centro universitÁrio sÃo camilo mestrado em bioÉtica
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CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO
MESTRADO EM BIOÉTICA
MARCELO ANTONIO DA SILVA
INTERFACE ENTRE A TEOLOGIA MORAL CRISTÃ E A BIOÉTICA –
O SERVIÇO À VIDA HUMANA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação strictu sensu em Bioética do
Centro Universitário São Camilo,
como parte dos requisitos para a
obtenção do grau de Mestre em Bioética.
Orientador: Prof. Dr. William Saad Hosne
Co-orientador: Prof. Dr. Leocir Pessini
SÃO PAULO
2008
CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO
MESTRADO EM BIOÉTICA
MARCELO ANTONIO DA SILVA
INTERFACE ENTRE A TEOLOGIA MORAL CRISTÃ E A BIOÉTICA –
O SERVIÇO À VIDA HUMANA
São Paulo, _______ de ____________________de 2008.
_____________________________________
Orientador – Prof. Dr. William Saad Hosne
_____________________________________
Co-orientador – Prof. Dr. Leocir Pessini
Epígrafe O homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende para muito
além das dimensões da sua existência terrena, porque consiste na participação da
própria vida de Deus.
João Paulo II
Agradecimentos: A Deus, pelo dom da vida, para o qual me coloco a serviço,
Ao Dr. William Saad Hossne, mestre e modelo a ser seguido,
Às pessoas, cujo amor e amizade dão sentido à minha vida.
RESUMO
O trabalho visa dar fundamentos filosóficos e teológicos para chegar à possível interface entre a Teologia e a Bioética, que se dá no serviço à vida humana. Dois temas aparentemente ambivalentes serão tratados: filosofia e religião, teologia e bioética. A esse respeito, a Igreja Católica afirma que, a pesquisa metódica de qualquer disciplina, se é feita de maneira realmente científica e de acordo com as normas morais, nunca estará realmente em contraste com a fé. Através do estudo da origem e significado filosófico das palavras moral e ética e de como o cristianismo, com sua teologia, desenvolveram estes conceitos, pretende-se chegar aos pontos em comum e à colaboração que existe entre as duas disciplinas, teologia e filosofia. O trabalho procurou abordar alguns fundamentos da teologia moral, tais como o conceito de pessoa humana, sua dignidade e consciência, passando necessariamente pelo conceito de lei natural e autonomia. Assim, propôs pontes para a bioética, sabendo que os mesmos pontos formam também as bases de reflexão desta disciplina. A defesa da vida e o direito à vida é o primeiro dos valores sociais. Tanto a teologia moral, levando em consideração a teologia elaborada pela Igreja católica, quanto a bioética, têm o valor da vida como o mais fundamental dentre os direitos humanos, e para tanto, ambas as disciplinas caminham na mesma direção, no sentido de fazer com que este direito beneficie todos e seja confiado à consciência de todos. A teologia moral, busca fazer isso, enquanto é uma das ciências humanas, através da contribuição que ela oferece ao interpretar a vida nas dimensões espirituais do ser humano e ao considerar a vida para além do tempo. A bioética, por sua vez, faz com que este direito à vida seja prioritário para todos, através da sua atuação direta no campo bio-médico, propondo uma reflexão crítica e um juízo de valores, além de promover o diálogo bioético envolvendo a investigação multidisciplinar e a participação das mais variadas áreas do conhecimento, por causa da sua atuação transdisciplinar e pluralista. A formação da consciência moral está também sob responsabilidade da teologia e da bioética. Esta consciência, não pode ser uma variável sociopsicológica, especialmente quando os valores são fundamentais, porque a consciência se nutre e se esclarece sempre como juízo da razão, emitido sobre o valor objetivo das nossas ações. A Teologia Moral e a Bioética aplicam seus esforços para fazer com que os homens elaborem um claro juízo de consciência sobre os muitos problemas relativos à vida, especialmente no momento atual dominado pelas descobertas científicas, pelo progresso tecnológico e, com freqüência, pela mentalidade utilitarista. Neste caminho percorrido, os referenciais da bioética, se mostraram também, como pontes importantes que possibilitam a interface entre as duas disciplinas, já que ambas compartilham dos mesmos em sua teoria e práxis. Palavras chave: Autonomia pessoal. Dignidade da pessoa humana. Teologia. Moral. Ética. Bioética
ABSTRACT
The purpose of this paper was to provide philosophical and theological grounds to achieve a possible interface between Theology and Bioethics taking place in the service to human life. Two themes seemingly ambivalent were addressed: philosophy and religion, theology and bioethics. In this respect, the Catholic Church states that the methodic research of any discipline, if conducted in a really scientific manner and according to moral standards, will never actually conflict with faith. Through the study of the origin and philosophical meaning of the words moral and ethics of how Christianity, with its theology, developed those concepts, we intended to reach common points and collaboration between the two disciplines: theology and philosophy. This paper addressed some grounds of moral theology such as the concept of human being, human dignity and conscience, necessarily approaching the concept of natural law and personal autonomy. Then, we proposed bridges to bioethics, aware that the same points also serve as basis for reflection in this discipline. The defense of life and the right to living are the first of the social values. Both moral theology, taking into consideration the theology formulated by the Catholic Church, and bioethics have the value of life as the most fundamental among all human rights; for this reason, both disciplines move in the same direction, in the sense of turning such right into a benefit for all human beings and trusted to the conscience of all human beings. Moral theology has the same purpose, as a human science, through the contribution it provides when interpreting life in the spiritual dimensions of the human being and when considering life beyond time. Bioethics, in turn, makes such right to life a priority for all, through its direct impact on the biomedical field, proposing a critical reflection and a judgment of values, in addition to promoting a bioethical dialog involving multidisciplinary investigation and participation in the most diverse areas of knowledge, owing to its cross-disciplinary and pluralistic performance. The building of the moral conscience is also addressed by theology and bioethics. That conscience may not be a socio-psychological variable, especially when the values are fundamental, because human conscience is always nourished and clarified as a judgment of reason, issued on the objective value of our actions. Moral Theology and Bioethics focus their efforts on leading human beings to the formulation of a clear judgment of conscience on the many life-related problems, especially at the present time that is dominated by scientific discoveries, technological progress and, often, a utilitarian mentality. In the path traveled, bioethical references also constituted important bridges enabling an interface between the two disciplines, considering that both share the same concepts in their theory and practice. Keywords: Personal autonomy. Dignity of the human being. Theology. Moral. Ethics. Bioethics
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 09
2 DA ÉTICA FILOSÓFICA À TEOLOGIA MORAL CRISTÃ 11
2.1 Considerações Iniciais 11
2.2 Ética na Filosofia 13
2.3 Ética na Teologia Cristã 16
2.4 Relação entre a Ética Filosófica e Ética Teológica 18
2.5 Teologia Moral Cristã 20
3 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA MORAL CRISTÃ – PONTES
PARA A BIOÉTICA
24
3.1 Pessoa Humana, Dignidade e Consciência segundo a Ótica Cristã 24
3.1.1 Lei Natural 24
3.1.2 Pessoa Humana sob a Ótica Cristã 26
3.1.3 Desenvolvimento do Conceito de Pessoa Humana à Luz da Fé
Cristã
30
3.1.3.1 O Princípio da Totalidade Unificada da Pessoa Humana 31
3.2 A Dignidade da Pessoa Humana nos Documentos da Igreja
Católica
35
3.3 A Consciência Moral segundo a Teologia Moral 40
3.3.1 Como Funciona a Consciência – a Prudência 43
3.3.2 Consciência e Autonomia 45
4 DA TEOLOGIA MORAL À BIOÉTICA 49
4.1 Alguns Marcos do Desenvolvimento da Teologia Moral Cristã e
sua Colaboração com a Ética Médica
49
4.1.1 A Ética Médica 49
4.1.2 Teologia Moral e Ética Médica 51
4.2 A Bioética 54
4.2.1 Princípios e Referenciais da Bioética 56
4.2.2 O Principialismo 58
4.2.3 Referenciais da Bioética 59
5 INTERFACE ENTRE A TEOLOGIA MORAL CRISTÃ E A
BIOÉTICA – O SERVIÇO À VIDA HUMANA
61
5.1 Relação entre Fé e Moral, Religião e Ética 61
5.2 Posturas da Igreja Católica diante do Diálogo entre Teologia e
Bioética
62
5.2.1 Interfaces entre a Teologia Moral e a Bioética 64
5.3 A Teologia Moral Cristã e a Vida Humana 67
5.4 Teologia Moral Cristã e Bioética a Serviço da Vida 72
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 75
7 REFERÊNCIAS 79
9
1 INTRODUÇÃO
O trabalho visa analisar fundamentos filosóficos e teológicos para chegar
à possível interface entre a Teologia e a Bioética. Dois temas aparentemente
ambivalentes serão tratados: filosofia e religião, teologia e bioética.
Através do estudo da origem e significado filosófico das palavras moral e
ética e da avaliação de como o cristianismo, com sua teologia, influenciou o
desenvolvimento destes conceitos, pretende-se explicitar os pontos em comum e a
colaboração que existe entre as duas disciplinas, teologia e filosofia.
A partir disso, o trabalho abordará pontos considerados relevantes da
teologia moral, tais como o conceito de pessoa humana, sua dignidade e
consciência, passando necessariamente pelo conceito de lei natural e autonomia. E
assim, propor pontes para a bioética, sabendo que os mesmos pontos formam
também as bases de reflexão desta disciplina.
Nesta mesma linha de pensamento, depois de uma reflexão sobre os
marcos do desenvolvimento da teologia moral e sua colaboração com a ética
médica, se tratará da bioética propriamente dita com seus fundamentos e
referenciais.
A respeito da Teologia, se dará enfoque especificamente à teologia cristã
católica, que têm um contexto histórico amplo, que remonta a época patrística, ou
seja, do período do pensamento cristão que se seguiu à época neotestamentária, e
chega até a escolástica, isto é, os séculos II ao século VIII.
Com relação à Bioética, esta é mais recente, remonta mais ou menos 35
anos apenas, diante dos quase 21 séculos da Teologia.
No entanto, tanto a Teologia quanto a Bioética, a nosso ver, abrem
espaço para o diálogo entre si. Ambas ajudando-se mutuamente na reflexão e na
práxis, através dos pontos em comum entre elas.
Tendo um caráter pluralista, interdisciplinar e transdisciplinar, a Bioética
está aberta também à Teologia, como se procurará demonstrar no decorrer do
trabalho. Ambas não se impõem uma à outra, mas se relacionam entre si.
Respeitando a atuação de cada uma, colaboram para um objetivo em comum que é,
em grande medida, o serviço a vida humana.
10
Existe a possibilidade de haver uma interface entre as duas disciplinas. E,
esta se dá através dos referenciais da Bioética e do serviço à vida humana.
11
2 DA ÉTICA FILOSÓFICA À TEOLOGIA MORAL CRISTÃ
2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A guisa de introdução recorremos a Hegel - de 1770 a 1831, filósofo do
idealismo absoluto, que pretendia conciliar e fundar na razão todas as doutrinas e
todas as formas da cultura segundo Baraquin e Laffitte (2007).
Segundo Hegel, a história da religião quer nos seus elementos, quer
pelos seus objetos particulares, tem estreito parentesco com a história da filosofia.
Para ele, do mesmo modo que a ciência é afim da filosofia, porque se refere ao
conhecimento formal, assim a religião, precisamente porque diz respeito ao
conteúdo, é o oposto deste mundo, e se aproxima da filosofia, por se dar como
objeto, não o terreno, nem o mundano, mas o infinito. Com a arte, e especialmente
com a religião, a filosofia tem de comum o ter por conteúdo objetos universais. Arte
e religião são os modos onde as mais altas idéias se revelam à consciência não
filosófica, ou seja, à sensível, intuitiva e representativa. E, visto que a respeito do
tempo e do desenvolvimento da cultura, as manifestações da religião precedem as
da filosofia, deve-se bem determinar até que ponto se há de excluir o elemento
religioso, e não descobrir nele o início da história da filosofia. Vale lembrar aqui a
frase de Tomás de Aquino1 que diz: Filosofia ancila Teologia, ou seja, a Filosofia é a
escrava da Teologia.
Nas religiões, segundo ele, os povos tinham manifestado o seu modo de
representar a essência do mundo, o princípio da natureza e do espírito, e as
relações do homem com o mesmo mundo; a essência absoluta é, na religião, o
objeto da consciência, e, como tal, é considerada principalmente como o outro, algo
que está para além mais ou menos vizinho ou longínquo, mais ou menos propício ou
ameaçador ou terrífico. Mediante o culto, o homem destrói esta oposição e eleva-se
à consciência da unidade do seu ser, ao sentimento, à fé na graça de Deus que
concilia consigo o gênero humano. Se já nas representações, como, por exemplo,
entre os gregos, este ser é a única razão que existe por si mesma, a substância
1 TOMÁS DE AQUINO, Roccasecca, 1225 — Fossanova, 7 de Março 1274 - frade dominicano e teólogo italiano. Foi o mais distinto expoente da Escolástica. Proclamado santo pela Igreja Católica e cognominado de Doctor Communis ou Doctor Angelicus.
12
concreta e geral, a mente cujo primeiro princípio se patenteia à consciência, tudo
isto se reduz a ser uma representação, que não participa apenas da razão, porque
contém já a racionalidade universal e infinita.
Sendo assim, a religião deve ser considerada do mesmo modo que a
filosofia e avaliada racionalmente como produto da razão que se patenteia a si
mesma e dela é o mais elevado e mais racional conteúdo. Para Hegel, a religião, na
sua essência, mantém firmes os mais elevados valores em contraposição aos fins
temporais, e sobre aqueles constrói uma religião sublime, santuário da verdade onde
se dissolvem as ilusões do mundo sensível, das representações, dos fins limitados,
da esfera das opiniões e do arbítrio. É lícito, por isso, sustentar que, graças a esta
racionalidade, conteúdo essencial das religiões, se consentiu, aqui, em considerar
estas, como sucessão histórica de filosofemas.
Com relação à filosofia, Hegel diz que esta se apóia nas mesmas bases
da religião, enquanto o objeto de ambas é idêntico, isto é, a razão universal
existente em si e por si. O espírito quer fazer seu este objeto, como precisamente
faz a religião por meio do rito e do culto; simplesmente, a forma que assume este
conteúdo na religião é diferente da forma pela qual o objeto da filosofia está contido,
nesta, e por isso uma história da filosofia deve parecer necessariamente diversa de
uma história da religião. O culto não é senão um abandonar-se ao objeto do
pensamento; a filosofia, pelo contrário, pretende obter esta conciliação por meio do
conhecimento pensante, porque o espírito aspira a absorver o seu ser em si mesmo.
A filosofia volta-se para o seu objeto na forma de consciência pensante; a religião,
não; mas esta diferença não deve considerar-se assim abstrata para legitimar a
conclusão de que somente na filosofia se pensa e não na religião, visto que também
a religião possui representações, idéias universais.
Para Hegel, se no mundo cristão, a religião cristã e a filosofia são
consideradas nitidamente distintas, nas antiguidades orientais, pelo contrário,
religião e filosofia são consideradas unidas neste sentido, a saber, que o objeto na
forma em que se torna filosofia é o conteúdo de ambas. Dado o abuso deste modo
de conceber a religião e a filosofia, e animados pelo intuito de traçar fronteiras bem
delimitadas entre a história da filosofia e as representações religiosas, será oportuno
observar mais de perto a forma que separa as idéias religiosas dos filosofemas. A
religião tem idéias universais como conteúdo implícito e também explícito na forma
do pensamento. Nas religiões indiana e persa, por exemplo, segundo Hegel,
13
expressam-se idéias profundas, sublimes e especulativas. Assim, na religião
podemos encontrar uma filosofia definida: tal é, por exemplo, a filosofia dos Padres
da Igreja. A filosofia escolástica, na realidade, era teologia; encontramos nela, por
exemplo, uma união, ou uma mistura de filosofia e de teologia.
Diante desse pressuposto inicial, o capítulo seguirá abordando a ética
filosófica, a ética teológica e depois tratará da relação entre estas duas com a
Teologia Moral. Hegel (1999).
2.2 ÉTICA NA FILOSOFIA
O termo ética nasce de um contexto filosófico, onde vários pensadores,
em diferentes épocas, abordaram especificamente assuntos sobre a Ética, como por
exemplo: Sócrates2, Aristóteles3, Santo Agostinho4, Santo Tomás de Aquino5,
Kant6, Espinoza7, Hegel8, Kierkergaard9, Weber10, Nietzsche11 e Pascal12. O termo
leva a interpretar diversos significados.
2 Sócrates, em grego Σωκράτης, Sōkrátēs, (470 a.C. - 399 a.C.). Filósofo ateniense e um dos mais importantes ícones da tradição filosófica ocidental e um dos fundadores da atual Filosofia Ocidental.
3 Aristóteles (em grego Αριστοτέλης) nasceu em Estagira, na Calcídica (384 a.C. - 322 a.C.). Filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, é considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos e criador do pensamento lógico.
4 Santo Agostinho destaca-se entre os Padres da Igreja como Tomás de Aquino se destaca entre os Escolásticos. E como Tomás de Aquino se inspira na filosofia de Aristóteles, e será o maior vulto da filosofia metafísica cristã, Agostinho inspira-se em Platão, ou melhor, no neoplatonismo. Agostinho, pela profundidade do seu sentir e pelo seu gênio compreensivo, fundiu em si mesmo o caráter especulativo da patrística grega com o caráter prático da patrística latina, ainda que os problemas que fundamentalmente o preocupam sejam sempre os problemas práticos e morais: o mal, a liberdade, a graça, a predestinação. Agostinho nasceu em Tagaste, cidade da Numídia, no ano de 354 e morreu em 430.
5 Ibdem n. 1
6 Immanuel Kant ou Emanuel Kant (Königsberg, 22 de Abril de 1724 — Königsberg, 12 de Fevereiro de 1804) Filósofo alemão, geralmente considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna, indiscutivelmente um dos seus pensadores mais influentes.
7 Benedictus de Spinoza (Amsterdã, 24 de Novembro de 1632 — Haia, 21 de Fevereiro de 1677), forma latinizada de Baruch de Spinoza (em hebraico: הזוניפש ךורב), também conhecido por Bento de Espinosa. Um dos grandes racionalistas da filosofia moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. É considerado o fundador do criticismo bíblico moderno.
14
Nicola (2005) propôs aproximar a Filosofia do público não especializado,
a partir de textos que constituem as vigas mestras do pensamento filosófico
construído a partir de Tales13 que é de 624-545 a.C. até o início do século XX, com
Freud14 e Husserl15, por exemplo. É um dos primeiros autores a ser citado, pois a
intenção do presente trabalho, ao abordar temas que envolvam a filosofia e a
teologia, é também fazer com que eles sejam de mais fácil compreensão para todos
os públicos. Nesse sentido, Nicola usa o termo “Ética” para indicar as pesquisas que
têm por objeto as qualidades peculiares do comportamento humano. A ética
aristolélica, ainda hoje, é usada como uma das bases fundamentais do pensamento
humano. Aristóteles - de 384 a 423 a.C -, em suas duas principais obras sobre ética,
Ética a Eudemo e a Ética a Nicômaco, trata de temas como virtudes éticas, amizade,
conceito de justiça, destino e fraqueza do espírito. Aristóteles é considerado o
fundador da disciplina que se passou a chamar de ética.
8 Georg Wilhelm Friedrich Hegel (Estugarda, 27 de agosto de 1770 — Berlim, 14 de novembro de 1831). Filósofo do idealismo absoluto, autor do maior sistema filosófico, que pretendia conciliar e fundar na razão todas as doutrinas e todas as formas da cultura.
9 Søren Aabye Kierkegaard (Copenhague, 5 de Maio de 1813 — Copenhague, 11 de Novembro de 1855). Teólogo e filósofo dinamarquês do século XIX, que é conhecido por ser o "pai do existencialismo".
10 Maximillian Carl Emil Weber (Erfurt, 21 de Abril de 1864 — Munique, 14 de Junho de 1920). Intelectual alemão, jurista, economista e considerado um dos fundadores da Sociologia.
11 Friedrich Wilhelm Nietzsche (Röcken, 15 de Outubro de 1844 — Weimar, 25 de Agosto de 1900). Influente filósofo alemão do século XIX. Crítico da cultura ocidental e suas religiões e, conseqüentemente, da moral judaico-cristã.
12 Blaise Pascal (Clermont-Ferrand, Puy-de-Dôme, 19 de Junho de 1623 - Paris, 19 de Agosto de 1662). Filósofo, físico e matemático francês de curta existência, que como filósofo e místico criou uma das afirmações mais pronunciadas pela humanidade nos séculos posteriores, O coração tem razões que a própria razão desconhece, síntese de sua doutrina filosófica: o raciocínio lógico e a emoção.
13 Tales de Mileto (em grego Θαλής ο Μιλήσιος) foi o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia. É o marco inicial da filosofia ocidental. De ascendência fenícia, nasceu em Mileto, antiga colônia grega, na Ásia Menor, atual Turquia, por volta de 624 a.C. e faleceu aproximadamente em 545 a.C.
14 Sigmund Freud (Příbor, 6 de maio de 1856 — Londres, 23 de setembro de 1939). Médico neurologista judeu-austríaco, fundador da Psicanálise.
15 Edmund Gustav Albrecht Husserl (Prossnitz, 8 de Abril de 1859 — Friburgo, 26 de Abril de 1938). Filósofo alemão, conhecido como fundador da fenomenologia.
15
KANT16 (apud Nicola, 2005), um dos mais importantes filósofos da era
moderna, no campo ético, elaborou a doutrina do imperativo categórico. O núcleo
desta doutrina afirma que um comportamento pode ser considerado moral quando é
universalizável, isto é, quando se prende a uma norma que ultrapassa o caso
concreto, a utilidade ou o interesse pessoal. Existem, segundo Kant,
comportamentos que a consciência reconhece como certos ou errados em si,
independentemente das conseqüências e da situação específica em que se
desenvolvem. A ação necessária encontra o próprio fim em si mesma e em nada
mais. É significativo que Kant também tenha sentido a necessidade de acrescentar à
enunciação teórica da doutrina a análise de alguns casos concretos; com efeito, no
campo ético, a psique tende a relativizar e a justificar, com base em considerações
particulares e específicas, ações que são negadas em teoria. Mas se um
comportamento se insere no imperativo categórico, podendo ser universalizado
como lei geral, não negociável, deve ser posto em ato, sem dúvida.
Tanto ética como moral são termos de uso corrente e estão relacionados
com o conceito de certo e errado. A origem da palavra Ética vem do grego ethos,
que quer dizer o modo de ser, ou o caráter da pessoa. O ethos compreende atitudes
de comportamento que caracterizam uma cultura ou um grupo profissional, à medida
que eles assumem certos valores ou determinada hierarquia de valores. Os romanos
traduziram o ethos grego, para o latim mos ou no plural mores, que quer dizer
costumes, valores, normas de conduta própria de uma sociedade e cultura, de onde
vem a palavra moral. Tanto ethos - caráter, modo de ser de uma pessoa, índole,
temperamento, como mos – costume, indicam um tipo de comportamento
propriamente humano que não é natural, ou seja, o homem não nasce com ele como
se fosse um instinto, mas que é adquirido ou conquistado por hábito, uma conduta
de vida, o que é específico do homem.
Chauí (2007) escreve que essas duas palavras derivam de uma mesma
raiz que assume, em cada uma delas, vocalismo diferente: éthos (e breve fechado) e
êthos (e longo aberto). Para ela, éthos significa costume, uso, hábito; e o verbo
eíotha: ter o costume, ter o hábito. Já êthos significa: caráter, maneira de ser de uma
pessoa, índole, temperamento, disposições naturais de uma pessoa segundo seu
corpo e sua alma, os costumes de alguém (animal, homem, uma cidade) conforme à
16 Ibdem n. 6
16
sua natureza. Éthos se refere ao costumeiro; êthos se refere ao que se faz ou se é
por características naturais, próprias de alguém ou de alguma coisa, o caráter de
alguém ou de alguma coisa. O êthos é tratado pela ética, que estuda as ações e
paixões humanas, segundo o caráter ou a índole natural dos seres humanos.
Em Bento (2005), ética e moral, pela própria etimologia, referem-se a uma
realidade humana que é construída histórica e socialmente a partir das relações
coletivas dos seres humanos, nas sociedades onde nascem e vivem.
Etimologicamente ética e moral podem ser consideradas palavras sinônimas, termos
que podem ser considerados equivalentes. Ambas cuidam de valores. Na moral, se
trata de valores consagrados pelos usos e costumes de uma sociedade e, por isso,
podem variar de uma sociedade par outra e até mesmo na mesma sociedade
através dos tempos. A Ética é um processo de reflexão crítica, trabalha com valores,
muitas vezes em conflito, o que implica em uma opção de valores. E isso leva a uma
condição indispensável para o exercício ético – a Liberdade (HOSSNE)17
Barchinfontaine (2004) indica que a moral representa um conjunto de
ideais, normas, princípios, preceitos, costumes, valores e atos repetidos, no seu
grupo social num determinado lugar e numa determinada época, reconhecidos como
válidos por uma determinada sociedade. A moral é normativa, baseada em
princípios e regras estabelecidas, é mais concreta e conceitua o que é uma boa ou
má conduta. Enquanto a ética é definida como a teoria, a reflexão ou a ciência do
comportamento moral dos seres humanos, que busca explicar, compreender,
justificar racionalmente e criticar a moral ou as morais (os ideais e os valores) de
uma sociedade.
A Moral procura discutir e propor normas válidas para todos, isto é, sobre
o que o homem deve fazer e a Ética procura estabelecer princípios de conduta, ou
seja, dos valores que deve realizar. “Moral e ética formam um complexo no qual a
moral é um sentimento subjetivo reconhecido interiormente pela pessoa, e ética é a
fase objetiva onde a norma é o costume do grupo social” (CREMESC, 2003).
2.3 ÉTICA NA TEOLOGIA CRISTÃ
17 HOSSNE, WILLIAM SAAD, Anotações em sala de aula – Mestrado em Bioética – Faculdade São Camilo, 2006.
17
Primeiramente, abordaremos o tópico Teologia, para então falarmos
sobre a Ética refletida nesta disciplina. Elegemos Gomes (1989), pois, ele designa
de modo simples o que é a Teologia. De acordo com este autor, é a fé à procura do
entendimento. Em seu sentido literal, é o estudo sobre Deus – do grego θεóς, theos,
"Deus"; + λóγος, logos, "palavra", por extensão, "estudo". Como ciência tem um
objeto de estudo: Deus. Entretanto como não é possível estudar diretamente um
objeto que não vemos e não tocamos, estuda-se Deus a partir da sua revelação. No
Cristianismo isto se dá a partir da revelação de Deus na Sagrada Escritura e na
Tradição apostólica18.
Segundo Neri (2004) dos séculos II ao século V d.C., os pensadores
cristãos, chamados Padres da Igreja, começaram a lidar com a cultura pagã e
utilizavam quadros conceituais fornecidos pela filosofia grega para elaborar e
aprofundar a visão cristã do mundo e do homem. Quando utilizaram a ética
filosófica, encontraram um problema de fundo, que era o de saber se e como seria
possível reinterpretar a herança deixada pela filosofia grega de modo a torná-la
compatível com a revelação e com o ideal de vida que dela possa ter vindo. Para
solucionar este problema, havia duas exigências. Primeiro, defender o modo de vida
das comunidades cristãs contra as infamantes acusações que circulavam no mundo
pagão e com esse fim deviam tornar compreensíveis essas defesas a uma cultura
profundamente impregnada de filosofia grega, utilizando os conceitos e o
vocabulário dela, mas também, às vezes as doutrinas. A segunda exigência consiste
na idéia de apresentar o cristianismo, não nos termos de uma ruptura ou
contraposição radical ao mundo pagão, mas em termos de continuidade, ou seja,
como o próprio cumprimento da história do mundo greco-romano. Segundo o autor,
é evidente a importância política dessa idéia, que culminará com o reconhecimento
da religião cristã no edito de Constantino, de 380 d.C.
O instrumento fundamental para realizar essa complexa operação
cultural, diz Neri, foi indicado por um dos primeiros Padres da Igreja, Clemente de
Alexandria – de 150 a 215 -, e consistia em afirmar que o lume da “razão natural”
permitira a alguns filósofos antigos perceber algumas verdades acerca da vida boa,
aquelas, obviamente, que coincidiam com as verdades cristãs. Isso permitia “salvar”
18 Tradição apostólica, chamada pela Igreja de Sagrada, é tudo aquilo que ela recebeu dos Apóstolos e que a eles foi confiado diretamente pelo próprio Jesus Cristo.
18
uma parte da filosofia clássica, mas também pensar que todo homem, antes mesmo
de ser tocado pelo dom da fé, tivesse a capacidade inata de discernir o bem do mal.
Essa idéia não era estranha à cultura pagã e até tinha sido posta pelo escritor
romano Cícero como base da sua doutrina do direito natural. Essa capacidade inata
foi, depois, chamada por São Jerônimo 19 - de 347 a 420 -, de sindérese, termo que
indica o ato de uma capacidade de tipo intelectivo – às vezes identificada com a
consciência – que permite perceber os princípios primeiros do raciocínio moral, os
quais mais tarde serão identificados com as “leis naturais”. O primeiro documento
oficial da igreja no qual se usa essa locução é um edito do sínodo de Arles, de 475
d.C., em que a lei natural é referida à lei mosaica antes da vinda de Cristo e definida
como a lei que Deus imprimiu no coração dos homens. Essa doutrina, porém, já
estava presente na primeira grandiosa tentativa realizada por Santo Agostinho20
(354-430) de utilizar organicamente a herança antiga para aprofundar os conteúdos
da concepção cristã do mundo.
2.4 RELAÇÃO ENTRE A ÉTICA FILOSÓFICA E A ÉTICA TEOLÓGICA Fazer uma relação entre a Ética Filosófica e a Ética Teológica é fazer
uma relação entre duas ciências práticas. No Dicionário de Teologia Moral,
encontramos Molinaro (1997), dizendo que não é uma relação entre razão e fé, entre
compreender e crer, entre visão racional e visão crente, mas entre a praxe da razão
e a praxe da fé, entre o agir por força da razão prática e o agir por força da fé
prática, entre consciência do mundo dos valores, enquanto humanos, e consciência
do mundo dos valores, enquanto cristãos, entre o sujeito ético, que se desenvolve,
enquanto homem, e o sujeito ético, que se desenvolve, enquanto cristão. Esta
relação deve referir-se ao complexo sistemático e metodológico dessas duas
ciências, que são práticas pelo seu objeto material, mas que são teóricas ou
19
São Jerônimo é contado entre os maiores Doutores da Igreja dos primeiros séculos. De cultura enciclopédica, foi escritor, filósofo, teólogo, retórico, gramático, dialético, historiador, exegeta e doutor nas Sagradas Escrituras. Jerônimo nasceu na Dalmácia, hoje Croácia, por volta do ano 347 e morreu em 420.
20 Ibdem n. 4.
19
especulativas, pelo seu objeto formal, isto é, quanto ao seu modo de conhecer e
unificar organicamente os conhecimentos adquiridos, e quanto aos princípios que as
justificam e ao critério de sua verdade. Com efeito, é óbvio que ao pôr em relação a
pergunta “Quem é o homem?” com a outra: “Quem é o cristão?” haverá a
comparação entre a antropologia filosófica com a teológica, ciências, ambas
teóricas, cujo termo é a própria teoria, isto é a verdade sobre o homem.
Segundo o mesmo autor, existe uma comunhão de estrutura entre ética
filosófica e ética teológica. Ou seja, ao passar de uma a outra disciplina, não se sai
do campo prático, quer este seja entendido como conteúdo do conhecimento moral,
quer como forma normativa deste conhecimento. Trata-se, nos dois casos, de
ciência normativamente prática. As duas disciplinas configuram-se ainda como
eticidade ou moralidade. Para as duas vale que o princípio moral fundamental é o
sujeito prático, o sujeito agente; elas constituem-se como desenvolvimento teórico
deste princípio, como sua enucleação sistemática, como ciências normativamente
práticas, na base e por força deste princípio. Elas têm como conteúdo e como forma
a exposição do sujeito prático na sua específica constituição e a apresentação desta
constituição como normatividade. Por conseguinte, tanto a ética filosófica quanto a
ética teológica concentram-se na consciência como lugar integral de todo o mundo
ético. Lugar integral no sentido de que a consciência, na qual se resolve a realidade
do sujeito ético, apresenta-se como a síntese ou correlação essencial do saber ético,
da liberdade ética e do valor ético: a consciência é o conhecer-se a si como
liberdade que é lei; é ser livre em conhecer-se a si como lei; é a lei que conhece a si
mesma como liberdade. Se houver presente a identidade entre consciência e sujeito
ético, e que essa identidade é o princípio moral, então é evidente que, da mesma
maneira que o mundo ético, a vida ética nada mais é do que a enucleação do que é
contido em núcleo na síntese da consciência, assim o desenvolvimento da ética e
sua constituição não consistem em nada mais do que na enucleação do princípio da
consciência; a ética filosófica e a teológica são assim ciências normativas, enquanto
ciências da consciência.
Para Molinaro, essa comunhão de estrutura permite que se captem
diferenças que caracterizam as duas éticas. Essas diferenças derivam da
perspectiva teológica e filosófica diversa e não mudam a natureza ética, comum às
duas ciências. Ou seja, quando se leva em consideração a dimensão prática do
homem, é possível captar uma diferença essencial, se o sujeito em que se realiza
20
essa dimensão for o homem enquanto tal, ou o homem enquanto cristão; isso,
porém, não impede que tanto um como outro, ao realizar essa diferença essencial, a
realizem segundo a estrutura íntima da dimensão prática, isto é, segundo sua
modalidade prática: aquele que age, vivendo praticamente a sua racionalidade, este
age, vivendo praticamente a sua fé. A busca das diferenças, que originam as duas
ciências éticas, deve visar, portanto, o ponto no qual a perspectiva diversa se
compenetra tão profundamente na idêntica estrutura que forma unidade, no qual é
igualmente legítimo e verdadeiro falar do sujeito ético, enquanto sujeito cristão, e do
sujeito cristão, enquanto sujeito ético; no qual, a passagem essencial de uma
perspectiva para a outra, não significa passagem de uma dimensão à outra, mas
seja a novidade da mesma dimensão ética. O cristão vive sua fé na mesma
dimensão ética em que o homem vive sua humanidade: a ética da fé é
essencialmente diferente da ética da razão, mas, em ambos os casos, trata-se de
ética, que não muda a si mesma pelo fato de atuar-se dentro do quadro da fé, ou do
quadro da pura razão. Essas precisões têm diretamente caráter metodológico,
enquanto se referem, quer ao método segundo o qual se constrói a ética filosófica e
especialmente a teológica, quer à formação do homem e do cristão. Mas, ao mesmo
tempo e inseparavelmente, referem-se ao conteúdo, enquanto constituem afirmação
de princípio que diz respeito ao sentido e ao valor da ética, no âmbito filosófico e no
teológico.
Portanto, no nível teológico a ética é plenamente legitimada como ética
humana, natural e racional, mas assumida e superada no âmbito da salvação, que
define o valor e o sentido da sua verdade. No nível filosófico a ética encontra-se no
seu estado próprio e nativo, mas, aqui também, necessitada de superação, isto é, de
consolidação do valor e do sentido de sua verdade, dentro do âmbito da metafísica.
Em ambos os níveis sua dimensão não é a última e definitiva, e sim, a secundária e
subordinada. Como no plano filosófico, a ética é a posição prática do homem quanto
ao tudo e ao Absoluto, assim, no plano teológico, é a posição prática quanto à
salvação e à caridade.
2.5 TEOLOGIA MORAL CRISTÃ A Teologia Moral é a parte da Teologia que estuda os atos humanos.
Segundo Sada e Monroy (1989), ela tem por finalidade ajudar o homem a guiar os
21
seus atos e é, por isso, uma ciência eminentemente prática. É uma parte da
Teologia que procura deduzir da Sagrada Escritura as normas concretas que levem
a pessoa humana à sua plena realização
A partir deste contexto, é preciso diferenciar a Teologia Moral da Ética
Filosófica. Embora contribua para a realização do ser humano, a Ética Filosófica
guia-se basicamente pelas luzes da razão. Indica os caminhos que o bom senso e o
raciocínio podem descobrir para orientar o comportamento humano. A Teologia, por
sua vez, nos mostra que a Ética Filosófica é válida, mas prescinde da dimensão
espiritual do ser humano não atingindo assim o mais profundo mistério do homem.
Isso no que diz respeito à sua dimensão espiritual ou sobrenatural.
De acordo com o Hossne21, ao se fazer uma opção de valores (éticos) se
põe em jogo não só a sua racionalidade, mas também a sua emoção.
A Teologia Moral, segundo Vazquez (2006), tem em comum com a Ética
Filosófica seu objeto material, que é o comportamento humano responsável,
enquanto qualificável como bom ou mau. Mas, para julgar se o comportamento é
bom ou mau, é preciso ter em conta não só a reflexão racional, mas também a
revelação e a fé. Verifica-se aqui que esta perspectiva é que delimita o objeto formal
desta disciplina. Esta consideração do objeto nos indica o estatuto próprio da
Teologia Moral. João Paulo II22 (1993) reflete:
A ciência que acolhe e interpela a Revelação divina e responde por sua vez
às exigências da razão humana. A Teologia Moral é uma reflexão que
concerne à “moralidade”, ou seja, ao bem e ao mal dos atos humanos e da
21 HOSSNE, WILLIAM SAAD, Anotações em sala de aula – Mestrado em Bioética – Faculdade São Camilo, 2006.
22 Papa João Paulo II, nascido Karol Józef Wojtyła, (Wadowice, 18 de Maio de 1920 — Vaticano, 2 de Abril de 2005) foi o Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana de 16 de Outubro de 1978 até a data da sua morte, e sucedeu ao Papa João Paulo I, tornando-se o primeiro Papa não italiano em 450 anos (desde o neerlandês Adriano VI, no século XVI). Teve o 3.º papado mais longo da história do catolicismo. Seu funeral foi o maior de um Chefe de Estado em toda a história. http://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Jo%C3%A3o_Paulo_II, acessado em 18/02/2008.
22
pessoa que os realiza, e neste sentido, está aberta a todos os homens;
porém é também Teologia, enquanto reconhece o princípio e o fim do
comportamento moral Naquele que ‘só é bom’ e que, dando-se ao homem
em Cristo, lhe oferece as bem-aventuranças da vida divina (JOÃO PAULO
II, VERITATIS SPLENDOR, n. 110).
Nesta mesma encíclica, Veritatis Splendor, João Paulo II (1993), oferece
outra definição da Teologia Moral Cristã. Ele a apresenta como:
uma reflexão crítica sobre o Evangelho como dom e mandamento de vida
nova, sobre a vida segundo a ‘verdade no mundo’ (Ef 4,15), sobre a vida de
santidade da Igreja, ou seja, sobre a vida na qual resplandece a verdade do
bem levado até a sua perfeição (JOÃO PAULO II, VERITATIS SPLENDOR,
n. 110).
A Teologia Moral ainda diferencia-se do Direito, que tem em vista a
sociedade e a necessidade de se regulamentar a convivência dos homens entre si, a
fim de que, a mesma seja harmoniosa e construtiva. O Direito considera apenas o
foro externo ou o comportamento visível da pessoa – está ou não está de acordo
com as normas estabelecidas; a Teologia Moral vai ao íntimo do ser humano ou ao
seu foro interno e à sua consciência.
Sada e Monroy (1989) citando Santo Tomás de Aquino escrevem que a
Teologia Moral se ocupa do movimento, ou seja, do caminho da criatura racional
para Deus. Ela trata dos atos humanos, ou seja, daqueles atos que o homem
executa com conhecimento e de livre vontade, e que, por isso mesmo, são os únicos
a que se pode atribuir valoração moral.
Por conseguinte, é sabido que, não são atos humanos sujeitos à
moralidade:
Aqueles que, embora feitos pelo homem, são meramente naturais e nos
quais não há nenhum domínio voluntário: por exemplo, a digestão ou a
respiração;
Aqueles que se realizam sem pleno conhecimento: por exemplo, os
praticados por pessoas destituídas da razão, ou embriagadas ou
hipnotizadas, como também os atos das crianças que não tenham o uso da
razão;
23
Aqueles que se praticam sem plena vontade: por exemplo, uma ação
realizada debaixo do influxo de violência a que não se pode resistir. (SADA;
MONROY, 1989 p. 15).
A Teologia Moral não considera os atos humanos na sua mera essência
ou constituição interna – o que é próprio da Psicologia – nem em vista de moralidade
puramente humana ou natural – o que corresponde à Ética ou Filosofia Moral – mas
sim em ordem à moralidade sobrenatural, ou seja, na medida em que aproximam ou
afastam o homem do seu fim sobrenatural eterno.
Consideram-se fontes da Teologia Moral Cristã:
A Sagrada Escritura, por ser a própria Palavra de Deus, é a primeira fonte
da Moral Cristã.
A Tradição Cristã, fonte complementar da Sagrada Escritura, pois, segundo
a Teologia Católica, nem todas as verdades reveladas por Deus estão
contidas na Bíblia. Muitas delas foram reveladas oralmente pelo próprio
Cristo, ou por meio dos Apóstolos, inspirados pelo Espírito Santo, e
chegaram até nós transmitidas pela Tradição. Esta nos vem através dos
Padres da Igreja, também chamados Santos Padres, que são um conjunto
de escritores dos primeiros séculos da Igreja, que, pela antiguidade,
doutrina, santidade de vida e aprovação pela Igreja, são considerados
autênticas testemunhas da fé cristã. Vem dos teólogos, que são autores
posteriores à época patrística23, dedicados ao estudo científico e sistemático
das verdades relacionadas com a Fé e os costumes, como por exemplo, S.
Tomás de Aquino (1225-1274). E vem da própria vida da Igreja, desde o seu
início através da Liturgia e do sentir do povo cristão.
O Magistério da Igreja, que guarda e interpreta legitimamente a Revelação
divina. Segundo a Teologia Católica, a infalibilidade do Magistério
Eclesiástico não incide apenas em questões de Fé, mas também em
questões de moral. E, dentro desta, não exclusivamente nos princípios
gerais, pois vai até a normas particulares e concretas.
Fontes Subsidiarias, entre as quais ocupa lugar eminente a razão natural,
que auxilia a Teologia Moral, realçando a harmonia entre as normas da
Moral sobrenatural contidas na Revelação divina, e as propugnadas pela
ordem ética puramente natural. Ensina a Igreja que a Revelação e a Razão
23Período do pensamento cristão que se seguiu à época neotestamentária, e chega até ao começo da Escolástica: isto é, os séculos II-VIII da era vulgar. Este período da cultura cristã é designado com o nome de Patrística, porquanto representa o pensamento dos Padres da Igreja, que são os construtores da teologia católica, guias, mestres da doutrina cristã.
24
nunca se podem contradizer e que a Razão pode dar valiosa ajuda à
inteligência dos mistérios da Fé. Nesta ação racional, destacam-se os
filósofos anteriores a Cristo que subsidiam até hoje a Teologia cristã:
Sócrates, Platão, Aristóteles e Séneca, que construíram admiráveis
sistemas éticos. (SADA; MONROY, 1989, p. 17,18 e 19)
Com base nestes primeiros conceitos, se buscará desenvolver a reflexão
sobre a Teologia Moral e a Bioética.
3 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA MORAL CRISTÃ – PONTES PARA A BIOÉTICA
Selecionamos a seguir, alguns tópicos, dentro dos fundamentos da
Teologia Moral Cristã, para que possamos, a partir deles, estabelecer pontes para a
Bioética. Não são todos, mas os que nos conduzirão para demonstrar a interação
entre as duas disciplinas.
3.1 PESSOA HUMANA, DIGNIDADE E CONSCIÊNCIA MORAL, SEGUNDO A
ÓTICA CRISTÃ 3.1.1 LEI NATURAL
Segundo a Teologia católica, quando se fala da pessoa humana e sua
dignidade, é preciso levar em consideração a Lei Natural, aquela que Deus incute
através da natureza ou da realidade íntima nas criaturas. Pode ser lei natural física
ou moral. A lei natural física compreende as leis da natureza, como as leis da
gravidade e da atração da matéria. A lei natural moral coincide com as normas
morais que todo homem pode conhecer através da luz da razão, como: não matar,
não roubar, não adulterar, honrar pai e mãe, fazer o bem e ajudar o próximo. Nesta
visão, Deus, autor da lei natural, se utiliza dela para que a criatura chegue à sua
plena realização. João Paulo II (1993), diz o seguinte, a respeito da lei natural:
A lei natural não é mais do que a luz da inteligência infundida por Deus em
nós. Graças a ela, conhecemos o que se deve cumprir e o que se deve
evitar. Esta luz e esta lei, Deus a concedeu na criação. A justa autonomia
da razão prática significa que o homem possui em si mesmo a própria lei,
recebida do Criador (JOÃO PAULO II, VERITATIS SPLENDOR, n.40)
25
A dignidade do homem, na ótica cristã, exige que ele se incline para Deus
e evite o mal. A lei natural auxilia o homem no discernimento entre o bem e o mal. O
Papa João Paulo II afirma que:
Na sua inclinação para Deus, para Aquele que “só é bom”, o homem deve
livremente fazer o bem e evitar o mal. Mas para isso, o homem deve poder
distinguir o bem do mal. Fá-lo, antes de mais nada, graças à luz da razão
natural, reflexo no homem do esplendor da face de Deus. Neste sentido,
escreve S. Tomás ao comentar um versículo do Salmo 4: “Depois de ter
dito: Oferecei sacrifícios de justiça (Sal 4,6), como se alguns lhe pedissem
quais são as obras da justiça, o salmista acrescenta: Muitos dizem: quem
nos fará ver o bem? E, respondendo à pergunta, diz: A luz da Vossa face,
Senhor, foi impressa em nós. Como se quisesse dizer que a luz da razão
natural, pela qual distinguimos o bem do mal – naquilo que é da
competência da lei natural – nada mais é senão um vestígio da luz divina
em nós. Disto se deduz também do motivo pelo qual esta lei é chamada lei
natural: chama-se assim, não por referência à natureza dos seres
irracionais, mas porque a razão, que a dita, é própria da natureza humana.
(JOÃO PAULO II, 1993, VERITATIS SPLENDOR, 43 par. 2 e 44)
De acordo com a Teologia católica, a lei natural está no interior do homem
e é própria de sua natureza.
Deus provê de um modo diferente do usado com os seres que não são
pessoas: não de fora, através das leis da natureza física, mas de dentro,
mediante a razão que, conhecendo pela luz natural a lei eterna de Deus,
está, por isso mesmo, em condições de indicar ao homem a justa direção
do seu livre agir. [...] Por isso, ela participa (a criatura racional) da razão
eterna, graças a qual tem uma inclinação natural para o ato e o fim devidos;
esta participação da lei eterna na criatura racional é chamada lei natural. [...]
Daí decorre que a lei natural é a mesma lei eterna, inscrita nos seres
dotados de razão, que os inclina para o ato e o fim que lhes convém; ela é a
própria razão eterna do Criador e governador do universo. (JOÃO PAULO II,
1993, VERITATIS SPLENDOR, 43 par. 2 e 44)
A lei natural não coloca o homem numa situação de independência de
Deus, nem no direito de viver, excluindo Deus da condução da sua vida, pelo
contrário, toda a sua razão e sabedoria devem estar submetidas ao seu Criador,
pois:
26
[...] esta prescrição da razão humana não poderia ter força de lei, se não
fosse a voz e a interprete de uma razão mais alta, à qual o nosso espírito e
a nossa liberdade devem estar submetidos. (JOÃO PAULO II, 1993,
VERITATIS SPLENDOR, 44)
João Paulo II quando fala da lei ou nova lei, aquela que é interior, a lei do
amor, descreve na Carta Encíclica Veritatis Splendor:
Esta pode ser denominada lei em duplo sentido. Primeiramente, lei do
espírito é o Espírito Santo [...] que, habitando na alma, não só ensina o que
é necessário realizar pela iluminação da inteligência sobre as coisas a
serem cumpridas, mas inclina também a agir com retidão. [...] Num sentido,
lei do espírito pode designar o efeito próprio do Espírito Santo, ou seja, a fé
que atua pela caridade (Gal 5,3), a qual, portanto, ensina interiormente
sobre as coisas que devem ser feitas [...] e inclina o afeto a agir (JOÃO
PAULO II, 1993, VERITATIS SPLENDOR, 45)
Para Vazquez (2006), segundo a célebre definição de Montesquieu24 “as
leis são relações necessárias que derivam da natureza das coisas”, tanto o termo
“lei” como “natural”, possuem um significado análogo, quando se aplicam ao mundo
físico ou a um contexto moral. Portanto a lei moral natural não é aquela que regula a
natureza das coisas “físicas”, senão que se pode definir como a regra dos atos
humanos segundo a natureza humana, que é uma natureza racional. É uma lei que
regula aqueles “atos humanos” nos quais estão presentes sempre dois aspectos:
primeiro a consciência e a liberdade, segundo, uma natureza que é “humana”, ou
espiritual, racional, aberta. Diz ele: “disto se deduz o motivo pelo qual esta lei se
chama lei natural: não por relação à natureza dos seres irracionais, mas porque a
razão que a promulga é própria da natureza humana”. É mediante os conceitos de
natureza humana e de ato consciente e livre que se obtêm uma fundamentação
sólida da moralidade. Segundo o autor, assim, se fundamenta a lei natural não só do
lado objetivo – do valor moral que se nos apresenta, mas do lado subjetivo, ou seja,
do sujeito racional que experimenta o valor moral.
24 Montesquieu nasceu em 18/01/1689, La Brède, França e morreu em 10/02/1755, Paris, França. Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu foi um dos grandes filósofos políticos do Iluminismo. Ele escreveu um relatório sobre as várias formas de governo, em que explicou como os governos podem ser preservados da corrupção...
27
3.1.2 PESSOA HUMANA – SOB A ÓTICA CRISTÃ
À guisa de introdução, vale referir que, conforme Honderich (apud Bento,
2005, p. 177), um dos sentidos atuais do termo pessoa é “ser autoconsciente ou
racional”. Diz que atualmente, uma das definições de pessoa mais divulgadas é a de
John Locke – 1632 a 1704 -, segundo o qual, a pessoa é “um ser inteligente e
pensante dotado de razão e reflexão e que pode considerar-se a si mesmo aquilo
que é, a mesma coisa pensante, em diferentes momentos e lugares”. Honderich diz
que, por outro lado, um cérebro humano com defeito que necessitasse das
capacidades relevantes não deveria contar como pessoa. Por sua vez, para
Frattalone (apud Bento, 2005, p.177), o termo pessoa, contraposto ao termo res,
serve para indicar “que só o Homem é sujeito de direitos, enquanto as coisas (e os
escravos comparados a elas) não o são.25
Bento (2005, p. 177), citando Mondin, reflete que no âmbito da filosofia
escolástica, a definição sobre pessoa de Severino Boécio26 - 480 a 525 -, é aceita
por muitos autores. Ele afirmava o seguinte: persona est rationalis naturae individua
substantia, (a pessoa é uma substância individual de natureza racional). Com esta
definição de Boécio, pretendia-se acentuar três categorias filosóficas que são
fundamentais para o conceito de pessoa humana, que são: a substância, a
individualidade e a natureza racional. Em outras palavras: a pessoa não diz respeito,
nem simplesmente substância, nem simplesmente individualidade singular, nem
simplesmente natureza. A individualidade única, de fato, pode pertencer também ao
acidente (todos os acidentes concretos são individuais); para dar lugar à pessoa não
bastam nem a natureza, nem a substância, que podem também ser elementos
genéricos. Mas nem mesmo a união de individualidade, natureza e substância fazem
ainda a pessoa; estes elementos pertencem também a um cão ou a um gato, que
não é pessoa. Para definir adequadamente a pessoa ocorre acrescentar aos três 25 Obs.: O cadáver humano também é considerado res (res extra comercium).
26ANÍCIO MÂNLIO TORQUATO SEVERINO BOÉCIO nasceu em Roma, descendente das nobres famílias dos Anícios e dos Torquatos. Estudou por muitos anos as ciências, a literatura e a filosofia gregas, adquirindo assim um profundo conhecimento da cultura clássica, que o capacitaria mais tarde para desempenhar o papel histórico de singular importância que lhe estava reservado: em meio da barbárie dominante, realizar a salvação e transmissão da cultura antiga para os novos ocupantes do Ocidente, instalados onde florescera o Império Romano. http://www.hottopos.com/convenit5/lauan.htm, acesso em 16/02/2008.
28
elementos precedentes a diferença específica que distingue os homens dos animeis,
a qual consiste na racionalidade. Assim, entendemos o que escreveu Boécio:
rationalis naturae individua substantia – substância individual de natureza racional.
Segundo Mondin, Santo Tomás de Aquino, inspirado em Boécio, afirmava que a
pessoa humana existe por si e em si em virtude do próprio ato de ser. Ela é o ser
mais perfeito que se tem no universo. Tomás de Aquino, que tem um altíssimo
conceito da pessoa humana, explica que o termo provém de personare, que significa
“fazer ressonar”, “proclamar em alta voz”: Sumptum est nomen personae a
personando eo quod in tragoediis et comediis recitatores sibi ponebant quandam
larvam ad repraesentandum illum, cuius gesta narrabent decantando - ou seja - o
termo “pessoa” provém de persona porque nas tragédias e nas comédias os atores
de teatro usavam uma máscara para representar uma personagem, aquele do qual,
cantando, imitavam os gestos. No uso corrente, o termo pessoa, designa a realidade
humana, o único indivíduo, na sua realidade concreta. Ou seja, é todo o ser do
homem na sua individualidade. O termo pessoa, historicamente assinala a linha de
demarcação entre a cultura pagã e a cultura cristã27. Antes do cristianismo não
existia nem em grego e nem em latim uma palavra para exprimir o conceito de
pessoa, porque na cultura clássica tal conceito não existia. Pois esta não reconhecia
o valor absoluto ao indivíduo enquanto tal, e fazia depender da casta ou da raça.
Para ele, o cristianismo criou uma nova dimensão do homem: a de pessoa. Tal
noção era assim estranha ao racionalismo clássico que os padres gregos não eram
capazes de encontrar na filosofia grega as categorias e as palavras para exprimir
esta nova realidade.
A particularidade da pessoa, única e não repetível e de dignidade e
nobreza de cada expoente da espécie humana, é uma verdade levada, confirmada e
difundida pelo cristianismo. E foi uma verdade responsável de um “poder subversivo”
como poucos outros na história. Tomás de Aquino, convencido da bondade da
definição da pessoa que Boécio faz, defende-se da objeção de quem a contestava,
esclarecendo o sentido dos quatro termos que a compõem: rationalis – racional,
27 O conceito de pessoa foi formulado pela primeira vez, estritamente, na reflexão teológica cristã, ao pensar a fé cristológica e trinitária, sobretudo entre os séculos II-V. Depois o conceito foi progressivamente aplicado também à reflexão antropológica filosófica (cf. M.M. VILLA, [Ed.], Dicionario de pensamiento contemporâneo, 901).
29
natura – natural, individua – individual e substantia – substância. Ou seja, substância
individual de natureza racional, que existe por direito próprio (sui iuris) e fazendo ver
que estes termos quando entendidos no sentido justo são todos indispensáveis para
ter um conceito adequado de pessoa.
Ainda, o mesmo autor escreve que a definição de pessoa em chave
ontológica, como foi elaborada por Boécio e depois aperfeiçoada por Tomás de
Aquino, foi uma conquista definitiva, e é, segundo a Teologia, um ponto de
referência seguro para todos aqueles que procuram compreender porque seja justo
afirmar que o ser humano é pessoa desde o momento da sua concepção, e que,
portanto, a dignidade da pessoa não depende de qualquer convenção social ou de
qualquer código de direito, mas é uma qualidade originária, intangível e perene.
Citando Mondin, Bento (2005, p. 180) escreve que: “Quem é pessoa é pessoa desde
sempre e para sempre: porque isto faz parte da sua própria constituição ontológica”.
Na definição da pessoa humana, conforme Boécio28 e Tomás de Aquino
está sublinhada a estrutura substancial e singular (individual) da pessoa; no mais
recente personalismo, também este ontologicamente fundado, de Jacques Maritain29
– de 1882 a 1973 -, Emmanuel Mounier30 - de 1905 a 1950 - e Etienne Gilson31 – de
28 Ibem n. 10
29 Filósofo francês, nascido em Paris, a 18 de novembro de 1882, família culta, mas sem religião. Estudante na Sorbonne (licença de filosofia, 1900-1901), deixa-se atrair por Spinoza, antes de bifurcar para uma licença em ciências naturais. Convertido em 1906. Primeiro seguiu Bergson, e acabou propugnando um tomismo adaptado a nossa época que restaure a metafísica cristã, diante do racionalismo antropocêntrico e do irracionalismo panteísta em que se debate o idealismo moderno. Professor na França (1914), Canadá (1940) e EUA (1949). Embaixador no Vaticano (1945-1948). De sua obra vastíssima, citamos: Arte e Escolástica (1920); Humanismo integral (1936); Os graus do saber (1032); O camponês do Garona (1966), Pessoa e Bem Comum (1947); Reflexões sobre a Inteligência e sobre sua Vida Própria (1924). Morre em 28 de abril de 1973. http://www.maritain.org.br/biografia_jm.htm, acessado em 16/02/2008.
30 Merece consideração a tentativa de uma descrição de pessoa (não uma definição) feita por EMMANUEL MOUNIER: “Uma pessoa é um ser espiritual constituído como tal por uma forma de substância e de independência em seu ser; mantém esta substância com sua adesão a uma hierarquia de valores livremente adaptados, assimilados e vividos em um compromisso responsável e em uma constante conversão” (cf. M.M. VILLA, [ed.], Diocionario de pensamiento contemporâneo 901. Percebe-se nesta designação algumas das principais características da pessoa, afastando-se do substancialismo boeciano no que tem de coisificação (a pessoa não é um que, mas um quem; e de onde Boécio diz substância, Mounier diz ser).
30
1884 a 1978 - foi sublinhado o aspecto comunitário e social da pessoa humana na
sua dinâmica de desenvolvimento.
Refletindo o pensamento de Dom Elio Sgreccia32, Bento verifica que a
pessoa humana é também “o fundamento e o critério da eticidade”, no sentido
subjetivo, enquanto a ação é ética quando exprime uma escolha da pessoa, mas
também no sentido objetivo, enquanto a pessoa é fundamento, medida e fim da
ação moral. Em outras palavras, explica que “uma ação é ética se respeita à plena
dignidade da pessoa humana e os valores que são intrinsecamente inscritos na sua
natureza”. Portanto, segundo Sgreccia, é lícita e moralmente boa aquela ação que
proceda de uma escolha consciente que respeita a pessoa e a aperfeiçoa no seu ser
e no seu crescimento.
3.1.3 DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE PESSOA HUMANA À LUZ DA FÉ CRISTÃ
No Compêndio do Vaticano II (1991), no documento Gaudium et Spes,
n.41, encontra-se o conceito de pessoa humana à luz da fé. Diz que a pessoa
humana é criada à imagem e semelhança de Deus, não é Deus, portanto. Deus é a
primeira e a última fonte da vida humana. “Como a natureza humana foi n’Ele
assumida, não aniquilada, por isso mesmo também foi em nós elevada a uma
dignidade sublime”. Para a antropologia cristã tradicional o homem ocupa um lugar
singular, único e especial na criação, segundo o Catecismo da Igreja Católica (1993,
n. 355) o homem é “a imagem de Deus”, corpo e alma, ou seja, em sua própria
natureza une o mundo espiritual e o mundo material. No documento Gaudium et
Spes, n.41 do Compêndio do Vaticano II (1991), lê-se: “esta semelhança manifesta
31 ÉTIENNE GILSON (París, de 1884 – 1978). Filósofo e historiador francés, um dos mais destacados autores da neoescolástica. Entre 1921 e 1932 ensinou filosofía medieval em Sorbone de París. Foi líder do neotomismo católico em sua época, e foi eleito membro da Academia Francesa em 1946. http://es.wikipedia.org/wiki/%C3%89tienne_Gilson, acesso em 16/02/2008.
32 Dom ELIO SGRECCIA é vice-presidente da Pontifícia Academia para a vida, Membro do Conselho para a Família, membro do Pontifício Conselho para a Pastoral da Saúde e membro do Comitê nacional de Bioética Italiano.
31
que o homem, a única criatura na terra que Deus quis por si mesma, não pode se
encontrar plenamente se não por um dom sincero de si mesmo”.
Bento (2005), diz que, a Imago Dei – imagem de Deus, tema tradicional,
leva a entender que o homem, como criatura, tem uma capacidade de consciência
intelectual e uma vontade livre; no homem tudo é imagem de Deus; Deus os criou
“homem e mulher” e os estabeleceu em sua amizade.
No Catecismo da Igreja Católica (1993), lemos que:
A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo
corporal e espiritual. O relato bíblico exprime esta realidade como uma
linguagem simbólica, ao afirmar que o Senhor Deus modelou o homem com
a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se
tornou um ser vivente (Gn 2,7). Portanto, o homem em sua totalidade é
querido por Deus (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 362).
Além disso, conforme o Catecismo:
[...] o corpo do homem participa da dignidade da imagem de Deus: ele é
corpo humano precisamente porque é animado pela alma espiritual, e é a
pessoa humana inteira que está destinada a tornar-se, no Corpo de Cristo o
Templo do Espírito (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 363).
O homem como imagem de Deus vive da dignidade desta mesma
imagem e como criatura tem um lugar singular no universo.
Do exposto, verificamos que, na perspectiva de imagem e da
singularidade da pessoa humana, encontra-se o fundamento e a justificativa dos
direitos humanos como a autonomia, o direito à verdade, à assistência, à justiça e
outros tantos, sobre os quais se sustenta grande parte do discurso bioético. Discurso
este que, quando trata da pessoa humana, não deve girar somente em torno do
mundo espiritual do homem. Sendo a bioética, multidisciplinar, interdisciplinar e
transdisciplinar, ela deve transitar entre todas as dimensões do ser humano e não
ficar em uma apenas.
Por isso no item proposto a seguir, trataremos do princípio da totalidade
unificada da pessoa humana, que diz que o homem não é dividido, mas é uma
mesma realidade com duas dimensões inseparáveis: corpo e alma. Fundamentando
32
assim, o caráter da Bioética que, não deve ficar com apenas uma dimensão do ser
humano.
3.1.3.1 O PRINCÍPIO DA TOTALIDADE UNIFICADA DA PESSOA HUMANA
De acordo com Bento (2005), o princípio da totalidade se fundamenta
sobre o fato que a corporeidade humana é um todo unitário, resultante de partes
distintas e entre elas organicamente e hierarquicamente unificadas (o conjunto dos
componentes físicos, espirituais e morais) da existência única e pessoal.
No Compêndio do Vaticano II (1991), a Constituição Pastoral Gaudium Et
Spes n.12, expressou uma enumeração breve dos direitos fundamentais da pessoa.
Há uma preocupação em salvaguardar a integridade e a dignidade da pessoa
humana.
O documento consolida uma antropologia cristã centrada sobre o tema
da imagem de Deus. O mundo cristão herdou a concepção unitária hebraico-
semítica do homem vivente – corpo e alma não divisos. Portanto, a constituição
pastoral também defende a totalidade unificada da pessoa humana. O homem não
dividido, mas uma única realidade com duas dimensões: corpo e alma: duas
dimensões não separáveis. O homem não pode ser reduzido ao seu mundo
espiritual e nem ao seu mundo material. É uno e um conjunto dual que forma a
pessoa humana. Entendendo-se que dual não significa dualismo como foi entendido
na tradição, ou seja, expressão de binômio alma e corpo, mas quer dizer que o
homem não pode ser reduzido apenas ao seu mundo biológico animal e nem à sua
racionalidade, pois ele é uma totalidade unificada.
A Gaudium Et Spes, n. 14, afirma que o homem é corpo e alma, mas
“realmente uno por sua própria condição corporal, sintetiza em si os elementos do
mundo material, que nele assim atinge sua plenitude e apresenta livremente ao
Criador uma voz de louvor”. Certamente, o concílio considera o homem no âmago
do seu ser e diz que: “não é, portanto lícito ao homem desprezar a vida corporal,
mas, ao contrário, deve estimar e honrar o seu corpo, porque por Deus é destinado
à ressurreição no último dia”.
33
É possível através da experiência cotidiana, diz Bento, evidenciar a
existência de uma realidade de fundo comum a todos os seres humanos, graças à
qual, esses podem reconhecer-se como tais. É necessário fazer sempre referência à
natureza própria e original do homem, à natureza da pessoa humana, que é pessoa
mesma na unidade de alma e corpo, na unidade das suas inclinações tanto de
ordem espiritual como biológica, e de todas as outras características específicas,
necessárias para a obtenção do seu fim.
Verificamos que esta visão sobre a vida humana não permite fazer uma
separação entre corpo e espírito. O mundo espiritual não possui o mundo material
corpóreo e nem vice-versa: o homem é corpóreo, o homem é a sua corporeidade, o
homem é espírito encarnado. É incontestável que exercemos ao mesmo tempo
operações corporais, vivas, psíquicas. Porém, o corpo não pode ser considerado
como se fosse um simples objeto, ou um complexo de tecidos, de órgãos e de
funções biológicas: todos estes dados, comuns a todo o mundo animal, no homem
dizem algo a mais, são sinal e lugar do revelar-se da pessoa. É o corpo de uma
pessoa viva e existe um dinamismo que é a condição da existência de cada homem.
Diz Bento (2005) que a expressão, não é: “eu sou um corpo”, mas “eu
tenho um corpo”, para o autor. A conseqüência é que quando se executa uma ação
sobre alguém, age-se em todo o corpo da pessoa e não apenas sobre um de seus
órgãos.
A Bioética, neste quadro, quando se pronuncia nas ocasiões de
manipulação de seres humanos, por exemplo, defende a pessoa como um todo,
integralmente, corpo e alma. Para a bioética, ninguém pode agir sobre um corpo
esquecendo que é uma pessoa. O corpo não é um corpo de um animal, mas de uma
pessoa e, portanto, no sentido metafísico. Deve ser tratado como pessoa. A alma é
o princípio espiritual no homem que é uma unidade psicossomática. Enfim, o homem
é uma totalidade unificada.
O Concílio Vaticano II reconhece a realidade corpórea no homem que
representa o modo próprio de ser e existir no mundo com todas as suas
necessidades, tais como: conhecer, querer, amar, sentir. Segundo a Gaudiun et
Spes, n. 29: dotados de alma racional e criados à imagem de Deus, todos gozam da
34
mesma vocação e destinação divina: deve-se, portanto reconhecer cada vez mais a
igualdade fundamental entre todos.
A visão antropológica segundo o Catecismo da Igreja Católica, n. 362, é
que o homem é Corpore Et anima unus - Uno de alma e corpo: A pessoa humana,
criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual [...].
Portanto, o homem em sua totalidade é querido por Deus.
João Paulo II (1993), que afirma todos os ensinamentos católicos e,
explicitamente, escreve na encíclica Veritatis Splendor, o que já havia dito no
Catecismo da Igreja Católica:
a alma espiritual e imortal é o princípio de unidade do ser humano, é aquilo
pelo qual este existe como um todo – corpore et anima unus – uno de alma
e corpo - enquanto pessoa [...]. A pessoa, incluindo o corpo, está totalmente
confiada a si própria, e é na unidade da alma e do corpo que ela é o sujeito
dos próprios atos morais (JOÃO PAULO II, 1993, VERITATIS SPLENDOR,
48).
Para Bento (2005), esta visão antropológica confirma que toda
intervenção sobre o corpo abrange não apenas o seu físico, mas toda pessoa.
Assim, a antropologia cristã não exige que os médicos e cientistas professem uma fé
na imortalidade da alma, mas que reconheçam que o corpo pelo fato de ser humano
é pleno de significado e que pertence à totalidade da pessoa
Segundo ele, a Lei natural é aquela da unidade da pessoa, que a razão
pode compreender. A pessoa humana se compreende como uma unidade de corpo
e alma. Existe uma integridade e um dinamismo biológico do corpo humano que não
são indiferentes do ponto de vista ético. A Biologia não pode agir como outrora
cingida ao biologismo, isto é, a uma concepção de vida fechada sobre o organismo,
como a antropologia se cingia ao antropologismo, isto é, uma concepção insular do
homem. Cada uma delas parecia referir-se a uma substância própria, original. A vida
parecia ignorar a matéria físico-química, a sociedade, os fenômenos superiores. O
homem parecia ignorar a vida. Portanto, o mundo parecia constituído por três
estratos sobrepostos, mas não comunicantes. Homem-Cultura/Vida-Natureza/Física-
Química.
35
Santo Tomás de Aquino33 – de 1225 a 1274 - diz que o homem tem uma
capacidade própria de agir, de relação com o outro, tem uma cultura e não pode
viver sem o outro. O homem se diferencia das criaturas irracionais pelo fato de
possuir o domínio de seus atos, pelo uso da razão e da vontade (uso do livre
arbítrio). As ações que realiza procedem de uma força que são causadas em virtude
da razão do seu ser sujeito.
O amor e o respeito interpessoal na cultura hodierna, segundo Bento
(2005), tornam-se critérios fundamentais para aferir o verdadeiro progresso da
sociedade e do mundo. Nenhum progresso será significativo se não priorizar uma
verdadeira comunhão interpessoal. Somente um progresso que trate o outro como
pessoa será capaz de construir no mundo a paz e a realização da humanidade.
A propósito do desenvolvimento tecnológico que vive momentos de pleno
desenvolvimento e com suas contínuas novas descobertas pode interferir no ritmo
normal da vida humana a Gaudium Et Spes dispõe:
Entre os principais aspectos do mundo atual conta-se a multiplicação das
relações entre os homens, cujo desenvolvimento é muito favorecido pelos
progressos técnicos hodiernos. Todavia, o diálogo fraterno entre os homens
não se realiza ao nível destes progressos, mas ao nível mais profundo da
comunidade de pessoas, a qual exige o mútuo respeito da sua dignidade
espiritual (COMPÊNDIO DO VATICANO II, 1991, GAUDIUM ET SPES,
n.23).
De acordo com a encíclica Veritatis Splendor de João Paulo II (1993), o
corpo humano não é um objeto sem sentido, mas tem seu valor e não pode ser
instrumentalizado:
“É à luz da dignidade da pessoa humana – que se afirma por si própria –
que a razão depreende o valor moral específico de alguns bens, aos quais a
pessoa está naturalmente inclinada. E tendo em vista que a pessoa humana
não é redutível a uma liberdade que se auto-projeta, mas comporta uma
estrutura espiritual e corpórea determinada, a exigência moral originária de
amar e respeitar a pessoa como um fim e nunca como um simples meio,
implica também, intrinsecamente, o respeito de alguns bens fundamentais,
33 Ibdem n. 1.
36
sem os quais cai-se no relativismo e no arbitrário (JOÃO PAULO II,1993,
VERITATIS SPLENDOR, n. 48).
Nesta encíclica verificamos, conforme o n. 50 que, a “lei natural, está
inscrita na natureza específica do homem, este como unidade pessoal de alma e
corpo, portanto uma lei natural não meramente física, mas que inclui a racionalidade
e a liberdade”.
Com esses pontos analisados, estabelecemos mais subsídios para as
pontes com a Bioética que, como dissemos, transita entre todas as dimensões do
ser humano.
3.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NOS DOCUMENTOS DA IGREJA CATÓLICA
A Dignidade Humana é sem dúvida, um dos referenciais intimamente
associados à Bioética. Para tanto, veremos como ela é refletida na Teologia Moral
Católica, para então, a apontarmos como uma ponte para a Bioética.
Primeiramente, verificamos que a expressão Dignidade Humana, constitui
uma das raízes prioritárias que configuram a eticidade. De acordo com Bento (2005),
o conceito da dignidade humana é muito usado como aquele princípio superior,
mediante o qual se espera rechaçar deformações e abusos no desenvolvimento da
biotecnologia.
Entre muitos e diferentes argumentos que sustentam esta prioridade está
a ética teológica, onde assegura que o homem é criado à imagem e semelhança de
Deus.
João Paulo II, desde o início do seu pontificado coloca no centro a
dignidade do homem. Em sua primeira Carta Encíclica, a Redemptor Hominis, de
1979, trata justamente deste tema. Para Moschetti (apud Bento, 2005), pela sua
atuação no pontificado, ele será lembrado como o papa que batalhou para que o
mundo em contínuo progresso técnico-científico não perdesse de vista o respeito
pela dignidade da pessoa humana. Foi um entusiasta e promotor da dignidade da
vida humana. Nesta encíclica, afirma que:
37
o homem que quiser compreender-se a si mesmo profundamente – não
apenas segundo imediatos, parciais, não raro superficiais e até mesmo só
aparentes critérios e medidas do próprio ser - deve, com a sua inquietude,
incerteza e também fraqueza e pecaminosidade, com a sua vida e com a
sua morte, aproximar-se de Cristo (JOÃO PAULO II, 2003, REDEMPTOR
HOMINIS, n. 10).
A mesma encíclica faz uma profissão de fé no Cristo Redentor do homem
e na sua Igreja. Nela aparece uma perfeita unidade entre Cristo, a sua Igreja e o
homem. O Papa se expressa assim:
“Jesus Cristo vai ao encontro do homem de todas as épocas, também do da
nossa época, com as mesmas palavras que disse alguma vez: Conhecereis
a verdade, e a verdade tornar-vos-á livres (Jo 8,32). Estas palavras
encerram em si uma exigência fundamental e, ao mesmo tempo, uma
advertência: a exigência de uma relação honesta para com a verdade, como
condição de uma autêntica liberdade; e a advertência, ademais, para que
seja evitada qualquer verdade aparente, toda a liberdade superficial e
unilateral, toda a liberdade que não compreenda cabalmente a verdade
sobre o homem e sobre o mundo (JOÃO PAULO II, 2003, REDEMPTOR
HOMINIS, n. 12).
João Paulo II (1995), ainda em outra encíclica, a Evangelium Vitae,
escreve que:
na vida do homem, a imagem de Deus volta a resplandecer e manifesta-se
em toda a sua plenitude com a vinda do Filho de Deus em carne humana:
“Ele é a imagem do Deus invisível” (Cl 1,15), “o esplendor da sua glória e a
imagem da sua substância” (Hb 1,3). Ele é a imagem perfeita do Pai (JOÃO
PAULO II, 1995, EVANGELIUM VITAE, n. 36).
O documento pós-sinodal Christifideles laici de 1987, faz insistente apelo
à não violação da dignidade da pessoa humana desde a sua origem:
A dignidade da pessoa aparece em todo o seu fulgor, quando se
consideram a sua origem e o seu destino: criado por Deus à Sua imagem e
semelhança e remido pelo sangue preciosíssimo de Cristo, o homem é
chamado a tornar-se “filho no Filho” e templo vivo do Espírito, e tem por
destino a vida eterna da comunhão beatífica com Deus. Por isso, toda a
violação da dignidade pessoal do ser humano clama por vingança junto de
Deus e torna-se ofensa ao Criador do homem (JOÃO PAULO II, 1988,
CHRISTIFIDELES LAICI, n. 37).
38
João XXIII34 - de 1881 a 1963 – (apud Bento, 2005), chamado de “o Papa
Bom”, convocou a Igreja a uma renovação e escreve no documento Pacem in Terris,
que:
“se contemplarmos a dignidade da pessoa humana à luz das verdades
reveladas, não poderemos deixar de tê-la em estima incomparavelmente
maior. Trata-se, com efeito, de pessoas remidas pelo Sangue de Cristo, as
quais com a graça se tornaram filhas e amigas de Deus, herdeiras da glória
eterna (JOÃO XXIII, PACEM IN TERRIS, n. 10).
O documento Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, quando fala
sobre a dignidade humana, declara que:
os homens sempre irão se desapontar, enquanto se basearem apenas em
seus próprios recursos para alcançar o bem. De acordo com estes
ensinamentos da Igreja, somente quando os homens reconhecerem a
necessidade do Evangelho de Cristo, a Igreja será vista como mãe amorosa
e solidária, sempre dando ao mundo uma orientação firme [...]. A Igreja
pode subtrair a dignidade da natureza humana a todas as mudanças de
opiniões que, por exemplo, ou deprimem demasiadamente ou exaltam sem
medidas o corpo humano. A dignidade pessoal e a liberdade do homem não
podem ser adequadamente asseguradas por nenhuma lei humana, como
são pelo Evangelho de Cristo confiado à Igreja (COMPÊNDIO VATICANO II,
1991, GAUDIUM ET SPES, n,41).
No documento Gaudium et Spes, n. 26, encontram-se estas afirmações:
cresce […] a consciência da excelsa dignidade da pessoa humana, de sua
superioridade sobre as coisas e de seus direitos e deveres universais e invioláveis
[…] o da dignidade. Diz ainda no n. 29: a igual dignidade das pessoas postula que
se chegue a uma condição de vida mais humana e mais equitativa.
34Papa João XXIII, nascido Angelo Giuseppe Roncalli (Sotto Il Monte, 25 de Novembro de
1881 — Vaticano, 3 de Junho de 1963). Papa do dia 28 de outubro de 1958 ate a data da
sua morte. Considerado um papa de transição, depois do longo pontificado de Pio XII, ele
convocou o Concílio Vaticano II, que visava pastoralmente explicar os dogmas ao mundo
moderno. Pertencia a Terceira Ordem Regular de São Francisco.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Jo%C3%A3o_XXIII, acessado em 18?02/2008.
39
Diante dos perigos iminentes que ameaçam a todos indistintamente, João
Paulo II (2003), escreveu no documento Sollicitudo rei socialis de 1987, que:
O mundo passa por “uma crise econômica mundial, ou uma guerra sem
fronteiras, sem vencedores nem vencidos. Perante esta ameaça, a distinção
entre pessoas e países ricos e pessoas e países pobres terá pouco valor, a
não ser em razão da maior responsabilidade que pesa sobre aqueles que
têm mais e podem mais. [Diz ainda que] o que está em jogo é a dignidade
da pessoa humana, cuja defesa e promoção nos foram confiadas pelo
Criador, tarefa a que estão rigorosa e responsavelmente obrigados os
homens e as mulheres em todas as conjunturas da história (JOÃO PAULO
II ENCÍCLICAS, 2003, SOLLICITUDO REI SOCIALIS, n. 47).
O mesmo Papa, na mensagem para o Dia Mundial da Paz, (1999, n. 2),
afirma que: “a dignidade humana é um valor transcendente, como tal sempre
reconhecido por todos aqueles que se entregaram sinceramente à busca da
verdade”.
No documento Dominum et vivificantem,de 1986, n. 60, João Paulo II
(2003), sustenta a idéia de dignidade humana como: “fundamental para a promoção
de cada ser humano: “esta revelação da liberdade e, por conseguinte, da verdadeira
dignidade do homem, adquire uma particular eloqüência para os cristãos e para a
Igreja em situações de perseguição”.
Nesse mesmo sentido, a Campanha da Fraternidade de 1988, no Art. 1º,
inciso III coloca a dignidade da pessoa humana como fundamento da República; o
Art. 3º, inciso III põe como objetivos fundamentais, entre outros a erradicação da
pobreza e da marginalização a fim de reduzir a desigualdade social e regional; Art.
5º declara que todos são iguais perante alei, sem distinção de qualquer natureza, e
seu inciso III, diz que “ninguém será obrigado a tortura nem tratamento desumano
ou degradante”, o Art. 6º garante a proteção à maternidade e à infância, bem como a
assistência aos desamparados.
Para Bento (2005), a dignidade humana, é algo que pertence a todos
aqueles que são considerados membros do gênero humano – e isso significa: a
todos aqueles, que tem disposição para serem sujeitos. O respeito é
reconhecimento, não concessão e a dignidade humana não é fruto de acordos, de
40
pactos e nem de concessões que sejam elaboração de um direito positivo,
dependente da vontade dos legisladores, mas um direito natural.
Segundo o autor, para que a categoria da dignidade humana possa ser
um autêntico “lugar” da ética, devem-se contemplar alguns pressupostos
fundamentais: Primeiramente, o ser humano deve ser considerado um fim em si
mesmo e não pode ser reduzido a meio. Como é verificado em Kant, o homem
reclama um direito incondicional e, neste sentido, absoluto; a pessoa é a
protocategoria do universo ético e, enquanto tal é origem e meta de todo empenho
moral.
Diante dessa realidade concreta e histórica, que é a dignidade humana,
concordamos com Bento quando afirma que este conceito não admite privilégios
nem desigualdades, porque é um conceito a priori ético que pertence a todos os
seres humanos. A dignidade humana então, como categoria moral mostra uma
preferência singular por todos aqueles cuja dignidade é maltratada ou diminuída.
João Paulo II (2003) recordou que a Igreja deve estar:
[...] cônscia de tudo aquilo que parece ser contrário ao esforço para que a
vida humana se torne cada vez mais humana e para que tudo aquilo que
compõe esta mesma vida corresponda à verdadeira dignidade do homem.
Numa palavra, a Igreja deve estar bem ciente de tudo aquilo que é contrário
a um tal processo de nobilitação da vida humana (JOÃO PAULO II, 2003,
REDEMPTORIS HOMINIS, n. 14).
O Catecismo da Igreja Católica (1993), n. 1700, diz que “a dignidade da
pessoa humana se fundamenta em sua criação à imagem e semelhança de Deus”.
Deus trata o homem como um TU capaz de dialogar com Ele. É uma relação onde
Deus reconhece o homem como filho e o homem, por sua vez, recorre a Deus como
Criador. Desta forma, na vocação do homem à comunhão com Deus consiste a sua
mais alta dignidade humana. O Concílio Vaticano II, no documento Gaudium et
Spes, n. 19, afirma que “razão principal da dignidade humana consiste na vocação
do homem para a comunhão com Deus”.
À luz da Teologia, concluimos que uma sociedade somente poderá existir
plenamente se representar os anseios de todos os seus cidadãos e respeitar seus
direitos mais fundamentais, entre eles, o direito de se ter uma vida digna. Bento
41
(2005), diz que a dignidade da vida humana exclui que essa possa ser o produto da
técnica.
A Dignidade da pessoa humana, pelo que vimos, não é somente o
fundamento de todos os direitos humanos, mas ela é em si mesma um direito e o
mais importante de todos e está presente como um referencial na bioética.
3.3 A CONSCIÊNCIA MORAL, SEGUNDO A TEOLOGIA MORAL Bettencourt (199?), diz que primeiramente é preciso distinguir entre
consciência psicológica e consciência moral.
A consciência psicológica é a faculdade pela qual se conhece os próprios
sentimentos e atos. Ela é a presença do sujeito a si mesmo, sem referência a
alguma regra de conduta ou ao Fim Supremo do comportamento humano.
A consciência moral é a faculdade pela qual conhecemos o modo como
se relacionam nossos sentimentos e atos com a vontade de Deus ou com o Fim
Supremo da vida humana: serão atos conformes à Lei de Deus? Ou atos
incompatíveis com ela? Em outras palavras: serão atos moralmente lícitos ou
ilícitos? – A faculdade que responde a estas perguntas é a consciência moral.
A consciência moral consiste num julgamento prático proferido pela
inteligência sobre a honestidade ou desonestidade de cada um dos nossos atos; é
um testemunho que, proferido no íntimo de cada pessoa, distingue entre o bem e o
mal moral e tende a levar cada qual a praticar o bem e evitar o mal. Todo homem,
por mais primitivo e rude que seja, possui uma consciência moral, como possui uma
consciência psicológica.
O testemunho da consciência pode ser anterior a determinado ato; é
então testemunho que manda ou proíbe; tal é a consciência antecedente. Pode ser
também posterior a tal ato; é então testemunho que aprova ou desaprova; tem-se
assim a consciência moral conseqüente ou posterior. Já Santo Agostinho dizia: “A
alegria de uma boa consciência é o paraíso”.
A consciência moral não é algo que o homem cria ou suscita dentro de si,
diz Bettancourt. É algo de congênito, que começa a falar desde que a criança
chegue ao uso da razão. Às vezes, o criminoso quisera extingui-la ou sufocá-la,
porque ela remorde dolorosamente à revelia do sujeito. Por isto se diz que é a voz
42
de Deus no íntimo de cada indivíduo, ou melhor: é a prolongação ou do amor ao
bem que existe em Deus desde toda a eternidade e que, à semelhança de um raio
de luz, vem atingir cada ser humano, a fim de orientá-lo na terra. Citando São
Boaventura diz que a consciência é como o arauto ou o mensageiro de Deus; o que
ela dita, não o dita por direito próprio, mas manda em nome de Deus, à semelhança
do arauto promulga o edito do rei; assim é que a consciência tem o poder de ligar.
Todos os povos, mesmo os mais primitivos, reconheceram a existência da
consciência moral. A filosofia Greco-romana desenvolveu a noção: Ovídio35 - de 43
a.C. a 17 d.C - chamava-a “Deus em nós”; Sêneca36 - de 4 a.C. a 65 d.C. -
identificava-a com “Deus junto de ti” e acrescentava: “Em nós habita um espírito
santo que observa o bem e o mal” (cartas a Lucílio).
A Sagrada Escritura incute idéia semelhante. Mostra como os primeiros
pais foram atordoados logo após o pecado original37; também Caim sentiu o
remorso38. Davi “sentiu o descompasso do seu coração após ter recenseado o
povo”, e disse: “Cometi um grande pecado! Agora, ó Senhor, perdoa esta falta ao
teu servo, porque cometi uma grande loucura” 39.
Nos salmos em geral manifesta-se tanto a consciência atribulada pelo
pecado40 como a consciência feliz pelo bom desempenho do dever41.
No Novo Testamento ocorre 31 vezes a palavra “consciência” das quais
19 no epistolário Paulino. O texto clássico é o de Rm 2, 14s.
35 Publius Ovidius Naso, poeta latino, é mais conhecido nos países de língua portuguesa por Ovídio. Nasceu em 20 de março de 43 a.C. em Sulmo, atual Sulmona, em Abruzos, Itália e faleceu no ano 17 em Tomis, atual Constanta, na Romênia.
36 Lucius Annaeus Seneca (Córdova, 4 a.C. — Roma, 65 d.C.), melhor conhecido como
Séneca (ou Sêneca), o moço, o filósofo, ou ainda, Séneca o jovem. A obra literária e
filosófica de Sêneca, tido como modelo do pensador estóico durante o Renascimento,
inspirou o desenvolvimento da tragédia na Europa. Escreveu “Cartas a Lucílio”. 37 Gn 3,7-13
38 Gn 4, 9-16
39 2Sm 24,10
40 ver especialmente os salmos penitenciais: 6. 31.37.50.101.129;142
41 Sl 14, 16 1-5. 40. 2-4...
43
O Concílio Vaticano II faz uma síntese, revelando a importância da
consciência moral como uma marca indelével do Criador que fundamenta a
dignidade humana e nos aponta o autêntico caminho da realização de cada homem
na comunhão com todos os demais. No documento Gaudium et Spes, lemos o
seguinte: O homem tem no coração uma lei inscrita pelo próprio Deus; a sua
dignidade está em obedecer-lhe e segundo ela será julgado. A consciência
é o núcleo mais secreto do homem, o santuário onde ele se encontra a sós
com Deus, cuja voz ressoa na intimidade do seu ser. Graças à consciência,
revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza no amor a Deus e ao
próximo. Pela fidelidade à voz da consciência, os cristãos estão unidos aos
demais homens, no dever de buscar a verdade e nela resolver os
numerosos problemas morais que surgem na vida individual e na
comunidade social. (COMPÊNCIO VATICANO II, 1991, GAUDIUM ET
SPES, n. 16).
Podemos verificar que a consciência moral dá ao ser humano o
conhecimento do valor moral dos atos. Dá a capacidade de julgá-los. E, exerce uma
função normativa dos atos humanos, isto é, daqueles realizados com conhecimento
e liberdade. Tal função normativa engloba dois aspectos: manifestar a situação
pessoal à luz do valor objetivo e obrigar e comprometer a pessoa. Então, toda a
ação humana só se pode considerar boa ou má, em concreto, se for referenciada à
consciência.
A consciência assim emerge como norma interiorizada de moralidade, isto
é, o “lugar” por onde passam todas as avaliações morais, das ações humanas. No
juízo da consciência, os valores morais são personalizados e, por conseguinte, é
revelado ao homem o valor moral dos seus atos. A consciência moral constitui,
portanto, a norma subjetiva do agir moral. Ou seja, o homem agirá bem ou mal se
agir em conformidade ou contra a sua consciência. Isto não significa cair numa
“moral subjetivista”, fechada. A consciência, sendo norma interiorizada da
moralidade, não é norma autônoma, mas sim norma referenciada e, como tal,
exerce a função de mediação entre o valor objetivo e a atuação da pessoa. Como
diz o Concílio Vaticano II (1991): “o homem descobre no mais profundo da sua
consciência uma lei que ele não dita a si mesmo, mas à qual deve obedecer”
(COMPÊNDIO VATICANO II, 1991, GAUDIUM ET SPES, n.16).
44
A relevância deste tópico em relação à Bioética está no fato de que a
consciência moral dá ao ser humano o conhecimento do valor moral dos atos. E
quando falamos em Bioética, estamos nos referindo também a avaliações morais
que são feitas em sua práxis.
3.3.1 COMO FUNCIONA A CONSCIÊNCIA – A PRUDÊNCIA De acordo com Bettencourt (199?), o princípio que a consciência incute
ao homem e que é evidente por si mesmo, soa: “Pratica o bem, evita o mal”. A
criança dificilmente vai desenvolvendo esta norma, pois não percebeu muito bem o
que é o bem e o que é o mal. Aos poucos, porém, a consciência se vai enriquecendo
e educando mediante o estudo e a experiência da vida. O adulto deveria perceber
que o bem consiste em amar não apenas os amigos, mas também os inimigos;
consiste em dever agir não somente por estrita obrigação, mas também por
generosidade e magnanimidade.
Em caso concreto, antes de formular um juízo, a consciência se coloca
entre a norma objetiva da moralidade, válida para todos os homens, e as
circunstâncias precisas em que se acha o sujeito. Procede então a um raciocínio no
qual entra a virtude da prudência. Esta não é uma virtude tímida, quase covarde
(como não raro é entendida), mas é a virtude que leva na conta devida os meios
necessários para atingir determinado fim; é ela que avalia a oportunidade de tais ou
tais gestos ou atividades à luz do Fim Supremo; é ela que avalia se tal situação
concreta está ou não sujeita às normas gerais da moralidade. Ela pode tanto
moderar a audácia indevida como sacudir a tibieza e o desânimo. Em suma: é a
virtude que percebe o apelo à prática do bem que se deriva da situação concreta do
indivíduo.
A prudência que inspira os juízes da consciência é a virtude mais
dependente das características pessoais do sujeito como idade, experiência de vida,
temperamento e instrução. Ao observar, por exemplo, que na rua duas pessoas
diante de um semáforo amarelo podem tomar atitudes opostas: há quem atravesse e
há quem não atravesse. A primeira dirá que ainda pode aproveitar a última
oportunidade de passar para não perder um encontro marcado; a segunda,
lembrando-se de anterior experiência infeliz, preferirá não ultrapassar. Quem poderá
dizer que uma dessas pessoas foi certamente imprudente e a outra prudente?
45
Ambas podem ter sido prudentes, pois a situação com que se deparavam era
complexa, oferecendo vários aspectos à consideração; uma preferiu legitimamente
encarar determinadas facetas e disse “Sim”; a outra se deteve, também com razão,
em outros aspectos e disse “Não”. Em tal caso, não haveria um único padrão
objetivo de prudência. Estas verdades, a nosso ver, explicam que pessoas virtuosas
e retas possam discordar entre si diante da mesma situação complexa (tais são
frequantemente os quadros políticos com que os homens de bem se defrontam).
Esta doutrina não se identifica com o relativismo ético, pois afirma a
universidade dos princípios morais. Estas se aplicam a todos os homens; levem-se
em conta, porém, as circunstâncias em que cada qual se ache. Circunstâncias que,
podem influir na obrigatoriedade da lei. Assim os valores objetivos e também os
subjetivos (os valores da pessoa, que é sempre algo de profundo e rico) são
devidamente contemplados.
Vale lembrarmos que Aristóteles quando reflete sobre prudência, diz que
esta envolve, além do caráter de cuidado, de precaução, uma necessidade de
arriscar, de algo que deve ser feito. É também chamada de sabedoria prática.
Aristóteles foi o primeiro a distinguir claramente a sabedoria prática (phrónesis) da
sabedoria teórica (sophia). Esta definição de Aristóteles para a prudência
(phrónesis) é encontrada no Livro VI, capítulo V da Ética à Nicômaco.
Ao refletirmos sobre a atuação da consciência e a presença da prudência
como virtude que o ajuda na formulação de juízos, verificamos que esta é também
um dos referenciais da Bioética, enquanto phronesis, ou uma sabedoria prática, que
não atua somente na precaução com relação às atitudes a serem tomadas, mas leva
o homem a fazer algo que deve ser feito.
3.3.2 CONSCIÊNCIA E AUTONOMIA Escolhemos Kant para refletirmos sobre autonomia, por ser um dos mais
importantes filósofos da era moderna e por ser o primeiro a falar de autonomia no
campo ético. E também, por fazer uma relação estreita entre a moral e a religião,
como se percebe na sua obra Crítica da Razão Prática, onde encontramos a sua
fundamentação da idéia de Deus, mesmo esta não sendo necessária para
fundamentar a moral.
46
Aqui deixamos claro que Kant, de acordo com Pascal (2005), afirma que a
moral não tem necessidade alguma da religião. Kant diz o seguinte no livro Religião
dentro dos limites da simples razão: A moral, que assenta no conceito do homem enquanto ser livre, obrigando-
se por isso mesmo, por sua razão, a leis incondicionadas, não necessita
nem a idéia de outro Ser, superior a ele, para tomar conhecimento do seu
dever, nem a de outro móvel que não seja o da própria lei, para observá-la.
(Religião dentro dos limites da simples razão. Kant, p.21 In: PASCAL, P.
188)
A tese kantiana de autonomia42, diz que a autonomia deve ser uma
dimensão característica e necessária da moral. Deve-se levar em consideração que,
de acordo com Luan (1993), nos últimos tempos a teologia moral católica tem
prestado, de novo, mais atenção a Kant, particularmente, no que diz respeito ao
conceito de autonomia.
Kant diz que “o princípio cristão da moral não é teológico, mas parte da
autonomia da razão pura prática por si mesma, porque este princípio não vem do
conhecimento de Deus e de sua vontade o fundamento destas leis, mas só têm
fundamento na busca do supremo bem sob a condição da observância das mesmas,
não põe o motor próprio para a observância das leis na conseqüência desejada, mas
somente na representação do dever, como o único em cuja fiel observância consiste
a dignidade da aquisição do bem supremo”.
Verifica-se que a moral kantiana não é capaz de dar justa razão da fé
cristã. Vem a pergunta se as noções de autonomia e heteronomia são conceitos
contrapostos? Aplicados à lei moral, autonomia significa que o sujeito moral se dá a
si mesmo a lei; e heteronomia indica que o sujeito não se dá a si mesmo a lei, mas
que se dá a outro: a lei heterônoma43 é uma lei dada de fora. Aplicadas à
42 Autonomia, do latim “autonomia”, e do grego “αυτονομία”, formado por “autós”, um mesmo, si mesmo, “nómos”, lei; que vive segundo sua própria lei ou se governa por sua própria lei. É a capacidade de bastar-se a si mesmo para preservar a própria individualidade frente aos demais ou frente à coletividade, aos que, não obstante, necessita em boa medida. CORTÉS (1996).
43Heteronomia, do grego “heterônomos”, que significa “dependente de outro”. Característica que Kant atribui àquela moralidade não suficientemente fundamentada na racionalidade humana, pelo que não se determina a si mesma, isto é, que não se assume por si só o respeito à lei moral, senão pelo interesse de conseguir, por seu meio, fins e objetivos exteriores a ela. Tal interesse nunca pode ser uma razão universal para fazer e, por
47
consciência, autonomia pode indicar o caráter ativo desta ou também uma
capacidade criadora; a expressão heteronomia propriamente não se pode aplicar a
uma consciência que se concebe com uma função puramente passiva; a esta
consciência pode-se melhor chamar de preceptista enquanto que aplica uma lei
heterônoma.
Segundo Cortés (1996), como primeira aproximação é possível sustentar
que autonomia consiste em ter a lei em si mesmo ou ser um mesmo a sua lei44. No
discurso ético, o termo autonomia, aparece com Kant, no entanto, a noção e a
problemática que se querem significar, são muito mais antigas. Aparecem nos
primeiros capítulos do Gênesis, quando se narra que no paraíso os primeiros
humanos receberam um mandato de Deus: “Podes comer de todas as árvores do
jardim; mas da árvore da ciência do bem e do mal não comerás, porque se comeres,
morrerás”45. Porém sofreram uma tentação, com o argumento de que “Deus sabe
que no momento em que comerem se abrirão os olhos e sereis como deuses,
conhecedores do bem e do mal”46, e caíram nela. O que está em jogo aqui é a
decisão sobre o bem e o mal. “O homem reclama para si o estabelecer – segundo
sua ciência – que está bem ou que está mal, o que no relato se havia reservado
Deus para si mesmo. Quer portanto, ser a origem da lei que deve reger seus atos.
Ou seja, quer ser autônomo.
Kant (apud Cortés, 1996), aborda a questão em sua obra Fundamentação
da metafísica dos costumes, publicada em 1785. Ele compreende que aqui está o
fundamento da ética. Para poder afirmar a existência de uma ciência sobre o “dever
ser”, deve existir um “dever ser”, como que normas de comportamento obrigatórias.
isso mesmo, remete a uma moralidade que Kant não crê digna do homem. A característica oposta é a autonomia.
44 Em contextos epistemológicos a autonomia se refere à heterogeneidade e independência do objeto de estudo e de métodos de aquisição de conhecimento, como quando se fala, por exemplo, da autonomia da política e a ética frente à religião, ou da autonomia da razão frente à fé. O conceito se aplica sobretudo em sociologia (política) e em ética [...]. Porém é no âmbito do ético e moral onde, referida à vontade livre, o conceito de autonomia recebe, com maior propriedade, o sentido mais concorde com sua própria etimologia: o homem se da a si mesmo a lei moral e nisto consiste a liberdade. Cf. CORTÉS MORATÓ J. – MARTINEZ RIU, A., Diccionario de filosofia, Herder, Barcelona 1996.
45 Gen 2, 16-17.
46 Gn 3,5.
48
Porém de onde procedem? Aqui, a reflexão inicial de Kant difere do texto de
Gênesis citado em terminologia, porém não em conteúdo: ou procede do homem
mesmo, ou procede “de fora“, “de outro” – incluindo “o Outro”, Deus - ou autonomia,
ou heteronomia. Ramirez (2000) elege a primeira consideração. Levantado o dilema
em termos absolutos, sustentar a autonomia significava prescindir de Deus na ética.
Os contemporâneos de Kant, assim o compreenderam, e começaram a
difundir a acusação de ateísmo contra o filósofo. Ele era um fervoroso luterano, e
quis rechaçar a acusação, buscando encontrar onde caberia Deus dentro de seu
sistema. Encontrou como “postulado” da chamada “razão prática”, e se apressou em
publicar uma versão ampliada da Fundamentação que incluía este encontro: A
Crítica da Razão Prática, que veio à luz em 1788. Deus aparecia, porém seu papel
na ética não era de fundamento. A autonomia seguia incólume. E a razão dela era
que Kant a via como uma exigência imprescindível da dignidade do homem. Para
Kant a autonomia é o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a
natureza racional de acordo com Reale (2001).
A noção de dignidade e sua importância na antropologia é algo que Kant
herda da ilustração do livro de Gênesis. Porém, segundo Ramirez (2000), como é
habitual nele, não se limita a recolher um conceito, mas que também este, esboce o
seu conteúdo. E define a dignidade como aquilo que têm um valor intrínseco e por
ele incondicionado, frente ao que têm um valor extrínseco – e, por este motivo,
relativo. O digno vale por si mesmo, nunca em relação com algo alheio. E a pessoa
humana, por ser, é digna. Não são comparáveis ambos os valores, nem se podem
situar no mesmo plano. Para Kant, condicionar o comportamento humano a qualquer
fator da natureza, do modo que seja, supõe um atentado a uma dignidade que por
definição dever ser incondicionada. Daqui que a autonomia seja uma exigência
iniludível da moral.
49
4 DA TEOLOGIA MORAL À BIOÉTICA
4.1 ALGUNS MARCOS DO DESENVOLVIMENTO DA TEOLOGIA MORAL E SUA COLABORAÇÃO COM A ÉTICA MÉDICA
Neste tópico, iremos verificar que no surgimento da ética médica, estão
presentes alguns princípios ou referenciais, que acompanharão todo o
desenvolvimento da Bioética, e estará presente também a reflexão por parte da
Teologia Moral que colaborará para o desenvolvimento da ética médica.
4.1.1 A ÉTICA MÉDICA
50
Para melhor compreender esse desenvolvimento, é preciso levar em
consideração que o processo de surgimento da ética médica, de acordo com Durant
(2003), se dá no ocidente, com Hipócrates, médico grego do século V a.C. Ele é
geralmente considerado o autor do famoso Juramento que leva seu nome e de
numerosos tratados sobre a prática médica. Mas, pode-se dizer, que segundo
alguns escritores, dentre os quais, escolhemos Lalonde (2007), a obra não é apenas
desse pensador e mestre, mas de toda uma tradição, que funda uma moralidade
baseada no bem do paciente (princípio de beneficência e não-maleficência), onde o
médico é visto como um guardião desse bem, com um poder inapelável, acima da
lei. Além do preâmbulo e da conclusão, que têm uma conotação religiosa (invocação
dos deuses, prece), o Juramento contém duas partes:
Primeira: o engajamento corporativo, isto é, o engajamento formal
mediante o qual o estudante de medicina reconhece seus deveres em relação a
seus mestres e a obrigação de transmitir com discernimento o conhecimento médico
adquirido;
Segunda: o código de ética propriamente dito que, por um lado, prescreve
que se trabalhe em favor dos pacientes e se evite todo mal e toda injustiça e, por
outro, proíbe a administração de venenos, a prática do aborto, as relações sexuais
com pacientes e a divulgação de detalhes sobre a vida privada dos pacientes.
Reflete Lalonde que, o Juramento, constituindo na origem uma espécie de
código deontológico ou de ideal a ser atingido por parte de um médico ou de um
grupo de médicos, só veio a adquirir autoridade muito mais tarde, quando o
pensamento cristão o integrou, quando o ensino da medicina se estruturou
academicamente (Salermo, 750; Bolonha, 1123; Oxford, 1167; Paris, 1215), quando
a lei regulamentou a prática médica (Código dos Visigodos no século VI; sessões
plenárias da corte dos Bourgeois no século XII; Lei do Reino das Duas Sicílias,
1240), e quando a profissão médica se organizou como corporação.
O Juramento de Hipócrates, de acordo com Durant (2003), várias vezes
modificado ao longo das épocas, e professado hoje por médicos no início de sua
prática profissional, constitui a base da ética médica. O autor indica a obra de dois
médicos britânicos do século XVIII: John Gregory, para o qual a beneficência está no
âmago do agir médico, e Thomas Percival, mais centrado na proteção dos médicos.
51
Diz que na França, além da reflexão ética de Claude Bernard no século XIX, é
preciso assinalar as conferências de Louis Portes, durante muito tempo presidente
da Ordem dos Médicos na primeira metade do século XX, e os congressos
internacionais de ética médica ocorridos em Paris em 1955 e 1966, assim como os
escritos de médicos humanistas excepcionais como Jean Robert Debray, Jean
Bernard e Jean Hamburger. No entanto, segundo Durant, no que diz respeito ao
conjunto, afora certas obras notáveis, a reflexão e a publicação em ética médica são
sobretudo produto de teólogos ou ao menos conduzidas segundo uma perspectiva
estreitamente associada a uma religião.
Com relação à medicina propriamente dita, encontramos na obra de
Jaeger (1995), a seguinte afirmação:
Ainda que não tivesse chegado até nós nada da antiga literatura médica dos
Gregos, seriam suficientes os juízos laudatórios de Platão sobre os médicos
e a sua arte, para concluirmos que o final do séc. V e o IV a. C.
representaram na história da profissão médica um momento culminante do
seu contributo social e espiritual. O médico aparece aqui como
representante de uma cultura especial do mais alto grau metodológico e é,
ao mesmo tempo, pela projeção do saber num fim ético de caráter prático, a
personificação de uma ética profissional exemplar, a qual por isso é
constantemente invocada para inspirar confiança na fecundidade criadora
do saber teórico para a edificação humana. (JAEGER, 1995, p. 1001).
De acordo com Jaeger, sem o modelo da Medicina seria inconcebível a
ciência ética de Sócrates, a qual ocupa o lugar central nos diálogos de Platão.
Entendemos que a Medicina grega, ultrapassa as fronteiras de uma simples
profissão para se converter numa força cultural de primeira ordem na vida do povo
grego. A partir daí, a medicina vai-se tornando cada vez mais, parte integrante da
cultura geral.
4.1.2 TEOLOGIA MORAL E ÉTICA MÉDICA
Com esta perspectiva inicial, é possível verificar, de acordo com Bento
(2005), na elaboração da ética médica, o cristianismo através da teologia moral,
introduz elementos originais, como por exemplo, o valor sagrado da vida humana
52
criada à imagem e semelhança de Deus; o dever humanístico de proporcionar o
amor pelos doentes e pobres; a possibilidade de reconhecer um sentido também à
doença e ao sofrimento; o sublime modelo de Cristo, médico das almas, e dos
corpos que, como Bom Samaritano, inclina-se sobre as feridas da humanidade e as
cura. Para Faggioni (apud Bento, 2005) é dentro desse horizonte espiritual, que se
fortalece um modelo ético normativo que se fundamenta sobre contribuições
originais dos Padres da Igreja – dos primeiros séculos do cristianismo - e, servindo-
se da primeira elaboração casuística, ligada à prática penitencial, encontrou a sua
sistematização nas grandes sínteses da Escolástica47 do século XIII.
Santo Tomás de Aquino48 se sobressai com a Summa Theologiae –
Suma Teológica49, uma das obras mais importantes dessa época. Nela a ética
apresenta-se compacta e bem ordenada, segundo o esquema aristotélico das
virtudes. Nela encontram-se os argumentos que dizem respeito à moral da vida
física: homicídio, suicídio, legítima defesa, pena de morte, mutilação são tratados no
âmbito da virtude da justiça. As posturas tomistas sobre elementos capitais e
qualificantes, como a lei natural, a justiça e por fim o valor da vida humana conserva
a sua legitimidade.
O Concílio de Trento (1545 – 1563) exerce influência decisiva na
formação de uma ética nominalista teológica. De imediato constatou-se a
necessidade de preparar os padres para realizar essa tarefa de confessionário. Era
necessário dotá-los da formação necessária. Contudo, mesmo que a ética teológica
fosse ensinada como parte da teologia nas universidades, por diversas razões,
intelectuais e econômicas especialmente, nem todos os padres podiam assistir às
aulas nas universidades. Por isso, os jesuítas propuseram nova organização dos
47 A Escolástica representa o último período do pensamento cristão, que vai do começo do século IX até o fim do século XVI, isto é, da constituição do sacro romano império bárbaro, ao fim da Idade Média, que se assinala geralmente com a descoberta da América (1492).
48 Ibdem n. 1.
49 Suma Teológica é o título da obra clássica de São Tomás de Aquino. É um corpo de doutrina que se constitui numa das bases da dogmática do catolicismo e considerada uma das principais obras filosóficas da escolástica. Foi escrita entre os anos de 1265 a 1273.
53
estudos eclesiásticos para possibilitar que os seminaristas pudessem chegar a ser
“párocos peritos ou administradores de sacramentos”. Essa nova organização dos
estudos previa dois grupos de professores: uns que se ocupassem do comentário
aos grandes teólogos, dos princípios gerais e da ética teológica; e outros deveriam
tratar ex professo
dio e, por extensão,
condena todo atentado à vida e à in
dos “casos de consciência”.
Essa formação dos sacerdotes, pedida pelo Concílio de Trento50, com o
decreto de 14 de julho de 1563 e da doutrina tridentina sobre a integridade da
acusação dos pecados no sacramento da penitência, levou à necessidade de
elaborar textos de moral, adaptados às exigências do ensinamento e orientados à
práxis confessional. As questões de moral da vida física vinham, agora, tratadas no
contexto do V mandamento, o preceito que proíbe o homicí
tegridade física da pessoa.
O Concílio havia, também, incentivado o estudo dos casos de
consciência, para ajudar os padres a confrontar e resolver os problemas concretos
que podiam encontrar no exercício do ministério e isto levou a escrever obras de
pura casuística, destinadas a examinar caso a caso as várias situações humanas,
através de aplicação de normas e de princípios gerais. A obra de Santo Afonso
Maria de Ligório (1696 – 1787) é o ponto de chegada e a síntese mais equilibrada.
Ela contribui, renovando a teologia moral. Afonso, antes de tudo quer transmitir o
fruto de sua experiência missionária em meio ao povo; a seguir, examina, à luz da
razão iluminada pela prudência, as diversas opiniões dos autores. Desse modo,
Santo Afonso pôde construir um conjunto de opiniões que expressavam tanto as
exigências do Evangelho como as da liberdade da consciência humana, eliminando
todo rigorismo. Bento (2005), diz ainda que, além disso, no conjunto da moral
afonsiana, o estudo das circunstâncias concretas da ação prevalece sempre sobre a
aplicação mecânica de um sistema justo. Apesar de não sair do esquema casuístico,
destaca-se o exercício de uma moral da misericórdia e o acréscimo à ética da
experiência pastoral na comunidade eclesial. É uma verdadeira teologia da práxis da
fé. Santo Afonso, mais por motivos concretos de pastoral que por interesse pessoal,
afronta algumas temáticas morais emergentes no campo sanitário (como a profilaxia
50 CONCILIO DE TRENTO, Seção XVI (25 de novembro 1551),
54
da sífilis) e
ondensou a partir de 1621 a sua doutrina e
experiênci
dade, sigilo, tutela da independência e do
decoro da
e G.
usa os conhecimentos médicos, sobretudo no tratamento do matrimônio,
do batismo, da assistência aos doentes e dos moribundos, e do aborto.
A medicina progredindo e a atividade médica se organizando, também ia
tomando forma autônoma um gênero particular, havendo como objeto a ética da
prática médica e o conjunto das questões médicas conexas com a moral e o direito.
No século XV, Santo Antonino (1389 – 1459), bispo de Florença tinha dedicado um
tratado específico às funções e obrigações dos médicos no âmbito da Suma
Teológica, mas as obras mais notáveis neste campo aparecem a partir do século
XVII. Merecem menção particular, os dez livros de Questiones medico-legales, nas
quais o romano Paulo Zacchia (1584 – 1659), nomeado no ano 1644, pelo Papa
Inocêncio X, archiatra e protomedico generale dello Stato della Chiesa (arquiatra e
protomédico do estado da Igreja), c
a: a obra gozou de grande autoridade e Zacchia foi considerado o pai da
medicina legal.
A partir do século XVIII, segundo Faggioni (apud Bento, 2005), o
pensamento cristão afirmava-se com uma elaboração leiga dos deveres do médico
que recebeu mais tarde a denominação de Deontologia médica (do grego deon,
dever). A profissão médica, como cada profissão intelectual, tem uma deontologia
com princípios de comportamento (honesti
profissão, respeito da pessoa do assistido) e respeito e fidelidade à
própria classe médica.
No século XIX assistiu-se à sistematização da reflexão teológica moral
pós-tridentina nos Manuais de Teologia Moral e o desenvolvimento da Medicina
Pastoral e da Ética Médica com o objetivo de estudar os aspectos mais úteis na vida
pastoral e as questões médicas mais delicadas do ponto de vista da moral católica.
Entre outras, sobressai a Pastoral-Medizin do médico alemão K. Capellamn (1841-
1898) que teve em 1877, ao menos 19 edições em alemão e que foi traduzida para o
latim e nas principais línguas modernas. O objetivo, declarado na Introdução, era
dúplice, seja aquele de fornecer ao pastor de alma o conhecimento necessário para
desenvolver melhor o seu ministério, seja aquele de ajudar aos médicos a agirem
segundo os ditames da moral católica. Grande prestígio gozava também A.
Eschbach (1839-1923) com as suas Quaestiones Physiologica-theologicae
55
Antonelli o
para a Ética Médica com o Papa
Pio XII que
ão da ética médica católica é resultado
determina
Atualmente, podemos verificar que, no século XXI, tudo leva à interação,
vo enfoque, o da Bioética e não apenas com a Ética médica.
artificial, a
as realidades e situações inéditas provocam uma abrangência
de particip
qual publica Medicina Pastoralis em quatro volumes, publicados no início
do século passado (1901) e com cinco edições até o ano de 1932.
No século XX, houve um grande impulso
, nos anos 40-50, mostrou-se muito atento às questões morais levantadas
com o desenvolvimento das ciências biomédicas.
Para Vidal (1989), a contribuiç
nte para o desenvolvimento da reflexão contemporânea sobre questões
inerentes à vida humana e à medicina.
agora com um no
4.2 A BIOÉTICA
“A Bioética é fundamentalmente ética, isto é, reflexão crítica e juízo de
valores” Hossne (apud Patrão, 2005, p. 63).
O fator mais importante no surgimento da Bioética, segundo Lalonde
(2007), foi talvez a criação e a aplicação de novas tecnologias. Da Segunda Guerra
mundial em diante sucederam-se diversas descobertas no campo biomédico: os
antibióticos, os primeiros anticoncepcionais, a reanimação artificial, a inseminação
fecundação in vitro, o transplante de órgãos e a engenharia genética. E,
por fim, a descoberta do código genético e o projeto Genoma.
Com tais avanços das ciências biomédicas, os diversos agentes sociais e
os indivíduos tiveram de tomar consciência dos eventuais riscos provocados por
uma má aplicação deles. Daí a necessidade, com essa revolução da Biologia
molecular, de haver um empenho por criar mecanismos de proteção às pessoas
frente às novas possibilidades da biomedicina. Para Coutinho (2005) a partir disso,
surge o debate bioético envolvendo a investigação multidisciplinar e a participação
de políticos, cientistas e religiosos, que interessa e motiva a opinião pública. Com o
passar do tempo, nov
ações nos debates bioéticos e um alargamento das suas fronteiras
temáticas.
56
A Bioética surge como uma nova disciplina ou ciência, que está em franca
evolução e cuja novidade está também no alargamento da compreensão dos
conteúdos da ética. Mediante a complexidade de novas situações corresponde a
pluralidade de abordagens que ultrapassa os modelos argumentativos da ética
tradicional, dando espaço para uma visão holística das realidades da vida em suas
várias manifestações. Como Hossne (apud Patrão, 2005, p. 63) diz, “Bioética é a
Ética das ciências da saúde, da vida e
e cada
um é responsável pela sua própria sobrev
do meio ambiente, e não apenas ética
biomédica”.
O termo, como neologismo, aparece em meados da década de 1970,
quando Potter51 propõe o desenvolvimento de uma nova ciência multidisciplinar,
resultado de um trabalho conjunto de investigação de várias áreas do saber. Para
Lalonde (2007), o cerne do discurso de Poter é levar a ciência a questionar sua
própria importância moral sobre a vida, porque a aplicação direta de conhecimentos
científicos sem discernimento pode ter conseqüências imprevisíveis para a
humanidade, inclusive a concentração de um poder biotecnológico desenfreado nas
mãos de poucos. Verificamos que, para Potter, a Bioética tem a intenção de ser uma
“Ponte entre duas culturas” unindo a metodologia das ciências empíricas e das
ciências humanas e propondo que os valores éticos não poderiam estar desligados
dos fatos biológicos. A Bioética seria o elo entre as ciências bioexperimentais e as
ciências ético-antropológicas. Passa-se de um sistema reducionista, em qu
ivência, para um sistema de participação
dos diversos saberes e resultado do encontro entre diferentes metodologias.
Para Barchinfontaine e Pessini (2002), a Bioética tem início como um
impulso a novos modelos de estilo de vida, onde a sobrevivência e a melhora da
qualidade de vida dependem de uma tarefa multidisciplinar. Essa
interdisciplinaridade de que fala Potter, não é tanto a junção de diferentes
abordagens, mas, sobretudo uma aproximação global por parte dos diversos tipos
51 Van Rensselaer Potter é Doutor em Bioquímica, pesquisador e professor na área de Oncologia no Laboratório McArdle da Universidade de Wisconsin/EEUU. Escreveu o primeiro texto a utilizar a palavra Bioética, em língua inglesa. Este artigo, que tinha o sugestivo título de Bioethics, the science of survival apresentava o texto adaptado do capítulo I do livro Bioethics: bridge to the future, publicado em janeiro de 1971.
57
de saberes. Em 1998, Potter insiste na necessidade de retomar a inspiração inicial
de uma bioética global, e ressalta que não basta estabelecer um elo entre os
diversos saberes, concebendo a bioética como ponte entre vários campos, mas
exige-se que cada especialidade vá para além dos seus dilemas imediatos. A
interdisciplinaridade marca a Bioética não apenas como característica distintiva, mas
como momento imprescindível da sua metodologia. Ela nasce e desenvolve-se no
encontro da diversidade de saberes dando lugar a um novo saber, interdisciplinar no
método, pluralista nos tipos de abordagem e holístico na consideração da realidade.
H.T. Engelhardt, afirma que a Bioética só existe no plural, dado que ela é elaborada
num contexto pluralista de sistemas éticos e envolve a participação dinâmica de
ramos diferentes da ciência
londe, ampliando o conceito de ética-médica
tradicional a tal ponto que essa nova ciência possa encontrar suas normas e bases
dentro das leis da biosfera no seu todo.
veriam nortear a pesquisa biomédica. O resultado
de quatro anos de trabalho foi o chamado
e da sociedade. O encontro com a alteridade surge aqui
como processo crítico dos próprios valores e juízos éticos.
A reflexão Bioética propõe-se a estender não apenas ao homem, mas,
também, a todo o ambiente, segundo La
4.2.1 PRINCÍPIOS E REFERENCIAIS DA BIOÉTICA
Os primeiros estudiosos da Bioética formularam três princípios a partir da
necessidade de dar soluções teoricamente fundamentadas aos problemas éticos. O
principal estímulo, no entanto, foi uma desconcertante descoberta de investigações
clínicas com pessoas que desconheciam que estavam sendo utilizadas como
cobaias. Esses escândalos médicos provocaram um clamor da sociedade, que fez
com que o Congresso norte-americano constituísse uma Comissão sobre este
assunto em 1974, a National Commission for the protection of Human Subjets of
Biomedical and Behavioral Research (Comissão Nacional para a proteção de
sujeitos humanos para pesquisas biomédicas e comportamentais), com a finalidade
de identificar os “princípios” que de
Relatório Belmont - 1978 -, em que se
sistematizaram os três princípios:
58
ou de respeito à pessoa: em suma se
trata da exigência de assegurar o efetivo respeito da vontade de participar ou
não de investigações clínicas
2. Princípio da Beneficência
experimentais. Para isso, é necessário o
consentimento informado do sujeito da pesquisa.
: se expressa nestas regras
complementares – não produzir danos, maximizar as vantagens e minimizar
os riscos.
3. Princípio da Justiça: este terceiro princípio indica o critério
segundo o qual se julga riscos e benefícios com imparcialidade – busca de
equidade quanto aos sujeitos de experimentação.
O passo seguinte foi a busca de princípios éticos que fossem válidos para
toda a área biomédica e não só para a experimentação. Teve grande notoriedade a
obra de Tom L. Beauchamp e James F Childress, Principles of Biomedical Ethics em
1979. Nesta obra, são desenvolvidos com fundamentação filosófica os princípios
formulados pelo Relatório Belmont, do qual o próprio Beauchamp foi membro da
comissão. Além disso, o componente negativo do Princípio da Beneficência é
separado, para constituir um novo princípio: o da Não-Maleficência, que viria depois
do princípio da Autonomia. Mas, o próprio Beauchamp colocou um valor secundário
a esta variante, escrevendo posteriormente sobre o tema, propondo tranquilamente
três e não quatro princípios. Lembrando que a não-maleficência e a beneficência já
vinham do juramento de Hipócrates e a justiça permeia todos os diálogos socráticos,
em especial na República de Platão.
os outros (beneficência); obrigações de ponderar danos e benefícios (utilidade);
4.2.2 O PRINCIPIALISMO
Para Junges (2006), o principialismo é um esquema teórico de moral para
a identificação, análise e solução dos problemas morais enfrentados pela medicina
atual, através de um discurso ético orientado por princípios. Estes englobam certas
considerações morais, como: obrigações de respeitar a pessoa e seus desejos
(autonomia); obrigações de não provocar dano aos outros, principalmente não matar
nem tratar com crueldade (não maleficência); obrigações de produzir benefícios para
59
obrigações de distribuir, com equidade, danos e benefícios (justiça); obrigações de
dizer a verdade (veracidade); obrigações de não revelar informações, de respeitar a
privacidade e de proteger informações
de deveres
ta (Por exemplo, a autonomia, subjugaria o conceito de dignidade
humana).
não davam soluções para todas as questões que
envolvem as situações bioéticas.
ais incisivo. Eles se expressam em máximas condicionadas e não o
contrário.
confidenciais (confidencialidade).
Existem, para o autor, os princípios que são primários, como a autonomia,
a beneficência, a não-maleficência e a justiça, e outros que são derivados dos
primeiros (veracidade, fidelidade, confidencialidade e privacidade). Os princípios
estão relacionados com obrigações expressas em normas de ação, dependendo de
uma certa compreensão teórica deontológica e originando juízos particulares que
são o verdadeiro objetivo dos princípios. É um discurso ético baseado na linguagem
e obrigações, portanto deontológico, aos quais correspondem direitos.
Neste método principialista de atuar na Bioética, existe alguns perigos,
quando se trata, por exemplo, dos conceitos de beneficência e da não-maleficência,
e também da autonomia, segundo uma compreensão utilitarista. Esta adquire um
lugar privilegiado em relação aos outros princípios, quando se usa o paradigma
principialis
Hossne (2006) reflete que o método principialista, tem um aspecto
pragmático, utilitarista e deontológico para resolver várias questões na Bioética, mas
não todas. Apesar de ser importante e necessário, o método ficou insuficiente,
reduzido a alguns princípios que
Os autores, Beauchamp e Childress (apud Junge, 2006, p.36), defendem
que os princípios não são absolutos, mas prima facie, isto é, evidentes à primeira
vista na consideração do caso, válidos e prescritivos enquanto não aparecer outro
princípio m
Beauchamp e Childress, na primeira edição de Principles of Biomedical
Ethics, fizeram com que a obra fosse inserida na perspectiva da “ética aplicada”, que
é exatamente a aplicação de princípios universais aos casos particulares com base
em um raciocínio dedutivo. Mas, nas edições seguintes, a pura aplicação foi sendo
corrigida pelo conceito de balanceamento de princípios considerados prima facie e
60
potencialmente passíveis de entrar em conflito em situações concretas e
necessitadas então de ponderação. De um certo modo, a aplicação foi completada
pelo conceito de especificação, que é a tentativa de dar conteúdo aos princípios,
especificando o seu significado, seu objetivo e seu alcance por meio da
particularidade do caso. Verifica-se que nas últimas edições, a especificação adquire
maior importância, mas ela não pode oferecer, segundo os autores, o modelo
exclusivo para a relação entre o princípio e o juízo particular. Ou seja, o princípio
permanece como critério primário e ponto de partida para a análise ética.
4.2.3 REFE
ue devem ser motivo de
ponderação para opção, fruto de reflexão e juízo crítico.
s atrelados entre si, mas livres para a
interação que a situação bioética exigisse.
RÊNCIAIS DA BIOÉTICA
Hossne (2006), diz que, o fato da insuficiência dos paradigmas
principialistas, levou-se a questionar se a Bioética se realiza e se completa apenas
com base em direitos e deveres. Ou seja, se ela se confunde com deontologia. Isso,
porque ética é sempre reflexão crítica sobre valores, implicando em opção e por isso
exige como condição sine qua nom, liberdade, para se fazer adequada opção com a
devida responsabilidade. O que não seria possível, quando se tem um método que
exclui condições, conceitos, compromissos, sentimentos e outras variáveis
importantes que surgem no campo da Bioética e q
A partir desta compreensão, busca-se elaborar as questões da Bioética à
luz de referenciais e não de à luz de princípios. Estes passam a ser pontos de
referencia, juntamente com outros tantos pontos de referencia para a elaboração da
reflexão bioética. Como por exemplo: a não-maleficência, a autonomia, a justiça, a
dignidade, a solidariedade, a fraternidade, a confidencialidade, a responsabilidade, a
sobrevivência, a qualidade de vida. Todo
61
5 INTERFACE ENTRE A TEOLOGIA MORAL CRISTÃ E A BIOÉTICA - O SERVIÇO À VIDA
5.1 RELAÇÃO ENTRE FÉ E MORAL, RELIGIÃO E ÉTICA:
Neste item, refletiremos sobre a possibilidade da relação entre estas
realidades, fé e moral, religião e ética, através das seguintes perguntas propostas
por Coutinho (2005): a que nível a teologia dialoga com a bioética ou a que nível a fé
marca a argumentação moral? Qual o tipo de interação existe entre as duas?
62
Segundo o autor, nos anos 70 do século XX iniciou-se um debate sobre a
autonomia da moral e a fé cristã. No centro da discussão estava o papel da religião
e da fé na reflexão ética e a definição de uma especificidade da moral cristã. A. Auer
(apud Coutinho, 2005, p. 209 e 210), desenvolve os fundamentos de uma “moral
autônoma em contexto cristão”, argumentando que não é tarefa da fé fornecer
normas materiais concretas, mas estabelecer um horizonte de sentido para um agir
ético autônomo. O ponto de partida desta posição é o caráter racional da realidade,
que exige um discurso argumentativo e supõe que a moralidade é de acordo com a
razão. A recepção do conceito de autonomia na reflexão ético-teológica pelos
teólogos da “moral autônoma” não pretende colocar o homem numa posição oposta
ou alternativa a Deus, mas acentuar o papel da razão humana como lugar da
percepção e obrigação das exigências morais. Nesta linha de pensamento, é
possível citar Santo Agostinho, quando afirma que “Deus, fim último das criaturas, é
possuído por um ato de inteligência” 52.
Fabri dos Anjos (apud Patrão, 2005, p. 228), diz que há fortes exigências
para que a busca do bem comum, por parte das ciências, sem conflitos de
interesses se dê. Um ponto de partida se dá na percepção de que as ciências se
fazem a partir de sujeitos concretos, portadores de interesses, como já o
demonstrou J. Habermas -1982. Assim, diz Fabri dos Anjos (apud Patrão, 2005, p.
228) citando J.B.Libanio: “tanto ciências quanto a teologia devem prestar atenção
aos interesses, muitas vezes, corporativos que decidem sobre seus procedimentos
teóricos e afetam suas conclusões”. Não se trata de exigir sujeitos isentos ou
despojados de valores, interesses e convicções; ou tão munidos de instrumentais
críticos para se policiarem constantemente contra as limitações de suas afirmações.
O uso das ciências, em bioética, exige uma constante interpretação de
dados verificados empiricamente ou não. Dados “objetivos” ganham significado
quando colocados dentro de um contexto ou relação e, portanto, ganham sentido
através de uma leitura interpretativa. Fazendo uma análise filosófica sobre os
avanços das ciências biológicas, Oliveira (apud Patrão, 2005, p.229) demonstra
como seria uma pretensão insustentável “monopolizar a racionalidade humana”,
dentro do saber empírico, quando de fato temos a necessidade de lidar com
52 http://www.mundodosfilosofos.com.br/agostinho.htm em 12/02/2008.
63
dimensões “que não são fenômenos empíricos, mas estruturas não-temporais”, e
que, portanto requerem um tipo de saber adequado para estudá-las. Fabri dos
Anjos, diz que é aqui que se situa a teologia como um tipo de saber. A racionalidade
própria da teologia, enquanto ‘ciência humana’, é de tipo hermenêutico53. E traz uma
contribuição específica ao buscar a interpretação da vida nas dimensões espirituais
do ser humano e ao considerar a vida para além do tempo. Isto coloca a teologia, ao
menos em termos gerais como uma importante parceira para a construção da
bioética.
5.2 POSTURAS DA IGREJA CATÓLICA DIANTE DO DIÁLOGO ENTRE TEOLOGIA E BIOÉTICA
Segundo Sgreccia (apud Bento, 2005), seria inoportuno e sem utilidade
para a própria fé negar a legitimidade e a necessidade de uma reflexão racional e
filosófica sobre a vida humana e, por isso, também sobre a licitude das intervenções
sobre o homem por parte do médico e do biólogo: a vida humana é, em primeiro
lugar, um valor natural, racionalmente conhecido por todos aqueles que fazem uso
da razão; o valor da pessoa humana torna-se precioso pela Graça e pelo dom do
Espírito Santo, mas não cessa de ser para todos, crentes ou não, um valor
intangível. Diz ainda que, é contrário à tradição da Igreja negar o valor da razão e a
legitimidade da ética racional, também chamada de natural.
No debate sobre o aborto muitos pensaram que se tratava de um
problema de fé ou de falta de fé, enquanto a vida humana é igual para todos os
homens e a obrigação de respeitá-la é dever do homem enquanto homem, não
apenas do homem crente: o crente terá razões de reforço sobrenatural, mas essas
razões não devem ser usadas para que todos os homens de boa vontade e de reta
razão sejam dispensados de refletir sobre os fatos humanos à luz da razão, diz
53 Hermenêutica é um vocábulo derivado do grego hermeneuein, comumente tida como filosofia da interpretação.
64
Sgreccia citando Dichiarazione su L’aborto procurato da Congregação para a
Doutrina da Fé54.
A própria Igreja Católica condenou através dos séculos toda posição
fideísta que tirasse da razão e da inteligência seu peso e seu valor, e isso com o
mesmo vigor com que condenou as heresias no terreno das verdades reveladas; a
Igreja defendeu, mais que tudo, o princípio de harmonia entre ciência e fé, entre
razão e Revelação: uma harmonia nem sempre fácil e imediata, quer pela fraqueza
da mente humana, quer pelas pressões ideológicas, quer pela dificuldade intrínseca
dos problemas.
É este um ponto delicado e essencial que implica a relação homem-Deus,
natural-sobrenatural, filosogia-teologia. Razão e Revelação têm o mesmo autor, que
é Deus, merecendo, assim, igual respeito, exigindo apoio mútuo.55
Esse encontro é tanto mais urgente e necessário quanto mais nos
movemos no campo das ciências experimentais, que têm como objetivo realidades
intramundanas e corpóreas e usam um procedimento racional.
Além disso, hoje se exige isso com um vigor cada vez maior, depois do
longo período de “silêncio da metafísica”, que entregou a verdade humana à
corrente dos poderes políticos, nascidos no bojo do materialismo, do absolutismo e
do historicismo: conseqüentemente, caiu-se nas garras do relativismo.
54O respeito pela vida humana não se impõe só aos cristãos: basta a razão para essa exigência, com base na análise do que é e deve ser uma pessoa”, n. 8 em Enchiridion Vaticanum, 5, Bolonha 1979, p 427.
55A pesquisa metódica de qualquer disciplina se é feita de maneira realmente científica e de acordo com as normas morais, nunca estará realmente em contraste com a fé, pois as realidades profanas e as realidades da fé têm origem no mesmo Deus... Seja-nos permitido aqui deplorar certas atitudes mentais que, se não faltaram, algumas vezes, nem mesmo entre os cristãos, nascidas do fato de não terem eles percebido a legítima autonomia da ciência e capazes de suscitar disputas e controvérsias, levaram muitos espíritos a julgar que ciência e fé são opostas entre si (COMPÊNDIO. 1991, Const. Past. “Gaudium et Spes”, n. 36). O Concílio, recordando o que ensinou o Concílio Vaticano I, declara que ‘existem duas ordens de conhecimento’ distintas, ou seja, a da fé e a da razão, e que a igreja de modo algum proíbe que ‘as artes e as disciplinas humanas(...) usem em seus respectivos campos de princípios e de métodos próprios’; reconhecendo esta justa liberdade, afirma por isso a Igreja a legítima autonomia da cultura e especialmente da ciência.
65
O diálogo entre ciência e fé só se dará se houver a intermediação da
razão, que é a referência comum para uma e outra. Daí é que nasceu a exigência de
uma reflexão filosófico-moral também no campo médico e biológico.
Sgreccia propõe a possibilidade da existência de uma ética puramente
racional, “laica”, a ponto de poder prescindir da afirmação da existência de um
Absoluto, ou se, justamente por força da ética fundada em valores naturais,
racionalmente, não se deve descobrir dentro desses valores, sobretudo como
garantia do valor-pessoa, a existência de um Absoluto.
Esta vinculação entre a ética racional, que se fundamenta na metafísica e,
a partir da afirmação do valor-pessoa, chega à afirmação da existência de Deus, e a
Revelação cristã favorece o diálogo entre a razão e a Revelação, entre a ciência e a
fé.
A bioética, segundo Sgreccia, deverá ser uma ética racional que, a partir
da descrição do fato científico, biológico e médico, analise racionalmente a licitude
da intervenção do homem sobre o homem. Esta reflexão ética tem o seu pólo
imediato de referência na pessoa humana e em seu valor transcendente, e sua
referência última em Deus, que é Valor Absoluto. Nesta linha é necessário e normal
o confronto com a Revelação cristã e é também proveitoso o confronto com as
concepções filosóficas correntes. Essa reflexão ética abraça o amplo campo da
experimentação biológica e do exercício da medicina e se concretiza no exame de
muitos casos concretos.
5.2.1 INTERFACES ENTRE TEOLOGIA MORAL E BIOÉTICA
A Bioética com seu caráter essencial que é interdisciplinar, pluralista e
interdisciplinar, ou seja, não exclui nenhuma disciplina e nem exige perda de
identidade disciplinar dos participantes, pelo contrário. Existe o pressuposto que diz
ser compatível uma concepção secular e pluralista da bioética com a presença da
reflexão teológica num debate. Portanto, é preciso descobrir o lugar da Igreja
Católica e sua ética teológica dentro do conjunto das focagens possíveis no debate
Bioético, caracterizando o contributo específico da teologia neste debate
multidisciplinar.
66
Este caráter interdisciplinar ou multidisciplinar, sobretudo transdisciplinar
da Bioética favorece o diálogo como elemento necessário no processo de reflexão.
O Papa João Paulo II (1995), na encíclica Evangelium Vitae, ainda que se
pronunciando contra o relativismo moral das sociedades modernas, considera a
Bioética como um lugar significativo de diálogo entre as diversas concepções
filosóficas e teológicas. Segundo Abel (1996), um diálogo que não é simples
oportunidade de confronto, mas, sobretudo um processo pelo qual os diversos
intervenientes assumem a argumentação dos outros e integram na própria reflexão a
metodologia das outras partes. Trata-se de um diálogo aberto, interdisciplinar,
sistemático e eticamente plural. A Bioética com isso é não somente o encontro de
sistemas morais diversos, mas ainda o encontro de epistemologias e metodologias
distintas. Este é o caráter da trandisciplinaridade da Bioética.
Para Fabri dos Anjos (apud Patrão, 2005, p. 227 e 228) a diversidade
epistemológica das ciências e de seus correspondentes discursos justifica a
distinção quanto à especificidade dos discursos. Mas tal diversidade não impede
uma interlocução entre eles; ao contrário esta diversidade é exatamente valorizada
hoje em bioética como diálogo interdisciplinar. A presença teológica não deve, no
entanto, retirar à ética aquela capacidade comunicativa que deve ter qualquer
discurso realizado em ambientes plurais. Deve haver uma interação entre fé e moral,
entre teologia e ética, para verificarmos se, e em que condições, é legítima uma
reflexão teológica da bioética e uma presença da ética teológica no debate bioético
secular. Uma compreensão correta da função da fé na reflexão ética pode ajudar, no
âmbito das sociedades atuais, a fazer uma interface entre Teologia e Bioética.
O Pluralismo, presente nas sociedades democráticas, não significa
sincretismo. É preciso manter sempre a identidade disciplinar, diante das diferentes
ideologias, crenças, convicções e culturas.
Ainda, segundo Fabri dos Anjos, cresce a consciência de que as
realidades são por demais complexas para serem compreendidas por uma só forma
de saber isoladamente. Diz, citando Bachelard56, que um “novo espírito científico”,
56 Gaston Bachelard nasceu em 27 de junho de 1884, em Bar-sur-Aube, França e faleceu aos 16 de outubro de 1962, em Paris, França. Filósofo e poeta francês que estudou
67
exige “essencialmente uma retificação do saber, um alargamento dos quadros de
conhecimento”. Termina afirmando que a pluralidade de percepções se torna uma
riqueza e a multidisciplinaridade uma necessidade. Sem o que, digo que não se
pode falar em Bioética.
Para Coutinho (2005), a Bioética é produto desta convivência plural das
sociedades, é resultado do encontro de uma multiplicidade de perspectivas e de
visões de vida. Por isso, ela carrega consigo a pluralidade de concepções do mundo
e do homem, a variedade de filosofias de vida e de posições morais. Porque a
diversidade é freqüentemente condição de humanidade, é desejável que a Bioética
mantenha esta diversidade e pluralidade.
Por outro lado, reflete ainda o autor, correm-se riscos na afirmação e
vivência de qualquer identidade numa sociedade plural. Inevitavelmente usam-se
quadros de referência, concepções antropológicas e pressupostos teológicos, que
não são partilháveis pela totalidade dos membros de uma sociedade, nem são
compreensíveis por quem não recorre aos mesmos pressupostos. J. Habermas57
considera que os estados liberais e seculares provocaram uma duplicidade na
identidade dos cidadãos, na medida em que exigem uma afirmação da identidade na
esfera pública e outra afirmação na esfera privada. O desafio consiste, pois em
traduzir as convicções religiosas, atribuídas à esfera privada, numa linguagem
secular que possa dialogar na esfera pública de uma sociedade multicultural e
pluriconfessional, possibilitando assim uma interação entre as duas.
Verificamos que a tarefa da Teologia é, entre outras, elaborar uma
interpretação teológica do mundo e do homem, num contexto de fé. Quando entra
em contato com diferentes sociedades, a teologia situa os conteúdos teológicos da
fé num contexto teórico que corresponda às concepções cosmológicas e
antropológicas vigentes. Ou seja, não se trata apenas de falar da realidade com a
linguagem teológica, mas, sobretudo propor uma leitura teológica com a linguagem
de cada realidade contextual.
sucessivamente as ciências e a filosofia. Seu pensamento está focado principalmente em questões referentes à filosofia da ciência.
57 Um dos mais importantes filósofos alemães do século XX nasceu em Gummersbach, a 18 de Junho de 1929.
68
Entendemos aqui, que as interfaces entre a Teologia Moral e a Bioética,
se fazem com as seguintes características da Bioética: pluralismo,
multidisciplinaridade, transdisciplinaridade que orientam para um juízo e reflexão
crítica de valores (valores da ética e da teologia) para a melhor opção.
5.3 A TEOLOGIA MORAL CRISTÃ E A VIDA HUMANA
João Paulo II (1995), na Encíclica Evangelium Vitae, diz que:
o homem existe em relação a Deus no evento Jesus Cristo encarnado em
uma natureza humana. Na encarnação, Jesus assume toda a natureza
humana. Isto significa que o que é humano é legível em Jesus. A encíclica
“quer ser uma reafirmação do valor da vida humana e da sua inviolabilidade,
e, conjuntamente, um ardente apelo dirigido em nome de Deus a todos e
cada um: respeita, defende, ama e serve a vida, cada vida humana!
Unicamente por esta estrada, encontrarás justiça, progresso, verdadeira
liberdade, paz e felicidade! (JOÃO PAULO II, 1995, EVANGELIUM VITAE
n.5).
A mesma encíclica diz que a dignidade de criatura que existe em cada ser
humano, é o dado fundamental da antropologia cristã. Este fato é importante porque
diferencia a pessoa humana dos outros seres criados. O ser humano é uma criatura
única e não repetível58, de uma riqueza imensa59, de particular beleza60 capaz de
amizade para com todos61, digna de respeito em qualquer situação62 e que só pode
ser pensando em relação a Deus.
De acordo com Diaz (2000), a pessoa humana não é só objeto, mas
também sujeito, não é um meio, e, por isso, não se pode faltar com o devido respeito
ao ser humano, o qual não pode ser objeto de manipulação, cabe a ele tomar a
decisão. O homem é um fim em si mesmo. Se se falta com respeito à pessoa 58 EVANGELIUM VITAE., 24,60.
59 Ibid., 23.
60 Ibid., 99.
61 Ibid., 5, 9.
62 Ibid., 60, 67, 70, 94, 98.
69
humana esta pode ser lesionada por outro. Em virtude de uma relação exclusiva e
pessoal com Deus o homem se torna especial. Dessa forma, o homem é chamado a
sair de si mesmo e abrir-se ao transcendente superando uma visão secularizada de
um mundo que exclui Deus e que busca a auto-revelação. Então, o homem não é
um aglomerado de duas substâncias completas (corpo e alma), mas um único
sujeito encarnado, amado e criado como pessoa, fruto do amor de Deus.
Blaise Pascal63 – de 1623 a 1662 - filósofo francês soube separar muito
bem a ciência em si, do ser humano. Segundo ele, o coração tem razões que a
própria razão desconhece e por isso a ciência e a técnica sempre ficarão aquém das
buscas que o homem faz. É difícil dar uma resposta definitiva quando o assunto é o
homem, justamente, porque ele tem uma sede insaciável e a cada resposta
encontrada, elabora uma nova pergunta. A defesa da riqueza humana consiste em
aprofundar em aspectos individuais e sociais que estejam de acordo com o real, sem
esgotar o diálogo que cada um tem consigo mesmo e com o outro.
João Paulo II (2003), na encíclica Redemptor Hominis de 1979, n.14,
reflete que a pessoa humana apresenta-se como uma unidade fundamental e traz
dentro de si toda uma experiência que vai sendo construída e atuada ao longo de
toda a sua existência: “o homem que, segundo a interior abertura do seu espírito, e
conjuntamente a tantas e tão diversas necessidades do seu corpo e da sua
existência temporal, escreve esta sua história pessoal”.
Na reflexão da Teologia Moral, segundo Bento (2005) a sacralidade da
vida humana a torna inviolável, descartando toda e qualquer instrumentalização da
pessoa. A vida humana, já na sua dimensão biológica, é a condição de tudo o que é
humano, portanto da vida espiritual, da história e da existência concreta da pessoa
humana. A convicção da dignidade, do valor e da autonomia da pessoa, representa
um dos elementos qualitativos da proposta antropológica cristã. O homem é feito
nesta relação. Ele é pessoa porque Deus o chamou em comunhão consigo. É
constituído pessoa. Segundo a Instrução Donum Vitae de 1987 (apud Bento 2005),
não se pede que um embrião faça o que faz uma pessoa adulta. É na amplitude
deste contexto que se fundamenta o argumento sobre a sacralidade da vida
63 Ibdem n.12.
70
humana. Na Instrução Domum Vitae n. 5, vemos que desde o momento da
concepção, a vida de todo ser humano deve ser respeitada de modo absoluto,
porque o homem é, na terra, a única criatura que Deus quis por si mesma, e alma
espiritual de cada um dos homens é imediatamente criada por Deus; todo seu ser
traz a imagem do Criador.
O coração da Teologia moral, segundo João Paulo II (1995), é a
sacralidade da vida humana: “a vida humana é sagrada porque desde o seu início
comporta a ação criadora de Deus e permanece para sempre em uma relação
especial com o Criador, seu único fim. (Evangelium Vitae, n.60)
A Sagrada Escritura explicita como Deus ama a vida humana e chama o
homem a uma comunhão com Ele não sendo possível separar o homem de Deus64.
A vida humana é muito mias do que o sujeito faz e exprime. De acordo com a
Sagrada Escritura, seu valor está no fato que cada vida humana está íntima e
ultimamente ligada em Deus. O valor e a inviolabilidade da vida humana se
fundamentam justamente na relação do homem com Deus. O respeito a toda
criatura humana, em qualquer momento de sua existência, desde a concepção até a
morte, é um imperativo fundamental, cuja razão última está na vontade de Deus.
Todos são interpelados a amar e respeitar como Deus, o Senhor da vida ama e
respeita. O valor de cada vida humana é independente daquilo que ela pode
oferecer; o que vale é sua relação com Deus, por isso ela deve ser respeitada e
defendida em qualquer circunstância. A instrução Donum Vitae, diz que a vida física,
pela qual tem início a caminhada humana no mundo, certamente não esgota em si
todo o valor da pessoa, nem representa o bem supremo do homem que é chamado
à eternidade. Todavia, de certo modo, ela constitui o valor fundamental, exatamente
porque sobre a vida física fundamentam-se e desenvolvem-se todos os outros
valores da pessoa. A inviolabilidade do direito do ser humano inocente à vida, desde
o momento da concepção até a morte, é um sinal e uma exigência da inviolabilidade
mesma da pessoa à qual o Criador concedeu o dom da vida.
64 Entre os muitos textos bíblicos, recordam-se alguns dos mais significativos que aludem este comportamento de Deus em relação ao homem: Jr 1,5; Jó 10,8-12; Sl 22,10-11; 71,6; 127,3; 128.3-4; 139,13-16.
71
Assim, sob o prisma da Teologia Moral, perdendo o sentido de Deus,
perde-se também o sentido do homem. Deus é o dono da vida e seu empenho em
relação à criatura é de proteção, pois a vida humana só pode ser entendida nesta
relação. Deus acolhe com amor cada vida humana (Is 45,15). Então, o ser humano,
pessoa, deve ser tratado como pessoa.
Para se entender melhor a postura da Teologia Moral, diante do tema
Vida Humana, é preciso considerar algumas reflexões expostas pelos documentos
da Igreja.
João Paulo II, (1995) na Encíclica Evangelium Vitae n.42, acenando à
primeira página do Gênesis ressalta a responsabilidade do homem pela vida
humana: “Defender e promover, venerar e amar a vida é tarefa que Deus confia a
cada homem, ao chamá-lo, enquanto sua imagem viva, a participar no domínio que
ele tem sobre o mundo: crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra...” (Gn
1,28).
A Encíclica no n. 28 salienta que a pessoa participa do governo de Deus,
exerce um serviço em seu nome, por isso, afirma que “o domínio conferido ao
homem pelo Criador não é um poder absoluto, nem se pode falar de liberdade de
usar e abusar, ou de dispor das coisas como melhor agrade”. Ainda, “a limitação
imposta pelo Criador, desde o princípio, e expressa simbolicamente com a proibição
de comer o fruto da árvore (cf Gn 2,16-17), mostra com suficiente clareza que, nas
relações com a natureza visível, nós estamos submetidos a leis, não só biológicas,
mas também morais, que não podem impunemente ser transgredidas, isso implica
em avaliação ética do comportamento.
Portanto, a soberania pertence a Deus e não ao homem, logo a soberania
humana não existe sem limites. Na encíclica Redenptoris Hominis de 1979, João
Paulo II (2003), escreve que é preciso que o homem de hoje se convença que “o
sentido essencial desta realeza e deste domínio do homem sobre o mundo visível,
que lhe foi confiado como tarefa pelo próprio Criador, consiste na prioridade da ética
sobre a técnica, no primado da pessoa sobre as coisas e na superioridade do
espírito sobre a matéria.
72
Em Genesis 1,1 lê-se que a vida vem de Deus e é confiada ao homem.
Deus como Criador é o Senhor Absoluto da vida; somente ele pode dispor dela e o
homem é chamado a participar desta senhoria. A participação do homem no campo
de domínio é, em primeiro lugar, a fecundidade, isto é, transmitir a vida humana;
segundo, no domínio sobre a natureza o homem é convidado a um comportamento
moderado. Mas o homem não é dono; ele deve colocar os pés na Terra Prometida,
guiar, pastorear; o homem é senhor, mas um senhor prudente que deriva da
senhoria de Deus que transmite sua senhoria à criatura humana. Domínio que deve
ser com sabedoria e que pressupõe o domínio supremo de Deus.
A partir da Teologia moral, verificamos que o homem não tem, portanto
nenhuma disponibilidade direta sobre a vida humana seja a própria vida ou a de
outrem. Essa é somente confiada à sua administração responsável; essa é para ele
um bem do qual é depositário e do qual deverá prestar contas a Deus.
Para Durant (2003), o princípio de respeito pela vida, é defendido,
principalmente, na proibição de não matar. Este princípio exprime, no mínimo, que a
vida humana é um valor importante. Ela deve ser protegida com muito carinho. O
aspecto negativo do mandamento vem promovido na promessa de dar a vida pelo
outro em função do seu valor. Mas, o autor pergunta: até que ponto o homem da
pós-modernidade, o homem das ciências biológicas está entendendo a vida humana
como valor? A nosso ver, este é um aspecto no qual a Bioética pode vir a
desempenhar um papel de resgate.
Há ainda, um apelo ao respeito à ordem da natureza e a responsabilidade
do homem na atual crise ecológica, na encíclica Centesimus Annus de 1991:
“O homem, tomado mais pelo desejo do ter e do prazer, do que pelo de ser
e de crescer, consome de maneira excessiva e desordenada os recursos da
terra e da sua própria vida. Na raiz da destruição insensata do ambiente
natural, há um erro antropológico, infelizmente muito espalhado no nosso
tempo [...]. Em vez de realizar o seu papel de colaborador de Deus na obra
da criação, o homem substitui-se a Deus, e deste modo acaba por provocar
a revolta da natureza, mais tiranizada que governada por ele. (JOÃO
PAULO II, 2003, CENTESIMUS ANNUS, n. 37).
73
Depois de indicar o senso e os limites da senhoria do homem na
participação da senhoria de Deus Criador, João Paulo II (1995), valoriza um outro
elemento importante:
“uma participação do homem no domínio de Deus manifesta-se também na
específica responsabilidade que lhe está confiada no referente à vida
propriamente humana. Essa responsabilidade atinge o auge na doação da
vida, através da geração por obra do homem e da mulher no matrimônio.
(JOÃO PAULO II,1995, EVANGELIUM VITAE, n. 43).
Com isso, João Paulo II na mesma encíclica n.43, diz ainda: “uma vez
realçada a missão específica dos pais, há que acrescentar: a obrigação de acolher e
servir a vida compete a todos e deve manifestar-se, sobretudo a favor da vida em
condições de maior fragilidade”. Na visão secular ser senhor da vida é ser dono,
porém na visão cristã é estar a serviço da vida. O homem pode agir no mundo, mas
com sabedoria, prudência e amor de tal modo que respeite e ajude a natureza no
seu equilíbrio.
5.4 TEOLOGIA MORAL CRISTÃ E BIOÉTICA A SERVIÇO DA VIDA
Das diversas concepções de bioética, a Igreja Católica possui dentre
outras, a visão personalista, que não somente considera a vida como um bem
absoluto, mas que respeita todo o ser humano na sua verdade integral. Para Ramos
(2007)65:
«Quando a gente fala de uma Bioética personalista, nós estamos falando de um
modelo de Bioética que tem como fundamento o reconhecimento da pessoa
humana em todas as suas dimensões, do reconhecimento da pessoa como
unidade de corpo e espírito. A partir desse modelo que considera a pessoa no seu
todo, com todas as suas dimensões, com a sua identidade, isto é, ela é única, e
ao mesmo tempo apresenta as dimensões biológica, física, uma dimensão
psicológica, uma dimensão espiritual, uma dimensão moral, ou social, como
65 Livre-docente de Bioética na USP (Universidade de São Paulo) e membro correspondente da Pontifícia Academia para a Vida
74
queiram chamar, nós podemos fundamentar todo um debate bioético que tem de
considerar todos esses elementos dessa realidade chamada pessoa».66
Segundo Lalonde (2007), - oficial do Pontifício Conselho para a Família -
depois dos progressos científicos e biomédicos acelerados que houve, não foi
possível uma reflexão serena do discurso ético tradicional. O que possibilitou a
entrada do pragmatismo científico biomédico – Relatório Belmont, que levou os
legisladores e parlamentares a impor critérios muito às pressas, sem fundamentos
éticos. Segundo ele, a ausência de obrigações absolutas, como imperativos da
consciência baseados em valores objetivos e universais obrigatórios, deslocou o
valor supremo da vida para a qualidade de vida ou para o bem-estar dos indivíduos.
O consenso social por via democrática fundamentou a legitimidade das decisões.
Chegou-se a uma moral comum mínima.
Lalonde (2007), diz que diante dessa situação, vem uma resposta moral,
a partir do princípio personalista, para infundir, frente à ênfase no bios, um coração à
ética. O objeto da bioética personalista é o homem na sua totalidade e radicalidade,
inclusive na dimensão ética, que remete ao valor supremo e último. Uma resposta
que evoca também valores objetivos universais e imutáveis, baseados na pessoa
humana. Que não pode prescindir da filosofia moral, reforçada pela teologia moral
nos aspectos da conduta de inspiração cristã. E que exige também uma ontologia da
pessoa humana.
De acordo com o autor, a Bioética é colocada a serviço da vida e respeita
a dignidade de homens e mulheres.
A Bioética, mesmo desvinculada de qualquer profissão religiosa, está a
serviço da vida nas suas mais diversas manifestações, mas de modo particular da
vida humana.
Com relação à Teologia, verifica-se que o cristianismo quando contribuiu
para o conceito de pessoa humana, contribuiu também para a superação do
dualismo clássico. Soube ainda, encarregar-se da saúde pública. Em épocas mais
66 http://www.comunidadeshalom.org.br/formacao/especial/defesa_vida/bioetica/defesa_da_vida.html, em 23/11/2007.
75
recentes, sempre proclamou, através da teologia, que a vida de todo ser humano é
sagrada e inviolável e condenou o aborto, o infanticídio, a eutanásia, as mutilações.
A partir do pontificado de Pio XII, o magistério da Igreja, em seu serviço à verdade,
pronunciou-se sobre diversos assuntos de bioética e continua ainda hoje a oferecer
seu discernimento em assuntos difíceis.
Tal focagem da Teologia Moral sobre a Bioética pressupõe uma ontologia
da pessoa humana e o respeito absoluto e incondicional por alguns princípios ou
pilares do humanismo objetivo: respeito absoluto pela vida física e mental das
pessoas, vontade e intencionalidade formalmente terapêutica por parte dos
profissionais da saúde e o respeito aos direitos e aos deveres fundamentais da
pessoa humana.
Nesta linha de pensamento da teologia moral, qualquer ação científica ou
médica que destrua (cause danos físicos ou morais à pessoa), de fato ou
deliberadamente, vidas humanas concretas é automaticamente deslegitimada por si
mesma. A razão, bem formada e livre de preconceitos ideológicos ou culturais,
entende com relativa facilidade que a vida física concreta é o valor ético fundamental
sobre o qual se apóiam todos os outros; é como a pedra angular sobre a qual todo o
edifício é construído e consolidado.
76
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do tema proposto: O serviço à vida humana como interface entre
a teologia moral e a bioética, buscamos desenvolver os conceitos básicos, filosóficos
e teológicos, a respeito da vida humana e de como a teologia e a bioética se
colocam diante desta realidade.
A despeito da relação entre teologia e bioética, fé e razão e da falsa idéia
de incompatibilidade que pode surgir, quando se tratam destes dois temas, a Igreja
tem a seguinte postura: ela afirma que a pesquisa metódica de qualquer disciplina,
se é feita de maneira realmente científica e de acordo com as normas morais, nunca
estará realmente em contraste com a fé. Diz o Concílio Vaticano II que existem duas
ordens de conhecimento distintas, ou seja, a da fé e a da razão, e que a igreja de
modo algum proíbe que as artes e as disciplinas humanas usem em seus
respectivos campos, princípios e métodos próprios; reconhecendo esta justa
liberdade, afirma a Igreja a legítima autonomia da cultura e especialmente da
ciência.
Somente à luz desse entendimento, será possível a compreensão do
presente trabalho, que pretende mostrar a interface entre as duas disciplinas.
É sabido que o primeiro dos valores sociais postos na base da própria
sociedade é o da defesa da vida e do direito à vida para cada ser humano, durante a
sua existência terrena, desde o momento da concepção até a morte.
Tanto a teologia moral, levando em consideração a teologia elaborada
pela Igreja católica, quanto a bioética, têm o valor da vida como o mais fundamental
dentre os direitos humanos, e para tanto, ambas as disciplinas caminham na mesma
direção, no sentido de fazer com que este direito beneficie todos e seja confiado à
consciência de todos.
A teologia moral busca fazer isso, enquanto é uma das ciências humanas,
através da contribuição que ela oferece ao interpretar a vida nas dimensões
espirituais do ser humano e ao considerar a vida para além do tempo.
A bioética, por sua vez, faz com que este direito à vida seja prioritário
para todos, através da sua atuação direta no campo bio-médico, propondo uma
reflexão crítica e um juízo de valores. Além de promover o diálogo bioético
77
envolvendo a investigação multidisciplinar e a participação das mais variadas áreas
do conhecimento, por causa da sua atuação transdisciplinar.
A formação da consciência moral está também sob responsabilidade da
teologia e da bioética. Esta consciência, não pode ser uma variável sociopsicológica,
especialmente quando os valores são fundamentais, porque a consciência se nutre
e se esclarece sempre como juízo da razão, emitido sobre o valor objetivo das
nossas ações. Pode-se dizer que a consciência é a voz do coração, mas de um
coração inundado pela luz da verdade.
Na Constituição conciliar Gaudium et Spes, lemos que a consciência é o
núcleo mais secreto do homem, o santuário onde ele está a sós com Deus, cuja voz
ressoa no seu íntimo [...]. Pela fidelidade à consciência, os cristãos, unidos aos
outros homens, devem procurar a verdade e resolver com acerto os numerosos
problemas morais, que se apresentam tanto na vida individual, como na comunidade
social (n.16). É nesta tarefa que a teologia moral e a bioética aplicam também os
seus esforços: fazer com que os homens elaborem um claro juízo de consciência
sobre os muitos problemas relativos à vida, especialmente no momento atual
dominado pelas descobertas científicas, pelo progresso tecnológico e, com
freqüência, pela mentalidade utilitarista.
O valor da vida, o primeiro dos valores fundamentais no âmbito social,
deve ser tutelado antes de tudo nas consciências e pelas pessoas de reta
consciência. Daí a importância da teologia moral e da bioética em formá-la
adequadamente nas pessoas. Nisto deve consistir o empenho principal dessas duas
disciplinas. Visto que a reta consciência tem a necessidade interior de se alimentar e
de se fortalecer com as múltiplas e profundas motivações que militam em favor do
direito à vida. Sobre o reconhecimento de tal direito é que se funda a convivência
humana e a própria comunidade política.
É por isso, que um dos meios para a interface entre a teologia moral e a
bioética é o serviço à vida, que passa primeiramente pela formação da consciência
humana.
Um dos motivos pelos quais esta interface se torna possível, é pela
proximidade filosófica dessas disciplinas, levando em conta que ambas têm como
78
pano de fundo a moral e a ética. Conceitos filosóficos que refletem sobre realidades
humanas que estão relacionadas ao comportamento do ser humano, aos seus
costumes, valores, ao conceito de certo e errado.
No campo filosófico, Kant, por exemplo, elabora a doutrina do imperativo
categórico, que afirma que um comportamento pode ser considerado moral quando
é universalizável. Na teologia moral, a reflexão ética desenvolveu-se a partir dos
Santos Padres da Igreja, como por exemplo, Santo Agostinho, que refletiu sobre a
“lei natural”, que é a lei que Deus imprimiu no coração do homem, e é graças a ela,
que ele conhece o que se deve cumprir e o que se deve evitar. Entende-se que a
justa autonomia da razão prática, significa que o homem possui em si mesmo a
própria lei, recebida do Criador.
Ao refletir sobre essa realidade, o estudo propõe motivações para a
teologia moral e para a bioética no serviço que prestam à vida. Estas motivações
têm raízes na lei natural e, portanto, podem ser compartilhadas por todas as
pessoas de consciência reta. O respeito pela vida humana, por exemplo, não se
impõe só aos cristãos, basta a razão para essa exigência, com base na análise do
que é e deve ser uma pessoa.
Nesta perspectiva, a igreja católica, trabalha, por exemplo, através do
ensinamento dado por meio da publicação de documentos conciliares, como a
Gaudium et Spes, através de encíclicas papais como a Evangelium Vitae e Veritatis
Splendor, por documentos da Santa Sé e por vários pronunciamentos do Magistério
da Igreja. A Bioética, por sua vez, trabalha através da elaboração de documentos,
que, por exemplo, regulamenta a pesquisa biomédica com seres humanos, como o
Código de Nuremberg, o Código Internacional de Ética Médica, o Relatório Belmont,
a Declaração de Helsinque, as Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa
Biomédica com Seres humanos, as Resoluções no Brasil n. 01/88 e n. 196/96 do
CNS, através ainda da criação de comitês de bioética.
Através desta práxis, é possível verificar o serviço e o apelo que as duas
disciplinas fazem a favor da vida.
Além disso, pudemos verificar, ao longo do trabalho, que a teoria dos
referenciais, facilita e demonstra a interface entre teologia moral e bioética.
79
Em ambas, há vários referenciais em comum, como por exemplo: a não-
maleficência, a beneficência, a justiça, a autonomia, a dignidade, a solidariedade e a
prudência entre outros.
As duas disciplinas salientam a necessidade de reflexão e juízo crítico
sobre valores. E, tratam o ser humano em sua totalidade e dignidade, como pessoa.
A Teologia, ainda, traz aporte, ou contribuição a todas as áreas do
conhecimento. A Bioética, por sua vez, precisa de aporte de todas as áreas do
conhecimento e de todos os atores. No caso, a Teologia não só é ator como ator
privilegiado, pois estabelece pontes através dos referenciais comuns.
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