chesnais, françois. mundialização- o capital financeiro no comando

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Chesnais, François. Mundialização- o Capital Financeiro No Comando

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    Mundializao: o capital financeiro no comando

    Mundializao:o capital financeirono comando1

    Franois ChesnaisProfessor de Economia da Universidade de Paris XIII Villetaneuse

    Mesmo se o olhar social comea a se tornar mais crtico, continue-mos a examinar as palavras com prudncia. Afastemos mais do que nun-ca a imagem da cidade planetria. Atrs da expresso neutra damundializao da economia e seu corolrio j mais explcito da vitriado mercado, esconde-se um modo especfico de funcionamento e dedominao poltica e social do capitalismo. O termo mercado a palavraque serve hoje para designar pudicamente a propriedade privada dos meiosde produo; a posse de ativos patrimoniais que comandam a apropriaosobre uma grande escala de riquezas criadas por outrem; uma economiaexplicitamente orientada para os objetivos nicos de rentabilidade e decompetitividade e nas quais somente as demandas monetrias solventesso reconhecidas. As fuses-aquisies dos ltimos anos empurraram oprocesso de concentrao a nveis que pareciam impossveis at vinteanos atrs. Atrs do eufemismo do mercado, encontram-se formas cadavez mais concentradas de capital industrial e financeiro que detm umpoder econmico sempre maior, que inclui uma capacidade muito forte decolocar em xeque o mercado, curto-circuitar e cercar os mecanis-mos da troca normal.2 Um tero do comrcio mundial resulta das ex-portaes e das importaes feitas pelas empresas pertencentes a gruposindustriais que tm o estatuto de sociedades transnacionais, enquanto queo outro tero tem a forma de trocas ditas intragrupos, entre filiais deuma mesma sociedade situadas em pases diferentes ou entre filiais e a

    1 Pub l icado em Les Temps Modernes , 607 , 2000 e reproduz ido com a perm isso do au tore da rev is ta . Traduo de Ruy Braga .

    2 Perm i to-me fa lar de meu l ivro , Le mond ia l isa t ion du cap i ta l , 2 ed io amp l iada , Par is ,Syros , 1997 , para uma apresen tao ma is de ta lhada de mu i tos dados e noes aos qua ise le far a luso . Aqu i me re f iro aos argumen tos pro fundamen te apo log t icos que jus t i f icama concen trao por supresso do mercado . Proceder a transaes corren tes com ou trasf irmas supe cus tos de transao que o grande grupo tem poder de l im i tar, se ja compran-do as f irmas em ques to , se ja os avassa lando por uma sub-empre i tada dracon iana .

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    Franois Chesnais

    sede principal. Estas trocas no so livres, mas altamente planejadas.Elas no se efetuam no mercado, mas no espao privado interno dosgrupos, e so faturadas a preos de transferncia internos, fixados so-bretudo de modo a escapar o quanto for possvel do imposto.

    As formas mais concentradas do capital capital financeiro predo-minantemente industrial ou capital de investimento financeiro puro beneficiam-se, ento, de um campo de operaes e de um espao de do-minao que se estende sobre grande parte do planeta, ou mesmo a totali-dade se estimarmos que a integrao da China ao capitalismo mundial estperto de acontecer. Para tudo que pertence esfera visvel das mercado-rias, so os grupos industriais transnacionais (os FMN) que tm a condi-o de assentar a dominao poltica e social do capitalismo. Porm, noso eles que comandam o movimento do conjunto da acumulao hoje. Aotrmino de uma evoluo de vinte anos, so as instituies constitutivas deum capital financeiro possuindo fortes caractersticas rentveis que deter-minam, por intermdio de operaes que se efetuam nos mercados finan-ceiros, tanto a repartio da receita quanto o ritmo do investimento ou onvel e as formas do emprego assalariado. As instituies em questo com-preendem os bancos, mas sobretudo as organizaes designadas com onome de investidores institucionais: as companhias de seguro, os fundosde aposentadoria por capitalizao (os Fundos de Penso) e as sociedadesfinanceiras de investimento financeiro coletivo, administradoras altamenteconcentradas de ativos para a conta de cliente dispersos (os Mutual Funds),que so quase sempre as filiais fiducirias dos grandes bancos internacio-nais ou das companhias de seguro. Os investidores institucionais torna-ram-se, por intermdio dos mercados financeiros, os proprietrios dosgrupos: proprietrios-acionrios de um modo particular que tm estratgi-as desconhecidas de exigncias da produo industrial e muito agressivasno plano do emprego e dos salrios. So eles os principais beneficirios danova configurao do capitalismo.

    Um impulso extremo de fetichismoDominada pela procura do lucro, reduzido ele prprio ao valor para

    o acionista3, a economia apregoa sua pretenso de representar a ativida-de mais importante da sociedade contempornea, aquela cuja legitimidadeparticular lhe permitiria impor sua lei a todas as outras. Esta arrognciadecorre, certamente, da importncia tomada pelos mercados financeiros,

    3 Es te um compos to ca lcu lado por m todos mu i to par t icu lares en tre o f luxo descon tadodos d iv idendos proven ien tes de t tu los e da ma is-va l ia das bo lsas que a venda de las traz .

    Pablo Emanuel Romero Almada

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    Mundializao: o capital financeiro no comando

    artefatos sociais de um tipo particular,4 que ajudam em muito as finanas ase colocar como uma potncia autnoma frente sociedade. Em um mundodominado pelas finanas, a vida social em quase todas as suas determina-es tende a sofrer as influncias daquilo que Marx designa como a formamais impetuosa de fetichismo. Com as finanas, tem-se dinheiro produzin-do dinheiro, um valor valorizando-se por si mesmo, sem que nenhum pro-cesso (de produo) sirva de mediao aos dois extremos. Uma vez que ocapital parece ser a fonte misteriosa (...) de seu prprio crescimento, osproprietrios de ttulos financeiros, beneficirios de juros e de dividendos,consideram que o capital deles vai fornecer-lhes uma receita com a mes-ma regularidade que a pereira d pras.5 Esta a mensagem que nos enviadiariamente o CAC40.6

    O triunfo do fetichismo financeiro provocou um salto do fetichismoinerente mercadoria. A extenso e a liberdade quase completa adquiridapelo capital dentro do quadro da globalizao tambm contriburam muitopara isso. Somando o espao sobre o qual o capital pode evoluir livremen-te para se abastecer, produzir e vender com lucro, mais empresas de for-as desiguais e seus assalariados que podem ser colocados em dvida alonga distncia e agora em sites virtuais, e mais, a relao social determi-nada dos homens entre eles reveste a forma fantasmagrica de uma rela-o entre coisas.7 Enquanto que o fetichismo inerente mercadoria e aodinheiro parece ter sido contido durante algumas dcadas com a ajuda dasinstituies sociais e polticas que comprimiram o capital em um quadronacional, a mundializao do capital apresenta-se como sendo o quadroonde a relao social dos produtores no conjunto do processo do traba-lho aparece mais uma vez e com uma fora renovada como uma relaosocial externa a eles, uma relao entre objetos. Durante a conferencia de

    4 Para uma an l ise dos traos par t icu lares des ta ins t i tu io cap i ta l is ta mu i to par t icu lar, verAndr Or lan , Le pouvo ir de la f inance , Par is , Od i le Jacob , 1999 . Es te au tor de formaokeynes iana e regu lac ion is ta conc lu i que ( . . .) a frmu la mercado f inance iro no umafrmu la neu tra . A l iqu idez expr ime a von tade de au tonom ia e de dom inao das f inanas .E la o produ to de poderosos juros . E la responde a f ina l idades espec f icas que recobremcom imper fe io apenas aque las persegu idas pe los adm in is tradoras do cap i ta l produ t ivo .E la tem conseqnc ias macroeconm icas gera is sobre as re laes de fora que a traves-sam a soc iedade mercan t i l , e par t icu larmen te sobre as re laes en tre credores e devedo-res , ass im como sobre aque las que ope f inanas e indus tr ias (p . 49) .

    5 Kar l Marx , Le Cap i ta l , III/XXIV.

    6 nd ice da Bo lsa de Par is ca lcu lado a par t ir de uma ces ta compos ta por 40 aesse lec ionadas pe la sua impor tnc ia e represen ta t iv idade . (N . do T.)

    7 Kar l Marx , Le Cap i ta l , I/I .

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    Franois Chesnais

    Seattle, a campanha poltica contra a OMC foi levada a cabo sob a palavrade ordem, o mundo no uma mercadoria, que tem o mrito de posicionaro movimento poltico de resistncia mundializao frente s foras docapitalismo, que no concebem o mundo e no podem conceber omundo sob outro aspecto. O desafio do movimento nascido durante asmanifestaes de 30 de novembro seria o de criar relaes entre os assa-lariados e os camponeses de diferentes pases de tal maneira que se torna-ria possvel reduzir o anonimato e a exterioridade da troca, aumentando ograu no qual se exprimiria uma relao entre produtores dominando suascondies de produo. Mas para isso seria preciso instituir uma concep-o diferente da propriedade dos meios de trabalho e, igualmente, des-mantelar as instituies sociais que permitem ao mundo financeiro afir-mar-se como uma fora autnoma.

    O discurso sobre o Estado e o mercadoOs fundamentos da mundializao atual so tanto polticos como eco-

    nmicos. apenas na vulgata neoliberal que o Estado exterior ao merca-do. preciso recusar as representaes que gostariam que a mundializaofosse um desenvolvimento natural.8 O triunfo atual do mercado no poderiaser feito sem as intervenes polticas repetidas das instncias polticas dosEstados capitalistas mais poderosos, os Estados Unidos assim como os ou-tros pases membros do G7. Graas a medidas cujo ponto de partida remontaa revoluo conservadora de Margaret Tatcher e de Ronald Reagan dosanos 1979-1981, o capital conseguiu fazer soltar a maioria dos freios e ante-paros que comprimiram e canalizaram sua atividade nos pases industrializa-dos. O lugar decisivo ocupado pela moeda no modo de produo capitalistadeu liberalizao e desregulamentao um carter e conseqncias estrat-gicas.9 Foi por meio delas que a difuso internacional da revoluo conserva-dora fez-se atravs da Europa continental e do Japo. Na Frana, foram asreformas do mercado financeiro e a regulao bancria de 1984-1986, sob osministrios de Pierre Brgovoy e de Edouard Balladur, que abriram a via paraa dominao atual dos mercados financeiros.

    8 Luc Bo l tansk i e Eve Ch iape l lo recusam-se a ace i tar e corre tamen te , o neo-darw ismoh is tr ico que pre tend ia que es tas mu taes imponham-se a ns como e las se impe asespc ies ( . . .) mas os homens (eu d ir ia an tes , as c lasses soc ia is e sobre tudo as c lassesdom inan tes) no se subme tem somen te h is tr ia , e les a fazem . Ver Le nouve l espr i t ducap i ta l isme , Par is , Ga l l imard , 1999 , p . 36 .

    9 Ver a respe i to do pape l da moeda , das e tapas , dos mecan ismos da g loba l izao e dasf inanas , F. Chesna is , em co laborao com S . de Brunho ff , R . Gu t tman , D . P l ihon , P. Sa lmae C . Ser fa t i , La mond ia l isa t ion f inanc ire : gense , co ts e t en jeux , Par is , Syros , 1996 .

    Pablo Emanuel Romero Almada

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    Mundializao: o capital financeiro no comando

    Sem a ajuda ativa dos Estados, os FMN e os investidores financeirosinstitucionais no teriam chegado s posies de domnio que sustentam hojee no se manteriam to vontade nessas posies. A grande liberdade de aoda qual eles gozam no plano domstico e a mobilidade internacional quasecompleta que lhes foi dada, necessitaram de inmeras medidas legislativas ereguladoras de desmantelamento de instituies anteriores e de colocao nolugar das novas. A apresentao poltica dessas novas medidas exigiu a altera-o do termo reforma, palavra hoje despojada de seu sentido original. Foipreciso igualmente que tratados muitos importantes fossem elaborados e rati-ficados para citar apenas os mais marcantes, o tratado de Maastricht, oconsenso de Washington, o acordo do livre-comrcio norte-americano (oAlca), o tratado de Marrakech de 1994 instituindo a Organizao Mundial doComrcio. Continuando sobre esse plano, idias potencialmente progressistasforam adulteradas. O mesmo acontece com a idia da Europa, onde o Atonico aps o tratado de Maastricht fez da construo europia nada almdo que o quadro poltico e jurdico da liberalizao, da autonomizao e daprivatizao do conjunto dos pases da Unio.

    O discurso sobre a superioridade do mercado e a retrao neces-sria do Estado exploraram ao mximo a imensa desordem poltica nascidado balano to radical e totalmente negativo do socialismo real. A buro-cracia da Unio Sovitica e dos pases do Leste cavaram o leito da restaura-o liberal antes de se integrarem a ela de corpo e alma. No em 1989(queda do muro de Berlim) ou em 1991(desmoronamento do regime sovi-tico) que se deve situar o seu comeo, mas dez anos antes por volta dosanos 70-80. O processo de liberalizao, de desregulamentao e deprivatizao pde ser impelido tanto mais facilmente quanto a ao dos diri-gentes polticos e sindicais tinha, no primeiro instante, permitido conter esubmeter o potencial altamente democrtico, de carter anticapitalista, dosgrandes movimentos sociais operrios e estudantis que apareceram aolongo da dcada de 1968-1978, tanto na Europa do Leste quanto na doOeste e nos Estados Unidos.

    Esmagando a Primavera de Praga e fechando definitivamentetodas as vias de transformao dos pases de dominao burocrtica,Brejnev contribuiu largamente para a preparao das condies de vit-ria das foras polticas, as mais anti-sociais, dos pases da OCDE queprepararam a restaurao liberal na sombra da Trade. Os acontecimen-tos de 1989-1991 vieram, evidentemente, acentuar as mudanas nas re-laes econmicas e polticas entre o capital e o trabalho. A vitria domercado apareceu tanto mais definitiva, irreversvel, quanto ela foicontempornea da tomada de conscincia da classe operria e da juven-tude da extraordinria amplitude do desastre no qual a gesto burocrti-

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    ca da economia, o terror staliniano e a represso generalizada do longoperodo brejneviano conduziram os pases do Leste e, em particular,todos os povos da ex-Unio Sovitica.

    Uma mundializao constitutiva,primeiramente, do espao do capital

    Lembremos as razes pelas quais preciso preferir a expressomundializao do capital quela muito vaga mundializao da economia.Em ingls a palavra global refere-se tanto a fenmenos ligados (ou s)sociedade(s) humana(s) no sentido do globo como tal ( o caso da expres-so global warming que significa efeito estufa), quanto a processoscuja caracterstica ser global, unicamente na perspectiva estratgica deum agente econmico ou de um ator social especfico. Na ocasio, otermo globalizao, que apareceu pela primeira vez nas business schoolsamericanas por volta de 1980, revestiu essa palavra com o segundo sentido.Referia-se, de incio, aos parmetros pertinentes ao estratgica do gran-de grupo industrial e necessidade deste adotar uma aproximao e umaconduta globais, dirigindo-se aos mercados de demanda solvente, s fon-tes de abastecimento e aos movimentos dos rivais oligoplicos. Mais tarde,com a globalizao financeira, ele estendeu-se at a viso do investidor fi-nanceiro e suas estratgias mundiais de arbitragem entre as diferentes loca-lizaes financeiras e os diferentes tipos de ttulos. Para um industrial e umfinancista anglo-saxo, a globalizao realmente a mundializao docapital e ele no v porque deveria se esconder disto.

    Nada mais seletivo que um investimento ou um investimento financei-ro que procura rentabilidade mxima. por isso que a globalizao no temnada a ver com um processo de integrao mundial que seria um portador deuma repartio menos desigual das riquezas. Nascida da liberalizao e dadesregulamentao, a mundializao liberou, ao contrrio, todas as tendncias polarizao e desigualdade que haviam sido contidas, com dificuldades, nodecorrer da fase precedente. A economia do arquiplago da mundializao,10a balcanizao com suas conseqncias geopolticas muito graves e amarginalizao dramtica de continentes e subcontinentes, so a conseqnciada forte seletividade inerente aos investimentos financeiros, mas tambm aosinvestimentos diretos quando os grupos industriais se beneficiam da liberalizaoe da desregulamentao das trocas como movimentos de capitais. Ahomogeneizao, da qual a mundializao do capital portadora no plano decertos objetos de consumo e de modos de dominao ideolgicos por meio das

    10 Ver P ierre Ve l ts , L econom ia d arch ipe l , Par is , PUF, 1996 .

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    tecnologias e da mdia, permite a completa heterogeneidade e a desigualdadedas economias. O fato de que se tenha integrao para uns e marginalizaopara outros, resulta do processo contraditrio do capital na busca de rentabilida-de, ao mesmo tempo que ele determina os limites. Deixando-o por sua conta,operando sem nenhuma rdea, o capitalismo produz a polarizao da riqueza emum plo social (que tambm espacial), e no outro plo, a polarizao dapobreza e da misria mais desumana. A polarizao uma das expresses docarter sistmico dos processos com os quais se tem que negociar.

    Uma totalidade diferenciada e fortemente hierarquizadaNa poca da globalizao, se existe um conceito cuja utilizao

    parece se impor, o de totalidade. Como elementos de uma totalidade,diferenciaes no interior de uma unidade,11 que preciso procurar anali-sar os diferentes componentes do capital, o sistema das relaes entre go-vernos e as relaes entre classes sociais na mundializao do capital.

    Esta encontra-se ordenada de modo a permitir a apropriao emuma escala mundial, em condies to regulares e seguras quanto pos-svel, dos lucros industriais, mas tambm e, sobretudo, das receitas fi-nanceiras, dos juros e dos dividendos. Sua arquitetura tem principalmentepor objetivo permitir a valorizao em escala internacional de um capitalde investimento financeiro, sobre uma vintena de mercados financeirosdesregulados que desenham o espao da mundializao financeira. Nes-te sentido, ns voltamos a uma economia internacional que tem traossemelhantes queles revelados por Veblen, Hobson e Lenin no incio dosculo XX. A imensa acumulao do capital-dinheiro em um pequenonmero de pases, os investimentos financeiros internacionais que setornaram to vitais para os interesses financeiros nos pases capitalistascentrais quanto so os investimentos estrangeiros diretos dentro daindustria, as minas ou os servios, a organizao do fluxo de receitas apartir destes (a tosquia dos ttulos de juros e dividendos) em direo aospases que se tornaram novamente pases-rentistas, so tambm ele-mentos analticos que encontraram uma grande atualidade.12 Um conjunto

    11Ka l Marx , Post face , la Cr i t ique de l conom ie po l i t ique .

    12 Len in , L Imper ia l isme , s tade sprme du cap i ta l isme , cap . 10 , Cada vez ma is em re levoaparece a tendnc ia do imper ia l ismo em cr iar o Es tado-Ren t is ta , o Es tado-Usurr io , dondea burgues ia v ive cada vez ma is da expor tao dos cap i ta is e da tosqu ia dos t tu los de jurose d iv idendo . Ver meu ar t igo E ta ts ren t iers dom inan ts e t con trac t ion tendanc ie l le : formescon tempora ines de l imper ia l isme e t de la cr ise , in Grard Dumn i l e Dom in ique Lvy, Letr iang le in ferna l : cr ise , mond ia l isa t ion , f inanc iar isa t ion , Ac tue l Marx Con fron ta t ions, Par is ,PUF, 1999 .

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    de razes justificam que o modo de funcionamento do capitalismomundializado, ou ainda seu regime de acumulao, seja definido comosendo predominantemente financeiro.13

    Antes disso, preciso lembrar os fundamentos da hierarquia polti-ca que marca este regime. Enquanto totalidade sistmica, o conjunto ordenado em torno de trs plos da Trade (a Amrica do Norte, a EuropaOcidental e o Japo), mas ele o em condies nas quais os EstadosUnidos so o piv de tudo e o ponto de onde partem os mais importantesimpulsos em direo s outras partes do mundo, tanto do Norte comodo Sul. Os Estados Unidos so tambm, deste modo, o ponto em dire-o ao qual convergiro, em compensao, mais cedo ou mais tarde, asprincipais contradies da mundializao, principalmente os fatoressistmicos de fragilidade financeira.

    A mundializao do capital no apaga a existncia dos Estadosnacionais, nem as relaes polticas de dominao e de dependncia en-tre estes. Ela acentuou, ao contrrio, os fatores de hierarquizao entrepases. O abismo que separa os pases que pertencem aos plos daTrade (Amrica do Norte, Europa, Japo), ou que lhes so associa-dos, daqueles que sofrem a dominao do capital financeiro sem retor-no, e pior ainda, daqueles a quem no interessa mais de jeito nenhum ocapital, desenvolveu-se continuamente h vinte anos. Mas a mundializaodo capital foi tambm inigualvel com as modificaes nas relaes po-lticas, compreendidas desta vez como relaes internas s classes diri-gentes dos pases capitalistas avanados. Os Estados Unidos acentua-ram este peso no somente pelo fato do desmoronamento da Unio Soviticae da posio militar nica deles, mas tambm em razo de uma posioinigualvel no domnio financeiro.

    A revogao, em 1971, do sistema de Bretton Woods, que impu-nha ao dlar constrangimentos pelo fato dele ser conversvel em ouro,como piv de um sistema financeiro estvel, foi um ato unilateral dosEstados Unidos. Este ato representou uma primeira vitria da finanaconcentrada e abriu a via para medidas mais radicais de liberalizao edesregulamentao financeiras empreendidas a partir de 1979. Mas paraos Estados Unidos, a passagem para o regime de taxas flexveis de cm-bio, significou um reforo da predominncia do dlar frente a todas asoutras moedas. Esta situao foi reforada ainda mais pelo crescimentomuito rpido da dvida pblica americana a partir de 1980-1982. Os Es-tados Unidos mostraram que eles so o nico pas capaz de contrair uma

    13 Para uma apresen tao ma is de ta lhada , ver La mond ia l isa t ion du cap i ta l , op .c i t . , cap .12 , ass im como o ar t igo em Ac tue l Marx Con fron ta t ions .

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    dvida pblica to elevada sem sofrer imediatamente a sano dos mer-cados. Ainda melhor, eles puderam dar aos bonus do Tesouro america-no o estatuto de ativo financeiro que representa o valor refgio porexcelncia.

    A dvida pblica americana atingiu perto de 5% do Produto InternoBruto (PIB) dos Estados Unidos nos anos 1990-1992; ele representou, du-rante quase vinte anos, 40% da dvida pblica mundial. Bem antes que WallStreet levantasse vo, esta dvida atraiu para os Estados Unidos os fundoslquidos em busca de investimentos financeiros, no somente rentveis mascompletamente seguros. Estes fundos financiaram o programa militar daguerra nas estrelas que assentou definitivamente a predominncia militardos Estados Unidos e acelerou a crise da ex-Unio Sovitica. A presenadeles no nvel da remunerao da qual se beneficiaram (8% de taxa de juroreal durante vrios anos a partir de 1982) permitiram igualmente aos merca-dos financeiros americanos adquirir sua dimenso e sua sofisticao nicas.Este processo foi, em seguida, consolidado e confortado pela existncia defundos de penso e de investimentos financeiros coletivos. Porm, estesno teriam podido conhecer um crescimento to rpido sem esta alimenta-o dos mercados financeiros pela dvida pblica aquela dos pases doTerceiro Mundo, mas tambm aquela dos Estados Unidos. O mercado dabolsa de Wall Street assumiu, em seguida, a vez. A atrao dos mercadosamericanos de produtos financeiros derivados vieram coroar o todo. Tra-tou-se, de mais em mais, das boas perfomances americanas em matria deemprego assalariado (quase sempre empregos precrios ou muito precrios)e de crescimento. Mas aqueles que louvam o exemplo americano, nos con-vidando a adot-lo de maneira ainda mais completa na Europa, abstm-se derelacion-lo ao carter hierarquizado da economia mundial e s posiesexorbitantes dos Estados Unidos nos domnios monetrio e financeiro.14

    14 o caso de M iche l Ag l ie t ta no seu traba lho , Le cap i ta l isme de dema in , No tes de laFonda t ion Sa in t-S imon , 101 , nov. 1998 . E le no exp l ica , em momen to a lgum , o grau no qua lo reg ime de cresc imen to pa tr imon ia l fundado sobre o ac ionar iado e os mercados f inance i-ros , do qua l e le acred i ta reconhecer a ex is tnc ia nos Es tados Un idos e do qua l e le esperaa ex tenso em d ireo a Europa , cons tru do sobre es tes fa tores exorb i tan tes . Os Es tadosUn idos represen tam 40% da cap i ta l izao bo ls is ta mund ia l . O seu s is tema f inance iro ebancr io to lera um end iv idamen to mu i to e levado de adm in is trao que porm a f ianadope la posse de t tu los cu jo va lor depende da conveno e de compor tamen tos de m iop iaf inance ira pro funda (ver o l ivro de Andr Or lan c i tado na no ta 3) . es te end iv idamen to quesus ten tou o consumo e fez andar esse cresc imen to m iracu loso . Nada ass im pode sertranspor tve l para pa ses onde o mercado f inance iro pequeno e vu lnerve l ao menorchoque , ou a inda em pa ses cu jos c idados mos tram , como no Japo , uma averso pro fun-da ao end iv idamen to .

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    Eles tambm no dizem nada a respeito das condies de domina-o poltica do capital.15 nos Estados Unidos que se v uma adequao,mais perfeita do que em qualquer outro grande governo civilizado, dosistema poltico e da filosofia social em relao s necessidades de umavalorizao do capital livre de qualquer freio. Foram eles, no entanto, quetomaram a iniciativa, mais do que outros membros do G7, de publicar emeditais, antes de tudo, as polticas de ajuste estrutural e mais tarde deliberalizao e desregulamentao financeira e comercial. Estas polticasso aquelas que melhor correspondem tanto a seus interesses de grandepotncia, quanto queles de seus lobbies. Mas a ordem mundial liberaliza-da no americana. Os governos de todos os pases onde o capital finan-ceiro desenvolvido esto comprometidos com os Estados Unidos. To-das as iniciativas que eles tomaram no FMI, no Banco Mundial, na OCDE,no GATT e, mais tarde, na Organizao Mundial do Comrcio, foram apoi-adas e revezadas na Europa pelo Reino Unido e setores importantes daComisso Europia. Ultimamente, no deles que veio o projeto da Ro-dada do Milnio na OMC, mas da Unio Europia. Foram, antes de tudo,setores antagnicos da sociedade americana que atacaram frontalmenteSeattle. A mundializao contempornea no americana. Ela capita-lista e como tal que ela deve ser combatida.

    A acumulao predominantemente financeiraO termo regime de acumulao predominantemente financeiro de-

    signa um modo de funcionamento do capitalismo marcado por dois fen-menos. O primeiro a reapario macia, junto ao salrio e ao lucro e, aomesmo tempo, fazendo pagar acrscimo de impostos, das receitas resultan-tes da propriedade de ttulos de dvidas e de aes.16 O segundo o papelrepresentado pelos mercados financeiros na determinao das principaisgrandezas macroeconmicas (consumo, investimento e emprego). O papelregulador das finanas exercido de mltiplas maneiras: pela fixao donvel das taxas de juros; pela determinao da parte dos lucros que deixadaaos grupos para investir sem medo de sofrer a sano dos acionistas ou dedar aos rivais os meios para fazerem oferta pblica de aes; pela fora dos

    15 Ver por exemp lo Lo c Wacquan t , Pr isons de la m isre , Par is , Ra isons d Ag ir, 1999 .

    16 No caso das aes , as rece i tas proceden tes da posse de t tu lo de inves t imen to f inance i-ro em par t i lha do lucro da empresa , que se re toma tan to quan to se puder sobre os sa lr ios .No caso dos t tu los de d v ida , sobre tudo os va les do Tesouro e os e fe i tos da d v ida pb l ica ,h trans fernc ia de rece i tas para os possu idores de t tu los por me io do f isco . A venda vem ,ass im , dup lamen te repar t ida , is to , em funo do va lor cr iado na produo .

    Pablo Emanuel Romero Almada

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    Mundializao: o capital financeiro no comando

    mecanismos que ela faz pesar sobre os governos para lhes impedir de sus-tentar as taxas de investimentos e para empurr-los privatizao e desregulamentao. Podemos, agora, distinguir claramente duas fases daformao e progresso de tal regime, cujas bases esto nos Estados Unidosmas os efeitos so mundiais.

    A primeira foi aquela, situada, grosso modo, de 1982 a 1994, nodecorrer da qual a dvida pblica foi o mecanismo principal da criao decrditos e o servio dos juros da dvida, o principal mecanismo de transfe-rncia de receitas em benefcio da renda. Esta transferncia foi tanto maisalta que as taxas de juros reais positivas pagas sobre os ttulos da dvidapblica foram elevadas. J se falou, a propsito, dos Estados Unidos, mas preciso ampliar os conceitos. O poder das finanas foi construdo sobre oendividamento dos governos, que permitiu a expanso ou, mesmo em pa-ses como a Frana, a ressurreio dos mercados financeiros. uma dasfontes da fora econmica e poltica imensa adquirida pelas instituies fi-nanceiras que comum a todos os pases da OCDE, praticamente sem ex-ceo. Ela repousa na sobreimposio do capital e das receitas elevadas e ofinanciamento para emprstimo junto aos mercados financeiros dos dficitsoramentais. Sob o efeito de taxas de juros superiores e mesmo muito supe-riores inflao e ao crescimento do PIB, a dvida pblica faz bola deneve. Ela geradora em seguida de presses fiscais altas sobre as receitasmenos mveis e mais fracas, de austeridade oramentria e de paralisia dasdespesas pblicas. ela, no decorrer desses ltimos dez anos, que abriu avia para as privatizaes.

    Os recursos financeiros assim centralizados pelos mecanismos dofisco e da dvida permaneceram cativos das finanas e lhe permitiram re-construir plenamente mercados financeiros capazes de assentar a domina-o do capital de investimento financeiro sobre as empresas. ento que asegunda etapa do regime de acumulao predominantemente financeiro co-meou, aquela onde os dividendos tornaram-se um canal de transfernciaimportante e os mercados financeiros a instituio mais ativa da regulaoda acumulao predominantemente financeira. A presso impessoal dosmercados, exercendo-se sobre os grupos industriais por intermdio donvel comparado da taxa de juros sobre os ttulos da dvida e dos lucrosindustriais, cedeu lugar a formas de vigilncia muito mais diretas. As admi-nistradoras de fundos de penso e dos Mutual Funds comearam a subme-ter os grupos industriais a um exame quase que dirio da administraoindustrial e financeira deles. Novas normas de rentabilidade foram impos-tas, geradoras de presses fortemente acrescidas nos salrios, em termosde produtividade e de flexibilidade do trabalho, como mudanas nas formasde determinao dos salrios. Se os mercados das bolsas ocupam a frente

    Pablo Emanuel Romero Almada

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    Franois Chesnais

    dos cenrios, os investimentos financeiros em vales do Tesouro, no entan-to, no cessam. Ao contrrio, como se constata no momento de cada abalofinanceiro srio, os ttulos da dvida pblica de pases mais fortes, encabe-ados pelos Estados Unidos, conservam o valor financeiro refgio por ex-celncia. Os emprstimos para as empresas e para os particulares comple-tam a panplia da apropriao pelas finanas interposta das riquezas criadasdentro da produo.

    Os mercados emergentesEste regime de acumulao apenas vivel contanto que tenha uma

    base internacional to larga quanto possvel. As formas concentradas dedinheiro buscando investimentos financeiros vantajosos, devem, ao mesmotempo, atrair incessantemente liquidez acrescida para os mercados finan-ceiros onde acontecem as operaes mais numerosas e mais vantajosas,desdobrando-se mundialmente para se inserir em mecanismos locais de cap-tao de fraes de valor e de mais-valia ou de riquezas, se estes termosincomodam que comearam por tomar forma de receitas primrias. Paracaptar juros sobre ttulos da dvida pblica ou vir a partilhar sobre o lucroindustrial por dividendos e juros de emprstimos a empresas sobre umabase mais larga que sua economia domstica, preciso se posicionar noexterior. Um dos criadores do fundo de penso francs, o deputado socia-lista Jean-Claude Boulard, descreveu no Le Monde em 13 de novembro de1998, os desafios do investimento financeiro no estrangeiro com uma totalclareza. A verdadeira vantagem dos fundos de penso, diz ele, permitir aantecipao de uma parte do crescimento exterior. No momento, ele diz, aFrana passa por esse mecanismo de apropriao e de transferncia interna-cional; imperativo que ela tambm tire proveito disto : Se ns no nosmexermos, dentro de dez anos, atravs dos fundos de penso anglo-saxes,uma parte do crescimento interno financiar as penses dos no residentesainda que tenhamos apenas nosso prprio crescimento para financiar nos-sas aposentadorias. Um pas desenvolvido e envelhecendo demograficamentecomo a Frana deve imperativamente expandir a base do financiamento desuas aposentadorias. Participando, por exemplo, no financiamento do cres-cimento de um pas como a China, os fundos de penso levantaro fundossobre a produo interna chinesa.

    Este o objetivo perseguido pela abertura de espaos financeiros nospases designados pelo nome de mercados emergentes e sua integrao namundializao financeira sob o cajado do FMI. A liberalizao e desregulamentaofinanceiras expuseram a economia destes pases aos impactos da especulaofinanceira. O termo economia de cassino foi por vezes usado para falar disto.Ele no mais apropriado. Keynes utilizou esta metfora para falar de operaes

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    Mundializao: o capital financeiro no comando

    na Bolsa nos anos 30 e ela pode ser utilizada ainda para descrever as operaesdos mercados de produtos derivados (a Baring em 1995, LTCM em 1998). Masa imagem de cassino no transportvel nas relaes de riquezas intermediadaspelos mercados financeiros, nem para crises como as que o Mxico e os pasesda sia conheceram no decorrer do decnio que termina.

    Em um sistema de apropriao de riquezas fundado nos mercados dettulos, a mobilidade permanente do capital colocado consubstancial procurade melhores rendimentos. A boa administrao da liquidez concentrada entre asmos de administradoras de fundos exige, da parte delas, uma diversificao deseus papis, de crdito de uma maneira que combine dois nveis, aquele dosmercados nacionais e aqueles das categorias de ttulos. Ela supe a modificaoconstante da composio dos papis de crdito, isto , a multiplicao das ope-raes por meio das quais o investidor arbitra sistematicamente entre os dife-rentes compartimentos procura da montagem que obtm a melhor relaocusto-rendimento.17 O administrador de fundos que investe procura a liquideze o rendimento. Atrs das decises de colocar ou liquidar bens detidos neste ounaquele investimento financeiro, sob esta ou aquela forma de ativos (divisas,ttulos da dvida pblica ou privada, aes), existem apreciaes quanto per-manncia desses fluxos de receitas nos nveis de rendimento que o capital fi-nanceiro fixa. O cassino um campo fechado dentro do qual os ganhos e asperdas so circunscritas entre os jogadores e o proprietrio do lugar e no qualtodo jogador tem chances iguais aos outros de ganhar ou de recuperar perdas.Ora, no caso das crises econmicas provocadas pelas crises financeiras noMxico e na sia, vimos bem que, no essencial, foi fora da esfera dos merca-dos financeiros que as penalidades mais pesadas foram pagas. Seu peso emtermos de desemprego e de precariedades crescentes, isto , da perda de todomeio de existncia, recaiu principalmente sobre aqueles que nem sequer temacesso ao cassino. Quanto aos investidores financeiros, eles retiraram seusfundos e os colocaram l onde a liquidez e o rendimento continuam a lhesserem oferecidos, em Wall Street e nas praas europias.

    Os grupos industriais no coraodas relaes de dominao

    So as finanas que comandam hoje o nvel e o ritmo da acumulaostricto sensu, este termo designando o processo de reproduo ampliada docapital em suas duas dimenses: o da criao de capacidades de produonovas, e o da extenso das relaes de produo capitalistas, entendidas

    17 Henr i Bougu ina t , F inance in terna t iona le , Par is , Presse Un ivers i ta ire de F rance , 1992 ,co leo Them is .

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    como relaes de explorao imediatas da fora de trabalho por um capitalorientado para a produo de valor e de mais-valia. Um pequeno nmero depases como o Japo e a Coria, acreditaram poder determinar, durante umtempo, sua taxa de investimento sem integrar de modo claro os dados doregime de acumulao predominantemente financeiro. Os limites destas pre-tenses apareceram, no Japo, no crack imobilirio e da bolsa, em 1990, ena crise asitica de 1997-1998. Foi nas finanas que repousou a responsabi-lidade imediata do incio das recesses em cadeia na sia. Mas a ajuda doFMI foi utilizada para exigir o alinhamento da Coria s condies macro-econmicas correspondentes s taxas mdias de crescimento mundial dodecnio de 1990; isto , impor a destruio de uma parte da capacidadeprodutiva industrial julgada excessiva em relao demanda mundial, a en-trada de capital ocidental nos chaebols e a liberalizao e completadesregulamentao do sistema financeiro coreano.

    Os investidores institucionais so os verdadeiros mestres do capita-lismo contemporneo mas eles preferem a discrio. Enquanto os adminis-tradores de fundos de investimento financeiro permanecem quase comple-tamente na sombra, so portanto os grupos industriais que, junto aos gover-nos, so constantemente visados. Eles esto na primeira fila, na luta contraas classes e as camadas que precisam explorar. Nisso h razes essenciais. na difuso mundial de seus produtos (Coca Cola, Nike, McDonalds...)que repousa a dominao econmica e poltica do capitalismo no aspectoto decisivo do imaginrio deste capital simblico cuja vitria permitedominaes de outro modo constrangedoras. Isso acrescido pela amplitu-de dos recursos da publicidade que exigida pelo estreiteza relativa do mer-cado, mesmo mundial, e a rivalidade entre eles quase sempre feroz. Ofetichismo das finanas, por outro lado, operante apenas na medida emque os portadores de crdito sobre a atividade de outrem vem a realidadeconformar-se miragem da autovalorizao dos investimentos financei-ros. Portanto, preciso que haja produo de riquezas, mesmo que as fi-nanas minem, dia aps dia, os alicerces. sobre os grupos industriais querepousa a organizao das atividades de valorizao do capital na indstria,os servios, o setor energtico e a grande agricultura, da qual depende,tanto a existncia material das sociedades nas quais os camponeses e artesosforam quase completamente destrudos, quanto a extrao da mais-valiadestinada a passar para as mos dos capitais financeiros.

    Para isto, os grupos industriais dispem de poderosos meios, vindosdos efeitos combinados da liberalizao e da desregulamentao das trocase dos movimentos de capitais, assim como da tecnologia. Eles usam de sualiberdade de ao e de sua restaurada mobilidade, para fazer pesar sobre ossalrios a ameaa (que pode, alm do mais, tornar-se efetiva) de deslocar

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    Mundializao: o capital financeiro no comando

    suas plantas produtivas para os pases onde a mo de obra mais barata eos salrios poucos ou nada protegidos. Eles no se deslocam sistematica-mente. Servem-se da liberalizao comercial, sobretudo, para assentar, todavez que podem, redes de fornecimento de sub-arrendamento nos pasesonde os custos so os mais baixos.

    As modalidades contemporneas de crescimento da produtividadepor intensificao do trabalho, sem crescimento ou mesmo com uma redu-o do tempo de trabalho, so fundadas sobre mudanas organizacionaisprofundas nas fbricas e nos escritrios, ao menos na medida do uso dasnovas tecnologias como tal. Essas mudanas no poderiam ter sido impos-tas se o aumento do desemprego induzido pelos fatores que acabam de serindicados, no tivesse vindo pesar, cada vez mais fortemente, sobre a capa-cidade de resistncia dos assalariados.18 A colocao em prtica das novasformas de explorao no seio dos grupos industriais e sob a responsabilida-de imediata de seus dirigentes e executivos, para atingir o grau j bastantegrande de submisso dos assalariados que corresponde as exigncia de re-munerao dos proprietrios do capital, a origem dos fenmenos de so-frimento no trabalho alertado pelos psiclogos e mdicos trabalhistas.19

    Simultaneamente os grupos industriais do setor fabril, como da grandedistribuio ou de servios, tambm sabem fazer uso do poder do mercadoque lhes confere sua grande dimenso, para captar, atravs de contratos determos leoninos, fraes do valor dos produtos das firmas menores ou de capa-cidade de negociao a preos mais baixos. O grande grupo monopoliza o valorcriado em outras estruturas que no as suas, assim como produz dentro de seusprprios muros. A organizao dos grupos em firmas-redes traduz a pertur-bao das fronteiras entre o lucro e a renda, na formao dos resultados deexplorao de grupos, bem como o peso crescente das operaes que depen-dem da apropriao de valores j criados por meio de levantamento monetriosobre a atividade produtiva e o excedente de outras empresas.

    Confrontados a um crescimento mundial muito lento, a uma deman-da insuficiente nascida da estagnao do investimento e do recuo do empre-go, e a uma presso sempre mais forte dos novos proprietrios do capital,os grupos industriais reagiram nos anos 90, seja na compra de empresas

    18 Em um l ivro rico e denso de Stphane Beaud e M iche l Pia loux, Re tour sur la condit ionouvrire , Paris Fayard, 1999, encontrar-se- um estudo de ta lhado dos processos de destruioda c lasse operria na industria automobi l st ica sob o e fe ito conjugado das estra tgias pa trona isde introduo das novas tecnologias como m todos de organizao de traba lho americano-japoneses. Nas crianas operrias, se v o resultante do desemprego e das pol t icas escolares.

    19 Ver Chr is tophe De jours , Sou f france en F rance : la bana l isa t ion de l in jus t ice soc iea le ,Par is , Seu i l , 1998 .

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    menores, seja em uma fuso com as gigantes. Concentrados no incio doprocesso, na virada dos anos 70-80, eles no cessaram de fazer crescer seugrau de concentrao. Os FMN salvaguardaram, assim, sua taxa de lucro,alm de acrescentarem um poder econmico e poltico j elevado, mas queadianta sempre novas exigncias, como eles mostraram no quadro das ne-gociaes abortadas do AMI.20 A estratgia deles de reestruturao comdestruio clara dos postos de trabalho, superpe-se poltica de austerida-de oramentria e de privatizaes usadas pelos governos, agravando osmecanismos que empurram a economia mundial para um processoacumulativo de estagnao. A outra resposta dos grupos tem o mesmo efei-to: trata-se da valorizao puramente financeira dos capitais com o empregoverdadeiramente especulativo de uma frao do lucro no investido. Sabe-se, por exemplo, que o retorno a rentabilidade da Renault a partir de 1996repousou sobre dois pilares: a dispensa macia dos empregados, a flexibili-dade e a disciplina salarial, mas tambm os lucros financeiros importantesgraas a boa sade dos mercados.

    A sorte reservada aos pases em desenvolvimentos portas do terceiro milnio, a sociedade mundial parece ento estar

    colocada, em um grau ainda mais completo que no final do sculo XIX, soba gide de um capitalismo dominado por instituies que vivem de rendi-mentos. A avidez deste capitalismo e sua ferocidade na explorao so tantomais altas quanto a taxa de acumulao do capital produzindo valor e mais-valia baixa, enquanto que as exigncias daqueles que vivem de juros e dedividendos so muito elevadas. neste quadro que preciso considerar asorte reservada aos pases do Terceiro Mundo.

    Os pases aos quais interessa principalmente o capital de investimen-to financeiro, so aqueles que possuem uma posio financeira suficiente-mente desenvolvida para aspirarem ao estatuto de mercado financeiro emer-gente e, assim, permitir o posicionamento dos mecanismos de estrangula-mento dos recursos do pas ou da regio continental maior, em direo aospases centrais. A lista est limitada (uma dzia de praas na sia e naAmrica Latina, mais Johannesbourg na frica do Sul), de modo que em

    20 O AMI (Acordo Mu l t i la tera l sobre o Inves t imen to) um pro je to de tra tado que asseguraaos inves t imen tos es trange iros d ire i tos e pr iv i lg ios exorb i tan tes fren te aos assa lar iados , sle is e ao con jun to da soc iedade . Sua negoc iao fo i levada a cabo na OCDE an tes de serin terromp ida em ou tubro de 1998 em conseqnc ia da re trao da negoc iao do governofrancs . Na F ranca a campanha con trr ia fo i levan tada pe lo co le t ivo nac iona l con tra o AMI .Para uma an l ise de ta lhada do pro je to , ver Observa to ire de la mond ia l isa t ion . Lum ire surl AMI . Le tes t de Dracu la , L Espr i t F rappeur,1998 .

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    Mundializao: o capital financeiro no comando

    um pequeno nmero de pases que a maior parte dos investimentos finan-ceiros efetuado. Mas os grupos industriais dos pases avanados s seinteressam muito seletivamente pelos pases externos OCDE. Cada ano,80% dos investimentos fora da OCDE centraram-se em, no mximo, dezpases e em dez anos no se encontra mais que quinze pases na lista.

    Os pases ditos em desenvolvimento interessam aos grupos industriaisde pases avanados apenas por trs motivos. O primeiro aquele tradicionalde fonte de matrias-primas. Este interesse ainda permanece. Ele continua achave das polticas que afrontam o Oriente Mdio e explica as rivalidadesinterimperialistas com o cortejo de conseqncias nos pases da frica, ricosem minerais estratgicos. Mas, fora o petrleo, minerais estratgicos como ournio e alguns produtos tropicais, principalmente a madeira, os pases situa-dos no centro do sistema tornaram-se bem menos dependentes das fontes dematrias-primas situadas em pases perifricos, servindo-se da cincia e datecnologia para substitu-las por produtos intermedirios de criao tecnolgicae industrial. Os grupos se interessam ainda por certos pases de fora da OCDEpelo fato do tamanho do mercado interno deles. Mas eles o fazem em condi-es onde as exportaes feitas pelos grandes grupos industriais por interm-dio de suas filiais de comercializao, tornaram-se a opo preferida, o inves-timento direto no sentido estrito, tornou-se uma soluo secundria. Conti-nuam a ser criadas filiais de produo assim que esta forma de presenadireta no mercado impe-se em razo da dimenso do mercado e da impor-tncia estratgica regional do pas (a China e o Brasil), em razo da presenaj antiga de rivais mundiais dos quais preciso controlar as estratgias local-mente, ou ainda da existncia de oportunidades locais que no podem serexploradas sem investimento direto. Mas, do contrrio, os nveis de produti-vidade e as reservas de capacidade industrial dos pases capitalistas centraiscondicionam os grupos a preferir a exportao como meio de tirar partido deum mercado. A terceira funo que os pases em desenvolvimento podempreencher de servir em industrias intensas em mo de obra de base paraoperaes de sub-arrendamento fora do local, requerendo um mo de obraindustrial ao mesmo tempo qualificada (ou mesmo muito qualificada), muitodisciplinada e um mercado muito bom. Mas, aqui, ainda, o nmero de pasesque satisfazem estas condies so em nmero tanto mais restrito quanto asnecessidades do capital so limitadas pela fraqueza geral da acumulao.

    Durante vinte anos, assistimos a reapario, nos pases pobres, daspiores calamidades de desnutrio, isto a fome, doenas e pandemias devas-tadoras. Estas calamidades no so naturais, assim como no o so, nospases da OCDE, o aumento do desemprego, das precariedades e dos sem-teto. Elas atingem populaes que so marginalizadas e excludas do crculoda satisfao das necessidades bsicas, portanto bases da civilizao, em ra-

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    zo da sua incapacidade de transformar essas necessidades imediatas em de-manda solvente, em demanda monetria. Logo, essa excluso de naturezaeconmica. Em certos casos, ela recente, e em todos pases, se agravouenormemente em relao a situao dos anos 70. Ela o produto direto dadestruio sob o efeito da desregulamentao e da liberalizao dos cmbios,no simplesmente de empregos, mas de sistemas de produo inteiros queasseguravam antes a reproduo social de comunidades de camponeses, pes-cadores, artesos. neste contexto de marginalizao, seno de excluso detantos pases do sistema mundial de trocas, que se coloca o aumento da fome,das pandemias e das guerras civis em inmeras partes do mundo. A fricaNegra, da qual o sistema rejeita uma grande parte das matrias primas agrco-las produzidas no seio da economia da plantao precedentemente colocadasnas dependncias das produes de vveres, e da qual a mo de obra norene as numerosas qualidades como nos pases da sia e do Sudeste, estnesse caso. O que acontece l, j h quinze anos, no pode ser consideradocomo resultado do acaso. o resultado direto, mediado pela corrupo pol-tica prpria aos governos parasitas do neocolonialismo, da marginalizao damaioria dos pases dos continentes nas trocas mundiais. O contingente tra-duz a a necessidade do capitalismo pervertido. A ONU acaba de reconhe-cer o genocdio ruands como o terceiro genocdio do sculo, aps o dosarmnios e o da Scho.21 Ao final de um trabalho minucioso sobre a frica,Claude Meillassoux concluiu que o capitalismo restaurou a lei da populao deMalthus: O controle da demografia dos povos explorados, por meiosdemogrficos (controle de nascimento, esterilizao, etc.) encalhou. Umaforma de controle pela fome, pela doena e a morte, mais eficaz e mais cruel,estabelece-se sob pretexto de racionalidade econmica e de ajustamentoestrutural: a lio de Malthus foi entendida.22

    Para a renovao da crtica ao capitalismoOs acontecimentos que marcaram o fim do stalinismo a queda do

    Muro de Berlim e o desmoronamento da antiga Unio Sovitica foram sau-dados como anunciando o fim da histria, no sentido da impossibilidade deuma superao do capitalismo por uma outra forma de organizao das rela-es sociais e de produo e da repartio da riqueza e uma concepo dife-rente da propriedade econmica. Estes acontecimentos produziram-se emum momento no qual as polticas de destruio das instituies polticas e

    21O ho locaus to judeu duran te a Segunda Guerra Mund ia l . (N . do T.)

    22 Ver C laude Me i l lassoux , L Econom ie de la v ie , Cah iers L ibres , Lausanne , Ed i t ions Page 2 ,1 9 9 7 .

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    sociais do ps-Segunda Guerra Mundial, por meio da via doce da liberalizaoe da desregulamentao, j haviam frutificado. A classe operria industrial eaqueles que se identificavam com uma viso de emancipao social da qual elaseria o suporte foram confrontadas com o desaparecimento de um capitalis-mo relativamente comprimido dentro de instituies nacionais, de um capita-lismo cujos pontos fracos eram conhecidos por aqueles que o combatiam.Em seu lugar, houve a emergncia de um capitalismo dominado pelas finan-as. Passo a passo seus estratagemas e seus servidores concebem e criampolticas que visam a reduo em tomos do trabalhador coletivo nas dife-rentes formas onde este tinha tomado forma, tanto por suas prprias lutas,quanto pelo efeito objetivo da organizao produtiva fordista.23

    Stphane Beaud e Michel Pialloux (ver nota 18) retraaram na Peugeoto processo de dissoluo do grupo operrio da grande fbrica, no seio deum salariado de fronteiras muito mais suaves, feito de categorias de trabalha-dores cujo capital pode, daqui em diante, facilmente normalizar o trabalhocom a ajuda das tecnologias informatizadas. O capital avanou tanto maisfacilmente quanto os trabalhadores e os assalariados do setor pblico foramencorajados, seno intimados pelos partidos e os sindicatos com os quais elestinham um mnimo de confiana, de adaptarem-se mundializao. O mo-vimento grevista do inverno de 1995 contra as reformas de governo de AlainJupp e o grande apoio popular do qual ele se beneficiou, marcaram um dosmomentos de resistncia dos trabalhadores a este processo. Mas ele no en-controu os pontos de apoio que lhe permitissem se consolidar. O sindicalismode acompanhamento levantou a cabea e, agora, tomou p nas confernci-as, como a CGT, cuja tradio era oposta a isso. , portanto, amplamente doexterior do movimento operrio oficial que se construiu a resistncia aosprojetos os mais ambiciosos e os mais visveis da mundializao, tais como oAMI e o lanamento da Rodada do Milnio na OMC.

    A crtica da mundializao ainda embrionria e bastante hesitan-te no plano terico. Ela subestima quase sempre o que dever ser feitopara encetar verdadeiramente o poder das finanas24, e ela conduz ainda

    23 Ver, ass im , a respe i to da co t izao doena-desemprego-ve lh ice , Bernard F r io t , E t laco t isa t ion soc ia le crera l emp l i , Par is , La D ispu te , 1998 , que escreve : Os traba lhadores ,quer es te jam ocupados , desempregados ou ina t ivos so membros de um traba lhador co le-t ivo inscr i tos em um espao pb l ico cons tru do a par t ir do traba lho forma l izado em empre-go . Es te espao pb l ico aque le das ins t i tu ies das d i feren tes ca ixas e organ ismo deadm in is trao par i tr ias que o Mov imen to de Empresas da F rana (Mede f , sucessora doConse lho Nac iona l do Pa trona to F rancs N . do T.) pensa agora es tar em cond io dedes t ru i r .

    24 Es te prob lema levan tado em meu opscu lo , Tob in or no t Tob in? Une taxe in terna t iona lesur le cap i ta l , Par is , L Espr i t F rappeur, 1998 .

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    mais freqentemente a iluso de poder encarcerar os FMN em cdigosde boa conduta ou de conduta cidad. O termo neoliberalismo utilizado como se situaes de monoplio mundial no surgissem dasltimas ondas de concentraes, como se a propriedade privada dosmeios de produo (que so os meios de trabalho de milhes de pessoas)pudesse hoje servir de embasamento para uma forma de capitalismocom cara humana. Um bom nmero de adversrios da globalizaoparece ter interiorizado a idia martelada por Franois Furet e de todosaqueles que se apossaram de seu trabalho sobre a impossibilidade de seconceber uma organizao social de vida material diferente do merca-do. Da mesma forma, o regime de acumulao do capital mundializado considerado pela maioria de seus crticos como sendo injusto pro-fundamente injusto mais vivel.

    O sentido das crises financeirasOra, no penso que ele assim o seja, em razo mesmo dessa desi-

    gualdade e injustia. Uma ligao direta pode estabelecer entre os traosdo regime de acumulao, os mecanismos de excluso que ele incorpora eas crises financeiras bancrias ou das bolsas que balanaram a econo-mia mundial no decorrer dos anos 90, quer seja no Mxico em 1995 ou nasia. Estas crises no foram episdios financeiros, devido simplesmente negligncia ou cegueira das autoridades monetrias, nem especula-o tomada como uma atividade que se poderia limitar sem ter prejudica-do os mercados financeiros. Estas crises foram uma primeira expressode contradies muito mais profundas. Elas traduzem a impossibilidade deassegurar uma quantidade suficiente de capital para as condies de valo-rizao que lhe so necessrias. Por etapas, a economia capitalista mundi-al v-se confrontada ao retorno brutal do princpio de realidade: antes depoder se apropriar do valor e da mais-valia, necessrio, primeiramente,que eles tenham podido ser criados em uma escala suficiente. O que su-pe que o ciclo do capital tenha podido ser bloqueado, a produocomercializada. Os investidores financeiros e as instituies financeirasinternacionais construram um conjunto de mecanismos com o objetivode fazer afluir em direo aos mercados financeiros um fluxo de riquezaque satisfizesse as exigncias da economia internacional do capital finan-ceiro. Mas eles quiseram ignorar as condies da produo e da realizaodo valor. Estas condies no podem ser satisfeitas de maneira estvelenquanto dezenas ou mesmo centenas de milhes de pessoas de todas asparte do mundo so excludas da esfera onde as necessidades individuaise coletivas encontram-se. Deplorando o revs da conferncia de Seattle, odiretor geral do FMI, Michel Camdessus, declarou que seu desafio para

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    Mundializao: o capital financeiro no comando

    com os pases em desenvolvimento era o acesso aos mercados que te-nham uma demanda solvente, isto , aqueles dos pases da OCDE. Acre-ditando falar em nome destes pases e de uma liberalizao ainda maior docomrcio, o chefe do FMI expressou o impasse total de um sistema cujapolarizao extrema faz com que todas as mercadorias afluam em direoaos mesmos mercados, situados ao Norte.

    As crises financeiras da sia so um anncio que os mecanismos docapital liberalizado comeam a pegar gripe. De tais crises sobrevm, quandoos investidores financeiros tomam de repente conscincia do fatos, queseus crditos sobre a atividade produtiva, nascidos de seus investimentosfinanceiros ou de seus emprstimos, poderiam no se materializar. Eles ten-tam, ento, se retirar do mercado, retomando suas posies com o mnimode perdas. Eles destroem, produzindo a liquidez do mercado em seu con-junto25, provocando o desmoronamento do conjunto da cadeia de creditos edas dvidas da qual a capitalizao da bolsa foi o piv. Foi o que aconteceuna sia, onde vimos uma espcie de demonstrao, em tamanho real, dotipo de crise que nos espera. A praa ocupada agora pelos mercados dabolsa est suscetvel a dar s crises futuras nos pases da OCDE, um car-ter ainda duvidoso. Uma das causas da preocupao dos defensores daliberalizao, que o presidente do Banco Central dos Estados Unidos (o FED)propaga regularmente, o fato de que os mercados financeiros sados daliberalizao e da desregulamentao financeiras so povoados de investido-res que no tm nenhuma memria das crises da bolsa do passado. O grauparticularmente elevado da miopia dos mercados financeiros nascido dalonga fase de altas, pode engendrar comportamentos de pnico. Estes servi-riam de acelerador da crise, reforando as dimenses subjetivas dos meca-nismos de propagao.

    Evocar a perspectiva de uma grande crise quase sempre considera-do como caracterstica da vertente catastrofista que marcou o pensamen-to de Marx. Talvez seja o meu caso. H razes para pensar que ela estinscrita na situao econmica mundial do incio do novo milnio porque aliberalizao e desregulamentao das finanas, como a das trocas, recria-ram as condies. Mas no preciso esta perspectiva para retomar a crticaao capitalismo. Desde que nos coloquemos do lado dos assalariados do fimda escada, dos precrios e dos desempregados, como do conjunto das po-pulaes dos pases ditos pobres a situao j to grave que no neces-srio um agravamento suplementar para encetar este trabalho terico e pr-tico. Estamos em um sistema onde a produo apenas uma produo

    25 Ver nes te pon to , o impor tan te traba lho de Andr Or lan j c i tado .

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    Franois Chesnais

    para o capital e no o inverso,26 onde os meios de produo no so o queeles deveriam ser, a saber simples meios para se dar forma, alargando semcessar, o processo de vida da sociedade dos produtores. Estes meios, queso porm os meios de trabalhos da sociedade, so hoje do capital. Eless sero utilizados e ampliados se seus proprietrios (os acionistas financei-ros obnubilados pelo que Keynes chamou de o feitio da liquidez), consi-derando que eles vo tirar desta operao um lucro suficiente, um valoracionrio altura de suas exigncias. Durante alguns decnios aps a Se-gunda Guerra Mundial, quando o capitalismo parecia ter sido domesticado,esta caracterizao foi colocada de lado, perdida de vista. A mundializaodo capital encarregou-se de nos relembrar. Transformou em responsabili-dade de todos ns, estender e ampliar o debate sobre o modo de responderao desafio que ela coloca.

    26 Kar l Marx , Le Cap i ta l , III/XV.