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Cidade Genérica

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Cidade Genérica

CONGREXPOIn one day Congrexpo could hold a Pixies concert, a World Chess Association Conference, and the European Grand Tractor Pull, cater a banquet for 1.500 butterfly collectors, prepare 400 croque-monsieurs-to-go, serve a formal dinner for 250, provide refreshments at any of 17 bars, park 1.200 cars, sell 6.000 concert tickets, register 2.350 electronic ballots, translate 65 languages, and hang 10.000 coats – with space left for 17 independent meetings, each for 80 or more people. 7 van Goghs, 18 de Koonings, or 6 Jackson Pollocks would buy Congrexpo. But for the price of its 1.200 parking spaces in downtown Tokyo, 40 more Congrexpo could be built in Lille.

in Kenchiku Bunka 579

Cidade Genérica

Generic City foi um ensaio que Rem Koolhaas publicou em 1995 no livro S, M, L, XL como

um possível encerramento do massivo exemplar. O texto aborda inúmeras questões da

cidade contemporânea que está se formando, (des)formando, mutando. Aparece num

contexto de finalização de uma epopéia de conceitos e idéias formuladas por Koolhaas

durante todos os “tamanhos”. Além de ter esse caráter conclusivo, Generic City propõe

uma abertura para novas discussões, quase um antifinal. Uma cena final de um capítulo

de novela, deixando em suspense uma revelação importante para a trama. Muitos

conceitos lançados em Generic City se prestam perfeitamente para a leitura da cidade de

São Paulo que essa documentação pretende realizar.

Publicado em Inglês (in S, M, L, XL – 1995), Italiano (in Domus 791 – 1997), Francês (in

L’Architecture D’Aujourd’Hui 304 – 1996), Japonês (in TN Probe – 1995) e Espanhol (in La

Ciudad Genérica – 2006), disponho aqui uma tradução livre para o Português, realizada

por mim de Generic City, ou já começando:

Cidade Genérica 1. Introdução 1.1. As cidades contemporâneas são como os

aeroportos contemporâneos? Quer dizer, “todas iguais”? É possível teorizar essa

convergência? E, se for possível, qual a configuração definitiva que aspiram? A

convergência só é possível ao custo de despojar-se da identidade. Isso é visto

normalmente como uma perda. Mas a escala com que se produz, deve significar algo.

Quais são as desvantagens da identidade? E, em contraposição, quais são as vantagens

de sua ausência? E se essa homogeneização acidental – e habitualmente lamentada –

fosse um processo intencional, um movimento consciente de distanciamento da diferença

e aproximação da igualdade? E se estivermos sendo testemunhas de um movimento de

liberação global: “Abaixo o caráter!”? O que restará se eliminarmos a identidade? O

Genérico? 1.2. Na medida em que a identidade deriva da substância física, do histórico,

Italiano

Japonês

Francês

Espanhol

Inglês

Cidade Genérica

do contexto e do real, de certo modo não podemos imaginar que nada contemporâneo –

feito por nós – indique alguma coisa. Mas o fato de que o crescimento humano seja

exponencial implica que o passado se tornará, em certo momento, demasiado “pequeno”

para ser habitado e compartilhado por aqueles que estão vivos. Nós mesmos nos

esgotamos. Na medida em que a História encontra seu lugar na Arquitetura, as atuais

cifras da população inevitavelmente disparam e dizimam a matéria existente. A identidade

concebida como essa forma de compartilhar o passado é uma proposta condenada a

falhar: não somente existem – em um modelo estável de expansão contínua da população

– proporcionalmente cada vez menos o que compartilhar, sendo que a História também

tem uma ingrata vida média, pois quanto mais se abusa dela, menos significativa ela se

torna, até o ponto que suas decrescentes dádivas chegam a ser insultantes. Esta

diminuição se vê exacerbada pela massa sempre crescente de turistas, uma avalanche

que, na sua busca perpétua por “caráter”, esmaga as identidades de êxito até convertê-las

em um pó sem sentido. 1.3. A identidade é como uma ratoeira em que mais e mais ratos

têm que compartilhar a isca original, e que, em um exame mais minucioso, talvez tenha

estado vazia durante séculos. Quanto mais poderosa é a identidade, mais ela aprisiona,

mais resiste à expansão, à interpretação, à renovação e à contradição. A identidade se

converte em algo parecido com um farol: fixo, excessivamente determinado, apenas

permite trocar sua posição ou a intensidade de luz que emite, ao custo de desestabilizar a

navegação (somente Paris pode fazer-se mais parisiense: já está em vias de converter-se

em Hiper-Paris, uma consumada caricatura. Existem exceções: Londres – cuja única

identidade é a falta de uma identidade clara – perpetuamente se volta menos Londres,

mais aberta, menos estática). 1.4. A identidade centraliza; insiste em uma essência, um

ponto. Sua tragédia se dá em simples termos geométricos. Na medida em que a esfera de

influência se expande, a zona caracterizada pelo centro se torna maior e maior, diluindo

Cidade Genérica

irremediavelmente tanto a força como a autoridade do núcleo; inevitavelmente, a distância

entre o centro e a circunferência aumenta até chegar ao ponto de ruptura. Nesta

perspectiva, o descobrimento recente e tardio da periferia como zona de valor potencial –

uma espécie de situação pré-histórica que finalmente poderia ser digna de receber a

atenção da arquitetura – é tão somente uma insistência dissimulada na prioridade e na

dependência do centro: sem centro não existe periferia; supõe-se que o interesse do

primeiro compensa o vazio do segundo. Conceitualmente órfã, a situação da periferia se

vê piorada pelo fato de que sua mãe, todavia, está viva, monopolizando todo o espetáculo

e enfatizando as deficiências de seu rebento. As últimas vibrações que emanam do centro

esgotado impedem a leitura da periferia como uma massa crítica. Não só o centro é por

definição demasiado pequeno para cumprir com suas obrigações, senão que tampouco é

já o centro real, senão uma chamativa miragem em vias de implosão: sem dúvida, sua

presença ilusória nega sua legitimidade ao resto da cidade (Manhattam denigre como

“gente de ponte e túnel” a quem necessita do apoio das infra-estruturas para entrar na

cidade, e os faz pagar para isso). A persistência da atual obsessão concêntrica faz com

que todos nós sejamos gente de ponte e túnel, cidadãos de segunda classe em nossa

própria civilização, privados de nossos direitos por essa ingênua coincidência de nosso

exílio coletivo do centro. 1.5. Em nossa programação concêntrica (o autor passou parte de

sua juventude em Amsterdã, cidade da centralidade máxima), a insistência no centro como

núcleo de valor e significado, fonte de toda significação, é duplamente destrutiva: não

somente o volume sempre crescente das dependências é uma tensão largamente

insuportável, mas que também significa que o centro tem que ser constantemente

mantido, ou melhor, modernizado. Como o “lugar mais importante”, paradoxalmente tem

que ser, ao mesmo tempo, o mais velho e o mais novo, o mais estável e mais dinâmico;

sofre a adaptação mais intensa e constante, que logo se vê comprometida e complicada

Cidade Genérica

pelo fato de que também tem que ser uma transformação irreconhecível, invisível a olho

nu (a cidade de Zurich encontrou a solução mais radical e cara ao voltar a uma espécie de

arqueologia inversa: uma capa atrás de outra de novas modernidades – centros

comerciais, estacionamentos, bancos, laboratórios, etc... – se constroem sob o centro. O

centro já não se expande para fora ou para o céu, mas sim para dentro, para o próprio

centro da Terra). Desde a inserção de artérias de circulação, anéis viários, túneis

subterrâneos mais ou menos discretos, a construções de cada vez mais tangenciais, até a

transformação das habitações em escritórios, dos depósitos em lofts, das igrejas

abandonadas em clubes noturnos, as falências em série e as subseqüentes re-

inaugurações de locais específicos em recintos comerciais mais e mais caros, até a

implacável conversão do espaço utilitário em espaço “público”, a pedestrianização, a

criação de novos parques, as plantações, as pontes, a exibição e a sistemática

restauração da mediocridade Histórica: toda a autenticidade se vê incessantemente

evacuada. 1.6. A Cidade Genérica é a cidade liberada do cativeiro do centro, espartilho da

identidade. A Cidade Genérica rompe com esse ciclo destrutivo da dependência: não é

mais que um reflexo da necessidade atual e a capacidade atual. É a cidade sem História.

É suficientemente grande para todos. É fácil. Não necessita manutenção. Se está muito

pequena, simplesmente se expande. Se está muito velha, simplesmente se autodestrói e

se renova. É igualmente emocionante – ou pouco emocionante – em todas as partes. É

“superficial”: igual a um estúdio de Hollywood, pode produzir uma nova identidade a cada

segunda-feira pela manhã. 2. Estatística 2.1. A Cidade Genérica cresceu

espetacularmente nas últimas décadas. Não só seu tamanho aumentou, mas suas cifras

também aumentaram. A princípio dos anos 1970, estava habitada por uma média de 2,5

milhões de moradores oficiais (mais 500.000 extra-oficiais); agora gira em torno dos 15

milhões. 2.2. A Cidade Genérica começou na América? É tão pouco original que só

Muito aqui se parece com São Paulo, mas a situação da cidade tende a espalhar pelo território seu próprio centro, com isso essas transformções se veêm diluídas no frenesi da metrópole.

Cidade Genérica

poderia ser importada? Em todo caso, a Cidade Genérica existe agora também na Ásia,

Europa, Austrália e África. O passo definitivo do campo, da agricultura para a cidade, não

é um passo até a cidade tal como a conhecemos: é um passo até a Cidade Genérica, uma

cidade tão onipresente que já chegou ao campo. 2.3. Alguns continentes, como a Ásia,

aspiram à Cidade Genérica; outros se envergonham dela. Dado que tem até o tropical – e

converge em torno do equador – uma grande proporção das Cidades Genéricas são

Asiáticas, o que aparentemente é uma contradição em seus términos: o super-familiar

habitado pelo incompreensível. Algum dia voltará a ser absolutamente exótica, o produto

desejado da civilização ocidental, graças à re-semantização que sua própria difusão deixa

em seu rastro... 2.4. Às vezes, uma cidade antiga e singular, como Barcelona, ao

simplificar excessivamente sua identidade, se torna Genérica. Torna-se transparente,

como um logotipo. O contrário não acontece nunca... Pelo menos agora. 3. Geral 3.1. A

Cidade Genérica é o que fica depois de que grandes setores da vida urbana se passaram

ao ciberespaço. É um lugar de sensações tênues e distorcidas, de contadíssimas

emoções, discreto e misterioso como um grande espaço iluminado por uma lâmpada à

noite. Comparada com a Cidade Clássica, a Cidade Genérica está sedada, e

habitualmente é percebida desde uma posição sedentária. Em vez de concentração –

presença simultânea – na Cidade Genérica cada “momento” concreto se afasta dos

demais para criar um transe de experiências estéticas quase inapreciáveis: as variações

de cor na iluminação fluorescente de um edifício de escritórios antes do pôr-do-sol ou as

sutilezas dos brancos ligeiramente distintos de um sinal iluminado à noite. Igual à comida

japonesa, as sensações podem reconstituir-se e intensificar-se na mente, ou não:

simplesmente se podem deixar de lado (existe onde escolher). Esta onipresente falta de

urgência e insistência atua como uma potente droga; induz a uma alucinação do cotidiano.

3.2. Em uma drástica inversão do que supostamente é a principal característica da cidade

Será que a cidade genérica realmente tem uma origem única? Imagino que ela venha acontecendo simultaneamente em todos os cantos do planeta.

Percebeu-se bem durante as transmissões das últimas Olimpíadas!!!

Talvez seja isso que se busque atualmente.

Cidade Genérica

(o “negócio”), a sensação dominante da Cidade Genérica é uma calma misteriosa: quanto

mais calmo seja, mais se aproxima a seu estado puro. A Cidade Genérica afronta os

“males” que se atribuía à cidade tradicional antes que nosso amor por esta se tornasse

incondicional. A serenidade da Cidade Genérica se consegue mediante a evacuação do

âmbito público, como na emergência de uma simulação de incêndio. O plano urbano

contém agora somente o movimento necessário, fundamentalmente o dos carros; as auto-

estradas são uma versão superior dos boulevards e as praças, que ocupam mais e mais

espaços; seu desenho, que aparentemente busca a eficácia automobilística, é de fato

surpreendentemente sensual, uma pretensão utilitária que entra no domínio do espaço

liso. O que é novo neste âmbito público sobre rodas é que não se pode medir com

dimensões. O mesmo trajeto (digamos de 10 quilômetros) proporciona grande número de

experiências completamente distintas: pode durar cinco minutos ou quarenta; pode-se

compartilhar com toda a população, ou com quase ninguém; pode proporcionar o prazer

absoluto da velocidade pura e verdadeira – em cujo caso a sensação da Cidade Genérica

pode inclusive tornar-se intensa ou ao menos adquirir densidade – ou momentos de

detenção completamente claustrofóbicos – em cujo caso a tenuidade da Cidade Genérica

será o mais apreciável. 3.3. A Cidade Genérica é fractal, uma interminável repetição do

mesmo módulo estrutural simples; é possível reconstruí-la a partir da menor peça como,

por exemplo, de um ordenador de sobremesa, talvez inclusive de um disquete. 3.4. Tudo o

que fica da outra época são os campos de golfe. 3.5. A Cidade Genérica tem números de

telefones fáceis, não esses rebeldes trituradores do lóbulo frontal de dez cifras que têm a

Cidade Tradicional, senão versões mais homogêneas, com os números intermediários

idênticos, por exemplo. 3.6. Sua principal atração é a anomia – ausência de normas ou

condutas. 4. Aeroporto 4.1. Nesse momento de manifestações da máxima neutralidade,

os aeroportos estão agora entre os elementos mais singulares e característicos da Cidade

Explícita presença conceitual de Deleuze com o Es-paço Liso e o Espaço Estriado. “O espaço liso e o espaço estriado, - o espaço nômade e o espaço se-dentário, - o espaço onde se desenvolve a máquina de guerra e o espaço instituído pelo aparelho de Es-tado, - não são da mesma natureza.” (in DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Mil Platôs vol. 5. São Paulo: Ed. 34, 1997.

Que tal: Resevila Móveis Planejados (11) 2293-0000 Universidade Mackenzie (11) 2114-8000 Capovilla Impressões Digitais (11) 3038-0000

Cidade Genérica

Genérica. São seus mais poderosos veículos de diferenciação. Têm que ser, pois é tudo o

que o cidadão comum tende a experimentar numa cidade em particular. Como em uma

drástica exibição de perfumes, os murais fotográficos, a vegetação e as vestimentas locais

oferecem uma primeira rajada concentrada de identidade local (às vezes é também a

última). Distante, confortável, exótico, polar, regional, oriental, rústico, novo e inclusive

“não descoberto”: estes são os registros emocionais que evocam. Carregados

conceitualmente desta maneira, os aeroportos se convertem em signos emblemáticos

gravados no inconsciente coletivo global com manipulações selvagens de seus atrativos

não aeronáuticos: lojas livres de impostos, qualidades espaciais espetaculares, e a

freqüência e confiabilidade de suas conexões com outros aeroportos. Sobre sua

iconografia/rendimento, o aeroporto é um concentrado tanto do hiper-local como do hiper-

global: hiper-local no sentido de que podemos obter artigos que não se encontram nem

sequer na cidade; hiper-global no sentido de que se pode obter coisas que não se

conseguem em nenhum outro lugar. 4.2. A Tendência na Gestalt dos Aeroportos é de uma

autonomia cada vez maior: às vezes, inclusive, não têm praticamente relação alguma com

uma Cidade Genérica específica. Ao tornarem-se maiores, e equipados com mais serviços

não vinculados a viagens, os aeroportos estão em vias de substituir a Cidade. A situação

de estar “em trânsito” está se tornando universal. Em conjunto, os aeroportos contêm

populações de milhões de habitantes, além de contar com o maior quadro de funcionários

que se conhece. Na totalidade de seus serviços, os aeroportos são bairros da Cidade

Genérica, às vezes inclusive são sua razão de ser (seu centro?), com a somada atração

de ser sistemas herméticos, dos quais não há escapatória, salvo apenas para ir a outro

aeroporto. 4.3. A Data/Idade da Cidade Genérica pode reconstruir-se a partir de uma

leitura cuidadosa da geometria de seu aeroporto. Planta hexagonal (em casos singulares,

pentagonal ou heptagonal): década de 1960. Planta e corte ortogonais: década de 1970.

Interessante notar que quase todos os aeroportos globais são projetados por arquitetos do Star System.

Cidade Genérica

Cidade Collage: década de 1980. Uma única secção curva, interminavelmente extrudada

em uma planta linear: provavelmente década de 1990. (Com a estrutura ramificada como a

de um carvalho: Alemanha). 4.4. Os aeroportos se apresentam em dois tamanhos:

demasiados grandes e demasiados pequenos. Mas seu tamanho não tem influência

alguma em seu rendimento. Isto indica que o aspecto mais intrigante de todas as infra-

estruturas é sua elasticidade essencial. Calculados com exatidão para os contatos –

passageiros por ano –, se vêm invadidos pelos incontáveis; e sobrevivem, ampliados até a

máxima indeterminação. 5. População 5.1. A Cidade Genérica é rigorosamente

multirracial, uma média de 8% de negros, 12% brancos, 27% hispânicos, 37%

asiáticos/chineses, 6% indeterminados e 10% outros. E não só multirracial, mas também

multicultural. Esta é a razão de que não nos causa surpresa ver templos entre os edifícios,

dragões nos principais boulevards ou budas nos CBD (Central Business District ou Distrito

Central de Negócios). 5.2. A Cidade Genérica sempre é fundada por pessoas que vão de

um lado para outro, preparadas para seguir adiante. Isto explica a insustentabilidade de

suas fundações. Como os flocos que subitamente se formam em um líquido transparente

ao se juntar duas substâncias químicas para posteriormente acumular-se no fundo, a

colisão ou confluência de duas migrações – por exemplo, cubanos emigrados que vão

para o norte e judeus aposentados que vão para o sul, em última instância todos em seus

caminhos para outro lugar – estabelece, quando menos se espera, um assentamento.

Uma Cidade Genérica nasce. 6. Urbanismo 6.1. A grande originalidade da Cidade

Genérica está simplesmente em abandonar o que não funciona – o que tem sobrevivido a

seu uso – para romper o asfalto do idealismo com os martelos pneumáticos do realismo e

aceitar qualquer coisa que cresça em seu lugar. Nesse sentido, a Cidade Genérica

acomoda tanto o primitivo como o futurista: de fato, somente estas duas coisas. A Cidade

Genérica é tudo o que resta do que costumava ser a cidade. A Cidade Genérica é a pós-

Ruas da Liberdade decoradas com lanternas, jor-nais espalhados pela cidade em alguma língua oriental, mangás saindo pelo ladrão das bancas de jornais, restaurantes japoneses e chineses em cada esquina da cidade... Mas pensando bem, não é São Paulo que tem esta média multirracial. É o próprio habitante da metrópole que possui essa média, dentro dele mesmo. Suas origens, seus gostos, seus conhecimentos, etc, etc...

Cidade Genérica

cidade sendo preparada no local da ex-cidade. 6.2. A Cidade Genérica se mantém unida,

não por um âmbito público excessivamente exigente – progressivamente degradado em

uma seqüência surpreendentemente longa na qual o Fórum Romano é para a Ágora

Grega o que o Shopping Center é para a Grande Avenida – se não fosse pelo residual. No

modelo original dos modernos, o residual era simplesmente uma zona verde, e sua

controlada delicadeza era uma afirmação moralista das boas intenções, de uma

associação desalentadora e do uso. Na Cidade Genérica, devido a esbeltez da superfície

de sua civilização e graças à sua tropicalidade imanente, o vegetal se transforma em

resíduo edênico, sendo o principal portador de sua identidade um híbrido de política e

paisagem. Ao mesmo tempo refúgio do ilegal e do incontrolável, e submetida a uma

interminável manipulação, representa um triunfo simultâneo do cosmético e do primitivo.

Sua exuberância imoral compensa outras deficiências da Cidade Genérica.

Supremamente inorgânica, o orgânico é o mito mais poderoso da Cidade Genérica. 6.3. A

rua está morta. Essa descoberta coincidiu com as frenéticas tentativas de sua

ressurreição. A arte pública está por toda parte: como se duas mortes fizessem uma vida.

A pedestrialização – pensada para conservar – simplesmente canaliza o fluxo dos

condenados a destruir com seus próprios pés o objeto de sua presumível veneração. 6.4.

A Cidade Genérica está passando da horizontalidade para a verticalidade. Como se o

arranha-céu fosse a tipologia final e definitiva. Ele engole todo o restante. Pode existir em

qualquer lugar: em um campo de arroz ou no centro da cidade, já não há nenhuma

diferença. As torres já não estão juntas; afastam-se de modo a não interagir. A densidade

isolada é o ideal. 6.5. A habitação não é um problema. Foi resolvido completamente ou foi

deixado totalmente de lado. No primeiro caso é legal; no segundo, “ilegal”. No primeiro

caso, são torres ou, habitualmente, blocos (com média de 15 metros de largura); no

segundo (em perfeita complementaridade) uma casca de casebres improvisada. Uma

Resquícios de Delirius New York!

É curioso ter o São Vito em mente ao ler este trecho. São Paulo é real-mente uma forma bizzara e mutante dessa Cidade Genérica.

Cidade Genérica

solução consome o céu; a outra, o terreno. É estranho que aqueles que têm menos

dinheiro habitem o artigo mais caro (a terra), e os que pagam habitem o que é grátis (o ar).

Em ambos os casos, a habitação demonstra ser surpreendentemente acomodatícia: não

só a população duplica a cada par de anos, senão também, com o decrescente controle

das diversas religiões, o número médio de ocupantes por unidade se reduz à metade –

devido ao divórcio e outros fenômenos de divisão familiar – com a mesma freqüência que

se duplica a população da cidade; à medida que suas cifras crescem, a densidade da

Cidade Genérica diminui de maneira perpétua. 6.6. Todas as Cidades Genéricas surgem

da Tabula Rasa, se não havia nada, agora estão lá; se havia algo, elas a substituíram.

Deviam fazê-lo, de outro modo seriam históricas. 6.7. A paisagem urbana Genérica é

habitualmente um amálgama de setores excessivamente ordenados – que datam de cerca

do início de seu desenvolvimento, quando “o poder” ainda não havia se diluído – ou

ordenações cada vez mais livres por toda parte. 6.8. A Cidade Genérica é a apoteose do

conceito de múltipla escolha: todos os espaços marcados, uma antologia de todas as

opções. Habitualmente a Cidade Genérica tem sido “planejada” não no sentido usual de

que certa organização burocrática controle seu desenvolvimento, mas como se diversos

ecos, esporas, tropos e sementes tivessem caído na terra aleatoriamente como na

natureza, tivesse enraizado – aproveitando a fertilidade natural do terreno – e agora

formassem um conjunto: uma reserva de genes que às vezes produz resultados

assombrosos. 6.9. A linguagem da cidade pode ser indecifrável e defeituosa, mas isso não

significa que não haja linguagem; talvez simplesmente seja que nós criamos um novo

analfabetismo, uma nova cegueira. A paciente percepção revela os temas, as partículas e

as correntes que podem isolar-se da aparente impenetrabilidade dessa sopa Wagneriana:

recados deixados em um quadro negro por um gênio visitante há 50 anos atrás, informes

xerocados da ONU que se desintegram em seu silo de vidro de Manhattam, descobertas

Genérica ou não, realmente a cidade está aí para ser lida e vivenciada.

Cidade Genérica

de antigos pensadores coloniais com um olho afinado para o clima, os imprevisíveis

ricochetes da educação para o desenho reunindo força como um processo global de

limpeza. 6.10. A melhor definição da estética da Cidade Genérica é o “free style” (Estilo

Livre). Como descrevê-lo? Imaginemos um espaço aberto, uma claridade na floresta, uma

cidade nivelada. Existem três elementos: estradas, os edifícios e a natureza; todos eles

coexistem em relações flexíveis, aparentemente sem motivo, em uma espetacular

diversidade organizativa. Qualquer uma das três pode dominar: às vezes a “estrada” está

perdida – ser encontrada serpenteando em um desvio incompreensível; às vezes você não

vê edifício algum, apenas natureza; então, de modo igualmente imprevisível, você está

rodeado apenas por edifícios. Em certos pontos preocupantes, todas as três estão,

simultaneamente, ausentes. Nesses “locais” (na realidade, qual é o oposto de Local? Eles

são buracos perfurados no conceito de cidade) a arte pública emerge como o monstro do

lago Ness, equilibradamente figurativo e abstrato, usualmente auto-limpantes. 6.11. As

Cidades Específicas continuam debatendo seriamente os erros dos arquitetos – por

exemplo, suas propostas para criar redes de pedestres elevadas com tentáculos que

conduzam de uma quadra para outra como solução para o congestionamento – mas a

Cidade Genérica simplesmente aproveita os benefícios das invenções deles: plataformas,

pontes, túneis, rodovias – uma enorme proliferação dessa parafernália para conexão –

freqüentemente encoberto com arbustos e flores como se para evitar o pecado original,

criando assim um congestionamento vegetal mais severo que um filme de ficção científica

dos anos 50. 6.12. As estradas são apenas para carros. Pessoas (pedestres) são guiadas

por trilhas (como em um parque de diversões), em “passeios” que os elevam do solo,

então os submetem a um catálogo de situações exageradas – vento, calor, frio, interior,

exterior, cheiros, gases – numa seqüência que é uma caricatura grotesca da vida na

Cidade Histórica. 6.13. A Cidade Genérica apresenta a morte final do planejamento.

Cidade Genérica

Porque? Não porque ela não é planejada – de fato, enormes universos complementares

de burocratas e promotores canalizam fluxos inimagináveis de energia e dinheiro até sua

conclusão; pelo mesmo valor, suas superfícies poderiam ser fertilizadas por diamantes,

seus campos enlameados pavimentados com tijolos de ouro... Mas sua descoberta mais

perigosa e estimulante é que o planejamento não faz diferença alguma. Edifícios podem

ser bem colocados (uma torre próxima de uma estação de metrô) ou mal colocados

(centros inteiros a quilômetros de distância de qualquer estrada). Eles florescem/perecem

imprevisivelmente. Redes viárias se esticam em excesso, envelhecem, apodrecem, se

tornam obsoletas; populações duplicam, triplicam, quadruplicam, e desaparecem

repentinamente. A superfície da cidade explode, a economia acelera, freia, dispara,

desmorona. Como mães antigas que continuam cuidando de seus embriões titânicos,

cidades inteiras são construídas sobre infra-estruturas coloniais das quais os opressores

levaram os projetos para casa. Ninguém sabe onde, como, desde quando o esgoto

funciona, a localização exata das linhas telefônicas, qual a razão para a posição do centro,

nem onde acabam os eixos monumentais. Tudo isso prova que existem infinitas margens

escondidas, colossais reservas de inércia, um perpétuo processo orgânico de ajuste,

normas e comportamentos, expectativas mudam com a inteligência biológica do animal

mais atento. Nessa apoteose da múltipla escolha, jamais será possível novamente

reconstruir a causa e o efeito. Funcionam – isso é tudo. 6.16. A aspiração da Cidade

Genérica à tropicalidade supõe automaticamente a rejeição de qualquer referência

prolongada da cidade como fortaleza, como cidadela; está aberta e acomodando como um

mangue. 7. Política 7.1. A Cidade Genérica tem uma (às vezes distante) relação com um

regime mais ou menos autoritário – local ou nacional. Normalmente os companheiros do

“líder” – quem quer que seja – decidem desenvolver um pedaço do “centro urbano” na

periferia, ou até iniciar uma nova cidade no meio do nada, e desencadear o boom que

Poderíamos destacar esse trecho e transplantá-lo na letra “U” dessa docu-mentação. Que tal?

Cidade Genérica

coloca a cidade no mapa. 7.2. Com muita freqüência, o regime desenvolveu um

surpreendente grau de invisibilidade, como se, graças a sua permissividade, a Cidade

Genérica resiste ao ditatorial. 8. Sociologia 8.1. É muito surpreendente que o triunfo da

Cidade Genérica não tenha coincidido com o triunfo da Sociologia – uma disciplina cujo

“campo” tenha sido ampliado pela Cidade Genérica além da imaginação mais desaforada.

A Cidade Genérica é Sociologia, acontecendo. Cada Cidade Genérica é uma travessa de

Petri – ou um quadro negro infinitamente paciente no qual quase qualquer hipótese pode

ser “demonstrada” e em seguida apagada, para nunca mais ser lembrada nas mentes de

seus autores ou seu público. 8.2. Claramente, existe uma proliferação de comunidades –

um zapping sociológico – que resiste a uma sensível interpretação revogatória. A Cidade

Genérica está afrouxando todas as estruturas que, no passado, fizeram qualquer coisa se

unirem. 8.3. Mesmo infinitamente paciente, a Cidade Genérica é também persistentemente

resistente à especulação: ela demonstra que a Sociologia pode ser o pior sistema para

capturar a Sociologia em seu cerne. Ela passa a perna em cada crítica estabelecida.

Contribui com grande quantidade de evidências para e – em quantidades ainda mais

impressionantes – contra cada hipótese. Em A as torres conduzem ao suicídio, em B para

a felicidade para sempre. Em C elas são vistas como um primeiro passo no caminho à

emancipação (presumivelmente sob algum tipo de “ameaça” invisível, entretanto), em D

simplesmente como algo ultrapassado, fora de moda. Construídos em quantidades

inimagináveis em K, eles estão sendo explicados em L. Criatividade é inexplicavelmente

alta em E, inexistente em F. G é um mosaico étnico ininterrupto, H perpetuamente à mercê

do separatismo, se não na beira da guerra civil. O modelo Y nunca vai durar devido a sua

alteração da estrutura familiar, mas Z floresce – uma palavra que acadêmico algum

aplicaria à qualquer atividade na Cidade Genérica – por causa dela. A Religião se vê

erodida em V, sobrevivendo em W, transformada em X. 8.4. Estranhamente, ninguém

Cidade Genérica

havia pensado que acumulando-as, as infinitas contradições dessas interpretações

provam a riqueza da Cidade Genérica; esta é a hipótese que tem sido eliminada

antecipadamente. 9. Bairros 9.1. Existe sempre um bairro chamado Lipservice [Jogo de

palavras: To pay lip service significa algo como “Falar da boca para fora”. N.T.], onde um

mínimo do passado é preservado: normalmente é uma antiga via de trem/bonde ou um

ônibus de dois andares circulando pela cidade, e tocando agourentos sinos – versões

domesticadas do barco fantasma Flying Dutchman. As cabines telefônicas também são

vermelhas e transplantadas de Londres, ou equipados com pequenos telhados chineses.

Lipservice – também chamados Afterthoughts [Idéias Posteriores], Waterfront [Orla], Too

Late [Tarde Demais], 42nd Street [Rua 42], simplesmente The Village [A Aldeia], ou

inclusive Underground [Subterrâneo] – é uma operação mítica elaborada: celebra o

passado como somente o recém-criado pode fazer. É uma máquina. 9.2. A Cidade

Genérica teve um passado, alguma vez. Em seu impulso por destaque, grandes setores

dela, de algum jeito, desapareceram, primeiro não lamentado – aparentemente o passado

foi surpreendentemente insalubre, até mesmo perigoso – então, sem aviso, o alívio se

tornou um pesar. Certos profetas – longos cabelos brancos, meias cinzas, sandálias –

sempre alertaram que o passado era necessário – um recurso, uma fonte. Lentamente a

máquina de destruição pára de esmigalhar; algumas choupanas aleatórias do lavado plano

Euclidiano são salvas, restituídas de um esplendor que nunca tiveram... 9.3. Apesar de

sua ausência, a história é a maior preocupação, até mesmo industrial, da Cidade

Genérica. Nos terrenos liberados, em torno das choupanas restauradas, ainda mais hotéis

são construídos para receber turistas adicionais em proporção direta à eliminação do

passado. Sua desaparição não tem influência alguma em suas cifras, ou talvez isso seja

apenas uma investida de última hora. Turismo é agora independente do destino... 9.4. Ao

invés de lembranças específicas, as associações que a Cidade Genérica mobilizam são

Cidade Genérica

lembranças gerais, lembranças de lembranças: se não todas lembranças ao mesmo

tempo, então pelo menos um resumo, um sinal de memória, um dejà vu que nunca acaba,

memória genérica. 9.5. Apesar de sua modesta presença física (Lipservice nunca tem

mais de três pavimentos de altura: homenagem para Jane Jacobs ou vingança de Jane

Jacobs?) ele condensa o passado inteiro em um único conjunto. Aqui a história retorna

não como uma farsa, mas como um serviço: comerciantes fantasiados (chapéus

engraçados, entranhas expostas, um véu) ativam voluntariamente as condições

(escravidão, tirania, doença, pobreza e colonialismo) que suas nações, num determinado

momento, foram à guerra para abolir. Como um vírus que se multiplica pelo mundo todo, o

colonial parece a única fonte inesgotável de autenticidade. 9.6. 42nd Street [Rua 42]:

aparentemente onde o passado é preservado, na verdade eles são os lugares onde o

passado tem mudado mais, e é o mais distante – como se o víssemos com um telescópio

ao avesso – ou até eliminado completamente. 9.7. Somente a memória de excessos

anteriores é forte suficiente para mudar o insosso. Como se eles tentassem se aquecer

com o calor de um vulcão extinto, os lugares mais populares (com turistas, e na Cidade

Genérica isso inclui todo mundo) são os que alguma vez estiveram mais intensamente

associados ao sexo e à má conduta. Inocentes invadem os antigos pontos de cafetões,

prostitutas, gigolôs, travestis, e em menor grau, artistas. Paradoxalmente, no mesmo

momento que a rodovia da informação está a ponto de entregar pornografia em toneladas

nas salas de estar, é como se a experiência de caminhar nessas brasas requentadas de

transgressão e pecado os fizesses se sentir especiais, vivos. Numa geração que não gera

uma nova aura, o valor da aura estabelecida dispara. É andando o mais perto dessas

cinzas que eles acharão a culpa? Existencialismo diluído na intensidade de uma Perrier?

9.8. Cada Cidade Genérica tem uma orla, não necessariamente com água – pode ser

também com deserto, por exemplo – mas pelo menos uma borda onde a cidade encontra

Filosofi a erudita mesclada com cultura de massa. Idêntica à cidade genérica.

Cidade Genérica

outras condições, como se a posição de escape próximo fosse a melhor garantia para seu

desfrute. Aqui turistas se congregam em bandos em volta de um aglomerado de

quiosques. Hordas de vendedores ambulantes tentam vender aos turistas os aspectos

“únicos” da cidade. As partes únicas de todas as Cidades Genéricas juntas têm criado um

souvenir universal, um cruzamento científico entre a torre Eiffel, a Sacre Coeur e a Estátua

da Liberdade: um alto prédio (normalmente entre 200 e 300 metros) submergido numa

pequena bacia de água com neve ou, próximo do Equador, flocos de ouro; diários com

capas de couro bexiguento; sandálias hippie – ainda que hippies verdadeiros são

rapidamente repatriados. Os turistas os acariciam – ninguém presencia uma venda – e

logo sentam em exóticas lancherias que bordeam a orla: eles provam toda gama de pratos

do dia: que, em princípio e em última instância, podem ser a indicação de estar em outro

lugar; hambúrgueres: de carne ou sintéticos; cru: prática atávica que será muito popular no

terceiro milênio. 9.9. Camarão é o aperitivo final. Graças à simplificação da cadeia

alimentar – e variações na preparação – eles terão gosto de bolinhos ingleses, quer dizer,

gosto de nada. 10. Programa 10.1. Escritório continua lá, em quantidades ainda maiores,

de fato. Pessoas dizem que eles não são mais necessários. Em um prazo de cinco a dez

anos nós todos vamos trabalhar em casa. Mas aí precisaremos casas maiores, grandes o

suficiente para reuniões. Escritórios terão que ser convertidos em casas. 10.2. A única

atividade é ir às compras. Mas porque não considerar esse ato como provisório,

temporário? Esperando tempos melhores. É falha nossa – nós nunca pensamos em nada

melhor para fazer. Os mesmos espaços inundados com outros programas – bibliotecas,

banhos, universidades – seriam excelentes; ficaríamos apavorados com sua

grandiosidade. 10.3. Hotéis estão se tornando as acomodações da Cidade Genérica, sua

peça edificada mais comum. Antes eram os escritórios – que ao menos implicavam um ir e

vir, assumindo a presença de outras importantes acomodações em outros lugares. Hotéis

Cidade Genérica

agora são contenedores que, na sua expansão e universalidade de seus serviços, fazem

que quase todos os outros edifícios sejam redundantes. Inclusive atuando também como

centros comerciais, hotéis são o mais próximo que chegaremos da existência urbana,

estilo século XXI. 10.4. O Hotel implica agora em aprisionamento, uma prisão domiciliar

voluntária; não existe lugar à altura para ir; você chega e fica. Conjuntamente, descreve

uma cidade de dez milhões de habitantes, todos trançados em seus quartos, um tipo de

animação inversa – implosão da densidade. 11. Arquitetura 11.1. Feche os olhos e

imagine uma explosão de bege. No epicentro salpicam a cor das pregas vaginais (sem

excitar), o berinjela metálico fosco, tabaco-caqui, abóbora empoeirada; todos os carros se

aproximam da brancura nupcial... 11.2. Existem edifícios interessantes e tediosos na

Cidade Genérica, como em todas as cidades. Em ambos os casos sua ascendência

remonta a Mies van der Rohe: a primeira categoria para a sua irregular torre Friedrichstadt

(1931), e a segunda para as caixas que concebeu não muito tempo depois. Essa

seqüência é importante: obviamente, após uma experimentação inicial, Mies dispôs sua

mente de uma vez por todas contra o interessante e a favor do tedioso. No máximo, seus

edifícios posteriores captam o espírito do seu trabalho anterior – sublimado, reprimido? -

como uma ausência mais ou menos apreciável, mas ele nunca mais propôs projetos

“interessantes” como possíveis edifícios. A Cidade Genérica demonstra que estava

equivocado: seus arquitetos mais audaciosos aceitaram o desafio que Mies abandonou,

até o ponto onde agora fica difícil de encontrar uma caixa. Ironicamente, esta homenagem

exuberante ao “Mies interessante” mostra que “o” Mies estava errado. 11.3. A arquitetura

da Cidade Genérica é bela por definição. Construída a uma velocidade incrível, e

concebida em um ritmo ainda mais incrível, existe uma média de 27 versões abortadas

para cada edifício realizado – mas esse não é exatamente o termo. Os projetos são

preparados nos 10.000 escritórios de arquitetura que ninguém sequer ouviu falar, todos

Cidade Genérica

vibrantes com uma fresca inspiração. Supostamente mais modestos que seus colegas

conhecidos, estes escritórios estão ligados por uma consciência coletiva de que algo vai

mal com a arquitetura e que somente pode ser corrigido mediante seus esforços. O poder

dos números lhe confere uma esplêndida e lustrosa arrogância. São os únicos que

projetam sem nenhum deslize. Reúnem, de 1001 fontes, com uma precisão selvagem,

mais riquezas que qualquer gênio possa ter. Como média, sua educação custou U$

30.000, excluindo viagem e alojamento. 23% foram “branqueados” nas universidades

americanas da Ivy League, onde tiveram contato – admitindo que em períodos muito

curtos – com a elite bem paga da outra profissão, a “oficial”. Deduz-se que um

investimento combinado total de 300 bilhões de dólares em formação arquitetônica

(30.000 dólares [custo médio] x 100 [número médio de trabalhadores por escritório] x

100.000 [número de escritórios no mundo todo]) está trabalhando e produzindo Cidades

Genéricas em todo momento. 11.4. Edifícios que são complexos na forma dependem da

indústria do muro cortina, dos adesivos cada vez mais eficazes e dos seladores que

convertem cada edifício em uma mescla de camisa de força e tanque de oxigênio. O uso

do silicone – “nós estamos esticando a fachada tanto quanto for possível.” – igualou todas

as fachadas, colou vidro em pedra em aço em concreto com uma impureza da era

espacial. Essas uniões deram a aparência de rigor intelectual através da aplicação liberal

de um composto espermático transparente que mantém tudo junto por questões de

intenção mais que de desenho – um triunfo da cola sobre a integridade dos materiais.

Como todo o resto na Cidade Genérica, sua arquitetura é o resistente tornado maleável,

uma epidemia de flexibilidade causada, não pela aplicação dos princípios, mas através da

sistemática aplicação do que não tem princípios. 11.5. Dado que a Cidade Genérica é

principalmente asiática, sua arquitetura é geralmente “ar-condicionada”; é aí onde o

paradoxo da recente mudança de paradigma – a cidade não mais representa o

Cidade Genérica

desenvolvimento máximo, mas um subdesenvolvimento no limite – se torna agudo: os

meios brutais com os quais é realizado o condicionamento universal imita dentro do

edifício as condições climáticas que um dia “aconteceram” do lado de fora – tormentas

repentinas, mini-tornados, rajadas geladas na cafeteria, ondas de calor, até mesmo

neblina; um provincianismo do mecânico, abandonado pela matéria cinza em busca do

eletrônico. Incompetência ou imaginação? 11.6. A ironia é que, deste modo, a Cidade

Genérica, alcança seu ponto mais subversivo, mais ideológico; eleva a mediocridade a um

nível mais alto; é como o Merzbau de Kurt Schwitter na escala da cidade: a Cidade

Genérica é uma Merz City. 11.7. O ângulo das fachadas é o único indicador confiável da

genialidade arquitetônica: 3 pontos por inclinar-se para trás, 12 pontos por inclinar-se para

frente, penalidade de 2 pontos por recuos (nostálgicos demais). 11.8. A aparente

substância sólida da Cidade Genérica é enganosa. 51% do seu volume consiste em um

átrio. O átrio é um recurso diabólico na sua habilidade para dar substância ao

insubstancial. Seu nome romano é uma eterna garantia de classe arquitetônica – suas

origens históricas fazem que o tema seja inesgotável. Acomoda o morador da caverna na

sua implacável provisão de conforto metropolitano. 11.9. O átrio é espaço vazio: vazios

são os edifícios essenciais da Cidade Genérica. Paradoxalmente, sua concavidade

assegura sua fisicalidade, sendo o exagero do volume o único pretexto para sua

manifestação física. Quanto mais complexos e repetitivos são seus interiores, menos sua

repetição essencial é notada. 11.10. O estilo escolhido é o pós-moderno, e sempre

permanecerá assim. Pós-modernismo é o único movimento que conseguiu conectar a

prática da arquitetura com a prática do pânico. Pós-modernismo não é uma doutrina

baseada numa leitura civilizada da história da arquitetura mas um método, uma mutação

da arquitetura profissional que produz resultados rápidos o bastante para manter o passo

de desenvolvimento da Cidade Genérica. Ao invés de consciência, como talvez haviam

O artista alemão Kurt Schwitter não passava de um pintor medíocre e imitador dos seus contem-porâneos até que descobriu as colagens. Isto aconteceu graças ao contato que teve com o grupo dos artistas Dada e, sobretudo, Hans Arp. De 1919 a 1923 criou uma série de composições abstratas a que chamou invariavelmente Merz. Estas composições, que muitos consideram a sua maior contribuição para a arte do século XX, possuem uma grande carga poética proveniente da justaposição de elementos diversos encontra-dos ao acaso.

Cidade Genérica

esperado seus inventores originais, cria um novo inconsciente. É o pequeno ajudante da

modernização. Qualquer um pode fazê-lo – um arranha-céu baseado no pagode chinês

e/ou uma cidade toscana na colina. 11.11. Toda resistência ao Pós-modernismo é

antidemocrática. Ela cria um envoltório “sigiloso” ao redor da arquitetura que a deixa

irresistível, como um presente de natal de caridade. 11.12. Existe uma conexão no

predomínio entre o espelho na Cidade Genérica – ele exalta o nada mediante sua

multiplicação ou é um esforço desesperado para capturar suas essências em vias de

evaporação? – e as “ofertas” que, durante séculos, supostamente eram os presentes mais

populares e eficazes para os selvagens? 11.13. Máximo Gorki fala em relação a Coney

Island de “aborrecimento variado”. Ele claramente pretende que o termo seja um oxímoro.

Variedade não pode ser chata. Aborrecimento não pode ser variado. Mas a infinita

variedade da Cidade Genérica se aproxima, pelo menos, de fazer da variedade algo

normal: banalizada, ao contrário de expectativa, é a repetição que se tornou incomum e,

portanto, potencialmente audaz e estimulante. Mas isso é para o século XXI. 12.

Geografia 12.1. A Cidade Genérica está em um clima mais quente que o usual; está a

caminho do sul – até o Equador – longe da bagunça que o norte fez com o segundo

milênio. É um conceito em estado de migração. Seu destino final é ser tropical – melhor o

clima, mais pessoas bonitas. Está habitada por aqueles que não gostam de estar em outro

lugar. 12.2. Na Cidade Genérica, as pessoas não são apenas mais bonitas que seus

pares, elas também têm fama de serem mais educadas, menos ansiosas com o trabalho,

menos hostis, mais agradáveis – prova, em outras palavras, que existe uma conexão entre

arquitetura e comportamento que a cidade pode criar pessoas melhores através de

métodos ainda não identificados. 12.3. Uma das características mais fortes da Cidade

Genérica é a estabilidade do tempo – sem estações, previsão de dia ensolarado – no

entanto todas as previsões se apresentam como uma mudança iminente e uma futura

Cidade Genérica

deterioração: nuvens em Karachi. Do ético ao religioso, o tema da condenação foi elevado

ao inescapável domínio do meteorológico. Mau tempo é quase a única preocupação que

paira sobre a Cidade Genérica. 13. Identidade 13.1. Existe uma redundância calculada (?)

na iconografia adotada pela Cidade Genérica. Se ela é litorânea, então símbolos baseados

na água são distribuídos por todo seu território. Se ela é um porto, então navios e gruas

irão aparecer terra adentro. (Entretanto, mostrando os contêineres em si mesmos não

fariam sentido: você não pode particularizar o genérico através do genérico.) Se ela é

asiática, então “delicadas” (sensuais, inescrutáveis) mulheres aparecem em posições

elásticas, sugerindo submissão (religiosa, sexual). Se ela tem uma montanha, cada

folheto, cardápio, bilhete ou cartaz insistirá na colina, como se nada menor que uma

tautologia ininterrupta fosse convencer. 14. História 14.1. Lamentar sobre a ausência de

História é um reflexo cansativo. Revela um consenso tácito de que a presença da História

é desejável. Mas quem disse que é esse o caso? Uma cidade é um plano habitado da

maneira mais eficiente, por pessoas e processos e, na maioria dos casos, a presença da

História apenas prejudica seu desempenho. 14.2. A História presente obstrui o puro

aproveitamento de seu valor teórico como ausência. 14.3. Ao longo da História da

Humanidade – para iniciar um parágrafo à maneira americana – cidades cresceram

mediante um processo de consolidação. Mudanças são feitas. Coisas são melhoradas.

Culturas florescem, decaem, revivem, desaparecem, são saqueadas, invadidas,

humilhadas, estupradas, triunfam, renascem, têm anos dourados, caem subitamente em

silêncio – todos no mesmo local. Por isso arqueologia é uma profissão que consiste em

escavar. Revela camadas após camadas de civilizações (quer dizer, da cidade). A Cidade

Genérica, como um croqui que nunca é finalizado, não é melhorada, mas abandonada. A

idéia de estratificação, intensificação e finalização são exteriores a ela: ela não tem

camadas, sua próxima camada acontece em algum outro lugar, até mesmo ao lado – que

Cidade Genérica

pode ser do tamanho de um país – ou até mesmo em lugar totalmente diferente. O

“arqueologista” (=arqueologia com mais interpretação) do século XX necessita de

ilimitados tickets de avião, e não de uma pazinha. 14.4. Ao exportar / ejetar suas

melhorias, a Cidade Genérica perpetua sua própria amnésia (seu único vínculo com a

eternidade?). Sua arqueologia será, portanto, a prova do seu progressivo esquecimento, a

documentação da sua evaporação. Sua genialidade acabará com as mãos vazias – não

um imperador sem roupas, mas um arqueólogo sem descobertas, nem mesmo um sítio

arqueológico. 15. Infra-Estrutura 15.1. As infra-estruturas, que eram reforçadas e

completadas mutuamente, estão se tornando mais e mais competitivas e locais; elas já

não fingem criar conjuntos que funcionem, mas agora tecem entidades funcionais. Ao

invés de rede e organismo, as novas infra-estruturas criam entraves e impasses: não mais

os “grand récit” [traçados grandiosos], mas os desvios parasitas. (A cidade de Bangkok

aprovou planos para três sistemas rivais de metrô elevado para ir de A para B – talvez o

mais forte vença.) 15.2. Infra-estrutura não é mais uma resposta mais ou menos atrasada

para uma necessidade mais ou menos urgente, mas uma arma estratégica, uma previsão:

o porto X não é ampliado para servir a um território interior de consumidores frenéticos,

mas para eliminar / reduzir as chances de que o porto Y sobreviva ao século XXI. Em uma

única ilha, para a metrópole meridional Z, ainda na sua primeira infância, é “dado” um novo

sistema de metrô para fazer a metrópole já estabelecida W (ao norte) parecer desajeitada,

congestionada e antiga; a vida em V é suavizada para fazer a vida em U eventualmente

insuportável. 16. Cultura 16.1. Somente o redundante conta. 16.2. Em cada fuso horário

existe pelo menos três apresentações dos musicais Cats. O mundo está rodeado por um

anel de saturno de miados. 16.3. A cidade costumava ser o grande terreno para a caçada

sexual. A Cidade Genérica é como uma agência de encontros: ela combina eficientemente

a oferta e a demanda. Orgasmo ao invés de agonia: existe o progresso. As mais obscenas

Cidade Genérica

possibilidades são anunciadas nas mais claras tipografias; Helvetia se tornou pornográfica.

17. Fim 17.1. Imagine um filme de Hollywood sobre a bíblia. Uma cidade em algum lugar

da terra santa. Cena do mercado: da esquerda para a direita, extras vestidos em trapos

coloridos, casacos de pele, túnicas de seda, entram no quadro gritando, gesticulando,

virando os olhos, iniciando brigas, rindo, coçando suas barbas, seus apliques falsos,

apinhando-se no centro da imagem, agitando varas, punhos, virando barracas, pisoteando

animais... Pessoas gritam, vendendo mercadorias? Anunciando os futuros? Invocando os

deuses? Bolsas são roubadas, criminosos perseguidos (ou auxiliados?) pela multidão.

Padres pedem calma. Crianças correm enlouquecidas numa floresta de pernas e túnicas.

Animais ladram. Estátuas derrubadas. Mulheres dão gritos estridentes – ameaçadas?

Extasiadas? A massa amontoada se torna oceânica. As ondas quebram. Agora tiremos o

som – silêncio, um grande alívio – e rebobinemos o filme. Os homens e mulheres, agora

mudos mas ainda visivelmente agitados, retrocedem aos tropeços; o observador não mais

registra apenas humanos, mas começa a notar espaços entre eles. O centro se esvazia;

as últimas sombras deixam o retângulo do quadro da imagem, provavelmente reclamando,

mas felizmente não os ouvimos. Silêncio é agora reforçado pelo vazio: a imagem mostra

barracas vazias, alguns escombros pisoteados, alívio... Terminou. Essa é a história da

cidade. A Cidade já não está. Agora podemos sair do Cinema...

Koolhaas Roteirista. Fases da vida se entrecruzando. Vestígios de uma vida que se acumula como pó. Exatamente como na cidade.

Delírio

in Kenchiku Bunka 579

DETAIL [detalhe]Perversely, architecture – the art that defines our environment – is often judged on details. “Good” detailing is a form of narcissism, or a sign of desperation. It problematizes issues that should be left alone: the “meeting” of a wall and a floor, the “encounter” of glass and stone, etc, etc. It says “This is how / solve a problem.” But there are no problems in architecture. For years, we have concentrated on no-detail. Sometimes we succeed – it’s gone, abstracted: sometimes we fail – it’s still there. Details should disappear – they are the old architecture.

Delírio

Muitos dizem que para entender uma cidade é preciso um longo passeio por suas ruas

com um guia especializado nas mãos. Mas temos que reconhecer que estes guias

atendem sempre parte de nossos anseios e desejos. A cidade é reconhecida em trechos.

E talvez apenas um livro tenha encarado a cidade de frente, com toda sua complexidade

de situações. “A” cidade e não “UMA” cidade. Apenas Delirius New York traz à tona as

questões da metrópole contemporânea. Apenas Delirius New York é capaz de traduzir o

desenrolar de todo o desenvolvimento das grandes metrópoles atuais. O livro transparece

não apenas a Nova York Delirante, mas o possível delírio encontrado em toda Metrópole.

São Paulo não seria diferente, por exemplo.

Por isso crio aqui uma espécie de apêndice / homenagem. Uma homenagem aos 30 anos

da publicação de Delirius New York pela editora da Universidade de Oxford. E também

uma segunda comemoração, bem pertinente para nós brasileiros, pela recente publicação

da versão portuguesa de Delirius pela editora Cosac & Naify. Uma versão que foi,

inclusive, aprovada e revisada pelo próprio Rem Koolhaas.

Enfim, o livro fala por si próprio, me atenho aqui apenas ao registro desse paralelo editorial

1978-2008 e parabenizar mais uma vez esse livro que representa o grande delírio que é

nossa Metrópole. Parabéns Delirius New York.

Delírio

REM KOOLHAAS

ISBN: 9780195200355

264 p.

U$ 325,00out of print

OXFORD UNIVERSITY PRESS, NEW YORK

DELIRIUS NEW YORK: A RETROACTIVE MANIFESTO FOR MANHATTAN

Delírio

trad. CATHERINE COLLET

ISBN: 285108173X

262 p.

€ 750,00out of print

EDITIONS DU CHÊNE, PARIS

www.editionsduchene.fr

NEW YORK DÉLIRE: UNE MANIFESTE RÉTROACTIF POUR MANHATTAN

Delírio

REM KOOLHAAS

ISBN: 1885254008

320 p.

U$ 35,00in stock

MONACELLI PRESS, NOVA YORK

DELIRIUS NEW YORK: A RETROACTIVE MANIFESTO FOR MANHATTAN

www.monacellipress.com

010 PUBLISHERS, ROTTERDAM

ISBN: 9064502110

€ 29,50out of printwww.010publishers.nl

REM KOOLHAAS320 p.

Delírio

trad. KEISUKE SUZUKI

ISBN: 4480085262

556 p.

¥ 1575,00in stock

CHIKUMASHOBO, TÓQUIO

www.chikumashobo.co.jp

Delírio

trad. FRITZ SCHNEIDER

ISBN: 3931435008

328 p.

€ 25,00in stock

ARCH+ VERLAG, AACHEN

DELIRIUS NEW YORK: EIN RETROAKTIVES MANIFEST FÜR MANHATTAN

www.archplus.net

Delírio

trad. RUGGERO BALDASSOe MARCO BIRAGHI

ISBN: 978884356230

308 p.

€ 39,00in stock

ELECTA, MILÃO

DELIRIUS NEW YORK: UN MANIFESTO RETROATTIVO PER MANHATTAN

www.electaweb.it

Delírio

trad. CATHERINE COLLET

ISBN: 2863640879

320 p.

€ 29,00in stock

EDITIONS PARENTHÈSES, MARSELHA

NEW YORK DÉLIRE: UNE MANIFESTE RÉTROACTIF POUR MANHATTAN

www.republique-des-lettres.fr

Delírio

trad. JORGE SAINZ

ISBN: 8425219663

318 p.

€ 33,65in stock

GUSTAVO GILI EDITORIAL, BARCELONA

DELIRIO DE NUEVA YORK: UN MANIFIESTO RETROACTIVO PARA MANHATTAN

www.ggili.com

Delírio

trad. DENISE BOTTMANN

ISBN: 9788575036068

322 p.

R$ 58,00in stock

COSAC & NAIFY, SÃO PAULO

NOVA YORK DELIRANTE: UM MANIFESTO RETROATIVO PARA MANHATTAN

www.cosacnaify.com.br

Eleições 2008

in S, M, L, XL

ELEVATOR [elevador]I think the true potential of the elevator is still in its infancy and has never really been explored sufficiently in the sense that what the elevator does for architecture is to liberate the architect form the stupid obligation to establish architectural relationships between different components of a building. The great potential and the great virtue of the elevator is that it can establish mechanical relationships with the same ease between the first and the second floors as between the first and hundredth.

Eleições 2008

O ano de 2008 marcou na cidade de São Paulo, mais uma vez, o carimbo da democracia eleitoral brasileira. Fomos todos, habitantes formais ou não, obrigados a assistir desfiles e mais desfiles de campanhas colossais e máquinas de prometer e poluir a cidade. Praticamente um arrastão eleitoreiro. Imagino que deva ser extremamente prazeroso ser prefeito dessa caótica e indomável metrópole. Todos os candidatos se digladiam entre si para arrancar um voto de cada habitante indeciso. Aparelhos de captura social. Até o dia 05 de outubro de 2008 – data do primeiro turno das eleições – eram mais de dez pretendentes a tão disputada vaga de prefeito de São Paulo. Nesse período foram realizadas infinitas pesquisas – ibopes e datafolhas e outras mais suspeitas e desconhecidas – entre os habitantes da cidade para saber qual era a preferência municipal. De todos aqueles pretendentes, seis se destacaram na corrida insana pela cadeira de couro do gabinete municipal:

- A ex-ministra do turismo Marta Suplicy (13)

- O ex-vice prefeito da gestão Serra Gilberto Kassab (25)

- O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (45)

- O ex-presidiário Paulo Maluf (11)

- A ex-MTV Sônia Francine (23)

-O ex-PT Ivan Valente (50)

Eu, como habitante interessado no futuro da cidade e organizador dessa documentação, fiquei atento e acompanhei todos os programas de governo dos seis candidatos que lideravam as pesquisas. Durante dias acompanhei os programas de TV e entrei em contato com os comitês de campanha de todos os candidatos em busca de uma única informação: o que se pretende fazer com o edifício São Vito, abandonado desde 2004 (também ano eleitoral)? A seguir as respostas obtidas de cada um dos candidatos, ou pelo menos, de seus assessores do comitê:

Eleições 2008

Senhor, A candidata Marta pretende continuar as ações que tomou durante sua gestão. Pretende retomar o projeto de requalificação do arquiteto Roberto Loeb, trazer as famílias de volta para suas residências e transformar o térreo do edifício em um tele-centro. Mas é necessário ressaltar que essa decisão só será tomada em conjunto com os órgãos de planejamento e habitação da cidade. Esse e outros programas de moradia no centro serão avaliados pela candidata e, caso eleita, serão levados a todas as instâncias necessárias e serão transformados em operações de âmbito regional da cidade, como grandes investimentos em habitação de interesse social. Obrigado pelo interesse, Contamos com seu apoio e seu voto no dia 05 Um abraço Comitê de campanha Marta 13 – A esperança vai vencer de novo. (Resposta recebida por e-mail, no dia 29 de setembro de 2008).

Eleições 2008

Caro Eleitor,

O edifício São Vito é um caso muito específico e necessita uma demanda de decisões conjunta entre diversos poderes da cidade. Certamente o candidato Kassab terá propostas para esse local tão peculiar do centro da cidade. A questão da moradia no centro é uma das premissas da nossa campanha.

Obrigado pela confiança Contamos com seu voto

Atenciosamente Comitê Kassab 25 – São Paulo no rumo certo. (Resposta recebida por e-mail, no dia 02 de outubro de 2008).

Eleições 2008

Bom dia senhor...

Sobre a sua pergunta, não consta nada específico aqui no programa de governo do candidato Geraldo. Só um minuto... (Algum tempo depois) Senhor, conversei com meu supervisor sobre sua pergunta, e o edifício São Vito está sim incluído em uma campanha macro para a melhoria da habitação no centro da cidade, tenho informações aqui que serão realizadas diversas reuniões na prefeitura para a decisão do futuro do edifício.

Espero ter podido ajudar na sua decisão de voto Um abraço (Resposta obtida por telefone, no dia 03 de outubro de 2008).

Eleições 2008

Sem resposta de e-mail ou mesmo telefônica. Ainda aguardando!

Eleições 2008

Boa noite amigo eleitor!

O edifício São Vito é sem dúvida uma grande questão de imprudência urbana dos antigos prefeitos da cidade. Agora ele se encontra em total abandono e sem previsão de retomada dos projetos ou de qualquer intenção de recuperação. Considero de extrema importância sua preocupação, e garanto que minha também, com esse importante símbolo da metrópole. Não tenho nenhuma proposta específica para o edifício, mas tenho em meu site uma relação completa de todas minhas principais propostas de intervenção para melhoria da moradia e revitalização do nosso querido centro.

Forte abraço Soninha 23 (Resposta recebida por e-mail, através do site/blog da candidata, no dia 16 de setembro de 2008).

Eleições 2008

Senhor eleitor,

O edifício São Vito faz parte de uma grande intervenção no centro da nossa cidade e está inserido em nosso plano de governo na área da habitação de interesse social. Segue um trecho de nosso programa de governo:

· Realizar uma política ativa de repovoamento das áreas centrais, providas de infra-estrutura. A ação pública pode se dar por meio de legislação incidente e ações do poder executivo, de modo a agir por meio de demarcação de ZEIS e implementação de seus conselhos e planos de urbanização, IPTU progressivo, urbanização compulsória, implementação (e ampliação) de ZEIS, cobrança de dívidas, negociação de dação de imóveis em pagamento de dívidas, etc. O Estado pode e deve agir tanto indiretamente sobre o mercado de terras e estímulo a determinados empreendimentos de mercado, quanto diretamente, adquirindo ou desapropriando imóveis para que cumpram a função social da propriedade.

· Política de diversidade social com cotas de habitação de interesse social em bairros providos de infra-estrutura e serviços. Tal como ocorre em diversos países da Europa e com destaque na cidade de Paris, na França, o poder público procura garantir diversidade social, combatendo a segregação e procurando estimular a mistura de classes em todos os bairros. O poder público adquire um estoque de imóveis para aluguel social em todas as áreas da cidade, com metas de proporcionalidade para cada subprefeitura. Isso significa adquirir imóveis (apartamentos isolados, prédios, casas e terrenos) em condições favoráveis na cobrança de dívidas, por dação em pagamento ou desapropriação para que possam ser reformados e utilizados para aluguel social. Os imóveis continuam de posse do Estado, de modo a garantir a política social e evitar que sejam comercializados por seus beneficiários.

Obrigado pelo contato Comitê Ivan Valente 50 – Alternativa de esquerda para São Paulo (Resposta recebida por e-mail, no dia 30 de setembro de 2008).

Eleições 2008

Após uma votação sem muitas surpresas, o candidato Gilberto Kassab venceu o primeiro turno e teve como oponente a candidata Marta Suplicy. Da mesma maneira que aconteceu no primeiro turno, acompanhei os programas de governo de ambos os candidatos, esperando um maior aprofundamento das propostas e questões relacionadas com meu tema de documentação.

Eleições 2008

Numa campanha de cerca de vinte dias, o segundo turno das eleições municipais foi marcado, por incrível que pareça, por poucas propostas, nenhuma discussão sobre a cidade, e muitos e incontáveis minutos de programa eleitoral na TV com acusações, xingamentos pessoais e situações de des-credibilidade do candidato oponente. O que se via na cidade era uma overdose de mocinhas balançando bandeiras dos partidos, toneladas de santinhos dos candidatos entupindo todos os bueiros, carros de som ensurdecedores passeando pelas avenidas da cidade tocando jingles sem sentido.

Enfim chega o dia 26 de outubro e a cidade, apática e quase anestesiada e apolítica, precisa escolher qual candidato é o menos prejudicial, menos intragável para governar os mais de 10 milhões de habitantes de São Paulo. Mas eu, ao contrário, estava em casa ansioso. Estava aguardando até o último segunda das eleições alguma resposta à minha pergunta – a mesma feita no primeiro turno. Nessa etapa da disputa, imaginava obter uma resposta mais aprofundada, mais trabalhada ou, pelo menos, mais corajosa de ambos os candidatos. Me enganei completamente! Até o fim das votações não recebi sequer um retorno telefônico. Pairou o silêncio. Talvez o mesmo silêncio que paira pelos corredores do abandonado São Vito. Agora o que nos resta é aguardar o candidato eleito e agora prefeito pela segunda vez, Sr. Gilberto Kassab, tomar suas decisões com relação à cidade e ao São Vito. Mais quatro anos nebulosos na vida do Treme-treme. Acompanhem os noticiários locais por mim.