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Centro Universitário de Belo Horizonte
Natália Lagoa Pugschitz
Os preâmbulos da moda durante a crise
Belo Horizonte
2010
Natália Lagoa Pugschitz
Os preâmbulos da moda durante a crise
Artigo científico apresentado ao Centro
Universitário de Belo Horizonte como
requisito à obtenção da graduação em
Relações Internacionais
Orientadora: Alexandra Nascimento
Belo Horizonte
2010
Agradeço à minha querida professora Alexandra, que sempre se fez
presente em minha vida acadêmica, e ao Dawisson, aquele foi o
primeiro a me incentivar a escrever sobre a moda. E por último e
não menos importante, agradeço ao Guilherme que de todas as
maneiras se esforçou para me ajudar da melhor forma possível, e
por me incentivar nos momentos mais necessários.
Resumo
Este artigo pretende analisar a forma com que a moda dialogou com a crise no período de
2008/2009 mostrando quais foram suas alterações e se houve crise de consumo nas
principais capitais da moda – paris, Nova Iorque e Milão. A moda neste trabalho foi
analisada através das perspectivas psicogenética e sociogenética propostas por Mike
Featherstone, nas quais servem como forma de distinção ou de individualização.
Palavras-chave:
Moda – consumo – crise – sociogenética – psicogenética
Abstract
This article analyzes the way the fashion spoke with the crisis in the period 2008/2009 were
showing your changes and whether consumption crisis in major fashion capitals - Paris,
New York and Milan Fashion this work was analyzed through the perspectives and
psychogenic sociogenetic proposed by Mike Featherstone, in which they serve as a form of
distinction or uniqueness.
Keywords:
Fashion - consumption - crisis - sociogenetic - psychogenic
1
Introdução
Embalado pelos ecos da efervescente sensibilidade contracultural1 dos anos 60, o príncipe
Ronnie Von – apelido que surgiu em alusão ao título real conferido ao músico Roberto
Carlos – resolveu se distanciar da estética musical da Jovem Guarda à qual até então estava
filiado e revelou toda a sua inquietação criativa lançando, no ano de 1969, um disco
autointitulado que continha notáveis influências tropicalistas2 e psicodélicas. A consonância
com o espírito contestador e libertário daquele momento histórico pode ser percebida
explicitamente através do título da oitava canção do LP, Anarquia , cujo eu-lírico, durante
o refrão, conclama entusiasmadamente seu interlocutor a sair às ruas para fazer uma
tremenda anarquia e pintar as ruas de alegria. Antes da execução desta música, porém, há
no disco, como uma espécie de introdução conceitual, o interessante registro de uma
conversa telefônica entre Ronnie Von e o arranjador musical Damiano Cozzella. Após
conseguir localizar o príncipe no estúdio de gravação, Cozzella o pergunta: Ronnie, o que
você acha da moda? À interrogativa, este, por sua vez, responde: Olha Cozzela, eu acho
que a moda já está fora de moda.
A frase acima proferida por Ronnie Von se mostra bastante ilustrativa no contexto deste
trabalho, uma vez que um grande foco de atenção deste presente artigo consiste na tentativa
de promover uma compreensão tão complexa quanto possível do fenômeno da moda na
contemporaneidade. Sendo assim, a assertiva a moda está fora de moda, em que pese o seu
tom debochado, se revela como um importante vestígio de um tipo de concepção filosófica
sobre a vida social herdada da tradição neomarxista desenvolvida pelos teóricos da Escola
1 “O conceito contracultura vai definir um heterogêneo caldo de grupos e movimentos sociais que trazem alguns traços em comum, entre outros: (a) a oposição aos sistemas tecnocráticos que emergem no cenário da Guerra Fria; (b) a participação maciça de jovens e de alguns “gurus” da geração dos anos 40 e 50 (como os beatniks, por exemplo); e (c) a defesa de uma práxis essencialmente libertária”. (OLIVEIRA, 2008, p.3) 2 Se faz necessário aqui situar minimamente a relação entre Jovem Guarda, Tropicália e as posições políticas da esquerda brasileira no contexto da década de 60: “o conflito entre a esquerda e os tropicalistas era qualitativamente diferente do conflito da mesma esquerda com artistas ‘alienados’, como os músicos da ‘Jovem Guarda’. Enquanto as canções da Jovem Guarda falavam de experiências alheias ao universo da esquerda — conflitos sentimentais, passeios automobilísticos, etc. utilizando formas artísticas execradas por ela — o rock, as canções tropicalistas falavam da ‘realidade brasileira’, tão reclamada pela esquerda, mas ofereciam uma visão diferente dessa realidade, utilizando, como a jovem guarda, formas artísticas consideradas descaracterizadoras da cultura brasileira” (COELHO, 1989, p. 161).
2
de Frankfurt. Para tais pensadores, como Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, a moda
era compreendida, a partir da noção de indústria cultural3, como uma expressão ideológica
que teria como propósito único promover a manutenção do sistema capitalista. Portanto, a
partir deste olhar, a moda seria responsável pela imputação, aos consumidores, de
necessidades desnecessárias, mera frivolidade que visava a retroalimentação capitalista
tanto no plano econômico, a partir da lucratividade por meio de uma mecânica da
efemeridade, quanto, também, no plano dos valores, de maneira a reforçar,
inconscientemente, a ideologia do capital. Desta forma, para Adorno “o consumidor não é
rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas
seu objeto” (ADORNO, 1994, p. 93).
Este artigo procura se posicionar de maneira contrária à concepção neomarxista. Isto
porque este enfoque, cuja ossatura teórica está fundada em uma leitura dos escritos de Marx
que compreendia a superestrutura (o sistema de significados sociais, entendida por muitos
teóricos4 como a dimensão cultural) enquanto um mero reflexo das condições da
infraestrutura (a base econômica), não se mostra capaz de compreender enquanto uma
prática eminentemente social. Chamar atenção para este aspecto significa compreender a
relação dinâmica e conflitiva entre o raio de ação dos indivíduos, entendidos como sujeitos
dotados de potencial criativo e não como apêndices do sistema capitalista, e as condições
histórico-sociais que regulam e delimitam suas possibilidades de agência. Para isso,
portanto, se faz necessária uma tentativa de renovar a compreensão da noção de consumo
de maneira a abandonar uma concepção depreciativa - tal como mostra Raymond Williams
(2007) ao localizar os primeiros usos do termo significando destruição, gasto, desperdício e
esgotamento - e secundária em relação à importância conferida à instância da produção5,
3 O conceito de indústria cultural, segundo Mike Featherstone (1997), procura denunciar uma nova etapa do processo de dominação capitalista: para além da alienação existente no tempo de trabalho, os teóricos da Escola de Frankfurt chamam a atenção para uma certa degeneração da esfera da cultura – entendida neste viés como arte - que industrializada, ou seja, padronizada e homogeneizada, perderia o seu potencial emancipador, sendo, portanto, incapaz de despertar a consciência dos sujeitos para a condição de opressão inerente a este sistema econômico. 4 Para mais detalhes consultar a seção Infra-estrutura e superestrutura presente em: WILLIAMS, R. Marxismo e literatura, Rio de Janiero, Zahar Editores, 1979. 5 Em sua obra Dos Meios às Mediações, o teórico espanhol Jesus Martín-Barbero (2001) promove uma denuncia contundente a respeito da desvalorização da esfera do consumo na vida cotidiana em detrimento da importância conferida ao trabalhador em seu tempo de trabalho: “[para uma parcela de pensadores da esquerda] a cotidianidade, que não está inscrita imediata e diretamente
3
para um lugar de observação central na contemporaneidade: “el consumo no es la compra:
abarca escenarios y dimensiones que [...] lo convierten en un hecho social complejo que
recorre la totalidad de nuestra vida” (MARINAS, 2001, p.17). A tentativa de oferecer um
olhar renovado a respeito da instância do consumo é o objetivo do primeiro momento deste
artigo, a partir do esforço de promover uma revisão sólida acerca das perspectivas
sociogenéticas e psicogenéticas que se debruçaram na tentativa de explicar o fenômeno da
moda. O propósito desta revisão consiste em conseguir olhar para a moda a partir não de
lugares estanques, incomunicáveis, mas na verdade, de pontos de vista distintos,
complementares, porém em choque:
Torna-se patente, portanto, que o consumo e a moda, assim como a modernidade no âmbito da qual se inscrevem, são compostos por uma dimensão material e também por um substrato simbólico, cultural. Sendo assim, tentamos evitar as perspectivas reducionistas ou deterministas com o propósito de compreender a modernidade como tensão, visto que os fenômenos, processos e relações sociais que se desenrolam em seu seio são multifacetados, contraditórios. (...) Os objetos aqui discutidos são perpassados por tensões que podem ser expressas por pares de opostos, a um só tempo antagônicos e complementares: liberdade e coerção, homogeneização e diferenciação, distinção e anonimato, afirmação e negação do indivíduo, objetividade e subjetividade, mercadoria e sonho, material e simbólico (MICHETTI, 2009, p.21).
Refinado este olhar, a preocupação seguinte consiste em compreender de maneira mais
plena os regimes de produção da moda tendo sido necessária uma explanação acerca do
chamado Sistema da Moda, que procura enfatizar o protagonismo de profissionais como
designers e jornalistas como fabricantes de uma discursividade social sobre a moda –
discursividade esta tanto incrustada nos produtos quanto expressa em textos midiáticos.
Em um momento posterior, na segunda seção deste trabalho, serão tecidas algumas
considerações sobre a dinâmica do capitalismo, de maneira a evidenciar algumas das
abordagens que colocam em primeiro plano os potenciais detonadores de seus chamados
momentos de crises, procurando trabalhar de maneira mais pormenorizada a crise ocorrida
na estrutura produtiva, é despolitizada e assim considerada irrelevante, in-significante” (MARTÍN-BARBERO, 2003 p.301). Em sua posição crítica tal pensador procura reforçar que “nem toda forma de consumo é interiorização dos valores das outras classes. O consumo pode falar e fala dos setores populares de suas justas aspirações a uma vida mais digna. Nem toda busca de ascensão social é arrivismo; ela pode ser também uma forma de protesto e expressão de certos direitos elementares (MARTÍN-BARBERO, 2001 p.301).
4
no ano de 2008. Este tipo de detalhamento se revela importante uma vez que o esforço de
compreender a moda a partir da relação entre as suas instâncias de produção cultural e
consumo, conforme já explicitado, serve, na verdade, a um propósito empírico, a
problemática central da feitura deste artigo: procurar explicitar a maneira com a qual a
moda da alta costura, o recorte preferencial especificado para os propósitos desta tarefa,
se relacionou com os desdobramentos da referida crise econômica mundial de 2008. Para
esse exercício analítico serão utilizados relatos de discursividades sociais importantes
provenientes tanto da mídia impressa como também serão acionados conteúdos da mídia
digital e de blogs6 especializados em moda.
Histórico da moda
A moda e o consumo podem ser principalmente compreendidos através da perspectiva
moderna do século XIX, porém, para que haja um contraponto entre a modernidade é
necessário voltar em um período anterior em que as leis imperavam sobre os gostos. Além
do período histórico, os processos que serão citados neste artigo têm um nome: a sociedade
francesa, mais especificamente Paris, a capital da moda.
Apesar de não haver um consenso a respeito do local em que a moda nasceu, a corte
francesa de Luís XIV corroborou com que Paris fosse a capital da moda porque o
excêntrico rei francês definiu um novo padrão de consumo em Versailles. Para Luís,
consumir era algo que contribuía com o processo de civilização. Ao perceber que existia
uma ligação direta entre o luxo e controle social e poder e vestuário, Luís – o Rei Sol,
tratou logo de estabelecer o consumo como lei. A emergência da moda em Paris pode ser
explicada através do incentivo ao luxo pela corte francesa. Porém, esse estímulo ao luxo era
muito bem delimitado e regido de leis, que pretendiam regular as aparências de acordo com
a posição social de cada individuo. Esse regime foi denominado como “acien regime
6 A aposta por parte deste trabalho feito a partir da coleta de dados provenientes de blogs temáticos justifica-se como uma tentativa de captar formas de produção e consumo de moda que freqüentemente escapam ao espectro de experiências que costumam registradas, por questões de amplitude e rentabilidade, nos veículos jornalísticos impressos/digitais.
5
vestimentaire” que significava que uma pessoa deveria parecer com aquilo que é, de forma
que só se deveria usar signos que fossem referentes ao lugar que se ocupava na sociedade.
O controle e a distribuição de signos garantiam o direito e a ordem, a indumentária
determinava uma condição, uma ordem, um estado (PERROT, 1981). A regulação do luxo
tinha o objetivo de manter a nobreza distante das classes emergentes. No antigo regime a
imobilidade em que se dava a distribuição de signos acarretava em uma imobilidade nas
estruturas sociais. Ainda segundo Perrot (1981), no ancien regime a fabricação de roupas
passava por complexo circuito regulador e até 1781 eram os homens que detinham a
fabricação das roupas. Mais tarde costureiras e alfaiates se tornaram sinônimo de prestigio
social e renome, marcando assim um capital simbólico extremamente rentável. Desta forma
nomes e endereços se tornaram celebres, de forma que existisse uma geografia da moda em
Paris, o que atualmente se consiste nas maisons dos estilistas mais famosos. Às margens
desse circuito da moda em que apenas poucos conseguiam consumir, existia um mercado
paralelo com uma característica mais populesca, que tinham roupas de segunda mão, de
doações e até mesmo provenientes do roubo.
A aparência além de ser regulada por leis, a escassez de materiais nos séculos XVI e XVII
também impossibilitava que a moda se desenvolvesse. Outro fator que estagnava a moda
pode ser relacionado com os valores culturais e religiosos que defendiam a frugalidade, e
ao apego que impedia que o ‘novo’ pudesse coexistir. Em paralelo ao mundo civilizado que
era regido pelo luxo e regras de etiqueta, existia o mundo rural, no qual as pessoas se
vestiam com roupas feitas em casa com materiais toscos e em cores sóbrias, roupas que
passavam por inúmeras gerações, e haviam também, marcados de segunda mão muito
utilizados pelos camponeses. Já nas cidades havia uma enorme falsificação de aparências
(ROCHE, 1989), ou daqueles que se tornaram ricos, mas ainda mantinham hábitos
rudimentares, ou daqueles que gostariam de parecer ricos. O que pode explicar o fenômeno
atual de artigos falsificados e da classe nos novos ricos. Fenômenos que serão abordados de
forma mais detalhada ao longo deste artigo.
6
A moda e o consumo moderno podem ser bem ilustrados em Paris não somente pelos
incentivos da corte, mas também pelas relações sociais que foram estabelecidas entre seus
realizadores, consumidores e espectadores (STELLE, 1999).
A partir do século XVIII, a moda começa a se apresentar na sua forma mais moderna, que
não era apenas uma imposição de uma autoridade, e logo depois no século XIX Paris se
torna um palco em que todos querem ser vistos. E foi exatamente em Paris que o “consumo
de massa” e “sociedade de consumo” foram providos, produtos de uma evolução não só
material, mas também mental (WILLIANS, 1991). O consumo moderno pode ser bem
elucidado pela história da França porque foi justamente em Paris em que modelos de
consumo foram estabelecidos, bem como ideais de civilização.
O grande divisor de águas na história da moda foi a Revolução Francesa quando a
burguesia chega ao poder. Para Simmel (1987) o “florescimento” da moda só ocorre
especialmente nesse momento porque as “massas” têm um desenvolvimento muito lento, e
as “elites” são deveras conservadoras para mudar alguma coisa. Deste pressuposto, apenas
a burguesia era capaz de fazer mudanças, a teoria de Simmel (1987) nos sugere em suma
que a moda ganhou fôlego no momento em que a burguesia ganhou poder econômico e
político, para buscar posteriormente uma legitimidade social e cultural. Isso não impediu
que a aristocracia continuasse detendo legitimidades e para Williams (1991), a revolução
não acabou com o modo de consumo das classes abastadas, apenas foi abrangida para um
grupo maior, e as condições materiais possibilitaram o chamado “aburguesamento das
aparências”. Durante a segunda metade do século XIX, o trunfo da burguesia fez com que
seu modo de vestir imperasse, atravessando as classes e oceanos (PERROT, 1981).
Perrot (1981) enfatiza que a imposição de normas e forma de se vestir da burguesia não
significou uma democratização das aparências, muito antes pelo contrário: significou a
diferenciação e significação para distanciar a burguesia da classe trabalhadora.
A Revolução Francesa propiciou que parias fosse a capital da moda, porque justamente a
profusão de mudanças sociais, políticas culturais e simbólicas que deram a Paris sua
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característica tão moderna. A moda apenas pode existir em sociedades que não são
estáticas, e tais transformações são essenciais para que a moda possa coexistir. A
modernidade segundo Ortiz (1991) estabelece uma nova condição social e uma nova forma
dos homens se relacionarem, ela apesar de ser uma condição cultural também é objetiva e
substancial, ou seja, é una e múltipla (MICHETTI, 2009).
A segunda metade do século XIX foi marcada pelos desdobramentos das Revoluções
Francesa e Industrial, o capitalismo entra em um novo período chamado de “alto
capitalismo” e a produção das roupas vai para duas direções: alta costura e produção em
massa das lojas de departamento que surgiu partir de 1830 quando a divisão do trabalho foi
instaurada, o sistema de vendas adotado e o preço fixado foram desenvolvidos
especialmente para uma clientela popular. A dualidade entre a Alta costura e confecção
industrial marcou um período de racionalização e institucionalização da moda (MICHETTI,
2009)
Para Perrot (1981), as lojas de departamento têm como característica a reprodução em
massa de produtos luxuosos de grifes ou marcas, que tentavam justamente produzir
produtos únicos. A produção em série é uma tentativa de consumir uma cópia de um artigo
feito sob medida.
A moda só pode ser entendida como um fenômeno intrínseco da modernidade, de forma
que ela não pode ser estabelecida em sociedades que possuam caráter estático. A moda não
pode ser mencionada no antigo regime, a moda possível acontece quando há mudanças
sociais.
Perspectiva sociogenética
Através da perspectiva sociogenética a moda pode ser entendida como uma reafirmação de
categorias sociais já estabelecidas a partir de mecanismos de distinção, de forma que a
moda e consumo reforcem a diferenciação entre as classes altas e baixas. Essa perspectiva
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de distinção pode ser reforçada com a teoria das classes ociosas de Veblen (1953) e
conceitos de capital cultural e habitus de Bourdieu (1984).
Bourdieu compreende que os atores sociais estão inseridos espacialmente em campos
sociais e a posse de certos capitais – cultural, econômico, social – e o habitus de cada ator
social condicionam seu posicionamento e classe social. Na concepção de Bourdieu para se
ocupar determinados espaços na sociedade é necessário saber suas regras, bem como ter
capital cultural para usufruir determinadas coisas que apenas algumas classes possuem. Não
adianta de nada ter uma roupa cara se não se tem capital cultural para saber se comportar da
forma adequada. No decorrer do livro “A Distinção”, Bourdieu (2007), um individuo
pode ser diferenciado pelos seus gostos e hábitos. O autor desenvolve mecanismos de
distinção de grupos sociais e pressupõe a aproximação de grupos que compartilham do
mesmo habitus, o que significa seu gosto para se vestir ou se pentear, o habitus significa
hábitos de vida que foram legitimados através de um capital social que fora herdado, essa é
uma das maneiras de distinção de Bourdieu. Atrelado ao conceito de habitus ele também
aponta que a utilização desses capitais, somado ao capital econômico – o poder de compra
de um indivíduo e possibilidade dele se apropriar de certos bens – gera o capital simbólico,
que se trata de um processo no qual o uso e o consumo ou não, gera a distinção de classes
sociais. O habitus de consumo de um artefato, recebe valor social pelo uso social a que é
submetido, passando a ser condicionado ao capital simbólico atribuído pelo consumidor e a
sua necessidade de consumo. Por exemplo, bens de luxo considerados da elite recebem um
valor além da sua finalidade objetiva, desta forma esse bem passa a ter um valor simbólico.
Bourdieu (2007) nos remete que a estética do vestuário vai além da sua função de uso, e
que isso reflete a realidade social do sujeito que consome aquele bem. Fica claro que para
Bourdieu, o habitus de uma classe distinta, também será distinto.
Outrora, trabalhar era algo associado à fraqueza e sujeição a um senhor. O trabalho era
considerado indigno, e aqueles que se sujeitavam a tal condição eram considerados
inferiores. O trabalho distinguia as classes altas daqueles que precisavam vender sua força.
O gosto refinado e a erudição necessariamente, para Veblen (1953), eram separados de
trabalhos servis, porque para uma condição de “vida mental” elevada e uma vida digna e
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bela era necessário ter tempo. “É preciso ter um certo ócio e estar livre de contato com
certos processos industriais ligados às necessidades cotidianas da vida humana” (VEBLEN,
1953). Ser ocioso era ser civilizado e nobre, a ociosidade era também um meio para
conseguir o respeito das outras pessoas. Não precisar trabalhar era uma honra e um mérito,
significava decência e provava sua riqueza e posição social.
Atualmente o ócio pode ser considerado algo pejorativo, mas no estudo de Veblen, o termo
não tem conotação de indolência, mas sim um tempo despendido em uma atividade não
produtiva. Uma atividade muito mais relacionada à façanhas e realizações. A classe ociosa
se desenvolvia de forma plena em um regime de status, que era obtido com regras de
etiqueta, gestos refinados e boas maneiras, o que requer tempo e dinheiro – algo impossível
de ser conciliado com o trabalho.
O consumo de certos bens é honorifico porque significa proeza e dignidade, especialmente
quando se trata de coisas muito desejáveis, como artigos raros e adornos. Consumir artigos
de luxo é o consumo que visa o conforto do consumidor. Esses produtos pertenciam única e
exclusivamente à classe superior, de forma que a classe subserviente deveria consumir
somente o necessário à sua sobrevivência. Em algumas comunidades tradicionais o
consumo do luxo por classes baixas era altamente recriminado porque isso tirava o conforto
que o consumo de bens luxuosos trazia para os senhores. E muito mais que consumir tais
bens, era saber consumi-los de forma adequada, coisa que a classe servil não conseguiria.
Para a classe ociosa, o consumo conspícuo de artigos de luxo e bens valiosos é algo
diretamente ligado à respeitabilidade. E a medida que essa classe acumula bens são
desenvolvidas suas funções e estrutura surgindo dentro de si a diferenciação, esse sistema é
elaborado através de posições e status. O individuo, segundo Veblen (1953), se preocupa
cada vez mais em estar a cima do padrão médio da comunidade, fazendo com que o
individuo esteja sempre buscando o aumento de sua riqueza em relação aos outros
indivíduos.
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A visão de Veblen conseguiu principalmente ultrapassar o viés economicista conseguindo
dar atenção ao significado cultural contido nas práticas de consumo e mostrando maneiras
de demonstrar que ele é constituído socialmente, excluindo as analises instrumentalistas dos
economistas a respeito do consumo.
Ainda sobre distinção, há um consenso de que a moda é um produto da distinção de classes,
e como citado anteriormente ela só pode nascer e sobreviver em sociedades dotadas de
estruturas sociais flexíveis, e em sociedades que possuam ascensão de classes. Sem essas
duas condições não haveria mecanismos de disputas sociais por distinção de classes,
legitimidade cultural e estética – ou seja, a moda. Nessas sociedades mutáveis, a moda
possui um caráter de manter ou adquirir capital social, cultural e simbólico (BOURDIEU,
1983).
A perspectiva sociogenética, para Featherstone (1997), é focada em aspectos simbólicos
dos bens e atividades como forma de estabelecer limites nos relacionamentos sociais.
Featherstone nos leva para um estudo do consumo que fora negligenciado ou considerado
território da economia. Essa negligencia é resultado de uma série de inferências de que o
consumo não era problemático pois era baseado no conceito de que indivíduos racionais
adquiriam bens apenas para maximizar sua satisfação e que a escolha racional poderia
sofrer modificações devido à pressões sociais “tais que os costumes e hábitos das pessoas
recebiam apenas conhecimento de pouca monta” (FEATHERSTONE, 1997, p.35). Já no
final do século XIX, podem ser reconhecidos interesses externos sobre a utilidade, o que
pode ser visto nos escritos de Veblen sobre consumo conspícuo e sobre o efeito do
esnobismo. De modo geral o interesse sociológico se restringia em estudar o consumo de
massa apenas com explicações econômicas ou indicando o comportamento humano. Essa
crítica sociológica da economia muitas vezes atrelou-se a uma preocupação no sentido de
que o consumo de massa desencadeava a desregulamentação social e provocava uma
ameaça aos laços sociais, ou seja, a nova cultura produzida para o consumo de massa na
maioria das vezes era enxergada com olhos negativos, principalmente olhos neomarxistas
que consideravam a propaganda e mídia de massas como extensões de fraudes e
culturalmente degradável. “A partir dessa perspectiva, é possível considerar a lógica da
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produção de massa capitalista como algo que conduz a uma sociedade de massa mais
ampla”. (FEATHERSTONE, 1997, p. 36)
Uma das teorias mais evidentes a respeito das forças produtivas da sociedade – no sentido
de atrelar o consumo para que se adeque a seus desígnios – é a Escola de Frankfurt sobre a
industria cultural. Os trabalhos culturais e bens artísticos estão sujeitos a serem
padronizados e pseudo individualizados usados na produção de outros bens. Sobre isso,
Adorno e Horkheimer (1972, p.137) observaram que a novidade:
é o fato de que se trate de uma mercadoria, mas que hoje, deliberadamente, se admita que ela o seja; que renuncie a sua própria autonomia e ocupe orgulhosamente seu lugar entre os bens de consumo é algo que constitui o encanto da novidade. (1972, p. 157)
A indústria de cultura tinha como perspectiva uma cultura manufaturada, na qual a
discriminação e conhecimento da cultura eram substituídos pela cultura de massa, em que a
receptividade era ditada pelo valor de troca. A propaganda para Featherstone (1997) não só
transformou a alta cultura tradicional, mas também chamou atenção para o aspecto
simbólico das mercadorias.
Encontra-se na obra de Baudrillard (1970) argumentos que o consumo envolve a
manipulação ativa dos signos de forma que os objetos não são consumidos, e sim o sistema
de objetos e signos, e para o autor, a lógica da economia política adotou finalmente uma
lógica que pressupõe não apenas a substituição do valor de uso para o valor de troca, e sim
a substituição de ambos pelo valor de signos. Baudrillard (1993) em seus últimos escritos
contesta Bourdieu quando este argumenta que a análise social em termos normativos ou de
classes está fadada ao fracasso porque permanece em um estágio de sistema já implantado.
Ao direcionar o enfoque mais para o consumo da cultura do que para a produção, nos leva
para a recepção e o uso diferencial dos bens produzidos em massa e para as experiências e
modos pelos quais a cultura popular fracassou, tem sido eclipsada pela cultura de massa
(Featherstone, 1997).
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Muito embora estilos, etiquetas das roupas e bens de moda estejam sujeitos à grandes
mudanças, imitação e cópia, para Bourdieu (1984), por meio do capital simbólico, existem
sinais classificatórios que indicam a origem e trajetória de uma pessoa, desde a sua postura,
peso e desenvoltura social. Isso mostra que para Bourdieu, a cultura é incorporada em uma
pessoa de forma que roupas não influenciam nesse aspeto. Novos ricos podem adotar todas
as formas conspícuas de consumo mas nota-se claramente que essa pessoa não consegue se
portar de forma não vulgar, corrobora Featherstone:
Em conseqüência, os novos ricos, que constantemente adotam estratégias conspícuas de consumo, são reconhecíveis e seu lugar no espaço social lhes é designado. Suas práticas culturais sempre correm o perigo de ser rejeitadas e consideradas vulgares (FEATHERSTONE, 1997, p. 42)
O capital simbólico é algo literalmente incorporado em um individuo e ele pode ser
relevado não pelos artefatos que uma pessoa usa, e sim como ela usa. Esse comportamento
revelado vulgar dos novos ricos acontece porque independente do que eles usam, fica fácil
identificar que não há nessas pessoas capital cultural suficiente para se comportarem da
maneira esperada, porque o capital cultural é algo que se adquire tendo tempo livre, coisa
que só os ricos conseguem durante a vida. Um novo rico não terá essa ‘bagagem’ cultural, e
seu comportamento irá denunciar a falta do capital cultural e mesmo que essa pessoa esteja
com a indumentária completa típica de alguém da classe alta. Isso também pode ilustrar o
aspecto das imitações. Sabe-se que as imitações estão cada dia mais fidedignas ao produto
original, mas como identificar uma cópia? Sabe-se que uma pessoa usa uma imitação
simplesmente pelo seu porte e maneira de agir, sabe-se que aquele individuo não teria
capital cultural e econômico para adquirir aquele bem.
Segundo McCracken (2003), outra teoria usada para estabelecer distinção, é a teoria do
trickle-down que foi usada pela primeira vez por Simmel. A teoria mostra que duas partes
conflitantes agem como força motriz da inovação. Primeiramente um grupo subordinado
que busca status imita grupos superiores que por sua vez adota um novo tipo de vestuário
buscando a diferenciação. A teoria aponta que essa imitação é progressiva, e que o status do
grupo superior será sempre apropriado pelos subordinados, fazendo assim com que um
ciclo constante de mudanças de status seja provocado. A teoria apresenta algumas falhas
13
que serão apresentadas posteriormente, mas também possui vários pontos fortes, como de
inserir a moda em um contexto social e também permite uma compreensão de como o
contexto social determinará a direção que a moda vai tomar. O trickle-down também é
hábil em fornecer ao observador da moda os indícios prévios de uma mudança iminente.
Em resumo, o trickle-down mostra que a moda se movimenta de cima para baixo, das
classes superiores para as menos abastadas. Em um movimento em que ao mesmo tempo se
aproxima, se distancia.
Perspectiva Psicogenética
“Compro, logo existo”.
Se a perspectiva Sociogenética caminha pelo viés do consumo como meio de distinção, a
perspectiva Psicogenética encara o consumo como algo unicamente individual e moderno e
sustenta que o individuo deixa de ser um representante de sua classe e passa a ter
autonomia, e a individualidade passa a ter um grande valor na modernidade. Para
compreender melhor a modernidade e individualização, nada melhor que Bauman e
Simmel, que desenvolveram teorias a respeito desse assunto, que são de grande relevância
nos debates das ciências sociais.
A modernidade para Simmel (1987) pode ser entendida através de símbolos que
representam o moderno: metrópole e dinheiro, porque ambos trazem junto com a
modernidade o aumento da individualização, essa relação permitiu que os indivíduos se
tornassem mais independentes, deixando-os livre dos laços estreitos da comunidade e
também possibilitou a globalização.
A modernidade de Bauman foi dividida em dois períodos: modernidade e pós-modernidade.
Também descritas como modernidade sólida ou modernidade líquida. A primeira consiste
em principalmente através de projeto moderno, que seria o controle do mundo pela razão,
em que tudo deveria ser conhecido e categorizado, de forma que teorias ambivalentes e
duais demais devessem ser eliminadas. Ainda que de forma ambígua, a modernidade sólida
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foi para Bauman um período de dominação e controle. Neste período o mundo se tornou
mais globalizado através do desenvolvimento industrial e do transporte. Após cair por terra
a crença na modernidade sólida, surge a modernidade líquida.
Se por um lado Bauman defendeu a idéia de um mundo mais racional e controlado, a
modernidade líquida foi o oposto: o mundo descontrolado. No mundo sólido toda forma de
diferenciação era vista com maus olhos. No mundo líquido surge uma exigência: todos
devem ser indivíduos particulares.
“A individualidade só pode ser aceita quando há modernidade” (SIMMEL, 1987), o que
não significa que anteriormente as pessoas não fossem indivíduos. Mas apenas na
modernidade houve o entendimento da individualidade e competência para se
diferenciarem.
A teoria simmeliana sobre o individualismo é categorizada em duas partes: individualismo
quantitativo e individualismo qualitativo.
O individualismo quantitativo para Simmel (1987), prega uma liberdade individual
Iluminista importante no século XVIII, individualismo esse que concebe o humano como
algo universal, livre e igual, deixando a distinção em segundo plano. O individualismo
qualitativo só se tornou após a instauração da igualdade e liberdade do individualismo
quantitativo. O individualismo qualitativo é romântico, critico e se opõe à idéia de homem
universal. Promove também a distinção e diferença e alguma ruptura com aspectos da
modernidade – como a impessoalidade.
O consumo na modernidade se torna importante no mundo líquido, se tornando a principal
forma de construção da identidade, Campbell também corroborou com a idéia de que o
individuo se constrói através do consumo, algo que se faz individualmente. Mas como o
consumo pode ser responsável pela construção do self?
15
O consumismo moderno é movido pelo desejo e pelo individualismo, e também a idéia de
que podemos decidir sozinhos o que consumir. O consumo moderno tem a intenção de
saciar vontades, e não satisfazer necessidades o que significa que as necessidades são
estabelecidas e o desejo é algo subjetivo, algo que você consegue identificar quer. O self é
estabelecido justamente nesse ponto em que o consumo se torna individual e legitimado por
decisões. O consumo moderno tem muito a ver com a emoção e sentimento.
Os indivíduos ao fazerem uso da enorme quantidade de produtos que a sociedade de
consumo moderna oferece, eles entram em um processo de recriar a si mesmos, adotando e
trocando de identidade e estilo de vida em seguida. Featherstone (1991) sugere que hoje
não existem regras, apenas escolhas, e que todos podem ser qualquer um, a identidade de
um individuo não é mais determinada como no regime de status como vivenciaram
gerações mais antigas.
O ato de consumir para Campbell é considerado vital para o caminho do autoconhecimento,
o que evidencia que a escolha de compra de um individuo pode dizer quem ele é. Não pelo
produto em si e sim pela reação que se tem ao produto. Ou seja, a identidade é descoberta e
não comprada.
Fazer compras (...) é uma das maneiras de procurar por nos mesmos e por nosso lugar no mundo. Apesar de acontecer num dos lugares mais públicos, fazer compras é essencialmente uma atividade intima e pessoal. Comprar é provar, tocar, testar, considerar e pôr para fora nossa personalidade através de diversas possibilidades, enquanto decidimos o que precisamos ou desejamos. Comprar conscientemente não é procurar somente externamente como em uma loja, mas internamente através da memória e do desejo. Fazer compras é um processo interativo no qual dialogamos não só com pessoas, lugares e coisas, mas também com parte de nós mesmos. Esse processo dinâmico, ao mesmo tempo reflexivo, revela e da forma a parte de nós mesmos que de outra forma poderiam continuar adormecidas... O ato de comprar é um ato de auto-expressão que nos permite descobrir quem somos. (BENSON, 2005, p. 505).
Embora a identidade pessoal e possíveis problemas com ela sejam resolvidos buscando o
auto-conhecimento fazendo compra, podemos ressaltar que os indivíduos mudam de gostos
e preferências, seja por modismos ou pela busca de um status mais elevado e é justamente
nessa necessidade de novos estímulos que a moda se faz tão importante. A repetição de
novos produtos levaria as pessoas ao tédio, de forma que seja necessário novos estímulos
16
para que o consumidor se sinta satisfeito sem se entediar. Esse tédio explicado por
Campbell é visto como uma ameaça à identidade por destruir de certa forma o senso de
identidade. Esse processo leva não só como a necessidade de novos estímulos como
enaltece a importância da moda, que age introduzindo novos produtos e despertando o
desejo que antes não existia.
Em resumo, para Campbell o consumo é muito mais do que uma questão de status, é muito
mais do que simplesmente consumir para sobreviver. O consumo está diretamente
relacionado com o “ser e saber”. A teoria do consumo de Campbell possui alguns aspectos
que são determinantes, em especial dois: a vontade e o desejo de consumir alguma coisa
está diretamente ligado ao consumo moderno, e tais vontades geram demandas que se
tornam o cerne da economia e assim sustentam as sociedades, e em segundo lugar o
consumo individualista que é a antítese do consumo tradicional do passado, aquele que foi
tratado na sociogenética e discutido por Veblen. O que Campbell propõe, é que a ligação
entre esses dois aspectos é pura e simplesmente que consumo moderno tem uma
preocupação muito maior em saciar vontades do que satisfazer desejos. Ortiz (1991) indica
uma ligação entre a modernidade e o consumo, mas que a modernidade também provém de
um substrato cultura de forma que haja uma dualidade entre imaginário e mercadoria,
inutilidade e utilidade, irracionalidade e racionalidade, isso acontece como forma de
compensação ao processo de padronização imposto, o consumo deve ser individual então
faz-se necessário tornar a aquisição daquele produto algo sedutor.
Ao descrever as perspectivas sociogenética e psicogenética para que a moda seja
compreendida, entendê-la sob uma perspectiva ou outra seria algo no mínimo equivocado.
Ou seja, a moda e o consumo não podem ser vistos apenas como a reafirmação de classes
sociais ou como forma de distinção. Bem como o consumo não pode ser visto como algo
individual que os consumidores têm total autonomia para decidirem. As duas abordagens
possuem falhas e são completamente passiveis de críticas. Como a melhor forma de se
entender a respeito da moda não pode ser visto através de uma ou de outra perspectiva, a
saída é entendê-la através das duas, e a única teoria que pode explicar isso é a simmeliana.
Podemos entender a moda como expressão desse espírito,como fenômeno exemplar dessa dualidade, da satisfação pela imitação e
17
pelo princípio da distinção e da diferenciação individual; um universo teleológico que, no fundo, orienta sua atividade na direção do novo, mas que, enquanto protege a individualidade, nivela (Vozza, 2003). A moda, analisada por Simmel em vários de seus textos [...] demonstra o processo de interrupção da apropriação e enraizamento entre o sujeito e o objeto; ambos unificam a sedução da diferença e da mudança com a sedução da igualdade e da união, expressão de uma classe, especifica uma camada social (unifica e diferencia), ou seja, uma espécie de movimento autônomo que faz a sua “viagem” e a sua apresentação social independente dos indivíduos (Simmel, 1987, p. 590-591). A moda em Simmel expressa particularidade e universalidade, tendência psicológica à imitação e à distinção, associação entre dimensões aristocráticas de tornar-se distinto e a democracia da imitação, da horizontalidade. (TEDESCO 2007, p. 63)
A primeira crítica que pode ser feita na perspectiva que sugere a moda como distinção
(sociogenética) é o trickle-down, que mesmo tendo seus pontos fortes já discutidos
anteriormente tem suas falhas. Há dois problemas com a teoria, primeiramente é válido
observar que o termo é decerto um termo impróprio ou pelo menos um erro de metáfora
sugere McCracken (2006), porque o fio condutor dessa dinâmica de difusão não é como o
termo indica, uma força que puxa para baixo e sim um padrão de ‘caça e perseguição’
gerado por um grupo inferior que ‘caça’ os marcadores de status de uma classe superior que
por sua vez busca encontrar novos marcadores. Para ser mais claro, o tricke-down é um
termo que sugere a movimentação de cima para baixo, das camadas superiores para as
inferiores, sendo que na verdade deveria sugerir um movimento ascendente e não
descendente como proposto.
O segundo problema da teoria do trickle-down é que seu pai, Simmel, não conseguiu
especificar todos os seus detalhes e complexidades não notando que somente dois grupos
no sistema social possuem um motivo único para seu comportamento em relação à moda. O
grupo superior age única e exclusivamente com o propósito da diferenciação uma vez que
não existe nenhum grupo acima para imitar. O grupo ‘inferior’ age apenas querendo imitar,
uma vez que não existe nenhum grupo mais baixo a quem deva se diferenciar. Simmel não
citou os grupos intermediários, que buscam imitação, diferenciação ou ambos, como o
trickle atravessado, no qual existem dentro da classe média os seus próprios formadores de
opinião e que não necessariamente haverá uma classe superior para ditarem tendências. Há
também o movimento em que as camadas inferiores conseguem ditar moda para as
18
superiores como por exemplo enaltecendo culturas populescas, e tornando moda, símbolos
que são clássicos de uma classe baixa. As Havaianas por exemplo, que antes era o que há
de mais simplório, hoje tornou-se artigo de luxo na Europa e Estados Unidos, sendo
vendidas por preços exorbitantes. Outro exemplo de um trickle-up, é a loja ‘Daspu’, uma
paródia à loja ‘Daslu’ em que apenas a elite compra. A piada então ganhou a simpatia das
mídias e caiu no gosto das meninas bem nascidas. A marca foi criada há cinco anos por
prostitutas e para prostitutas.
A perspectiva sociogenética também tem suas críticas, como por exemplo entender que as
classes sociais possam ser determinantes para o entendimento da moda. Oras, a moda pode
vir de todas as partes, como em movimentos sociais de grupos punks ou do grunge, e por
que não das prostitutas? Naturalmente na contemporaneidade as classes são importantes
para se entender a moda, mas não é o único método existente.
O que fica claro nesta seção, é que uma perspectiva isolada da outra não consegue explicar
a moda, e que a solução para que a moda seja devidamente entendida o necessário é que as
duas perspectivas – a sociogenética e a psicogenética – sejam unidas, de forma que a moda
possa ser entendida como algo em que se possa promover a distinção e individualização.
O espaço da reflexão sobre o consumo é o espaço das práticas cotidianas como lugar de interiorização muda da desigualdade social, desde a relação com o próprio corpo até o uso do tempo, o habitat e a consciência do possivel para cada vida, do alcançável e do inatingível. Mas também como lugar da impugnação desses limites e expressão dos desejos, subversão dos códigos e movimentos da pulsão e do gozo. O consumo não é apenas reprodução de forças mas também produção de sentidos: lugar de uma luta que não se restringe à posse dos objetos, pois passa ainda mais decisivamente pelos usos que lhes dão forma social e nos quais se inscrevem demandas e dispositivos de ação provenientes de diversas competências culturais. (MARTÍN-BARBERO, 2001, pág. 302, com grifos do autor)
19
Campo e sistema de moda
Quem define o significado da abordagem comunicativa? Para responder a tal indagação é
necessário chamar a contribuição do sociólogo francês Pierre Bourdieu e sua noção
de campo simbólico:
O campo simbólico enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade científica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado. (BOURDIEU, 1983, p.122-123)
Esta abordagem apresentada por Bourdieu procura salientar a dinâmica eminentemente
conflitiva de constituição do campo simbólico. Trata-se, portanto, de um espaço marcado
por disputas internas, de orientação epistemológica heterogênea no qual seus participantes
possuem condições desiguais de legitimidade e, portanto, de participação na definição dos
rumos gerais do estatuto de cientificidade de seu desenvolvimento. Neste contexto, a
ordenação da hierarquia obedece ao critério da quantidade de capital simbólico acumulado
dentro de tal campo, ou seja, quanto mais capital, maior poder o agente possui de fazer
valer o valor de sua autoridade no interior de um campo simbólico, inclusive para
determinar quais são as áreas de investigação e problemáticas de maior ou menor prestígio,
por exemplo. Além disso, a luta por reconhecimento presente nesta dinâmica também
marca um embate do ponto de vista da captação recursos materiais, necessários para a
realização de novas pesquisas. Outro aspecto a ser considerado no funcionamento de um
campo simbólico consolidado diz do fato do reconhecimento de um agente provir
necessariamente da avaliação de seus pares que, por outro lado, são seus concorrentes e,
portanto, nos dizeres do teórico francês, “os menos inclinados a reconhecê-lo sem discussão
ou exame” (BOURDIEU, 1983).
Na concepção de McCracken (2003) o sistema de moda trata-se um instrumento de
movimentação de significado mais complexo que o da propaganda, neste caso há apenas
uma agência de publicidade em que o trabalho é de desprender o significado de algo e
tranferi-lo para um bem de consumo através da propaganda. No sistema de moda a
20
complexidade acontece porque o processo dispõe de mais fontes de significado. Essa
complexidade pode ser capturada notando-se que o mundo da moda atua de três modos
distintos para transferir o significado para os bens.
A primeira atuação do sistema de moda, é a sua capacidade de o significado do mundo
culturalmente constituído para bens de consumo e toma novos estilos de se vestir, é a
transposição do mundo cultural para os bens de consumo.
A segunda capacidade do sistema de moda é sua habilidade em inventar novos significados
culturais e quem faz isso são os “líderes de oipnião”. Eles são líderes por serem
celebridades, podem moldar e redefinir significados culturais existentes e serem levados em
conta. São pessoas que constituem uma elite que dita tendências.
A terceira capacidade do sistema de moda é de que o sistema não apenas inventa
significados culturais mas também consegue reformá-los. Grupos que são responsáveis por
essas reformas são aqueles que vivem à margem da sociedade. Se por um lado as elites
ditam novos significados culturais (trickle-down), aqui são os punks, prostitutas, hippies e
gays já citados anteriormente no movimento trickle-up.
Se no sistema de moda as fontes de significados são mais dinâmicas e numerosas, também
serão assim os agentes que buscam significados e realizam suas transferências para o bens
de consumo, no sistema da moda esses agentes são os designers e os jornalistas de moda,
essses dois grupos são responsáveis pela transferência de significados, discorre McCracken
(2003). Os designers agem criando o objeto junto com seus significados, e os jornalistas
decupam e filtram aqueles significados, mostram o que é tendência e o que é um erro.
O designer, em suma, conta com o jornalista no começo do processo de tranferência de significado, e depois novamente no final. O jornalista fornece novo significado para o designer da mesma maneira que o faz para o receptor do trablaho desse designer. (GRANT McCRACKEN, 2003, p. 113)
21
Em resumo, a publicidade e o sistema de moda são instrumentos para a transferência de
significado cultural para os bens de consumo. E graças a essas pessoas os objetos que nos
acompanham possuem variedades, versatilidade e significados.
O capital simbólico reside no domínio de recursos simbólicos baseados no conhecimento e no reconhecimento, como a imagem da marca (goodwill investment), a fidelidade à marca (brand loyalty), etc.; poder que funciona como uma forma de crédito, pressupõe a confiança ou a crença daqueles que sofrem porque estão dispostos a dar crédito. (BOURDIEU, 1983, p.117)
Esse capital simbólico é detido por designers, Jornalistas e Modelos, dentre outras figuras
que compõem o campo da moda.
Crise do capitalismo, crise de 1929 e crise atual
Para alguns autores como João Antonio de Paula (2010) professor da UFMG, as crises no
capitalismo não são nenhuma novidade, muito antes pelo contrário. Produzir crises é algo
inerente ao capitalismo e tais crises apenas demonstram as características contraditórias da
dinâmica capitalista. O capitalismo entra em crise justamente por causa de suas
contradições7, como a incessante busca pelo lucro que por conseguinte produz um resultado
oposto ao lucro, de forma que haja uma queda na taxa de lucros que gera falência e
prejuízo, consequência da super produção de capital que também resulta em superprodução
de mercadorias. Marx explica esse processo:
Nenhum capitalista voluntariamente emprega processo de produção que diminuiria a taxa de lucro, por mais produtivo que seja ou por mais que aumente a taxa de mais valia. Mas, todo processo novo desse gênero reduz o preço das mercadorias (MARX, Karl, 1974, p. 303).
A expansão dos Estados Unidos da América se dá à partir de 1865 e o expressivo
crescimento dos Bancos, Ferrovias, Companhias Manufatureiras e Companhias de Seguro.
Esse crescimento chegou no seu ápice em 1929 e nesta data o crescimento passou a ser
acompanhado pela forte movimentação na Bolsa de Valores de Nova York. O crescimento
7 “Não havia como imaginar que esse processo de contradições crescentes pudesse se perpetuar” (Amin, Samir, 2003, p. 24)
22
na década de 1920 atingiu recordes homéricos, por exemplo, de 1922 a 1928 as empresas
norte - americanas chegaram a ter os seus lucros acrescidos em 83%, e teve aumento de
170% da produção – mas a renda dos agricultores ficou estagnada e seus salários tiveram
um aumento de apenas 20%. A década de 1920 foi marcada por anos de euforia e
turbulências e intensa especulação. Para Antonio de Paula, estas características de super
acumulação, super produção e super especulação concomitantemete a turbulências são
típicas de que uma crise está por vir. Marx corrobora com que a especulação é um dos
traços característicos na medida em que expressa a ação do conjunto de capitais, em
particular do pequeno capital, de tentar fugir das consequências da queda da taxa de lucro.
E no final da década de 1920, nos Estados Unidos o movimento especulativo chegou no
apogeu e as ações que em 1928 valiam um preço, no final de 1929 elas chegaram a valer o
dobro (ANTÔNIO DE PAULA, 20010)
Durante o período de 1921 a 1929 junto a altas especulações e euforias, a dívida pública e
privada crescia de forma desproporcional a riqueza nacional. Não teve jeito, o ciclo
iniciado em 1921, em 1929 chegou no auge: com uma das crise mais famosas da história.
A evidência de que uma crise havia se instalado, se tornou evidente na bolsa de valores, o
setor mais envolvido com as especulações. Entre 1929 e 1932, as ações caíram
impressiontes 83%. O número de desembregados que antes atingiam 1 milhão de pessoas
chegou a 14 milhões em 1933 e os que continuavam empregados tiveram uma redução de
90% em seus salários. Agora fica fácil de imaginar que possa ser verdade que as pessoas
chegavam a pular dos prédios durante esse período crítico do capitalismo.
Assim como na crise atual, em 1929 um dos setores que foram fortemente afetados nos
Estados Unidos, foi o hipotecário e houve grandes transferências de propriedade durante a
crise devido à excecução de hipotecas. Outro setor muito afetado foi o ferroviário, bem
como os bancos que faliram em massa, de forma qus se antes existiam 29 mil, em 1933 o
número foi reduzido para 12 mil.
23
Para Antonio de Paula (2010), coincidência ou não, tanto a crise atual quando a crise de
1929 surgiram nos Estados Unidos e em períodos de regência republicana. Talvez seja um
tanto quanto parcial tal afirmação, mas o fato é que existem elementos que são facilitadores
para que uma crise ocorra, como juros muito baixos ou muitos incentivos à especulação.
Assim como em 1929, em 2006 uma economia movida à especulação e consumo por via de
baixos juros que fez a crise eclodir. Embora haja semelhanças entre uma crise e outra como
já foi citado, cada uma possui suas especificidades. Agora que já temos as explicações e os
preâmbulos da crise de 1929, podemos passar para a crise mais recente do capitalismo.
Assim como já se foi falado anteriormente sobre a dificuldade de se prever uma crise
mesmo com todos os indícios, em 2006 não foi diferente, houveram mudanças no quadro
da enconomia e ainda assim poucos perceberam. No dia 4 de Março de 2007, a Folha de
São Paulo noticiou o que seria os primeiros indícios de crise. A notificação seria que as
principais bolsas de valores do mundo haviam perdido 1,7 trilhões na semana anterior. Só
no Brasil, a perda foi de 42 bilhões de doláres. A Folha de São Paulo foi otimista perante a
esse prejuízo incalculável: “as quedas assustam, mas o mercado já passou por momentos de
maios pressão.” Já em agosto, 5 meses depois, a notícia foi um pouco diferente, a Folha de
São Paulo divulgou uma nota preocupada com os seguintes dizeres: “o que temos em mãos
é um crise financeira global completa, comparada às de 1987 e 1990.” A saber que a crise
que eclodiria em 2008 seria uma das piores depois da dos anos de 1930 (ANTÔNIO DE
PAULA, 2010).
Para Antonio de Paula (2010) existem elementos que em sequência dispararam a crise de
2008 e eles estão diretamente ligados ao mercado imobiliário. O autor enumera quatro
desses elementos: o primeiro fator é a facilidade de empréstimos com baixos juros de
forma pouco criteriosa para um número de pessoas cada vez maior8.
O segundo elemento para o autor, foi que até 2001 os bancos ainda mantinham suas
hipotecas até sua quitação, mas depois os bancos passaram a vender a maior parte de seus
8 Esse fenômeno fez aumentar o chamado segmento subprime, que reunia tomadores de empréstimos com histórico de dívidas e calotes sem garantias de pagamento. Estima-se que 15% dos empréstimos hipotecários nos Estados unidos foram para o segmento subprime.
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empréstimos para bancos de investimentos que por sua vez vendiam - e lucravam muito ao
venderem titulos lastrados nas hipotecas para os grandes para investidores9. Com os juros
maiores, os títulos lastreados10 por hipotecas subprime se tornaram bastante atraentes. Essa
movimentação acabou produzindo um boom imobiliário com muito dinheiro sendo
emprestado e muita gente endividada. Tal movimentação que propulsionou o mercado de
hipotecas propiciou que o preço das casas nos Estados Unidos subisse de forma exorbitante.
O terceiro ponto foi que entre os grandes compradores estavam os fundos de hedge11 que
em determindado momento passou a se preocupar com a inadimplência no setor de
hipotecas. Esse temor fez com que mais títulos fosse vendidos, e claro, quando tem muita
oferta os preços despencam. Pareleo a essa movimentação de títulos sendo vendidos em
grandes números, houve uma mudança na política de juros do FED12 que temendo a
inflação, elevou os juros que eram que 1% ao ano para 5,25 ao ano, o que evidentemente
aumentou a inadimplência no pagamento das hipotecas. O quarto pondo de Antonio de
Paula já não é um fator, e sim uma tensão e pânico que tomou conta do setor de hipotecas,
bancário e financeiro, com quebras de grandes bancos e empresas americanas. Para
Sawaya, a crise é o resultado da constituição de uma economia mundial dominada pela
grande empresa e pelos grandes agentes financeiros que se mundializaram.
9 Fundos de pensão, companhias de seguro, fundos mútuos e fundos de hedge. 10 Termo que é usado para determinar a garantia implícita de um ativo. Desta forma, quando uma moeda tem lastro os investidores não questionam sua aceitabilidade, pois sabem que seu valor é garantido. 2) Depósito em ouro que serve de garantia ao papel-moeda. Nas operações do nosso mercado financeiro, lastro são os títulos dados em garantia de uma operação de open market. Garantia de que as cédulas e moedas que circulam na praça têm, de fato, valor. 11 Os fundos de hedge, ou hedge funds, podem ser definidos como fundos que adotam um número de estratégias que não podem ser adotadas por fundos tradicionais de investimento, mas isso não implica necessariamente se são mais ou menos arriscados. Embora o nome indique hedge, isso não significa que todos os fundos desta categoria utilizem estratégias de hedge para proteger o desempenho de suas carteiras. Mesmo dentro da categoria, a variedade de estratégias que podem ser adotadas acaba dificultando a comparação entre os fundos, de forma que não pode se definir uma linha única de atuação. Disponível em: http://www.igf.com.br/aprende/glossario/glo_Resp.aspx?id=1417. Acesso em: 11 Nov. 2010 12 O FED (Federal Reserve System), Banco Central dos EUA, é a entidade governamental responsável pela formulação e execução de política monetária norte-americana. Além disso, o FED age como regulador e supervisor do sistema bancário, serve como "banco" do Governo e o assessora em operação financeiras. A taxa de juros do EUA é definida pelo FOMC (Federal Open Market Commitee) o principal órgão do FED. Uma de suas características mais importantes é a independência em relação ao Governo Federal dos EUA, garantindo assim a boa condução da política monetária. O Fed é formado por uma equipe de sete membros escolhidos pelo Governo (Board of Governors), com sede em Washington DC, e por doze bancos regionais localizados nas principais cidades dos EUA (Federal Reserve Banks). Disponível em: http://www.igf.com.br/aprende/glossario/glo_Resp.aspx?id=1417. Acesso em: 11 Nov. 2010
25
Em resumo, a crise atual foi resultado de um amplo processo de acumulação de capital
(SAWAYA) e para alguns autores que escrevem sobre as crises do capitalismo, a crise
atual não é e nem nunca foi apenas uma crise financeira, e sim uma crise econômica geral e
sistêmica, uma crise que deixa claro as contradições do capitalismo. Essas contradições são
intrínsecas da realidade capitalista e Marx soube discorrer com louvor a respeito dessa
questão.
Análise
A moda sendo um campo de inúmeras possibilidades, faz-se necessário enfatizar que neste
artigo o recorte da moda é especificamente a Alta Costura nas principais capitais da moda,
como Paris, Nova York e Milão.
Duante a crise de 2008 e 2009, houve dentro do mundo da moda algumas características
que ilustravam bem o período em que o mundo estava vivenciando, bem como falência e
cancelamento de desfiles. Karl Largerfeld, um dos mais renomados estilistas também
passou pelo aperto e precisou sair de sua Maison para ir para uma menor. Christian Lacroix
precisou durante a crise receber proteção de crédito para ganhar uma sobrevida de seis
meses e evitar a falência total. Inclusive, seu desfile da temporada de inverno 2010 foi
totalmente isento de grandes investimentos e o trabalho foi feito por voluntários. Outra
vítima da crise foi a estilista Veronique Branquinho, que anunciou o encerramento das
atividades da sua marca, depois de 11 anos de carreira (KALIL,2009). A crise também
afetou as principais semanas de moda como a de Milão, que teve que contar com a
desistência e corte de várias marcas, que por razões muito claras, precisaram desistir da
apresentação. A semana de desfiles de Milão contou com 10 desfiles a menos do que o
programado. Outro aspecto que retratou a crise nas semanas de moda, foi que grande parte
dos estilistas escolheu lugares menores, cortaram convidados, dividiram a conta e
promoveram desfiles mais simplificados e curtos, alguns até com um número menor de
modelos.
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Esta análise tem como objetivo seguir a inspiração de Featherstone, de maneira a relacionar
a produção de moda (sistema da moda) com a esfera do consumo. A produção de moda,
como anteriormente foi explicado é formada por jornalistas e designers, de forma que o
segundo não possa coexistir sem os jornalistas. Ao tentar captar e colocar em seus produtos
símbolos e valores sociais, os designers necessitam de uma parte – no caso os jornalistas –
que consiga decodificar esses valores e assim difundir aquele objeto, no caso deste artigo, a
moda. Quando se há um desfile de alta costura, ele é carregado de simbologias e
experimentalismos, de forma que aquelas roupas da passarela não vão para as ruas daquele
jeito. Os jornalistas então assimilam aquela idéia que foi apresentada para assim
divulgarem o que será tendência e o que não é mais moda McCracken (2008) acredita-se
que essa atividade é menos assertiva do que o esperado, mas acredito que decodificar esses
sinais possa ser algo sensorial e por isso muitas vezes exista um erro ou outro.
Durante a crise de 2008/2009, a moda passou a adotar em respeito à aquele momento
delicado cores sóbrias. As temporadas de desfiles de Milão, Nova York e Paris tiveram de
forma quase que totalitária a predominância de cores como preto, branco e cinza. A
sobriedade imperava sobre os desfiles, aquilo era um protesto, um luto e um momento de
respeito em relação à crise bem como elucida a jornalista de moda Lílian Pacce:
A próxima temporada de moda internacional (Milão, Paris, Nova York) será a que de fato refletirá a possível influência da economia. Acredita-se que dois caminhos serão tomados pelos estilistas: a valorização do estilo e a volta ainda mais forte dos clássicos, muito vistos de forma monocromatica em preto ou cinza. Ninguém está pensando muito em glamour. Também, uma aposta é que o fim da crise não será a volta ou significará a volta do glamour exacerbado, como aconteceu após a crise de 1929. (PACCE, Lilian, 2008)
Lilian Pacce foi acertiva em partes em sua análise o que corrobora com o comentário de
McCracken sobre o tanto que os especialistas erram. O fato é que durante a sobriedade que
a crise gerou, a tendência de glamour exacerbado veio. Foi uma forma escapista de fugir da
crise e dos tons sóbrios. O propósito da tendência foi brincar com o glamour para amenizar
a incrível sobriedade desejável que a moda alcançou no período de 2008 e 2009. É uma
linha da moda exuberantemente, escapista e confortadora. Um exemplo foi coleções
oitentistas inspiradas no astro da musica pop, Michael Jackson em sua fase glamourosa.
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São as jaquetas Balmain com ombreiras e preços estratosféricos. O fato é que a monotomia
e a sobriedade da moda já estava cansando a muitos. E o luxo insano, divertido e “kitsch”
veio para aparar e confortar a crise de uma forma bastante lúdica. (PASCOLATO, 2009).
A primeira tendência que buscou a sobriedade das cores e dos cortes retos, trata-se de uma
tendência hegemônica, ou seja, ela foi a que teve a maior predominância durante o período
da crise. Esse habitus de consumo da moda adotado neste período, recebeu um valor social
pelo uso social no qual seu uso foi submetido, e passou a ser condicionado ao capital
simbólico atribuído pelo consumidor e a sua necessidade de consumo.
Essas tendências de moda em tempos de crise podem ser mostradas em publicações
especializadas, bem como na revista Vogue, na qual boa parte das informações aqui citadas
foram tiradas de lá. A revista Vogue de número 370 que foi edição de junho de 2009, tinha
como matéria de capa uma matéria chamada “Hi-lo13 contra a crise” e nos editoriais
internos da revista, existem matérias que preconizam a exuberância. Por um lado a revista
mostra uma forma consciente de usar a moda, citando o “Hi-Low” e por outro lado mostra
uma moda ostensiva e conspícua. Isso apenas elucida que a moda pode ter abordagens
ambivalentes em um mesmo período de tempo, e que matérias de capa exercem um papel
mais factual, e os colunas e editoriais têm um caráter mais opinativo a respeito daquele
mesmo tema.
Apesar da crise no ano de 2008 e 2009, e da diminuição de gastos e até mesmo falências,
será que o consumo da moda sofreu os impactos da crise? Segundo Luiz França da revista
veja de 12/2008, o público que consome de bens de luxo incluindo o da alta costura não
deixou de consumir, apenas o fez de forma mais conscienciosa, até porque esse público
muitas vezes não sofre as piores consequências de uma crise. Isso significa que ao invés de
deixar de consumir, a forma na qual foi consumida foi diferenciada. Durante a crise, os
estilistas optaram por coleções atemporais que pudessem perdurar por um período maior
sem sair da moda, isso também explica as cores sóbrias e cortes retos. O público continuará
13 Hi-lo é o termo designado para high and low, o que sugere uma tendência onde se mistura artefatos incrivelmente luxuosos e caros com outros bem baratos. Mais adiante será explicado com mais riqueza de detalhes.
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pagando preços exorbitantes por roupas de marcas consagradas, mas pagando por coisas
que sejam mais duradouras, o consumo dessa forma será mais consciente. Outra maneira
adotada para se consumir de forma mais consciente, foi a adoção do Hi-low que tem como
conceito misturar peças baratas como as de lojas de departamento ou de brechós com um
item da alta costura. Outro hábito que ganhou força nos tempos de crise, foi a customização
de roupas. Ainda hoje, podem ser encontrados editoriais de “faça você mesmo” ou como
conhecido nos Estados Unidos Do It yourself – ou DIY. A prática de se customizar uma
roupa, além de sustentável é algo carregado de valores. Uma customização significa ao
mesmo tempo algo que distingue, personaliza, individualiza, aproxima, E cria laços
(SIMMEL), bem como tal prática pode ser algo que traga satisfação pessoal e estética para
o indivíduo. Ainda que essas práticas de se consumir de forma econômica e consciente já
existissem, elas ganharam o devido reconhecimento em tempos de crise (KALIL, 2009). O
Hi-Low por exemplo, essa tática de consumo que foi adotada no período de crise, nos
remete ao Trickle-up já que a prática de se consumir em brechós ou em lojas de
departamento não fazem parte de um padrão das classes altas. O que pode ser identificado
aqui, é uma mudança nos significados, uma classe alta busca em lojas de departmanto um
novo padrão de consumo, bem como nos brechós, transformando o que antes era velho em
algo vintage14. As classes altas buscam maneiras de distinção tanto na busca de novos
significados tanto na criação de vocabulários que excluem o público leigo, bem como os
citados anteriormente.15 Para Hall, (1975) A importância despendida a contextos
particulares de produção de sentido apontam não mais para a existência uma Cultura, mas
de Culturas, no plural, que dizem de grupos distintos, que produzem sentidos específicos e
possuem maneiras próprias de lidar com os problemas do seu cotidiano. A linguagem a
partir da cultura está longe de ser apenas um meio de ligação entre subjetividades distintas.
Possui uma dimensão constitutiva da realidade, afinal, ela não é neutra e, portanto, difunde
uma série de práticas e valores que são compartilhados pelos mais diversos grupos sociais:
Como a linguagem funciona? A resposta é simples: através da representação. Elas são sistemas de representação. (...) Esses elementos – sons, palavras, notas, gestos, expressões, roupas – são parte de nosso mundo natural e material; mas sua importância para a linguagem não diz respeito ao que eles são, mas a suas funções. Eles constroem significado e os transmitem. Eles significam. Não há
14 É trazer para o presente referências de décadas passadas. 15 Mais detalhes sobre mecanismos de exclusão podem ser encontrados na obra de Foucault.
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nenhuma significação em essência nesses elementos. (HALL,1997:5, tradução livre)
Ainda que o poder de compra das classes mais altas não tivesse sido afetado, as lojas de
departamento durante o período sofreu um acréscimo em suas vendas, justifica Kalil
(2009). Tal acréscimo na venda dessas lojas populares se deve ao aumento de pessoas da
classe alta que se voltaram para esse tipo de consumo e ainda assim continuaram a usufruir
do consumo de alta moda. Esse tipo de consumo característico do Hi-Low, enalteceu as
lojas de departamento que antes eram destinadas a classes mais baixas, e deu destaque para
os brechós. Achar peças diferenciadas nesses lugares e por peços ínfimos se tornou um
novo padrão de consumo entre as classes mais altas. Isso demonstra que os formadores de
opinião tanto podem buscar influências que são das classes baixas, quanto podem
influênciar as classes mais baixas.
Outro fator bastante interessante sobre o consumo durante a crise segundo o jornal The New
York Times, foi o hábitos de novaiorquinas de classes altas buscarem o consumo de luxo de
forma clandestina. Por algum momento começou a ser ‘indelicado’ passear pelas ruas ne
Nova York com inúmeras sacolas em tempo de recessão. Para se comprar roupas e sapatos,
as mulheres iam em eventos restritos, hotéis e showroons. Visivelmente o poder de compra
dessas pessoas não foi afetado e gastar de forma conspicua continuou sendo uma atividade
constante das classes altas. Mas comprar de forma escondida interrompeu o de certa forma
um hábito que gera status e distinção, ou seja, essas mulheres preocupadas em serem
indelicadas em um período de crise, continuaram comprando, mas de forma individual e
autonoma, porque o ato de consumir aqueles bens repletos de capital simbólico têm
também um caráter de satisfação e prazer individual.
Considerações finais
Durante este artigo, ao tentar demonstrar como a moda reagiu durante a crise, a conclusão é
que não existe uma maneira determinada e específica da moda reagir em tempos de crise. O
campo da moda possui formas ambivalentes e distintas com relação à crise. Em momentos
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de crise, pode ser identificado tanto formas de consumo consciente quanto formas
extavagantes e exuberantes.
Ainda que as classes mais altas não deixem de consumir a alta costura porque o seu poder
de compra não tenha sofrido com a crise, ela busca criar novos significados em coisas já
existentes. O sistema da moda buscou em brechós, customizações e em lojas de
departamento novos padrões de consumo durante a crise. Algo importante é que não apenas
as classes altas conseguiram criar esse movimento de resignificados. Classes mais baixas
também buscou nas classes mais altas não só referências de moda - trickle-down - mas
buscam também símbolos que as representam. Um exemplo bastante elucidativo disso, é
Daspu, uma ONG de prostitutas que lançou uma linha de roupas inspiradas no
comportamento sensual das prostitutas, a referência nada mais é do que uma das lojas mais
caras da cidade de São Paulo, a Daslu. O nome que é um trocadilho que remete às
prostitutas e a Daslu, criou polêmica, a Daslu reclamou e ameaçou processar. O que antes
era uma crítica divertida virou algo repleto de significados, a Daspu ganhou destaque da
mídia e de jornalistas de moda como Betty Lago. Ainda que pareça ser uma imitação a
relação daslu/daspu, para mim não é. Os propósitos são diferentes então vejo que possa
mesmo ser uma resignificação de símbolos, demonstrando que a moda caminha em vários
sentidos. tanto classes altas quanto as baixas buscam dar novos significados à moda, e ao
mesmo tempo que a Daspu sofreu retaliações de pessoas do alto consumo ela ganhou
destaque justamente por pessoas que fazem parte desse grupo, como de jornalistas de moda
que possuem a detenção da alta cultura. Desta forma, moda não pode ser vista apenas como
apenas uma forma de distinção, porque ela não se movimenta apenas de cima para baixo
como sugeria o trickle-down na perspectiva da sociogenética.
A moda durante a crise de 2008 e 2009, apareceu nas revistas especializadas de duas
formas, a primeira através da moda predominante e hegêmonica que tinha como princípio o
Hi-lo e a segunda forma menos predominante em editoriais a moda ostensiva e exuberante.
Em um mesmo veículo de publicação a revista Vogue mostrou a moda de duas formas
distintas no período da crise. Na crise, ora o comportamento foi o consumo consciente, ora
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conspícuo. Em uma única publicação de moda em 2009, houveram dois movimentos, um
trickle-down e um trickle-up.
Durante a crise mundial, pode ser identificado os mais diversos movimentos que se pode ter
na moda, e as mais diversas formas de se consumir, mas sempre buscando o mesmo intuito,
da diferenciação e status ou individualização. A moda nas classes altas, ao mesmo tempo
que tentou se distanciar das classes inferiores, ela se aproximou dessas classes no momento
em que optou por buscar comportamentos ou simbolos dessa classe, a forma como a moda
se aproxima das classes inferiores é buscando nas referências dessas classes elementos do
seu cotidiano, como as lojas de departamento, brechós e na arte de customizar. O sistema
da moda, pega tais elementos e criam o estimulos de consumo na tentativa de dar status
para um desses elementos. Essa movimentação promoveu a prática de se usar o hi-low e
tornou o ato de customizar as próprias roupas moda.
Fica evidente que a moda é um campo polarizado e ambivalente, e durante esse recorte
específico de crise, essa evidência fica ainda mais clara. A moda protagonizou durante a
crise, todos os movimentos possíveis. Ao mesmo tempo a moda buscou a diferenciação
através de seus capitais simbólicos ou tentou se distanciar das classes inferiores, ao mesmo
tempo por um momento ela se aproximou dessas classes, bem como houve tentativa de
imitação por parte das classes inferiores; Toda essa ambivalência na qual a moda passou
durante a crise, mostra que realmente uma perspectiva ou outra não serve para analisá-la de
forma adequada, e os fatos aqui listados corroboram com a perspectiva de Simmel (1987)
de que a moda pode ser vista como algo que carrega a diferenciação de classes, distinção,
diferenciação individual, e satisfação pela imitação e aproximação.
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