cibercultura e pesquisa formação na prática docente

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  • 7/29/2019 Cibercultura e Pesquisa Formao na Prtica Docente

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    EDMA OLI VEI RA DOS SAN TOS

    EDUCAO ONLI NE

    Cibercu l t u r a e Pesqu isa-Form ao na Pr t i caDocen te

    DOUTORAD O EM EDUCAO

    FACED/ UFBA

    2 0 0 5

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    Univer s idade Feder a l da Bah iaFaculdade de EducaoPrograma de Ps-Graduao em EducaoLinha de pesquisa: Currculo, Comunicao e Cultura

    Doutoranda: Edm a Oliveira dos SantosOrientador: Prof. Dr. Roberto Sidney Macedo

    EDUCAO ONLI NE

    Cibercu l t u r a e Pesqu isa-Form ao na Pr t i caDocen te

    Tese apresentada como exigncia

    parcial obteno do ttulo de Doutora.

    Programa de Ps-Graduao em

    Educao, Universidade Federal da

    Bahia.Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidney

    Macedo

    Abril de 2005

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    EDUCAO ONLI NE

    Cibercu l t u r a e Pesqu isa-Form ao na Pr t ica Docent e

    Banca Exam inador a :

    Prof. Dr. Roberto Sidney Macedo (orientador)

    Universidade Federal da Bahia

    Prof. Dra. Cristina Maria dvila

    Universidade Federal da Bahia

    Prof. Dra. Maria Helena Silveira Bonilla

    Universidade Federal da Bahia

    Prof. Dr. Joaquim Gonalves Barbosa

    Universidade Federal de So Carlos

    Prof. Dra. Lynn Rosalina Gama Alves

    Universidade do Estado da Bahia

    Aprovada em 04 de abril de 2005.

    Salvador

    2005

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    Dedica t r ia

    Aos docentes-pesquisadores do mundo, em

    especial aos meus eternos docentes Flvio

    Ferreira dos Santos (painho) e Marlene Oliveira

    dos Santos (mainha).

    A Marco Silva (meu amor) pela multirrreferencial

    parceria interativa.

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    AGRADECI MENTOS

    Agradeo especialmente ao meu orientador, o Prof. Dr. RobertoSidney Macedo por ter aceitado o desafio de orientar esta pesquisa.

    Obrigada por sua ousadia, generosidade, competncia intelectual.

    Voc me ensinou o que ser um orientador amoroso e rigoroso com

    o fazer cincia. Aprendi com voc a fazer pesquisa implicada.

    amiga e parceira intelectual, a professora-pesquisadora Alexandra

    Lilavati Pereira Okada. Sem sua co-autoria esta pesquisa no seriapossvel. Obrigada por me ensinar tantas coisas.

    Ao Prof. Dr. Fernando Almeida pela confiana, apoio e acolhida ao

    projeto de educao online: uso de software na pesquisa

    qualitativa, campo de pesquisa desta tese.

    Aos colegas docentes e pesquisadores que, juntamente comigo e

    toda equipe do COGEAE, fizeram emergir o conceito e a prtica dos

    ambientes virtuais de aprendizagem. Agradeo em especial

    professora-pesquisadora Dauci Souza, pela mediao colaborativa

    em nossa pesquisa-formao.

    famlia Okada, em especial ao amigo e professor-pesquisador

    Saburo, pela escuta sensvel e abertura ao novo. Obrigada pelas

    dicas preciosas. Agradeo a Jandira (in memoriam), pelas calorosas

    acolhidas na cidade de So Paulo.

    Aos membros da banca, por aceitarem generosamente o convite ao

    debate criativo. Agradeo em especial s professoras Lynn Alves

    (UNEB) e Cristina dvila (UFBA), pelas timas contribuies no

    exame de qualificao. Meu agradecimento professora e amiga

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    Maria Helena Bonilla (UFBA) e ao professor Joaquim Gonalves

    Barbosa (UFSCar), por aceitarem integrar a Banca Examinadora.

    Aos amigos, professores e pesquisadores dos grupos de pesquisa eprtica pedaggica da UFBA e da UNEB. Em especial aos grupos

    FORMACCE, GEC e NETI, por me ensinarem a articular o potencial

    das Tecnologias de Informao e Comunicao TICs com a

    pesquisa-formao. Meu agradecimento especial ao professor

    Jacques Julles Soneville, por sua amizade e por me encorajar com

    as minhas autorias.

    Ao professor Felippe Serpa ((in memoriam), pela sua conexo em

    nosso tempo. Saudades das suas provocaes.

    A minha primeira famlia (Flvio, Marlene, Bruno e Flavinha) pelo

    amor incondicional, por torcerem por mim e me apoiarem em todos

    os momentos da minha vida pessoal e profissional. A Maria Paula

    por me energizar com seus olhos de faris, ora verdes, ora azuis.

    A Marco e Theo, pela nova famlia que se constituiu no

    desenvolvimento deste trabalho. Obrigada pelas aprendizagens

    constantes. Amo muito vocs!

    A meus alunos, alunas, amigos e amigas (no vou citar nomes

    porque resultaria num outro volume como este), por me formarem

    com suas narrativas e histrias de vida.

    CAPES pelo apoio material para a realizao desta pesquisa,

    fundamental para sua concretizao.

    A todas as formas e expresses de Deus!

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    O que pode ser mais opressivonum ensino no finalmente osaber ou a cultura que elevincula, so as formasdiscursivas atravs das quaisele proposto.

    Roland Bar th es

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    RESUMO

    A tese desenvolve a teoria e a prtica da educao onlinecomo um

    evento da cibercultura e no simplesmente uma evoluo das

    convencionais prticas de educao a distncia. A cibercultura o

    movimento sociotcnico-cultural que gesta suas prticas a partir da

    convergncia tecnolgica da informtica com as telecomunicaes

    que faz emergir uma pluralidade de interfaces sncronas e

    assncronas de comunicao e uma multiplicidade de novas mdias e

    linguagens que vm potencializando novas formas de sociabilidadee, com isso, novos processos educacionais, formativos e de

    aprendizagem baseados nos conceitos de interatividade e

    hipertextualidade. Desenvolveu uma experincia em educao

    onlineque procurou articular as potencialidades da cibercultura com

    a epistemologia e a metodologia da pesquisa-formao, construindo

    uma prtica docente a partir da criao de um AVA ambiente

    virtual de aprendizagem concebido como dispositivo formativo.Este dispositivo incorpora tanto os aspectos comunicacionais e

    pedaggicos de suas interfaces sncronas e assncronas (blogs,

    fruns de discusso, chat, portflio, softwares de cartografia

    cognitiva entre outros), bem como a emergncia de um grupo-

    sujeito que aprende enquanto pesquisa e pesquisa enquanto

    aprende. Assim, o AVA se configurou como um espao

    multirreferencial de aprendizagem por conta da pluralidadediscursiva das narrativas e experincia pessoais, profissionais e

    acadmicas de todos os participantes. A aprendizagem foi mediada

    pela promoo intencional, mais comunicacional, de situaes de

    ensino-aprendizagem, onde coletivamente os sujeitos da pesquisa

    interagiram com um projeto pedaggico que agregou

    hipertextualidade de contedos com aprendizagem colaborativa, a

    partir do uso das interfaces do AVA no s concebidas como

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    interfaces comunicacionais, mas, sobretudo, como gneros textuais

    e dispositivos de formao. O referencial terico que dialogou com a

    pluralidade das narrativas do grupo-sujeito foram as teorias da

    complexidade (Morin), multirreferencialidade (Ardoino), sociologiacontempornea (Maffesoli), interatividade (Silva), cibercultura

    (Lvy, Lemos), linguagem ps-estruturalista (Barthes, Marcuschi),

    cartografia cognitiva (Moreira, Okada), formao docente (Nvoa,

    Freire, Josso, Macedo), pesquisa-ao (Barbier) e a etnopesquisa-

    formao(Macedo). O trabalho evidenciou o potencial formativo da

    educao online como campo fecundo para novas e significativas

    possibilidades de promoo da aprendizagem e da formao dedocentes e pesquisadores. A pesquisa constatou que houve

    aprendizagem e experincias formativas pelo registro e

    mapeamento de diversas narrativas de formao que emergiram e

    foram compartilhadas nas diferentes interfaces do AVA. Suas

    interfaces se configuraram como fecundos dispositivos de pesquisa

    e formao. Assim, foi engendrada uma prtica docente implicada e

    encarnada com a pesquisa-formao no cenrio sociotcnico e

    cultural do nosso tempo.

    Palav ras -chave : educao online, cibercultura, pesquisa-formao, ambientes virtuais de aprendizagem, prtica docente.

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    ABSTRACT

    This thesis develops both theory and practice of the educationas a cyberculture occurance and not merely as a evolution of

    conventional distance educacion practices. The cyberculture is the

    social-technical-cultural movement that creates its practices from

    the convergence of computer science with the telecommunications

    that arises out a plurality of synchrone and no synchrone

    communicational interfaces and multiple new media and languages

    that had potentialyzed new kinds of sociability and then neweducational, graduating and learning processes founded on the

    interactivity and hypertextuality concepts. It developed an online

    education practice that tried to articulate the cyberculture

    potentialities with episthemology and search-graduation

    methodology, constructing a teaching practice from an AVA

    Ambiente Virtual de Aprendizagem (Virtual Learning Environment)

    concepted as a graduation device. This device embodies both

    communicational and pedagogical aspects of its synchrone and no

    synchrone interfaces (blogs, discussion fora, chat, portfolio,

    cognitive cartography sofwares etc.) as well as the rise of a subject-

    group that learns while searches and searches while learns. Then

    the AVA has been shapep as a multirreferential space of learning by

    the discoursive plurality of the personal, professional and academic

    narratives and practices of all the partakers. The learning was

    mediated by intentional promotion, communicational plus of

    teaching-learning circumstances where the subjetcs of the search

    had interacted with a pedagogical project that added contents

    hypertextuality with colaborative learning, from the use of AVA

    interfaces not merely concepted as communicational interfaces but

    especially as textual genres and graduation dispositives. The

    theoretical references that have dialogued with the plurality of

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    subjet-group narratives were the complexity (Morin),

    multirreferentiality (Ardoino) contemporary sociology (Maffesoli),

    interactivity(Silva), cyberculture(Lvy, Lemos), post-structuralistic

    language (Barthes, Marcuschi), cognitive cartography (Moreira,Okada), teaching graduation (Nvoa, Freire, Josso, Macedo),

    search-action (Barbier) and etno-search-graduation (Macedo)

    theories. The work has made clear the graduation potential of online

    education as a fecund field to news and significatives possibilities of

    promotion of the learning and the graduation of teachers and

    searchers. The search verified that there was learning and

    promotion of the graduation practices by the record and thecharting of divers graduation narratives that have rised and were

    shared in the distinct AVA interfaces. Its interfaces have shaped as

    fecund dispositives of search and graduation. Then a teaching

    practice was engenred embodied and involved with the search-

    graduation and in the nowadays social-technical-cultural scenery.

    K e y w o rd s: online education, cyberculture, search-

    graduation, virtual learning environments, teaching practice.

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    SUMRI O

    RESUMO 8

    ABSTRACT 1 0I NTRODUO 1 4

    Onde tu do comeou? 1 4

    Si tuao prob lemt ica : cenr ios soc io tcn icos 1 8

    O cam po do cu r r cu lo : ou t ra cena em ques to 1 9

    Questo ge r a l e os ob j e t i vos da p esqu i sa 2 9

    Apresen tando o s cap tu l os da tese 3 0

    CAP TULO I - DA COMUNI CAO DE MASSA CI BERCULTURA: DESAFI OS PARA A DOCNCI A

    3 3

    Nos p r im rd ios das r edes e i n te r aes socio tcn i cas 3 3

    Rev isando nossa re lao soc io tcn ica 3 6

    Com un icao m oderna : i nd s t r i a , m d ia e comun icao demassa

    4 0

    Com un icao m oderna : i nd s t r i a , m d ia e comun icao demassa

    4 1

    O jogo da l i nguagem v i sua l : os si gnos e a p roduo damensagem

    4 8

    Com un icao e ap rend i zagem n a c ibe rcu l tu ra 5 8

    O socia l na c i be rcu l tu ra : com un idades e t r i bos na c i dade e noc iberespao

    6 4

    Os hacke rs 7 1

    A m s i ca e le t rn i ca 7 9

    LAN HOUSES: j ogo s em r ede 8 4

    Amb ien tes v i r t u a i s de ap rend i zagem e a educao on l i ne 8 9

    Tenses en t re a c i be rcu l tu r a e a com un icao de m assa :desa f i os pa ra a p r t i ca docen te

    9 6

    CAPI TULO I I - EDUCAO ONLI NEPARA ALM DA EAD:

    UM FENMENO DA CI BERCULTURA

    1 0 5

    I n t e r a t i v i d a d e 1 1 3

    H i p e r t e x t o 1 1 8

    Obje tos de ap r end i zagem 1 3 5

    CAP TULO I I I - PESQUI SA-FORMAO: PESQUI SANDOEM EDUCAO ONLI NE

    1 3 9

    O ob je to que se au to -o rgan i za 1 3 8

    A pesqu i sa- fo rm ao em educao on l i ne 1 4 5

    A com p lex idade 1 4 8

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    A mu l t i r re fe renc ia l i dade 1 5 0

    A em ergnc ia das noes subsunoras 1 5 2

    A pesqu i sa e a p r t i ca docen te como d i sposi t i vos de fo r m ao 1 6 2

    O cam po de pesqu isa no c iberespao 1 6 6

    CAPI TULO I V - PRTI CA DOCENTE: O PROGRAMAABERTO S ESTRATGI AS

    1 7 0

    Com o e labora r um p ro j e to pa ra educao on l i ne ? O p rob lem ada pesqu isa

    1 7 3

    Pro je to : do desenho i ns t ru c iona l ao desenho edu caciona l 1 7 5

    A p r t i ca pedagg i ca i n te ra t i va e h ipe r tex t ua l na pesqu i sa -f o r m a o

    1 7 8

    Contex to : os su je i t os da p esqu i sa

    Competnc ias 1 8 3

    Equ ipe de t raba lho 1 8 5At i v i dades 1 8 8

    Aval iao dos processos e da apren d izagem 1 9 1

    O co n t e d o i n t e r a t i v o e h i p e r t e x t u a l 1 9 5

    A in f ra -es t ru t u ra com un icac iona l como i n t e r faces, gnerostex t ua i s e d i spos i t i vos de pesqu i sa fo rm ao

    2 0 3

    Blog 2 1 1

    Frum de d i scusso 2 2 8

    Chats 2 8 5Por t f l i os 2 9 5

    ( I N) CONCLUSES E PROPOSI ES 3 1 8

    REFERNCI AS 3 3 1

    ANEXOS 3 4 3

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    I NTRODUO

    Conhecer negociar, trabalhar, discutir,

    debater-se com o desconhecido que sereconstitui incessantemente, porque todasoluo produz nova questo.

    Edgar Mor in

    Onde tu do comeou?

    Dezembro de 2001, conclua minha dissertao de mestrado

    intitulada O currculo e o digital: a educao presencial e adistncia. Nesta pesquisa, estudei como o paradigma das

    tecnologias digitais, mais especificamente o ciberespao e seus

    ambientes virtuais de aprendizagem, poderia contribuir para a

    emergncia de novos atos de currculo, seja na educao presencial,

    seja na educao a distncia. Neste trabalho, tensionamos a

    complexidade da teoria curricular contempornea com as novas

    demandas comunicacionais promovidas pelas TICs tecnologias deinformao e comunicao. O estudo procurou articular a teoria do

    currculo com a tecnologia digital a partir de um estudo entre dois

    casos. O primeiro na modalidade presencial, em que investiguei o

    uso do softwareAs rvores do Conhecimentono contexto do curso

    de ps-graduao do Programa de Comunicao e Semitica da

    PUC-SP; e o segundo, no contexto de um curso onlinede extenso

    oferecido pela UVB Universidade Virtual Brasileira.

    O estudo evidenciou o potencial comunicacional e pedaggico

    do digital e denunciou sua subutilizao por formadores e

    instituies pela viso limitada acerca do conceito e prtica do

    currculo observados nos campos de pesquisa. Alm do estudo entre

    casos, que formalmente foram descritos na dissertao de

    mestrado, tive a oportunidade de vivenciar no papel de aluna online

    outras experincias que utilizaram o ciberespao como cenrio de

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    educao a distncia. Concomitantemente s vivncias como aluna

    online, desenvolvia processos formativos em cursos de Graduao e

    Ps-graduao Lato Sensu em Educao, nas reas de Currculo,

    Prtica de Ensino e Estgio Supervisionado. Neste processo minhaprtica docente era norteada pela articulao das teorias

    educacionais e comunicionais contemporneas com o uso das

    tecnologias digitais de informao e comunicao e suas

    convergncias com as diversas mdias e linguagens a exemplo das

    tecnologias audiovisuais. Minha prtica docente procurava sempre

    promover autorias variadas, incentivando os educandos a gestarem

    em suas prticas experincias formativas concebendo as TICs comoprodutoras e socializadoras de sentidos e autorias plurais.

    Procurvamos no s discutir o potencial sociocognitivo das TICs

    como tambm seu potencial poltico-cultural.

    O conjunto dessas vivncias e experincias formativas me

    inquietou profundamente, instigando-me a uma nova curiosidade

    cientfica que deu origem pesquisa que ora apresento em forma

    de tese. Tal inquietao partiu da constatao de que as

    experincias, por mim vivenciadas em cursos online, deixavam a

    desejar exatamente por conta da concepo de currculo e prtica

    pedaggica dos formadores e de suas instituies. Constatei a

    tambm o desconhecimento de eventos, fenmenos e pesquisas

    sobre cibercultura, interatividade, currculo em rede, pesquisa-

    formao e do prprio conceito de educao onlineque emergia.

    Os atos de currculo em sua grande maioria eram inspirados

    pela terica e prtica dos modelos instrucionais de EAD educao

    a distncia, que ressuscitavamconceitos como desenho instrucional

    e atividades programadas, aprendizagem guiada, entre outros. A

    pesquisa, quando acontecia, era baseada no contexto de pesquisa

    aplicada, em que os alunos eram concebidos como objetos a serem

    explorados e investigados e no como sujeitos autores.

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    As tecnologias digitais e suas interfaces eram concebidas

    como ferramentas utilizadas para melhor apresentar contedos

    quase sempre prontos, pirotcnicos, e agregar os resultados das

    tarefas solicitadas aos alunos pelo professor que muitas vezes tinhasua autoria fragmentada em diferentes papis, professores autores

    de um lado e professores tutores do outro. O professor tutor no

    era autor, apenas executor e dinamizador de processos muitas

    vezes baseados na lgica comunicacional um-um, subutilizando o

    potencial comunicacional todos-todos prprio das interfaces

    sncronas e assncronas do ciberespao.

    Inquieta com essa forma de fazer educao, apresentei aoPrograma de Ps-graduao em Educao da FACED/UFBA um

    projeto que propunha uma pesquisa-ao, no contexto do Currculo

    do Curso de Pedagogia da UNEB, Campus I, para desenvolver com

    todos os colegas professores e estudantes do terceiro semestre

    matutino, em criao coletiva, um AVA ambiente virtual de

    aprendizagem , que atuaria como dispositivo de pesquisa e

    formao articulando o trabalho presencial desenvolvido por todo o

    grupo com atividades e situaes de aprendizagem onlinemediadas

    pelo ciberespao.

    Na ocasio o problema da pesquisa era: como o ciberespao

    e o AVA construdos coletivamente poderiam contribuir, ou no,

    para a emergncia de atos de currculo interdisciplinares e

    multirreferenciais. A fragmentao curricular na formao do

    pedagogo era tambm uma das preocupaes. A criao coletiva de

    um AVA poderia reverter o processo fragmentado do currculo.

    Projeto aprovado iniciei o curso e a pesquisa de doutorado no

    primeiro semestre de 2002. Assim, defendi minha dissertao de

    mestrado j iniciando o doutorado.

    Mas como a vida dinmica e incerta, mudanas profundas

    me fizeram abandonar a proposta inicial de minha pesquisa de

    doutorado. Mudei de residncia do Estado da Bahia para o Estado

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    do Rio de Janeiro. A vida pessoal e profissional se transformou

    profundamente. J tinha concludo os crditos do curso, mas estava

    fora do contexto que me implicava como pesquisadora. No estava

    mais no contexto sociocultural e poltico e muito menos tinha ovnculo profissional que interconectava a minha prtica docente com

    a minha pesquisa acadmica. Contudo, o problema e a inquietao

    cientfica estavam cada vez mais vivos, e o desdobramento dessa

    histria eu conto a seguir ao longo desta tese. Aproveito para

    convidar voc, leitor, para uma viagem em pesquisa e prtica

    docente na cibercultura.

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    Si tu ao p ro b lem t i ca : novo s cenr ios soc io tcn icos

    As tecnologias digitais de comunicao e informao esto

    possibilitando muitas mudanas. As redes, no s de mquinas e de

    informao, mas principalmente de pessoas, tribos e comunidades,

    esto permitindo configurar novos espaos de interao e de

    aprendizagem. Tais possibilidades esto pondo em xeque o papel e

    o poder centralizador dos professores na contemporaneidade. Em

    potncia, no h mais emissores (professores) e receptores

    (estudantes) como dois grupos distintos com mensagens estticas,

    e sim, um grande grupo emissor-receptor que pode constantementereconstruir conhecimentos.

    A despeito do espao e do tempo, pessoas podem colaborar,

    reforar laos de afinidade e se constiturem como comunidades.

    Qualquer sujeito de qualquer ponto pode no s trocar informaes,

    mas reconstruir significados, rearticular idias individual e

    coletivamente, e assim partilhar novos sentidos com todos os

    usurios da rede, do ciberespao.O ciberespao composto por uma diversidade de

    elementos constitutivos, interfaces que permitem diversos modos

    de comunicao: um-um, um-todos e todos-todos em troca

    simultnea (comunicao sncrona) ou no (comunicao

    assncrona) de mensagens. Tais possibilidades podem implicar

    mudanas diretas, nem melhores nem piores, mas diferentes, na

    forma e no contedo das relaes de aprendizagem do coletivo.

    atravs do conjunto de interfaces que os usurios interagem com a

    4 Alm de tentar entender seu posicionamento local cidade/cultura devemos tambm atentar para os territrios simblicos, suas angstias,seus desejos, suas necessidades.

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    mquina e com outros usurios, compondo assim o ciberespao e a

    cibercultura. Segundo Johnson:

    A interface atua como uma espcie de tradutor,mediando entre as duas partes, tornando umasensvel para a outra. Em outras palavras, arelao governada pela interface uma relaosemntica, caracterizada por significado eexpresso, no por fora fsica. Oscomputadores digitais so mquinas literrias,(...) trabalham com sinais e smbolos.(JOHNSON, 2001, p. 17) (grifo do autor).

    Neste sentido, podemos afirmar que o computador digital um objeto antropolgico, pois permite que novas formas de pensar

    sejam institudas. Um elemento que lida com linguagem permite

    que novas representaes, novos processos de aprendizagem e de

    desenvolvimento cognitivo, possam emergir dessa interao

    sociotcnica. Ao contrrio do que muitos tericos afirmam,

    computador no apenasuma ferramenta. Ainda segundo Johnson:

    A ruptura tecnolgica decisiva reside antes naidia do computador como um sistemasimblico, uma mquina que lida comrepresentaes e sinais e no com a causa-e-efeito mecnica do descaroador de algodo oudo automvel. (JOHNSON, 2001, p. 17).

    O cam po do cu r r cu lo : ou t r a cena em ques to

    As mudanas sociotcnicas expostas acima esto mexendo

    significativamente com o campo da educao, em particular com o

    campo do currculo. O digital vem imprimindo novas modalidades

    educacionais, alterando consideravelmente modalidades anteriores.

    A noes de educao presencial e de educao a distncia (EAD)

    vm ganhado novos significados.

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    A educao a distncia se caracteriza como uma

    modalidade de educao que promove situaes de aprendizagem

    em que professores e estudantes no compartilham os mesmos

    espaos e tempos curriculares, comuns nas situaes deaprendizagem presencial. Para tanto, necessria a utilizao de

    uma multiplicidade de recursos tecnolgicos que ajam como

    interfaces mediadoras na relao

    professor/estudante/conhecimento. Historicamente, as prticas de

    EaD foram e ainda so alvo de inmeras crticas e preconceitos em

    relao modalidade de educao presencial, por no permitir o

    contato de uma relao face a face, na qual em tese seria possvelpromover a interao, a troca de saberes, conhecimentos e

    experincias entre sujeitos e objetos do conhecimento.

    Digo em tese porque o simples encontro face a face no

    garante relaes interativas. Provas disso encontramos nas diversas

    anlises e crticas feitas ao currculo disciplinar e tradicional,

    organizado por uma comunicao unilateral centrada na retrica do

    professor que muitas vezes difunde as informaes encontradas em

    significantes livros didticos, vdeos, etc. no contextualizados e

    muito menos produzidos pelos sujeitos cognocentes. Atitudes como

    essas provocam distncias de variada natureza, mesmo estando os

    sujeitos geograficamente prximos.

    A distncia geogrfica exige interfaces que permitam uma

    comunicao efetiva entre os sujeitos no processo de trabalho e

    construo do aprendizado. Tal efetividade deve se dar no s pelo

    encurtamento das distncias fsicas, mas tambm pelo das

    simblicas e existenciais. Como j sinalizaram os tericos crticos e

    sociointeracionistas, a aprendizagem acontece na relao dos

    sujeitos com as culturas e no apenas com o acesso desses s

    informaes distribudas. Nas prticas tradicionais de EaD, os

    materiais ou recursos tecnolgicos configuram-se como elementos

    auto-suficientes, tornando-se o centro de todo o processo. Como

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    exemplo, destacamos a limitao das interfaces atmicas e

    analgicas impressos, tv, vdeos utilizadas para distribuir

    informaes em massa.

    Com o avano das tecnologias digitais, as instituieseducacionais podem operacionalizar currculos que permitam ir alm

    da distribuio a distncia de contedos, garantindo novas prticas

    curriculares em que a interao professor/estudantes/conhecimento

    seja realmente possvel.

    Quando o professor recebe uma mensagem de um

    estudante, preciso atentar para o contexto do qual ela emerge.

    Desafios e questes so postas a todo tempo. Por exemplo: De

    onde fala esse estudante?4 Quais seus hbitos para o

    desenvolvimento de competncias? Qual a sua realidade

    sociotcnica? Por mais que trabalhemos com a idia de identidade

    de saberes, a mesma jamais pode ser concebida fora do contexto

    de vida do sujeito na sua diferena de gnero, sexo, etnia, religio,

    condio social. na diversidade que os sujeitos potencializam seussaberes. Segundo Pierre Lvy:

    As identidades tornam-se identidades de saber.As conseqncias ticas dessa nova instituioda subjetividade so imensas: quem o outro? algum que sabe. E que sabe as coisas que euno sei. O outro no mais um ser assustador,ameaador: como eu, ele ignora bastante edomina alguns conhecimentos. Mas como nossaszonas de inexperincia no se justapem elerepresenta uma fonte possvel deenriquecimento de meus saberes. Ele podeaumentar meu potencial de ser, e tanto maisquanto mais diferir de mim (LVY, 1998, p. 27).

    Neste sentido, devemos considerar que o professor na

    cibercultura precisa ser mais um interlocutor do que um tutor ou

    mesmo um professor no sentido mais tradicional. Sabe-se que tutor

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    o indivduo encarregado de tutelar, proteger e defender algum;

    o adulto que carrega o infante pela mo. J o professor o

    indivduo que ensina uma cincia, arte, tcnica ou disciplina. Esse

    entendimento no garante, por si, a educao autntica.Como j sinalizamos, a prtica em EaD se caracteriza

    tradicionalmente pela distncia geogrfica dos professores e

    estudantes. Dessa forma, o centro do processo o material ou

    recurso didtico. Estes normalmente se configuram como pacotes

    prontos, que se apresentam de forma linear, seqenciada e com

    pouca multiplicidade. assim com o material impresso, muito usado

    nos cursos por correspondncia, e com os vdeos e os programas deteleviso. Esse modo de fazer currculo tem suas bases na

    tendncia de educao tecnicista. Logo, cabe ao tutor:

    1-Informar o aluno sobre os contedoscientficos e tcnicos, tcnicas de trabalhointelectual, o andamento de seus estudos e suacompreenso das matrias; 2 Motivar o alunopara continuar estudando apesar dasdificuldades de todo tipo que possam surgir; 3Possibilitar o conhecimento do aluno por partedos professores, de forma direta pelosprofessores tutores e, atravs de seus relatrios,pelos da sede central, permitindo assim umaavaliao final mais concreta e o necessriocontrole das dificuldades que possam sercolocadas pelos materiais didticos utilizados(UNED, 1988/1989, p. 18-19, apud MAGGIO,2001, p. 95-96).

    Nessa lgica, o professor/tutor apenas algum que

    executa e administra formas e contedos estticos que partem de

    um plo emissor para uma comunicao de massa, unidirecional,

    em que o estudante apenas um receptor e, como tal, no constri

    o conhecimento. Da, como lidar com as identidades de saberes? O

    ciberespao no pode ser concebido como uma mdia de massa que

    incorpora contedos, como acontece normalmente com experincias

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    em EaD mediadas pelo impresso, tv ou vdeos, nos quais a

    comunicao se restringe ao modelo um-todos. Alm de se

    constituir por sua natureza multimdia, interconexo e integrao, o

    ciberespao um espao de comunicao potencialmente interativo,pois permite uma comunicao todos-todos. potencialmente

    interativo, porque no garante por si s, por suas interfaces

    comumente chamadas de ferramentas , tal interatividade. O meio

    estrutura a interatividade, mas no a determina. Provas disso so

    os diversos sites de cursos5 e portais encontrados no prprio

    ciberespao. Como nos alerta Nelson Pretto:

    Preocupante porque a internet tende a se tornaro maior repositrio de conhecimento humano,embora ainda mantendo o mesmo estilo deconcentrao na produo do conhecimento e nadivulgao de informaes dos chamadostradicionais meios de comunicao de massa.No chegamos a afirmar que temos o mesmosistema de broadcasting, de distribuio deinformaes via meios centralizados, como

    vemos no caso do sistema de televiso. Noentanto, nos parece um importante indicadorpara que possamos pensar na pouca diversidadede stios sendo localizados por estas buscasindicando-nos, conseqentemente, anecessidade de um repensar sobre a sistemticade produo e divulgao de stios queexpressem as diferentes culturas e valores locais(PRETTO, 2000)6.

    Diante do paradoxo entre a natureza do ciberespao, rede,e as produes lineares nele encontradas, torna-se urgente discutir

    outras dimenses de comunicao para que novas aes sejam

    5 Veja o site do Instituto Universal Brasileiro. Esse instituto trabalha comeducao a distncia desde as prticas por correspondncia, usandomaterial impresso, estando tambm no ciberespao no endereo:

    www.institutouniversal.g12.br6 Cf. Linguagens e Tecnologias na Educao. In:http://www.ufba.br/~pretto/textos/endipe2000.htm (acessado em 2001).

    http://www.institurouniversal/http://www.ufba.br/~pretto/textos/endipe2000.htmhttp://www.ufba.br/~pretto/textos/endipe2000.htmhttp://www.institurouniversal/
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    materializadas, sobretudo no campo do currculo e da educao. Um

    currculo em rede precisa ser institudo.

    A rede tem centros instveis, configurados por

    compromissos tcnicos, estticos e polticos. Seus elementoscirculam e se deslocam de acordo com as necessidades e

    problematizaes dos sujeitos. Dessa forma, tanto professores

    quanto estudantes podem ser autores e co-autores

    (emissores/receptores) de mensagens abertas e contextualizadas

    pela diferena nas suas singularidades.

    Pensar o currculo em rede conceber uma teia de

    conexes na qual o professor pode estar ou no no centro, osestudantes podem tomar a cena criando e co-criando situaes de

    aprendizagem e os contedos disponibilizados e interfaces

    (ferramentas) podem ganhar destaque no processo.

    O que importa nessa complexa rede de relaes a

    garantia da produo de sentidos, da autoria dos sujeitos/coletivos.

    O conhecimento deve ser concebido como fios que vo sendo

    puxados e tecidos criando novas significaes, num processo em

    que alguns iro conectar-se a novos, outros sero refutados ou

    sero ignorados pelos sujeitos, ns, at que outros fios sejam

    tecidos a qualquer tempo/espao, na grande rede que o prprio

    mundo. Da a aprendizagem acontecer quando o professor prope o

    conhecimento, no quando distribui. O ciberespao no oferece

    apenas informaes a distncia. O estudante no estar a mais

    reduzido passividade de um receptor que olha, copia, repete. Ele

    co-autor da comunicao e da rede de conhecimentos criando,

    modificando e tecendo novas e complexas redes.

    A educao e at mesmo o campo do currculo, por mais

    crticos que sejam, quase no contemplam nos seus

    discursos/teoria a questo da comunicao. As referncias mais

    10 Cf. Jornal do Brasil, Educao & Trabalho, 18.02.2001.

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    utilizadas so a Psicologia da Aprendizagem, a Didtica e, mais

    recentemente, os Estudos Culturais. No quero com isso,

    negligenciar tais referncias, quero potencializ-las pela

    comunicao interativa estruturada pelo digital. Logo, precisamosressignificar o papel do professor nesse processo. preciso rever a

    poltica de sentido da palavra tutoria, avanando da etimologia

    para o currculo na ao.

    Maggio (2001), Litwin (2001) e Barreto (2001), quando

    discutem o papel da tutoria na atualidade, do uma grande nfase

    nas referncias psicolgicas e didticas. Mesmo quando o tema

    EaD na web. Maggio sugere:

    Entre as propostas que sistematicamentebuscaram incorporar desenvolvimentos tericoscomo os que assinalamos, destaca-se hoje oensino atravs de casos. (...) Na modalidade distncia, cujos projetos ou programas, muitasvezes, dispem de uma rica diversidade demeios que permitem recorrer a diferentes modos

    de representao, poder-se- enriquecer naapresentao dos casos elegendo, em cadasituao, o suporte que se revela mais adequadopara um tratamento verossmil (MAGGIO, 2001,p. 98).

    inegvel que propostas metodolgicas sejam pertinentes

    para criao de novos modos de educar, seja na educao

    presencial, seja na educao a distncia mediada pelo digital.

    Contudo, se nessa discusso a modalidade de comunicao no

    romper com a lgica unidirecional, pouca ou quase nenhuma

    mudana qualitativa acontecer. As alternativas didticas podem

    muito bem maquiar o paradigma tradicional do currculo. No

    basta apenas mexer com a forma nem com o contedo dos

    materiais ou estratgias de ensino. necessrio mexer com o

    processo de comunicao dos sujeitos envolvidos. Paulo Blikstein,

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    ps-graduando do Media Lab do MIT, pesquisa EaD na web e

    chegou seguinte concluso:

    Reproduz-se o mesmo paradigma do ensinotradicional, em que se tem o professorresponsvel pela produo e pela transmisso doconhecimento. Mesmo os grupos de discusso,os e-mails, so ainda, formas de integraomuito pobres. Os cursos pela internet acabamconsiderando que as pessoas so recipientes deinformao. A educao continua a ser, mesmocom esses aparatos tecnolgicos, o que elasempre foi: uma obrigao chata, burocrtica.

    Se voc no muda o paradigma, as tecnologiasacabam servindo para reafirmar o que j se faz(BLIKSTEIN, 2001)10.

    A constatao acima preocupante, pois indica que o

    papel do professor na cibercultura se mantm no mesmo paradigma

    da transmisso caracterstica do currculo tradicional e da mdia de

    massa. O que temos aqui a subutilizao do paradigma digital.

    Cito, por exemplo, a abordagem de Barreto, especialista em EaD daUniversidade de Braslia, que separa a ao do professor em

    compartimentos:

    Professor/autor elabora contedos para materiais

    didticos de EaD;

    Professor/instrutor ministra aulas complementares ao

    material didtico, sncrona ou assincronamente,

    intermediadas por tecnologias (chats, fruns,

    videoconferncia, televiso, etc.) ou presencialmente;

    Professor/tutor auxilia os autores e instrutores, e

    principalmente os alunos, a serem bem-sucedidos no

    processo de ensino/aprendizagem. No tem permisso para

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    modificar os contedos e linhas pedaggicas propostas

    pelos autores/coordenadores do curso (BARRETO, 2001)11.

    Essa perspectiva fragmenta, compartimentaliza o fazer dosaber fazer, a teoria da prtica. Assim a autoria do professor se

    reduz elaborao de contedos a serem transmitidos como

    mensagens fechadas e imutveis. A produo e a distribuio dos

    contedos e materiais so separadas do acompanhamento do

    processo de aprendizagem, no permitindo alteraes dos

    contedos por parte dos sujeitos envolvidos. Ademais, a autoria se

    reduz a quem cria o material didtico que circula no ciberespao,

    fazendo do estudante e do professor-tutor recipientes de

    informao ainda baseada na lgica da comunicao de massa.

    So urgentes a crtica e a criao de novas propostas de

    educao no ciberespao que contemplem a ressignificao da

    autoria do professor e do estudante como co-autor. O currculo em

    rede exige a comunicao interativa onde saber e fazer

    transcendam as separaes burocrticas que compartimentalizam a

    autoria em quem elabora, quem ministra, quem tira dvidas e quem

    administra o processo da aprendizagem. Ento preciso investir na

    formao de novas competncias em comunicao.

    Destaquei at aqui problemas que ilustram a fragmentao

    da autoria do professor nos processos de EaD. Ao mesmo tempo,

    convoco a novas posturas para a construo do currculo em rede.Entretanto, considero que exatamente na questo da rede que se

    deve investir. Toda rede de produo de saberes e conhecimentos

    formada por diferenas e mltiplas competncias singulares.

    Ningum sabe tudo, todo mundo sabe alguma coisa diferente do

    11 Cf. Produo de material didtico para cursos distncia na Web. SBPCn. 53, Salvador/BA, julho de 2001. Curso ministrado pela professora LinaSandra Barreto em Power Point, no qual distingue o papel do professor e

    sua implicao no currculo no ciberespao.

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    outro e exatamente essa diferena dos saberes que enriquece o

    coletivo inteligente. O grande problema est na gesto do processo.

    Em vez de todo o grupo conhecer todo o processo, potencializando

    os saberes das singularidades numa construo coletiva, assingularidades so convocadas apenas para compor o processo de

    diviso do trabalho, prprio da escola/fbrica baseada no modelo

    fordista do currculo por programas.

    O professor na cibercultura, e tambm fora dela, tem como

    desafio integrar e coordenar a equipe multidisciplinar num currculo

    multirreferencial em rede que permita que as competncias dos

    sujeitos sejam solicitadas/ressignificadas no processo como umtodo, onde a gesto dos saberes no se limite apenas produo

    dos recursos/contedos, mas ao acompanhamento do processo que

    ganha potenciais co-autores, os estudantes. Para tal, esse professor

    no se contenta em ser um conselheiro, uma ponte entre a

    informao e o conhecimento, um facilitador da aprendizagem

    (SILVA, 2000, p. 180), mas sim um professor entendido como

    aquele que, por exemplo:

    1. Disponibiliza possibilidades de mltiplas experimentaes, de

    mltiplas expresses;

    2. Disponibiliza uma montagem de conexes em rede que

    permite mltiplas ocorrncias;

    3. Formula problemas;

    4. Provoca situaes;

    5. Arquiteta percursos;

    6. Mobiliza a experincia do conhecimento;

    7. Constri uma rede e no uma rota;

    8. Cria possibilidade de envolvimento;

    9. Oferece ocasio de engendramentos, de agenciamentos, de

    significaes;

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    10.Estimula a interveno dos alunos como co-autores da

    construo do conhecimento e da comunicao.

    Assim, nos inspiramos para pensar e gestar uma prtica docente

    onde forma e contedo interajam dialtica, dialogicamente. Aautoria se constituir a partir das experincias vividas e narradas

    como texto coletivo e autorizado por todos os sujeitos envolvidos no

    processo.

    Questo ger a l e ob j e t i v os da pesqu isa

    Os espaos de aprendizagem no podem ser reduzidos aum repositrio de informaes, pois trata-se de ambiente fecundo

    de inteligncia coletiva. Diante disso, os termos tutor ou

    facilitador no contemplam a complexidade que supe a autoria

    do professor, seja no presencial, seja a distncia online. Por me

    preocupar especificamente com a formao de sujeitos nas prticas

    do currculo-ao, relao docente-

    pesquisadora/estudantes/pesquisadores/conhecimento, procurei a

    partir desse projeto de tese:

    Investigar: Como a educao on l ine e as

    in te r faces de um Amb ien te V i r tua l de

    Aprend izagem (AVA) pode ro con t r i bu i r na

    fo rmao do docen te -pesqu isado r na

    c ibe rcu l tu ra?

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    So objetivos da pesquisa:

    Compreender os diversos processos de

    comunicao e aprendizagem na ciberculturaimplicados na prtica docente;

    Analisar as contribuies da pesquisa-formao

    e das tecnologias digitais, mais especificamente

    os AVA, na formao do docente-pesquisador

    na cibercultura;

    A partir dos dados levantados, estruturar

    princpios e estratgias pedaggicas quecontribuam qualitativamente, valorizando os

    saberes culturais e as potencialidades das TICs,

    para o exerccio do docente-pesquisador na

    cibercultura.

    Apresen t ando os cap tu l os

    Este trabalho est estruturado em seis partes: introduo,

    quatro captulos e a (in)concluso. Nesta itinerncia, descrevi

    densamente o processo desenvolvido na pesquisada-formao em

    educao online.

    Nesta introduo apresentei minha implicao com o objeto

    de estudo, a situao problemtica que contextualiza a pertinnciae relevncia da pesquisa, bem como os objetivos que nortearam o

    processo de investigao e construo do conhecimento.

    No captulo 1 Da comunicao de massa ibercultura:

    desafios pra a docncia, trago uma sntese da historicidade das

    relaes dos seres humanos com os objetos tcnicos, destacando a

    evoluo das TICs na criao e gesto de processos sociotcnicos,

    polticos e culturais da comunicao de massa cibercultura.

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    Priorizo os processos e dinmicas na produo e socializao de

    sentidos, descrevendo como estes vm instituindo novas

    sociabilidades, processos formativos e de aprendizagem. E destaco

    a emergncia do conceito de AVA ambiente virtual deaprendizagem , problematizando seu potencial para a prtica

    docente e tambm tensionando seu limitado uso a partir do

    paradigma da comunicao de massa.

    Apresento no captulo 2 Educao onlinepara alm da EAD:

    um fenmeno da cibercultura , o conceito de educao onlinecomo

    um fenmeno da cibercultura e no apenas como uma gerao e

    evoluo das clssicas prticas curriculares da EaD. Apresentotambm algumas potencialidades das tecnologias digitais e suas

    interfaces na promoo de contedos e situaes de aprendizagem

    baseadas nos conceitos de interatividade, hipertexto e objetos de

    aprendizagem.

    No captulo 3 Pesquisa-formao: pesquisando em educao

    online, apresento os princpios epistemolgicos e metodolgicos da

    pesquisa-formao em educao online. So abordados os

    principais aspectos da prtica cientfica no que se refere

    concepo de cincia, seu rigor, relao e construo do objeto de

    estudo, relao pesquisador e os outros sujeitos da pesquisa, a

    problemtica que se auto-organiza, os procedimentos de coleta e

    anlise de dados e as noes subsunoras, o papel da linguagem,

    da interpretao dos dados e o tratamento do campo de pesquisa

    no ciberespao a partir do conceito de AVA.

    No captulo 4 Prtica docente: o programa aberto s

    estratgias, procuro descrever densamente o processo e

    desenvolvimento da pesquisa-formao como prtica docente em

    educao online. Esta prtica apresentada a partir do conceito de

    estratgia, que procurou articular recursivamente a idia de projeto

    interativo-hipertextual e a promoo de um dispositivo de pesquisa-

    formao a partir do uso de interfaces comunicacionais e gneros

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    textuais. Neste captulo, trago a anlise dos dados no contexto da

    prtica docente engendrada a partir da criao coletiva de um AVA

    ambiente virtual de aprendizagem.

    Por fim, apresento as (in)concluses da pesquisa eperspectivas para novas experincias formativas condicionadas pelo

    uso de interfaces digitais e de AVA. No apresento modelos de

    educao online. Concluo a tese como obra aberta convidando os

    colegas docentes e pesquisadores a se apropriarem do trabalho

    para criarem outras dinmicas de pesquisa e prtica docente em

    nosso tempo.

    4 Evoluo tecnolgica: 1876 telefone Bell;1898 - rdio Marconi;1906 vlvula a vcuo De Foret.

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    CAP TULO I

    DA COMUNI CAO DE MASSA CI BERCULTURA: DESAFI OS

    PARA A D OCNCI A

    O tamanho do meu mundo do tamanho

    da minha linguagem.

    W i t t g e n s t e i n

    Neste captulo apresento sinteticamente a historicidade das

    relaes dos seres humanos com os objetos tcnicos, destacando aevoluo das TICs na criao e gesto de processos sociotcnicos,

    polticos e culturais, da comunicao de massa cibercultura.

    Apresento processos e dinmicas na produo e socializao de

    sentidos, descrevendo como estes vm instituindo novas

    sociabilidades, processos formativos e de aprendizagem. E destaco

    a emergncia do conceito de AVA, problematizando seu potencial

    para a prtica docente e tensionando seu limitado uso a partir doparadigma da comunicao de massa.

    Nos pr im r d ios das red es e in t e raes socio t cn icas

    A relao dos seres humanos com objetos tcnicos sempre foi

    uma relao de implicao. A emblemtica frase de McLhuan o

    homem faz a ferramenta e a ferramenta faz o homem j nosremete a pensar a relao homem-mquina como uma construo

    interativa. Os tericos sociointeracionistas j nos ensinaram que a

    aprendizagem uma construo cultural e que no podemos

    separar a produo humana dos seus meios e mediaes, sejam

    estes naturais ou artificiais. Cada ambincia tecnolgica possibilitou

    a emergncia de certos atores e autores e de processos de

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    construo de saberes, conhecimentos e aprendizagens. Segundo

    Macedo:

    Dentro da perspectiva sthutziana, todos osobjetos culturais no mundo enviam-nos s aeshumanas, s atividades humanas, suas prticas,portanto. Neste sentido, o machado pr-histrico, os instrumentos de ltima gerao dainformtica, tm sua historicidade pontuada.Aqui no possvel compreender o objetocultural como o computador e suas lgicas, porexemplo, sem remet-lo atividade humana quecircunscreve a historicidade dos objetos

    culturais, aos quais incessantemente atribumossentidos (MACEDO, 2000, p. 54).

    Contemporaneamente no podemos mais separar o meio

    natural do meio artificial. Isso por conta da presena humana em

    todo globo, no s sua presena fsica, mas, sobretudo, sua

    presena cultural, que j faz da natureza uma artificialidade. A

    essncia da natureza humana situa-se no que podemos chamar de

    processo de desnaturalizao do homem, na simbiose com a tcnica

    e na formao da cultura com o surgimento da linguagem Lemos

    (2002, p. 32). A presena da tcnica nas diversas atividades

    humanas um fenmeno sociocultural e como tal no h natureza

    pura, ou seja, natureza sem tcnica.

    Essa discusso no nova, mas nunca esteve to em

    destaque quanto no cenrio contemporneo estruturado pelas

    novas tecnologias. Se o homem faz a ferramenta e a ferramenta faz

    o homem, que mudanas vm sofrendo a humanidade com a

    emergncia das novas tecnologias digitais de informao e

    comunicao? Qual a diferena dos meios de comunicao de massa

    frente ao avano dos meios de comunicao interativos, tendo como

    destaque a internet? Como aprende o sujeito cibercultural? Como

    educar num mundo de comunicao generalizada? Quais os desafios

    para a formao e prtica docente?

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    As TICs vm se apresentando nos discursos tcnico-

    cientficos como uma grande revoluo para os agenciamentos

    sociotcnicos na contemporaneidade. Isso por conta da suacaracterstica material, o digital, e conseqentemente pelas

    potencialidades que esta nova materialidade vem instituindo em

    vrias esferas da vida social. O discurso acerca da revoluo vem

    impulsionando pesquisas que articulem e religuem diversos campos

    do saber, requerendo dos pesquisadores uma abordagem que

    explicite o estado da arte dessa transformao. Haja vista que

    estamos inseridos num momento histrico em que emerge arevoluo digital.

    As TICs no podem ser consideradas apenas como

    ferramentas que evoluram simplesmente de outras. A palavra

    ferramenta muito utilizada principalmente pelos educadores

    quando se referem ao uso do computador na prtica pedaggica.

    como se o computador fosse apenas um artefato projetado como

    meio para se realizar o trabalho escolar. Segundo Santaella (1997),

    o conceito de ferramenta est diretamente associado idia de

    artefato, quase sempre manual, projetado para expandir ou

    prolongar habilidades humanas. Como por exemplo, tesouras para

    cortar, culos para enxergar melhor, aparelhos corretivos para

    facilitar a mastigao, lpis para escrever, entre outras. Ser o

    computador apenas mais uma ferramenta?

    Obviamente no podemos afirmar que o computador no

    uma ferramenta. Tudo depende das mediaes realizadas. Se for

    usado na prtica pedaggica apenas como extenso ou

    prolongamento das mos dos professores e estudantes apenas,

    para copiar ou transferir informaes, mesmo de forma mixada,

    mistura de linguagens, ou multimiditica, mistura de mdias, o

    computador ser uma ferramenta. Entretanto, fundamental

    diferenciarmos e esclarecermos que as TICs so mais que

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    ferramentas. So, segundo Pretto (1996), mquinas estruturantes

    de novas formas de pensar, sentir e agir em nosso tempo.

    O conceito de mquina se difere do conceito de ferramenta

    principalmente por apresentar um certo nvel de autonomia no seufuncionamento, podendo se atualizar como estrutura material ou

    no material, onde sua unidade formada por partes interligadas e

    conectadas que se movimentam por alguma espcie de fora,

    principalmente por conta do uso de motores, aumentando a rapidez

    e a energia de alguma atividade. A evoluo das mquinas e seus

    impactos nos agenciamentos sociotcnicos so amplamente

    discutidos ao longo da histria. Santaella (1997) classifica ahistoricidade das mquinas em trs categorias, no excludentes

    entre si. So elas: musculares, sensrias e cerebrais. As TICs esto

    na classificao das mquinas cerebrais.

    Rev i s i tando um pouco ma i s a h i s t r i a da nossare lao soc io t cn ica

    Na an t igu idade

    As dicotomias entre tcnica e natureza, tcnica e teoria,

    surgem, segundo Lemos (2002), com os primrdios da filosofia

    grega, pois at ento os seres humanos no fragmentavam seus

    fazeres dos seus saberes. A filosofia grega procurou conceituar a

    tcnica como uma ao exclusivamente humana que se opunha ao da natureza. A tcnica, do grego tekhn, ou arte do fazer, em

    oposio a phusis, princpio de gerao de todas as coisas, a

    natureza como mecanismo de auto-reproduo e auto-organizao.

    Neste sentido, a tcnica uma produo artificial relacionada

    diretamente com o fazer humano e a polis. Esse fazer estava

    dissociado e fazia oposio ao saber contemplativo ou terico, ou

    seja, a pisteme. Assim, a tcnica era a capacidade humana de

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    dominar, imitar e destruir a natureza. Logo inferior mesma, pois

    um saber prtico e no autopoitico. Essa dicotomia era

    representada por vrios mitos que desenharam o imaginrio de

    um tempo que associavam a origem do homem da tcnica,essas sempre inferiores natureza (Aristteles) e ao pensamento

    mais elaborado (Plato).

    Na m odern idade

    O homem premoderno produzia cultura atravs da tcnica,

    arte do fazer, manipulando artefatos e ferramentas. Com o adventoda mquina, na modernidade, essa relao se modifica, pois, em

    vez de inventar e manipular ferramentas, o homem passou a operar

    mquinas. Neste sentido, temos na modernidade uma nova relao

    cultural em emergncia. Lemos nos esclarece:

    Os objetos, so no comeo de sua evoluo,dependentes de uma ao inventiva e primitivados homens (a fase zoolgica); mas, a partir daformao do crtex, os objetos tcnicos voseguir uma lgica interna (a evoluo de umapea pode mudar completamente os rumos daevoluo de uma mquina, por exemplo),criando um gnero. Assim, na modernidade, ohomem no mais verdadeiramente um simplesinventor, mas um operador de um conjuntomaqunico que evolui segundo uma lgicainterna prpria (a tecnicidade). A apario deobjetos tcnicos engendra, ento, um processo

    permanente de naturalizao dos objetos e deobjetivao da natureza (na construo de umasegunda natureza artificial, a tecnosfera)(LEMOS, 2002, p. 33).

    A tcnica na modernidade se caracteriza principalmente pela

    emergncia das mquinas musculares (Santaella, 1997). As

    mquinas musculares so artefatos que potencializam ou

    substituem a fora fsica e as capacidades locomotoras do homem,

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    so extenses das atividades musculares. Por sua grande

    capacidade de gerao de energia eletromecnica, essas mquinas

    estruturam no auge do sculo XIX a Revoluo Industrial. As

    mquinas musculares ajudaram o capitalismo a explorar a fora detrabalho, transformando a relao homem-tcnica numa relao

    dicotmica no qual as mquinas substituram, quase por completo,

    a presena humana no modo de produo que se foi automatizando

    com a evoluo dessas mquinas at sua posterior articulao com

    os computadores, mquinas cerebrais.

    A utilizao das mquinas no processo produtivo demarca a

    separao entre produtores e seus meios de produo. Talcaracterstica impulsionou a emergncia e o avano do modo de

    produo capitalista, que se estrutura atravs da apropriao e uso

    do excedente, visando sempre a maximizao de lucros. Neste

    sentido, a tcnica utilizada para produo em massa de bens e

    servios atravs do modo de desenvolvimento industrial.

    O modo de desenvolvimento industrial se estrutura pelo uso

    da mquina que, ao proporcionar a gerao de novas fontes de

    energia, permite que estas possam ser descentralizadas e circuladas

    ao longo do processo produtivo. Esse modo de desenvolvimento

    tem sua gnese na Revoluo Industrial (RI), que foi marcada por

    dois eventos ou acontecimentos significativos. O primeiro, na

    metade do sculo XVIII, foi caracterizado pelo uso da mquina a

    vapor, capaz de converter a energia qumica do carbono em energia

    cintica e finalmente em trabalho mecnico. Para Lemos:

    Comea a haver uma interpenetrao da cinciana tcnica (conhecimentos bsicos de princpiosfsicos, qumicos e biolgicos) e da tcnica nacincia (instrumentos os mais diversos), emboraa mquina a vapor, smbolo maior desta poca,tenha sido desenvolvida sem ajudas substanciaisda cincia (LEMOS, 2002, p. 50).

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    O segundo momento da RI comeou na segunda metade do

    sculo XIX e foi baseado, inicialmente, na utilizao da mquina

    eltrica nos processos. Dois momentos marcam essa fase: de 1855

    a 1870, perodo da adaptao de natureza tcnica e econmica(crescimento demogrfico, rede bancria, organizao industrial,

    aumento da demanda); e de 1880 a 1900, no qual as grandes

    mudanas entram em jogo com a produo de energia em larga

    escala (turbocompressores e motores de exploso e eltricos, aos

    especiais, qumica de sntese, lubrificantes, novos meios de

    transporte e de comunicao4).

    Neste contexto, cincia e tcnica compem a metanarrativamoderna conhecida como tecnocincia. Assumindo o discurso do

    progresso da humanidade, a tecnocincia legitima a cincia como o

    saber verdadeiro, pois esta utiliza os princpios da objetividade,

    racionalidade instrumental e universalidade das aplicaes.

    A racionalidade tcnica, ou razo instrumental, define como

    saberes legtimos e verdade o discurso cientfico. Pode-se dizer que

    a industrializao, a urbanizao, a burocratizao, a tecnologizao

    se efetuaram segundo as regras e os princpios da racionalizao,

    ou seja, a manipulao social, a manipulao dos indivduos

    tratados como coisas em proveito dos princpios de ordem, de

    economia de eficcia (MORIN, 1999, p. 162). Desse modo, os

    saberes do cotidiano e os mitos foram considerados falsos

    saberes, sem legitimidade para a sociedade industrial.

    A fragmentao do saber cientfico a partir das prticas

    disciplinares e compartimentalizadas faz com que o conhecimento

    vlido seja apenas o resultado de fenmenos estudados e

    controlados por especialistas e cientistas de laboratrios que

    limitavam a realidade simples prtica de isolar os fenmenos fora

    de seus contextos e complexidade da vida humana. V-se que

    cincia, tcnica, razo constituem momentos, aspectos de um pr

    em causa do mundo natural, intimado a obedecer ao clculo; e a

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    tcnica sada da experimentao e da aplicao cientficas um

    processo de manipulao generalizada, para agir no s sobre a

    natureza, mas tambm sobre a sociedade (MORIN, 1999, p. 163).

    Neste sentido, a cidade se caracteriza como o grande centro

    urbanstico, onde a tecnosfera prevalece sobre a ecosfera, e a

    cultura da civilizao impe o referencial da tecnocincia,

    desterritorializando culturas nativas, impondo a lgica da sociedade

    do consumo e da sociedade do espetculo.

    Comun icao moderna : i nds t r i a , m d ia ecomu n i cao de m assa

    Alm das mquinas musculares, a Revoluo Industrial

    tambm foi marcada por mquinas que funcionavam como

    extenses e simuladores dos rgos dos sentidos, as mquinas

    sensoriais. Ao contrrio das mquinas musculares, que produziam

    em srie os objetos, as sensoriais produzem, reproduzem,

    registram os sentidos que produzem signos.

    Por serem produtoras de signos, as mquinas sensrias no

    s registram a realidade como tambm reproduzem e criam outras

    realidades. Estes signos so expressos por sons e imagens. As

    imagens por sua vez ganham um estatuto diferente frente a essas

    mquinas. Segundo Santaella (1999), historicamente elas evoluram

    das imagens prefotogrficas, produzidas manualmente, para asfotogrficas, produzidas por mquinas sensoriais, e as de snteses,

    produzidas aleatoriamente por computao grfica sem relao com

    o objeto referente.

    As imagens produzidas manualmente, prefotogrficas,

    exigiam dos seus criadores habilidades artesanais para reproduzir

    o real e o imaginrio de forma bi ou tridimensional. Com o advento

    das mquinas sensoriais, o mundo sofre uma invaso de signosproduzidos por imagens ps-fotogrficas e eletrnicas expressadas

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    pela fotografia, pelo cinema, pela tv, o vdeo e atualmente pela

    tecnologia digital.

    Segundo Martn-Barbero (1994), o registro mecnico altera a

    natureza da representao. A relao entre tcnica e arte influenciaa subjetividade do produtor e do receptor. O olho do artista e sua

    subjetividade se completam com as possibilidades tcnicas

    promovidas pelas mquinas com, por exemplo, os recursos e

    possibilidades combinatrias de luz, enquadramentos, efeitos,

    montagem, recortes, enfim as mquinas no s registram, mas

    criam realidades. A criao e a recriao de realidades so possveis

    porque as imagens produzidas pelas mquinas tem existnciamaterial. Isso permite a difuso em massa e o uso poltico5 das

    imagens, modificando a percepo espao/temporal que d ao leitor

    a sensao de tempo real e de anulao espacial, abolida pelas

    distncias geogrficas.

    A possibilidade tcnica das mquinas sensoriais juntamente

    com o sistema socioeconmico em que estas so produzidas

    instituem o que na teoria da comunicao se classifica como cultura

    de massa. As mquinas sensoriais so tambm conhecidas como

    meios de comunicao de massa. Alm de permitirem a produo

    de imagens forjando novas realidades, essas so produzidas,

    dominadas e reproduzidas para um grande nmero de pessoas,

    massa, que em muitos casos no dispem de mecanismos de

    produo dessas imagens e mensagens em geral. A massa um

    grupo de indivduos receptores de mensagens sem poder de

    modific-las e distribu-las, pois a autoria est centrada na indstria

    cultural.

    5 Por uso poltico entendemos o exerccio do poder. Poder aquela relaoentre os sujeitos humanos que, com base na produo e na experincia,

    impem a vontade de alguns sobre os outros pelo emprego potencial oureal da violncia fsica ou simblica (CASTELLS, 2000, p. 33).

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    Ao conjunto de meios de comunicao de massa Adorno

    denomina de indstria cultural. O conceito de indstria cultural est

    diretamente relacionado racionalizao das tcnicas de

    padronizao e distribuio em massa de mensagens e contedosque se tornam, nesse contexto, produtos culturais.

    No contexto das discusses sobre industria cultural, dois

    outros conceitos aparecem como equivalentes: meios de

    comunicao de massa e cultura de massa. Coelho (1980) abre a

    discusso denunciando esse equivocado tratamento. A relao entre

    esses conceitos uma relao de implicao, mas no

    necessariamente de dependncia. Os meios de comunicao demassa marcam sua gnese no sculo XV com o advento dos tipos

    mveis de imprensa por Gutenberg. Nesta ocasio s tinha acesso

    aos meios a elite letrada da poca. Logo, a cultura desses meios

    no era de massa, ou seja, de acesso distributivo para um grande

    nmero de indivduos.

    Os meios de comunicao de massa s comearam a instituir

    uma cultura de massa na segunda metade do sculo XIX, bem

    depois da Revoluo Industrial da Europa do sculo XVIII, que criou

    as condies estruturais para que a cultura de massa pudesse

    emergir. O cenrio da RI foi marcado pelo modo de produo

    capitalista de economia baseada no consumo de bens, forjando

    assim o que conhecemos como sociedade de consumo. Nesse

    contexto aparece o conceito de indstria cultural que equivale ao

    processo de industrializao de bens culturais, feitos em srie, ou

    seja, produtos trocveis por dinheiro que devem ser consumidos

    como qualquer mercadoria. Caracterizam-se, sobretudo, por no

    serem feitos por aqueles que os consomem.

    Segundo Coelho (1980), a indstria cultural ganha seus

    primeiros contornos com o aparecimento dos primeiros jornais, que,

    por si ss, no foram responsveis pelo surgimento da cultura de

    massa. Para forjar a cultura de massa, foi necessrio criar produtos

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    de seduzissem as massas com uma linguagem fcil, acessvel,

    gradativa e fragmentada que despertasse nos receptores o desejo

    de continuar se informando acerca do seu cotidiano marcado pelo

    fenmeno da industrializao, nos espaos de trabalho, educao,lazer, etc.

    Como primeiros produtos da indstria cultural, que aos

    poucos foi instituindo a cultura de massa, citamos: o romance de

    folhetim veiculados pelos jornais , teatros de revistas, operetas,

    cartazes de pinturas famosas. Esses produtos marcam o que

    podemos chamar de pr-histria da indstria cultural. Nesse

    tempo a tecnologia dos tomos, imprensa, marcava o tempo dalinguagem escrita e das imagens em larga escala. Contudo, a

    cultura de massa s ganha contornos mais abrangentes com a era

    da eletricidade (fim do sculo XIX) e a era da eletrnica (a partir da

    terceira dcada do sculo XX) onde a comunicao se torna um

    fenmeno de rede global.

    Neste sentido, os meios de comunicao de massa se

    caracterizam pelo hiato na relao emisso e recepo. O emissor

    produz a mensagem a partir do seu ponto de vista, ideologia e jogo

    de interesses e as distribui para vrios receptores. Os receptores

    so sujeitos culturais que dimensionam as mensagens a partir dos

    jogos de linguagens e experincias materiais.

    O mundo de sentidos um processo vivo e dinmico, o

    receptor que constri a mensagem, seja ela qual for. Entretanto,

    mesmo fazendo uma leitura crtica da mensagem, o receptor no a

    modifica na sua condio material inicialmente emitida pelo plo da

    emisso. Por mais que possamos criticar ou no concordar com uma

    mensagem emitida pela tv, rdio ou cinema, no podemos

    modific-lo nem co-crila na sua condio material. Os suportes dos

    meios de comunicao de massa no permitem a interatividade,

    apenas a interao. Esta uma das diferenas dos meios de

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    comunicao de massa para os meios de comunicao interativos,

    como o ciberespao.

    Para Adorno e seus seguidores, a industrial cultural fruto do

    desenvolvimento tecnolgico, associado ao desenvolvimento docapitalismo se tornou um poderoso instrumento de alienao das

    massas, pois, atravs de uma linguagem prpria, permite a difuso

    intensa e extensa da ideologia dominante. Esse processo de qui6

    alienao estruturado pelo contato com mensagens,

    principalmente imagens, que falsificam as relaes entre homens e

    natureza e destes com os interesses das classes dominantes.

    Dentre os interesses das classes dominantes podemos destacar:criao de necessidades de consumo, produo de comportamentos

    idnticos e dirigidos, banalizao das culturas, alvio das tenses

    sociais que podem impossibilitar a emergncia de movimentos

    sociais e outras formas de resistncia, luta de classes, entre outros.

    Mesmo no podendo modificar o contedo das mensagens por

    ela veiculadas, a indstria cultural no pode ser analisada fora da

    dinmica sociocultural. Alguns tericos crticos analisam a cultura

    como um processo dicotmico entre produtores e consumidores em

    suas relaes de classe, qualificando, na maioria das vezes, a

    cultura das elites como cultura superior, de melhor qualidade. Nesse

    sentido, o campo da cultura dicotomizado entre cultura superior e

    cultura de massa. Valorar uma determinada cultura em detrimento

    da outra no resolve a problemtica e a crtica frente o conceito de

    indstria cultural.

    6 Devemos considerar que o receptor no um idiota cultural. Cadasujeito cognoscente e cultural constri sentidos a partir das suas diversasexperincias e vivncias culturais no se limitando a uma nicaexperincia de contato com as mdias de massa at porque no devemosignorar a categoria marxista da contradio inerente aos processossociais. Entretanto, devemos reconhecer o poder da linguagem

    audiovisual na produo de sentido e a falta de polticas plurais deproduo de contedo e valorizao das culturas plurais.

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    Segundo Dwight MacDonald citado por T. Coelho (1980), a

    cultura pode ser classificada por trs formas de manifestao: a

    cultura superior, prpria das elites, que engloba todos os produtos

    canonizados pela crtica erudita; a cultura mdia ou midcult,conjunto dos subprodutos da cultura superior, prpria do grupo

    novo-rico; e a cultura de massa, masscult, cultura transmitida

    pelos meios de comunicao de massa.

    As manifestaes culturais atravessam as classes sociais,

    podemos citar como exemplos o caso do jazz, que saiu dos bordis

    e favelas negras para as platias brancas dos teatros municipais;

    freqncia de operrios apreciando msica clssica em teatrosmunicipais, histrias em quadrinhos entre outros. Coelho afirma que

    a masscult:

    Teria, em sua banalidade, uma fora e umamotivao na histrica profundas, responsveispor um dinamismo capaz de faz-la romper asbarreiras de classe sociais e culturais e colocar

    as bases de uma instvel, precria e discutvelmas democrtica comunidade cultural. Umacomunidade desinteressada de referir-se otempo todo cultura superior, ao contrrio doque ocorre com a midcult, por isso capaz,eventualmente, de vir a produzir sua forma decultura superior. (...) Seria o caso de lembrar,porm, que as atuais sociedades do grandenmero, se desejarem caminhar de fato parauma democracia em todos os domnios

    (incluindo o cultural), talvez no possam pr delado a idia de que a cultura, hoje como produtoe enquanto produto, no pode evitar ou noprecisa evitar o modelo industrial pelo menossob alguma de suas formas e com algumas desuas incovenincias (COELHO, 1998, p. 18-19)(grifo do autor).

    Alm das manifestaes das culturas superior e midcult que

    se opem cultura de massa, destacamos tambm a oposio da

    cultura de massa cultura popular. importante marcar suas

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    diferenas, mas no uma se opondo a outra. A cultura popular

    representa a tradio de um grupo social, expressada pelas formas

    artsticas, como danas, msica, artesanatos, objetos; modos de

    vida, costumes, crendices, folclore. Ao contrrio da cultura demassa, a cultura popular consumida pelo grupo que a produz. Isso

    demarca sua legitimidade social, frente produo de sentidos do

    grupo autor.

    T. Coelho justifica que no concorda com a oposio entre a

    cultura de massa, tambm chamada de pop, e a cultura popular

    principalmente porque a cultura popular, na maioria das vezes, no

    assume um carter subversivo frente aos valores e normasestabelecidos pela sociedade dominante. O autor destaca que,

    mesmo no sendo um artefato produzido pelos consumidores, a

    cultura de massa, em sua verso pop, apresenta na moda e na

    gestualidade formas de subverso que no aparecem na cultura

    popular.

    A idia acima me fez recordar uma observao seguida de

    algumas inquietaes quando me deparei com uma manifestao da

    cultura popular, na regio de Juazeiro, no interior da Bahia. Em

    janeiro de 2002, fui a Juazeiro ministrar um curso na UNEB. No final

    do trabalho, um amigo me convidou para participar da festa de So

    Gonalo. uma festa muito alegre em que se homenageia o santo

    referido. (O So Gonalo histrico promovia durante o perodo

    diurno festas para as moas de vida fcil da cidade em que vivia,

    com a inteno de cans-las para que noite elas no mais

    trabalhassem vendendo seus corpos. Isso fazia com que as moas

    no se prostitussem.)

    Achei a homenagem interessante, contudo me indignou a

    estrutura machista da festa. O ritual marcado por oraes e

    danas ao redor do altar produzido especialmente para o evento.

    Apenas os homens podem rezar e encaminhar a dana. A presena

    da mulher s possvel aps a manifestao dos homens. Os

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    homens danam e comem primeiro. As mulheres comem depois e

    s podem danar sozinhas.

    No quero aqui negar a legitimidade da manifestao, at

    porque ela uma autoria cultural de uma regio. Mesmo sendo acultura popular um artefato de autoria e legitimidade de um grupo,

    muitas vezes no questiona sequer a si mesma, seus prprios

    processos e arranjos formais necessitando por isso, para manter-

    se dinmica, da complementao de fontes como a prpria cultura

    pop (COELHO, 1998, p. 21). Muitas vezes as manifestaes so

    valorizadas pela classe dominante para a manuteno do poder

    local. No Nordeste isso muito comum para a manuteno docoronelismo, por exemplo.

    Considerando o campo da cultura um movimento dinmico e

    no-linear em que os mltiplos modos de fazer cultura podem se

    hibridizar a partir das virtuais redes de relaes que os grupos

    humanos podem tecer pertinente no fecharmos os olhos para os

    processos intencionais de alienao da indstria cultural procurando

    criar ambincias educacionais e comunicacionais que desvelem o

    currculo oculto dos processos de criao da linguagem veiculada

    por essa indstria.

    A indstria cultural constitui-se como um dispositivo

    fundamental para a manuteno dos interesses capitalistas no

    fomento da sociedade do consumo. Para atingir seu objetivo, utiliza

    um discurso estruturado por alguns princpios, como nos esclarece

    Rummert:

    1 a abordagem maniquesta, que separa osfatos e personagens em bons e maus,aprovveis e reprovveis, de acordo com ospadres vigentes e que difunde na sociedademodelos de comportamentos a serem adotados;2 a personalizao histrica, onde aimportncia dos fatores econmicos e sociais diluda por uma formulao simplista, que atribui

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    aos personagens o nus dos rumos tomadospelos fatos e que, por extenso, difunde aconcepo de que cada indivduo o nicoresponsvel pelo xito ou fracasso de suaprpria histria;

    3 a polarizao das mensagens em torno depadres ideolgicos estabelecidos, o que se dtanto de forma explcita quanto subliminar,atravs da seleo de temas a serem abordadosou omitidos, bem como do tratamento dadoqueles aos quais devero ser feitas referncias;4 princpio da unidade e semelhana, analisadopor Adorno, segundo o qual os diferentescontedos veiculados, apesar da diversidade deefeitos que produzem, devem se manter

    inalterados em sua estrutura mais profunda, afim de que tenham sua aceitao garantida eno contestem as normas e padreshegemnicos (RUMMERT, 2002, p. 85).

    Os princpios acima elencados so facilmente identificados

    quando assistimos aos programas veiculados pela televiso.

    Segundo Baccega (2002) os meios de comunicao de massa

    produzem e fazem com que vivamos num mundo editado. O mundo trazido para o horizonte da nossa percepo atravs da tecnologia

    das agencias de comunicao, a exemplo do jornal, da revista, da

    televiso. As agncias de notcias produzem uma realidade

    (mensagem) de acordo a sua ideologia, viso de mundo, jogo de

    interesses. O processo todo produzido pelas agncias de notcias,

    desde o momento em que envia uma equipe para cobrir um

    determinado evento at o produto cultural difundido para asmassas.

    O jogo da l inguagem v isua l : os s ignos e a p roduo damensagem

    As agncias de notcias produzem as mensagens veiculando

    os mais variados signos, sendo os imagticos os signos mais

    utilizados por suas potencialidades comunicacionais. O jogo da

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    linguagem cada vez mais comandado pelos signos7. Sempre foi

    assim. J sabido que a linguagem dos meios de comunicao d

    forma tanto ao nosso mundo (referente, objeto), quanto ao nosso

    pensamento (referncia, sujeito). Para serem alguma coisa, sujeitoe objeto passam pelo signo. (SANTOS, 2000, p. 15). Segundo

    Peirce, apud Santaella, os signos podem ser classificados

    basicamente como: cone, ndice e smbolo. Cada tipo de signo

    forma no imaginrio do receptor um tipo especfico de interpretante

    ou conscincia.

    Os cones so signos que fazem analogia com o objeto

    representado, mesmo distanciado do objeto que representa. Noexigem que o leitor tenha proximidade com o objeto representado.

    Atravs do cone o leitor pode construir um conceito sobre o objeto

    a partir de um conceito geral sem a necessidade de se basear em

    nenhuma conveno. O cone sempre assemelha-se a seu objeto.

    So exemplos de cones: fotos, esculturas.

    A conscincia icnica opera basicamente com o sentimento, a

    intuio, as sensaes e no com a anlise e dissecao do objeto

    que representa. Neste caso, o sujeito no est preocupado em tirar

    concluses lgicas, no est preocupado com contedos; ele se

    entrega a seus sentidos, intui coisas sobre o objeto significado, no

    forma nenhum juzo definitivo, nem est preocupado com isso.

    (COELHO, 1980, p. 59).

    Os ndices so signos que apontam ou remetem ao seu objeto

    referente sem ser semelhantes ao mesmo. No tm autonomia de

    existncia, dependem diretamente do seu objeto. necessrio que

    o leitor conhea o referente. O ndice um signo que exige do leitor

    uma ao operativa, uma ao para alm da contemplao. A

    conscincia indicial procura estabelecer algum tipo de juzo, embora

    7Signo toda palavra, nmero, imagem ou gesto que representa indiretamente um

    referente (uma cadeira) atravs de uma referncia (a idia da cadeira na nossa cabea).(SANTOS, 2000, p. 14).

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    no muito elaborado e ainda que no inteiramente conclusivo. So

    exemplos de ndice as setas de indicao.

    Os smbolos so signos arbitrrios que representam seu

    objeto referente por conveno cultural. No necessrio que oleitor conhea o objeto referente. O smbolo no tem relao com

    seu referente. A palavra o exemplo mais comum de smbolo. a

    conscincia que transcende as sensaes, a verificao daquilo que

    existe ou existiu, para descobrir o que deve vir a existir (COELHO,

    1980, p. 61).

    Na era da imagem, inclusive digitalizada, lidamos muitas

    vezes mais com signos do que com coisas. Tal afirmativa pode serilustrada por uma cena do filme A paixo de Jacobina, de Fbio

    Barreto, na qual o autor queria ter vrias borboletas voando em

    torno da protagonista, Letcia Spiller. Para alcanar tal efeito, as

    borboletas foram criadas por tcnicas de computao grfica sendo

    integradas cena digitalizada que retornou do digital para a pelcula

    sem perda da imagem filmada antes da incluso das borboletas

    informticas. A informtica permite simular, apagar a diferena

    entre real e imaginrio, ser e aparncia (SANTOS, 2000, p. 12).

    A esse movimento podemos denominar de hiper-real, um

    real mais que real e mais interessante que a prpria realidade.

    (SANTOS, 2000, p. 12). O sujeito ps-moderno vive essa

    intensidade num cotidiano saturado de imagens distribudas tanto

    nas ruas da cidade atravs de letreiros, placas, outdoors quanto

    pelos meios de comunicao e informao de massa, que

    distribuem e irradiam signos diversos bem como nos chamados

    meios de comunicao interativos, que permitem adentramento e

    manipulao de signos, a exemplo dos jogos eletrnicos, games,

    internet.

    No cotidiano, possvel verificar pessoas assistindo ao trailer

    de um filme na tv, lendo histrias do mesmo protagonista na revista

    em quadrinhos, podendo ainda acessar na internet o site da

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    personagem, executar seu jogo num cd-rom e ir ao cinema ver o

    longa-metragem. Cada vez mais a integrao de tecnologias vem

    potencializando o acesso a signos representados em vrias mdias.

    O excesso de signos, de tcnicas de simulao e hiper-realidadeproduzidas na interao do sujeito ps-moderno com os meios de

    comunicao vem cada vez mais transformando o cotidiano num

    grande espetculo. Se os programa televisivos, por exemplo, no

    tiverem formato sedutor, muda-se de canal, ainda que tenham

    contedo relevante. Forma e contedo so cada vez mais

    importantes, sendo a forma espetaculosa muitas vezes a grande

    sedutora, como provam os altos ndices de audincia das novelas,dos programas de auditrio e dos reality shows.

    Cada vez mais os meios de comunicao vm investindo em

    simulacros e na especializao de temas e abordagens cotidianas, a

    exemplo da misria, violncia, racismo, desigualdade social,

    questes de gnero. Em determinadas narrativas, o investimento na

    esttica e no formato to grande e de tanta qualidade que o

    argumento do texto (seja uma pea de teatro ou multimdia,

    programa de tv, filme) chega para o leitor em segundo plano. No

    filme Cidade de Deus, de Fernando Meireles, por exemplo, o

    investimento na qualidade fotogrfica, de edio e montagem,

    conseguiram em muitas cenas a fascinao do leitor pela esttica e

    beleza da produo, deixando a indignao prpria do argumento e

    do roteiro, diluda na acrobacia imagtica. O hiper-real simulado

    nos fascina porque o real intensificado na cor, na forma, no

    tamanho, nas suas propriedades (...). Com isso, somos levados a

    exagerar nossas expectativas e modelarmos nossa sensibilidade por

    imagens sedutoras (SANTOS, 2000, p. 12-13).

    Este cenrio vem contribuindo tambm para a formao

    desenfreada da sociedade de consumo, agora personalizada, que

    busca atravs do erotismo mais uma forma de espetculo para

    satisfao de seus desejos e fantasias consumistas. Seja na esttica

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    das apresentadoras de programas infantis, que lanam produtos

    com sua marca divulgando sua esttica, seja na publicidade quando

    promove campanhas de incentivo publicidade ertica. O siteBoa

    Bronha (www.boabronha.com) lanou no ms de outubro de 2002 oprimeiro concurso de propaganda ertica do Brasil. O objetivo era

    movimentar a produo para este tipo de mercado, ainda

    considerado tabu. Para participar, os interessados devem criar uma

    campanha publicitria ertica criativa e no apelativa para

    aumentar a audincia dos sites.

    Entretanto, mesmo sendo o audiovisual a linguagem padro

    dos meios de comunicao de massa, a exemplo do cinema e dateleviso, por trs de cada produto audiovisual est a linguagem

    verbal escrita estruturando esse produto cultural atravs de uma

    narrativa bastante organizada e intencionalizada pela indstria

    cultural. Essa narrativa ganha forma atravs do que em

    comunicao chamamos de roteiro. O roteiro funciona como uma

    espcie de plano de trabalho para produo de mensagens sejam

    elas jornais, revistas, peas publicitrias, programas de televiso,

    rdio, vdeos ou filmes.

    O roteiro, segundo Baccega (2002), um documento

    organizado por alguns elementos: 1 seleo e a organizao de

    fatos e pontos de vista que sero defendidos; 2 escolha das

    manchetes, para os impressos, e das chamadas, para os

    audivisuais, que levem o receptor a j ler a mensagem a partir do

    ponto de vista do emissor; 3 persuaso, utilizao de tcnicas de

    convencimento.

    Embora no possamos generalizar o processo produtivo dos

    meios, devemos reconhecer que na lgica da indstria o processo

    na maioria dos casos organizado pela diviso do trabalho e pela

    cultura da especializao. Entretanto, podemos conceber o roteiro

    como uma obra aberta que se transforma com o movimento da

    prpria produo. Segundo Rummert:

    http://www.boabronha.com/http://www.boabronha.com/
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    Devemos considerar que a produo cultural,mesmo num processo altamente industrializado,possui especificidades que a diferenciam da

    produo de outros tipos de bens consumidospela sociedade capitalista. Tais especificidadesdecorrem das caractersticas prprias e tambmdas contradies inerentes cultura que, comovimos, constitui a matria-prima da indstriacultural (RUMMERT, 2002 p. 84).

    Neste sentido, no devemos dicotomizar o texto, linguagem

    escrita, das imagens e vice-versa no processo produtivo. Segundo a

    jornalista Neide Duarte, a diferena entre uma imagem comum euma boa imagem que a boa imagem que a boa imagem tem

    texto. Quando estou filmando, penso num texto e ele faz sentido

    com aquela imagem, essa a prova de que aquela uma boa

    imagem (DUARTE, 2001, p. 93).

    O processo de produo de um acontecimento comea no

    momento em que pautado: uma vez pautado, publicizado. Essa

    pauta encaminhada ao jornalista ou comunicador, que faz a

    matria a pa