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1 EEECD Seminario Fundamentos da FeProf. Eduardo A. Roca 1. - INTRODUÇÃO E FUNDAMENTOS ANTROPOLÓGICOS: (PRAENOTANDA) A. Introdução a) Apresentação Geral do Curso: Objectivos, Meios, Pedagogia. b) Áreas de estudo: Filosofia, Bíblia, Teologia. c) Itinerário para a Fé: Natureza (Filosofia e Antropologia), Revelação (Bíblia e Teologia), Magistério. B. Fundamentos antropológicos da Religião a) O ser humano é religioso por natureza: a. Ser religado a Deus b. Potencia Obediencial c. Ouvinte da Palavra d. Capaz de Deus b) Antropologia da Religião c) Religiões naturais e Religiões reveladas d) Especificidade da Religião Cristã a. Frente ao prometeísmo religioso: Primado da Graça numa Revelação b. Religião de Encarnação: “o ser humano é Deus humanamente” c. Fé como identidade cristã: resposta do crente à e desde a graça de Deus 2. - PRESSUPOSTOS PARA A FÉ: FUNDAMENTOS DE TEOLOGIA BÍBLICA A. Itinerário da Revelação Cristã: a) Anúncio do Deus Revelado em Jesus Cristo: a. Imagens de Deus e do ser humano na historia da evangelização. Perspectiva crítica: i. As que buscam um morto e os que anunciam um morto ii. A Teologia da expiação que configura o anúncio de Jesus b. Renovar o anúncio de Jesus desde as fontes, para os homens e mulheres de hoje. c. Regresso ao Kerigma b) Experiência de Salvação Pessoal e Comunitária a. O encontro pessoal com Cristo, experiência de salvação: i. A condição humana precisada de salvação ii. Experiências-limite da vida humana: lei, pecado, morte. iii. Metanoia: experiência de conversão do coração b. Experiência de salvação para o povo: i. Promessa de restauração dos profetas ii. Esperança Messiânica c) Paixão por Cristo e pelo Evangelho do Reino: a. Paixão por Cristo: experiência prévia do homem-mulher novos. b. Evangelho do Reino: experiência prévia do mundo novo. B. Discipulado como adesão a Jesus Cristo. Fé pessoal e Fé comunitária. a) Fé pessoal: Ser discípulo-a de Jesus. a. Ícones do discipulado b. Elementos da Fé pessoal como relação i. Amor-amizade ii. Fidelidade iii. “Saúde” iv. Compromisso v. Libertação b) Fé comunitária: ser comunidade-família de Jesus a. A comunidade antes de Páscoa.

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EEECD Seminario Fundamentos da Fe Prof. Eduardo A. Roca

1. - INTRODUÇÃO E FUNDAMENTOS ANTROPOLÓGICOS: (PRAENOTANDA)A. Introdução

a) Apresentação Geral do Curso: Objectivos, Meios, Pedagogia.b) Áreas de estudo: Filosofia, Bíblia, Teologia.c) Itinerário para a Fé: Natureza (Filosofia e Antropologia), Revelação (Bíblia e Teologia), Magistério.

B. Fundamentos antropológicos da Religião a) O ser humano é religioso por natureza:

a. Ser religado a Deus b. Potencia Obediencial c. Ouvinte da Palavra d. Capaz de Deus

b) Antropologia da Religião c) Religiões naturais e Religiões reveladas d) Especificidade da Religião Cristã

a. Frente ao prometeísmo religioso: Primado da Graça numa Revelação b. Religião de Encarnação: “o ser humano é Deus humanamente”c. Fé como identidade cristã: resposta do crente à e desde a graça de Deus

2. - PRESSUPOSTOS PARA A FÉ: FUNDAMENTOS DE TEOLOGIA BÍBLICAA. Itinerário da Revelação Cristã:

a) Anúncio do Deus Revelado em Jesus Cristo:a. Imagens de Deus e do ser humano na historia da evangelização. Perspectiva crítica:

i. As que buscam um morto e os que anunciam um mortoii. A Teologia da expiação que configura o anúncio de Jesus

b. Renovar o anúncio de Jesus desde as fontes, para os homens e mulheres de hoje.c. Regresso ao Kerigma

b) Experiência de Salvação Pessoal e Comunitáriaa. O encontro pessoal com Cristo, experiência de salvação:

i. A condição humana precisada de salvação ii. Experiências-limite da vida humana: lei, pecado, morte.

iii. Metanoia: experiência de conversão do coração b. Experiência de salvação para o povo:

i. Promessa de restauração dos profetas ii. Esperança Messiânica

c) Paixão por Cristo e pelo Evangelho do Reino: a. Paixão por Cristo: experiência prévia do homem-mulher novos.b. Evangelho do Reino: experiência prévia do mundo novo.

B. Discipulado como adesão a Jesus Cristo. Fé pessoal e Fé comunitária. a) Fé pessoal: Ser discípulo-a de Jesus.

a. Ícones do discipuladob. Elementos da Fé pessoal como relação

i. Amor-amizadeii. Fidelidade

iii. “Saúde” iv. Compromisso v. Libertação

b) Fé comunitária: ser comunidade-família de Jesusa. A comunidade antes de Páscoa.b. A comunidade pascal.c. A comunidade depois de Páscoa.

3. - A IGREJA, COMUNIDADE DE FÉ NA HISTÓRIA.A. Uma Fé Conciliar

a) A definição da Fé nos Concíliosb) Símbolo da Fé

a. Símbolo apostólico e símbolo niceno-constantinopolitanob. Artigos da Fé (CIC)

c) Vaticano II

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a. História e Documentosb. Revelação e Fé (Dei Verbum)

i. Revelação ii. Fé

iii. Transmissão da revelação iv. Sagrada Escritura: inspiração e canonicidadev. Tradição

vi. Magistério da Igrejavii. Cristologia

c. Sagrada Escriturai. Geografia da Bíblia

ii. Historia da Salvação iii. Primeiro Testamentoiv. Novo Testamentov. Interpretação da Palavra de Deus

d. Igreja, Povo de Deus (Lumen Gentium)i. Historia da Igreja

ii. Patrísticaiii. Eclesiologia

1. Igreja, Povo de Deus.2. Estrutura hierárquica (Christus Dominus)3. Presbíteros e diáconos (Presbyterorum Ordinis)4. Vida Religiosa (Perfectae Caritatis)5. Leigos (Apostolicam Actuositatem)6. Novos movimentos

d) O Direito da Igrejaa. História e edições.b. Questões prácticas.

B. Uma Fé celebradaa) Liturgia (Sacro Sanctum Concilium)b) Igreja e Sacramentos c) A relação com Deus

a. Oração (CIC)i. Fundamentos antropológicos

ii. Pessoal (Lectio Divina)iii. Comunitária (Liturgia das horas)

b. Ano litúrgico

4. - O TESTEMUNHO DA IGREJA: A MISSÃOA. A Fé testemunhada: Dignidade, Reconciliação-Justiça-Paz, Unidade

a) As Bem-aventuranças: caminho missionário cristão (Mt 5,1-12).b) Ética e Moral da pessoa Cristã

a. Sermão da montanha (Mt 5-7)b. Ética cristã: Filosofia moral cristãc. Princípios de moral cristã

i. Ética da dignidade pessoalii. Ética da dignidade dos povos

d. Questões em debate hojec) Reconciliação, Justiça e Paz.

a. DSI (Vaticano II, Encíclicas Sociais)b. Reconciliação, Justiça e Paz (Sínodo para África).

d) Caminho para a Unidadea. Liberdade Religiosa (Dignitatis Humanae)b. Ecumenismo: igrejas irmãs (Unitatis Redintegratio; Ut unum sint)c. Relação com as grandes religiões (Nostra Aetate)

e) Missio ad gentes (Ad Gentes)a. Igreja Missionária b. Inculturação da Fé

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B. Uma Fé aberta ao Mundoa) Uma Fé em diálogo

a. Fé e Culturab. Fé e Ciência c. Fé e Filosofiad. Fé e Ideologiae. Fé e Educação f. Fé e comunicação social (Inter Mirifica)g. Acreditar hoje – desafios actuais (Carmelo Dotolo)

b) Desafios para a Fé em África hoje (Imbisa, Sínodo...)a. Igreja-Famíliab. Anúncio de Jesus (imagem a ser anunciada)c. Consonância/dissonância das dinâmicas culturais com o Evangelhod. Linguagens da transmissão e. Negritude: significados evangélicos f. Igreja na sociedade

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Deus e a religião

O PROBLEMA DE DEUS E DO SEU ACESSO E A EXPERIÊNCIA DE DEUS Teología y Vida, Vol. XLIV (2003), 373 – 379 43EVERALDO CESCONDoutor em Teologia, Professor na Universidade de Caxias do Sul e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Brasil

O problema de Deus e do seu acesso e a experiência de Deus

INTRODUÇÃOO tema de Deus foi desenvolvido pela primeira vez por Zubiri em 1935, com o famoso artigo “En torno al problema de Dios” (1). Treze anos mais tarde professaria dois cursos que teriam esta mesma reflexão como pauta. Tal preocupação teológica culminaria no curso ministrado em 1971-1972 intitulado El problema teologal Del hombre: Dios, religión, cristianismo. Esta temática nunca mais desapareceu do seu horizonte filosófico. É parte constitutiva de sua filosofia.Deus e o homem se implicam de tal forma no pensamento de X. Zubiri que um sempre tem a mão estendida na direção do outro. Por isso, afirma com segurança que o problema de Deus é o problema do homem, que o problema de Deus se põe aos homens “por el mero hecho de ser hombres”, é a “realidad humana misma en su constitutivo problematismo” (2). “No es la adición de dos ‘objetos’, hombre ‘y’ Dios, sino que es el análisis de la realidad humana en cuanto constitutivamente envuelve la versión a la realidad divina” (3).

I. O PROBLEMA DE DEUS1. O aparecimento do problema de DeusO problematismo da pessoa humana se mostra como inquietude, voz e vontade que clamam por um absoluto. Fazer-se “pessoa é busca do fundamento” de meu relativo ser absoluto, busca de uma “realidade-fundamento” e não de uma “realidade objeto” (4), estranha às próprias coisas reais. Este problematismo da realidade-fundamento não é algo que leva ao problema de Deus; ele é o problema de Deus, e pertence à dimensão de minha pessoa religada, “ligada” ao poder do real. O problema de Deus é relativamente o drama humano, e o que se busca não é uma abstração, ou o resultado de uma elaboração lógica, nem é um ente supremo, mas a realidade suprema (5): “La realidad-fundamento es la solución del enigma de la realidad y de mi realidad personal. Este problematismo de la realidad-fundamento no es algo que lleva al problema de Dios sino que es formalmente el “problema de Dios”.Lo que la “religación” manifiesta experiencial pero enigmáticamente es Dios como problema. El problema de Dios pertenece, pues, formal y constitutivamente a la constitución de mi propia persona en tanto tiene que hacerse inexorablemente su propia realidad, su propia “figura de ser” absoluto “con” las cosas estando “en” la realidad” (6).“El hombre no “tiene” el problema de Dios, sino que la constitución de su Yo “es” formalmente el problema de Dios” (7). “Justificar la realidad de Dios no es montar razonamientos especulativos sobre razonamientos especulativos, sino que es la explanación intelectiva de la marcha efectiva de la religación”…” (8). Não se trata de saber se existe uma realidade divina, mas se dentro da realidade, que sem dúvida existe, alguma das suas dimensões pode ser entendida como Deus (9).2. A marcha efetiva da religación à realidade divinaTrês indagações sobre Deus centralizam a atenção dos homens: “existe?”, “como se chega a Ele?”, “qual é sua natureza?”. Zubiri ocupou-se somente do ponto de partida para chegar a Ele. Depois de analisar as vias clássicas, reuniu-as em dois grupos: as cosmológicas, das quais toma Aristóteles e São Tomás como representantes, e as antropológicas, representadas por Santo Agostinho, Kant e Schleiermacher.Primeiro, procuramos demonstrar como, para Zubiri, o caminho das vias clássicas não é “adequado” (10). Em seguida, ocupamo-nos da novidade trazida pelo ponto de partida da “vía de la religación”. E por último, centralizamo-nos no aparecer do problema de Deus.a) A insuficiência das vias cosmológicas de acesso a Deu Filósofos e teólogos clássicos, quando se perguntaram pelo acesso a Deus, pensaram que certos “fatos” e “coisas” possibilitavam um processo demonstrativo que concluía em Deus. Tomaram como ponto de partida a realidade considerada como “eso que llamamos naturaleza”, isto é, a “estructura del cosmos” (11). Este processo culminou nas “célebres cinco vias de São Tomás” (12). Contudo, Zubiri se pergunta se tais “hechos” (13) são realmente o que as palavras dizem. Conclui que, sob a aparência de “hechos”, o que realmente se põe são “interpretacciones” de fatos e, por isso, toda a argumentação sustentase na filosofia subjacente, neste caso da filosofia aristotélica. Tomemos um exemplo: o “movimiento” na primeira via aristotélico- tomista. Diz Zubiri: “Para santo Tomás, el movimiento es, como para Aristóteles, un estado del ente móvil que consiste en el paso de potencia a acto. Este es el “hecho” sobre el que se apoya la “prima via”. Ahora bien, esto no es ni puede ser un hecho: es una interpretación de la realidad del movimiento. Y todo lo que el nudo hecho del movimiento tiene de inconcuso, tiene de problemática aquella interpretación aristotélica” (14). Deve-se distinguir três elementos nesta afirmação de Zubiri: há um “hecho nu” do movimento, e este tem caráter indiscutível; há também uma “interpretación aristotélica” do fato que já é discutível; e há, finalmente, o “sentido” em que São Tomás utiliza o movimento como ponto de partida: não é o fato nu, mas a interpretação do

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mesmo, segundo a filosofia aristotélica. Zubiri deixa bem claro o que pretende: “… no pretendo que esos cinco razonamientos no sean concluyentes, sino que contra lo que expresamente se afirma en ellos, no parten de hechos sino de algo muy distinto, a saber, de una interpretación metafísica de la realidad sensible. […] la base de discusión de santo Tomás no son los hechos sino la metafísica de Aristóteles, que es para santo Tomás la razón misma en cuanto tal. A fuerza de considerarla como la metafísica del sentido común se acaba por identificarla con los hechos…” (15).Mesmo que tais vias fossem válidas (16), “el término a que conducen no es Dios en cuanto Dios” (17) e sim um motor imóvel, uma causa primeira eficiente, um ente necessário, um ser em plenitude de perfeição e uma inteligência suprema.Aquilo a que se chega através de concatenação lógica de conceitos é uma realidade objeto, e não a realidade-fundamento. E mais, essas “ultimidades” se identificam entre si? Supondo que se prove tal identificação, “¿significa esto que se ha probado sin más que ese ente supremo sea “formalmente” Dios, lo que entendemos por Dios?” (18).Duns Escoto, com a intenção de reforçar tal raciocínio, dividiu-o em dois tempos: primeiro, provar a existência de um ser que seja “primeiro” e, em seguida, que essa realidade primeira é “infinita” e, por ser infinita, Deus. Zubiri replica: e se Deus fosse infinito por ser Deus e não o contrário? Em qualquer caso, seguimos sem oferecer um término à via que seja formalmente o que entendemos por Deus quando a ele nos dirigimos (19). “En el punto de llegada de estas argumentaciones nos encontramos con un ente supremo”, uma “esencia metafísica”; porém, o que buscamos é algo mais concreto: “una realidad última, fuente de todas las posibilidades que el hombre tiene, y de quien recibe, suplicándole, ayuda y fuerza para ser” (20).Este ser último não reúne as qualidades de personalidade do Deus a quem o homem busca e invoca nas religiões. Como deve ser esse Deus formalmente Deus? Não um Deus-objeto, mas um Deus-fundamento.b) A insuficiência das vias antropológicas de acesso a DeusSão Tomás não formulou as vias antropológicas com a mesma exatidão das vias cosmológicas; no entanto, outros clássicos as priorizaram, e passaram a ser, em geral, as preferidas depois da crítica kantiana. Ao mencioná-las, Zubiri cita três autores: a via das “verdades” que, partindo da inteligência humana na qual se dão, clamam com força pela existência de uma Verdade Subsistente (Santo Agostinho); a via do “imperativo del deber” que, procurando na vontade humana, postula a existência de um Sumo e Ótimo Bem (Kant); e a via do “sentimiento incondicional de dependencia”,que nos faz entrever a realidade do Infinito Incondicionado (Schleiermacher) (21).O que o pensador basco pretende discutir é o ponto de partida: “¿son realmente “hechos” o “datos”?” (22). São apenas aspectos, momentos, fragmentos do homem –inteligência, vontade, sentimento– mas nenhum dos três tem presente a “realidade humana” como totalidade, que é a autenticamente necessitada de um fundamento. Ademais, cada um desses momentos, enquanto constituído como ponto de partida, “es todo menos una constatación irrecusable” (23). Santo Agostinho, por exemplo, “parte de “la” verdad como de algo que mora en el interior del hombre, pero en oposición a “las” verdades”. Nesse sentido, “el “hecho” del que en realidad parte …no es precisamente la inteligencia, sino el dualismo radical que hay en ella entre “la” verdad y “las” verdades” (24).Como nas vias cosmológicas, há uma deficiência parecida: tomam-se “interpretaciones” em vez de “hechos”, teorias sobre as coisas em vez das coisas mesmas, como ponto de partida (25). E “el punto de llegada no es Dios en cuanto Dios, pero su realidad no envuelve formalmente una referencia al resto del mundo real sino tan solo al hombre” (26). Ocorre uma “segregación del hombre frente al mundo real, conduce a un Dios también más o menos segregado de éste” (27). Em suma, levando a um Deus ausente da realidade e ao qual se deve, num processo ulterior, inserir como fundamento. É o que faz de Deus um objeto. Resumindo, tanto as vias cosmológicas como as antropológicas deveriam partir de “fatos indiscutíveis”, porém partem de “interpretações de fatos”; e acedem a uma realidade de Deus que não é “Deus-fundamento”, mas quase um “deus-objeto”, segregado do mundo (28).c) A “vía de la religación”Visto que o caminho proposto a partir de fatos cosmológicos e antropológicos resulta inadequado, Zubiri propõe um percurso para chegar a Deus enquanto tal, a partir do homem como totalidade. Utiliza-se de sua peculiar doutrina sobre a inteligência “sentiente” que apreende as coisas em impressão de realidade, da procedência de “realidad” a “ser”, de sua interpretação da causalidade com funcionalidade e do “poder” como domínio não causal, da novidade da religación da pessoa ao poder do real, etc, e esboça uma nova via (29): a “vía de la religación” (30). São passos (31) que enunciam uma novidade não só terminológica, mas também de sentido:a) “El hombre es una realidad personal cuya vida consiste en hacer, física y realmente, su Yo. La persona humana se realiza como persona apoyada en el poder de lo real. Solo en y por este apoyo puede la persona vivir y ser: es el fenómeno de la ‘religación’” (32).b) “La persona no está simplemente vinculada a las cosas o dependiente de ellas, sino que está constitutiva y formalmente religada al poder de lo real, el cual constituye eo ipso la fundamentalidad misma de la vida personal” (33).c) “La “religación” no es mera “vinculación” ni es un “sentimiento de dependencia” sino la versión constitutiva y formal al poder de lo real como fundamento de mi vida personal” (34). A pergunta pela “religación” é a pergunta pela raiz e pelo apoio da própria vida pessoal.d) “Por esto la “religación” es ante todo un “hecho”, el hecho mismo en que consiste mi vivir… Es algo que afecta precisa y formalmente al todo de mi realidad humana… Finalmente… es algo básico y radical” (35).e) “De este “hecho” arranca la vía” (36). “…el “punto de partida y la base de discusión” es la “religación” como hecho total y como raíz de la construcción de mi Yo” (37).

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f) “Esta “religación” es una “experiencia”, esto es, una probación física… Algo que nos lleva forzosamente a tener de hacer nuestro Yo. En la “religación” “somos llevados” a hacer nuestro Yo… Somos llevados “físicamente”… de un modo problemático” (38). Y esta experiencia de “religación” puede tornarse, por extensión, experiencia de Dios (39).g) “La ‘religación’ es la experiencia del problematismo de nuestro ser; es un problema físicamente problemático: ‘es el problema de Dios’” (40).A presença de Deus nas coisas e no poder do real é o motivo pelo qual devo realizar-me. Desta forma, a via da religación não constitui a prova “de que hay Dios sino de que algo de lo que hay realmente es Dios” (41). É um “hecho” novo, a partir do qual se pode ter um “acesso a la divindad”, um “hecho” experienciável, constatável, total e radical (42). Para aceder a este fato será preciso considerar o homem como realidade substantiva pessoal; como ser absoluto relativo que se faz em suas ações fundado na realidade (43); e como pessoa dominada pelo poder do real e religada a ele. A este propósito, afirma o professor López Quintás (44): “A preocupação de Zubiri é situar o problema de Deus com a máxima exatidão, pois, a seu ver, se as questões forem bem colocadas e devidamente articuladas, a ordem interna e a lógica que regem esta articulação se convertem em fonte de luz para compreender as raízes do real”.Uma vez que a “realidade” que funda o poder que me faz ser está justificada (45), impõe-se agora experimentá-la, provar o que é e como atua. A experiência e a verificação da realidade-fundamento só podem ser realizadas em forma de entrega.Por ora ocupemo-nos do que é esta realidade a que chegamos.3. Deus enquanto realidade acedidaO núcleo básico da “vía de la religación” consiste no fato de a realidade à qual chegamos ser fundamento e não objeto, fundamento de meu ser, cuja atualidade é estar fundamentando-me. De que forma? Sendo a ultimidad do real ou a realidade última. Sendo possibilitante, nas coisas, da configuração de meu Eu. Deus enquanto Deus é somente a possibilidade das possibilidades. E, finalmente, impulsionando-me (impelencia) a realizar-me forçosamente. Deus é o impulso último. Vemos assim que ultimidad, posibilitación e impelencia são dimensões do poder do real, da religación e de Deus mesmo.(a) A causalidade pessoalPretende-se discutir a relação de causalidade que Deus estabelece com o fundado. Deus é o fundamento último da realidade. Porém, como a fundamenta? É a causa de tudo o que existe? É criador? A teoria clássica (Aristóteles) da causa encerrou toda a possível causalidade sob quatro únicos modos: material, formal, eficiente e final, mas tal teoria só é aplicável aos fenômenos naturais e evapora quando se trata de relações interpessoais (46).Nosso autor sustenta uma idéia de causalidade já exposta em Inteligencia y logos (47) e Inteligencia y razón (48). Causalidade não é produção (metafísica clássica), mas funcionalidade do real enquanto real e não enquanto conteúdos concretos. “Cada cualidad real sentida es sentida en y por sí misma como algo funcional” (49). Deste modo, entre as pessoas existe funcionalidade e autêntica causalidade, à qual Zubiri denomina “causalidad personal”, sem que nenhuma das quatro causas consiga explicá-la. Por isso, “hay que reemplazar en este problema la noción de causa por la noción más amplia de funcionalidad de lo real en tanto real” (50), “posibilitando las personas en cuanto personas” (51). Trata-se da unidade entre duas realidades sumamente precisas, duas pessoas. Eu não seria Eu senão em e por Deus. Sou Eu pela presença formal e constitutiva de Deus em mim como realidade pessoal. Por seu lado, segundo esta causalidade, o homem se entrega a Deus aceitando seu ser pessoal de um Deus que é doador de sua realidade e de seu ser. Deste modo,segundo C. Díaz, “Deus está presente mais que pessoalmente, está presente interpessoalmente” (52). E mais, Deus é transcendente interpessoalmente. Quer dizer que Deus está presente no Eu, fazendo-o ser Eu.A possibilidade de dirigirmo-nos a Deus como um Tu se funda na presença interpessoal de Deus no homem (53). Deus não é interpessoal porque é um Tu, mas, pelo contrário, porque sua tuidad é a expressão humana da presença interpessoal.(b) Deus presente “en las” e distinto “de las” coisasTrata-se da questão da articulação entre mundo e Deus. A realidade divina se relaciona com o mundo? Como se relaciona (54)? Como evitar a transcendência como “separação”, ao menos estrutural, do mundo e também a imanência como “identificação”? Para Zubiri, Deus não é o que há, mas o que faz que haja. Sua presença nas coisas é formal, de modo que a coisa é sua concreta realidade, “pero, por otro lado, está formalmente constituida en la realidad absolutamente absoluta, en Dios” (55). A coisa, além de ser sua realidade, é uma manifestação de Deus, “consiste simplemente en este doble momento de no ser Dios y de estar, sin embargo, formalmente constituida en Dios” (56). Deste modo, uma separação entre o mundo e Deus é inconcebível (57).As coisas, que não são sem Deus, porém, não são Deus, possuem realidade pela presença formal de Deus nelas. Deus está presente intrínseca e formalmente na coisa, constituindo-a como real. Porém, não é a coisa, mas um mais “em” ela, um transcendental (58). O “mais” pertence à realidade, nos é presente nela. Como observa Sáez Cruz (59), o “fio condutor é a transcendentalidade da realidade”. A presença de Deus nas coisas não é visual, mas em forma de notícia: as coisas são notícias da realidade de Deus (60). Logo, “estar en la plena realidad de una cosa es eo ipso estar en Dios em ella. Ir a Dios es penetrar cada vez más en la cosa misma” (61) e supõe conhecer e experimentar mais de perto o que é a realidade. Portanto, Deus não é transcendente “ao” mundo, como concebia a filosofia escolástica, mas transcendente “no” mundo. Há uma mútua inabitação de Deus “na” coisa e da coisa “em” Deus, de modo que Deus mesmo, como princípio fundante (62), se atualiza formalmente “em e pelo” real enquanto realidade (63). O transcendente pode ser, desta forma, o profundo, o “dentro” (64), o “fundo formal” (65) da própria realidade.

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No homem, essa presença de Deus é “própria e peculiar”. Deus é Agente, Ator e Autor das ações do homem por seu caráter fundante. O homem só é real sendo-o em Deus, porém não é Deus senão ele mesmo. É “Dios quien está haciendo con que no sea Dios” (66). Este “não” tem um caráter ativo, pois possibilita que cada homem seja sua concreta realidade e faça ele mesmo seu próprio Eu: Deus não faz meu Eu, mas faz com que eu faça meu Eu. “Si no se mantiene el carácter formalmente activo del “no”, se caería en una de las formas de panteísmo, o en una de las formas de extrinsecismo entre Dios y el hombre” (67).A presença de Deus no homem é “tensão teologal” para seu ser absoluto (68). Deus “está formalmente en mi realidad haciendo con que esta realidad se haga Yo en la realidad divina, sin ser la realidad divina” (69). Daqui se entende a afirmação de Zubiri: “El hombre es Dios finitamente, tensivamente” (70) ou “ser hombre es una manera finita de ser Dios” (71). Essa presença não se dirige à indigência, mas a sua plenitude (72). Deus não é uma realidade da qual nos utilizamos, ou não, conforme seja necessário para suprir nossas deficiências. O Deus da necessidade e da indigência não é Deus, mas uma realidade-objeto que se justapõe à realidade humana. Pelo contrário, Deus é algo constitutivo e constituinte na vida do homem, é o que a possibilita e a leva a sua plenitude, é o apoio último para ser e o motivo que impulsiona (73). Deste modo, deve-se ir contra dois erros. Contra o panteísmo, pois Deus está formalmente nas coisas, mas estas são realmente distintas d’Ele; e contra o agnosticismo, onde Deus seria o grande ausente, o grande estrangeiro do mundo.“La trascendencia de Dios no es ni identidad, ni lejanía, sino trascendencia en las cosas” (74).(c) As coisas como presença de Deus: a deidadeA religación manifesta Deus como fundamento, mas também as coisas como sede e veículo de Deus. Não são Deus, porém mais que meros “efeitos” d’Ele, visto que sua presença é constituinte. “Dios no está fundamentando las cosas como uma especie de espíritu subyacente a ellas; esto sería un absurdo animismo” (75). Deidade e Deus não são o mesmo. Zubiri denomina de deidade ao poder do real, nas coisas, enquanto “último, posibilitante e impelente” (76): “Deidad no es un vaporoso carácter pseudo-divino sino la realidad divina misma de las cosas en cuanto como poder manifiesta su formal constitución en Dios” (77). É uma experiência primariamente pessoal, mas também social e histórica, na qual a idéia de Deus vai adquirindo características sempre mais precisas. “La historia es una magna experiencia histórica de la deidad” (78). “En general puede decirse que la historia de las religiones es la experiencia que los pueblos han hecho de Dios a lo largo de la historia” (79).

II. A EXPERIÊNCIA DE DEUSRecordemos outra vez a questão da religación: o homem é religado, em seu ser, ao poder do real; este é um poder nas coisas reais e, por isso, é uma experiência manifestativa; este poder real é real porque repousa numa realidade-fundamento e constitui a transcendência de Deus nas coisas e, portanto, também na pessoa humana.Logo, resulta que a atualidade de Deus “está incursa de alguna manera en mi propia realidad personal y humana”. “Dios está en el fondo de las cosas y, más especialmente, en el fondo de las personas, fundantemente” (80). Portanto, por um lado, pode-se falar em “Deus, experiência do homem”, porque Deus doa o poder do real, de uma ou de outra forma, com a realidade fundante; por outro, o homem tem experiência de ser absoluto na medida em que é relativo à realidade fundante, Deus (81).1. Conceito de “experiência” em ZubiriA “experiência”, entendida como aquilo que, direta ou indiretamente, pode se tornar sensível, é um conceito fundamental da filosofia zubiriana (82). Nenhum tipo de fundamento é diretamente apreendido nem pode se tornar apreensível. O alcance da fundamentalidad que a razão lhe outorga por princípio não é sensível, isto é, o caráter racional não reside diretamente no tipo de notas que conformam um conteúdo, mas no alcance de fundamento que se outorga a esse conteúdo. “Y esto lo mismo, tratándose del enigma de la realidad que de un problema de física teórica o de biología o de historia. Lo único que variará es el tipo de fundamentación en función de la índole de lo que nos fuerza a ello” (83). Para Zubiri, experiência é uma prova à qual se submete algo; uma prova que não é uma mera comprovação, mas “el ejercicio mismo operativo del acto de probar es probación física de la realidad de algo” (84). Quer dizer, o fundamento outorga à realidade, tal como esta resultou dada, uma nova dimensão de “fondo”, graças à qual os conteúdos dados mostram uma suficiência e uma riqueza intrínsecas. “Probar” (conservando em parte o sentido de “saborear”) essa realidade é a experiência; uma prova indireta, já que o que se prova diretamente são os efeitos que o fundamento mostra na realidade tal como está dada.2. “A parte Dei”, “quoad nos”Segundo Zubiri, Deus é quoad nos “realidad absolutamente absoluta, y em tanto que absolutamente absoluta es como está fundamentando las cosas” (85). Deus está nas coisas como a realidad-fundante, que “da-de-si a la realidad”: Deus é aquele “por cuya presencia está constituida la realidad, porque esa presencia constituye la realidad de lo real en tanto que real” (86). Deus, como fundamento último, não é algo indiferente, estranho. Seria “un triste concepto de Dios” (87). Zubiri opõe-se a qualquer concepção de Deus como algo alheio ao mundo. Deus não é algo “totalmente outro” porque desse modo resultaria inacessível e terminaria num Deus otiosus (88). Deus se manifesta no mundo fundamentando a realidade última das coisas e, ainda que racionalmente, é preciso estabelecer seu caráter transcendente. Trata-se de uma transcendência “en la realidad y en las cosas”, nunca de sua total estranheza.Zubiri prossegue fazendo um pequeno excurso sobre a criação como a “configuración de Dios ad extra” (89). A criação como “la vida misma de Dios proyectada libremente ad extra, por tanto en forma finita” (90). O ad extra equivale, pois,

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a “ser como Dios” (91). Não se trata de nenhum “emanantismo” (92); requer um ato de vontade positiva, um “fiat criador” (93). Zubiri distingue dois tipos de realidades criadas: o das realidades que designa “esencias cerradas” (94) –as coisas que são de suyo– e o das realidades que designa “esencias abiertas” (95) - o homem, que não somente é de suyo, mas também suyo. Conclui dizendo que o modo de “dar-de-si” da realidade fontanal (96) às essências abertas é “donación” pessoal. Quer dizer que Deus doa ao homem a verdade real. Verdade real é a atualidade do real na inteligência enquanto real: “con esa verdad real y en esa verdad real, el hombre, con la donación de Dios, está haciendo su propia persona relativamente absoluta” (97). E por esta razão conclui-se que “forzosamente la donación de Dios como verdad real es justamente donación experiencial (…). Decir, entonces, que Dios es experiencia del hombre, consiste pura y simplemente en decir que está dándose al hombre en un darse que es experiencia”, já que o homem é um animal de realidades, é um animal de experiências (98).Deus se doa de três formas distintas: com a absoluta experiência em forma universal; num segundo momento mais próprio, a doação é uma realidade absoluta –a graça incriada e a graça criada (99)–; e, finalmente, um modo mais íntimo e absoluto de doação que é a verdade real de Deus em pessoa - é o caso da Encarnação segundo a fé cristã, “que, pero, como posibilidad puede ser pensada por la razón humana” (100).3. “A parte hominis”Em sua realidade, o homem está experienciando Deus. Não quer dizer que tenha experiência de Deus, mas que “é” experiência de Deus. Não que Deus seja experiência como a de um objeto, ou um estado em que o homem se encontra, mas que o homem está fundamentado e que Deus é a realidade fundamentante e, por isso, a experiência de Deus por parte do homem consiste na experiência de estar fundamentado fundamentalmente na realidade de Deus: “Yo (…), respecto de Dios, soy una realidad relativamente absoluta (…), porque este carácter absoluto lo tengo cobrado frente a la realidad haciéndome persona (…). Por consiguiente, la experiencia de hacerme persona es la experiencia de lo absoluto” (101). É neste sentido que Zubiri escreveu: “El hombre es una manera finita de ser Dios” (102).A concreção da vida humana como experiência de Deus é a resposta por parte do homem a essa doação fundamentante. E o homem responde com a “fé”, isto é, “La entrega de mi persona a otra persona, en nuestro caso a la persona de Dios” (103).Se a realidade nos possui integralmente, a fundamentalidad real implica uma atitude integral da pessoa. “Es entrega a una persona en tanto que esta persona envuelve verdad” (104). Não se trata de uma verdade comunicada pela pessoa à qual se entrega (105), mas da verdade que é ela mesma enquanto realidade.A fé é um modo de causalidade interpessoal entre a pessoa divina e a pessoa humana (106). Deus, enquanto verdadeiro, está intrínseca e formalmente presente na pessoa, “por esto, entregarse a Dios en la fe es entregarse al propio fondo transcendente de mi persona” (107). E, vice-versa, “la fe en la transcendencia personal es ya fe en Dios” (108). Entregar-se não é abandonar-se –o que seria fugir de si–, ou esperar que Deus faça as coisas por si mesmo, sem intervenção minha –o que seria comodidade ou desespero–. A entrega é atitude e ação positiva, ativa. Neste sentido, toda a entrega assume um caráter concreto: “es acatamiento, súplica y un refugiarse” (109). Acatar não significa, primariamente, obedecer; é algo derivado. É, antes, essa espécie de reconhecimento do relativo que sou frente à pessoa absolutamente absoluta que é Deus. É como que um desaparecer ante Deus. A entrega é também súplica, que é a essência da oração. O homem suplica a Deus como “fortaleza” de sua vida, como seu “refúgio”.Em síntese, acatamento, súplica e refúgio “son momentos de la fe, porque es la fe lo que los hace posibles y necesarios” (110). Pela fé, o homem se entrega à realidade pessoal de Deus enquanto manifesta –é acatamento–, enquanto fiel –é a súplica– e enquanto seu indefectível ser real –é um refugiar-se. Tal é a essência da entrega do homem a Deus, do acesso total do homem a Deus. Dessa forma, o Deus a que se chega não é o Deus dos filósofos, mas um Deus idêntico ao Deus das religiões, a quem cabe adorar e rezar.Esta tripla especificação leva a qualificar o ato da fé como: asentimiento personal, certeza firme e opción libre. Como asentimiento personal há uma incorporação interpessoal em enriquecimento mútuo: “el que se adhiere ha potenciado su propia verdad real en y con la verdad real de la persona a quien se adhiere; se ha hecho, por así decirlo, más verdadero; más manifiesto, más fiel, más efectivo” (111). Como certeza firme, que por seu caráter pessoal implica energia positiva, permite captar a fé também como estado: algo no qual se está porque se recebeu. É a fé em sua dimensão social e comunitária, dimensão que constitui o “mundo de la fe” no qual se nasce e que supõe também riqueza de possibilidades (112). Como opción libre implica toda a realidade da pessoa “en orden a la figura radical y última de nuestro ser relativamente absoluto, de nuestro Yo” (113).Em seguida, Zubiri indica a “relación” que há entre a inteligência e a fé (114). Sua intenção primeira é afirmar a unidade conhecimento-fé (115), distanciando-se do clássico credo ut intelligam/intelligo ut credam (116). Se, de um lado, a fé não pode reduzir-se a uma mera adesão intelectual, de outro, é necessário sublinhar o imprescindível momento intelectivo de qualquer tomada de atitude e de qualquer fé possível, mesmo que não se trate de fé teologal (117). Com certeza, a mera adesão intelectual não leva automaticamente à atitude de entrega, mas, por outro lado, esta necessita imprescindivelmente do momento intelectivo porque se trata de “realidade” e realidade significa sempre o momento intelectivo de toda a possível experiência humana (118). Esta é uma estrutura geral de todo o pensamento de Zubiri, que o próprio filósofo denomina “inteleccionismo”, distanciando-se do tradicional “intelectualismo” (119). Devemos, portanto, opor-nos a qualquer tipo de fideísmo ou de irracionalismo e descartar toda a “fé cega”, pois o acesso ao fundamento é sempre produto de uma busca racional.a) Modos de experiência de Deus

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Um dos modos mais radicais de toda a pessoa fazer experiência de Deus é a vontade de verdade real (120), na qual, frente à mera “voluntad de verdad de lãs ideas”, opta-se por uma entrega sem reservas a essa realidade que nos está fundando.A vontade de verdade real é plasmada num processo intelectivo no qual se oferecem ao homem diversas possibilidades de ser homem. Neste ponto, entra a liberdade como maneira radical de ser realidade absoluta: “ser libre es la manera finita, concreta de ser Dios, ser libre animalmente” (121). A liberdade é “la experiência absoluta del absoluto de Dios” (122).A vontade de verdade real é distinta segundo a índole da realidade a que se dirige. Pode ser: a da realidad-objeto, que revestirá duas modalidades, conforme a consideremos por si mesma (vontade “científica”) ou queiramos fazer algo com ela (vontade “de elaboración”) (123); e a da realidad-fundamento, a qual, por sua própria natureza, sendo em e por si mesma, é sempre “para mí”, porque meu ser se realiza constitutivamente nela. “De donde resulta que en el “para-mí” de la realidadfundamento tenemos a una la verdad real de la realidad y la verdad real de mi persona, mi verdad real” (124).E Zubiri sugere outras maneiras: “la experiencia de la gracia de Dios, o de Dios como gracia” (125), e a vida humana de Cristo, o modo mais absoluto e íntimo de deiformidad, a propósito da qual afirmou: “No era un hombre, además de serHijo de Dios, sino que era la manera concreta como él vivía humanamente su propia filiación divina” (126). A experiência de Deus toca todas as dimensões da pessoa humana. Portanto, é uma realidade individual e pessoal e, ao mesmo tempo, social e histórica, da qual a história das religiões é o documento concreto. Pode-se dizer que Deus é experiência do homem na sociedade e na história. A história, por sua vez, é própria e rigorosamente, dentro dos limites de sua historicidade, uma experiência de realidade (127) e, desta forma, uma experiência de Deus. Zubiri chega a dizer: “La historia es esencialmente experiencial, es Dios dándose como experiencia histórica” (128) e cita, para tal, o caso do pobre de Israel. Nos diferentes momentos históricos de Israel, aquele povo experimenta Deus como “Aquele que é”, o “Deus da Aliança”, o “rei”, o “chefe” de um Estado, etc (129). A história está essencialmente aberta pela própria estrutura intelectiva da razão, o que não significa que ceda a qualquer tipo de relativismo, mas a algo essencialmente distinto que o filósofo chama “aspectualismo” (130).b) Atitudes na experiência de DeusAlém do teísmo, existem três atitudes na experiência de Deus: o agnosticismo, o indiferentismo e o ateísmo. O agnosticismo não consiste numa carência de saber, mas num “proceso intelectivo” real. O agnóstico intelige a realidade como algo que “imperiosamente busca, pero no encuentra” (131). Como todo o homem, “tateia”. O agnosticismo “es un tantear sin encuentro preciso”, no qual brilha, de modo peculiar, a “voluntad de fundamentalidad” (132). Há um outro grande número de pessoas que vive em indiferença fundante. Zubiri a estuda como “una actitud absolutamente precisa” (133), apoiando-se no fato radical do não descobrimento da diferença entre Deus como realidade-fundamento e Deus como realidade-objeto. Isto leva a uma intelecção “indiferente”, na qual tanto importa um Deus ocioso, um Deus fundante, ou um Deus visto com indiferença (134). Há intelecção real do fundamento, porém é indiferenciada: “que Dios sea lo que sea”. À indiferença intelectiva, responde, no campo da vontade, a “despreocupação”.Despreocupação é um estado positivo; não é não-opção, mas estrita opção, a opção por não se ocupar daquilo que “está ahí” indiferentemente (135). O despreocupado vive “dejándose vivir” porque, por detrás de sua indiferença fundamental, o que faz é “afirmar energicamente que vive e quiere vivir”. E fá-lo com uma “voluntad de vivir penúltima”: é a “penultimidad de la vida” (136). O desinteressado de Deus vive na superfície de si mesmo: é vida constitutivamente penúltima.Por último, Zubiri trata do ateísmo. Sendo a religación um fato, comporta a impossibilidade lógica da hipótese atéia (137). É preciso então esclarecer a possibilidade do ateísmo (138). O ateísmo se refere às pessoas para quem Deus “jamás fue problema” (139). A vida não coloca, para estas pessoas, problema algum: é o que é e nada mais. É “vida atea” que repousa sobre si mesma, sem necessidade de ir “contra” nada nem ninguém (140), vida tomada “en” e “por” si mesma “y nada más” (141), “a-tea” no sentido meramente privativo do prefixo “a”. No fundo, talvez não seja um verdadeiro ateísmo, como atesta Zubiri: “Es más bien la divinización o el endiosamento de la vida. En realidad, más que negar a Dios, el soberbio afirma que él es Dios, que se basta totalmente a sí mismo. Pero, entonces, no se trata propiamente de negar a Dios, sino de ponerse de acuerdo sobre quién es Dios” (142). O ateu leva a cabo uma opção, a da “auto-suficiência da vida”, tomada como o que é e nada mais (143). É interpretação do homem como facticidade auto-suficiente (144).O ateísmo radica-se na compreensão do poder do real como um fato e nada mais que um fato, a “pura facticidad” do poder do real (145). No entanto, a realidade segue sendo problemática também para esta pessoa. O que sucede é que o ateu, talvez sem se dar conta, soluciona este problema pela via da facticidade. “El ateísmo es justamente la fe del ateo”146 . Contudo, optar pela facticidade do poder do real é uma “interpretação”, como o é a admissão da realidade de Deus. Deste modo, “el que va a Dios, admite la existencia de Dios razonadamente. Y el que no va tiene que probar que no va. Tiene que dar razones” (147). Zubiri conclui: “Si el hombre descubre la realidad fundamental en su proceso intelectivo y volitivo, de voluntad de verdad, y el ateo no, es que el ateo, a diferencia del teísta que ha descubierto a Dios, se encuentra con su pura facticidad encubriendo a Dios: es el encubrimiento de Dios frente a su descubrimiento. No es carencia de experiencia de Dios. Es una experiencia en cierto modo encubierta” (148).O Cristianismo responde ao ateísmo, quando verdadeiro, através da “manifestação da face genuína de Deus e da religião” e da “adequada exposição doutrinária, mas também de pureza de vida da Igreja e de seus membros” (149). Na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, a Igreja ressalta como a “morte de Deus” leva à morte do homem e do

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humanismo. Em segundo lugar, a fé contesta a impossibilidade do ateísmo dar uma solução satisfatória aos “enigmas da vida e da morte, da culpa e da dor”. Enfim, contesta que o problema de Deus, cuja solução deveria dar sentido à vida do homem, possa não se apresentar, pelo menos “em certos momentos da sua vida e particularmente nos acontecimentos de maior relevo” (150).4. A unidade entre Deus “e” o homemPara explicar a “índole genérica da unidade de Deus “e” o homem”, Zubiri põe de novo em jogo a causalidade pessoal, que induz a um tipo de “unidade-na-distinção”. Usa a categoria da “implicación” e diz expressamente: “Es una manera de estar implicado en Dios y de Dios estar complicado conmigo” (151). “Entre Dios y el hombre hay una distinción real, pero que no solamente no es separación sino que es una implicación formal” (152). Volta a dizer que a pessoa humana não seria pessoa humana se não estivesse de algum modo e formalmente implicada (153), porque o homem é absoluto relativamente, em referência a Deus. Uma coisa é Deus não necessitar dos homens para ser pessoal, e uma outra é que a recíproca seja correta: “Yo no soy Yo más que por la presencia formal y constitutiva de Dios en mi como realidad personal” (154).Zubiri reforça esta implicação entre o homem e Deus com a categoria de “tensión teologal” (155). Em sua religación, o homem está formalmente apoiado em Deus. Este apoio é uma tensão entre o homem e Deus, na qual consiste a essênciateologal da religación (156). Assim, o homem é experiência de Deus ou “tensión teologal” entre dois absolutos, um fundante e outro fundado. “Esta presencia formal constituyente de Dios en la vida del hombre” (157) como apoio é causalidade formalmente pessoal, é “unidad interpersonal tensiva” (158). “La tensidad es formalmente la experiencia del hombre como experiencia de Dios. Y la experiencia de Dios es última y radicalmente experiencia de esta tensidad” (159), “cuya expresión humana y vivida es la inquietud” (160) da constituição de seu Eu. Nesta tensão Deus tem uma função estritamente pré-tensora, sua ação doadora é preponderante e iniciante. Deus tem a primazia absoluta (161). Zubiri conclui dizendo: “Dios, realidad absoluta, está formalmente en mi realidad haciendo que esta realidad se haga Yo en la realidad divina, sin ser la realidad divina. Y en esta unidad es en lo que consiste el carácter experiencial de la ‘y’” (162).Finalmente, Zubiri procura explicar em que consiste esta unidade experiencial pela qual Deus se doa a mim em experiência com a realidade absoluta, constituindome na minha realidade relativamente absoluta. Explica ainda como o homem é experiência de Deus e experiência do absoluto em Deus; como a constituição formal do Eu é uma doação; e como a unidade da tensão teologal é a unidade entre doação e experienciação.O homem pode ser Deus tensivamente de muitas maneiras: na maneira como o homem, que radicalmente é “personeidad”, se afirma e se realiza como pessoa; na graça, no sentido de São Paulo ou do hesed no Antigo Testamento; e de maneira muito superior, no caso de Cristo, que é “aquel modo en el que el Yo es uma reactualización de la suidad, pero de una suidad que no le pertenece, es decir, La realidad substantiva que pertenece a otro” (163). Zubiri conclui El Hombre y Dios sintetizando todo o propósito e a marcha do livro como tal sob a religación: “religación al poder de lo real, entrega intelectiva a Dios en la voluntad de verdad, experiencia tensiva de Dios: he aquí los tres conceptos que expresan tres momentos de un solo fenómeno, de una sola estructura, cuya unidad intrínseca y formal constituye la dimensión teologal del hombre […] como constitución del acto en el cual se afirma como relativamente absoluto en el seno de la realidad en tanto que Yo” (164).

ALGUMAS CONCLUSÕESMalgrado as supressões e acréscimos dos editores, El hombre y Dios pode ser considerada uma autêntica obra de Zubiri. Quem conhece as obras zubirianas pode perceber uma grande coerência entre elas, especialmente se considerar as grandes linhas de seu pensamento: realidade e inteligência, mundo e cosmos, indivíduo, sociedade e história, as conceituações do ser, da verdade, entre outras. A obra é realmente original no campo estritamente metafísico –ou da chamada “teologia natural”– por sua peculiar abordagem do problema de Deus. Segundo Pintor-Ramos (165), a questão em Zubiri não consiste tanto em saber se nosso pensamento encontra algo que possa designar por Deus, mas em que via concreta se coloca seu acesso e qual é o problema a que responde.C. Díaz (166) levanta a suspeita de que Zubiri queria, mas não conseguiu, livrar-se de uma característica própria: a tradição filosófica. Um exemplo: para designar Deus utiliza a expressão realidade-fundamento, e dela diz (tautologia que se repete muitas vezes) que fundamenta, que funda e que é o fundo último. Pois bem, estas são algumas características célebres da natura naturans que ele mesmo rechaça como sendo imanentista (167).As provas clássicas da existência de Deus se moviam em esquemas puramente objetivistas: a) a entificação da realidade divina levava a um Deus-objeto; b) a logificação do conhecimento de Deus faz deste a objetivação de uma prova lógica.Diante desta lógica, os tempos modernos sentiram pura indiferença. Por isso, Zubiri sentiu a necessidade de uma nova fundamentação para o tema de Deus. Para ele, o problema de Deus já está dado na realidade pessoal do homem. O homem descobre Deus a partir desta realidade e como meio de realização em seu viver. Desenvolve uma nova “vía de la religación”, da qual vislumbramos as verdadeiras consequências –o acesso do homem a Deus, o homem como experiência de Deus, Deus como experiência do homem, etc– que implicam uma nova concepção de Deus como realitas fundamentalis (168): a) Deus como realidade pessoal frente à coisificação teísta; b) o problema de Deus como realidade vital frente à objetivação ou conceptualização logicista. Para Zubiri, a estrutura funcional de Deus na vida é: “fundamento (y no objeto), lo es de su plenitud (y no de su indigencia), y lo es en forma de tensión dinámica (y no de

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yuxtaposición)” (169). Implica ainda numa nova visão do conceito de agnosticismo, de ateísmo e de indiferentismo, ou do que denominou “La dimensión teologal del hombre”.

NOTAS:(1) Naturaleza, Historia, Dios, Madrid (1944) 199911. Daqui por diante, simplesmente NHD.(2) El hombre y Dios, Madrid: Alianza Editorial/SEP (1984), 19986, p. 12. Daqui para diante, simplesmente HD. El

problema filosófico de la historia de las religiones, (Edição de Antonio González), Madrid: Alianza Editorial/Fundación Xavier Zubiri, 1993, p. 191. Daqui para diante, simplesmente PFHR.

(3) HD 13.(4) “Ser fundamento es más que ser objeto. El objeto es mero objectum, algo que está ‘frente’ a mí según él es en y por

sí mismo, y en ello se agota su modo de presencia. En cambio, un fundamento es una realidad que ciertamente se me muestra, pero no ‘frente’ a mí sino ‘en’ mi inteligencia, no solo en cuanto en y por sí mismo es lo que es, sino en cuanto está fundamentando mi vida entera” (HD 158-159; cf. também C. DÍAZ, “El hombre y Dios en Xavier Zubiri”: Revista Agustiniana 34 (1993) 165-193, p. 169s).

(5) HD 130, 427.(6) HD 110.(7) HD 116, PFHR 191, 258.(8) HD 134.(9) HD 230.(10) Para Pintor-Ramos, tal posição é “un camino precipitado y refleja un modo de pensar inconsistente dentro de la

filosofía de Zubiri” porque “supondría un salto desde la realidad dada a un ser perteneciente a otro orden heterogéneo, salto que solo sería posible interponiendo entre él y la realidad la mediación de conceptos teóricos de uno u otro tipo” (A. PINTOR-RAMOS, O PROBLEMA DE DEUS E DO SEU ACESSO E A EXPERIÊNCIA DE DEUS 375 “Religación y “prueba” de Dios en Zubiri”: Razón y Fe, Tomo 218, n. 1081 (nov. 1988) 319-336, p. 326-327).

(11) HD 118.(12) “El movimiento o cambio en las cosas, el orden de causas eficientes, la generación y corrupción de los seres, los

grados de perfección en los seres, la homogeneidad en el modo de obrar de los seres” (HD 119).(13) HD 119-120.(14) HD 119. A primeira via se basearia na teoria do ato e potência; a segunda numa concepção crítica da causalidade

eficiente que, segundo Zubiri, não é admissível depois da crítica de Hume; a terceira esqueceria que há seres necessariamente contingentes; a quarta suporia a existência de graus de perfeição nos seres cósmicos, o que não consta; a quinta veria ordenação onde só cabe ver convergência.

(15) HD 121.(16) Zubiri admite que, se partisse do homem e de suas ações, o ponto de partida das vias seria válido (excetuando a

quinta via) porque se trataria de fatos. Para Alluntis Learreta, esta afirmação de Zubiri invalida, em grande parte, sua própria crítica. Se alguém lê a ampla exposição que S. Tomás faz da primeira via baseada no movimento na Summa contra gentiles verá que fala também de movimentos ou ações humanas. Portanto, são vias não somente cosmológicas, mas também antropológicas.

(17) HD 121.(18) HD 122.(19) Ibidem.(20) HD 123.(21) HD 123-124.(22) HD 124.(23) HD 125.(24) Ibidem.(25) Ibidem.(26) HD 127.(27) HD 126-127.(28) Cf. C. ANIZ IRIARTE, “Punto de partida en el acceso a Dios. Vía de la religación, de Zubiri”: Estudios

Filosóficos 35 (1986) 237-268, p. 246.(29) “Via”, para Zubiri, é conhecimento, inteligir inquisidor, é busca do fundamento, é “marcha” da razão (IR 25-133).(30) HD 132.(31) A nível noético, González Álvarez esquematiza a via da religación em oito passos: 1) conhecimento do ser das

coisas do mundo até demonstrar sua contingência radical e a contingência do mundo em geral; 2) conhecimento do homem; 3) nascimento da idéia de dependência do mundo e do homem e necessidade de que se relacionem com um ser suficiente; 4) necessidade de um ser que sustente a contingência e dependência do homem e do mundo, com a qual não é dada; 5) a existência de Deus; 6) conhecimento da relação do homem a Deus; 7) aceitação, por parte do homem, de todos os deveres que tal relação lhe impõe, em cujo cumprimento nasce; 8) a religião (cf. A. GONZÁLEZ ÁLVAREZ, El tema de Dios en la filosofia existencial, Madrid 1945, p. 297-298).

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(32) HD 128.(33) Ibidem.(34) Ibidem.(35) Ibidem..(36) HD 129.(37) HD 134.(38) Ibidem.(39) HD 156, 194, 186.(40) HD 135.(41) HD 230.(42) HD 128.(43) SH 151.(44) A. LÓPEZ QUINTAS, “La dimensión teologal del hombre según X. Zubiri”: A. BABOLIN (aos cuidados de),

Antropologie tipologiche e filosofia della religione. Perugia 1984, p. 245-283, p. 256. Também para A. Savignano, a contribuição de Xavier Zubiri “sublinha com vigor o papel central da “justificação intelectual” (lógica) do problema de Deus” (A. SAVIGNANO, “La dimensione teologale dell’uomo e la teologia fondamentale in Xavier Zubiri”: Aquinas 37/1 (1994) 59-87, p. 63).

(45) Falamos em “justificar” a realidade Deus no mesmo sentido que V. M. Borragán Torre a utiliza em seu “La justificación intelectual de Dios en Xavier Zubiri”: Naturaleza y Gracia 33 (1986) 253-277, p. 269. Justifica unicamente nosso conseguinte caminhar para a realidade já incoativamente atualizada. Supõe nada mais que um primeiro passo.

(46) “La causa, según Aristóteles, puede considerarse bajo cuatro aspectos: como aquello a partir de lo cual algo se produce, la “materia” (en griego hyle) de que se hace algo y que la cosa continúa siendo: el sustrato (el “de qué”); como la “forma”, o el logos, la sustancia o esencia que se manifiesta por la definición, el modelo, la idea o el paradigma (en griego eidos) de la cosa, esto es, el principio organizador y estructurador de la materia que en íntima composición con ella permanece en la cosa (el “qué”); como el “agente” o el iniciador del cambio, el hacedor, el responsable, el origen (el “quién”, el “por qué”); como el “fin” (en griego télos), la finalidad, el objetivo hacia el cual se orienta la producción, con miras a lo cual se hace algo, el bien de la cosa (el “para qué”). La tradición ha dado a estos aspectos de las cosas los nombres de causa material, causa formal, causa eficiente y causa final. Aristóteles aplica este modelo de explicación causal tanto al mundo natural como al mundo artificial, o del arte” (J. CORTÉS MORATÓ; A. MARTÍNEZ RIU, Diccionario de Filosofía en CDROM: autores, conceptos, textos, Barcelona 1996, verbete: “causa, teoría aristotélica de la”).

(47) Inteligencia y Logos, Madrid: Alianza Editorial/SEP, 1982, p. 35-42. Daqui para diante, simplesmente IL.(48) Inteligencia y Razón, Madrid: Alianza Editorial/SEP, 1983, p. 235-241. Daqui para diante, simplesmente IR.(49) IR 241.(50) IR 238.(51) HD 350.(52) C. DÍAZ, “El hombre y Dios en Xavier Zubiri”: Revista Agustiniana 34 (1993) 165-193, p. 178.(53) PFHR 71.(54) Esta é uma das questões mais importantes e profundas abordada pela filosofia de todos os tempos. J. Sáez Cruz

ocupa-se dos conceitos de “Deus” e “mundo” e da relação entre ambos em sua tese doutoral Mundanidad y transcendencia en Xavier Zubiri, Salamanca 1990; e em seu artigo “Mundanidad y transcendencia de Dios em Xavier Zubiri”: Burgense 33 (1992) 467-525.

(55) HD 149; PFHR 258.(56) HD 149.(57) PFHR 69.(58) Zubiri analisa o que significa “transcendental” em Inteligencia sentiente. A realidade é o transcendental no

concreto das coisas reais, porém não como algo acrescentado a suas propriedades, senão sentido nelas. É um “mais” na coisa, mas sem identificar-se com ela.

(59) J. SÁEZ CRUZ, “Mundanidad y transcendência de Dios em Xavier Zubiri”: Burgense 33 (1992) 467-525, p. 471.(60) “Las cosas en cuanto reales nos están “remitiendo” a su propio, intrínseco y formal fundamento trascendente en

que están siendo reales” (HD 189). “Y lo que este Dios tiene El de manifestativo es serlo en forma audio-táctil, esto es, a un tiempo como noticia y nuda presencia en tanteo” (HD 190). A. Torres Queiruga declara que Zubiri poderia aqui ter evocado as idéias de Romano Guardini (Los sentidos y el conocimiento religioso e cf. também Religión y revelación) acerca dos “sentidos e o conhecimento religioso”. Apesar da diferença de linguagem, há uma profunda coincidência de intenção. Ambos querem ampliar a “inteligência” tanto frente ao racionalismo quanto frente ao fideísmo que teme a razão (cf. A. TORRES QUEIRUGA, “Inteligencia y Fe: el conocimiento de Dios en la filosofía de Zubiri”: Estudios Eclesiásticos 64 (1989) 141-171, p. 147.

(61) HD 175.(62) HD 174-176; Sobre el hombre, Madrid: Alianza Editorial/SEP, 1986, p. 25. Daqui para diante, simplesmente SH.(63) IR 46.

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(64) IR 31, 63.(65) Inteligencia sentiente. Inteligencia y realidad, Madrid: Alianza Editorial/SEP, (1980) 19843, p. 184-185. Daqui

para diante, simplesmente IS.(66) HD 161.(67) HD 353.(68) HD 161; PFHR 258.(69) HD 355.(70) HD 356.(71) HD 365.(72) Para Gianni Vattimo, “enquanto São Tomás e a Idade Média pensavam provar a existência de Deus a partir da

ordem do mundo, o pensamento religioso moderno busca as provas de Deus, sobretudo na precariedade e tragédia da condição humana, ao encontrar, naturalmente, muito material à própria reflexão especialmente em tantos clamorosos “fracassos” da razão moderna: Auschwitz, por um lado, e a destruição do colonialismo eurocêntrico, por outro, tornaram insustentável a ideologia do progresso; e hoje, as tantas contradições da ciência-técnica, desde a devastação ecológica até os recentíssimos problemas da bioética, parece que nos devam fazer reconhecer que “agora só um Deus pode nos salvar”, como disse Heidegger (na edição em italiano de A. MARINI, Ormai solo un Dio ci può salvare, Parma 1987)” (G. VATTIMO, Creer que se cree, Barcelona 1996, p. 103-104 [título original italiano: Credere di credere, Milano 1996]).

(73) Por ele, o homem “volverá a Dios para poder sostenerse en el ser, para poder seguir en esta vida y en este mundo, para poder seguir siendo lo que inexorablemente jamás podrá dejar de tener que ser: un Yo relativamente absoluto” (HD 160-161).

(74) HD 176.(75) HD 173.(76) Noutro texto, Zubiri usa o qualificativo instante ao invés de impelente (EDR 235). I. ELLACURÍA desdobra estas

três características fundamentais da deidade ou poder do real numa série de dimensões: 1) um poder “vivo”, que intervém de forma ativa na vida do homem, regulando seu curso e configurando-o desde dentro; 2) “fonte” especialmente das coisas viventes; 3) “fundamento solidário” das coisas reais; 4) “fundamento da organização do real”, visto que a vida aparece em forma de organismo; 5) “poder do êxito”, poder sobre o futuro; 6) “poder próximo, muito nosso”, que afeta intimamente; 7) “poder dominante da vida e da morte”; 8) “poder dirigente da coletividade humana”, especialmente no momento em que a coletividade se via comprometida; 9) “poder do destino”; 10) “poder reitor da unidade do cosmos”, tanto física quanto moral; 11) “poder do fazer sagrado”; 12) “poder das virtudes morais”, quando se busca pôr o supremo modelo dessas virtudes e sua proteção na deidade; 13) “poder que preenche todo” e; 14) “poder que perdura em perfeita perenidade” (cf. I. ELLACURÍA, “La religación, actitud radical del hombre”: Asclepio: archivo iberoamericano de historia de la medicina y antropologia medica, Madrid XVI (1964) 97-155, p. 135-136).

(77) HD 156.(78) HD 157.(79) HD 302.(80) HD 308, 309.(81) Em última análise, ao analisarmos a questão da “experiência”, nos defrontamos com o problema do conhecimento:

do próprio homem e de Deus. Consistindo o homem num estar constitutivamente religado ao poder do real, quando quiser conhecer-se a si mesmo deverá partir das coisas em direção de si mesmo. Quanto ao conhecimento da Divindade, o próprio ser do homem, ao estar religado, é algo afetado por Deus, está sendo n’Ele. Resulta que o conhecimento de mim mesmo, enquanto intelecção de “minha própria e formal realidade profunda” (IR 255) é também um modo de conhecer a Deus enquanto se doa em experiência. Diante disso, González Álvarez deduz, partindo de Zubiri, cinco conseqüências: (1a) Deve-se considerar caduca toda discussão acerca das “faculdades” que primariamente nos levem a Deus. Não se pode ir aonde já se está. (2a) Estamos bem distantes da chamada “filosofia da Ação”, visto que se trata do ser mesmo do homem. (3a) Não há uma experiência religiosa sobre a qual recaia uma reflexão posterior que nos leve ao conhecimento de Deus. (4a) Não faz sentido buscar um método para “chegar” a Deus. (5a) O conhecimento “puro” enquanto tal não resulta mais favorável (NHD 434-436; cf. GONZÁLEZ ÁLVAREZ, El tema de Dios en la filosofía existencial, Madrid 1945, p. 231, 233).

(82) Cf. F. ALLUNIS LEARRETA, “El hombre y Dios”: Verdad y Vida 44 (1986) 61-80, p. 65-66.(83) HD 229.(84) HD 95.(85) HD 311.(86) HD 313.(87) HD 344.(88) “Un dios ocioso es un dios real pero que no interviene en la vida de la persona; la vida del hombre no está entonces

trazada en función de Dios. Es la realidad-fundamento de Dios, reducida a realidad-objeto… En el fondo, el theós de Aristóteles es un dios super-ocioso: no solo no se ocupa del hombre, ni el hombre de él, sino que no puede tener relación ninguna con el cosmos” (HD 260).

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(89) HD 379. Neste caso, segundo Sáez Cruz, Zubiri apóia-se numa metafísica de corte neoplatônico, inspirada na “ontologia integral do ser finito” (NHD 528) dos Padres Gregos (cf. J. SÁEZ CRUZ, “Mundanidad y transcendência de Dios em Xavier Zubiri”: Burgense 33 (1992) 467-525, p. 520).

(90) HD 313.(91) HD 381.(92) NHD 494.(93) Sobre la esencia, Madrid: SEP, (1962), Alianza Editorial, 19855, p. 49. Daqui para diante, simplesmente SE; SH

591.(94) SR 192, 193, 196, 199, 200, 201, 202, 215, 237; Estructura dinámica de la realidad, Madrid: Alianza

Editorial/Fundación Xavier Zubiri, (1989) 19952, p. 100-104, 207s, 323. Daqui para diante, simplesmente EDR. El problema teologal del hombre: Cristianismo. (Edição de Antonio González). Madrid: Alianza Editorial/Fundación Xavier Zubiri, 1997, p. 201. Daqui para diante, simplesmente PTHC.

(95) SR 193-202, 209, 214-218, 224, 227-230, 232, 233, 237, 238; EDR 100-104, 204, 206ss, 219- 225, 312, 323; PTHC 201.

(96) Enquanto realidade “fontanal”, Deus é realidade fundamental e “fundamentante”, não no sentido de uma natura naturans, senão no sentido de que é algo por cuja presença a realidade está constituída. Por exemplo: não é que Deus queime no fogo senão que faz com que o fogo queime; faz com que o fogo queime fazendo que o fogo seja fogo.

(97) HD 316. Não é a verdade lógica ou a verdade de uma afirmação, de um juízo; tampouco a verdade ontológica tradicional, senão algo muito mais elementar.

(98) HD 316, 317.(99) HD 319. Para aprofundar, veja-se T. LEÓN MARTÍN, La gracia en X. Zubiri: de la autodonación de Dios a la

deificación del ser humano, Roma 1998.(100) HD 319.(101) HD 327.(102) HD 154, 327.(103) HD 212; PFHR 81, 83. Zubiri rechaça a definição tradicional de fé concebida como “el asentimiento a un juicio

fundado en el testimonio de otro” como insuficiente. Quer romper, desde o início, os “limites do assentimento intelectual” reduzido a um “juízo”, para compreender a fé como “entrega” (HD 211-212).

(104) HD 212, 221.(105) HD 213.(106) HD 215-216.(107) HD 216.(108) Ibidem.(109) HD 216-217.(110) HD 216.(111) HD 218.(112) HD 218-220.(113) HD 220-221.(114) Sobre tal aspecto da filosofia de Zubiri, pode-se ver o interessante artigo de A. TORRES QUEIRUGA,

“Inteligencia y Fe: el conocimiento de Dios en la filosofía de Zubiri”: Estudios Eclesiásticos 64 (1989) 141-171.(115) “La fe como camino “para” el conocimiento y el conocimiento como camino “para” la fe” (HD 238).

Definitivamente, “la unidad radical de conocimiento de Dios y de fe en El consiste en voluntad de verdad” (grifo do próprio Zubiri) (HD 244).

(116) “Creio para entender”, frase de Santo Anselmo de Canterbury (1033-1109), que resume a postura clássica da primeira Escolástica diante do problema da relação entre razão e fé, tal como aparece sobretudo nos textos de Santo Agostinho e Anselmo. Esta formulação, que dá uma primazia clara à fé, se atenua com outras formulações mais débeis, em que o conhecimento aparece como uma preparação à fé ou uma exigência da mesma: “a fé que busca entender”. Esta última frase de Santo Anselmo (Fides quaerens intellectum) expressa bastante adequadamente a atitude geral de toda a Escolástica: compreender e justificar a fé” (J. CORTÉS MORATÓ; A. MARTÍNEZ RIU, Diccionario de Filosofía en CDROM: autores, conceptos, textos, Barcelona 1996, verbete: “credo ut intelligam”). Para um aprofundamento da questão histórica, remetemos a G. SÖHNGEN, “Credo ut intelligam”: Lexikon für Theologie un Kirche 3 (1959), p. 89-91.

(117) “lo teologal no es lo teológico por dos razones: a) porque lo teologal es tan solo fundamento del saber teológico, pero no es el saber teológico mismo; b) porque lo teologal es ciertamente una dimensión humana, pero es justo aquella dimensión según la cual el hombre se encuentra fundado en el poder de lo real” (HD 382). “Teologal… significa que es una dimensión humana que envuelve formal y constitutivamente el problema de la realidad divina… Lo teológico envuelve a Dios mismo” (HD 12). “Teologal” tem um “sentido de uma propriedade de Deus ou do divino enquanto tal, diverso do “teológico”, que aponta melhor a uma propriedade da ciência teológica ou do divino enquanto término dela” (PTHC 584, nota 1). Nesse sentido, “fé teologal” é a entrega da realidade humana ao poder do real. É a entrega à religación à “ultimidade” que me faz ser.

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(118) A este propósito, González Álvarez afirma: “Não entendo a fé senão incidindo na razão…, e não concebo uma inteligência humana sadia que não se abra à fé” (A. GONZÁLEZ ÁLVAREZ, El tema de Dios en la filosofía existencial, Madrid 1945, p. 302).

(119) IRE 284; SH 457. “Tendência a expressar o que as coisas são somente através de conceitos abstratos, deixando de lado toda consideração concreta e vital das coisas mesmas. Devido a esta primazia exagerada outorgada ao entendimento, normalmente considerada um excesso, o termo é empregado em sentido pejorativo” (tradução nossa) (J. CORTÉS MORATÓ; A. MARTÍNEZ RIU, Diccionario de Filosofía en CDROM: autores, conceptos, textos, Barcelona 1996, verbete: “intelectualismo”).

(120) HD 245-258.(121) HD 330.(122) HD 334.(123) HD 250-251.(124) HD 252.(125) HD 330. Por parte de Deus, abarca todos os seus dons e, por parte do homem, é a experiência de pôr-se nas mãos

de Deus, isto é, a entrega do homem a seu fundamento. Todos os homens têm esta experiência, mesmo que não o saibam (HD 330-331).

(126) HD 331.(127) HD 338.n(128) HD 321.(129) HD 336-341.(130) HD 304.(131) HD 237, 272-273.(132) HD 274-275.(133) HD 279.(134) “Esta indiferencia tiene muchos matices, desde el admitir la realidad de Dios inteligida indiferentemente, hasta, en

el extremo opuesto, una cierta indiferencia respecto de la realidad misma de Dios, pasando por la idea de la ociosidad divina” (HD 277).

(135) HD 278.(136) HD 279-280.(137) Cf. M. MICHELETTI, “La “struttura” del problema di Dio. Criteri di intelligibilità e problema della verità nella

filosofía della religione di Zubiri”: Xavier Zubiri, Perugia 1980, p. 97-116.(138) “Si el hombre es constitutivamente religado, el problema estará, no en “descubrir” a Dios, sino en la posibilidad

de “encubrirlo” (NHD 448).(139) Podem existir dois estilos fundamentais de ateísmo, afirma Ellacuría: “um ateísmo ao qual se chega pela negação

do homem, pela aniquilação de sua riqueza mais radical, e um ateísmo ao qual se chega pela afirmação do homem, seja por exaltação, ou seja, por resignação” (I. ELLACURÍA, “La religación, actitud radical del hombre”: Asclepio: archivo iberoamericano de historia de la medicina y antropología medica, Madrid XVI (1964) 97-155, p. 146). Zubiri se situa na segunda perspectiva, já que possui uma visão positiva do homem e destaca nossa situação como de exaltação do homem.

(140) HD 281.(141) “La persona se implanta en sí misma y la vida adquiere un carácter absoluto. Es lo que San Juan llamó, en frase

espléndida, “la soberbia de la vida”. (…) En ella, el éxito de la vida oculta su propio fundamento, y el hombre se desliga de todo implantándose en sí mismo” (NHD 449). A citação de São João refere-se a 2, 16.

(142) NHD 449-450. No artigo “En torno al problema de Dios”, Zubiri defende “a soberba, o êxito da vida”, como causa do ateísmo. A soberba revestiu três formas –o homem “é” pessoa e “tem” vida e história– donde derivam três espécies de pecados –peccatum personale, peccatum originale e pecado histórico–, que dão origem a outras tantas classes de ateísmo (NHD 451-452). E não falta nem mesmo o antídoto contra o ateísmo: “el fracaso de la existencia que se religa a su puro factum” e que “asegura siempre la posibilidad de un redescubrimiento de Dios” (NHD 450-451).

(143) HD 284. “El ateo, de una u otra forma, hace de sí un Dios” (NHD 155).(144) C. Díaz conclui que: “si la fe es entrega formal a una persona en cuanto verdadera, el ateo se entrega formalmente

a su propia realidad formal como única y suficiente realidad personal verdadera, y en esta entrega consiste la fe del ateo. El ateo se entiende entregado a sí mismo y se acepta como tal; por tanto lleva a cabo una opción, de modo que el ateísmo no es menos opcional que el teísmo” (C. DÍAZ, “El hombre y Dios en Xavier Zubiri”: Revista Agustiniana 34 (1993) 165-193, p. 184).

(145) HD 282-284.(146) HD 284, 282-285. Definitivamente, para Zubiri, o ateísmo é “impossível sem um Deus. O ateísmo é possível

somente no âmbito da deidade na religación” (NHD 393).(147) HD 342.(148) HD 343.(149) Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes 19, 21.

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(150) Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes 21.(151) HD 354.(152) Ibidem.(153) Esta explicação recorda o pensamento de Nicolau de Cusa em dizer que as coisas, o mundo, está complicado em

Deus e que o mundo é a explicação de Deus.(154) HD 352.(155) “A unidade entre Deus e o homem é, por conseguinte, tensão teologal” (HD 354; também HD 161; PFHR 250).(156) HD 363.(157) HD 161. O homólogo do que é a tensão teologal no homem, nas coisas, Zubiri chama de “fontanalidade”

(fontanalidad). “Fontanalidade” é “a presença de Deus nas coisas como constituinte dar-de-si… ‘fazendo que sejam reais’” (HD 177).

(158) HD 354.(159) HD 355.(160) HD 363. Zubiri não se refere à inquietude por ser feliz, mas a algo muito mais radical: “o que vai ser de mim?” e

“o que faço eu de mim mesmo?”.(161) HD 354, 362.(162) HD 355.(163) HD 358. Aqui Zubiri efetua uma interessante explicação da união hipostática em Cristo (HD 358-361).(164) HD 365.(165) Cf. A. PINTOR-RAMOS, “Religación y ‘prueba’ de Dios en Zubiri”: Razón y Fe, Tomo 218, n. 1081 (nov. 1988)

319-336, p. 334.(166) Cf. C. DÍAZ, “El hombre y Dios en Xavier Zubiri”: Revista Agustiniana 34 (1993) 165-193, p. 188-189. Díaz

dirige sua crítica também à magna quaestio do poder do real. Na obra de Zubiri, o poder do real dá a impressão de ser uma enorme atração. Tal sensação é agravada, segundo o autor, pela afirmação de que “o homem não vai a Deus pela indigência, mas pela própria plenitude da vida”. E indaga: “como seria possível fazer-se pessoa à margem da experiência histórica da indigência?”. Por fim, critica o que se refere aos atributos divinos: “nenhum deles está suficientemente justificado; nenhum deles traz novidade ao extenso catálogo histórico de divinis nominibus; e nenhum deles escapa ao que poderíamos denominar ‘traço antropomorfizante’”. Contudo, conclui seu artigo manifestando que o que interessa em Zubiri não são somente seus acertos, senão as aporias férteis das quais se torna possível um avanço no pensar”. Considera “Zubiri o personalista espanhol mais importante” (Ibidem, p. 191-193).

(167) SH 466, 468; EDR 91.(168) HD 326, 327.(169) HD 163.

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Uma religião de experiência:

Revista Nures nº 7 – Setembro / Dezembro 2007 – http://www.pucsp.br/revistanuresNúcleo de Estudos Religião e Sociedade – Pontifícia Universidade Católica – SPExperiência Religiosa e Experiência Humana no séc. XXI: construção de chaves de leitura para o estudo do fato religioso.Eulálio Avelino Pereira Figueira PUC/SP

IntroduçãoEntendemos que os estudos da religião, tomados em chave epistemológica, devem ser observados na base empírica da relação do homem com o sagrado. Esta relação se manifesta na experiência que este homem diz realizar, e que ele enfrenta no seu espaço histórico particular; e não tão somente como conjunto de práticas, ou enunciados produzidos sem sua participação, sem que ele tenha visto neles relação de utilidade para com sua situação. O homem, tal como Eliade definiu, entendemos se percebe tocado pelo Sagrado, vive a experiência do terror Ontológico e necessita responder a este momento aflitivo. Esta experiência é radicalmente humana. Ela se realiza na contingência radical da experiência humana. O homem quer tocar o Absoluto, mas sabe que ele mesmo não é Absoluto.Pretendo neste breve ensaio desenvolver reflexão acerca da imprecisão do termo Revanche do Sagrado, mostrando que nunca houve uma ausência do Sagrado e que “Experiência Religiosa” deve ser o termo a ser usado para falar da experiência do Sagrado. Dito de outro modo: a “Experiência religiosa” entenda-se como o elemento de unidade Homem e Sagrado na Modernidade. Por outro lado afirmar que o Sagrado e portanto a prática que o gerencia na vida do homem do séc. XXI – a religião – não nos permite afirmar que tudo está respondido diante dos conceitos tradicionais acerca da religião.Religião, neste nosso tempo, não pode ser entendida como o foi no século passado e é aí que aqueles que, tal como Nietzsche o pensou, de que a religião um dia viesse a desaparecer, a morrer, estejam hoje atônitos diante de todas as manifestações e expressões do religioso. Assim, os estudos sobre o fato religioso devem ser levados para um novo terreno epistemológico e, muito provavelmente conceitual diante das hodiernas expressões e manifestações da experiência religiosa da humanidade do século XXI. Verificamos que hoje apresentar uma prática religiosa não significa pertencer (no sentido de filiação, ou usando termo do mercado, fidelização) pertencer a esta ou aquela Igreja. Verificamos que muitos crentes – o termo crente aqui empregado refere-se somente a caracterizar quem expressa uma crença e não um tipo de fiel – transitam entre as diversas instituições religiosas e aqueles que se mantêm “fiéis” a determinada instituição religiosa o fazem porque vêem nela uma certa funcionalidade e não porque se sentem devedores de alguma razão hereditária.

A Permanência do SagradoCom certa usualidade ouve-se falar do Sagrado como algo que está retornando ao cenário do cotidiano, como se houvesse, da parte dele um regresso, o que supõe aceitar que, por algum motivo ele (o sagrado) tenha estado ausente, tenha estado desaparecido, ou simplesmente tenha sido esquecido. Assistimos às novas Novelas repletas de discursos sacros e sacralizados. A Novela não mais se limita a apresentar fatos cotidianos desconectados de sua aura mítica e sacral. Mesmo quando trata das questões que em bom discurso positivo diríamos de ciência tal discussão está sempre envolta em questões de mistério e de sacralidade. A novela quer discutir o que Alá tem a dizer do que Deus não disse, quer discutir a aventura do cientista e de sua ousadia ao desafiar o grande criador. Em todas as novelas sempre há uma alusão sobre a existência – necessária ou desejável – de que algo ou alguém se coloque acima do homem simples mortal, impotente diante de sua sede de infinito que conflita com sua “poeira” ontológica.Rubem Alves debatia em seu “beste seller”, da saudosa coleção Primeiros Passos “O que é Religião”, o fato de que os céus e os altares estão vazios dos deuses, portanto teria o Sagrado se escondido ou até mesmo fugido do Homem? Rubem Alves apontava uma possível explicação para a então moderna descoberta de um retorno do Sagrado que começava a ocupar os espaços onde o homem caminha. Rubem, na linha de muitos outros estudiosos aponta este fenômeno como característico de a Revanche do Sagrado. Entenda-se então esta Revanche do sagrado como se este, por algum momento, por algum motivo de férias ou até por estar esquecido, levaria a uma situação à qual o homem não mais lhe daria

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bola, de forma que caracterizaria ter o sagrado, por sua própria culpa ficado refém do esquecimento humano. Outra possibilidade, é aquela onde ele, o sagrado, cansado de tantas incompreensões humanas, meio que “farto” de tantos pedidos de justificação e de provas de manifestação, tivesse resolvido dar um passeio em outras “pradarias”, ou em outras abóbadas celestiais, indo ao encontro de outros seres, outras criaturas mais dóceis que fizessem menos perguntas e colocassem menos exigências de reconhecimento.Assim, parece ganhar voz a idéia de Augusto Comte com sua Lei dos três estados. Depois da idade metafísica caracterizada por uma total submissão da Humanidade às determinações da natureza e depois da idade teológica, onde a humanidade se rodeara de deuses com os quais esperava compreender o mundo, surge em grande pompa a idade positiva, da razão, a idade da inteligência, estas que permitiriam ao homem conhecer, e assim dominar de forma que pelo poder da engenharia, pode criar o mundo que o circunda.O século XX nasce precisamente neste “grito” de que a ciência e a técnica estariam para tudo desvendar, explicar e realizar. O sagrado, aquele que havia servido como uma transcendentalização da natureza, como uma defesa contra os perigos do mundo – um mundo perigoso e sem brilho –, quem sabe um mundo das trevas, da penumbra, que não permitia ver e por isso um mundo ilegível e invisível, perdia sua razão de ser. Ao tempo sagrado sucederia o tempo profano.De fato o Sc. XX parece então surgir num ambiente onde o sagrado fora reduzido a uma dimensão de “ilha” em vias de completa submersão. Assiste-se ao anuncio da morte de Deus, assim como à reformulação da crença, que se desloca da esfera religiosa para a esfera científica. Poderíamos então afirmar que surge uma nova religião: a ciência, ela mesma se institui como religião.Se de fato o século XX nasce neste clima de progresso, onde o obscuro teria dado lugar ao claro, o inatingível ao alcançado, este mesmo século nasce sobe o peso da dúvida produzida pela perda da infalibilidade da ciência, pela relativização das descobertas científicas. Pois desta ciência surgem os fundamentos do modelo teórico do Nazismo, dela surgiu o terrível cogumelo sobre Hiroshima e Nagasaki. Estaríamos correndo o risco anunciado por Sartre ao acrescentar ao postulado de Nietzsche, depois da morte de Deus, eis que se anuncia a morte do homem?Esta morte do homem acelerada pela constatação de S. Freud diante das três grandes humilhações, assim compreendidas pelo pai da psicanálise, que a modernidade havia impetrado. A primeira grande humilhação foi a humilhação cosmológica, quando Nicolau Copérnico desbarata a visão geocêntrica e a substitui pela teoria heliocêntrica, estabelecendo a expulsão do ser humano do centro do universo, lançando-o na periferia das espécies e do próprio universo. A próxima humilhação será imposta pela biologia, decorrente da descoberta de C. Darwin segundo quem as espécies têm sua origem num longo processo evolutivo, o que faz do ser humano produto não de um ato criador, mas de evolução natural, algo eminentemente previsível, desprovido de qualquer caráter enigmático. Por fim, a última humilhação, esta resultado das descobertas do próprio pai da psicanálise, mostra que o “EU” – o que seria esse recôndito supremo do homem – nem dono mesmo de sua própria casa ele é.; pois ele age impulsionado por instintos e desejos que fogem do seu pleno controle. Esta terceira humilhação seria então a mais degradante e terrível, pois ela “fere mortalmente” o ser humano no seu campo fulcral: a personalidade, parece que o mistério do seu humano, em definitivo fica a descoberto. Podemos dizer que neste rol de coisas a engenharia genética atesta semelhante hipótese, ao colocar a descoberto o material que constrói a pessoa.Parece que estas foram algumas das possibilidades oferecidas para que o Sagrado e o Religioso retornassem às grandes rodas da ciência, e desta feita passassem a fazer parada nos discursos da ciência e nas rodas acadêmicas. Há quem diga que a idéia de um retorno do sagrado está ligada a uma forma de resolução de um conflito latente, conflito porque aquele lugar antes preenchido pelo progresso, agora estaria sob o espectro do vazio e vazio estaria o lugar que antes estava ocupado pelos grandes sistemas de sentido. Parece que a ciência e a ideologia abriram um sulco enorme, onde estaria agora correndo um enorme fluido de angustia existencial.Não sou partilhador desta idéia de Revanche do Sagrado, ou seja de que este, em algum momento tenha se ausentado de algum lugar. Sou simpático com a idéia de que, em algum momento as rodas acadêmicas e os acadêmicos não se interessaram mais por falar do Sagrado. De fato este não era mais objeto de interesse, não mais atraía e não mais desencadeava a grande discussão acadêmica. Isto não significa que o Sagrado não permanecesse como interesse de grupos, ainda que diminutos, de estudiosos

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(filósofos, cientistas sociais, economistas e para dizer teólogos). Pois, não fora este grupo, um outro grupo garantia, sem razões de dúvida, a presença do Sagrado e garantia sua presença naquele lugar que é o seu próprio lugar: a experiência que o homem faz da presença do sagrado. Porque, posta esta experiência ele – o ser humano que vivencia esta experiência – se vê impelido a dizer algo, não mais pode ficar calado. Deste grupo podemos pensar figuras como Mircea Eliade, Joachim Wach, M. Meslin, Roger Cailllois, R. Otto, Schleiermacher, mais recentemente, estudiosos como Jacques Derrida, Gianni Vattimo, Vincenzo Vitiello, Eugenio Trías, A constatar pelas viagens na Internet, o grande número de paginas e sites de Universidades e pesquisadores Norte americanos, nomeadamente de linha pragmatista, retomando os estudos de William James acerca da religião e das manifestações religiosas.Portanto, pensar o Sagrado pela idéia de retorno nos leva a supor uma relação de exclusão, ou então uma relação de redução entre o sagrado e o profano. Semelhante critério justifica falar de mundos distintos, em estados distintos o que, dependendo do estado em que se encontrem estes, ou emerge o sagrado ou emerge o profano.Também não me parece que a alternativa apresentada por Durkheim em que sagrado e profano seriam então duas categorias necessárias para se compreenderem, ou seja o sagrado fornece a compreensão do profano e o profano ao sagrado, venha a ser tomada como a explicação para o que foi denominado acadêmicamente como Revanche do Sagrado.

Onde está o Sagrado?Mas o que dizer daqueles povos que não manifestam ou não apresentam uma palavra para sagrado e nem para o religioso? Meslin defende que toda a vida, até a mais cotidiana, é uma sequência de atos sagrados, pois, afirma Meslin, a utilização de um conceito para designar estes atos presentes e percebidos em todas as culturas, povos e gerações, gera de fato um problema na utilização do conceito que é puramente ocidental, mas é aplicado a fatos relacionados com culturas muito diferentes da nossa. Meslin para demonstrar esta preocupação relata uma situação que me parece sugestiva para pensarmos o problema aqui apresentado:Por ocasião de um recenseamento na Nigéria a administração, muito ocidentalizada, tinha previsto três rubricas: Você é cristão? Muçulmano? Pagão?, sem pensar que, para o povo de Lagos, os pagão são os homens nus das tribos que vivem nos planaltos do Norte. Por não se julgarem comparáveis a nenhuma dessas três categorias , eles se recusaram a responder. A administração então mudou a denominação e pediu que escolhessem entre cristão, muçulmano ou animista. Ignorando essa palavra, não responderam de novo. Geoffrey Parrinder (professor na Universidade de Ibadã) foi consultado e aconselhou que perguntassem: você é cristão? Ou muçulmano? Ou ioruba? Quer dizer, você segue as regras e os costumes de seu povo? Compreendendo então a pergunta, eles responderam massivamente, manifestando assim que a religião era vivida por eles na própria identidade da etnia deles. [M. Meslin, Experiência Humana do Divino, Vozes]Os estudos acerca do sagrado e do religioso têm descuidado, ou não perceberam que na maior parte das culturas arcaicas, e não só nestas, como nas culturas tradicionais, a experiência religiosa – o lugar onde se dá a experiência do sagrado, ainda que possamos pensar na experiência do sagrado fora da experiência religiosa – é ela vivida primordialmente como a consciência de um mundo sobrenatural e como o conhecimento de práticas que regem as relações entre o homem e o mundo. Na visão ocidental,- entenda-se: racional – de mundo, parece não caber a idéia de religião que não esteja ligada com a existência de divindades que exigem um reconhecimento explicito por parte do homem e a quem este preste culto, em função de um poder que as divindades devem ter e que, deste modo, estaria garantida uma certa ordem das coisas. Parece então que religião só poderia ser entendida pela função que ela ocupa nas relações humanas e nas suas práticas. Estaria o religare perdido seu sentido e sua força inicial.Na experiência do homem religioso, –não só nas sociedades arcaicas como apresenta Meslin – está presente uma manifestação e um conhecimento do sagrado que a razão ocidental não consegue alcançar. Seria necessário, como aponta R. Otto em O Sagrado, fazer um esforço do Irracional, mas não o informe e o estúpido, o que ainda não está sob o controle da razão, o que, na nossa vida instintiva ou no mecanismo do mundo, é rebelde á racionalização. Mas por irracional devemos entender, diz Otto,

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aquele sentido que tem a palavra quando dizemos a propósito de um acontecimento singular que, pela sua profundidade, se furta a uma explicação racional: Há aqui algo de irracional, dizemos.Chamamos racional na idéia do divino diz Otto ao que pode ser claramente captado pelo nosso entendimento e passar para o domínio dos conceitos que nos são familiares e susceptíveis de definição. Por outro lado, afirmamos que abaixo deste domínio de pura clareza se encontra uma obscura profundidade que nos escapa, não ao sentimento, mas aos nossos conceitos e a que, por esta razão, chamamos o irracional (...) a nossa alma pode encher-se de alegria de uma profunda alegria sem que, neste instante, tenha claramente consciência do fundamento do sentimento ou do objeto com que se relaciona. O fundamento e o objeto da alegria permanecem momentaneamente obscuros. Mas se prestarmos atenção ao motivo deste sentimento, se nele concentrarmos a reflexão, aparecernos-á mais claramente. Podemos, pois, definir o objeto de nossa alegria, nomeá-lo, traduzilo através de um conceito claro e indicar o que é e qual é. Não consideraremos como irracional este objeto. Mas já é uma coisa totalmente diferente a felicidade que nos proporciona o elemento fascinante do numinoso. [O Sagrado. Ed. 70 Lisboa]Para falar do sagrado e das qualidades que dele são constituintes, no dizer de Otto é necessário abandonar aquelas diretrizes e caminhos que a razão nos oferece, porque a boa razão que permite chegar ao sagrado é a má razão: Que me mande chamar quem pode submeter à sua razão a primeira palavra da religião, a palavra santo! Conheço um termo religioso de que a razão consegue compreender uma metade, escapando-lhe a outra metade, o, termo festa. Para a razão festejar não é trabalhar, etc. Mas quando adquire o sentido de solenidade, a palavra esquiva-se imediatamente á razão, é demasiado singular e demasiado elevado para ela. Da mesma maneira: consagrar, benzer. A língua está tão cheia e a vida tão rica de coisas que estão tão longe da razão como dos sentidos. Pertencem todas ao domínio místico. A religião faz parte deste domínio, terra incógnita para a razão. [O Sagrado, Ed. 70, Lisboa]

Onde colocamos o acento da religião? Que Cátedra lhe oferecemos?Sem dúvida, a religião, com todos os seus desdobramentos sempre constituiu, independentemente dos resultados, momento de questionamentos ou de observação dos homens e das suas inquietações, com mais ou em menor intensidade, com mais ou com menos rigor científico.Como apresenta R. Otto, em “O Sagrado” [ Edições 70. Lisboa] para compreender o sagrado não é suficiente ler os livros, e todos eles, aqueles que falam de religião. O que está escrito nestes sobre o Sagrado só pode ser compreendido por quem tiver experimentado o Sagrado, caso não tenha tido alguma experiência religiosa, melhor fechar o livro pois não irá entender o que este diz.

Convidamos o leitor a fixar a atenção num momento em que experimentou uma emoção religiosa profunda e, na medida do possível, exclusivamente religiosa. Se não for capaz ou se até não conhece tais momentos, pedimos-lhe que termine aqui a sua leitura. Um homem pode ser capaz de prestar atenção aos sentimentos que experimentou na época da puberdade, aos problemas gástricos ou até aos sentimentos sociais, e incapaz de estar atento aos sentimentos especificamente religiosos. Com tal homem é difícil tratar de religião. É desculpável se, esforçando-se por tirar dos princípios explicativos de que dispõe, concebe, por exemplo, a estética como um prazer dos sentidos e a religião como uma função dos instintos sociais e um valor social ou se ainda faz dela uma idéia mais rudimentar. Mas o artista que em si próprio faz a experiência estética e lhe reconhece o caracter particular, recusará corretamente aceitar as suas teorias, e mais ainda o homem religioso.[O Sagrado. Edições 70 Lisboa].

Para continuarmos, ainda dentro daquilo que os clássicos nos apresentam, se assim o entendermos, dos estudos da religião ou acerca da religião, o romeno Mircea Eliade, estudioso da religião e do Sagrado, parece-me colocar algo que não tem sido observado com o cuidado que merece ser dispensado.Parece, pois, que o anseio do homem ocidental pelas origens e o primordial o forçaram finalmente a um encontro com a história. O Historiador das religiões sabe atualmente que é incapaz de alcançar a origem da religião. O que aconteceu no princípio, ab origine, deixou de ser um problema para o historiador das religiões, embora possa provavelmente ser um problema para o teólogo ou o filósofo. [Origens, ed. 70. Lisboa].

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Para Eliade não existem fenômenos puramente religiosos, assim como a religião é humana, criada pelo homem, então ela deve ser vista como algo social, econômico, psicológico, algo linguistico, e, evidentemente, histórico porque tem lugar no tempo histórico e é condicionado por tudo o que aconteceu antes [Origens, ed. 70. Portugal]. No entanto Eliade adverte que as abordagens de tais naturezas não podem explicar ou pretender explicar totalmente a religião.No Tempo de Max Muller e de Tylor, os estudiosos costumavam falar de cultos naturistas e de feiticismo, querendo com isso dizer que o homem primitivo adorava objetos naturais. Mas a veneração de objetos cósmicos não é feiticismo. Não é a árvore, a fonte ou a pedra que são veneradas, mas o sagrado que se manifesta através desses objetos cósmicos. Esta compreensão da experiência religiosa do homem arcaico é o resultado do alargamento da nossa consciência histórica.[Origens Ed. 70. Lisboa]A religião, do mesmo modo que outras atividades do humano tais como a arte, pode ser investigada e entendida nos ternos de sua própria cosmovisão. Podemos dizer que é da natureza da religião configurar a experiência através de suas expressivas e marcantes categorias de linguagem e comportamento. Por isso somos levados a dizer que a religião deve ser estudada não só em termos de seus contextos sociais, mas também em termos de suas próprias visões religiosas. Na religião existe o que chamaríamos de o ponto de vista do crente, e que deve ser observado como fato constituinte da religião. A religião não é só uma expressão da sociedade, ou como propôs Durkheim em 1912 nas “formas Elementares da Vida Religiosa”, uma forma fundamental de coesão social. Por isso não podemos pretender colher a religião apenas na manifestação social dos acontecimentos religiosos.

Para o historiador das religiões, o fato de um mito ou um ritual ser sempre historicamente condicionado não explica a própria existência desse mito ou ritual. Por outras palavras, a historicidade de uma experiência religiosa não nos diz o que uma experiência religiosa em última instância é. Sabemos que podemos apreender o sagrado apenas através de manifestações que são sempre historicamente condicionadas. Mas o estudo destas expressões historicamente condicionadas não nos dá a resposta ás perguntas: Que é o sagrado? Que significa realmente uma experiência religiosa?

Em conclusão, o historiador das religiões não aceita o empirismo ou o relativismo de algumas escolas sociológicas e históricas em voga sente-se algo frustrado. Sabe que está condenado a trabalhar exclusivamente com documentos históricos mas, ao mesmo tempo, sente que esses documentos lhe dizem algo mais do que o simples fato de refletirem situações históricas. Sente que, de algum modo, eles lhe revelam importantes verdades acerca do homem e da relação do homem com o sagrado. [Origens, Ed. 70. Lisboa] Podemos afirmar que a religião tem a sua própria linguagem e esta linguagem funciona como uma lei, como um mapa da realidade. Para o crente a linguagem religiosa não é tratada como fantasia nem como imaginação, pois através desta linguagem o crente reformula o mundo em seus próprios padrões.A religião define mundos e lhes dá forma, por isto ela não só postula uma visão de mundo, mas o impregna e o mobiliza. A religião mais do que explicar a ordem do mundo ela a cria, já que ela se constitui como uma fonte geradora de concepções de história, tempo, espaço, cosmovisão, natureza e natureza humana. Assim, a religião não pode mais ser interpretada como produto de conflitos ancestrais, segundo tal interpretação, religião e a sua origem não seriam mais do que uma ilusão, similar ao sono, ao delírio, à neurose obsessiva. Religião seria então o Reino do imaginário por excelência. Mas ainda que se trabalhe com uma referência positiva do estudo da religião na psique humana, tendendo a analisar a religião como algo posto num consciente coletivo e, portanto, mais arcaico do que um consciente individual – que funcionaria como uma espécie de memória ancestral, de sedimentação das vivências da primeira humanidade e que se formaliza em profundas marcas psíquicas: os arquétipos – [ CROATTO, José Severino. As Linguagens da Experiência Religiosa, uma introdução á fenomenologia da religião, Paulinas, 2001] – tais interpretações da religião não esgotam o que deve ser dito acerca da religião e de seu objeto.Podemos pensar a religião como algo que se coloca paralelamente ao governo e à ciência, pois sua linguagem funciona como uma lei e até como um mapa da realidade. A religião não só funda uma visão de mundo, mas ela, a religião, define mundos e lhes dá forma, ela impregna e mobiliza o mundo. As religiões geram modelos duradouros e eternos da realidade e pela sua linguagem as religiões passam a descrever aquilo em que o mundo está fundamentado.

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Seguindo Eliade, a religião distingue-se da ciência e de ser governo exatamente pela linguagem que lhe é própria: As hierofanias – isto é, as manifestações do sagrado expressas em símbolos, mitos, seres sobrenaturais, etc. -–são apreendidas como estruturas e constituem uma linguagem pré-reflexiva que exige uma hermenêutica especial. Há mais de um quarto de século que os historiadores e fenomenólogos da religião tem tentado elaborar esta hermenêutica. Este tipo de trabalho não se parece com os esforços dos arqueólogos, muito embora se possa servir de documentos provenientes de culturas há muito desaparecidas e de povos espacialmente remotos. Por meio de uma hermenêutica competente, a história das religiões deixa de ser um museu de fósseis, ruínas e mirabilia obsoletos e torna-se aquilo que deveria Ter sido desde o princípio para qualquer investigador: uma série de mensagens à espera de ser decifradas. [Origens. Ed. 70. Lisboa] São, de fato as próprias formas de expressão, o mito, o símbolo e o rito – categorias específicas e próprias – que fazem dela religião. Por estas a religião se expressa e é nelas onde a religiosidade pode ser entendida como meio de vivenciar o mundo. A linguagem religiosa não é só um modo de explicar o mundo, visto que a ciência, esta também o faz, mas a linguagem religiosa é o modo, para o crente, de habitar o mundo.Neste sentido, podemos dizer que a linguagem religiosa comunica a experiência do Sagrado sempre presente em todo o homem e de todas as idades. A experiência religiosa tem como finalidade a Transcendência. Nisto ela é uma experiência humana, portanto própria do ser humano, aquele que busca a transcendência. Assim religião, como experiência humana é condicionada por sua forma de ser e pelo seu contexto histórico cultural.Derrida no livro A Religião [resultado do encontro na Ilha de Capri de 28 de Fevereiro a 1 de Março de 1994] pergunta-se como falar da religião e em particular da religião hoje e, mais ainda, como falar na religião no singular, sem ter medo de afirmar tratar-se de assunto antigo e novo ao mesmo tempo e mais, sem correr o risco de necessitar fazer algumas abstrações. Neste desafio Derrida aposta que é necessário fazer algumas abstrações, apostar na mais concreta e na mais acessível, mas também a mais desértica das abstrações:Devemos nos salvar pela abstração ou nos salvar da abstração? Onde está a salvação? (...) Salvar, ser salvo, salvar-se. Pretexto para uma primeira pergunta: será que se pode dissociar um discurso sobre religião de um discurso sobre a salvação, isto é, sobre o são, o santo, o sagrado, o salvo, o indene, o imune? E a salvação será necessariamente a redenção diante ou depois do mal, da falta do pecado? Agora: onde está o mal? A experiência religiosa surge neste esforço humano de harmonia com o são o santo. Por isso esta relação exige ser pensada nos limites da simples razão, por isso é necessário discernir, como bem o afirma Derrida, que a fé nem sempre foi e nem sempre será identificável com a religião, tampouco com a teologia. Mais, nem toda a sacralidade e nem toda a santidade são necessariamente religiosas, no sentido estrito do termo, se é que existe um.Portanto os estudos acerca da religião e da experiência religiosa não podem ficar numa visão modalizante da relação sagrado / profano. A compreensão da religião não se encerra na antropologia. Religião não se define como um conjunto de representações que exprimem a natureza das coisas sagradas e as relações que estas produzem entre si e com as coisas profanas.É necessário romper com a corrente ou correntes que lêem a relação sagrado/ profano em chave do binômio religião/não religião. É importante compreender que a experiência religiosa enquanto, uma experiência humana ela é relacional, portanto é vivência relacional do crente com o mundo, com o outro e com o grupo humano e nesta relação o homem religioso elabora sua experiência do sagrado. A experiência religiosa é humana e, justamente por ser assim, sua relação com o sagrado é essencial, visto que o ser humano tende à totalidade e nesta totalidade está a salvação, salvação que se constitui a relevância da instancia religiosa. Assim, a experiência religiosa é fundamentalmente centrar-se no tema da Salvação, esta entendida como “libertar-se”. Libertar e salvar-se podemos afirmar serem temas constantes na história da humanidade, portanto, libertar-se do lado negativo que são o Nada e a Ignorância, tomando como força a busca da vida, a busca da força e da ordem, ou como bem o apresenta Meslin: É por uma religião que o homem se define no mundo e para com seus semelhantes.É a religião que empresta um sentido e constitui para seus fiéis uma fonte real de informações. Ela é pois para seus crentes modelo de ações e de explicação, porque fornece uma resposta às três ameaças que pesam sobre a vida humana: o sofrimento, a ignorância e a injustiça. [M. Meslin A Experiência Humana do Divino, Vozes, Petropolis]

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Tratar o sagrado e a religião como uma relação dialética, apontando o profano como seu oponente, parece, se tomamos como válido o esforço dos vários estudiosos das ciências da religião, ser “colheita que já deu vinho”.

A religião na esteira do discurso científico.Para se pensar uma epistemologia da ciência da religião, é necessário colocar os estudos no terreno do conhecimento, o que significa levantar a pergunta: o que faz com que algo de verificável possa ser dito sobre o religioso? Reconhecemos que hoje, a discussão deve ser levada definitivamente e com coragem para uma nova fronteira, a fronteira do epistêmico. Trazer a religião para o “palco” do conhecimento e apontar que epistemologia se torna constitutiva e capaz de conferir à ciência da religião identidade de ciência, implica colocar a interrogação: que conhecimento se constitui capaz de dar pertinência epistemológica a esta disciplina? O que, por sua vez, coloca em discussão também a questão sobre o que se pode conhecer. Neste percurso, faz-se necessário também perguntar que epistemologia poderá servir à ciência da religião, de modo a proporcionar-lhe a possibilidade de um trabalho científico nessa área.Constatamos que os estudos sobre o fato religioso têm recebido atenção por parte de várias disciplinas que se ocupam das “inquietações” e expressões humanas. A presença da religião nestas disciplinas, no espaço da academia e nos círculos constituídos por pensadores que, há algumas décadas, vêm colocando a discussão e reclamando o direito de reconhecimento desta ao lugar de ciência, não se questiona mais. Dito de outro modo, a religião e seu estudo têm seu lugar na academia e nos círculos de estudo de pesquisadores e estudiosos, não necessitando mais, como em outros tempos, de justificativa ou pedido de licença para sua presença nestes círculos. Já perdeu relevância a simples e “surrada” argumentação de que a religião é um objeto neutro, e que já existem muitas abordagens que se debruçam sobre ela, não havendo necessidade de mais uma disciplina. Também se esgotou o argumento de que a religião trata de uma ordem de coisas que estão no estrato intimista do ser humano e que, por essa razão, não poderá haver uma disciplina de caráter científico que dela possa se ocupar.È necessário assumir-se os estudos do fato religioso – que propomos como Ciência da Religião – uma disciplina acadêmica que se distingue da teologia e da catequese, não sendo, por tal razão, corretamente empreendido para promover ou impulsionar qualquer tipo específico de crença religiosa. Deverá este estudo oferecer-nos visão menos restrita e menos provinciana da religião, em especifico do que aquela religião na qual fomos educados – e aqui entendemos não apenas os religiosos assim entendidos, mas também aqueles que foram educados como humanistas, ou ateus.Um estudo além dos teístas e dos ateístas Parece-me deveras interessante trabalhar o debate acerca da manutenção ou da introdução i) de uma disciplina de estudos que leva na sua designação Ensino de Religião, Cultura Religiosa ou qualquer outro titulo que alude a abordar, desde uma compreensão interpretativa científica, a natureza e manifestação do fenômeno religioso, partir-se da linha de pensamento que Santiago Zabala desenvolve e expõe em sua Introdução ao debate realizado entre R. Rorty e G. Vattimo acerca da possibilidade do Futuro da Religião.Por nos parecer ser este um trabalho de grande importância, passamos a analisar este material produzido no diálogo entre Rorty e Vattimo, mediado por Santiago Zabala. Zabala indica, já nas palavras de John Dewey, um dos pais do neopragmatismo, a linha de condução de sua proposição para se abordar a natureza dos estudos sobre a religião:

Quero desejar acima de tudo que o futuro da religião esteja ligado à possibilidade de desenvolver uma fé nas possibilidades de experiência humana e na capacidade humana de estabelecer relações, o que há de criar um sentido vital da solidariedade dos interesses humanos e de inspirar ações capazes de transformar este sentido em realidade ii)

Significa partir do princípio que a religião como objeto de estudo se compreende como manifestação humana, na mediada em que expressa um modelo de experiência humana na medida em que ela faz parte da capacidade humana de construir relações. Relações essas que garantem poder afirmar se que a vida faz sentido. Podemos estão responder ou, se assim não nos for possível, pelo menos dizer que se faz compreensível alguém dizer ter uma religião e que por ela orienta sua vida. Mais, é nela que ele (o crente) expressa suas mais profundas convicções que vale a pena viver e que este viver tem um sentido. Religião não se fixa apenas em uma ilusão – assumindo a idéia de ilusão no seu sentido mais originário como Nietzsche a cunhou – (seguir o pensamento de O Futuro de Uma Ilusão), mas ela ganha, na vida e

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nas relações que o fiel seguidor e praticante produz, sentido e praticidade, apresentando-se então como uma fonte não apenas de projeção, mas também de justificação do seu cotidiano e de suas ações.

Cabe ressaltar que em Dewey realidade não é assumida como a velha (clássica terminologia grega) oposição a aparência, mas por realidade se entenda as práticas concretas dos indivíduos e que devem ser percebidas como mutáveis e até distintas entre os vários indivíduos.

Nesta perspectiva Rorty e Vattimo podem ser vistos como os esteios do novo iluminismo capaz de fugir ás garras do objetivismo das ciências humanas bem como ao conceito de cultura pelo qual os seres humanos já estariam como que predispostos a realizarem o que realizam por determinação de uma ordem universal que lhe fosse superior e ulterior, sem que para isso ocorresse qualquer interesse ou funcionalidade. Se há nos seres humanos algum interesse em se adequar uns aos outros isso se faz simplesmente pelo interesse em que tal aconteça e não porque haja uma determinação de algo que seja ulterior a esta praticidade.É neste “caldo” de idéias que Zabala introduz talvez aquilo que entendemos venha a ser o mote do debate da religião em nosso tempo e em nossas sociedades cosmopolitas. Sem dúvida o grande tema que nutre toda a conversa em religião nos círculos humanos de nossa sociedade é o problema acerca da existência de Deus e de como esta assume presença nas relações humanas. Significa assumir que a existência de Deus tem um peso na história da humanidade, pelo menos na história da humanidade que compõe nossa gênese cultural ocidental, o próprio gesto desconstrutivista da filosofia – veja-se o esforço da crítica religiosa, mesmo a mais radical como a nietzschiana – não foi capaz de abolir o debate sobre Deus, então o melhor a se fazer é considerar esta existência com sua influência histórica, no entanto esta presença deve ser observada dentro da devida postura Ironista iii).Entendo e quero propor que uma disciplina curricular introduzida na regularidade das salas de aula de nossas escolas deve ter como objetivo produzir um leque mais alargado de testemunhos, ou como diz Rorty, maior número de audiências, do que poderíamos ter de outra forma e algum entendimento sobre a evolução e as questões históricas, boas ou más, das várias formas de crença religiosas existentes no mundo. Deverá tomar como objeto de seu trabalho a experiência religiosa produzida pelos homens no intuito de interpretar o mundo. Deste modo entendo que o estudo resultado dos esforços do Ensino Religioso pode ajudar, de modo relevante, não só compreender, mas identificar o pensamento religioso da geração contemporânea, ou dito de outro modo: nos ajudar a perceber como homens e mulheres em seus lugares hodiernos produzem razões para fazerem o que fazem e como fazem.A linguagem religiosa não é só um modo de explicar o mundo, visto que a ciência, esta também o faz, mas a linguagem religiosa é o modo, para o crente, de habitar o mundo. Neste sentido, podemos dizer que a linguagem religiosa comunica a experiência do Sagrado sempre presente em todo o homem e de todas as idades. A experiência religiosa tem como finalidade a Transcendência. Nisto ela é uma experiência humana, portanto própria do ser humano, aquele que busca a transcendência. Assim religião, como experiência humana é condicionada por sua forma de ser e pelo seu contexto histórico cultural. A linguagem religiosa não é só um modo de explicar o mundo, visto que a ciência, esta também o faz, mas a linguagem religiosa é o modo, para o crente, de habitar o mundo. Neste sentido, podemos dizer que a linguagem religiosa comunica a experiência do Sagrado sempre presente em todo o homem e de todas as idades. A experiência religiosa tem como finalidade a Transcendência. Nisto ela é uma experiência humana, portanto própria do ser humano, aquele que busca a transcendência. Assim religião, como experiência humana é condicionada por sua forma de ser e pelo seu contexto histórico cultural.Derrida no livro A Religiãoiv pergunta-se como falar da religião e em particular da religião hoje e, mais ainda, como falar na religião no singular, sem ter medo de afirmar tratar-se de assunto antigo e novo ao mesmo tempo e mais, sem correr o risco de necessitar fazer algumas abstrações. Neste desafio Derrida aposta que é necessário fazer algumas abstrações, apostar na mais concreta e na mais acessível, mas também a mais desértica das abstrações:Devemos nos salvar pela abstração ou nos salvar da abstração? Onde está a salvação? (...) Salvar, ser salvo, salvar-se. Pretexto para uma primeira pergunta: será que se pode dissociar um discurso sobre religião de um discurso sobre a salvação, isto é, sobre o são, o santo, o sagrado, o salvo, o indene, o imune? E a salvação será necessariamente a redenção diante ou depois do mal, da falta do pecado?

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Agora: onde está o mal? A experiência religiosa surge neste esforço humano de harmonia com o são o santo. Por isso esta relação exige ser pensada nos limites da simples razão, por isso é necessário discernir, como bem o afirma Derrida, que a fé nem sempre foi e nem sempre será identificável com a religião, tampouco com a teologia. Mais, nem toda a sacralidade e nem toda a santidade são necessariamente religiosas, no sentido estrito do termo, se é que existe um.Portanto os estudos acerca da religião e da experiência religiosa não podem ficar numa visão modalizante da relação sagrado/profano. A compreensão da religião não se encerra na antropologia. Religião não se define como um conjunto de representações que exprimem a natureza das coisas sagradas e as relações que estas produzem entre si e com as coisas profanas.Finalizo reforçando idéia defendida no corpo deste texto de que é necessário romper com a corrente ou correntes que lêem a relação sagrado/profano em termos do binômio religião/não-religião. É importante compreender que a experiência religiosa enquanto, uma experiência humana ela é relacional, portanto é vivência relacional do crente com o mundo, com o outro e com o grupo humano e nesta relação o homem religioso elabora sua experiência do sagrado. A experiência religiosa é humana e, justamente por ser assim, sua relação com o sagrado é essencial, visto que o ser humano tende à totalidade e nesta totalidade está a salvação, salvação na qual se constitui a relevância da instancia religiosa.Assim, a experiência religiosa é fundamentalmente centrar-se no tema da Salvação, esta entendida como libertar-se.

BIBLIOGRAFIACROATTO, José Severino. As Linguagens da Experiência Religiosa. São Paulo, Paulinas, 2001DERRIDA, Jacques. (org.). A Religião. São Paulo, Estação Liberdade, 2000ELIADE, Mircea. Origens, Lisboa Edições 70, s.d.JAMES, William. As Variedades da Experiência Religiosa, um estudo sobre a natureza humana. São Paulo, Cultrix, edição 10, 1995.JANEIRA, Ana Luíza. O Regresso do Sagrado. Lisboa, Livros e Leituras, 1998MESLIN, Michel. A Experiência Humana do Divino, Fundamentos de Uma antropologia Religiosa. Petrópolis, Vozes, 1992OTTO, Rudolf. O Sagrado, Lisboa, Edições 70. S.d.PINKER, Steven. Tabula Rasa, a negação contemporânea da natureza humana. São Paulo Companhia das letras, 2004.PRANDI, Carlo e Giovanni Filoramo. As Ciências das Religiões. São Paulo, Paulus, 1999PRANDI, Carlo e Giovanni Filoramo. As Ciências das Religiões. São Paulo, Paulus, 1999RORTY, R. e Gianni Vattimo. O Futuro da Religião, Solidariedade, Caridade e Ironia. Rio de Janeiro, Relume Dumará2006.RORTY, Richard. Contingência, Ironia e Solidariedade. Lisboa, Editorial presença, 1992.TEIXEIRA, Faustino (org.). A(s) Ciência(s) Da Religião No Brasil. São Paulo, Paulinas, 2001TERRIN, Aldo Natale. O Sagrado Off Limits. A experiência religiosa e suas expressões. São Paulo, Loyola. 1998VATTIMO, Gianni e Richard Rorty. O Futuro da Religião, solidariedade, caridade e ironia. Rio de Janeiro, Relue Dumará, 2006.WACH, Joachim. The Comparative Study of Religions. New York, Columbia University Press 1958

Rodapés:i Faço esta chamada para referir-me tanto aqueles casos onde a religião já é parte constituinte dos currículos das escolas bem como aqueles onde tal fato é somente um desejo ou um projeto.ii In O Futuro da Religião pg. 19iii Ironia aqui assumida na noção empregada pelo velho mestre dos mestres Socratesiv resultado do encontro na Ilha de Capri de 28 de Fevereiro a 1 de Março de 1994

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Uma religião de Discernimento

Em: didaskalia xxxvii (2007)2. 47-68

Discernir o crer cristão. Domingos Terra (Faculdade de Teologia (UCP) – Lisboa)

A vivência da fé cristã é, em princípio, culturalmente situada1. Os traços dominantes dum determinado contexto não deixam de a influenciar. Levantam-lhe questões e impõem-lhe tarefas. É o que se passa com as nossas sociedades modernas, ao juntarem realidades culturais diversas e promoverem a afirmação intensa da individualidade. Apregoam valores díspares na condução da existência e defendem a liberdade das opções sem constrangimentos. Não espanta que quem nelas habita interiorize o pluralismo de referências e propostas que as caracteriza. É uma situação com consequências para a fé cristã. A possível confusão do espírito humano leva esta a preocupar-se com a clarificação da própria identidade. Pode misturar-se com realidades que lhe são estranhas. As formas concretas da fé cristã são passíveis de ambiguidade. Surge a necessidade de as submeter a um discernimento.O verbo ‘discernir’ tem dois significados ligados entre si: ‘ver ou conhecer distintamente’ e ‘estabelecer a diferença entre’. O primeiro sugere a destrinça daquilo que nos interessa no seio duma realidade que se presume confusa. O segundo indica o delinear duma fronteira que separa dois campos. A conjugação destes dois significados ajuda a perceber em que consiste o referido discernimento. É uma tarefa que implica observar, meditar, dialogar. Alia determinação e paciência, rogando sempre a luz de Deus para conduzir o seu avanço.A reflexão, que se segue, pretende mostrar como o discernimento se torna uma preocupação indissociável do crer cristão, no contexto das nossas sociedades modernas. Assim, começamos por referir o acentuar da dialéctica entre as dimensões individual e comunitária da fé, em virtude do reforço da primeira. Depois, vemos como a enunciação da fé no singular vem sendo compreendida e aceite pela Igreja. Notamos inclusivamente como se repensa o enquadramento da fé individual no âmbito desta. A seguir, apontamos a necessidade de deixar o crente exprimir-se na primeira pessoa, ao mesmo tempo que a comunidade eclesial verifica a verdade daquilo que ele vive. São dois procedimentos complementares. Por fim, esboçamos uma epistemologia do acto de crer. Explicamos como a sua verdade integra o ‘dado’ cristão objectivo e o modo de o viver no concreto. Enunciamos os parâmetros que permitem discernir esse acto, respeitando estas duas componentes.

A afirmação do ‘eu’ crenteA fé cristã é uma realidade simultaneamente individual e comunitária. Transmitida pela Igreja através da história, deve ser assumida livremente por cada um. É de esperar que o contacto com a fé eclesial desemboque no acto individual de crer. A fé cristã vive, assim, da bipolaridade constituída pelo ‘eu’ crente e pelo ‘nós’ eclesial. O ser humano acede a ela, implicandose neste último. Faz sua a vida do ‘nós’ e torna-se parte dele. Contudo, a singularidade crente não se dilui no tecido inter-humano da Igreja. O acto que se exprime na declaração ‘eu creio’ assume uma tonalidade particular. É precisamente dessa

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forma que tem valor eclesial. De facto, o rosto da Igreja tece-se na comunhão das decisões individuais da fé. Por sua vez, estas testemunham uma conversão ao modo de existência que a Igreja transmite. O ‘eu’ crente e o ‘nós’ eclesial devem, pois, coexistir numa relação equilibrada. Cada crente é devedor da comunidade eclesial; torna-se aquilo que é, em virtude do contacto com o património da fé que esta traz consigo. A fé cristã é, primariamente, a fé da Igreja que vive. Pré-existe a toda a decisão individual no aqui e agora da história. É certo que ela não perdura independentemente dos actos expressos na afirmação ‘eu creio’. Mas também não se funda neles; nem sequer é o seu somatório2. Tornar-se crente significa abraçar a fé que a Igreja dá a conhecer. Trata-se, antes de mais, de acolher uma realidade posta à consideração da liberdade individual.Ora, a tendência para a afirmação intensa da individualidade, que se verifica nas nossas sociedades modernas, altera a relação entre o ‘eu’ e o ‘nós’ da fé. O primeiro apresenta-se como verdadeiro sujeito face ao segundo. Já não basta dizer que o ‘eu’ bebe o seu ser do ‘nós’. Existe uma verdadeira estética do acolhimento do que é da Igreja. O trânsito da fé do âmbito eclesial para o terreno individual não é puramente descendente. Dá-se, de certo modo, uma ascensão daquele para este. Não se deve esquecer que a fé é moldada em função da estrutura humana de cada um. Nem se podem ignorar as vicissitudes que obrigam a vivê-la de forma acidentada. O ‘eu’ crente já não deriva do ‘nós’ eclesial sem mais. Adquire uma morfologia própria que o destaca deste. De facto, muitos crentes têm dificuldade em experimentar a sintonia entre vivência e eclesialidade. Vêem-nas frequentemente em conflito. A fé individual é percebida cada vez menos na sua relação à comunidade eclesial. Torna-se pouco claro que ela seja necessariamente sustentada pela fé da Igreja. Sente-se uma não-identidade entre ser crente e viver em Igreja. Com a tendência a considerar a vivência individual da fé como o verdadeiro cristianismo, parece difícil identificar este com a eclesialidade. Acha-se que esta deixou de ser um cristianismo autêntico. Há crentes com dificuldade de experimentar a Igreja como o seu espaço vital. Mesmo sem cortar inteiramente a ligação com ela, procuram enquadramentos alternativos de experiência. Pode encarar-se a Igreja como uma realidade que faz frente ao crente individual, limitando-o e incomodando-o com as suas exigências.É comum a dificuldade de aceitar tudo o que a Igreja ensina e ordena. Pode perder-se até o sentido do face a face entre o ‘eu’ e o ‘nós’ da fé, pondo em causa o enquadramento eclesial3. A extensão do desfasamento das vivências individuais da fé em relação à Igreja tem levado esta a rever a leitura que dele faz. Admite que a ideia de não-identidade não será a mais adequada para o designar. Prefere falar duma identificação parcial do ‘eu’ da fé com o ‘nós’ eclesial. A Igreja assume, assim, um olhar mais positivo relativamente à dificuldade de integração de muitos crentes neste último. Abre também a perspectiva duma pedagogia de identificação com ela, sem retirar espaço de respiração ao posicionamento individual no seu seio4.

Diversificação do acto de crerAs modalidades do ‘eu creio’A crescente individualização da vida crente, assim como a sua diferenciação face à fé eclesial, suscitam a questão da identidade cristã. No tempo em que o ‘eu’ crente não se destacava tanto da vida da Igreja, oferecia menos dificuldade localizar o ‘ser cristão’. Este apresentava-se como um universo

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compacto e de contornos nítidos. Distinguia-se melhor daquilo que lhe era estranho. É evidente que a actual diversificação das vivências individuais da fé introduz complexidade no discernimento da identidade cristã.Os crentes sentem-se mais livres na condução dos seus percursos. Não admira que alguns se interroguem sobre a identidade cristã, ao mesmo tempo que procuram viver com seriedade aquilo que são. Talvez a imaginem ainda como algo que é possível objectivar inteiramente diante dum sujeito observador.Porventura não se dão conta de que estão a querer operar uma distinção completa entre os sujeitos crentes e a fé em si mesma. Ora, estes são momento interior da caracterização da fé cristã. Não se pode defini-la, passando ao lado das suas vivências concretas. Importa ouvir o que os crentes dizem daquilo que eles próprios vivem. A pergunta pela identidade cristã requer que se olhe, então, para as múltiplas morfologias do acto de crer.Essa identidade nunca existe enquanto absolutamente diferenciada de cada sujeito que lhe dá corpo. Precisamos, assim, de afinar o significado da palavra ‘cristão’: ‘Cristão’ é um adjectivo. Apenas existem, quão diversos, homens e mulheres ‘cristãos’. À questão posta por este ou por aquele, convém (não sendo possível dar uma resposta precisa: que será para ele tornar-se cristão?) pelo menos interrogarmo-nos: que sentido terá para ele, tendo em conta tudo aquilo que é, o facto de se tornar cristão? É uma exigência de realismo e de respeito5.O acentuar da liberdade individual na condução da própria existência altera a relação de equilíbrio entre herança e decisão no viver da fé. Esta sempre foi e continua a ser mistura de recepção e construção. Acolhe-se a fé cristã comunicada por outros, ao mesmo tempo que se lhe dá uma nova configuração. Mas hoje esta segunda vertente apresenta-se com mais força.A identidade cristã é algo que se torna menos herdado e mais construído6. Convém ter presente que receber e recriar não constituem aqui duas etapas sucessivas. São dois momentos que se interpenetram num único acto. Acolher a fé é já conferir-lhe uma forma particular. Ela tem de se inscrever num universo individual, isto é, num terreno humano feito de percurso passado, estrutura psicológica e condicionalismos exteriores. Os próprios testemunhos da fé revelam quão individualizados são os modos de a acolher. Há neles verdadeira construção desde o início. Não é possível distinguir claramente entre chegar ao contacto com a fé, fazer a sua apreciação e finalmente aderir a ela. O elenco destas acções serve como exercício de reflexão; mas não retrata com fidelidade aquilo que se passa na prática. Tornar-se crente é um salto qualitativo na existência que implica o ser humano como um todo. Ocorre a um nível em que a diversidade das actividades se resolve na unidade do próprio ser. De facto, compreende-se que o simples contacto com a fé cristã comporte já uma apreciação, pelo menos instintiva, desta. De igual modo, não é de excluir que esse contacto provoque desde logo um movimento do coração humano. A interpenetração destas acções pode não ser perceptível no acesso à fé. Mas não será difícil intuir que todas as faculdades humanas se vêem implicadas desde o primeiríssimo instante do contacto com ela. O acesso à fé é um único movimento que reveste forma activa. Percebe-se, assim, o sentido da palavra ‘apropriação’ quando aplicada neste contexto. Apropriar significa ‘fazer seu’: uma expressão que comunica a ideia de actividade e também de individualidade. É-se crente porque se abraça, duma forma particular, a fé cristã. Dá-se uma espécie de cumplicidade entre o ser humano concreto e a fé que vem ao seu encontro.

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Digamos que cada um a recebe do modo que lhe é existencialmente possível. A fé cristã é hoje acolhida de forma mais subjectiva. Não admira, pois, que a sua fisionomia dependa das múltiplas individualizações por que passa. O problema do ‘crer juntos’Perante a diversificação das vivências da fé, importa perguntar sobre as novas condições do convívio eclesial. Trata-se duma questão pertinente pelo facto de a bipolaridade, já referida, entre o ‘eu’ crente e o ‘nós’ eclesial ser constitutiva da fé cristã. O comportamento mais individualizado do primeiro termo deste binómio terá consequências no funcionamento do segundo. É óbvio que a configuração do ‘nós’ eclesial depende da teia de relações entre os diversos ‘eu’ crentes. A reivindicação de maior liberdade individual leva-os a diferenciarem-se mais uns dos outros. Pode conduzir também a maior distância entre eles, diminuindo a sua co-presença no âmbito eclesial. A este declínio da familiaridade física pode juntar-se até o afastamento psicológico. Não se deve ignorar que a menor frequência de espaços e ocasiões comuns e a menor comunhão de ideias são capazes de se repercutirem espiritualmente nos próprios crentes. Convém estar atento ao que parece ser o ciclo de auto-reforço da individualização da fé. O hábito de se afastar das directivas e práticas eclesiais só vem alimentar a tendência para os percursos independentes. Importa, pois, evitar que esta provoque a desagregação do tecido inter-humano formado por todos os que vivem a fé. Os crentes devem integrar-se num processo de reconhecimento mútuo, que os faça ter presente o parentesco que os une. Ora, uma vez que a tendência para a individualização da fé parece prolongar-se, é preciso pensar de novo o que assegura o carácter gregário da realidade eclesial: «Como articular os crer individuais e um crer colectivo, em que aqueles não se fundam, mas devam coexistir na sua diversidade e eventualmente na sua contradição?»7A ligação da fé individual ao âmbito eclesial ajuda-a a evitar possíveis desvios. A verdade da fé cristã vive precisamente dos dois pólos dessa relação.Por um lado, não se confunde com as opiniões de cada crente, que podem até padecer de subjectivismo. Não se extrai sequer do seu somatório. Por outro lado, a verdade da fé não se esgota nos aspectos da vida da Igreja que são facilmente objectiváveis. Transcende tanto a experiência como a eclesialidade; associa vivência subjectiva e facto objectivo. É preciso «articular indissoluvelmente ‘a interioridade da fé’ e ‘a autoridade do dogma’, mesmo que estes dois elementos pareçam incompatíveis»8. Não se deve, pois, querer definir os contornos da fé cristã com precisão matemática. Não é possível traçar-lhe claramente um perímetro que a distinga de realidades que lhe são estranhas. Afinal, a fé comporta a dimensão do mistério. Vai para além do visível e descritível. Nas profundezas da vivência crente, a palavra modera-se, o olhar espreita, o coração espera a luz que o faça avançar para novas paragens. A fé avança aí segundo um ritmo que não pode ser determinado pelo próprio crente. Tem-se a impressão de entrar num campo onde é sobretudo o transcendente quem dita as regras. É também possível que, no desempenho da vida eclesial, se perceba como certas objectivações da fé dão testemunho duma realidade maior. Aludem a algo que vai para além delas mesmas. Contudo, não é por ser difícil precisar os contornos da fé cristã que se desiste de estabelecer a sua identidade. Tem de se continuar a perguntar em que ela consiste, onde se detecta, que efeitos provoca. É preciso descobrir um novo caminho para a identificação da fé cristã, já que não pode ser pelo estabelecimento dum perímetro. A verdade da fé tem de assentar numa

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‘coluna vertebral’ que lhe dê robustez identitária e, ao mesmo tempo, maleabilidade de pluralização. Devem procurar-se os traços fundamentais da fé cristã, que, conjugados entre si, permitem o seu desenvolvimento autêntico e fornecem uma grelha de leitura das suas múltiplas manifestações. Consegue-se, assim, uma base de reconhecimento aberta às suas fisionomias concretas, díspares e mesmo surpreendentes. Com este modo de averiguar a verdade da fé, não se tem medo de lidar com as ambiguidades da sua prática. Não se tenta protegê-la de formas menos evidentes, possibilitadas pela sua inscrição nos terrenos humanos mais diversificados.Isto não significa pactuar com o que possa haver de equívoco nas manifestações concretas da fé. Quer-se, pelo contrário, situar estas no âmbito da eclesialidade, precisamente porque, sendo mais difícil, se torna mais necessário.É preciso repensar o modo como a fé individual se enquadra no ‘nós’ eclesial, a partir do momento em que se torna mais construída que herdada. Crescendo a liberdade do ‘eu’ crente relativamente à comunidade eclesial, terá de mudar a atitude desta perante ele. De facto, não se deve interpretar a relação entre o ‘eu’ crente e o ‘nós’ eclesial segundo um jogo de forças aritmético. Não seria correcto considerar que ao maior peso do primeiro corresponde uma menor importância do segundo. A tendência cultural dos nossos dias para um maior controlo subjectivo da realidade com que se lida não traz necessariamente consequências negativas para a dimensão da eclesialidade. É certo que o reforço da afirmação do ‘eu’ em matéria de fé tem riscos. Mas não convém cair demasiado depressa numa avaliação moral desta tendência. Começar por descrever a situação em que a fé cristã se encontra nas nossas sociedades modernas revela-se mais produtivo.Deve encarar-se a nova fisionomia da fé, que daí resulta, na perspectiva dos sinais dos tempos. Se o maior peso do ‘eu’crente face ao ‘nós’ eclesial põe problemas, também traz novos desafios. A responsabilidade do ‘nós’ não diminui face àquele; apenas se altera. É de prever até que seja agora maior que noutros tempos. Quando o comportamento do ‘eu’ era mais previsível em matéria de fé, a comunidade eclesial tinha a sua tarefa facilitada.Podia ficar-se por procedimentos mais ou menos automáticos. A maior independência do ‘eu’ crente, assim como a morfologia provavelmente irregular do seu percurso, obrigam a Igreja a pensar melhor a sua actuação. Pode não tratar-se apenas duma nova atitude face às múltiplas versões da fé individual. É possível que a Igreja chegue mesmo a rever a imagem que tem de si própria. Novos procedimentos, sobretudo quando são de carácter estrutural, tendem a implicar uma nova forma de ser.Espera-se que a Igreja não se examine apenas por força das circunstâncias, mas com a vontade de seguir a indicação que Deus faculta por dentro das alterações da história. Convém que se disponha a aprofundar e renovar a compreensão de si mesma, como uma exigência de fidelidade à sua missão.Esta evolução está longe de ser uma subversão daquilo que a Igreja é. Consiste, antes, no despertar para algum aspecto que sempre lhe foi próprio, mas não teve ocasião de se evidenciar em situações históricas anteriores. A Igreja tem já em si um potencial de resposta às novas necessidades. Agora, precisa de se configurar como a ‘casa comum’, que não só dá espaço para maior diversidade de percursos individuais, mas também lhes confere o enquadramento identitário. O ‘eu’ crente quer mover-se com mais liberdade na busca de Deus, assim como na construção da própria existência. Compete à

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Igreja permitir-lhe isso, ao mesmo tempo que lhe oferece a bússola que o ajude a não incorrer em ideias e práticas alheias à fé cristã. É neste sentido que a reflexão sociológica sugere à Igreja uma nova compreensão de si própria. Considera que ela não deve ser duma solidez compacta que relegue a singularidade dos percursos da fé para o plano secundário. Há que vela como «um agrupamento humano que funciona por referência»9: permite múltiplos posicionamentos do ‘eu’crente em relação ao património colectivo da fé cristã.

A aferição do acto de crerEscutar a enunciação individual da féO crente procura o seu jeito de viver o que a Igreja proclama. Gosta de controlar os tempos e os modos do seu próprio percurso. É preciso contar também com os condicionalismos que influem inconscientemente na forma como o conduz. Tudo o que contribui para a singularidade de cada crente tende a ser valorizado hoje como positivo; este considera-a como um direito. Mas relacionar-se duma forma particular com a fé da Igreja não tem que implicar necessariamente marcação de distância em relação a ela.O crente, que atingiu certa maturidade, não se concebe como o outro da realidade eclesial. Não se define pela negativa face a ela. Considera a Igreja como coisa sua, ainda que dê a este pronome possessivo uma coloração muito própria. Não quer dizer que haja sentido de propriedade sobre a realidade eclesial, ao ponto de eliminar a alteridade que esta representa face ao crente individual. Pode significar apenas a vontade de abordar essa realidade de maneira vincadamente particular. O crente quer-se implicado na Igreja, mas dum modo que lhe pareça mais conveniente. Não rompe a ligação a ela, mas procura desenhá-la de acordo com os seus desejos. A objectividade eclesial vê, assim, o seu peso diminuído face a uma atitude marcadamente subjectiva. Na verdade, o facto de a fé individual ser agora mais construída que no passado significa que a sua ligação à realidade eclesial também o é. A fé proclamada pela Igreja vê-se submetida ao molde dum acto individual bastante condicionado pelo campo da sensibilidade. É uma tendência que se nota, muitas vezes, no modo como se dá conta da própria fé. «O crer contemporâneo já não se enuncia sob a forma de ‘eu creio nisto ou eu creio naquilo’, mas sob a forma de ‘eu creio que’, com tudo o que há nesta formulação de dúvida e de decisão»10. Percebe-se que a actividade de crer é mais circunscrita na primeira fórmula do que na segunda. As palavras ‘nisto’ ou ‘naquilo’ aludem ao objecto explícito do crer. Este está claramente orientado e, como tal, delimitado.Na segunda fórmula, o objecto do crer está ainda em processo de definição. O pronome integrante ‘que’ é apenas o início da explicitação desse objecto. São necessárias mais palavras para o indicar, em comparação com o que se passa na primeira fórmula. O objecto do crer não aparece totalmente feito para ser simplesmente acolhido. Não há distinção absoluta entre dois momentos: apresentação da fé eclesial primeiro, recepção individual depois. O objecto do crer é construído à medida que é acolhido e consequentemente vivido.A partir do momento em que o crer é fortemente marcado pela subjectividade de cada um, torna-se mais difícil averiguar a sua existência. Quando ele era tido como uma espécie de produto acabado, apresentado pela Igreja à adesão individual, percebiam-se-lhe facilmente os contornos. Estava mais à vista de todos. Podia-se pôr a fé cristã em números, percentagens e gráficos. Mostrava o que valia quantitativamente no conjunto da sociedade. Note-se que ela foi

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desde sempre conjugação de dado exterior e implicação interior. Mas esta segunda componente parecia intervir menos no ser da própria fé. Era tida essencialmente como o cumprimento daquilo a que se aderia. Por isso, não se esperava que a fé cristã sofresse modificação ao ser acolhida por cada um; era aceite e praticada. Supunha-se, assim, facilmente objectivável. Para saber onde estava a fé cristã no tecido inter-humano da sociedade, bastava olhar para a sua prática ritual. Pela expressão numérica desta, ver-se-ia a sua pujança. Ora, a articulação de dado exterior e implicação interior na vida crente alterou-se. Aderir à fé, que a Igreja dá a conhecer, já não é apenas pô-la em prática. Antes disso, consiste em interiorizá-la de acordo com a estrutura humana de cada um. A experiência individual tornou-se mais vincadamente momento da fé cristã. Esta já não é, pois, facilmente medível. Não aparece tão claramente exposta ao olhar dum observador externo; é menos coisificada. Hoje a fé individual vai bastante para além das suas práticas. Estabelecer os seus contornos afigura-se mais complexo, uma vez que se deve ter em conta o espaço da interioridade. Este difunde-se até às profundezas humanas difíceis de sondar. Não se chega aí a partir de fora. Revela-se inadequado aquele procedimento que, sendo «mais objectivo e morfológico que subjectivo e psicológico», «confiava deliberadamente a palavra mais ao observador que ao observado»11.Doravante, só se pode averiguar a vivência da fé cristã pondo cada crente a falar do que vai dentro de si. Tal não significa que o papel do observador externo seja eliminado. Quer dizer que este não terá acesso directo ao que quer detectar: apenas por intermédio do próprio crente que fala na primeira pessoa. Só este poderá perceber e verbalizar com mais profundidade aquilo que vive. É provável que mesmo ele sinta alguma dificuldade neste exercício, dado que a experiência da fé recusa-se a caber naquilo que dela é consciencializado.Importa prestar atenção ao tecido das palavras com que o crente dá conta da própria fé. De facto, para examinar a vivência desta, não basta passar da observação objectiva para a escuta do enunciar subjectivo. É preciso interpretar o discurso produzido por aqueles que falam da sua fé. As palavras que eles pronunciam vêm imbuídas do universo existencial donde brotam. Por isso mesmo, o vocabulário da fé nunca é inteiramente impessoal. Este é produzido no âmbito eclesial. Mas seria ilusório pensar que a linguagem da Igreja tem o mesmo eco em todos os crentes. Não se põe, aqui, em causa o sentido objectivo do vocabulário da fé. Se dependesse unicamente da opinião de cada um, correria o risco de se perverter. Mas é no convívio das múltiplas vivências da fé que esse sentido objectivo se realiza. A partir do momento em que ela é apropriada individualmente, a sua prática aparece como ponto de confluência entre o objectivo e o subjectivo. O significado das palavras usadas na expressão individual da fé brota dessa confluência. Convém, pois, evitar juízos apressados sobre o modo como cada um exprime a fé cristã. É preciso ouvir as suas palavras tendo como pano de fundo a carne da própria existência. O vocabulário da fé vem revestido da condição humana de cada um. Traz consigo uma problemática e uma visão existencialmente situadas. É de prever que as palavras habitualmente pronunciadas nos testemunhos individuais da fé não tenham um significado unívoco. Sendo exteriorização do que é vivido, estão carregadas de conotação. Desta forma, para apreciar a expressão individual da fé, é preciso ouvir por detrás do que é dito; importa perceber também os silêncios.

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Aquilo que o crente está a comunicar pode não coincidir com a primeira impressão que o seu vocabulário dá12. Ser crente é o resultado do encontro entre uma busca pessoal e uma oferta que chega do exterior. Por um lado, o ser humano procura construir uma identidade por entre as situações e experiências que compõem e configuram a existência. Trata-se dum percurso de descoberta de si próprio, de atribuição de sentido ao que acontece e de formulação de propósitos para a vida. Por outro lado, Deus, ao dar-se a conhecer, oferece um caminho de construção de tal identidade. A sua interpelação leva a reler a história pessoal e a atribuir um novo sentido à existência. Deus responde, assim, àquela interrogação de fundo que motiva toda a busca pessoal. Não distrai dos aspectos que fazem parte da vida de qualquer ser humano: sucessos e fracassos, certezas e dúvidas, avanços e crises. A fé cristã permite um novo olhar sobre tudo isso, sem reduzir nem distorcer. Ser crente é ler a trama da própria existência à luz da palavra pronunciada pelo Deus que se manifesta. Esta introduz na vida um novo horizonte.Permite elaborar uma narrativa que confere unidade e sentido ao percurso individual. Assim se desenvolve a «intriga da existência crente», através de tudo aquilo por que esta vai passando13.Proceder à verificação eclesialA partir do momento em que a busca individual de identidade se abre à proposta da fé cristã, compreende-se que esta seja vivida com uma tonalidade particular. É de esperar que a existência crente assuma a espessura das inquietações profundas de cada um. A Igreja é exortada a não impor a todos uma fé inteiramente concebida de antemão. Contudo, o respeito da diversidade dos percursos crentes precisa de ser complementado por um processo de sentido inverso. Juntamente com a escuta e o acolhimento das vivências individuais da fé, deve fazer-se um discernimento eclesial. Conjuga- se, assim, a abertura à livre acção do Espírito com a verificação da sua autenticidade14. Quanto mais diferenciados forem os rostos individuais da fé, tanto mais necessário será submetê-los a um discernimento. Percebe-se que este se torne uma das principais tarefas da Igreja, quando a fé tem de ser vivida no seio da atmosfera cultural da afirmação intensa da individualidade, difundida nas nossas sociedades modernas.Conjugar a abertura à singularidade crente e a verificação eclesial da sua verdade está de acordo com uma sabedoria que não é exclusiva da Igreja. Revela a compreensão de como se constrói toda a identidade individual.O processo de se fazer cristão é encarado como um modo de estruturação da pessoa. De facto, duas condições são requeridas para que o ser humano se construa. Primeiro, é preciso estar integrado numa colectividade. Aquilo que se é depende duma pertença. O ser humano só cresce enquanto historicamente situado. Depois, é necessário poder pronunciar-se na primeira pessoa. Os outros devem mostrar-se disponíveis para escutar a palavra que assim surge. Espera-se que seja inteligível pelos que integram a pertença comum, mas marcada pela carne da existência singular donde brota. Vê-se, pois, que identidade individual e situação histórica vão juntos. É precisamente este o raciocínio que podemos aplicar ao âmbito da Igreja. Fazer-se crente requer a filiação no espaço da fé. Implica situar-se na comunidade dos que a vivem e proclamam. Mas exige também a possibilidade de dizer a fé na primeira pessoa. A comunidade eclesial deve atender a esta dupla necessidade: escutar primeiro, para verificar depois15.

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Convém ter presente que a verificação dos percursos individuais da fé não se opera no seio duma realidade comunitária estática. A identidade colectiva onde se enquadram as diversas fisionomias da vida crente é evolutiva. Digamos que as dimensões individual e colectiva da fé são ambas móveis. Isto vem acentuar a necessidade da abertura à singularidade de cada crente. Mas reforça também o cuidado a ter na verificação do que ele vive. Uma Igreja que se sabe em mudança tenderá a ser mais humilde no discernimento dos comportamentos individuais da fé. Mas quererá evitar igualmente que as distorções desta perturbem a evolução da comunidade crente no seu conjunto. A Igreja tem consciência de nascer e crescer sempre que uma nova pessoa acede à fé cristã. Considera cada entrada na vida crente como um momento de ‘eclesiogénese’. A Igreja sente que ela própria está em causa na forma como cada um vive a fé. Deve estar, então, atenta às ocasiões do seu constante nascimento e crescimento. Estamos a falar duma tarefa que não compete apenas à hierarquia da Igreja. O conjunto da comunidade eclesial é quem vive e exprime a fé. Toda ela, enquanto crente e falante, deve examinar as fisionomias da fé que vão surgindo no seu seio16.O sujeito da verificação eclesial, assim concebido, parece mais apto a respeitar o que possa surpreender na singularidade crente. Ele terá a ocasião de averiguar se e em que medida se revê numa dada vivência e expressão individual da fé. É um processo que implica proximidade e tempo: duas condições que se fundem na ideia de acompanhamento. Convém ter a noção do que é viver a fé cristã numa realidade histórica concreta. Para tal, não é possível contar com a comunidade eclesial no seu conjunto. Esta não consegue estar presente em todos os momentos, lugares e situações da existência crente. Mas podemos pensar nas comunidades eclesiais de dimensão local.Não se trata necessariamente das que correspondem ao espaço paroquial.Existe, aliás, em algumas destas, défice de sentido comum. A verificação das fisionomias da vida crente pode ser feita pelas inúmeras equipas de formadores na fé. Refiram-se as que são responsáveis da catequese dos diferentes escalões etários. Mencionem-se também as que acompanham os que chegam à fé pela primeira vez ou regressam a ela após um período de afastamento. Não se esqueçam ainda as que se dedicam a outras actividades pastorais. É importante que a aferição da verdade das vivências da fé, exercida pelas comunidades eclesiais in loco, seja um trabalho marcadamente experiencial. Reconhece-se a vida de cada um através daquilo que se vive colectivamente. De igual modo, a forma como este ou aquele se exprime é avaliada à luz da linguagem habitual da comunidade crente.Fica claro que a definição dos contornos da fé da Igreja passa por cada crente. É este quem a diz para o mundo de hoje. A Igreja tem consciência de que o seu rosto se tece na multiplicidade das vivências e expressões individuais da fé. Sabe que não existe sem estas. Mas lembra também o dever de cada um para com ela. O crente é, de facto, chamado a justificar a sua fé perante a comunidade eclesial. Tem de lhe mostrar a verdade daquilo que vive. Não se pede à fé individual que seja mera reprodução do que a Igreja proclama. Nem convém que tal aconteça. Exige-se apenas que dê provas de congruência com a verdade testemunhada pela Igreja. Além disso, cada crente deve participar na construção da verdade eclesial juntamente com os outros. Tal consegue-se pela partilha dos testemunhos. Cada um terá a possibilidade de dirigir a palavra aos outros. Há tempo para falar e também para escutar. Não basta que os testemunhos coexistam, argumentando que cada um tem a oportunidade

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de se exprimir. É preciso que se confrontem mutuamente. A palavra dos outros tanto pode confirmar como corrigir o que cada um afirma. É um processo que não tem de ser necessariamente ostensivo.Os testemunhos dos outros são capazes de ecoar no interior de quem os ouve e provocar uma meditação serena sobre aquilo que se vive. Cruzando, assim, os contributos de cada um, desenha-se a verdade comum veiculada pela Igreja. Espera-se que este discernimento partilhado dos diferentes testemunhos gere o ‘nós’ eclesial. O crente não tem o direito de se fechar na sua própria intimidade. Aquilo que diz viver não é assunto exclusivamente seu. Tal não impede que a Igreja reconheça que a fé aparece hoje fortemente marcada pela estrutura individual. Tem consciência de que é obrigada a passar pelo lastro experiencial de cada um. Mas esta subjectivização da fé não pode confundir-se com a sua privatização17. O crente é chamado a exteriorizar aquilo que afirma viver interiormente. Deve expor- se diante dos outros. A sua fé diz respeito à comunidade eclesial, na medida em que ela própria se reclama conforme ao que esta vive.

Epistemologia do acto de crerEntre o ‘objectivo’ e o ‘vivido’Tem de haver uma correspondência entre a fé da Igreja enquanto tal e as múltiplas vivências individuais da mesma. Se estas não são simples reproduções daquela, também não a podem contradizer. É sabido que não se concebe uma objectividade da fé cristã à margem de tais vivências. Esta só pode ganhar corpo através dos crentes concretos. Mas também não se admite uma vivência da fé inteiramente entregue à sensibilidade individual. A fé cristã não existe sem rosto humano; mas também não se reduz ao subjectivo. É uma realidade objectiva, ao mesmo tempo que pessoal. O crente não pode fazer outra experiência que não seja a do Deus revelado em JesusCristo. Nisto reside a objectividade da fé cristã. Mas esse Deus só se dá a conhecer por dentro duma experiência que se vive. A subjectividade torna-se, assim, lugar necessário da tal objectividade. A revelação de Deus acontece no meio duma busca pessoal. Não quer dizer que não possa ocorrer num percurso vivido de forma mais ou menos adormecida. Mas mesmo aqui surgirá algo que subverte as preocupações habituais. Deus revela-se por dentro duma existência concreta. A sua descoberta assume a espessura que esta apresenta. Dá-se o encontro entre Deus que fala e o ser humano em atitude de escuta ou, pelo menos, capaz de tal. Convém não esquecer que o facto de Deus se manifestar não chega para que ele se revele. É preciso que alguém capte esse aparecimento de Deus. Na revelação conjugam-se dois actos: dar-se a conhecer e ser efectivamente conhecido. O primeiro é do lado de Deus; o segundo é da parte do ser humano. Este não retira o carácter soberano àquele. No entanto, é ele que lhe dá seguimento. Entre o despertar para a presença de Deus que espera ser descoberto (revelação) e aceitá-la verdadeiramente (fé) vai um passo difícil de medir. Pode nem haver distância nenhuma. O movimento interior da pessoa conta com o amor de Deus, que se mantém misterioso. No fim de contas, podemos dizer que a iniciativa da revelação e a resposta da fé não constituem dois momentos distintos. São os lados divino e humano dum único acontecimento18.Se o crer é a experiência de Deus que se comunica, não se pode separar nele acto e conteúdo. A expressão ‘fazer a experiência de’ sugere precisamente a ligação íntima entre estas duas dimensões. Significa que há ‘actividade’ a

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respeito de ‘qualquer coisa’. Costumamos distinguir entre fé-conteúdo (fides quae) e fé-acto (fides qua) por comodidade didáctica. Mas a vida crente não existe sob a forma de uma só destas dimensões. É preciso, então, pensar a articulação entre ambas, de modo a que a natureza da fé cristã não fique deturpada.Se esta fosse uma realidade objectiva impessoal, a averiguação da sua verdade seria praticamente imediata. O acto de crer teria apenas de se conformar a um padrão exterior, estático e claramente estabelecido a priori.Seria deduzido a partir do ‘dado’ cristão objectivo. Esta é a tentação de quem exige que tudo seja absolutamente claro na vivência da fé. Porque não se admitem ambiguidades, convive-se mal com as múltiplas fisionomias da singularidade crente. É o perigo do formalismo e do moralismo em matéria de fé. Por outro lado, se esta fosse uma realidade apenas subjectiva, a averiguação da sua verdade seria impossível. Não haveria qualquer critério exterior que servisse de contraponto à vivência individual da fé. O crente construiria a sua própria verdade e considerar-se-ia como único juiz a seu respeito. Parece ser a tentação de quem não vê qualquer necessidade de clarificar a vivência da fé. Dando importância sobretudo às conveniências individuais, considera-se o exame daquilo que se vive como uma intromissão abusiva na esfera de cada um. Reside aqui o perigo do iluminismo e também do esoterismo em matéria de fé19. Percebe-se, assim, que a aliança entre a fides quae e a fides qua é crucial para ambas. A primeira sem a segunda ficaria morta. Seria privada da carne da existência que lhe dá um rosto concreto e, portanto, real. A segunda sem a primeira ficaria cega. Andaria à deriva, por não saber ao certo em nome de que deve viver20.Existe uma relação estrutural entre o ‘dado’ cristão objectivo e a sua apropriação individual. Aquele só perdura por dentro desta. Para compreender o crer, não se pode fazer abstracção da morfologia que ele assume nas suas múltiplas realizações concretas. Não se chega ao ‘vivido’ cristão por dedução a partir de algo que o antecede. Ele não é simplesmente o lugar onde acontece o ‘dado’ objectivo da fé. Por outro lado, não se pode ignorar este ‘dado’ como instância de confronto das diversas apropriações da mesma.Não é legítimo pensar que o ‘vivido’ cristão fornece o critério último para estabelecer a verdade da fé. O crer cristão não se extrai por indução a partir das suas realizações concretas. O momento apropriativo não pode esquecer a preocupação da ortodoxia. É preciso confrontá-lo com aquilo que deve ser o seu quadro de referência. A identidade cristã não pode andar ao sabor dos inquéritos sobre o que pensam os crentes. Não assenta na vontade da maioria; não resulta duma ‘opinião pública’ que se venha a formar no espaço eclesial. Vê-se, assim, a necessidade de conjugar dois princípios: o ‘dado’ cristão impõe-se ao ‘vivido’ na sua objectividade, ao mesmo tempo que só existe nas múltiplas formas que este assume. Nem a dedução, nem a indução se coadunam com isto. Supõem ambas que o ‘objectivo’ cristão e o seu ‘vivido’ são exteriores um ao outro. Surge, então, a ideia de discernimento.Só este permite resolver a tensão incontornável entre a fides quae e a fides qua. Revela-se apto a estabelecer a correlação entre o ‘dado’ cristão e a sua apropriação, consciente de que são indissociáveis na prática21. O discernimento é um exercício de autenticação duma singularidade crente.Procura averiguar em que medida este ou aquele ‘vivido’ é lugar do mistério cristão. Esforça-se por verificar se a experiência que aí se faz é efectivamente a do Deus revelado em Jesus Cristo.

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Não se pode negar que o discernimento se afigura mais difícil que a dedução e a indução. Estas operam de forma mais objectivável. Na primeira, basta verificar a realização do universal no particular. Na segunda, extrai-se o universal a partir do que se repete nos casos particulares. Ora, o discernimento esforça-se por perceber o ‘objectivo’ cristão no seio do próprio ‘vivido’.É um processo que admite a existência da obscuridade no crer concreto. Mas na sua dificuldade, está também a sua beleza. Trata-se de descobrir em que medida os caminhos habitualmente conturbados dos que se dizem crentes são verdadeira experiência do encontro com Deus. Quer-se decifrar a presença daquele que se revelou em Jesus Cristo, mas de que não se possui uma percepção inequívoca. Não se tem dúvidas de quem se busca, ao mesmo tempo que se está consciente de nunca o poder ver directamente, tal como aconteceu com quantos nos precederam na fé22. A necessidade do discernimento impõe-se precisamente pelos aspectos de ambiguidade que existem nas múltiplas vivências da fé cristã. A consciência de que nestas nem tudo é claro não deve provocar crise de escrúpulos. Mas a percepção de que tais aspectos são inevitáveis também não justifica o desleixo. A este propósito, podemos recorrer à pedagogia de Jesus na parábola do trigo e do joio23. Não devemos arrancar precipitadamente as ervas disfarçadas. Também não temos dúvidas de que queremos o crescimento do verdadeiro cereal.Necessitamos de aprender a viver com o joio, precisamente para não destruir o trigo por engano. Não se pactua com aquele, mas espera-se pacientemente que a ambiguidade dê lugar a alguma clarificação. ‘Esperar’ significa, aqui, actividade. Deve-se pedir a luz do Espírito para diferenciar aquilo que resulta do seu movimento criador daquilo que é contrário a ele.O discernimento é uma escola prática. Quanto mais nos habituarmos a exercê-lo, tanto mais afinado será o olhar interior para distinguir o que é conforme a Deus no meio do que vivem os crentes. Vamos percebendo o carácter imensamente multiforme da autêntica experiência de Deus. Temos certamente ocasião de esboçar padrões das suas fisionomias concretas, a partir das semelhanças e diferenças que estas apresentam. Ficamos menos surpreendidos por nos depararmos com configurações da fé de que não estávamos à espera. Ou, então, admiramo-nos pela extrema criatividade que Deus mostra ao suscitar novas formas de singularidade crente.Atenção aos parâmetrosO discernimento das vivências individuais da fé cristã deve ser conduzido segundo certos critérios. A sua prática envolve um objecto e um agente. Enquanto o primeiro é marcado pela ambiguidade, o segundo, mesmo sendo colectivo, pode ter dificuldade em ver com clareza. O agente do discernimento não é uma entidade tão distante do objecto que não padeça também da ambiguidade que neste se verifica. Os membros da comunidade eclesial in loco vivem a fé tal como os que estão a aceder a ela.Mesmo uma vida crente de história já longa pode mostrar lacunas e debater- se com dúvidas. É provável que o agente do discernimento não seja duma lucidez a toda a prova. Sabemos que muitos dos que chegam à fé são capazes de confundir a verdadeira abertura a Deus com a simples busca de si próprios. Vêm bastante afectados pela atmosfera cultural da afirmação intensa da individualidade, que os faz cair nesse engano. Mas os que são crentes há mais tempo estão também, de certo modo, influenciados por essa atmosfera. Por mais distância crítica que tenham cultivado face a ela, seria arriscado concluir que são absolutamente imunes ao seu impacto. É natural que os membros da

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comunidade eclesial tenham desenvolvido o olhar da fé, com a prática do discernimento sobre si próprios e os outros. Mas isso não significa que se movam já inteiramente no reino da luz. A verificação da verdade das novas vivências da fé faz-se, em boa medida, tacteando. Não se pode pensar que discernir é olhar simplesmente da luz para a obscuridade. Parece razoável afirmar que essa verificação se dirige dum terreno mais clarificado para outro menos esclarecido.O discernimento das fisionomias da singularidade crente nunca pode esquecer as duas fontes que sustentam a compreensão da fé cristã. A primeira é a Sagrada Escritura, ao apresentar-nos a figura de Jesus Cristo e, desta forma, dar-nos a conhecer o próprio Deus. A segunda é a Igreja, enquanto comunidade que interpreta a narração bíblica e a faz chegar, através dos tempos, até nós. O discernimento da fé assenta, assim, numa dupla normatividade: escriturária e eclesial. Mas convém ter presente que as duas fontes da compreensão do crer não são estáticas. É preciso contar com o factor histórico. A Igreja evolui de acordo com as condições de tempo e lugar.Também a interpretação da Escritura depende da situação em que é feita. Vemos, então, que as referidas fontes não representam um estorvo à diversidade das apropriações da fé cristã. Funcionam como canais de orientação das múltiplas descobertas de Deus, que nunca deixarão de ser humanamente situadas. Esboça-se, aqui, um novo critério do discernimento da fé, a adicionar aos dois já mencionados. É a experiência crente, que se inscreve num percurso individual concreto e num contexto histórico determinado. Note-se que este critério não é do género dos anteriores. A Sagrada Escritura e a comunidade da Igreja valem como normas do crer cristão, ao passo que a experiência concreta constitui a sua mediação necessária. Aquelas oferecem uma orientação a esta, que só pode existir sob a forma suscitada pelo lugar humano em que surge. A experiência crente, por sua vez, obriga as normas a lidar com a diversidade da descoberta do Deus revelado em Jesus Cristo. No discernimento das vivências da fé, cruzam-se dois movimentos de sentido inverso: a multiplicidade que vem da experiência e a homogeneidade que vem das normas. O seu exercício implica o pleno respeito de ambos24.Temos de pensar a normatividade do crer cristão numa perspectiva dinâmica. É extraída da Escritura e produzida no seio da Igreja. Mas isto não ocorre independentemente das experiências da fé tal como se apresentam.Estas são sempre o ponto de partida para o discernimento. Neste sentido, pode compreender-se a normatividade do crer cristão segundo dois eixos: o cristológico e o pneumatológico. A figura de Cristo determina o conteúdo da experiência crente. Não define os seus contornos exactos, mas estabelece a sua essência. Essa figura é decisiva para marcar a diferença entre o que pertence ao universo da fé cristã e o que lhe é estranho. Por mais variadas que sejam as vivências da fé, tem de haver algo que as fraternize entre si. Devem ser capazes de se reconhecerem mutuamente em função daquilo que as une.O critério cristológico impõe, assim, a mesmidade na diferença. Em contrapartida, o Espírito está na base duma dinâmica complementar. Dá uma forma à experiência crente, de acordo com o percurso humano e o contexto histórico em que esta se situa. A configuração do crer não se alcança sem o contributo do Espírito, na medida em que este trabalha nas inúmeras trajectórias individuais de conformidade com Cristo. O Espírito suscita na vida crente a diversidade das fisionomias, o avanço dos percursos, a beleza dos

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novos passos. É responsável por aquilo que as vivências autênticas da fé têm de surpreendente. O facto de serem todas conformes a Cristo não impede a extensão da disparidade entre elas. O próprio Cristo deseja encarnar nas mais variadas situações onde o ser humano se defronta com a existência. Cabe ao critério pneumatológico permitir que se cumpra esta diferença na mesmidade25.Vemos, pois, que a verdade do crer cristão não é algo só a receber; também se elabora. O discernimento das suas múltiplas configurações está longe de ser simples repetição do passado; é momento de produção do sentido. A vivência da fé nunca se pode desvincular da Escritura e da Tradição. Mas refere-se a estas numa atitude de reinterpretação. O discernimento do crer é ocasião de criatividade, na medida em que nele se elabora um discurso sobre o próprio crer. Convém que o dizer da fé se desenvolva a par da pluralização da experiência da mesma. O discernimento significa produção de palavra que acompanha o andamento da vida. Desta forma, nunca está concluído. Deve dirigir-se, com coragem, às novas fronteiras da existência crente que não cessam de se apresentar à consciência eclesial26.O acesso à fé cristã é resultado do encontro entre uma busca individual de identidade e uma palavra estruturante cuja origem lhe é exterior. Na base do crer cristão está sempre a iniciativa de Deus que se comunica. Ele dá-se a encontrar no meio daquilo que integra habitualmente um percurso de vida.A sua descoberta leva a que este passe a contar com nova realidade. O horizonte da existência alarga-se, a vida ganha outro sentido, aquilo com que se lida pode ser visto de modo diferente. Ora, o facto de o encontro de Deus se dar por dentro duma busca humana torna inevitável que o crer se debata com o problema da ambiguidade. O ser humano deve permitir que seja Deus a tomar a iniciativa. Mas nem sempre é claro que tal aconteça. A vontade humana facilmente se coloca à frente do próprio Deus. Torna-se, muitas vezes, difícil distinguir entre o que é abertura a ele e o que não passa de busca de si mesmo. Esta possibilidade de confusão é maior, quando o crer tem lugar no seio da atmosfera cultural da afirmação intensa da individualidade, difundida nas nossas sociedades modernas. Encoraja-se aí a busca individual muito na linha da auto-satisfação. Quando assim é, o desejo humano mostra-se particularmente inclinado a antecipar-se à palavra que Deus pronuncia. Discernir o crer torna-se, então, tarefa de especial cuidado. É evidente que a maior dificuldade no exame das formas concretas do crer cristão não está em detectar os aspectos que o contradizem abertamente.O discernimento é delicado sobretudo quando há aparência de crer que efectivamente não o é. Refira-se a nebulosa de fenómenos que se afirmam próximos do religioso e atraem muitos dos nossos contemporâneos.A vivência da fé cristã facilmente se contamina de práticas que parecem conformes a ela, mas acabam por corroê-la. Tal conjuntura não deve paralisar a vontade de destrinçar aquilo que pertence à fé daquilo que lhe é estranho.Pode-se encará-la até como um desafio que obriga esta a ganhar nova consciência de si própria. Já não é o primeiro, nem será o último. De facto, a história da Igreja apresenta situações em que a fé esteve em causa e se viu obrigada a aperfeiçoar-se. Recordemos as heresias dos primeiros séculos, que conduziram a uma elaboração conceptual sustentadora da fé. A ambiguidade dos nossos dias pode ter idêntico resultado. Não faz sentido falar hoje do crer cristão, sem as lições dos seus mais prováveis enganos. O discernimento contínuo das configurações da fé gera discurso a respeito desta. Estuda as

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suas dificuldades e apura a sua gramática. A possibilidade de perversão há-de pairar sempre sobre o crer cristão. Mas a verificação aturada da sua verdade, por parte das comunidades eclesiais in loco, acaba por o robustecer.

Notas::1 Ao longo da nossa reflexão, tomamos a liberdade de usar tanto o substantivo ‘fé’ como o verbo ‘crer’. Designam a mesma realidade.2 Joseph Doré, «La responsabilité et les tâches de la théologie», in Joseph Doré (dir.), Introduction à l’étude de la théologie, t. II, Paris, Desclée, 1992, p. 370.3Hans Waldenfels, Manuel de théologie fondamentale, trad. Olivier Depré, Paris, Les Éditions du Cerf, 1997, pp. 529-530.4 Ibidem, pp. 530-531.5 Joseph Thomas, «Être chrétien», in AA.VV., Croire aujourd’hui. Risque et plaisir, Col. Cahiers pour croire aujourd’hui, Paris, Assas Éditions, 1994, p. 113.6 Croire aujourd’hui, nº 204, 15-31 de Janeiro de 2006, p. 13.7 Jean Joncheray, «Les institutions de la mémoire croyante», in Pierre-Marie Beaude, Jacques Fantino (dir.), Le christianisme dans la société. Actes du colloque international de Metz (mai 1995), Paris, Les Éditions du Cerf, 1998, p. 133, citando Patrick Michel, Politique et religion. La grande mutation, Albin Michel, 1994, p. 126.8 Ibidem, p. 143.9 Ibidem, p. 142.10 Jean-Marie Donégani, «L’individu et ses credo», Projet, nº 240, hiver 1994-1995, p. 55.11 Jean-Marie Donégani, «L’appartenance au catholicisme français. Point de vue sociologique», Revue française de science politique 34 (1984), p. 205.12 Hubert Herbreteau, La confirmation, Col. Tout simplement, Paris, Les Éditions de l’Atelier/ Les Éditions Ouvrières, 2001, p. 61.13 P. Bühler, «La identidad cristiana. Entre objetividad y subjetividad», Concilium, 216, (1988), pp. 187-188.14 1 Tes 5, 19-21.15 Jean-Marie Donégani, «Une désignation sociologique du présent comme chance», in Henri-Jérôme Gagey, Denis Villepelet (dir.), Sur la proposition de la foi, Paris, Les Éditions de l’Atelier / Les Éditions Ouvrières, 1999, p. 44.16 Ibidem, pp. 44-45.17 Ibidem, pp. 55-58.18 Bernard Sesboüé, Pensar e viver a fé no terceiro milénio. Convite aos homens e mulheres do nosso tempo, trad. Manuel Luis de Sousa Pinheiro, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2001, p. 195.19 Giovanni Moioli, «Teología espiritual», Diccionario teológico interdisciplinar, t. I-II, Salamanca, Ediciones Sígueme, 1985, p. 53.20Waldenfels, op. cit., p. 666.21Moioli, op. cit., pp. 53-54.22 João 1, 18.23 Mat 13, 24-30.24 Pedro Rubens, Discerner la foi dans des contextes religieux ambigus. Enjeux d’une théologie du croire, Paris, Les Éditions du Cerf, 2004, p. 384.25 Ibidem, p. 387.26 Ibidem, pp. 397, 507.

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Uma religião gratuita (convite à Fé)

B. Sesboue

¿Eres tú el que ha de venir, o tenemos que esperar a otro? (Mt 11,3)

Una invitación a la fe 1 :

Clima de libertad mutua y de gratuidad, simplemente a entrar en un dialogo de hombre a hombre y a

recorrer un camino en relación con cuestiones de hombres. Proponer un bien o un acontecimiento deseable. Una invitación va dirigida siempre al deseo.

Una invitación a creer

La fe puede presentarse en forma de un contenido bien estructurado de «verdades» El acto de creer supera infinitamente este conjunto de determinaciones. Es un acto de libertad personal, que ningún otro puede realizar en nuestro lugar.

Un itinerario

Los destinatarios

La experiencia humana de todos y cada uno será en cierto modo su punto de partida. Un evangelio que no se dirigiera a la experiencia humana más profunda no interesaría a nadie. Una respuesta que no se corresponde con ninguna pregunta, no es una respuesta: es un propósito vano. Es necesario que lo que se anuncia afecte de manera vital a lo más profundo de la conciencia humana.

Porque la cuestión del sentido de nuestra existencia concierne a la totalidad de la persona humana y no sólo a su esfera religiosa. Hoy las cuestiones últimas y el problema de Dios mismo se entrelazan con lo más cotidiano de nuestra vida, aunque sólo fuera en la forma de la frustración y la carencia. Los diferentes sectores de la existencia humana están vinculados entre sí.

Si nuestra sociedad, en efecto, está comprometida en un gran proceso de personalización, lo que es un bien, al mismo tiempo promueve un individualismo nunca antes conocido Por lo mismo, los hilos que tejen una sociedad activa y portadora de valores y de sentido para la existencia se están diluyendo en una especie de apatía o indiferencia Los referentes sociales, morales y religiosos se difuminan cada vez más El orden de los fines reconocidos desaparece Cada uno busca su felicidad de acuerdo con sus propios principios

El individuo se encuentra entonces frente a sí mismo en una especie de desierto en el que nada tiene ya sentido. Vive la prueba de la soledad y ve como se le impone una forma nueva de narcisismo, que la vida económica con la publicidad, la vida artística con la canción, la no-vela y el teatro, la vida mediática con sus innumerables expresiones, la misma vida política, no dejan de alimentar y fomentar. Todo trata de seducirnos de la manera más elemental y más inmediata. En este «nihilismo» pasivo, la cuestión misma del sentido de nuestra existencia se encuentra obturada «Vivir sin ideal, sin un fin trascendente, se ha hecho posible»2 No se plantean ya las cuestiones ultimas, como las de lo verdadero y lo falso, el bien y el mal, sino que la gente se limita a resolver los problemas de la vida diana lo mejor o lo menos mal posible. Todo esto se vive por lo general sin drama, con tranquilidad y naturalidad. Pero no por ello se es «feliz».

1 Cfr Bernard Sesboüé, Creer: Invitación a la fe católica para las mujeres y los hombres del siglo XXI

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Por supuesto, este estado de nuestra sociedad deja en una inmensa frustración contra la cual muchos reaccionan, a riesgo de parecer héroes a los ojos de los demás. La necesidad de encontrar sentido a la existencia sigue estando ahí, aun cuando trate de negarse. La forma religiosa de esta búsqueda de sentido se manifiesta en el gusto por las espiritualidades orientales o en el compromiso sectario.

La propuesta de la fe:

Los que no se sienten hoy de ningún modo vinculados al cristianismo. Han entrado espontáneamente en el mundo de valores que transmite nuestra sociedad. Para algunos la cuestión de Dios ni siquiera parece ya plantearse. Tratan de dar sentido a su vida en el marco de su familia, de su profesión, de su tiempo libre, de sus compromisos políticos o sociales, humanitarios o culturales. Respetan incluso las reglas de una ética que ellos mismos se han modelado. Pero, saturados como están por tantas cosas «penúltimas», consideran que ya tienen bastante trabajo con hacer frente lo mejor posible a estas complejas realidades. No se plantean cuestiones «ultimas» como el sentido de la vida humana, la vida después de la vida terrena, etc. Y a veces se sienten superados por ellas O bien, la gravedad del problema del mal, cuyos azotes no han dejado de manifestarse de un extremo al otro del siglo XX, les parece un obstáculo insuperable en todo pensamiento sobre Dios.

Los cristianos: o Cristianos convencidos, pero que necesitan madurar, aclarar, hacer consciente, en una

palabra, «reapropiarse» el sentido y el contenido de su fe. Nunca acaba uno de «acceder» a la fe Cada uno ha de ser capaz de rehacer su propio itinerario, de volver a los fundamentos, con el fin de lograr una fe serena que no se avergüence de sí misma. Estad «dispuestos siempre a contestar a todo el que os pida razón de vuestra esperanza» (IPe 3,15-16). ¿Es posible hoy creer «con toda probidad intelectual» y vivir una fe «intelectualmente honesta»?

o Los cristianos algo «cansados» de creer. Hoy se plantean cada vez mas cuestiones, principalmente sobre la Iglesia, sus límites, sus carencias humanas, su imagen, que les parece esclerótica y perteneciente definitivamente al pasado. Esta Iglesia es para ellos con frecuencia un obstáculo, rechazan a veces las formas de la liturgia, incluso las que el Vaticano II ha restaurado. Son espontáneamente reticentes, por no decir a veces francamente hostiles, a las enseñanzas del Papa, en particular en materia de moral ¿«Creer» conlleva realmente todo eso. Son sensibles también al «mercado común» de las

religiones. En definitiva, ¿donde está la verdad y que es la verdad? Más profundamente aun, se preguntan quién es Jesús, se interrogan sobre su persona, que la fe cristiana proclama Cristo y Señor. ¿Qué sentido tiene afirmar que un hombre, de nuestra raza

humana, es Hijo de Dios y Dios? ¿Puede creerse que naciera de una virgen? ¿Qué se sabe realmente de su vida? ¿Por qué motivos fue crucificado? ¿Acaso no pesan numerosas sospechas sobre lo que cuentan los evangelios de él y de sus milagros? ¿Qué se sabe verdaderamente del hombre Jesús? Y por otro lado, lo que se sabe de él ¿es compatible con lo que la fe cristiana ha construido alrededor de su nombre, atribuyéndole un gran número de títulos divinos? Por no hablar, en fin, del problema de Dios mismo, que se ha hecho inconcebible ante los horrores del siglo XX.

La masa de jóvenes que parece dar la impresión de una salida de la religión. La Iglesia les parece una nebulosa sin fronteras. Su esperanza se confronta cada vez más rápidamente con las

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crueldades de la vida y tratan, a veces desesperadamente, de dar un sentido a su vida. El destinatario de toda afirmación sobre la fe es hoy, en fin, «el hombre que sufre» (W. Kasper).

los que «vuelven a empezar: un acontecimiento en su vida, una dura prueba a veces, que les hizo dejar sus incertidumbres y reanudar el camino de la fe.

Otras Religiones?

Un testimonio

Yo quisiera ofrecer el testimonio personal de mi propia fe diciendo, esto es lo que me hace feliz, esto es lo que me hace vivir. Yo quisiera poder decir, con la discreción que se impone, lo que los primeros discípulos de Jesús se susurraban unos a otros. «¡Hemos encontrado al mesías!» (Jn 1,41).

Un niño de siete u ocho años pedía ser bautizado. A sus padres, que le interrogaban sobre los motivos de su decisión, temiendo que se tratara de un entusiasmo pasajero, les contesto. «Quiero bautizarme porque quiero ser feliz». Respuesta sorprendente quizá, pero respuesta justa y verdadera. El creer aquí propuesto quiere ser una invitación a la felicidad.

El testimonio que trato de dar es pues el de una experiencia que se dirige a otras experiencias. Yo lo he vivido, ¿os dice a vosotros algo? ¿Puede la fe hacerse «contagiosa», como lo era en los primeros siglos, en los que el «boca a boca» fue el gran factor de difusión del evangelio por toda la cuenca mediterránea? El legado del emperador Trajano, Plinio el Joven, hablaba del cristianismo como de un «contagio». Pero para el evidentemente se trataba de una enfermedad.

La invitación y el testimonio serán los dos resortes de la pedagogía aquí propuesta. Darán el mayor espacio posible a la narración y los relatos, por la sencilla razón de que el contenido de la fe cristiana se presenta como un gran relato narrado, relatos bíblicos del Antiguo y del Nuevo Testamento, relatos de la vida de la Iglesia a lo largo de las épocas, relatos a los que se une el relato mismo del narrador, cuyo mayor deseo es que aquellos puedan salirle al paso al lector en su propio relato íntimo.

La arquitectura del libro

Hemos elegido como hilo conductor de estos capítulos el texto del credo de los apóstoles. Es el credo más simple y más familiar, que quizá haya quien todavía lo recuerde de memoria, el que la Iglesia de todos los tiempos ha pedido profesar a los que iban a recibir el bautismo. En su misma brevedad, dice lo esencial. Es mucho más que un catálogo de verdades: es un breve relato, una historia, que nos anuncia a la vez el designio de Dios para el hombre y la respuesta del hombre a este designio a través del acto de creer. Además, este relato constituye un corto resumen del mensaje que se encuentra expresado con todo detalle en el gran libro de las Escrituras del Antiguo y del Nuevo Testamento, en el que la Iglesia reconoce el testimonio escrito de la palabra de Dios.

Tenemos ahí una referencia de base que permitirá tomar en consideración al sujeto humano mismo confrontado con la opción de la fe. Es conocida esta reflexión de origen inglés: «Para enseñarle latín a John, no basta conocer el latín, hay que conocer también a John». Al hombre de hoy, no basta hablarle de Dios o de Cristo, hay que hablarle primero de él mismo. Es necesario ponerse a escucharle.

Cuatro grandes partes. La primera se dedicará al comentario del «Creo». ¿Quién es el yo humano que cree? ¿Qué es el acto de creer? Las otras tres seguirán el orden de los tres «artículos» del credo, es decir, sus tres partes, articuladas cada una en torno a uno de los nombres divinos que han intervenido en la historia de

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nuestro mundo. Esos tres nombres son los del Dios «trinitario», el Padre, el Hijo y el Espíritu Santo que vive en la Iglesia.

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Catecismo da Igreja Católica

A PROFISSÃO DA FÉ. PRIMEIRA SECÇÃO: «EU CREIO» – «NÓS CREMOS»

26. Quando professamos a nossa fé, começamos por dizer: «Creio», ou «Cremos». Portanto, antes de expor a fé da Igreja, tal como é confessada no Credo, celebrada na liturgia, vivida na prática dos mandamentos e na oração, perguntemos a nós mesmos o que significa «crer». A fé é a resposta do homem a Deus, que a ele Se revela e Se oferece, resposta que, ao mesmo tempo, traz uma luz superabundante ao homem que busca o sentido último da sua vida. Comecemos, pois, por considerar esta busca do homem (capítulo primeiro): depois, a Revelação divina pela qual Deus vem ao encontro do homem (capítulo segundo); finalmente, a resposta da fé (capítulo terceiro).

CAPÍTULO PRIMEIRO

O HOMEM É «CAPAZ» DE DEUS

I. O desejo de Deus

27. O desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso:

«A razão mais sublime da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele, e por amor, constantemente conservado: nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador»(1).

28. De muitos modos, na sua história e até hoje, os homens exprimiram a sua busca de Deus em crenças e comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos, meditações, etc.). Apesar das ambiguidades de que podem enfermar, estas formas de expressão são tão universais que bem podemos chamar ao homem um ser religioso:

Deus «criou de um só homem todo o género humano, para habitar sobre a superfície da terra, e fixou períodos determinados e os limites da sua habitação, para que os homens procurassem a Deus e se esforçassem realmente por O atingir e encontrar. Na verdade, Ele não está longe de cada um de nós. É n'Ele que vivemos, nos movemos e existimos» (Act 17, 26-28).

29. Mas esta «relação íntima e vital que une o homem a Deus»(2) pode ser esquecida, desconhecida e até explicitamente rejeitada pelo homem. Tais atitudes podem ter origens diversas (3) a revolta contra o mal existente no mundo, a ignorância ou a indiferença religiosas, as preocupações do mundo e das riquezas(4), o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à religião e, finalmente, a atitude do homem pecador que, por medo, se esconde de Deus(5) e foge quando Ele o chama (6).

30. «Exulte o coração dos que procuram o Senhor» (Sl 105, 3). Se o homem pode esquecer ou rejeitar Deus, Deus é que nunca deixa de chamar todo o homem a que O procure, para que encontre a vida e a felicidade. Mas esta busca exige do homem todo o esforço da sua inteligência, a rectidão da sua vontade, «um coração recto», e também o testemunho de outros que o ensinam a procurar Deus.

És grande, Senhor, e altamente louvável; grande é o teu poder e a tua sabedoria é sem medida. E o homem, pequena parcela da tua criação, pretende louvar-Te – precisamente ele que, revestido da sua

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condição mortal, traz em si o testemunho do seu pecado, o testemunho de que Tu resistes aos soberbos. Apesar de tudo, o homem, pequena parcela da tua criação, quer louvar-Te. Tu próprio a isso o incitas, fazendo com que ele encontre as suas delícias no teu louvor, porque nos fizeste para Ti e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Ti (7).

II. Os caminhos de acesso ao conhecimento de Deus

31. Criado à imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar a Deus, c homem que procura Deus descobre certos «caminhos» de acesso ao conhecimento de Deus. Também se lhes chama «provas da existência de Deus» – não no sentido das provas que as ciências naturais indagam mas no de «argumentos convergentes e convincentes» que permitem chegar a verdadeiras certezas.

Estes «caminhos» para atingir Deus têm como ponto de partida criação: o mundo material e a pessoa humana.

32. O mundo: A partir do movimento e do devir, da contingência, da ordem e da beleza do mundo, pode chegar-se ao conhecimento de Deu: como origem e fim do universo.

São Paulo afirma a respeito dos pagãos: «O que se pode conhecer de Deus manifesto para eles, porque Deus lho manifestou. Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu poder eterno e a sua divindade tornam-se pelas suas obras, visíveis à inteligência» (Rm 1, 19-20) (8).

E Santo Agostinho: «Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar, interroga a beleza do ar que se dilata e difunde, interroga a beleza do céu [...] interroga todas estas realidades. Todas te respondem: Estás a ver como somos belas. A beleza delas é o seu testemunho de louvor [«confessio»]. Essas belezas sujeitas à mudança, quem as fez senão o Belo [«Ptdcher»], que não está sujeite à mudança?» (9).

33. O homem: Com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu sentido do bem moral, com a sua liberdade e a voz da sua consciência, com a sua ânsia de infinito e de felicidade, o homem interroga-se sobre a existência de Deus. Nestas aberturas, ele detecta sinais da sua alma espiritual. «Gérmen de eternidade que traz em si mesmo, irredutível à simples matéria» (10), a sua alma só em Deus pode ter origem.

34. O mundo e o homem atestam que não têm em si mesmos, nem o seu primeiro princípio, nem o seu fim último, mas que participam do Ser-em-si, sem princípio nem fim. Assim, por estes diversos «caminhos», o homem pode ter acesso ao conhecimento da existência duma realidade que é a causa primeira e o fim último de tudo, «e a que todos chamam Deus» (11).

35. As faculdades do homem tornam-no capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas, para que o homem possa entrar na sua intimidade, Deus quis revelar-Se ao homem e dar-lhe a graça de poder receber com fé esta revelação. Todavia, as provas da existência de Deus podem dispor para a fé e ajudar a perceber que a fé não se opõe à razão humana.

III. O conhecimento de Deus segundo a Igreja

36. «A Santa Igreja, nossa Mãe, atesta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido, com certeza, pela luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas» (12). Sem esta capacidade, o homem não poderia acolher a revelação de Deus. O homem tem esta capacidade porque foi criado «à imagem de Deus» (Gn 1, 27).

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37. Nas condições históricas em que se encontra, o homem experimenta, no entanto, muitas dificuldades para chegar ao conhecimento de Deus só com as luzes da razão:

«Com efeito, para falar com simplicidade, apesar de a razão humana poder verdadeiramente, pelas suas forças e luz naturais, chegar a um conhecimento verdadeiro e certo de um Deus pessoal, que protege e governa o mundo pela sua providência, bem como de uma lei natural inscrita pelo Criador nas nossas almas, há, contudo, bastantes obstáculos que impedem esta mesma razão de usar eficazmente e com fruto o seu poder natural, porque as verdades que dizem respeito a Deus e aos homens ultrapassam absolutamente a ordem das coisas sensíveis; e quando devem traduzir-se em actos e informar a vida, exigem que nos dêmos e renunciemos a nós próprios. O espírito humano, para adquirir semelhantes verdades, sofre dificuldade da parte dos sentidos e da imaginação, bem como dos maus desejos nascidos do pecado original. Daí deriva que, em tais matérias, os homens se persuadem facilmente da falsidade ou, pelo menos, da incerteza das coisas que não desejariam fossem verdadeiras» (13).

38. É por isso que o homem tem necessidade de ser esclarecido pela Revelação de Deus, não somente no que diz respeito ao que excede o seu entendimento, mas também sobre «as verdades religiosas e morais que, de si, não são inacessíveis à razão, para que possam ser, no estado actual do género humano, conhecidas por todos sem dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de erro» (14).

IV. Como falar de Deus?

39. Ao defender a capacidade da razão humana para conhecer Deus, a Igreja exprime a sua confiança na possibilidade de falar de Deus a todos os homens e com todos os homens. Esta convicção está na base do seu diálogo com as outras religiões, com a filosofia e as ciências, e também com os descrentes e os ateus.

40. Mas dado que o nosso conhecimento de Deus é limitado, a nossa linguagem, ao falar de Deus, também o é. Não podemos falar de Deus senão a partir das criaturas e segundo o nosso modo humano limitado de conhecer e de pensar.

41. Todas as criaturas são portadoras duma certa semelhança de Deus, muito especialmente o homem, criado à imagem e semelhança de Deus. As múltiplas perfeições das criaturas (a sua verdade, a sua bondade, a sua beleza) reflectem, pois, a perfeição infinita de Deus. Daí que possamos falar de Deus a partir das perfeições das suas criaturas: «porque a grandeza e a beleza das criaturas conduzem, por analogia, à contemplação do seu Autor» (Sb 13, 5).

42. Deus transcende toda a criatura. Devemos, portanto, purificar incessantemente a nossa linguagem no que ela tem de limitado, de ilusório, de imperfeito, para não confundir o Deus «inefável, incompreensível, invisível, impalpável» (15) com as nossas representações humanas. As nossas palavras humanas ficam sempre aquém do mistério de Deus.

43. Ao falar assim de Deus, a nossa linguagem exprime-se, evidentemente, de modo humano. Mas atinge realmente o próprio Deus, sem todavia poder exprimi-Lo na sua infinita simplicidade. Devemos lembrar-nos de que, «entre o Criador e a criatura, não é possível notar uma semelhança sem que a dissemelhança seja ainda maior» (16), e de que «não nos é possível apreender de Deus o que Ele é, senão apenas o que Ele não é, e como se situam os outros seres em relação a Ele»(17).

Resumindo:

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44. O homem é, por natureza e vocação, um ser religioso. Vindo de Deus e caminhando para Deus, o homem não vive uma vida plenamente humana senão na medida em que livremente viver a sua relação com Deus.

45. O homem foi feito para viver em comunhão com Deus, em quem encontra a sua felicidade: «Quando eu estiver todo em Ti, não mais haverá tristeza nem angústia; inteiramente repleta de Ti, a minha vida será vida plena»(18).

46. Quando escuta a mensagem das criaturas e a voz da sua consciência, o homem pode alcançar a certeza da existência de Deus, causa e fim de tudo.

47. A Igreja ensina que o Deus único e verdadeiro, nosso Criador e Senhor; pode ser conhecido com certeza pelas suas obras, graças à luz natural da razão humana (19).

48. Nós podemos realmente falar de Deus partindo das múltiplas perfeições das criaturas, semelhanças de Deus infinitamente perfeito, ainda que a nossa linguagem limitada não consiga esgotar o mistério.

49. «A criatura sem o Criador esvai-se» (20). Por isso, os crentes sentem-se pressionados pelo amor de Cristo a levar a luz do Deus vivo aos que O ignoram ou rejeitam.

1. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, 19: AAS 58 (1966) 1038-1039.2. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes,, 19: AAS 58 (1966) 1039.3. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, 19-21: AAS 58 (1966) 1038-1042.4. Cf. Mt 13, 22.5. Cf. Gn 3, 8-10.6. Cf. Jn 1, 3.7. Santo Agostinho, Confissões, I,1, 1: CCL 27. 1 (PL 32, 659-661).8. Cf. Act 14, 15, 17; 17. 27-28; Sb 13, 1-9.9. Santo Agostinho, Sermão 241. 2: PL 38, 1134.10. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes,18: AAS 58 (1966) 1038: cf. ibid., 14: AAS 58 (1966) 1036.11. São Tomás de Aquino, Summa theologiae I. q. 2, a. 3, e: Ed. Leon. 4, 31.12. I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 2: DS 3004: cf. Ibid., De Revelatione, canon 2: DS 3026; II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum. 6: AAS 58 (1966) 819.13. Pio XII. Enc. Humani Generis: DS 3875.14. Ibid., DS 3876. Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius. c. 2: DS 3005; II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum. 6: AAS 58 (1966) 819-820; São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I, q. 1, a. 1, c.: Ed. Leon. 4. 6.15. Liturgia Bizantina. Anáfora de São João Crisóstomo: Liturgies Eastern and Western, ed. F. E. Brightman, Oxford 1896. p. 384 (PG 63, 915).16. IV Concílio de Latrão, Cap. 2. De errore abbatis Ioachim: DS 806.17. São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles I 30: Ed. Leon. 13, 92.18. Santo Agostinho, Confissões X, 28, 39: CCL 27, 175 (PL 32. 795).19. I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, De revelatione, canon 2: DS 3026.20. II Concílio do Vaticano II, Const. past. Gaudium et Spes, 36: AAS 58 (1966) 1054.

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IDENTIDADE E FUNDAMENTOS DA FÉ: O CREDO. Dom Pedro Carlos Cipolini – Bispo Diocesano de Amparo

IntroduçãoHoje vivemos uma fé exposta a todo tipo de intempérie e o ato de crer não é nada evidente, pelo contrário, é bastante obscuro até mesmo para quem crê. Crer se opõe a saber, pois o saber da certeza baseada em evidências. Na fé temos menos segurança porque a fé pertence à ordem da convicção íntima. A fé pertence à ordem da convicção pessoal, daquilo que não se discute e tão pouco se pode compartilhar.Sempre houve no mundo, certo ateísmo existencial, mas pela primeira vez na história, a partir do século XIX surgiu um ateísmo sistemático e militante.

A ideologia contemporânea confia no saber/ciência e se mostra desconfiada com as crenças, às quais reputa inferior. No entanto o ato de crer faz parte de nossa vida cotidiana e até mesmo da investigação científica. Mas a forma mais visível de crer é o credo religioso.

Hoje a fé das grandes confissões cristãs ou Igrejas está colocada em segundo plano, sobressai a fé das seitas. Por isso, todos nos interrogamos sobre a fé e o ato de crer. Qual sua identidade ou fundamento? Qual o núcleo da fé? Qual a origem da fé? Torna-se necessária uma “teologia fundamental da fé”, se podemos dizer assim.

Origem da nossa fé

A fé religiosa, ou seja: “a confiança total do homem em um Deus com o qual se encontrou pessoalmente”, nasceu entre os hebreus, neste pequeno povo se deu um fato de grandeza sem igual: o nascimento da fé com sua primeira testemunha: Abraão. “Ele acreditou no Senhor e o Senhor o considerou como um homem justo” (Gn 15,6). A originalidade aqui está em aceitar um tipo de relação com Deus que seja relação pessoal, relação que começa com a confiança depositada por Abraão na palavra de Deus. Ele acreditou na promessa que Deus lhe fez, na chamada que tinha escutado. Deus falou a Abraão (cf. Gn 15,1-21). Ao amanhecer Abraão teve de “nascer-sair” para o novo e ao entardecer teve de entrar na confiança absoluta na promessa de Deus. Nessa travessia somente Deus é seu escudo (cf. v. 1).

No gesto da Abraão aparece o cerne da questão fundamental que a fé propõe e que não é a existência de Deus. “A verdadeira questão da fé inverte os termos: não se trata de crer que Deus existe, mas em crer que o homem existe para Deus” (B. Sesbouè, Creer, S. Pablo, Madrid,2000,p. 30). Podemos colocar a questão de outra maneira ou seja partindo das questões mais sérias que a fé nos propõe: Deus se interessa pelos homens? Deus pode intervir na história? O fato é que a fé de Abraão e seus descendentes respondeu SIM a estas perguntas. O povo da Antiga Aliança fez da fé um modo de viver: “Se não crerdes não podereis subsistir” (Is 7,9). Esta foi a experiência fundamental que deu origem à fé judaica que resultou na tradição cristã, a qual compreende a fé como a atitude daquele que apoia em Deus e nele confia, respondendo a suas expectativas, como quem construiu a casa sobre a rocha (Mt 7, 24-27).

A fé evoca a fidelidade de Deus que requer a nossa resposta como fidelidade a Ele. No âmbito desta fé se enumeram as maravilhas realizadas por Deus em favor de seu Povo: o passado é garantia do futuro. Esta fé é selada pela Aliança, Aliança que é iniciativa de Deus à qual o homem corresponde.Jesus autor e consumador da fé (Hb 12,2)

No Novo Testamento o termo fé (250 vezes) e crer (300 vezes) convergem para Jesus Cristo, realização das promessas e manifestação total de Deus. Jesus da origem à fé porque é revelador definitivo de Deus (Hb 1, 2-3) e leva a fé a seu cumprimento porque é o executor do projeto de salvação consumado na cruz. Crer em

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Jesus é comprometer-se com Ele e colocar-se à sua disposição, colocando nele sua confiança. A carta ao Hebreus explicita o cumprimento da Antiga Aliança em Jesus Cristo na sequência da fé vetero-testamentária e afirma: “O justo vive pela fé” (Hb 2,4) e “É impossível agradar a Deus sem a fé” (Hb 11,6). A fé é “cristã” enquanto aceita Cristo como mediador e plenitude da Revelação. Na sua ressurreição Jesus derrota a morte e abre as portas da vida de forma definitiva. Nele a vida vence: é a vitória de Deus! “A fé tem um conteúdo: Deus se comunica, este eu de Deus se mostra em Jesus cristo e é interpretado pela confissão de fé, no credo” (cf. Bento XVI ao Sínodo dos bispos em 09.10.2012).

O que Jesus pede aos que nele acreditam é o que somente Deus pode pedir. Somente se acreditarmos que Jesus é Deus, poderemos segui-lo e fazer o que ele mandou. Através de sua encarnação, de sua humanidade, o que Jesus pede é um ato de fé em Deus que nele se manifesta. Para acreditar em Jesus, portanto, se deve crer no que ele disse, e para crer no que ele disse se deve crer em tudo o que ele disse. E crer aqui não é somente “ter por verdadeiro” o que ele disse, mas “colocar nele a confiança”. A fé cristã tem seu conteúdo concentrado na pessoa de Jesus o qual viveu, morreu e ressuscitou dentre os mortos. Santo Agostinho colocará três degraus para a fé cristã; a) Crer que Deus existe; b) Crer na palavra de Deus c) Entregar-se a Ele e confiar a ele o sentido de nossa vida, fazendo dele nossa rocha firme, fazendo nosso destino dirigir-se na direção de corresponder à aliança que ele nos oferece. No cerne da pregação de Jesus está o Reino de Deus o qual podemos exprimir como união em nós da fé, esperança e amor. A fé age pela caridade, são as duas colunas da evangelização. A fé exprime-se no amor, tornando-se amor-serviço que brota da cruz e se manifesta na força da ressurreição. A fé é a alma da caridade. A fé, portanto, vivida assim, salva. “A fé produz a união com Deus, pela fé é iniciada em nós a vida eterna” (Santo Tomás de Aquino in Exposição sobre o Credo, Introdução).

A fé não termina na pregação da igreja nem na palavra dos Apóstolos, mas no próprio Deus que se revelou em Cristo.

O diálogo da fé

Quando o fiel cristão diz: Creio em Deus, expressa a resposta de fé a uma tríplice iniciativa de Deus em seu favor. A iniciativa do Pai criador que está na origem de tudo, do Filho que veio em nossa carne para nos redimir com o evento pascal, e o Espírito Santo que deu à sua Igreja. No Rito do Batismo desde o início da Igreja, temos então o diálogo em forma de três perguntas e três respostas. Este diálogo mostra que Deus tem a primeira palavra, é dele a iniciativa de salvar criando e criar salvando.

O batismo no início era realizado “em nome de Jesus” (At 8,16), mas esta fórmula equivale à formula trinitária que acabou prevalecendo no Símbolo ou Credo batismal (cf. H. Denzinger, Enchiridion Symbolorum, 1ª parte). Em Jesus Deus se manifesta totalmente, nele a Revelação atinge seu cume. A Revelação histórica de Jesus Cristo é o conteúdo formal da fé, o mistério Pascal é o ponto de partida da fé, esta é a primeira profissão de fé da Igreja (1Cor 15, 3-5; 15, 2.14). Jesus revela a Trindade!Por isso nosso credo é trinitário. O Credo rezado na liturgia Eucarística como o temos hoje, somente aparece entre os séculos IV e V e foi introduzido definitivamente na Igreja de Roma no século X como símbolo batismal, em substituição ao credo niceno-constantinopolitano. Manteve-se intacto até hoje devido a seu caráter narrativo, e à convicção inicial de que teria sido composto pelos apóstolos. A fé cristã está determinada por um conteúdo, sendo por ele determinada também. No credo temos o conteúdo da fé.

ConclusãoÉ preciso considerar a eclesialidade da fé. A fé não é somente a aceitação de um testemunho exterior de

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Deus, mas uma entrega a Deus mesmo em pessoa. Tem um aspecto cognoscitivo e outro “fiducial”: de confiança total em Deus. Esta fé enquanto fundamento da comunidade eclesial não é patrimônio do indivíduo, mas pertence a toda a Igreja como um depósito a ela confiado. A Igreja é uma testemunha divinamente instituída e uma coletividade que crê. A Revelação cristã é transmitida de maneira confiável na Igreja e mediante a Igreja (cf. in A. Dulles, Il fondamento delle cose sperate – Teologia della fede Cristiana, Queriniana, brescia, 1997). A fé cristã é contrária a todo individualismo, ela é comunitária, eclesial, porque é trinitária. No futuro a fé só será possível em grupo ou comunidade) e de um modo consciente e responsável.

É preciso considerar a fé e a graça. Fé é a forma de conhecimento pessoal mediante a qual, sob o impulso da graça, acolhe-se a Revelação de Deus em Jesus Cristo. “A fé cristã é concebida primariamente à luz da graça. Ninguém pode acolher a palavra de Jesus como Palavra de Deus se o Espírito não age nele, mostrando que aquela palavra é autenticamente Palavra do Pai” (R. Fisichela, in Dicionário Teológico Enciclopédico , Loyola, S. Paulo, 2003, p 291). A graça está intimamente relacionada ao ato de crer realizado pelo que crê porque a fé é dom de Deus. Não se pode dissociar a fé da oração. A fé orante indica a primazia da ação de Deus com a qual nós colaboramos.

É preciso dar testemunho da fé. “Faz-se necessária a personalização da fé, é necessário que cada cristão cumpra o caminho para integrar a fé na própria individualidade com escolhas decisivas e corajosas”... Cada decidido ato de fé de nossa parte, vale por cem atos de incredulidade ou de medo que ocorrem ao nosso redor. Quando pensamos assim, somos muito mais capazes de viver em um mundo secularizado ou incrédulo, e de realmente influenciá-lo. Idem p. 55. (Card. Carlo M. Martini, in Onde está teu Deus, Loyola, 1994, p. 55). A palavra “professio” tem sentido de apresentar uma realidade para que ela seja vista; já a palavra “confessio” evoca o fato de dar testemunho diante de um tribunal, tem ligação com o martírio (sofrer pela fé).

A ESTRUTURA TRINITÁRIA DO SÍMBOLO