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CIBERESPAÇO E SMART MOBS: A RESIGNIFICAÇÃO DE LUGARES E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA PLANETÁRIA CYBERSPACE AND SMART MOBS: NEW MEANINGS FOR PLACES AND CONSTRUCTION OF GLOBAL CITIZENSHIP Geovana Maria Cartaxo de Arruda Freire RESUMO As novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm desenhado perspectivas ousadas e até então inimagináveis nas relações entre as pessoas, as comunidades e os governos, antes possíveis apenas em filmes de ficção científica. O presente trabalho visa analisar as manifestações sociais e políticas organizadas com o apoio de ferramentas do ciberespaço. As chamadas smart mobs e flash mobs, têm se expandido em todo mundo. Especificamente, será analisada aqui, a smart mob com maior abrangência no mundo, a primeira que ganhou contornos globais por atingir 88 países e cerca de 4 mil cidades, organizada pela ONG ambientalista WWF (Fundo para a proteção da Natureza) sobre o aquecimento global. Iluminar a relevância e significado dessas novas práticas e confrontá-las com as previsões dos principais teóricos da cibercultura, que se dividem em argumentar a perda de experiência causada pelas novas tecnologias e a constituição de não-lugares, enquanto outros advogam a resignificação de lugares e construção de uma ciberdemocracia, é o objetivo geral deste trabalho, que refletirá releituras do conceito de cidade, cidadania e democracia e os novos direitos. PALAVRAS-CHAVES: CIBERESPAÇO; CIDADANIA PLANETÁRIA; SMART MOBS; CIBERDEMOCRACIA; CIBERCULTURA ABSTRACT The new information and communication technologies (ICTs) have designed bold and perspectives hitherto unimaginable in relations between people, communities and governments, but possible only in science fiction films. This study aims to examine the political and social events organized with the support of tools of cyberspace. The so- called smart mobs and flash mobs have been expanding worldwide. Specifically, it will be analyzed here, with a smart mob in the wider world, which won the first contours global reach by 88 countries and approximately 4 thousand cities, organized by the WWF environmental NGOs (Fund for the Protection of Nature) on global warming. Illuminate the importance and significance of these new practices and comparing them with forecasts of the main theorists of cyberculture, which is divided in arguing the loss of experience caused by new technologies and the establishment of non-places, while others advocate the construction of places and new meanings of cyberdemocracy is the aim of this work, which reflect the concept of rereading city, citizenship and democracy and the new rights. 7647

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CIBERESPAÇO E SMART MOBS: A RESIGNIFICAÇÃO DE LUGARES E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA PLANETÁRIA

CYBERSPACE AND SMART MOBS: NEW MEANINGS FOR PLACES AND CONSTRUCTION OF GLOBAL CITIZENSHIP

Geovana Maria Cartaxo de Arruda Freire

RESUMO

As novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm desenhado perspectivas ousadas e até então inimagináveis nas relações entre as pessoas, as comunidades e os governos, antes possíveis apenas em filmes de ficção científica. O presente trabalho visa analisar as manifestações sociais e políticas organizadas com o apoio de ferramentas do ciberespaço. As chamadas smart mobs e flash mobs, têm se expandido em todo mundo. Especificamente, será analisada aqui, a smart mob com maior abrangência no mundo, a primeira que ganhou contornos globais por atingir 88 países e cerca de 4 mil cidades, organizada pela ONG ambientalista WWF (Fundo para a proteção da Natureza) sobre o aquecimento global. Iluminar a relevância e significado dessas novas práticas e confrontá-las com as previsões dos principais teóricos da cibercultura, que se dividem em argumentar a perda de experiência causada pelas novas tecnologias e a constituição de não-lugares, enquanto outros advogam a resignificação de lugares e construção de uma ciberdemocracia, é o objetivo geral deste trabalho, que refletirá releituras do conceito de cidade, cidadania e democracia e os novos direitos.

PALAVRAS-CHAVES: CIBERESPAÇO; CIDADANIA PLANETÁRIA; SMART MOBS; CIBERDEMOCRACIA; CIBERCULTURA

ABSTRACT

The new information and communication technologies (ICTs) have designed bold and perspectives hitherto unimaginable in relations between people, communities and governments, but possible only in science fiction films. This study aims to examine the political and social events organized with the support of tools of cyberspace. The so-called smart mobs and flash mobs have been expanding worldwide. Specifically, it will be analyzed here, with a smart mob in the wider world, which won the first contours global reach by 88 countries and approximately 4 thousand cities, organized by the WWF environmental NGOs (Fund for the Protection of Nature) on global warming. Illuminate the importance and significance of these new practices and comparing them with forecasts of the main theorists of cyberculture, which is divided in arguing the loss of experience caused by new technologies and the establishment of non-places, while others advocate the construction of places and new meanings of cyberdemocracy is the aim of this work, which reflect the concept of rereading city, citizenship and democracy and the new rights.

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KEYWORDS: CYBERSPACE; CYBERDEMOCRACY; SMART MOBS; GLOBAL CITIZENSHIP; CYBERCULTURA

Introdução

As novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm desenhado perspectivas ousadas e inimagináveis nas relações entre as pessoas, antes possíveis apenas em filmes de ficção científica.

A internet, criada inicialmente para estabelecer uma comunicação entre computadores (STEINBERGER, 2004: 56), revoluciona as relações por estabelecer uma comunicação imediata e a troca de dados entre as pessoas e por propiciar uma ampliação na visão e percepção inovadoras (omnivisão, Levy), como as ferramentas do Google Earth, GPS tracking, entre outras. No entanto, alguns teóricos alertam para as promessas do ciberespaço e para alguns desafios na implementação de suas potencialidades. Steinberg (2004,p.13) ressalta que, por vezes, se fala mais da internet do que se utiliza efetivamente, uma vez que as promessas econômicas, sociais, culturais e mentais dessa rede ficam cada vez mais ousadas e as práticas menos relevantes. Iluminar a relevância e significado dessas novas práticas e confrontá-las com as previsões dos principais teóricos da cibercultura é o objetivo geral deste trabalho, que refletirá releituras do conceito de cidade, cidadania e democracia.

A internet e as novas tecnologias (celulares, palmtops, notebooks, Kindle) têm multiplicado as formas de sociabilidade. A cada ano surgem novas práticas no ciberespaço com a criação de ferramentas como FaceBook, Orkut, Twitter, que são as redes sociais mais populares da atualidade. Esse crescente aprofundamento da “vida” no ciberespaço tem levado alguns teóricos a aventarem uma perda de contato com o "mundo real" e consequente perda de experiências (VIRILIO,1990, 1997), desespacialização, (AUGE, 1995) descentramento, desterritorialização (GUATTARI, 1980) e levado a um esvaziamento das cidades.

Numa visão diametralmente antagônica, teóricos como LEMOS (2006), LEVY (2002) e RHEINGOLD (2003), afirmam que as novas tecnologias têm engendrado uma inteligência coletiva, com comunidades virtuais emancipatórias, e uma cidadania planetária e interativa (SANTOS, 2006), que resignificam os espaços territoriais, engendram cibercidades e aperfeiçoam uma ciberdemocracia.

Assim, as questões as quais este trabalho se propõe discutir são: existiria mesmo uma resignificação dos lugares pelo uso das novas tecnologias, e a "construção" de cibercidades? As novas tecnologias têm levado ao exercício novo do fazer democrático e ao engendramento de uma cidadania planetária? Ou o que há é um esvaziamento crescente dos espaços urbanos, a criação de não-lugares, e uma perda de experiências? Qual o papel das smart mobs neste contexto conceitual e na ação política dos cidadãos conectados?

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O presente trabalho visa a discutir esse antagonismo, analisando as manifestações sociais e políticas organizadas com o apoio e mobilização por mecanismos do ciberespaço, as chamadas smart mobs e flash mobs, têm se expandido em todo mundo. Especificamente, será analisada aqui, a smart mob com maior abrangência no mundo, a primeira que ganhou contornos globais por atingir 88 países e cerca de 4 mil cidades, organizada pela ONG ambientalista WWF (Fundo para a proteção da Natureza) sobre o aquecimento global. A mobilização ocorreu no dia 28 de março às 20h30min (no horário de cada país), e conclamava as pessoas a apagarem as luzes por uma hora, bem como ao desligamento da iluminação de importantes monumentos em diferentes pontos do planeta (de Torre Eiffel, a Cristo Redentor e estátua do Padre Cícero). Foi a terceira vez que a chamada Hora do Planeta (Earth hour) foi realizada e a primeira a qual o Brasil participou.

1. Características e desafios da Cibercultura

A sociedade em rede, fomentada pelo uso das novas tecnologias, principalmente da internet, propicia a insurgência de percepções multifacetadas da realidade (antes bipolarizada), promove a quebra de hierarquias e descentraliza controles. Tal configuração promove o desenvolvimento de uma cibercultura. André Lemos (2003) define cibercultura como:

A forma sócio-cultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base microeletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70 (2003,p.12).

Alguns autores denominam de sociedade da informação, ou do conhecimento, o modelo pós-industrial que predomina na atualidade, baseadas na valorização da informação, como comenta Werthein:

A realidade que os conceitos das ciências sociais procuram expressar refere-se às transformações técnicas, organizacionais e administrativas que têm como “fator-chave” não mais os insumos baratos de energia – como na sociedade industrial – mas os insumos baratos de informação propiciados pelos avanços tecnológicos na microeletrônica e telecomunicações (2000, p.71).

Mansell e Wehn (apud Werthein, 2000, p.76) aludem a uma sociedade do conhecimento, um passo a frente da sociedade da informação, em que a ampliação do acesso à informação promoveria uma sociedade não passiva, mas produtora de conhecimento. No entanto advertem aos países desenvolvidos, “para os quais o papel das tecnologias de informação na construção de uma 'sociedade do conhecimento' inovadora poderá ser muito relevante e contribuir para o desenvolvimento sustentado, mas será acompanhado de muitos riscos.”

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Além dos riscos, a maioria dos autores alerta para os desafios a superar. Werthein (2000,p75) define como principais desafios: desemprego tecnológico; invasão de privacidade; conflitos éticos; necessidade de equacionamento dos direitos autorais e da propriedade intelectual; a ansiedade, o ruído e poluição visual e de informação. Sem dúvida, um enorme vácuo tem surgido em relação às formas de conter a desregulação e ao acesso a conteúdos como músicas, filmes, livros e dados, sem que aconteça a necessária contrapartida aos seus autores.

Andrew Keen, em seu recente trabalho, o Culto do Amador, profetiza o fim da cultura e do conhecimento, e uma maior facilidade de manipulação da verdade, com a Web 2.0, a web colaborativa, em que todos têm a possibilidade de ser autores, com seus blogs e compartilhadores de imagens e sons. Keen apresenta dados preocupantes sobre o deslocamento dos referenciais culturais clássicos, por exemplo, o fato de que 25% das lojas de discos dos Estados Unidos fecharam em 2005. Ao autor classifica estes locais não só como espaços comerciais, mas sobretudo como espaços de encontro, diálogo, aprendizagem sobre música. Acrescenta que em 2005 o prejuízo na música causado pela pirataria ultrapassou 1 bilhão de dólares, e que para cada música vendida pela internet, cerca de 40 são adquiridas ilegalmente (2009, p.103).

As questões ligadas à perda da privacidade também são relevantes e implicadas pelas novas tecnologias de informação. Percebe-se uma mudança de valores e do próprio conceito de privacidade, num mundo fetichista que incensa a celebridade. A proteção a privacidade e intimidade precisam de novos contornos, principalmente em relação ao mercado.. A privacidade integra o âmbito dos direitos da personalidade, resguardados pelo artigo 5, X da Constituição Federal:

São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação

O direito à intimidade e privacidade constituem um limite ao direito à informação, cada dia mais ameaçado pela sociedade da informação, sendo a manifestação do consentimento a referência ao sistema de tutela da privacidade, como comenta Paesani:

O direito à privacidade, ou direito ao resguardo, tem como fundamento a defesa da personalidade humana contra injunções ou intromissões alheias. Esse direito vem assumindo, aos poucos, maior relevo, com a expansão das novas técnicas de comunicação, que colocam o homem em exposição permanente. (2008, p 33)

Se por um lado há a percepção da internet como um acidente, que causará danos irremediáveis à sociabilidade pela perda de experiências (VIRILIO, 1997) e pelo descentramento (AUGE, 1995), há uma construção teórica sólida, oposta, que advoga a existência de uma cibercultura comprometida com a transformação proativa da sociedade, pelo uso das novas tecnologias. Nesse sentido, Lemos, comenta o conceito de cibercidade e os diversos projetos que visam a articular o ciberespaço e a cidade (cibercidades):

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Todos têm como objetivo principal aproveitar o potencial das novas tecnologias de informação e comunicação para, em tese, reaquecer o espaço público, recuperar o interesse pelos espaços concretos da cidade, criar novas formas de vínculo comunitário, dinamizar a participação política e ajudar a população na apropriação social dessas tecnologias (LEMOS, 2003, p. 21)

Teóricos da cibercultura, como Pierre Levy, defendem que o ciberespaço não promove a substituição ou perda de experiências, mas complexifica e desloca os centros de percepção, muitas vezes ampliando a capacidade de sentidos (Levy, 1998, p.10). Mas não há dúvidas de que a cidade está perdendo, em parte, seus marcos significativos. Que a desvalorização dos centros urbanos é crescente e que há o fortalecimento de espaços homogeneizados e assépticos, como shopping centers e condomínios fechados. Levy também questiona a concepção de cidade e espaço público, que são desvalorizados pelos mais jovens, nascidos na cibercultura, mas como superar esses desafios?

2. O território, o lugar e as novas tecnologias

As cidades têm sido o tema de debate de grandes pensadores da contemporaneidade. Como a esfinge, a cidade provoca inquietações e previsões, nem sempre confirmadas, que podem devorar-nos. Espaço, lugar, não-lugar e território são dimensões que aqui serão expostas a partir da visão dos teóricos que vêem as novas tecnologias como um aspecto positivo, de abertura de possibilidades e significações para a vida urbana e o surgimento de cibercidades, que não pretendem substituir os espaços concretos (LEMOS, LEVY), em oposição àqueles que analisam as mudanças como uma transformação asséptica da vida urbana e como um empobrecimento (perda da experiência) da vida contemporânea, ensejada pela velocidade que se impõe nas cidades (transporte, comércio, ócio ou falta dele) (VIRILIO, AUGE, 1997, 1995).

A cidade pós-industrial acena para a virtualidade, e a para construção de espaços cibernéticos. As cidades virtuais, em que o acelerado processo de fluxos de informação desconhece distâncias e tempo, tomam outra dimensão nos processos de agir, comprar, se divertir, se encontrar, trabalhar etc.

A palavra virtual vem do latim medieval virtuallis, derivado de virtus, de força, potência. É o que existe em potência (possibilidade), e não em ato. O virtual tende a atualizar-se sem ter passado concretamente pela realização formal. O virtual não se opõe ao real, são formas diferentes de ser (LEVY, 1996, p.15)

A cidade virtual implica em formas diferentes de usar a cidade, e em mudanças em relação à referência nos centros urbanos. A centralidade espacial, como referência simbólica, perde sentido.

As cibercidades atendem assim, ao crescimento da insegurança social, à instalação de não-lugares e ao fluxo comunicativo crescente, transformando-se em uma espécie de salvação das cidades reais, onde predomina o espaço de lugares (LEMOS, 2001, p.19)

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Guattari afirma que:

o homem contemporâneo é fundamentalmente um ser desterritorializado. Seus territórios existenciais originais – o corpo, espaço doméstico, clã, culto – não são mais postos em solo estável, mas integram-se desde agora em um mundo de representações precárias e em constante movimento. (1996, p.6)

A desterritorialização marca a era da sociedade pós-industrial pela perda de controles fronteiriços, pela flexibilização das fronteiras, sejam políticas, econômicas, sociais e culturais, permitidas pelas rápidas comunicações e fluxos estabelecidos na cibercultura. Guerra Filho afirma "trata-se de uma sociedade baseada na circulação de informações, de forma cada vez mais intensa e sofisticada, em que a circulação de informações computadorizada é imprescindível a todas as áreas, da produção e do conhecimento" (1997, p.22).

Auge afirma que as cidades estão se transformando em não-lugares, devido à mediação das tecnologias, resultando num esvaziamento de significados dos espaços urbanos.

A mediação entre o indivíduo com os não-lugares, segundo Auge[1], se dá pela palavra e pela imagem. Para ele, a relação com os não-lugares reais da pós-modernidade (as autopistas, os supermercados, os aeroportos), também se definem pelas palavras e textos que indicam seu modo de uso de forma prescritiva (tomar o corredor da direita), proibitivo (proibido fumar), ou informativo (você entrou em Beaujolais) e recorre a ideogramas mais ou menos explícitos e codificados (1995, p.99).

A perda da experiência ocasionada pela velocidade é descrita por Paul Virilio[2] como resultado do descentramento, que ocasionaria um egoísmo vazio. Acrescenta que a perda da experiência do movimento desconstrói não só o ordenamento do território, da arquitetura, mais também do ambiente da experiência humana (1990, p. 4).

A desterritorialização é um fato, mas não implica necessariamente numa perda de experiência ou empobrecimento de relações, visto que, como afirma LEVY, as comunidades hoje são semânticas, se aglutinam em torno de temas e interesses comuns fortalecendo a identidade e não esvaziando-a. A insurgência de movimentos globais baseados na máxima “pensar globalmente e agir localmente” (Agenda 21, 1992) reflete essa ambigüidade da desterritorialização, que de fato ameaça o sentimento de pertencimento mas não tem em si uma desconstrução da política ou da democracia, visto que hoje os conflitos e problemas são globais e exigem ecos planetários para sua solução. O aquecimento global consiste no desafio global mais importante a enfrentar, assim como a degradação dos oceanos, a manutenção das florestas tropicais e a diminuição do uso de substâncias tóxicas.

Lemos propõe a tentativa de rever os conceitos de território, lugar, mobilidade e comunidade, diante do ciberespaço e da experiência das mídias locativas, mídias pós-massivas, que utilizam serviços de localização e dispositivos eletrônicos que interagem com o entorno. No Manifesto das Mídias Locativas, Lemos define:

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Mídia Locativa. Tecnologias e serviços baseados em localização (LBT e LBS) cujos sistemas infocomunicacionais são atentos e reagem ao contexto. Ação comunicacional onde informações digitais são processadas por pessoas, objetos e lugares através de dispositivos eletrônicos, sensores e redes sem fio. Dimensão atual da cibercultura constituindo a era do “ciberespaço vazando para o mundo real” (Russel, 1999), a era da “internet das coisas”.

Território é o elemento do Estado que compreende a base física, porção do globo ocupada e que serve de limite ao exercício da jurisdição de um país, segundo a definição da ciência política. Território é o âmbito de validez da ordenação jurídica chamada Estado (Kelsen, 1974, p. 247). Lemos define território como área controlada com fronteiras definidas onde a mobilidade e fluxos são regulados. O território é o espaço do exercício de controles, Lemos acrescenta à ciência política clássica o aspecto não físico dos territórios, os territórios informacionais. Lemos propõe uma releitura do conceito de território, que não mais se restringe a espaços físicos, mas se alastra pelo ciberespaço, propiciando reterritorializações. Admite que o homem é um ser desterritorializado, e que precisa da técnica para construir seu habitat. “A cultura humana é uma des-re-territorialização da natureza” (LEMOS, 2006, p. 3).

Só podemos pensar o território a partir de uma dimensão integral das diferentes formas sociais, como lugar de processos de semantização (territorialização), bem como de movimentação (desterritorialização), a partir de múltiplas relações de poder (Foucault) e/ou desejo (Deleuze). Todo espaço, físico ou simbólico, apropriado por forças políticas, econômicas, culturais ou subjetivas, se transforma em território (LEMOS, 2006, p. 5).

Lemos exemplifica as smart mobs como processos de reterritorializações e nomadismos (2006, p 10), pois as smart mobs representam um ponto de fuga aos controles. O lugar seria o preenchimento de significados de um espaço, que são criados pelas dinâmicas do território. Se visto como um ponto fixo a porções do espaço, ele desapareceria com o crescimento da mobilidade moderna, mas a nova dimensão de lugar compreende a intersecção de fluxos (LEMOS, 2009, 6). O autor define, o território informacional, como uma nova produção social, que pode ser entendido como as áreas onde existe a interseção do fluxo informacional do ciberespaço e o espaço urbano, controlado digitalmente (LEMOS, 2009, 7)

3. Smart mobs e o fortalecimento de comunidades: a cidadania interativa

O fortalecimento do sentimento de pertencimento a uma comunidade global, a junção de pessoas por seus interesses comuns, independente de sua nacionalidade, classe social ou profissão, tem sido o fenômeno mais inovador e emancipatório propiciado pelas novas tecnologias. Para Levy, as comunidades não se interligam por proximidades territoriais ou institucionais mas por proximidades a semânticas (2002). Hobsbawn reflete sobre essa dimensão nova das relações pós ciberespaço:

Os eventos nos últimos anos foram realmente espetaculares e transformadores do mundo – e também inesperados e imprevisíveis. A natureza revolucionária do período que vivemos vai muito além das mudanças na política global, que, em poucos meses,

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estão tornando desatualizados os atlas preparados pelos cartógrafos. Nunca antes na história a vida humana normal e as sociedades em que ela ocorre foram tão radicalmente transformadas em tão pouco tempo: não apenas em único período da vida, mas em parte de um período da vida (Hobsbawn, 1995, p 214).

Rheingold afirma que o renascimento do poder de colaboração ter sido despertado pelo uso de computadores que estimularam o espírito cooperativo, o que para muitos parece uma dolorosa ironia[3].

Segundo Pierre Levy (2003, p. 67) o desenvolvimento de comunidades virtuais é um dos eventos mais importantes dos últimos anos, visto que faz advir uma forma nova de “socializar”. As comunidades constituem o fundamento social e a chave da ciberdemocracia. Reinhold narra que após o surgimento das primeiras redes virtuais, os participantes tiveram necessidade de se encontrar fisicamente, promovendo um piquenique que se tornou anual – Verão da Rede Well – próximo a São Francisco, fenômeno este repetido por diversas comunidades virtuais no mundo. O autor avança, e vislumbra o uso da tecnologia para novas propostas sociais, e classifica como uma evidência concreta do usos das novas tecnologias para propostas humanitárias e democráticas nas práticas da sociedade civil (ONGs) e das organizações em fins lucrativos[4].

Desde 1997, pensadores repercutem a capacidade inovadora e a transformação do que entendemos por espaço e tempo, resultante das novas tecnologias, como afirma Giddens:

Trata-se efetivamente da transformação do espaço e do tempo. Eu defino como ação a distância, e relaciono sua intensificação nos últimos anos ao surgimento da comunicação global instantânea e ao transporte de massa (...). A globalização não é um processo único, mas uma mistura complexa de processos, que frequentemente atua de maneira contraditória, produzindo conflitos, disjunções e novas formas de estratificação (1997, p13).

O crescimento da confiabilidade no outro, a crescente troca de informações pessoa a pessoa (peer to peer, ou P2P), e a efervescência de comunidades nascidas no ciberespaço é reconhecida e comentada por um dos mais ácidos críticos da web colaborativa, Andrew Keen. Ele afirma que a pesquisa realizada por Edelman PR atestou que, em 2003, somente 23% confiavam em pessoas, em 2006 cresceu para 68% a confiança nas pessoas (2009, p 86). Este importante dado demonstra os efeitos transformadores da interação mediada pelas novas tecnologias nas sociabilidades e o enorme potencial de articulação e aperfeiçoamento da colaboração em prol de causas humanitárias e planetárias.

A potencialidade no uso das novas tecnologias, além de possibilitar ações globais, fortalece o local e seus marcos. Uma experiência interessante de Fortaleza é descrita no portal Carnet de Notes[5] (LEMOS, 2009):

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Excelente iniciativa mesclando redes sociais (blogs e microblogs) com mapas em um exercício de cidadania, tornando coletivamente visível o que só é visível individualmente, os buracos por onde passamos e caímos todos os dias em cidades como Fortaleza e Salvador. A inciativa de blogueiros e tuiteiros de Fortaleza mostra como mapas, redes sociais e mídias locativas podem ser instrumentos de cidadania e de pressão sobre os poderes públicos. Além disso, mapeando o que está no entorno, cria-se uma atenção focada nos lugares, um olhar vigilante e crítico sobre o espaço urbano. Emerge aqui possibilidades de criação de novos significados dos lugares em meio a um urbanismo racionalizante e uma sociabilidade ubana politicamene apática. Essa iniciativa deveria ser tomada aqui também, onde o nosso já tradicional "asfalto de açúcar" transforma cada trecho de ruas e avenidas em verdadeira cratera.

A convergência de mídias, possibilitada pelo rápido desenvolvimento tecnológico, tem conseguido, de certa forma, superar o maior obstáculo: a popularização ao acesso ao ciberespaço e à miríade de informações e redes sociais possibilitadas por ela. A convergência das diversas mídias se dá nos celulares que acessam à internet e se comunicam por mensagens curtas, tiram fotografias, fazem filmes, recebem notícias, enfim, transformam o dispositivo num “faz-tudo” das novas tecnologias. O acesso a conteúdo gratuito dos principais jornais e revistas na internet, como o New York Times e o Estado de São Paulo, só para citar dois muito importantes, também pode ser feito via celulares, e gadgets como Ipods e Kindles.

Ethan Zuckerman (2007) define o celular como a grande tecnologia do século, pois é o principal instrumento de ativismo. É mais acessível e difundido nos países em desenvolvimento, onde o acesso à informação e às novas formas de manifestação são mais urgentes. Zucherman elenca alguns dados que demonstram a importância do telefone celular. Na China, em 2005, eram 350 milhões de usuários de celular, e apenas 100 milhões de usuários de computadores. As estimativas atuais do mercado são de 2 bilhões de usuários de celular, e de cerca de 3,3 bilhões em 2010. Markoff, em matéria veiculada pela Folha de São Paulo afirma que já são 4 bilhões de celulares no mundo.

Como se aduz das novas práticas sociais no ciberespaço é preciso encontrar e compreender as dinâmicas que se instalam na prática democrática advinda da concretização de comunidades virtuais. O fortalecimento dessas comunidades e a possibilidade de manifestações globais levam a diferentes compreensões de democracia, que não podem se restringir à democracia representativa clássica, ou ser reduzidas ao voto, mas, sobretudo ao que se engendra numa ciberdemocracia. Segundo Levy:

Quando em geral a democracia eletrônica faz pensar em voto eletrônico, defendo aqui a idéia de que o essencial da renovação democrática da cibercultura se deve a um aumento da transparência dos governos (e da vida social em geral), assim como a emergência de novos espaços (virtuais) de deliberação e diálogo político. Nem os jornais, os salões e os cafés do século XIX, nem a abundância midiática e televisiva do fim do século XX haviam permitido semelhante acessibilidade à informação 'politica', semelhante abertura do espaço de conversação, semelhante disponibilidade de instrumentos ao serviço do cidadão no sentido de influenciar seus representantes.(2002, p.117)

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A espantosa disponibilidade de informações, de toda a espécie, sobre a vida política, assim como a frequencia de fóruns de discussão, civilizados e bem organizados , tornam o debate político cada vez mais transparente, e preparam uma nova era do diálogo político que conduz a democracia a um estagio superior: a ciberdemocracia (LEVY, 2002, p.124)

Levy acrescenta a realização das previsões de McLuhan, a consciência global, hoje possível pelo uso das novas tecnologias que também engendra um Estado transparente:

A novidade trazida pela internet a mundialização da política reside mormente na possibilidade, para os movimentos de oposição ou as organizações ativistas, de se organizarem e coordenarem em tempo real a escala planetária (2002, 136).

SANTOS define a cidadania interativa, modo surgido na sociedade em rede, a qual:

no mundo contemporâneo, a cidadania parece estar sendo caracterizada também pelo acesso aos meios que garantem a interatividade, tanto entre os cidadãos quanto entre os distintos atores na sociedade, tanto públicos quanto privados. Nesse sentido, parecem ser relevantes não apenas os recursos materiais, dados pela condição econômica, mas em especial os recursos simbólicos controlados pelos indivíduos para o exercício do que estamos denominando a cidadania interativa (2004, p. 209)

Na cidadania interativa, como afirma Castells (2003, p. 114), os movimentos sociais do século XXI, ações coletivas deliberadas que visam a transformação de valores e instituições da sociedade, manifestam-se na e pela Internet, assim como os ambientalistas, feministas, movimentos de direitos humanos (...), numa lista infindável de projetos sociais e causas políticas. CASTELLS questiona se o uso da Internet é puramente instrumental ou se de fato o ciberespaço leva a uma transformação das regras do jogo político-social que acaba por afetar o próprio jogo. Os movimentos sociais na sociedade em rede têm como característica serem mobilizados em torno de valores culturais e preencherem o vazio deixado pela crise das organizações herdadas da "era industrial" (sindicatos, partidos etc). Os movimentos em rede trabalham com a opinião pública, perseguem o poder sobre a mente e não poder sobre o Estado. As comunidades virtuais e o terceiro setor apontam para novas formas de mobilização e articulação que confirmam o foco nas idéias, ações e transformações na vida cotidiana, muito distante da articulação política partidária tradicional, mais condicionada ao poder. As smart mobs traduzem essa mudança.

5. Conceito de Smart Mob e o estudo de caso Hora do Planeta

Rheingold cunhou o termo smart mob. Principal teórico das smart mobs e da cibercultura nos Estados Unidos, ele as descreve e as analisa no livro Smart mobs: a

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próxima revolução social (Smart mobs. The next social revolution). Rheingold afirma que as novas tecnologias propiciam ações coletivas e formas de agir que nunca seriam possíveis antes, amplificando os talentos humanos para cooperação. Smart mobs são manifestações que utilizam as novas tecnologias como forma de comunicar e atingir um maior número de pessoas que, em geral, não se conhecem, mas têm alguma causa em comum.

As novas formas de agregação e manifestação social descritas por Rheingold, podem ser de dois tipos: as smart mobs que têm caráter político, e são manifestações que utilizam a internet, por meio de blogs ou Twitter, ou as tecnologias do celular, principalmente o SMS (short message system) como forma de comunicação e mobilização.

As flash mobs, lembram os happenings dos anos 1970, com características artísticas e performáticas, sem a necessidade do caráter político. São manifestações artísticas, lúdicas, que libertam a imaginação e buscam uma crítica ao cotidiano e à massificação dos comportamentos sociais. Um exemplo recente das flash mobs são as silent parties (festas silenciosas), reuniões de centenas de jovens nos metrôs de Londres e nos Estados Unidos, munidos de tocadores de música (walkmans, Ipods, Iphones) a dançar isolados ao som da música escolhida, com seus fones de ouvido, numa estranha festa sem música para os que vêm mas não participam da festa.

Os metrôs deixaram de ser locais de passagem, tornando-se locais de intervenção lúdica. Transformaram-se e foram resignificados em seus usos.

Das smart mob, ou mobilização inteligente, a mais conhecida e discutida no mundo foi a grande mobilização promovida na Espanha em 2004, após os atentados na Estação Ferroviária Atocha, em Madri. O governo espanhol, mesmo sem a devida investigação, atribuiu a autoria dos atentados ao grupo separatista Basco, ETA, descartando a possibilidade (que depois se confirmara) de que o atentado poderia ser uma represália da rede Al Qaeda, pelo apoio do governo espanhol à política norteamericana no Iraque.

Diante do embuste governamental, as pessoas se mobilizaram via mensagens de celular (SMS) e internet, em passeatas e manifestações contra o governo que resultaram numa reviravolta nas eleições do país, que ocorreram poucos dias após o ato.

Diversas outras smart mobs se espalharam pelo mundo: na China mais de um milhão de mensagens fizeram o governo recuar na instalação de uma indústria poluente (paraxileno) em 2007 (Schieck, 2007). Em 2009 o Greenpeace realizou uma smart mob global contra a ampliação de um aeroporto Heathrow em Londres, em que mais de 1.000 manifestantes, com camisetas temáticas, invadiram o aeroporto e centenas de pessoas pelo mundo se inscreveram como co-proprietárias de parte de um terreno comprado pelo Greenpeace para impedir a expansão. No Chile em 2006 e 2007 foram realizadas smart mobs contra a Microsoft, assim como no Paquistão, contra o Presidente Pervez Musharraf e em Uganda pelos direitos das mulheres (Lemos, 2006).

A mais significativa smart mob, do ponto de vista de sua força política, ocorreu nas Filipinas, em 2001, contra o presidente Estrada. A manifestação de mais de um milhão de pessoas que saíram às ruas vestidos de preto, de forma pacífica, sem nenhuma violência, derrubou um governante corrupto.

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Há registro de algumas flash mobs também no Brasil, como a descrita pelo sitio do jornal O Estado de São Paulo, ocorrida no período de 8 e 13 agosto de 2003, em São Paulo:

Maluquices públicas programadas por e-mail

O convite vem por e-mail. Você deve estar em certo local, a certa hora. Lá, receberá instruções de um organizador sobre o que deve fazer. Pode ser, por exemplo, imitar o canto de um pássaro ou jogar-se no chão, aos gritos. (...)

(o evento) reuniu cerca de 100 pessoas no cruzamento da Avenida Paulista com a rua Augusta, uma das mais movimentadas de São Paulo. Os participantes aguardaram o primeiro sinal verde após o relógio do canteiro marcar 12h40. Eles atravessaram a Avenida Paulista, tiraram um sapato cada e bateram com ele no chão, repetidas vezes. Logo em seguida, calçaram o sapato e foram embora. O fenômeno das Flash mobs está se espalhando rapidamente pela Europa e Estados Unidos. É uma manifestação sem objetivo político, articulada com instantes de antecedência por e-mail ou mensagens de telefone celular. (Jornal Estado de São Paulo, 2003)

As flash mobs têm recebido mais atenção da mídia por suas características inusitadas e estética inovadoras. Alguns exemplos têm sido as Guerrilhas Gay, em Los Angeles, em que grupos se reúnem em restaurantes para uma festa gay, tudo comunicado por celular no dia da performance. Recentemente a flash mob No Pants (sem calças) foi realizada em abril de 2009, no metrô de São Paulo, tendo ocorrido em mais de 20 cidades pelo mundo. A performance consistia em reunir as pessoas na mesma estação de metrô, numa hora predeterminada, as quais deveriam tirar as calças, ficando somente com as roupas debaixo e entrarem juntos no trem. A manifestação tinha algumas regras: não deviam conversar, rir ou expressar qualquer desconforto, nem utilizar roupas apelativas, ou com conotações sexuais. Ao final do ato, todos deveriam se vestir e se disperar, causando estranhamento nas pessoas.

A mais recente smart mob brasileira foi a concentração na Praça dos Três Poderes do dia 6 de maio de 2009, em que centenas de manifestantes levaram uma vela para iluminar a Justiça no Brasil e pedir a saída do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal. A organização Fora Gilmar era suprapartidária, formada por cidadãos que utilizam blogs e mensagens na internet e celular, que organizaram a manifestação.

Para Rheingold (apud Lemos, 2006) smart mobs :

consist of people who are able to act in concert even if they don’t know each other.The people who make up smart mobs cooperate in ways never before possible because they carry devices that possess both communication and computing capabilities.

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Como se viu, as novas tecnologias têm sido apropriadas por muitos outros, além daqueles que pretendem realizar manifestações artísticas, lúdicas e aparentemente despropositadas, como fez o WWF, na Hora do Planeta.

7. Estudo de caso: A Hora do Planeta

A mobilização planetária, liderada pela Organização não governamental WWF (Fundo pela Conservação da Natureza), a Hora do Planeta, convocou o mundo para um gesto simples em defesa do Planeta: apague as luzes por uma hora no dia 28 de março às 20:30. Realizada desde 2007, para alertar sobre o aquecimento global e pressionar os governos por compromissos efetivos para diminuição da emissão de gases do efeito estufa, pela primeira vez a Hora do Planeta aconteceu no Brasil, em 2009. Reuniu 88 países e mais de 4 mil cidades ao redor do globo, que "apagaram" monumentos como a Torre Eiffel, em Paris; a Torre Aucland Sky, na Nova Zelândia; a Ópera de Sydney, na Austrália; o templo Rizal Shrine, um dos principais monumentos de Manila nas Filipinas; a estátua Merlion, e as torres gêmeas Petronas, de Cingapura; o ninho do Pássaro, em Pequim.

Não só as pirâmides, mas também o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, e o Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza, até a estátua do Padre Cícero, em Juazeiro, ficou às escuras. São Paulo, Brasília e Belo horizonte, e diversas outras cidades pelo Brasil, realizaram manifestações nas ruas à luz de velas. Em Moscou a estimativa é que mais de um milhão de pessoas desligaram as luzes. Na Espanha cerca de 15% da população, em torno de 7 milhões de pessoas. No Canadá a energia elétrica teve uma redução de consumo de cerca de 15%. Na África do Sul um concerto às escuras foi realizado cais Victoria & Albert Waterfront, levando o bispo, ganhador do premio Nobel da Paz, Desmond Tutu a afirmar que a Hora do Planeta foi “um dos maiores movimentos sociais já vistos no mundo”, segundo dados do Informativo online do WWF, 2009.

Na internet, no sítio do WWF são citadas as inúmeras comunidades utilizadas para a mobilização no Orkut, no Twitter (com 1542 seguidores), no Flirck, e no Youtube (com 127.912 exibições de vídeos sobre a “Hora do Planeta”).

A mensagem era clara: vote pelo Planeta. A idéia de um ciberativismo e o do exercício de uma cidadania planetária pelo meio ambiente foi difundida pela primeira vez de forma global, ao atingir a maior parte dos países do planeta. O uso de novas tecnologias foi fundamental para a mobilização. Apesar de no Brasil a ONG ter tido o apoio das mídias tradicionais, como a televisão, foi pela internet e pelos dispositivos móveis que o evento teve maior difusão e repercussão. A resposta da comunidade pode ser medida principalmente pelas visitas no sitio do WWF-Brasil no período da campanha, o aumento no mês de março foi de 250%, em relação ao mês anterior, atingindo 58.883 visitas somente no dia 28 de março, sendo o terceiro sitio mais visitado do mundo, dentre os sitios do WWF, neste dia. O mais visitado foi o sitio da Rússia com 91.768 pageviews, seguido pelo Reino Unido com 76.422 visitantes, em quarto lugar a Espanha com 27.238 visitas, seguido pelo Canadá com 18.025 visitantes (OLIVEIRA, 2009).

A mobilização de centenas de milhares de pessoas pelo ciberespaço, com a construção de comunidades no Twitter, Flirck e a exibição de vídeos no Youtube caracteriza o

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evento como uma mobilização que utilizou as novas tecnologias como principal ferramenta de divulgação e envolvimento, com a culminância num processo viral de comunicação, em que cada elo dissemina a mensagem aos seus amigos, criando uma verdadeira comunidade global contra o aquecimento global.

No sitio eletrônico do WWF é possível encontrar a convocação para continuar a cibervotação por meio da participação nas comunidades criadas, inclusão de fotos, vídeos e mensagens: “Essa é a primeira eleição que acontece simultaneamente no mundo inteiro. No páreo, estão o nosso planeta e o aquecimento global. Para quem você vai dar seu voto?" (WWF, 2009).

O potencial de articulação do terceiro setor se traduziu na smart mob planetária Hora do Planeta, estabelecendo um canal de participação e colaboração da sociedade civil, sobre o terceiro setor, nos moldes do que afirma Dowbor:

Se associarmos a expansão deste setor de atividades com as dinâmicas estruturais que sustentam o paradigma da colaboração visto acima – urbanização e expansão do consumo coletivo; tecnologias de informação e conectividade social; expansão das políticas sociais que favorecem processos descentralizados e participativos e primazia da economia do conhecimento que privilegia intercâmbios – concluímos que se trata não de um subprocesso menor do setor publico, mas do resgate, por parte das comunidades, de um mínimo de sentido na organização dos esforços sociais (2007,p 159).

No dia 1o de abril, uma notícia no sítio do WWF-Brasil afirmava:

A participação dos brasileiros via internet foi fundamental para o sucesso da Hora do Planeta. Durante o ato simbólico, internautas de todo País enviaram mensagens via Twitter sobre sua participação no movimento. Além disso, fotos e vídeos se multiplicaram na web, confirmando a força deste gesto pelo planeta. Vários registros do apagar das luzes em diferentes pontos do Brasil foram publicados espontaneamente em sites como YouTube, Flickr e Orkut (WWF- Brasil,2009).

No sitio do WWF Austrália, país que iniciou o movimento há três anos, é possível encontrar os seguintes dados que traduzem a forte participação planetária no evento:

4.088 cidades em 88 países pelo globo participaram;

73 capitais nacionais participaram;

18 dos 20 países do G20 participaram;

9 entre as 10 mais populosas cidades do mundo participaram;

Cobertura por 24 horas pelos meios de comunicação;

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O Vice Presidente dos Estados Unidos celebrou a Hora do Planeta com o Presidente do Chile

Os marcos mundiais mais importantes da Terra ficaram escuros: as Pirâmides (Egito), Burj Al Arab hotel (Dubai), Torre Eiffel (França), Vaticano (Itália), Acrópoles (Grécia), Big Ben (Reino Unido), Las Vegas Strip and Empire State Building (EUA), Cristo Redentor (Brasil), Estádio Ninho do Pássaro(China) e as Torres Gêmeas de Petronas (Malasia).

Durante a campanha de 2009 :

Foram encontradas 87 milhões de menções a Hora do Planeta na web. ;

A Hora do Planeta tem pelo menos 2.4 milhões de apoios de comunidades na internet;

Durante as 24 horas que transcorreram a Hora do Planeta foram exibidas mais de 8,3 milhões de vezes os vídeos e imagens do evento;

A Hora d Planeta foi mencionada 300 vezes por segundo na web;

O vídeo A Hora do Planeta foi visto 10 vezes em cada segundo;

A hora do Planeta foi o tópico mais mencionado no twitter no dia 28 de março. (WWF – Australia, 2009)

Estes dados traduzem a importância das novas tecnologias como possibilitadoras de um manifesto planetário e indutoras de mobilizações em tempo real. O uso da internet pelos movimentos sociais contemporâneos, como o ambientalismo e os movimentos de gênero, têm longa caminhada.

Rheingold[6] (1993) no seu clássico Virtual Comunity (Comunidades Virtuais,1993) descreve com pormenores os avanços do uso dos computadores pelas organizações da sociedade civil e a formação das primeiras comunidades virtuais. O uso de correios eletrônicos, listas e comunidades ambientalistas têm conseguido superar as dificuldades financeiras, as barreiras acadêmicas na participação de congressos internacionais e sobretudo, difundido as mensagens ecológicas e popularizado termos científicos e técnicos.

8. Considerações finais

É fato que o senso de comunidade urbana com referências de vizinhança e de centralidade da cidade tem perdido significado, principalmente em países como o Brasil, em que a violência e a falta de planejamento das cidades transforma o espaço público num verdadeiro caos. E este sim, um fator de isolamento e de esvaziamento dos espaços públicos. No entanto, as novas tecnologias, que de certa forma, contribuem também para o esvaziamento em alguns aspectos da vida urbana, tem criado novas

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formas de sociabilidade e engendrado comunidades virtuais capazes de interagir, fortalecer e articular movimentos com o uso das novas tecnologias. As novas tecnologias têm se afirmado como uma ferramenta de colaboração e transformação.

O uso das novas tecnologias como ferramenta de interação e construção de comunidades tem servido, inclusive, para resignificar e incentivar a esfera pública, pois permite o exercício da cidadania interativa, das mobilizações com uso da informação em tempo real (smart mobs), engendrando uma ciberdemocracia planetária (como na Hora do Planeta), bem como fortalecendo a democracia local (smart mob na Espanha, 2004; smart mobs na China, 2005, Chile, em 2006, e Uganda, em 2006).

O caso da Hora do Planeta ilustra esta nova possibilidade de manifestação, que teve como símbolos os marcos urbanos do Planeta (Cristo Redentor, Torre Eiffel, Ninho do Pássaro, Big Ben, entre outros), ensejou diversas manifestações de rua, propiciou uma interação planetária por uma causa global e iniciou verdadeiramente a cidadania planetária. O chamamento a votar, iniciado pela Organização Não Governamental WWF enseja uma nova perspectiva democrática e renova o paradigma do exercício da cidadania. Inaugura um forte movimento de solidariedade planetário e transgeracional.

O movimento a Hora do Planeta só foi possível devido a articulação pela e na internet. Produziu um evento global que afirma os propósitos positivos e inovadores da cibercultura. Confirma a possibilidade de materializar as promessas da cibercultura em atos globais e locais em defesa da sustentabilidade planetária e do fortalecimento de uma cultura de colaboração mundial. O direito ao meio ambiente, à democracia e a vida digital, configuram os mais novos direitos, que alguns autores classificam como direitos a terceira, quarta e sétima dimensão de direitos (HOESCH, 2003), como forma didática de expor a historicidade dos direitos, ressaltando a necessária indivisibilidade dos direitos fundamentais.

Os territórios e lugares não se tornam necessariamente não-lugares, ou lugares assépticos, mas dão vez a outros significados e ações, como se percebe nas flash mobs e smart mobs que se espalham por todo o globo, levando a novos usos dos espaços.

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[1] Pero, los no lugares reales de la sobremodernidad, los que tomamos cuando transitarnos por La autopista, hacemos las compras en el supermercado o esperamos en un aeropuerto el próximo vuelo para Londres o Marsella, tienen de particular que se definen también por las palabras o los textos que nos proponen: su modo de empleo, en suma, que se expresa según los casos de modo prescriptivo ("tomar el carril de la derecha"), prohibitivo ("prohibido fumar") o informativo ("usted entra en El Beaujolais") y que recurre tanto a ideogramas más o menos explícitos y codificados (los del código vial o los de las guías turísticas) como a la lengua natural.

[2] La perte de l’exo-centration territoriale développe et accroît l’ego-centration comportementale de l’homme, non seulement dans le vide, mais ici-bas, sur cette terre même, archétype de toute spatialité corporelle, arche perdue de l’expérience du mouvement. La voilà bien la décentralisation, déconstruction non seulement de l’aménagement du territoire ou de l’architecture, mais de l’environnement même de l’expérience humaine. Égotisme suprême, égocentrisme plus puissant que tous les anthropocentrismes et les égocentrismes qui façonnèrent naguère l’histoire et la géographie, et dont Copernic, Galilée, Kepler tentèrent vainement de nous délivrer (VIRILLIO, 1997, p.4).

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[3] The experience has to do with the way groups of people are using CMC to rediscover the power of cooperation, turning cooperation into a game, a way of life a merger of knowledge capital, social capital, and communion. The fact that we need computer networks to recapture the sense of cooperative spirit that so many people seemed to lose when we gained all this technology is a painful irony. (Virtual comunities, online, 1993)

[4] Are virtual communities just computerized enclaves, intellectual ivory towers? The answer must lie in the real world, where people try to use the technology for the purpose of addressing social problems. Nonprofit organizations on the neighborhood, city, and regional levels, and nongovernmental organizations (NGOs) on the global level, can be seen as modern manifestations of what the enlightenment philosophers of democracy would have called "civil society." The ideal of building what one pioneer, Howard Frederick, calls a "global civil society" is one clear vision of a democratic use of CMC. Nonprofits and NGOs that use CMC effectively are concrete evidence of ways this technology can be used for humanitarian purposes. (Rheingold,1993)

[5] http://www.andrelemos.info/

[6] Environmental scientists and activists are dispersed throughout the world, generally don't have the money to travel to international conferences, and are compartmentalized into academic institutions and disciplines. The uses of electronic mailing lists and grassroots computer networks began to spread through the scientific and scholarly parts of the ecoactivist grapevine through the late 1980s. Just as virtual communities emerged in part as a means of fulfilling the hunger for community felt by symbolic analysts, the explosive growth in electronic mailing lists covering environmental subjects has served as a vehicle for informal multidisciplinary discussions among those who want to focus on real-world problems rather than on the borders between nations or academic departments.

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