso) desses termos coletivos não significa de modo algum afirmar que os indiví-duos agem apenas de maneira isolada – ao contrário, eles também são capazes de se organizar e de agir coletivamente, como um grupo organizado, a fim de realizar determinados objetivos. Isso, entretanto, não pode ser tratado como algo evidente, já que se corre o risco de realizar uma análise que deixa de explicar justamente o que deveria ser explicado.

A questão da formação dos grupos e da maneira específica como eles agem (sua ação coletiva) é certamente um dos problemas mais relevantes da Ciência Política, em particular quando se procura compreender qual a ligação entre essas coletividades organizadas e o funcionamento do mundo político (a Câmara, o Senado, os vários órgãos do poder Execu-tivo etc.): será que há influência das coletividades organizadas sobre o mundo político? Se sim, de que forma? As respostas a essas questões têm sido bastante variadas.

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Delegados da Congress of Industrial Organizations (CIO), uma das maiores organiza-ções trabalhistas da história norte-americana, protestam por mais empregos e por políticas de controle dos preços. Washington, DC. 1945.

Coletividades e ação políticaAlgumas correntes teóricas das Ciências Sociais acreditam que se um determi-

nado número de indivíduos compartilha certos interesses – tendo consciência desse compartilhamento – e se tais interesses só podem ser garantidos por meio de uma ação política coletiva (ou seja, uma intervenção organizada e estratégica nas arenas em

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que são decididas as distribuições dos recursos – verbas, cargos, prestígios, informa-ções), então é evidente que os indivíduos em questão agirão de forma coordenada e cooperativa a fim de perseguir esses interesses, da mesma forma como uma pessoa, isoladamente, persegue os seus fins de forma estratégica. Os grupos assim formados atuariam, então, como agentes coletivos capazes de influenciar o funcionamento do mundo político.

Por outro lado, há correntes interpretativas que procuram problematizar esse pressuposto de que os indivíduos tendem a se organizar assim que percebem seus interesses comuns. Ao contrário, dirão elas, a tendência do indivíduo é sempre a abs-tenção, ou seja, a falta de engajamento em uma luta coletiva, mesmo quando existem interesses compartilhados entre os indivíduos de uma dada organização política (um sindicato, por exemplo). Isso, contudo, não ocorreria por conta de algum tipo de irra-cionalidade que impediria sistematicamente a cooperação entre as pessoas, mas justa-mente pelo fato de os indivíduos serem racionais: na esperança de que outros paguem o preço em seu lugar e de que seja possível desfrutar dos lucros comuns sem arcar com os custos, os sujeitos tendem sempre à abstenção. Esse fato impediria, assim, que grandes coletividades – como o proletariado ou a burguesia – pudessem agir como agentes políticos coletivos, ou seja, como grupos de fato unificados e mobilizados para a realização de objetivos comuns.

A aceitação dessa última tese – de que grandes coletividades não podem se cons-tituir em sujeitos da ação política –, não exclui, contudo, a possibilidade de que elas possam ainda assim influenciar o mundo político: não de forma direta, evidentemente, mas por meio de representantes, ou seja, por intermédio de partidos, sindicatos, asso-ciações, grupos de interesse ou pressão (lobbies) etc. Seriam, desse modo, os peque-nos grupos (as minorias politicamente ativas, as elites, no jargão da Ciência Política) os verdadeiros sujeitos da ação política, já que eles não estariam propensos à abstenção, e isso justamente por seu número reduzido de membros. Contudo, a noção de repre-sentação (de interesses) não exclui algumas controvérsias teóricas, como veremos.

Começaremos essa discussão com duas correntes de análise que exemplificam, cada uma à sua maneira, a ideia de que coletividades podem agir de forma direta nas lutas políticas reais: o marxismo e o pluralismo.

A perspectiva marxistaAinda que a análise de Karl Marx (1818-1883) sobre a política, presente em obras

como O 18 Brumário de Louis Bonaparte (1852) e A guerra civil na França (1872), não possa de forma alguma ser resumida exclusivamente a isso (como se verá mais adian-te), é inegável a presença reiterada, na obra do teórico alemão, de uma forma de ra-ciocínio e explicação que apela à ideia de que as coletividades de fato agem – como Ci

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grupos mobilizados e dotados de racionalidade estratégica –, a fim de realizar objetivos claros e explícitos. Para Marx, essas coletividades são as classes sociais, ou seja, conjun-tos de indivíduos que, por ocuparem uma mesma posição nas relações de produção – basicamente, como proprietários ou não proprietários de terras, máquinas e dinheiro –, possuiriam os mesmos interesses econômicos e políticos.

Da interação entre tais classes – entendidas como agentes coletivos – ou melhor, da disputa entre elas (a famosa luta de classes), dependeriam os rumos políticos das diversas sociedades. Cita-se, abaixo, um exemplo bastante ilustrativo da capacidade de ação estratégica das classes sociais (aqui, da burguesia):

[...] seus interesses políticos forçavam-na [a burguesia] a aumentar diariamente as medidas de repressão e, portanto, os recursos e o pessoal do poder estatal, enquanto tinha ao mesmo tempo que empenhar-se em uma guerra ininterrupta contra a opinião pública e receosamente mutilar e paralisar os órgãos independentes do movimento social, onde não conseguiu amputá-los completamente. (MARX, 1977, p. 59, grifos do autor)

Esse trecho – que descreve as estratégias da burguesia para anular o poder dos proletários e pequeno-burgueses no período posterior à queda do rei Luís Felipe, ocorrida em 1848, na França, mostra como Marx toma as classes sociais como agentes políticos capazes de formular e perseguir objetivos, e de fazê-lo de forma racional e estratégica. Ou seja: diante do fato de que agentes individuais são capazes de agir ra-cionalmente, Marx deduz que um agrupamento desses agentes (formando, portanto, um agente coletivo: a burguesia, o proletariado etc.) também poderá fazê-lo. Ainda que não se possa atribuir a Marx a ingenuidade de achar que as classes sociais possuem algo como uma subjetividade, ele certamente as pensa como capazes de atuar de forma cooperativa e coordenada, estabelecendo objetivos e perseguindo-os de forma planejada, como se fossem um único indivíduo.

É justamente essa ideia que será questionada a seguir. Antes, passemos a outra corrente teórica que compartilha dessa mesma suposição com o marxismo: o pluralismo.

A perspectiva pluralistaOs partidários do pluralismo, que tem no cientista político norte-americano

Robert Dahl (1915) um de seus principais representantes, defendem que a vida po-lítica não pode ser compreendida nem por meio da ideia de classes sociais, nem por meio da referência a indivíduos. A unidade da análise, aqui, são os grupos sociais e como eles agem para concretizar seus objetivos coletivos, atuando assim como grupos de interesse ou de pressão. Por um lado, esta corrente recusa a referência a indivíduos por considerar que estes não podem existir fora ou anteriormente aos grupos; por outro, considera que a idéia de classes sociais é uma abstração por

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demais vaga, e que não possui, portanto, uma verdadeira significância. Os grupos de interesse, ao contrário, seriam uma unidade real para os próprios indivíduos que deles fazem parte, e não uma realidade exterior e abstrata, como burguesia e prole-tariado, o que traria, argumentam esses autores, uma maior concretude e credibili-dade para a análise social. Sendo unidades reais, formadas pelas inter-relações dos agentes individuais, os grupos de interesse funcionam como os sujeitos da ação e dos interesses políticos.

E como surgiriam tais grupos de interesse? A partir das interações regulares entre indivíduos que compartilham determinadas atitudes e objetivos. Baseados nessas si-milaridades, eles se organizam a fim de incentivar a produção de políticas adequadas ao estabelecimento ou à consolidação daquelas mesmas atitudes e objetivos que es-tiveram na origem de sua integração em um grupo. Uma sociedade seria mais plural quanto maior fosse o número de grupos de interesse em competição no seu interior. Isso evitaria a concentração de poder nas mãos de apenas um dos grupos ou, ainda, a formação de um governo todo-poderoso.

Como Marx, os pluralistas pressupõem que um agregado de indivíduos pode agir de forma racional e estratégica da mesma maneira como o fariam os membros de um grupo se tomados isoladamente. Além disso, tomam como algo evidente jus-tamente aquilo sobre o que a análise deveria deter-se: a passagem de uma mera similitude de interesses e atitudes entre os agentes individuais para uma efetiva cooperação em um grupo mobilizado para a realização de determinados objetivos. Para os pluralistas, tal passagem é geralmente tida como o produto de uma tendên-cia natural dos homens a associarem-se ou então como uma característica histórica demandada pelas sociedades avançadas. Como veremos a seguir, nenhuma dessas ideias pode ser simplesmente pressuposta. É isso que constitui o que chamamos de o problema da ação coletiva.

A lógica da ação coletiva e a tendência à abstençãoO argumento mais eloquente e substancial contra as proposições teóricas até

agora apresentadas provém da obra A lógica da ação coletiva (1971), do economista Mancur Olson (1932-1988). Nela, o autor se propõe a analisar a lógica específica da ação coletiva (a lógica que rege a atuação de uma série de agentes individuais quando estes estão integrados em um grupo organizado – partido, sindicato, associação etc.), comparando esta lógica com aquela típica das ações meramente individuais.

Partindo do pressuposto de que, de modo estratégico e racional, os indivíduos procuram maximizar a realização de seus interesses específicos, Olson investiga quais as condições para que haja, a partir de uma base comum de objetivos, a cooperação

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e, a partir dela, a formação de um grupo mobilizado para efetivá-los. Esses processos – cooperação e mobilização – não podem ser pensados nem como espontâneos, nem como automáticos (contrariamente ao que defendem o marxismo e o pluralismo, por-tanto). Olson argumenta que

[...] não é verdade que a ideia de que os grupos agirão para atingir seus objetivos seja uma sequência lógica da premissa do comportamento racional e centrado nos próprios interesses. Não é fato que só porque todos os indivíduos de um determinado grupo ganhariam se atingissem seu objetivo grupal eles agirão para atingir esse objetivo, mesmo que todos eles sejam pessoas racionais e centradas nos próprios interesses. Na verdade, a menos que o número de indivíduos do grupo seja realmente pequeno, ou ao menos que haja coerção ou algum outro dispositivo especial que faça os indivíduos agirem em interesse próprio, os indivíduos racionais e centrados nos próprios interesses não agirão para promover seus interesses comuns ou grupais. (OLSON, 1999, p. 14, grifos do autor)

Dito de outro modo: quanto maior o tamanho de um grupo (uma classe social, por exemplo), menor a probabilidade de os agentes individuais se disporem a pagar voluntariamente os custos da cooperação, por mais que esta seja essencial para a reali-zação de um objetivo comum. A tendência do indivíduo racional, portanto, é a absten-ção (ou a não cooperação), na esperança de que outros paguem o preço em seu lugar e que ele possa, assim, desfrutar dos lucros comuns sem arcar com os custos individuais. Daí a incoerência lógica de tratar coletividades, sejam elas grupos de interesse ou clas-ses sociais, como agentes políticos coletivos nascidos de uma comunhão (automática) de interesses. Por mais que um grupo amplo possua objetivos comuns e deles tenha plena consciência, sabendo que só a cooperação permitirá realizá-los, ainda assim a cooperação não ocorrerá.

Se Marx e os pluralistas explicam a transformação das coletividades em grupos politicamente ativos por meio da ideia de uma “consciência acerca dos interesses comuns”, Olson dirá enfaticamente: a cooperação não nasce de objetivos comuns, por mais que estes sejam plenamente conscientes aos indivíduos; ela nasce, sim, quando uma organização (partido, sindicato, associação) torna-se capaz de extorquir uma co-operação compulsória dos agentes que a compõem, e de oferecer a eles ganhos indi-viduais distintos dos ganhos coletivos, de modo a neutralizar a tendência racional à abstenção. E, na formação dessas organizações, não são as grandes coletividades, mas sim as “pequenas elites” as protagonistas do processo:

Seria igualmente insensato supor que todos os trabalhadores de um país iriam voluntariamente restringir suas jornadas de trabalho a fim de aumentar a remuneração da mão-de-obra com relação às gratificações por capital. Porque [...] o indivíduo acharia que obteria as vantagens da ação de classe tanto se participasse dessa ação quanto se não participasse (é natural, portanto, que as revoluções “marxistas” que ocorreram tenham sido provocadas por pequenas elites conspiradoras [...]; veja O que fazer?, de Lênin, para uma explicação da necessidade dos comunistas de confiar mais em uma minoria engajada, abnegada e disciplinada do que nos interesses comuns da massa proletária). (OLSON, 1999, p. 121)

Sendo assim, os sujeitos da ação política não devem ser buscados, segundo Olson, em grandes coletividades dotadas de interesses comuns, mas em organizações comandadas por pequenas elites ou vanguardas. Estas, por serem grupos com um

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número reduzido de indivíduos, não sofreriam dos obstáculos típicos à ação coletiva em grandes coletividades, como a tendência à abstenção. Poderiam, ao contrário, esta-belecer objetivos de forma clara e criar planos coordenados para atingi-los.

Mas, admitindo-se que os únicos capazes de agir politicamente são esses pe-quenos grupos, não se estará deixando de lado o peso e a influência das massas nas lutas políticas? Ainda que elas não sejam capazes de agir diretamente, como atores coletivos, essas grandes coletividades não seriam de alguma forma representadas por aquelas pequenas elites, que lutariam, assim, pelos seus interesses? Ora, não se pode ignorar que boa parte do discurso dos políticos profissionais e dos programas partidá-rios consiste justamente em falar em nome de alguma coletividade, o “povo”, a “nação”, os “trabalhadores”.

Chegamos, assim, a outro problema fundamental: o problema da representação política.

Interesses e representação políticaDiante da força e da capacidade de persuasão dos argumentos críticos de Mancur

Olson, não resta alternativa senão aceitar que coletividades como classes sociais ou grupos de interesse não são capazes de surgir de forma espontânea, a partir de uma base de objetivos comuns, nem, portanto, de se constituírem em agentes coletivos politicamente ativos capazes de atuar de forma direta nas lutas políticas. Mesmo no caso de Marx – que, como se mostrou, utiliza com frequência o tipo de argumenta-ção criticada por Olson –, há uma forma alternativa de explicação da ação política que escapa aos problemas já identificados. Tal explicação baseia-se na ideia de representa-ção política.

Em vez de agirem diretamente na política, como agentes coletivos, as classes so-ciais seriam na verdade representadas por porta-vozes, ou seja, por agentes políticos profissionais capazes de falar em seu nome e em favor de seus interesses. Segundo essa visão, a arena política não seria mais o lugar de uma luta entre grandes coletividades (burguesia, pequena-burguesia ou proletariado), mas sim de uma disputa entre profis-sionais da representação (os políticos de carreira), agremiados em organizações políti-cas (partidos, sindicatos e associações). Contorna-se dessa forma o disparate lógico que significa atribuir às coletividades as mesmas características de um indivíduo (“a burgue-sia pensa”, “o proletariado almeja”), evitando cair nos erros identificados por Olson.

Contudo, a ideia de representação – ou seja, de alguém (o representante) que fala em nome dos interesses de outros (os representados) – não é isenta de problemas, que podem ser classificados em dois tipos. Primeiramente, um problema de operacionali-

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Grupos, interesses e representação política

zação: como comprovar que um político ou partido de fato representam uma classe social ou um grupo exterior ao universo da política? Em segundo lugar, um problema lógico: é possível, ao menos se tomarmos como pressuposto que os indivíduos são au-tocentrados e racionais, perseguir objetivos que não são estritamente os seus? Dito de outro modo, os partidos e os parlamentares representam algo além de seus próprios interesses específicos, enquanto partidos e parlamentares?

Vamos ao primeiro problema, o de comprovar da relação de representação. Em trecho célebre de O 18 Brumário de Louis Bonaparte, Marx o faz da seguinte forma:

Não se deve imaginar, tampouco, que os representantes democráticos sejam na realidade todos shopkeepers (lojistas) ou defensores entusiastas destes últimos. Segundo sua formação e posição individual podem estar tão longe deles como o céu da terra. O que os torna representantes da pequena-burguesia é o fato de que sua mentalidade não ultrapassa os limites que esta não ultrapassa na vida, de que são consequentemente impelidos, teoricamente, para os mesmos problemas e soluções para os quais o interesse material e a posição social impelem, na prática, a pequena-burguesia. Esta é, em geral, a relação que existe entre os representantes políticos e literários de uma classe e a classe que representam. (MARX, 1977, p. 48, grifos do autor)

Sem ser necessariamente o produto da igualdade das condições de classe (per-tencerem todos, representantes e representados, à burguesia, por exemplo), ou de uma relação de simpatia e de defesa explícitas, a representação seria fruto da equi-valência entre a orientação ideológica dos representantes políticos (ou literários) e os interesses materiais de determinada classe, ainda que os porta-vozes não beneficiem, em todas as suas ações políticas, os seus representados.

A burguesia, mostra Marx, rompe com os seus representantes parlamentares, durante a Segunda República Francesa, exatamente porque esses representantes, em suas ações, não mais a beneficiavam e aos seus negócios. Posteriormente, tal rompi-mento abriu espaço para um golpe de Estado que retirou o poder político das mãos da burguesia, concentrando-o no autocrata Louis Bonaparte. É preciso, contudo, fazer-se a seguinte pergunta: se uma classe ou grupo social não é beneficiada em todas as situações pela ação política dos seus supostos porta-vozes, pode-se de fato falar em uma relação de representação de interesses? Não estariam os supostos representantes agindo, então, em interesse próprio, interesse este que pode ou não estar de acordo com o dos representados?

Assim, chegamos a um segundo tipo de problema envolvendo a ideia de repre-sentação, desta vez de natureza lógica.

A perspectiva da Teoria da Escolha RacionalA chamada Teoria da Escolha Racional, representada por autores como Anthony

Downs, postula que os indivíduos agem, na maior parte do tempo, de maneira au-tocentrada (egoísta e não altruísta, como dizem os economistas). Eles procuram ma-

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ximizar a realização de seus interesses individuais, e somente destes. Portanto, não seria logicamente possível, ao menos de acordo com tal postulado, que um indivíduo agisse a fim de realizar interesses que não os seus próprios. Sendo assim, dirá Downs, não há uma autêntica relação de representação de interesses entre os agentes políti-cos e os agentes exteriores à política, já que ambos buscam realizar os seus próprios interesses individuais, e não os de uma classe ou grupo. No caso dos políticos, almeja-se acima de tudo conquistar votos, condição para que se reelejam; no caso da popu-lação em geral, a busca é sempre por políticas governamentais que a favoreceram de forma mais imediata.

Tem-se, assim, não uma relação de representação de interesses entre políticos e eleitores, mas uma relação baseada na noção de troca: voto em determinado político não porque o vejo como representante de minha classe, mas porque ele me beneficia por meio de decisões que me são favoráveis (uma escola em meu bairro, uma creche em minha rua, um ginásio de esportes em minha cidade). Uma vez que pare de fazê-lo, não terá mais meu voto. Trata-se, portanto, de uma relação condicional.

Downs resume bem a sua visão a respeito dos agentes políticos e de como eles perseguem interesses que são sempre os seus próprios quando afirma que os mem-bros dos partidos “são motivados por seu desejo pessoal pela renda, prestígio e poder que advém da ocupação do cargo. Dessa maneira, desempenhar sua função social é, para eles, um meio de alcançar suas ambições privadas.” (DOWNS, 1999, p. 56)

Ainda que os discursos dos políticos afirmem o oposto, isto é, que eles falem em nome de uma coletividade (“meus eleitores”, “o povo” etc.), eles agem – racionalmente – em nome de um fim único: conquistar e manter-se no poder. Só isso.

A perspectiva elitistaOutra corrente que nega a possibilidade de uma autêntica representação de inte-

resses é a dos elitistas, de autores como Gaetano Mosca (1858-1941) e Robert Michels (1876-1936). Aqui, contudo, a unidade de análise não é, como em Downs, o indivíduo autocentrado e interessado, mas as elites, seus objetivos e estratégias.

Mosca define elite como “uma minoria de pessoas influentes na direção da coisa pública, a quem a maioria entrega, de bom grado, a direção [da sociedade]” (MOSCA, 1992, p. 106-07, tradução nossa). Sendo uma minoria, ou seja, um grupo formado por um número reduzido de membros, ela não sofreria, por exemplo, das inconsistências elencadas por Mancur Olson: elas, as elites, seriam capazes, sim, de se organizar de forma coordenada a fim de estabelecer e perseguir objetivos claros (o que coletivi-dades de maior extensão, como classes sociais ou grupos de interesse, não seriam capazes de fazer).

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Grupos, interesses e representação política

Como o indivíduo autocentrado da Teoria da Escolha Racional, as elites – ou as mi-norias politicamente ativas – não perseguem outros interesses que não os seus próprios: basicamente, os de se perpetuar no poder ou de tomá-lo (das mãos de outra elite). As massas – definidas sempre de forma negativa, como compostas por todos aqueles que não pertencem às elites –, ao contrário, justamente por conta de sua grande extensão (e não apesar dela), estariam condenadas à desorganização e, portanto, à incapacida-de de agir politicamente (ou seja, seriam incapazes de formular e perseguir objetivos políticos). Daí delegarem o poder, de bom grado, às minorias.

Nessa perspectiva, todas as referências que as elites fazem a coletividades exte-riores ao mundo político (o povo, a nação, os trabalhadores), longe de serem prova de uma relação de verdadeira representação de interesses, não passariam de jogos retóri-cos cuja finalidade seria a manipulação cínica.

Os políticos e sua classe

“A discussão sobre o nepotismo, o favoritismo e outros ismos de má fama não deveria estar desligada do debate em torno da extensão do foro privilegiado às au-toridades do legislativo, aprovado pela Assembléia de Minas Gerais [em 2007]. Nem da reação “corporativa” dos senadores diante do caso da contabilidade pessoal de Renan Calheiros (PMDB-AL). Os dois primeiros fatos são a extensão lógica de um fenômeno maior e que o terceiro caso representa de maneira espetacular: o fecha-mento do universo político sobre si próprio.

Quais as funções dos representantes políticos? Não é preciso ser filólogo para descobrir: representar interesses sociais. Os políticos são profissionais que represen-tam outros na impossibilidade prática de esses outros fazerem isso por si mesmos. O sociólogo alemão Max Weber sugeriu que haveria assim dois tipos de políticos profissionais: aqueles que vivem da política (como um meio de vida) e aqueles que vivem para a política (como um modo de vida). Só nesse segundo caso a política seria uma vocação verdadeira, e não um tipo de emprego como qualquer outro.

Contudo, o que se observa, nas democracias representativas, é que só vive para a política aquele que vive da política. Entre nós, os políticos até representam grupos sociais, mas só fazem isso à medida que representam, em primeiro lugar, a si próprios. O peculiar é que, num universo político cada vez autônomo, as relações entre os políticos tornam-se mais importantes do que as relações dos políticos com a sociedade. Na ausência de qualquer controle social eles podem então se imaginar “donos” do poder para dispor dos empregos públicos à vontade ou para serem jul-gados só em tribunais especiais.” (CODATO, 2007)

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ConclusãoFoi visto que a idéia de representação de interesses é fundamental para a análise

da política feita por Marx: os representantes agiriam a fim de defender os interesses de sua classe, ainda que não de modo explícito e consciente. Por outro lado, o próprio Marx reconhece que, durante a Segunda República Francesa, a elite política “burguesa” agiu em desacordo com os interesses materiais de seus representados. Portanto, o pro-blema que se coloca aqui é o de como provar que, desde o início, aquela elite não agia simplesmente de acordo com os seus próprios interesses específicos (reeleição, cargos etc.) e que a representação não era simplesmente uma ilusão nascida da coincidência momentânea dos interesses da elite parlamentar e da classe social que ela suposta-mente representava. Ou, como defenderiam os elitistas, de que não se tratava de pura retórica cínica, cujo fim seria a simples manipulação. Tal questão fica em aberto nas análises políticas de Marx.

Se não se quer abandonar a ideia de representação de interesses, sem incorrer, con-tudo, nos erros identificados por autores como Downs e Mosca – ou seja, sem abrir mão da ideia de que os agentes políticos possuem interesses próprios (por votos, re-eleições, verbas etc.), interesses estes que são irredutíveis aos de qualquer grupo ex-terno ao mundo político –, quem sabe o caminho seja admitir, como o faz o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), que os políticos “servem aos interesses dos seus clientes [os representados] na medida em que (e só nessa medida) se servem também ao servi-los” (BOURDIEU, 1989, p. 177).

Em outras palavras, isso significa dizer que não é preciso optar entre uma análise que trata os políticos como agentes autocentrados e outra que os vê como represen-tantes de interesses externos: a própria competição interna ao campo político, sugere Bourdieu, ao obrigar os agentes que dele fazem parte a buscarem uma identidade política que os diferencie dos demais, pode explicar aquilo que Marx percebeu, mas não explicou satisfatoriamente – a equivalência entre as oposições ideológicas que têm lugar no mundo político e as oposições sociais que existem fora dele, e que faz com que, mesmo perseguindo os interesses mais privados, os políticos, e o mundo particular do qual fazem parte, ainda expressem, de maneira mais ou menos nítida, as oposições e as lutas da sociedade que os engloba.

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Grupos, interesses e representação política

Textos complementares

A representação política(BOURDIEU, 1989, p. 175-177)

A vida política só pode ser comparada com um teatro se se pensar verdadeira-mente a relação entre o partido e a classe, entre a luta das organizações políticas e a luta de classes, como uma relação propriamente simbólica entre um significante e um significado ou, melhor, entre representantes dando uma representação e agen-tes, ações e situações representadas. A concordância entre o significante e o signifi-cado, entre o representante e o representado, resulta sem dúvida menos da procura consciente do ajustamento à procura da clientela ou do constrangimento mecânico exercido pelas pressões externas do que da homologia entre a estrutura do teatro político e a estrutura do mundo representado, entre a luta de classes e a forma su-blimada desta luta que se desenrola no campo político. É esta homologia que faz com que os profissionais, ao prosseguirem na satisfação dos interesses específicos que lhes impõe a concorrência no interior do campo, dêem ainda satisfação aos in-teresses dos seus mandantes e que as lutas dos representantes possam ser descritas como uma mimese política das lutas dos grupos ou das classes de que eles se as-sumem como campeões; ou, inversamente, que, nas suas tomadas de posição mais adequadas aos interesses dos seus mandantes, eles prossigam ainda na satisfação dos seus próprios interesses – sem necessariamente o confessarem a si mesmos –, tais como lhes são determinadas pela estrutura das posições e das oposições cons-titutivas do espaço interno do campo político.

A dedicação, por obrigação, aos interesses dos mandantes faz esquecer os in-teresses dos mandatários. Por outras palavras, a relação, aparente, entre os repre-sentantes e os representados, concebidos como causa determinante (“grupo de pressão” etc.) ou causa final (“causas” a defender, interesses a servir etc.) dissimula a relação de concorrência entre os representantes e, ao mesmo tempo, a relação de

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orquestração (ou de harmonia preestabelecida) entre os representantes e os repre-sentados. Não há dúvida de que Max Weber tem razão em lembrar, com uma sã bru-talidade materialista, que “pode-se viver para a política e da política”. Para ser perfei-tamente rigoroso, seria preferível dizer que se pode viver da política com a condição de se viver para a política: é, com efeito, na relação entre os profissionais que se define a espécie particular de interesse pela política que determina cada catego-ria de mandatários a consagrar-se à política e, por este meio, aos seus mandantes. Mais precisamente, a relação que os vendedores profissionais dos serviços políticos (homens políticos, jornalistas políticos etc.) mantêm com os seus clientes é sempre mediatizada, e determinada de modo mais completo, pela relação que eles mantêm com os seus concorrentes. Eles servem os interesses dos seus clientes na medida em que (e só nessa medida) se servem também ao servi-los, quer dizer, de modo tanto mais exato quanto mais exata é a coincidência da sua posição na estrutura do campo político com a posição dos seus mandantes na estrutura do espaço social.

A Política como vocação(WEBER, 1982, p. 60-61)

Há dois modos principais pelos quais alguém pode fazer da política a sua vo-cação: viver “para” a política, ou viver “da” política. Esse contraste não é, de forma alguma, exclusivo. Em geral, o homem faz as duas coisas, pelo menos em pensamen-to e, certamente, também a ambas na prática. Quem vive “para” a política faz dela a sua vida, num sentido interior. Desfruta a posse pura e simples do poder que exerce, ou alimenta seu equilíbrio interior, seu sentimento íntimo, pela consciência de que sua vida tem sentido a serviço de uma “causa”. Nesse sentido interno, todo homem sincero que vive para uma causa também vive dessa causa. A distinção, no caso, refere-se a um aspecto muito mais substancial da questão, ou seja, o econômico. Quem luta para fazer da política uma fonte de renda permanente, vive “da” política como vocação, ao passo que quem não age assim vive “para” a política. Sob o domí-nio da ordem privada, algumas – se quiserem – precondições muito triviais devem

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Grupos, interesses e representação política

existir, para que uma pessoa possa viver “para” a política, nesse sentido econômico. Em condições normais, o político deve ser rico ou deve ter uma posição pessoal na vida que lhe proporcione uma renda suficiente.

[...]

A liderança de um Estado ou de um partido por homens que (no sentido eco-nômico da palavra) vivem exclusivamente para a política, e não da política, significa necessariamente um recrutamento “plutocrático”1 das principais camadas políticas. Na verdade, isto não quer dizer que essa liderança plutocrática significa, ao mesmo tempo, que as camadas politicamente dominantes não buscaram também viver “da” política e, portanto, que a camada dominante não explorará, habitualmente, seu domínio político em favor de seu próprio interesse econômico. Tudo isso é in-discutível, naturalmente. Jamais houve uma camada que não houvesse, de alguma forma, vivido “da” política. Queremos dizer apenas que o político profissional não precisa buscar uma remuneração direta pelo trabalho político, ao passo que todo político sem meios deve, absolutamente, pretender essa remuneração. Por outro lado, não pretendemos dizer que o político sem propriedades buscará vantagens econômicas privadas através da política, exclusivamente, ou mesmo predominan-temente. Nem pretendemos dizer que ele não pensará, em primeiro lugar, “no pro-blema”. Nada seria mais incorreto. Segundo toda a experiência, o zelo pela “segu-rança” econômica de sua existência é consciente, ou inconscientemente, um ponto capital em toda a orientação de vida do homem rico. O idealismo político descui-dado e sem reservas só se encontra, se não exclusivamente pelo menos predomi-nantemente, entre as camadas que, em virtude de sua carência de propriedades, estão completamente fora dos círculos interessados na manutenção da ordem eco-nômica de uma determinada sociedade. Isso é válido especialmente para as épocas extraordinárias e, portanto, revolucionárias. Um recrutamento não plutocrático de políticos interessados, de liderança e seguidores, está conjugado com a precondi-ção subentendida de que uma renda regular e suficiente será proporcionada aos que se ocupam da política.

1 Recrutamento plutocrático: um recrutamento entre as camadas mais ricas de determinada sociedade, já que plutocracia é o exercício do poder pelas classes mais abastadas..

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Atividades

O uso de coletivos (termos que representam coletividades de indivíduos) como 1. nação, Estado, Igreja, burguesia etc. é bastante difundido, tanto no discurso comum quanto no erudito. Aos coletivos são atribuídas ações como planejar, almejar e explorar, como se esses coletivos fossem dotados de subjetividade e capacidade de ação da mesma forma como indivíduos o são. Procure em jor-nais, revistas ou sites um exemplo desse tipo de raciocínio e mostre como seria uma real explicação do evento em questão.

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Grupos, interesses e representação política

Segundo Mancur Olson, a cooperação entre indivíduos a fim de realizarem um 2. objetivo comum não nasceria da simples tomada de consciência acerca desses interesses compartilhados, mas, ao contrário, surgiria apenas quando uma or-ganização (partido, sindicato, associação) torna-se capaz de extorquir uma coo-peração compulsória dos agentes que a compõem, e de oferecer a eles ganhos individuais distintos dos ganhos coletivos. Cite exemplos dos mecanismos por meio dos quais uma organização consegue produzir a cooperação entre seus membros.

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A noção de 3. representação é fundamental na análise marxista da política: segun-do essa perspectiva, as diferentes classes sociais teriam seus interesses repre-sentados, nas arenas decisórias, por partidos e políticos que falariam em nome delas e de seus objetivos de classe. Há outras correntes teóricas que rejeitam, contudo, essa noção. Resuma as críticas da Teoria da Escolha Racional e dos elitistas a respeito da idéia de representação de interesses.

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Grupos, interesses e representação política

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Comportamento eleitoral: teorias que explicam o voto

Em 15 de novembro de 1989, no centésimo aniversário da Proclamação da Repú-blica, ocorreu a primeira eleição direta para presidente após o regime ditatorial-militar (1964-1985). Um dado curioso dessa eleição é a forma como oscilaram, segundo as pesquisas de opinião, as demandas eleitorais. Tanto a preferência pelo candidato Fer-nando Collor, do Partido da Reconstrução Nacional (PRN), quanto por Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), variaram amplamente ao longo do período das campanhas. E isso no primeiro e no segundo turnos.

Evolução da intenção de voto para Presidente da República (estimulada e única, em %)

abr 89

jun 89

jul 89

jul 89

ago 89

set 89

set 89

out 89

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Fernando Collor de Mello

Mario Covas

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nov 1989

nov 89

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1314 14 14

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8777 7

5 5 54

7 7 7776

01/02 22/23 19/20 02/03 23/24 07/08 18/19 25/26 01/03 06/07 10 14

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Evolução da intenção de voto para Presidente (estimulada e única, em %)

4850

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22 nov

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1989

Fernando Collor de Mello

Lula (PT)

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A, 1

989.

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o.

Em abril de 1989, Collor computava 17% das intenções de voto, chegando depois aos 42% e fechando o primeiro turno com 26%. Lula estava com 14% também em abril (atrás, portanto, de Brizola), caindo então para 5% e finalizando o primeiro turno com 15% dos votos. No segundo turno, não foi muito diferente: Collor largou com 48% e Lula desfrutava a preferência de 39% do eleitorado, sendo que os dois chegaram a ficar muito próximos, tecnicamente empatados, em dezembro (46% a 45%). Ao final, Collor se distanciou e venceu com 53,04% (35.089.998 votos), enquanto Lula ficou com 46,96% (31.076.364 votos).

Essas oscilações na intenção de voto não podem ser explicadas, contudo, somen-te por meio dos dados estatísticos. Ainda que apresentem tendências ou correlações presentes na realidade, as estatísticas não explicam o que causou tais oscilações. Cabe à Ciência Política abordar essas informações, procurando explicar o porquê dessa con-figuração dos dados. Resumindo, a questão central aqui é

O que explica o voto?

Como podemos entender a alteração nas preferências eleitorais e sua distri-buição entre os candidatos?

O que faz com que um indivíduo (ou um grupo social) prefira votar em um ou em outro concorrente?

Por que os eleitores mudam de opinião?

Responder a essas questões nos ajuda a compreender o regime político demo-crático pelo lado dos governados. Em vez de olhar o centro do poder (o Estado, os po-líticos profissionais, os funcionários administrativos, as classes governantes), a fim de

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Comportam

ento eleitoral: teorias que explicam o voto

entender o funcionamento do sistema político por meio de suas instituições, as teorias que explicam o voto nos ajudam a vê-lo de fora, pelo lado dos eleitores.

Nosso objetivo é explicar o que determina o voto, que princípios orientam a esco-lha de um político dentre um conjunto de candidatos. Para tanto, iremos expor três te-orias explicativas: a teoria psicológica, a teoria sociológica e a teoria da racionalidade.

A teoria psicológica é baseada no que é conhecido como Modelo Michigan e foi desenvolvido na década de 1950, na Universidade de Michigan (Estados Unidos, pelo grupo de pesquisa do professor Angus Campbell.

A teoria psicológica do voto

Um dos principais livros dessa corrente é The American Voter [O eleitor americano], escrito por Angus Campbell, Philip E. Converse, Warren E. Miller e Donald E. Stokes.

Esse grupo teve como objetivo aplicar os fundamentos da psicologia social para explicar o comportamento eleitoral, buscando esclarecer as razões do eleitor por meio de determinantes psicológicos. Os pesquisadores dessa corrente selecionam uma amostra específica na qual são aplicados questionários (surveys), submetendo os dados assim obtidos à interpretação psicológica (FIGUEIREDO, 1988).

A especificidade do segundo modelo, o da teoria sociológica, é tratar o com-portamento eleitoral como condicionado pelo contexto social em que vive o eleitor. Aqui, contrariamente à corrente anterior, a unidade de análise não é o indivíduo, mas o grupo de que ele faz parte, pois a cada agregado social (a classe, por exemplo) corres-ponderia um tipo de voto (FIGUEIREDO, 1988). A ideia básica é que, conforme variem as composições sociais dos grupos sociais, variam também as tomadas de decisão elei-toral, pois o voto é dependente do “meio ambiente” no qual o eleitor está inserido.

Por fim, a teoria da racionalidade (ou teoria economicista) se diferencia das demais por sua proximidade com as teorias econômicas: o que decide o voto é um cálculo ra-cional por meio do qual o eleitor quantifica os seus benefícios: como pode mantê-los ou aumentá-los.

Trataremos agora mais aprofundadamente de cada uma dessas correntes. Ao final da exposição, na conclusão, abordaremos as principais diferenças e semelhanças entre elas.

A corrente psicológicaO modelo de Michigan trata as ações políticas como parte constitutiva da per-

sonalidade do individuo. As orientações do voto e as manifestações políticas de um

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modo geral são características que compõem uma fração do perfil psicológica total do indivíduo.

As atitudes políticas são adquiridas pelos agentes sociais em seus círculos de convivência (família, por exemplo). O processo de aquisição dessas atitudes pode ser chamado de socialização política e consiste na aquisição de valores políticos, de forma direta, na interação social. Um indivíduo que nasceu em uma família esquerdista (isto é, com concepções que valorizam, idealmente, a justiça social, a ética na política etc.), tende a votar em um partido de esquerda, pois ocorreria uma determinação direta das atitudes políticas da família sobre as atitudes do indivíduo. Os ambientes em que os indivíduos vivem (universidade, círculos de amigos, trabalho) não são neutros, pos-suem já determinados valores políticos, os quais afetam diretamente a personalidade desse indivíduo e, por consequência, a forma como ele reagirá à política (amando ou odiando-a, por exemplo) e às eleições (votando em tal ou qual candidato).

Uma das principais diferenças do modelo psicológico em relação ao sociológico (que veremos adiante) é que os locais em que as orientações políticas são adquiri-das (locais que chamaremos de campo atitudinal) não são determinados por qualquer categoria social (sexo, escolaridade, renda, etnia, raça, idade etc.), mas sim por tipos de atitude. Nesse caso, as características sociais – homem, mulher; rico, pobre; negro, branco etc. – não explicam as orientações políticas, pois podem existir diferentes tipos de atitudes nos mesmos grupos sociais, conforme propõe Philip Converse, um dos cientistas fundadores da teoria psicológica:

Converse aponta a influência preponderante de fatores psicológicos e políticos que praticamente anulam os fatores sociais [...] ao afirmar que as respostas dos eleitores a esses dois líderes [ou dois candidatos] não mostram nenhum padrão social, perpassando todos os grupos sociais. (FIGUEIREDO, 1988, p. 43).

Com efeito, os campos atitudinais (nos quais os princípios de ação política são ad-quiridos) só podem ser recortados com base nas atitudes políticas que os compõem, ou seja, os campos atitudinais são definidos pelas próprias atitudes. Sendo assim, a identificação dos conjuntos de atitudes políticas antecede a construção dos campos atitudinais. Sob esse ponto de vista, percebemos que a unidade de análise para a pes-quisa orientada pelo modelo Michigan é o indivíduo, pois são as suas características que constroem a realidade política Parte-se assim da análise psicológica dos agentes para posteriormente generalizar as conclusões para o coletivo (o campo atitudinal) ao qual eles pertencem.

Qualquer indivíduo em um dado campo atitudinal sofrerá uma pressão para que sua personalidade se ajuste aos valores daquele campo. Por isso, “para a teoria psico-lógica o comportamento dos indivíduos é função da interação atitudinal a que estes indivíduos estão sujeitos em suas experiências sociais e políticas” (FIGUEIREDO, 1988, p. 17). Tais interações atitudinais formam a personalidade política do indivíduo, a qual orientará o voto.

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Comportam

ento eleitoral: teorias que explicam o voto

Equação psicológica

A lei causal fundamental do modelo Michigan repousa na invariabilidade do processo de articulação das variáveis que determinam as atitudes e ações políticas. Essa pode ser assim formalizada:

C1 = f(S1, A1)

O comportamento político (C1) é função da sociedade ou do ambiente social (S1), passado ou presente, onde a socialização política se dá, e do conjunto de atitu-des (A1) consolidadas nesse processo.

(FIGUEIREDO, 1988)

Campos atitudinais e comportamento políticoOs instrumentos necessários para a análise pela corrente psicológica são, basica-

mente, uma amostra bastante representativa (busca-se o paradigma do caso que se pretende explicar, com o objetivo de se generalizarem as conclusões a partir dele) e a aplicação de questionários e entrevistas em profundidade.

A identificação e a construção conceitual desses campos atitudinais permite prever a direção do voto ou da preferência dos eleitores na medida em que relacio-namos uma determinada atitude política a seus desdobramentos prováveis. A relação de afinidades entre atitudes políticas, por um lado, e entre candidatos (ou programas eleitorais), por outro, pode nos ajudar a prever a reação dos eleitores perante os can-didatos, mesmo que as práticas desses eleitores não estejam explicitamente relacio-nadas ao campo atitudinal em questão. Isso ocorre pelaafinidade implícita entre os valores de um campo atitudinal e os valores que os políticos representam. Assim, basta entender os valores-chave ou os padrões centrais de um campo atitudinal para prever a reação dele (e de seus indivíduos) diante de determinadas atitudes do candidato. Vejamos um exemplo:

[...] se um indivíduo é contrário a uma política social A (controle de preços, por exemplo), provavelmente ele também será contrário a outras políticas semelhantes [interferência do Estado no mercado, oferta de serviços privados por empresas públicas etc.]. Conhecido este “campo” atitudinal, pode-se prever que este indivíduo, bem como outros que concordam com as mesmas ideias, provavelmente estarão identificados com partidos políticos e candidatos que são contrários a ideias intervencionistas dessa natureza. Isso levaria esses indivíduos a darem seus votos a esses partidos e candidatos. A fonte do direcionamento político dos indivíduos está na formação de campos atitudinais, e a força preditiva dessa teoria repousa na cristalização de um sistema de crenças políticas. (FIGUEIREDO, 1988, p. 20)

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Além de ajudar a prever o voto, os fatores psicológicos são utilizados também para explicar o apoio a instituições políticas (a um determinado partido político, por exemplo) e ao sistema político como um todo. A ausência ou presença de determina-dos “sentimentos” (ou padrões atitudinais) seriam até mesmo responsáveis pela confi-guração política de um país. O sentimento de lealdade a uma sigla qualquer, a empatia com um candidato específico ou, em uma esfera mais ampla, o sentimento de adesão à democracia seriam elementos que configurariam a realidade política do país, forne-cendo sustentação para o bom funcionamento das instituições.

Nos Estados Unidos, onde o voto é facultativo, a análise psicológica foi ampla-mente desenvolvida para explicar o que leva a pessoa a votar ou a abster-se de votar. Assim, Robert Lane, usando uma amostragem muito bem circunscrita, aplicou en-trevistas a indivíduos selecionados, visando a identificar por que eles deixavam de comparecer às eleições. Lane concluiu que a abstenção é determinada pela “alienação política”. Este é, no caso, um comportamento ou atitude em que o indivíduo se vê como incapaz ou impotente do ponto de vista político. As razões apresentadas pelos cidadãos eram as seguintes:

1. Eu sou objeto e não sujeito da vida política; eu não tenho influência e [portanto] não participo; politicamente [sou passivo]. 2. O governo não cuida e não administra no meu interesse. 3. Eu não aprovo o processo de tomada de decisões; as regras são injustas, ilegítimas e a constituição [dos representantes por meio das eleições] é, num certo sentido, fraudulenta. (FIGUEIREDO, 1988, p. 26)

Como se vê há um foco nas características psicológicas do indivíduo para explicar por que ele não vota. Existe, por parte dos entrevistados, um sentimento depreciativo sobre a sua própria capacidade política e sobre a capacidade do governo para realizar os seus interesses específicos.

Procedimentos metodológicos

Eis o procedimento-padrão da corrente psicológica para explicar o comporta-mento dos membros de uma determinada comunidade política:

seleção de uma amostra do campo atitudinal;

análise psicológica desse campo (mais precisamente, dos indivíduos que pertencem a ele), isto é, aplica as formas e os métodos de análise específicos da psicologia ao grupo selecionado.

As conclusões geradas são derivadas de conteúdos tipicamente psicológicos, pois são enfocados a personalidade individual, os sentimentos particulares, a compre-ensão de si e outras variáveis explicativas da psicologia.

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ento eleitoral: teorias que explicam o voto

A corrente sociológicaA corrente sociológica busca explicar o voto por meio do estabelecimento de cor-

relações entre a opção política dos indivíduos e os grupos ou classes sociais aos quais eles pertencem. Portanto, a unidade de análise da corrente sociológica é o grupo social (não o indivíduo), assumindo que as escolhas individuais estão estritamente relaciona-das aos valores, concepções e ideias típicas de cada grupo.

As orientações dos votos variam conforme as composições dos grupos, que são definidos por características estritamente sociais – por exemplo, identidade étnica, gênero, local de moradia (bairro, rua, cidade), renda, escolaridade, religião etc. Cada uma dessas unidades – e, em geral, uma complexa combinação delas – seria responsá-vel por fornecer os princípios orientadores do voto, pois elas encerram determinados valores sociais. A suposição aqui é que um sujeito pobre, negro e que mora na periferia não votará igual a um sujeito rico, branco, morador de um bairro central.

A teoria sociológica do voto

Uma vez que os grupos sociais têm a capacidade de inculcar seus valores polí-ticos nos indivíduos que os compõem, pode-se dizer que o voto seria determinado pelo grupo social.

Uma das questões que os cientistas da corrente sociológica procuram responder é a da definição de qual grupo ou variável social teria predominância na definição da escolha política. Por exemplo, se tomarmos hipoteticamente um indivíduo católico, branco, de classe média, do sexo masculino e com ensino superior incompleto, como medir qual desses fatores sociais influenciaria mais o voto?

Para ilustrar o problema, citaremos três distintas perspectivas de análise, sendo que a principal diferença entre elas é justamente a variável social tomada como mais relevante para explicar a orientação eleitoral.

Segundo a perspectiva marxista, a categoria que determina qualquer tomada de posição política é a loicalização do indivíduo na estrutura das classes sociais (MARX, 2006). Ou seja, a variável que explicaria o voto do nosso sujeito hipotético seria o seu pertencimento à classe média. Para os marxistas, a cada posição socioeconômica cor-responderia uma determinada tomada de posição política. Todas as atitudes políticas seriam, na verdade, manifestações de interesses ligados à posição de classe na estrutu-ra econômica. Portanto, a política seria feita visando a realizar, em essência, interesses econômicos. Para facilitar, poderíamos imaginar o interesse econômico como um fim (um objetivo) e a política como um meio de realizá-lo.

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Por outro lado, existem autores que conferem mais peso à variável escolar. Nesse caso, um dado comportamento político estaria ligado à educação à qual o indivíduo foi submetido (nível de escolaridade, onde e quando estudou, quais eram as correntes de pensamento dominantes na sua escola etc.). Um exemplo desse tipo de análise é a de José Murilo de Carvalho, que correlaciona variáveis de tipo educacional com o modo como se comportavam os políticos no Brasil imperial. As semelhanças e diferen-ças da carreira escolar dos políticos brasileiros produziriam afinidades e discordâncias entre eles (CARVALHO, 2008).

Devemos ainda citar estudos que buscam explicar a política por meio da cultura ca-racterística de determinada formação social (cf. TOCQUEVILLE, 1979). Esses autores tra-balham mais com o conjunto das variáveis do que com uma ou outra de forma isolada. Existiria, assim, uma soma de determinantes (que formariam uma cultura característica) aos quais corresponderiam determinadas formas de organização política. Essa é uma ex-plicação culturalista dos eventos políticos (ou seja, a política é determinada pela cultura).

Devemos salientar que, cientificamente, não é possível escolher previamente uma ou outra variável social para explicar dado fenômeno. A primazia das variáveis deve estar em sintonia com a peculiaridade do objeto a ser explicado. Caso José Murilo de Carvalho, por exemplo, buscasse entender outro período ou formulasse outro pro-blema para sua pesquisa, talvez devesse focar outros tipos de condicionantes sociais e não a educação.

A abordagem da Sociologia Política Uma forma mais operacional de empregar a abordagem sociológica dos fenôme-

nos políticos é por meio de abordagens que enfocam a interação social dos indivíduos (em vez de variáveis específicas). Essa é uma maneira de dar mais vigor às explicações sociológicas sobre o voto.

Equação sociológica

Formalmente então, a decisão do voto na sociologia política é um caso especial da lei comportamental definida em [...]:

Vt1 = f(IP, ES, N)

Onde, a direção do voto de um indivíduo [(Vt1)] depende da natureza [e do volume] das relações ou interações políticas e sociais [(IP)] em que ele está envolvido [(relações intra e intergrupais)], da densidade da identidade política [(ES)] do grupo a que ele pertence e, obviamente, dos apelos momentâneos das campanhas [(N)].

(FIGUEIREDO, 1988, p. 79)

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ento eleitoral: teorias que explicam o voto

Para a Sociologia Política, as interações sociais são a principal unidade de análise. Parte-se da ideia de que os indivíduos não decidem isoladamente, ou seja, as ações de uns influenciam as ações dos outros. Dessa forma, interessa verificar as relações sociais em que os indivíduos estão envolvidos: são elas que condicionam as opções políticas.

Essas interações podem ocorrer de duas formas:

entre indivíduos do mesmo grupo; e

entre indivíduos de grupos diferentes.

O pesquisador tem de identificar a probabilidade de cada uma dessas interações ocorrer (em uma sociedade muito homogênea, por exemplo, a probabilidade de intera-ções entre pessoas diferentes diminui). Portanto, a pergunta do pesquisador deve ser

Qual a probabilidade de ocorrer cada um desses tipos de interação no universo que estou analisando?

Cada uma dessas interações (intra e intergrupal) produz efeitos diferentes: no primeiro caso, ocorre um fortalecimento da opinião política ou da identidade polí-tica do grupo, ao passo que no segundo ocorre um choque entre opiniões políticas divergentes.

Após a interação entre grupos diferentes (segundo caso), existe a probabilidade de ocorrerem três resultados:

um indivíduo pode aderir à opinião do outro;

ambos os indivíduos podem manter cada um a sua opinião; ou

ambos podem trocar de opinião, aderindo a uma terceira (FIGUEIREDO, 1988).

Quanto mais coeso for o grupo e quanto mais sólida for a identidade política1 dos indivíduos (quanto maior a densidade de interações entre membros do mesmo grupo), menor é a probabilidade de ocorrer mudança de opinião.

O período das campanhas eleitorais é o momento em que as interações sociais voltadas para o interesse político ocorrem em maior quantidade, sendo também o pe-ríodo em que a volatilidade das opiniões políticas tende a aumentar. Os apelos políti-cos dos candidatos durante a campanha podem ser decisivos para a oscilação das opi-niões, visto o aumento relativo das interações. Quanto menos intensa for a identidade política – a densidade das relações intragrupo –, mais suscetível o grupo estará aos apelos momentâneos da campanha.

1 Utilizamos a expressão identidade política no sentido da identificação do eleitor com um candidato ou partido específico.

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A fluidez ou rigidez da identidade política é gerada por processos amplos de constituição de identidade. A natureza das relações tanto dentro de um grupo especí-fico quanto entre grupos distintos está estritamente ligada às oscilações do contexto social como um todo. Assim, alterações conjunturais da estrutura social (da composi-ção social dos grupos), política (do tipo de regime político) e econômica (das relações econômicas e de produção) modificam a quantidade das interações e a qualidade das opiniões formadas a partir disso. A alteração das opiniões, por sua vez, altera a com-posição política (outros parlamentares serão eleitos caso as opiniões mudem radical-mente), o que ocasiona uma modificação na própria composição social (pois a esfera política produz efeitos na sociedade como um todo), reiniciando o fluxo.

Cadeia causal

Alterações sociais → Alteração da opinião política → Alteração da política → Alteração social...

O determinismo da abordagem sociológicaEste é um tipo de abordagem diacrônica do processo de alteração da decisão po-

lítica (diferente de um enfoque sincrônico, em que imperam os apelos dos candidatos durante a campanha). Por este processo, compreende-se como as opiniões políticas podem ser derivadas de conjunturas sociais e como formas políticas correspondem a formas sociais (ALMOND; VERBA, 1989; HUNTINGTON; HARRISON, 2002).

Neste ponto, ocorre uma nova diferenciação entre a abordagem sociológica e a psicológica, já que para esta última não importam os condicionantes externos ao indi-víduo, mas sim suas características subjetivas (explicação incondicional). A abordagem sociológica, por outro lado, é completamente condicional: o indivíduo não possui li-berdade de ação e sua subjetividade não é autodeterminada. É a realidade objetiva na qual o indivíduo está imerso que explica o seu voto. Assim,

As proposições fundamentais dos psicologistas [...] são incondicionais enquanto que para os sociologistas as proposições são condicionais aos tempos históricos e aos espaços sociais. Vem desta concepção a base para a teoria de “eleições críticas”, momentos em que observamos grandes deslocamentos de opinião (preferência partidária e direção do voto) que se consolidam posteriormente [...]. (FIGUEIREDO, 1988, p. 59)

Em suma, as interações sociais contribuem para a formulação da tomada de posi-ção política (especificamente, do voto) na medida em que fortalecem ou enfraquecem identidades políticas, causando alteração ou manutenção das direções do sufrágio. Tais identidades políticas são previamente construídas por um processo diacrônico (ao longo do tempo) que envolve todo o sistema social.

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ento eleitoral: teorias que explicam o voto

As pesquisas nesta área são preponderantemente quantitativas, com a coleta de dados em larga escala para produzir tabelas e traçar correlações.2

A corrente da racionalidadeNa corrente da racionalidade (ou economicista), a explicação do voto tem sua

lógica derivada das teorias econômicas ou, dito de maneira mais precisa, a teoria da racionalidade é o produto da aplicação, na esfera dos estudos políticos, da forma de pensar da economia (DOWNS, 1999).

Para essa teoria, tudo se passa como se o indivíduo fizesse um cálculo racional de custos e benefícios ou prováveis lucros e possíveis perdas no momento de decidir em quem votar. A direção do sufrágio seria então o produto da tentativa racional e calcu-lada de satisfação de dados interesses, como em um investimento financeiro.

O principal interesse perseguido pelos indivíduos, segundo a corrente da racio-nalidade, é o benefício econômico: o eleitor votaria baseado no seu interesse de me-lhorar ou manter sua condição financeira. E esse interesse se bifurca em dois: o eleitor pode ter um voto individualista ou coletivo.

No primeiro caso (individualista), o eleitor direciona o seu voto para atingir fins par-ticulares e está preocupado estritamente com as suas finanças ou condição pessoal.

No segundo caso (coletivo), ele estaria mais interessado na situação econômica do seu país, da sua cidade, do seu município etc.

Aqui, o eleitor deposita o seu voto em candidatos que ele julga capazes de melho-rar a situação econômica do coletivo de que faz parte; na primeira situação, ele direcio-na o sufrágio para candidatos capazes de alterar a sua situação financeira particular.

Além da orientação individualista ou coletiva, o cálculo racional do eleitor pode ser visto como retrospectivo e prospectivo. Ou seja: ele votará tendo como base as suas impressões passadas e as suas expectativas futuras, respetivamente.

Utilizando-se da sua avaliação do governo atual (da forma como foi desenvolvida a administração econômica – análise retrospectiva), o eleitor julgará se o mandato dos representantes foi ou não satisfatório e se eles têm capacidade de continuar atenden-do seus interesses no futuro (análise prospectiva). Em caso afirmativo, ele tenderá a votar pela reeleição (ou para a eleição de um candidato da base governista); em caso negativo, ele tenderá a votar em outro candidato (possivelmente um opositor). O elei-tor avalia, portanto, a situação com base no que o último governo conseguiu fazer e

2 No Brasil, é possível encontrar facilmente dados para essas pesquisas em instituições como Datafolha (<http://datafolha.folha.uol.com.br>) e IBGE (<http://www.ibge.gov.br/home>).

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no que ele ainda poderá fazer no futuro: se o governo tiver uma boa avaliação do elei-tor, tanto retrospectivamente quanto prospectivamente, tenderá a ter o seu voto; caso contrário, será a oposição que o terá.

Havendo mais de dois candidatos na disputa, o eleitor calculará com base nas in-formações de que dispõe sobre cada um deles: escolherá o candidato com mais capa-cidade para atender os seus próprios interesses. Por exemplo, se os candidatos já forem conhecidos, o eleitor fará uma análise retrospectiva (relembrando os defeitos e qualida-des deles) e uma avaliação do atual governo. Após o cálculo, ele optará por aquele que tem, a seu ver, maior potencial de realizar as suas projeções econômicas para o futuro. Opera-se, portanto, um cálculo racional prospectivo e retrospectivo com base nas infor-mações do eleitor sobre cada candidato – da mesma forma como um consumidor ao escolher determinado produto entre os disponíveis na prateleira do mercado.

Portanto, para a teoria da racionalidade há uma correlação direta entre desempe-nho das políticas econômicas dos candidatos e a direção do voto do eleitor: “Estudio-sos desta linha de investigação partem de uma observação histórica muito simples: se a economia vai bem os governantes ganham mais votos, se, contrariamente, a econo-mia vai mal a oposição se beneficia [...].” (FIGUEIREDO, 1988, p. 89)

Resumindo, podemos dividir a análise do eleitor acerca dos candidatos, e a con-sequente direção do sufrágio, em dois objetos e em dois tempos: os dois objetos são o governo atual e os candidatos de oposição; os dois tempos são o passado de cada um dos objetos e o futuro que o eleitor espera de cada um deles. O cálculo que de-terminará a direção do voto é feito tendo como base a análise da capacidade de cada candidato (possibilitada pelo resgate do passado de cada um) para realizar, no futuro, um interesse específico:

[...] o eleitor compara o que ele gostaria que estivesse acontecendo com o que está acontecendo e retrospectivamente [com base nas suas experiências passadas] avalia o desempenho dos governantes [...]. Em seguida, avalia quais dos postulantes [candidatos] têm melhores (ou mais) condições de oferecer políticas que respondam aos interesses que ele quer que sejam contemplados, avalia prospectivamente os postulantes [...]. (FIGUEIREDO, 1988, p. 117).

A partir dessa mesma lógica, a corrente racionalista cria dois tipos de eleitores: os que possuem um interesse em maximizar (“maximizantes”) os seus lucros e ganhos e os que se bastam com a sua situação atual (“satisfacionistas”). Aqui, verificamos dois inte-resses diferentes que se desdobrarão em dois cálculos cujos resultados serão também divergentes: se a economia vai bem, mas surgem candidatos que têm potencial de melhorá-la, estes candidatos tenderão a obter mais votos dos eleitores maximizantes; por outro lado, se colocados diante da mesma situação, os eleitores satisfacionistas

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ento eleitoral: teorias que explicam o voto

tenderão a manter a situação atual, votando na reeleição ou no candidato do gover-no, embora apareçam propostas melhores. Esses dois gêneros de eleitores fazem dois tipos de cálculos diferentes sobre a mesma situação, de modo que a maior ou menor presença de um deles pode definir o rumo das eleições.

Percebemos que, para a corrente da racionalidade, o voto é entendido como um mecanismo de alteração da realidade e o eleitor como um magistrado que julga os candidatos conforme os benefícios que estes podem lhe proporcionar. Dessa forma, o eleitor é tido como um agente criador da realidade política: a partir do seu cálculo ra-cional, ele contribui ativamente para determinar os rumos do mundo político e social. Essa corrente de explicação do voto trabalha ainda enfocando sempre o indivíduo, desconsiderando (ou dando pouca relevância) para os grupos sociais: o resultado das eleições seria, então, a soma das ações racionais de cada indivíduo particular.

ConclusãoCada uma das teorias que vimos resumidamente possui uma forma própria para

explicar o que motiva os indivíduos a votarem em um determinado candidato ou par-tido. A abordagem sociológica se diferencia das outras duas por manter seu foco nos grupos sociais, ao passo que a corrente psicológica e a da racionalidade focam o indi-víduo. No entanto, a teoria psicológica do voto trabalha com a dimensão subjetiva e inconsciente dos indivíduos, ao passo que a da racionalidade enfoca ações conscientes e calculadas.

De forma também distinta, o indivíduo é motivado, segundo a teoria racional, a votar em um candidato não por suas pulsões psicológicas nem pelas características do grupo a que pertence, mas por um cálculo racional: a decisão do eleitor é um ato vo-luntário, independente, baseado unicamente no seu interesse individual e de acordo com o cardápio de competidores disponível. No outro extremo, na corrente sociológi-ca, o indivíduo é em grande parte determinado pela posição que ocupa na sociedade, não cabendo, portanto, fazer escolhas.

A compreensão dos princípios orientadores do voto facilita o entendimento da forma como determinadas políticas, medidas e estratégias de campanha serão rece-bidas e avaliadas pela população. O conhecimento desses princípios é extremamente útil, por exemplo, em trabalhos de consultoria política para parlamentares e partidos, facilitando a compreensão dos dados e das demandas eleitorais. É de extrema impor-tância, portanto, conhecê-las e saber como e quando trabalhar com cada uma.

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Textos complementares

Democracia, comportamento eleitoral e racionalidade do voto(FIGUEIREDO, 1988)

Corrente sociológica

O comportamento eleitoral tem um antecedente que é a participação política. Votar é um ato final de um processo social mais amplo. A sociologia política preocupou-se fundamentalmente com as condições sociais subjacentes aos fenômenos propria-mente políticos [...]. Tais condições constituem-se nos contextos onde as instituições, as práticas, as ideologias e os objetivos políticos se formam e operam. Neste sentido, para se compreender o voto de um jovem ou de um idoso é necessário conhecer o contexto social e político onde esses eleitores vivem e como eles vivem esse contexto.

[...]

Portanto, são coletivos sociais e não indivíduos que imprimem dinâmica à polí-tica e são os resultados de ações coletivas que precisam ser explicados. As decisões individuais agregadas têm que ser compreendidas dentro dos diversos grupos so-ciais [...]. Elas supõem a estabilização ou mudança de atitudes, crenças, ideologias “em termos de associação com outros membros dos principais grupos de solidarie-dade que envolve o eleitor” [...].

Mas quem age, quem participa são indivíduos de forma organizada ou isolada-mente. Para a sociologia política o ato individual não é socialmente isolado. Propo-sições sobre ações individuais são derivadas da condição societal por excelência: a interação social.

A fonte epistemológica da explicação esta na interação social, que no modelo sociológico é estendida ao comportamento político. Proposições sociológicas são proposições sobre grupos sociais, envolvendo propriedades desses grupos. A redu-ção explicativa às características pessoais não é suficiente, pois a trajetória causal entre características individuais e atos sociais “passam através da totalidade das relações sociais” [...]. Em outras palavras, em situações sociais, onde as escolhas e

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ento eleitoral: teorias que explicam o voto

os comportamentos das pessoas dependem das escolhas e comportamentos das demais, proposições sobre indivíduos não podem ser somadas para gerar proposi-ções sobre os resultados agregados. O somatório de milhares de micromotivos não explica os macrocomportamentos.

Corrente psicológica

Os autores desse modelo tomam os indivíduos como a unidade original de aná-lise. O indivíduo é a fonte original de informação. Através das opiniões e autoavalia-ção dos indivíduos os dados são colhidos via pesquisa por amostragem – survey – a partir da qual generalizações são feitas para toda a população. Os dados devem também ser interpretados segundo as motivações psicológicas dos indivíduos. É neste sentido que Campbell e seus colegas formularam a fonte epistemológica de seu modelo: “ao desvendar o trajeto causal que leva ao voto começamos com as in-fluencias psicológicas imediatas sobre o ato de votar” e, acrescentam: “começamos a buscar da causalidade ao nível psicológico e concebemos o ato de votar como a resultante de forças atitudinais [...].

É importante ressaltar o que significam influencias psicológicas neste contexto. Esta conceituação é retirada dos estudos das teorias de grupo e psicologia social. Nestas teorias, orientações em direção a questões políticas começam antes dos in-divíduos terem idade para votar e, em grande medida, é um reflexo de seu ambiente social imediato, sendo a família o ambiente preponderante. Assim sendo, atitudes políticas são formadas e entram no sistema político através de um “sistema de per-sonalidade”, no sentido parsoniano1. Este processo de formação de atitudes é cha-mado de socialização política.

As atitudes adquiridas passam a fazer parte constitutiva da estrutura de perso-nalidade dos indivíduos, da mesma forma que outros aspectos a compõem. Sendo uma parte da psicologia humana, as atitudes políticas, consolidadas pela socializa-ção política tornam-se a base para a formação de opiniões, autoavaliações e pro-pensões para a ação frente ao “ambiente” político mais amplo. Agindo, reagindo e interagindo social e politicamente, a partir de uma base psicológica formada e com categorias políticas normativas razoavelmente consolidadas, as respostas dos indi-víduos a diferentes contextos serão sempre articuladas da mesma maneira.

1 O se faz referência o sociólogo Talcott Parsons (1902 - 1979), que desenvolveu uma extensa teoria sobre os sistemas sociais, incluindo, entre outros, estudos sobre teorias da ação social e sistemas de personalidade.

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Corrente da racionalidade

Inicialmente, esta linha de investigação rejeita peremptoriamente os compo-nentes psicológicos das motivações individuais como fatores explicativos para o comportamento político eleitoral. Relações de empatia entre eleitores e lideranças cedem lugar a relações de entropia: cada indivíduo isoladamente, no seu microcos-mo, reage e age continuamente em resposta ao estado da economia por ele perce-bido e experimentado [...].

O exercício do voto, embora visto como um componente essencial do arcabou-ço institucional da democracia tem, no entanto, uma função eminentemente instru-mental e estratégica [...]. As pessoas votam se este ato for visto como potencialmente capaz de trazer-lhes algum benefício social ou econômico divisível ou não. A visão épica da obrigação cívica cede lugar ao realismo histórico da luta política em defesa de interesses sociais e econômicos, quer individuais ou coletivos. Ideologia, identida-des políticas e culturais e valores são reduzidos a sistemas de interesses codificados com a função instrumental de simplificar a aquisição e processamento de informações necessárias para uma decisão política inteligente [...]. O homus psicologicus e o homus sociologicus cedem lugar ao homus economicus: eleitores votam por seus bolsos.

A competência política(CODATO, 2008, p. 2)

O povo não sabe votar! Desde que foi pronunciada, essa avaliação colou no imaginário político nacional. Vem eleição, vai eleição, os derrotados invocam esse princípio para explicar o sucesso dos líderes neopopulistas, a inevitável decadência da classe política, a falta de identificação entre os vitoriosos e a boa sociedade.

Essa opinião sobre o voto alheio toca no tema da “competência política”. Em resumo, o principal problema das democracias seria o seguinte: não se trata mais de discutir quem deve participar da política (problema do século retrasado), mas quem pode fazê-lo direito.

Há uma série de questões que vêm junto com esse assunto: a igualdade entre todos os cidadãos numa comunidade; a legitimidade do povo para intervir nos assun-tos públicos; a capacidade dos eleitores discernirem entre propostas políticas diferen-tes etc. Como se desconfia, o problema não é apenas científico, mas bem prático, à

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ento eleitoral: teorias que explicam o voto

medida que diz respeito à fórmula ideal da democracia representativa. Como deveria ser esse sistema? O pressuposto aqui é que pessoas mais informadas decidem melhor.

Por um bom tempo, os estudos de ciência política dedicados a medir a compe-tência política foram praticamente unânimes em verificar o baixo nível de informa-ção e sofisticação política da maior parte dos cidadãos. Essa perspectiva vigorou dos anos 1940 aos anos 1980, principalmente nos Estados Unidos, onde se desenvolve-ram mecanismos muito complexos para avaliar o comportamento político. Segundo a corrente então dominante, o problema da competência política estaria ligado ao nível de conhecimento factual dos eleitores sobre assuntos complicados e ao grau de coerência de suas opiniões a respeito de questões controversas.

Essa visão – que privilegia a dimensão “cognitiva” – está baseada em três pos-tulados. Primeiro: a competência política é um atributo individual, não um produto social. Ou seja, ela é uma qualidade que alguns têm, outros não. Segundo postula-do: a competência política pode ser medida objetivamente através de pesquisas de opinião. E terceiro: os resultados das pesquisas sobre determinados problemas (por exemplo: O que o senhor. pensa da política de privatização?; Como deveria ser a legislação do porte de armas?) podem ser organizados de acordo com a hierarquia de conhecimentos especializados que se detém sobre um assunto.

De uns tempos para cá, essa perspectiva cognitivista começou a ser questiona-da pela sociologia política e pela antropologia política. Num número bem recente da Revista Francesa de Ciência Política” (vol. 57, n. 6, dez. 2007), o enigma da compe-tência política começou a ser posto numa perspectiva um tanto diferente da usual.

Um conjunto de estudos feitos no Chile e na França durante eleições munici-pais enfatizou três pontos que contrariam as opiniões mais aceitas até então.

A competência política, isto é, a capacidade de conhecer e reconhecer propos-tas, projetos, políticos, partidos, nunca é individual, mas coletiva. É na interação, na convivência social (no trabalho, na escola, no lazer, em família) que as pessoas ad-quirem informações que depois irão embasar seus julgamentos dos candidatos e a decisão do voto.

Os instrumentos científicos e aparentemente neutros que serviriam apenas para medir opiniões podem influenciar decisivamente os resultados encontrados. Questionários com perguntas do tipo “sim ou não”, “verdadeiro ou falso”, “concorda ou discorda” inibem os entrevistados, supõem que todos devam ter opinião sobre tudo e forçam escolhas entre alternativas construídas pelo instituto de pesquisa (ou

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pelo cliente que encomendou o negócio). Entrevistas do tipo “conversa” com peque-nos grupos são mais apropriadas para captar as nuanças das opiniões políticas.

Por fim, é preciso relativizar a importância de conhecimentos factuais superes-pecializados na produção da opinião pública.

Normalmente, cidadãos tendem a lançar mão de outros recursos de informa-ção e interpretação, especialmente quando votam. Essa constatação ressalta as muitas formas disponíveis de apreensão dos assuntos políticos, retirando o proble-ma do domínio exclusivo dos níveis desiguais de competência (mais escolarizado, mais politizado).

Há métodos muito práticos para decifrar os sentidos da política e para elabo-rar julgamentos “corretos”. Elementos inesperados e a princípio muito rudimenta-res podem servir para situar as pessoas diante das opções disponíveis: as cores dos partidos, os símbolos, músicas, o vestuário dos candidatos. De toda forma, muitas outras instituições – as igrejas, por exemplo – fornecem instrumentos, morais, reli-giosos, de classificação e de avaliação de partidos e de candidatos.

Isso significa que a educação formal (tempo de escola, nível de cultura e/ou de consumo de bens culturais) não é um pré-requisito indispensável para que as pesso-as sejam politicamente competentes. Ajuda, mas não é o único caminho [...].

Atividades

No pleito de 1998, que terminou com a reeleição de Fernando Henrique Car-1. doso para a presidência da república, o candidato vencedor sempre se man-teve na dianteira nas pesquisas de intenção de voto. Como podemos explicar, segundo os pressupostos da corrente da racionalidade, a orientação do voto dos eleitores nessa competição e a hegemonia política de FHC? Utilize como base para a sua resposta as informações abaixo e pesquise dados econômicos desse período.

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ento eleitoral: teorias que explicam o voto

Evolução da intenção de voto para Presidente da República (estimulada e única, em %)

10/11 mar 1998

29/30 abr

1998

27/28 mai

1998

08/09 jun

1998

08/09 jul

1998

14 ago

1998

01/02 set

1998

17/18 set

1998

24/25 set

1998

02 out

1998

Fernando Henrique Cardoso (PSDB)

Lula (PT) Ciro Gomes (PPS) Enéas (PRONA)

41 41

34 33

4042

48 48 4649

25 24

30 3028

26 26 2625 25

10

77 7 7 8 9 10

6 5 5 4 4 3 3 3 2

8 89

DAT

A F

OLH

A, 1

998.

Ada

ptad

o.

Fernando Henrique Cardoso

5

10

30

56

EnéasCiro GomesLula

Boca de Urna votos válidos em %

DAT

A F

OLH

A, 1

998.

Ada

ptad

o.

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ento eleitoral: teorias que explicam o voto

Observe as tabelas abaixo, referentes às eleições de 1994, quando ocorreu a pri-2. meira vitória de Fernando Henrique Cardoso na disputa presidencial. De meados até o final de julho de 1994, o candidato vencedor contava com menos eleitores na faixa dos que ganhavam menos de cinco salários mínimos do que o seu rival (Lula). Todavia, ocorreu uma mudança na orientação do voto: ao final do pleito, FHC angariava muito mais votos do que Lula naquela mesma faixa de renda. Como podemos explicar essa alteração por meio da corrente sociológica e da perspectiva interacionista (aquela que enfatiza a relação entre grupos sociais)? Utilize os dados abaixo e, por conta própria, pesquise sobre o período.

ATÉ 5 S.M.

CATEGO-RIA

11 E

13/

7/94

25 E

26/

7/94

8 e

9/8/

94

16 A

18/

894

22/0

/94

29 E

30/

8/94

5/9/

94

9/9/

94

13 A

15/

9/94

20 A

22/

9/94

27 E

28/

9/84

Fernando Henrique 22 26 33 40 42 40 42 42 44 45 47

Lula 34 32 30 24 23 23 23 22 21 21 22

Brizola 8 8 7 6 6 6 5 6 5 1 1

Quércia 7 8 7 6 4 6 6 5 7 7 6

Outros 5 5 5 5 4 5 5 5 6 6 8

Em branco/Nulo/Não sabe

20 20 17 19 20 17 19 19 18 16 14

MAIS DE 10 S.M.

CATEGO-RIA

11 E

13/

7/94

25 E

26/

7/94

8 e

9/8/

94

16 A

18/

894

22/0

/94

29 E

30/

8/94

5/9/

94

9/9/

94

13 A

15/

9/94

20 A

22/

9/94

27 E

28/

9/84

Fernando Henrique 34 39 46 48 48 52 47 48 47 51 49

Lula 34 30 27 23 24 22 26 25 24 23 24

Brizola 5 5 4 3 4 3 3 3 3 3 2

Quércia 4 5 4 3 4 4 3 3 3 4 3

Outros 9 9 8 9 9 8 9 10 10 9 11

Em branco/Nulo/Não sabe

14 13 11 13 12 12 12 11 12 9 10

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Comportam

ento eleitoral: teorias que explicam o voto

Explique, com suas palavras, as principais diferenças e semelhanças entre as 3. três correntes que explicam o voto.

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Gabarito

A Ciência da Política: sua definição e suas principais correntes teóricas

É possível traçar uma distinção clara entre a política institucional, isto é, a políti-1. ca relativa aos fatos políticos ligados ao governo ou ao Estado, e os fenômenos políticos ou a política em sentido amplo, isto é, os fenômenos sociais em que há algum tipo de relação de poder. Fenômeno político é qualquer fenômeno (social) em que há uma relação de poder, seja qual for a forma. E há um con-traste com a política stritu sensu: ambas as acepções implicam a existência de relações de poder, mas só a política stritu sensu restringe esses fenômenos à política institucional.

Há uma relação necessária entre poder e fenômeno político, bem como entre 2. essas duas instâncias e a Ciência Política. Todo fenômeno social que envolve poder, em algum grau, é um fenômeno político; um fenômeno político é um fenômeno social que, de alguma forma, envolve poder. Todo fenômeno político envolve poder e todo fenômeno que envolve poder é um fenômeno político. O objeto da Ciência Política está nos fenômenos políticos, e os fenômenos po-líticos são aqueles marcados pelo poder. Assim, o objeto da Ciência Política é, também, o poder. Só existe Ciência Política porque existe poder ou fenômenos políticos nas sociedades humanas.

Há uma distinção entre ciência e política. A Ciência Política toma a política como 3. objeto de estudo (a Ciência Política descreve e explica os fenômenos políticos), sendo que ciência e política são práticas sociais diferentes. A ciência tem um caráter heurístico, objetivo ou cumulativo, enquanto a política desfruta de um caráter prescritivo, normativo ou valorativo.

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O marxismo foca o Estado e a dominação social. Ele entende a sociedade como 4. dividida por classes sociais que lutam entre si pelos bens mais valorizados. O Estado favorece a conservação da ordem, cumprindo um papel central na do-minação.

O culturalismo foca a cultura política, e entende que a cultura de uma socieda-de é determinante para o funcionamento das instituições políticas.

O neoinstitucionalismo de escolha racional, por sua vez, privilegia o compor-tamento dos eleitores ou as ações dos políticos profissionais, e entende que todos os seres humanos são racionais, buscando sempre realizar seus objetivos com o mínimo dispêndio de energia.

O poder: as perspectivas objetivistas e subjetivistas

Política e poder são fatos inseparáveis. Os fenômenos políticos ou a política 1. sempre envolvem (relações de) poder porque todo fenômeno político envolve algum grau de conflito.

Segundo Hobbes, os poderes naturais são constituídos por atributos ou pro-2. priedades inatas aos indivíduos; já os poderes instrumentais são atributos ad-quiridos posteriormente, como dinheiro, prestígio, reconhecimento etc. Eles são formas de poder porque conferem àqueles que os possuem maiores chan-ces de realização de seus interesses e de obtenção de bens de todo tipo.

A concepção subjetivista enfatiza os indivíduos (ou sujeitos) e as relações inter-3. subjetivas e entende o poder como uma relação em que alguém tenta impor sua vontade sobre outrem por meio da mobilização de recursos (por exemplo, os meios coercitivos), enquanto a concepção objetivista entende o poder como um fenômeno objetivo, isto e, externo aos indivíduos e generalizado, que de-corre do próprio funcionamento das instituições sociais, fazendo que uns sejam e outros não sejam privilegiados na ordem social.

O poder não se reduz a situações em que há um conflito explícito entre os agen-4. tes sociais. As formas explícitas são mais claras, envolvendo um combate evi-

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Gabarito

dente e aberto entre as partes. As formas mais sutis são aquelas imperceptíveis, em que os próprios dominados não têm consciência de que estão submetidos ao poder (como nas situações em que atua um poder simbólico). A concepção objetivista aproxima-se desta última, pelo fato de entender o poder como um fenômeno que opera por meio das próprias instituições sociais.

O Estado moderno: a teoria contratualista e sua crítica sociológica

O conceito de Estado foi pensado de duas maneiras: a partir de uma perspec-1. tiva individualista ou voluntarista, e a partir de uma perspectiva histórica e de-terminista.

No primeiro caso, podemos situar os filósofos contratualistas, principalmente Hobbes, Locke e Rousseau. De acordo com os contratualistas, o Estado seria o produto de um contrato firmado entre os homens por meio de um processo de-liberativo escolhido voluntariamente. Este contrato estaria ligado diretamente a uma ideia de direito natural ou de natureza humana, sendo ele o garantidor dos direitos básicos – assim o é para Rousseau (a liberdade) e Locke (a pro-priedade) – ou um inibidor da natureza humana (conforme entende Hobbes). Assim, o contrato cumpriria a função de regular os direitos e os deveres tendo como base os dados da natureza dos indivíduos.

Para o segundo tipo de abordagem, o Estado deve ser entendido a partir de uma perspectiva histórica. Um dos principais pensadores dessa corrente é Max Weber. Para ele, tanto o voluntarismo quanto a ideia de direito natural são proscritos da análise e são ambos inseridos em um modelo histórico em que a ação humana possui limites historicamente determinados pelo desen-volvimento do coletivo. Ou seja, não se pode pensar o Estado enquanto um produto da vontade dos agentes quando estamos falando da teoria de We-ber e da grande maioria dos pensadores que escrevem a partir da segunda metade do século XIX, pois o Estado, para esses autores, é gerado em longos processos de desenvolvimento histórico, os quais alteram gradativamente a sociedade e não são comandados pela ação ou pela vontade deliberada e consciente dos sujeitos.

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2. Segundo Weber, o Estado dispõe de dois mecanismos pelos quais se define: as justificativas internas e externas.

As justificativas internas são os três tipos puros de dominação. Elas existem na exata medida em que os dominados (ou os súditos) crêem na validade da do-minação. Elas dizem respeito, portanto, ao caráter subjetivo da dominação, pois estão ligadas à crença dos dominados.

As justificativas externas são os aparatos técnicos e infra-estruturais do Esta-do, os seus recursos materiais (exército, riquezas, homens, tecnologia etc.). Por meio deles, o Estado impõe a sua autoridade. As justificativas externas são me-canismos de coação objetivos, pois atingem diretamente os dominados.

A partir de uma citação de Weber, conseguiremos compreender melhor a defi-nição clássica das ciências sociais sobre o Estado: “Em nossa época, entretanto, devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território, [...] reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física [...].” (WEBER, 1989, p. 56) Ou seja, com o con-ceito weberiano conseguimos identificar as duas esferas, objetiva e subjetiva, da ação estatal: a violência física é o principal mecanismo objetivo por meio do qual o Estado consegue impor a sua autoridade. A principal justificativa externa da dominação do Estado é a violência física.

A legitimidade mencionada por Weber diz respeito ao reconhecimento dos ci-dadãos, a crença deles de que o Estado pode dispor dessa força: os cidadãos crêem que é legitimo somente o Estado dispor desse recurso (a violência física).

Assim, tanto por uma coação objetiva quanto por uma crença subjetiva (por um mecanismo externo ou interno, respectivamente), o Estado consegue al-cançar e tutelar os indivíduos, transformando-os em súditos, cidadãos etc.

3. Para Bourdieu, o Estado é uma realidade histórica na medida em que não é o produto nem da vontade autônoma dos indivíduos e nem de necessidades imanentes à existência humana: o Estado é produto de conjunturas históricas particulares, as quais o originaram a partir de sua própria especificidade. Logo, o Estado é produto uma singularidade histórica que ocorre a revelia dos inte-resses particulares dos indivíduos.

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Gabarito

O Estado burocrático: racionalidade e dominação

Uma cerimônia de formatura (em um curso de graduação, por exemplo) pode 1. servir como ilustração de um rito de instituição, já que por meio dos procedi-mentos formalizados e da autoridade institucional presente (o reitor, vice-reitor etc.) outorga-se aos formandos uma nova identidade social (neste caso, uma identidade profissional), garantida juridicamente por um título escolar (um di-ploma reconhecido pelo Ministério da Educação) e capaz de conferir aos de-tentores uma autoridade que eles não possuíam até então (autoridade como médico, bacharel em direito, engenheiro civil etc.).

As mais variadas alterações em regras e processos que gerem a vida pública 2. servirão aqui de exemplo, como modificações na legislação de trânsito; nas re-gras da aposentadoria; na política econômica; nos critérios de ingresso no ensi-no superior. São todos exemplos claros da ação de normalização do Estado.

O romance 1984, de George Orwell – posteriormente transformado em filme –, 3. ilustra com bastante veemência um Estado que conseguiu centralizar de ma-neira praticamente total todos os recursos administrativos de uma dada socie-dade, tornando-se assim onipresente e capaz de vigiar cada aspecto da vida de seus cidadãos, por meio de órgãos especificamente designados para tal (Minis-tério da Verdade; Ministério do Amor; Ministério da Fartura).

O Estado capitalista: as perspectivas marxista e weberiana

Essas teorias se diferenciam em dois pontos principais: em relação à autono-1. mia e à heteronomia do Estado; e em relação ao enfoque sobre a finalidade do Estado.

A teoria marxista busca explicar o Estado por meio de forças que atuam fora dele. O Estado é uma função das lutas de classe e tem sua forma modificada conforme o estágio dessas lutas, pois o Estado existe para assegurar a predo-minância das classes detentoras dos meios de produção. Assim, conforme se acentuam as lutas de classes ou, em outras palavras, conforme é colocado em risco o monopólio dos meios de produção, o Estado entra em ação para aten-der à sua finalidade.

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Ao contrário da perspectiva marxista, a teoria weberiana toma como unidade de análise as relações sociais que ocorrem dentro do Estado e têm como moti-vação e/ou como propósito a ampliação ou a diminuição do poder do Estado. Além disso, busca-se entender o Estado não por meio de sua função, mas pelas formas específicas (históricas) – que ele pode assumir.

A teoria marxista é dividida entre uma visão instrumentalista e uma visão estru-2. turalista na questão do Estado. Dado que o Estado, segundo toda a teoria mar-xista, cumpre uma função geral – garantir a dominação dos proprietários dos meios de produção –, a pergunta que separa as diversas correntes marxistas é: como esse processo ocorre?

A teoria instrumentalista, de matriz empírica, tem como foco os indivíduos e postula que os indivíduos que ocupam o Estado pertencem à classe dominante ou estão diretamente ligados a ela em graus diversos e por meio de mecanis-mos mais ou menos complexos. Por meio de uma ação direta ou mediada por seus contínuos, os indivíduos que integram as classes dominantes mobilizam o Estado para que este atenda aos seus interesses. O analista armado dessa visão deve sempre realizar uma pesquisa empírica para checar se de fato isso ocorre e como ocorre.

A teoria estruturalista se define pelo oposto: partindo de uma análise sistêmica e lógica (não empírica), crêem esses cientistas sociais que o Estado reproduz os interesses da classe dominante independentemente da presença física ou da relação direta entre os indivíduos dessa classe e os ocupantes do aparelho do Estado (burocratas de alto escalão, ministros, parlamentares etc.). Na verdade, o Estado atende aos interesses da burguesia porque são esses interesses que constituem e dominam a vida social. Como os ditames das estruturas condicio-nam as vontades dos indivíduos e a própria estrutura está submetida à ordem econômica, a ações do Estado estarão submetidas, automaticamente, à cama-da dominante da ordem social dominante.

A teoria weberiana está dividida entre uma abordagem sincrônica (que se es-3. força para classificar os vários tipos de Estado em momentos determinados, fi-xos da história) e uma abordagem diacrônica (que tem o objetivo de identificar o processo de passagem de um tipo de Estado para outro).

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Gabarito

Para classificar os tipos de Estado (abordagem sincrônica), o pesquisador deve adotar a comparação, identificando elementos relevantes em cada formação estatal e observando como essas variáveis se manifestam qualitativa e quan-titativamente em cada Estado. A partir daí, ele produz um conceito, bem de-finido, por meio do qual caracterizará os Estados que apresentarem o mesmo padrão que o seu modelo.

Ao adotar uma abordagem histórica (abordagem diacrônica), o pesquisador deve operar de forma semelhante ao caso anterior: devem ser selecionadas variáveis relevantes, mas em vez de observá-las de forma estática no tempo, deve-se verificar como elas variam ao longo de um dado espectro temporal.

Todavia, essas abordagens não são opostas, mas complementares, pois se pode partir de um tipo de Estado (uma classificação estabelecida) e verificar como ele se transforma em outro tipo (realizando uma segunda classificação com base em suas transformações).

Formação e desaparecimento do Estado: perspectivas marxista e weberiana

Existem duas abordagens que explicam a gênese do Estado através da história: 1. uma que foca as lutas de classe como variável central da explicação, outra que foca a concentração do poder social no Estado.

A primeira tende a explicar o Estado por meio de forças situadas fora dele, ou seja, trata-se de uma explicação externalista – as lutas de classe, as quais, si-tuadas no campo econômico/político/ideológico, buscam alterar ou manter o monopólio dos meios de produção (a classe que detém os meios de produção luta para manter o seu monopólio, ao passo que a classe que não os possui luta para destruí-lo). Essas lutas são o fator que dá origem a todas as mudanças na história e essas mudanças produziram o Estado. Assim percebemos que o Estado e a sociedade são um produto de uma única causa (lutas de classe) e que o Estado é explicado por meio de uma variável externa a ele (o que causa o Estado não são as forças internas ao Estado, mas uma força que age fora dele). Essa é a explicação marxista.

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O segundo marco teórico – o weberiano – é o oposto disso, pois por meio dele podemos explicar a formação do Estado focando unicamente suas forças inter-nas. Assim, o Estado é o produto das lutas existente pelo poder administrativo. Essas lutas visam ao controle e a concentração do poder em um único centro. Percebemos aqui a perspectiva internalista: o Estado, além de deter o monopó-lio do poder, é formado por meio de lutas propriamente administrativas centra-das em torno do poder político.

Podemos dividir os recursos expropriados em dois tipos: recursos materiais e 2. recursos simbólicos.

Os recursos materiais formam a infra-estrutura administrativa: exército, ho-mens, ouro, armas etc. Os recursos simbólicos são as representações, ideias, ideologias, crenças coletivas etc. Assim, o Estado se funda a partir do momento em que consegue para si o monopólio legítimo desses dois tipos de recursos, isto é, tanto o monopólio da coerção física quanto da coerção simbólica.

A expropriação dos recursos materiais ocorre quando o Estado passa a dispor de um exército permanente, um sistema de crédito e impostos, eliminando, co-optando ou submetendo as elites locais e as milícias privadas. A expropriação dos recursos simbólicos ocorre a partir do momento em que o Estado cria ins-tâncias de produção de crenças, cujo exemplo mais claro é a escola, por meio da qual o Estado consegue imprimir princípios ou referências com que o indiví-duo consegue se orientar no mundo (princípios de julgamento, de escolha ou gostos) – essa tarefa era antes executada pelo clã, pela família ou pelo grupo de parentesco.

3. Existem duas teorias que tratam o tema do fim do Estado: a teoria comunista e a teoria das multinacionais. Entre elas há uma semelhança fundamental, pois ambas tendem a adotar uma abordagem economicista, ou seja, pretendem ex-plicar a extinção do Estado a partir de uma variável econômica.

Apesar dessa semelhança, existe uma grande diferença entre elas: cada uma tem sua própria a abordagem economicista. A teoria comunista tende a crer que o fim do Estado ocorrerá simultaneamente ao fim do sistema econômico capitalista, que divide a sociedade em classes. Ao contrário, a teoria das supra-nacionais tende a crer que o fim do Estado ocorrerá quando a conjuntura eco-nômica atual for elevada ao seu extremo, for radicalizada. Assim, as empresas supranacionais englobariam os Estados nacionais.Ci

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Gabarito

O conceito de ideologia

Há vários problemas metodológicos para se estabelecer uma definição objetiva 1. e consensual do conceito de ideologia, como a variabilidade histórica (de uso e de significado) do conceito ou a confusão entre o objeto de estudo e o obser-vador. Uma definição conceitual deve ser histórica, considerando os diferentes sentidos que o conceito tomou ao longo do tempo e os usos que dele foram feitos no decorrer da história. Além disso, são muitas as definições para o con-ceito de ideologia.

Acredito que a definição “sociológico-cognitiva” seja a mais útil para nos refe-2. rirmos às ideias políticas porque abrange as duas características principais das ideias políticas:

seu aspecto comunicativo, cognitivo, linguístico, ou seja, a função que as ideias cumprem possibilitando aos indivíduos entender e atribuir sentido ao mundo; e

seu aspecto político e agonístico, ou seja, como um instrumento de luta, de valorização e de hierarquização.

Acredito que essa definição seja mais útil cientificamente por tentar conciliar esse duplo aspecto das ideologias que as outras definições opõem entre si, res-saltando um aspecto em detrimento do outro. Assim, as definições de orien-tação mais política tendem a ressaltar o aspecto político das ideias políticas, entendendo-as como instrumentos de ludíbrio e falsificação da realidade ou como elementos de doutrinas políticas, ou como uma mera visão de mundo por meio da qual os indivíduos entendem a realidade.

A meu ver, a definição mais usual de ideologia é a pejorativa, ou seja, aquela 3. que define as ideias alheias como “falsas” ou como instrumentos de ludíbrio e de manipulação que os agentes utilizam para realizar interesses egoístas. Quando as pessoas – digamos, militantes políticos – acusam os argumentos dos outros de “ideológicos”, geralmente o fazem com o intuito de lançar dúvida sobre eles. Sugere-se que há alguma “tendência”, de fundo interessado, que faz com que os indivíduos manipulem suas ideias de modo a enganar os adversá-rios. Os argumentos, opiniões, discursos – em uma palavra, as ideias daqueles que acusamos de serem “ideológicos” – são assim vistos como falsas aparências, como um véu que esconde uma intenção real que é dissimulada.

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Doutrinas políticas da era moderna: liberalismo, socialismo e fascismo

Uma definição precisa1.

ser multidimensional, considerando tanto as ideias políticas (tal como se ma-nifestam e tal como realmente operam na prática efetiva) como as instituições políticas (dos regimes políticos baseados naquelas doutrinas);

ser histórica, ou seja, precisa considerar a transformação das ideias e institui-ções em função dos contextos e circunstâncias históricas singulares, não ha-vendo, portanto, uma definição “natural” de cada doutrina política.

Essas condições derivam do fato de as doutrinas políticas serem fenômenos históricos, ou seja, fatos que se constituíram por meio de lutas e jogos sociais, o que faz que seus conteúdos mudem constantemente; e torna a definição cien-tífica mais difícil, por se tratar de objetos em disputa política.

É possível contrapor o socialismo, o liberalismo e o fascismo, por exemplo, no 2. que diz respeito à questão da planificação da economia versus livre-mercado.

O liberalismo, inspirado no pensamento dos fisiocratas franceses, favorece o re-gime de livre-mercado. Os liberais acreditam que as potencialidades humanas são mais bem realizadas quando são deixadas para se desenvolver livremente, por si próprias, sem interferência externa. Esse pensamento é aplicado à eco-nomia da seguinte forma: sendo todos os indivíduos igualmente racionais, se eles estiverem livres para investir, produzir e consumir no mercado sem inter-ferências externas, da aparente desordem das trocas individuais derivará uma racionalidade objetiva que irá distribuir de forma (mais) justa os recursos entre os indivíduos.

O socialismo, ao contrário, defende a planificação da economia, e isso por dois motivos. O primeiro é que a economia livre dos liberais é uma economia capita-lista que não produz uma distribuição justa e racional dos recursos, mas antes de tudo desigualdades. Isso não ocorre porque os indivíduos são irracionais, mas porque o sistema o é: dividido em classes antagônicas, o capitalismo se funda na

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Gabarito

produção de desigualdades sócio-econômicas. É preciso, assim, planejar a eco-nomia de modo a quebrar o ciclo de injustiças típicas da economia capitalista.

O fascismo, por sua vez, varia entre esses extremos. Ele não prega a abolição da propriedade privada, mas também abomina o individualismo inerente à con-cepção liberal e à economia capitalista. Baseado na ideia de que o Estado é o reflexo da vontade do povo e do espírito da nação, os fascistas entendem que é dever do Estado estabelecer os rumos da atividade econômica. A planifica-ção, contudo, não atinge o nível dos regimes socialistas, e sua finalidade não é nunca suprimir a propriedade privada ou socializar os meios de produção, mas manter a economia submetida aos interesses que os fascistas entendem como próprios do “espírito e da cultura da nação”.

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que é possível até mesmo não es-3. colher doutrina alguma, mas é preciso fundamentar a decisão e as posições por meio de uma argumentação que considere as descrições apresentadas, de-fendendo, criticando, observando. Assim, apresentamos aqui um exemplo de resposta possível:

“O liberalismo é a melhor ideologia política. A história já demonstrou que sempre que um partido burocratizado alcança o poder absoluto, ele passa a amalgamar-se e a confundir-se com o Estado, gerando um governo totalitário e opressivo, que tende a se estender a todas as esferas da vida, sufocando a vida individual. Isso é patente no socialismo, que, em vez de acabar com o Estado, tornou-o mais forte, fazendo da burocracia estatal a nova elite dominante. Já sabemos também o que derivou do fascismo. Um regime liberal, ou social-de-mocrata, é a saída mais equilibrada.”

Grupos, interesses e representação política

Diversos exemplos podem ser encontrados. Selecionamos uma notícia publi-1. cada na Folha Online, em 14 de abril de 2009, sob o título “Vale enxuga estru-tura e reduz equipe de diretores”: “Diante da dificuldade em retomar as vendas de minério, a Vale acelerou a reorganização de seu organograma para eliminar sobreposições de atuação. Na semana passada, quatro executivos deixaram a empresa, entre eles o ex-presidente do BNDES Demian Fiocca, que ocupava a diretoria de gestão e sustentabilidade”. Neste caso, o termo coletivo utilizado como sujeito da ação “enxugar [o organograma]” é a Vale, antiga Vale do Rio

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Doce, uma das maiores empresas de mineração do mundo. Evidentemente, empresas não possuem subjetividade e não podem agir. Quem age, ao con-trário, são os indivíduos que a compõem (diretores, técnicos, engenheiros etc.). Assim, a explicação tem de passar necessariamente por esses indivíduos e por seus interesses. No evento em questão – a reorganização do organograma da empresa – seria fundamental mapear as posições dos diferentes acionistas, seus interesses, propósitos explícitos e implícitos, bem como as regras institucionais que organizam a interação entre eles. Trata-se, assim, de explicar como ocorre de fato o processo decisório dentro da empresa, sem recorrer a frases taquigrá-ficas, e sociologicamente mistificadoras, como “Vale enxuga estrutura”.

Tais situações ocorrem em diversas configurações e situações sociais, desde os 2. clubes até sindicatos, partidos e associações. Tome-se o caso dos sindicatos: mes-mo supondo que os trabalhadores de uma determinada categoria (os metalúr-gicos, por exemplo) possuem interesses comuns, ainda assim suas organizações representativas se sustentam apenas graças a uma “contribuição” compulsória, o chamado “imposto sindical”, e não por meio de contribuições voluntárias. Além disso, a filiação a um sindicato não oferece apenas os ganhos oriundos das lu-tas salariais (ganhos que mesmo os não filiados obtêm), mas também ganhos individuais: prêmios, facilidades, opções de lazer etc. Tais ganhos individuais, distintos da simples luta salarial, são o exemplo da afirmação de Olson de que a tendência dos indivíduos racionais é a abstenção, a não ser que sejam criados mecanismos organizacionais que a neutralizem, como, neste caso, o “imposto sindical” e os benefícios individuais que a filiação sindical oferece.

Tanto os elitistas quanto os partidários da Teoria da Escolha Racional rejeitam a 3. noção de representação de interesses, ou seja, rejeitam a ideia de que os políti-cos sejam capazes de representar interesses que não os seus próprios.

Para Anthony Downs, o político está interessado em votos, condição para que se reeleja e para que possa usufruir da renda, do prestígio e do poder que advêm da ocupação de um cargo, sendo que a relação que ele mantém com os eleitores é de troca: votos são dados em função de políticas, decisões, medidas favoráveis.

Para os teóricos do elitismo, que concentram a análise não no indivíduo auto-centrado, como faz Downs, mas nas minorias politicamente ativas – as elites – também não faz sentido falar em representação de interesses: os grupos de elite não perseguiriam outros interesses que não os seus próprios – basicamen-te, os de se perpetuar no poder ou de tomá-lo (das mãos de outra elite). As re-Ci

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Gabarito

ferências aos interesses das massas ou do povo seriam, nessa perspectiva, mera retórica, muito mais próxima da manipulação cínica do que de uma autêntica relação de representação.

Comportamento eleitoral: teorias que explicam o voto

Quando FHC assumiu a presidência, em 1994, o país se encontrava em uma 1. profunda crise inflacionária. A inflação foi, no Brasil, um problema econômi-co crônico que desvalorizava rapidamente a moeda, reduzindo drasticamente o poder de compra dos salários, em especial dos trabalhadores, atingindo-os diretamente. Todavia, com a implantação do Plano Real (um plano de estabili-zação econômica iniciado em 1993 no governo de Itamar Franco), houve uma significativa queda nas taxas de inflação e uma ampla melhoria das condições econômicas nacionais.

Nessa conjuntura, é possível dizer que os eleitores “satisfacionistas” votaram em bloco em FHC; alguns eleitores “maximizantes” votaram em FHC por acreditar que ele poderia melhorar ainda mais a situação econômica; e a porção de votos que coube a Lula foi dada por eleitores “maximizantes” que acreditaram que esse último era mais capaz que FHC para melhorar a situação econômica.

Em suma, os rumos econômicos tomados pelo País durante o primeiro manda-to de FHC (em comparação com a situação econômica em que o Brasil se en-contrava antes de 1994) possibilitaram a sua reeleição. Portanto, a forma mais sensata de explicar essa eleição é por meio da corrente da racionalidade, abor-dando a diferença entre eleitores maximizantes e satisfacionistas.

A corrente sociológica é a perspectiva mais adequada para a análise desse fe-2. nômeno. Poderíamos dizer que

o candidato Fernando Henrique Cardoso (FHC) produziu um discurso que entrou em sintonia com a ideologia dessa classe social (indivíduos que ganha-vam menos de cinco salários mínimos);

o volume de interações internas dessa classe não era tão grande quanto o volume de interações intraclasse, o que possibilitou a alteração da tomada de posição política dos indivíduos que recebiam menos de cinco salários mínimos, os quais aderiram em massa aos apelos momentâneos da campa-nha de FHC.

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Portanto, com base nos dados e na teoria sociológica do voto, podemos inferir que essa fração da sociedade não possui forte identidade política com um can-didato ou partido ou que a qualidade das interações políticas no interior dessa classe é inferior à qualidade das interações políticas fora da classe. Esse fato possibilitou a mudança da direção do voto (de Lula para FHC) ou a adesão aos apelos políticos momentâneos de FHC – os quais, provavelmente, adequaram-se às demandas ideológicas da classe em questão.

O segundo quadro nos ajuda a reiterar essa hipótese. Ao perceber que as clas-ses altas votam mais em FHC do que as baixas, podemos inferir que elas pos-suem uma identidade política mais coesa que a das classes baixas, o que facilita que aqueles que ganham mais de dez salários mínimos consigam convencer os demais a aderir à sua posição.

A corrente psicológica busca explicar o voto por meio das pulsões psicológicas 3. dos indivíduos e tem como centro de análise o indivíduo. A partir da identifi-cação das causas psicológicas do voto, a conclusão é generalizada para todo o grupo, que se comporta politicamente de forma semelhante.

A corrente economicista também tem como unidade de análise o indivíduo, porém o seu princípio de análise não é subjetivo e inconsciente, pois leva em consideração as ações conscientes e calculadas. Em nenhum momento há refe-rência a um grupo social específico, pois a análise se centra completamente no indivíduo, nas suas estimativas e avaliações, que sempre visam a atingir interes-ses específicos conscientemente elaborados e definidos pelos agentes.

Por fim, a corrente sociológica se distancia de ambas ao ter como unidade de análise os grupos sociais e as interações entre eles. Cada tomada de posição política (no caso, o voto) tem como correspondência uma dada posição na so-ciedade. Assim, é necessário identificar essa relação entre sufrágio e posição social objetiva.

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