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Novembro de 2015
CEIPC — informa
Nesta edição:
Edição n.º 20
CENTRO DE ESTUDOS E INTERVENÇÃO EM PROTECÇÃO CIVIL
AS MIGRAÇÕES
TRANSMEDITERRÂ-NICAS: O caso do Magrebe e
da Itália
1/10
MISSÃO HUMANITÁ-
RIA PORTUGUESA
EM TIMOR LESTE
1999-2000
11/15
A AUTORIDADE MARÍ-TIMA NACIONAL NO
SISTEMA DE PROTE-ÇÃO CIVIL
16
Ficha Técnica
Coordenação Editorial
Duarte Caldeira Paginação
Gabriela Mata
(continuação na página seguinte)
Perdura ainda, na memória do público,
um acontecimento relativamente recente
no qual, em pleno ano de 2013, uma em-
barcação com mais de quinhentas pesso-
as naufragou junto da ilha italiana de
Lampedusa, provocando uma catástrofe
com mais de cento e trinta mortos
(Público e Agências: 2013). Este desas-
tre humanitário originou diversos deba-
tes de carater político e social que ti-
nham como tema principal as possíveis
respostas que as entidades responsáveis
da EU (União Europeia) deveriam ado-
tar para lidar com este tipo de proble-
mas. As implicações deste acontecimen-
to tornam-se evidentes se atentarmos na
seguinte frase, surgida nos textos jorna-
lísticos da altura:
As primeiras informa-
ções indicam que a maioria
dos passageiros que segui-
am na embarcação era de
origem africana, muitos
somalis e eritreus. O ga-
binete do alto-comissário
das Nações Unidas para
os Refugiados informou
depois que serão, na sua
maioria, eritreus, prove-
nientes da Líbia (Público
e Agências: 2013).
AS MIGRAÇÕES TRANSMEDITERRÂNICAS:
O caso do Magrebe e da Itália
Página 2 CEIPC — informa
Como facilmente se percebe
através desta informação, as prin-
cipais implicações desta ocorrên-
cia estão relacionadas com o fac-
to de este acontecimento não se
tratar de um episódio isolado,
mas antes de um acidente que
engloba todo um cenário mais
alargado em que a imigração ma-
ciça para os países europeus é
uma realidade impossível de igno-
rar. As discussões e os debates
mais visíveis giraram em torno
das possíveis respostas e medidas
dentre as quais os políticos pode-
riam optar para fazer frente a
este problema. Num cenário co-
mo este, foram múltiplas as inter-
pretações e visões do aconteci-
mento, variando estas da visão
populista (aproveitada por muitos
agitadores de opinião) de que os
países europeus deveriam fechar
portas aos imigrantes, e outras
com propostas de ajuda humani-
tária e melhorias no acolhimento
dos que chegam à Europa na mai-
or parte das vezes em condição
de ilegalidade. É, pois, importante
que se adote uma abordagem que
leve em conta os conceitos da
geopolítica e da geoestratégia
para analisar o tema da imigra-
ção, suas causas, bem como con-
sequências e respostas adotadas
pelos políticos dos países de aco-
lhimento. A ideia subjacente a um
trabalho como este é a de que as
teorias geopolíticas podem ser
bastante eficazes para analisar e
descortinar tanto as causas como
as consequências dos grandes
fluxos migratórios.
É necessário que se revejam, pri-
meiro, alguns dos principais con-
ceitos das teorias geopolíticas
para que se analise com mais
atenção um determinado cenário
específico. No nosso trabalho, a
escolha recairá sobre as migra-
ções transmediterrânicas, mais
precisamente sobre as correntes
migratórias que têm origem na
zona norte-africana do Magrebe
e que têm como destino a Penín-
sula Itálica. Como facilmente se
perceberá, esta decisão é justifi-
cada pela importância desta zona
como ponto de chegada para
muitos imigrantes transmediter-
rânicos, bem como pelo fato de,
nos últimos tempos, os conflitos
civis na zona da Líbia (a viver
uma grande situação de instabili-
dade política e social) terem le-
vado a um recrudescimento dos
fluxos migratórios originários
desta região africana.
Os fluxos migratórios e os
principais conceitos geo-
políticos
Se se entender a geopolítica como
o estudo das relações internacio-
nais através da análise de variáveis
geográficas (Devetak, 2012), é en-
tão possível analisar e, dentro de
certos limites, prever o tipo de
decisões e estratégias pelas quais
as elites políticas podem optar, isto
tendo em conta posições geográfi-
cas, extensões territoriais, dimen-
sões populacionais, localizações
estratégicas relevantes, recursos
naturais, etc. As relações entre a
geografia, a demografia e as deci-
sões políticas, bem como as formas
de legitimação de poder, manifesta-
das por boa parte das elites políti-
cas e pelos diferentes estados, en-
contram-se entre os assuntos mais
abordados nestes estudos (Ibid.).
Página 3 CEIPC — informa
xar de estar relacionado com
um conjunto de fatores que di-
zem respeito ao cenário nacional
ou internacional que se vive. Co-
mo já expusemos na introdução,
tanto as causas (a ocorrência de
conflitos civis que dão origem à
fuga por parte de populações
indefesas) como as consequên-
cias (as respostas por parte dos
agentes políticos) dos fluxos mi-
gratórios podem, pelo menos
numa grande parte dos casos,
ser analisados através de concei-
tos geopolíticos.
Tendo em conta a distinção, an-
teriormente apontada, entre as
teorias geopolíticas mais conven-
cionais e as teorias críticas que
as põem em causa, vejamos as
principais visões acerca do tema
da migração na última década.
Uma destas visões, preponde-
rante em países como os Esta-
dos Unidos (tendo sido adotada
por uma boa parte das elites
seja capaz de questionar o poder
político e a forma como as suas
decisões geopolíticas e discursos
se alicerçam numa vontade de
preservar privilégios elitistas.
Apesar de ser bastante comum
que as correntes da teoria crítica
cometam exageros de interpre-
tação e de criticismo, o tema que
nos interessa (o da imigração)
não pode deixar de ser analisado
tendo em conta uma perspetiva
que seja devedora (pelo menos
em alguns aspetos) das aborda-
gens deste tipo de teorias.
No que diz respeito ao tema da
migração, é a opinião de Jennifer
Hyndman que “Migration has
long been a barometer of geopo-
litics, from human displacement
generated by war to containment
practices in particular territories
or camps” (2012:243). Assim,
segundo a opinião desta autora, a
migração é um tema central para
a geopolítica, não podendo dei-
Uma parte substancial das teorias
geopolíticas (desde os seus pri-
mórdios ainda no século XIX) tem
dado bastante relevância às rela-
ções de poder entre os estados
que manifestam ambições expansi-
onistas e aos territórios chave que
lhes era necessário controlar. São
importantes nomes como o de
Mahn e Mackinder, tendo ambos
escrito sobre a forma como po-
tências mundiais poderiam manter
e legitimar o seu poder de acordo
com os territórios que dominavam
(Evans & Newnham, 1998). Contu-
do, já no século XX, é fulcral que
se apontem novas tendências e
abordagens vindas da teoria crítica
que, adaptadas ao contexto da
geopolítica, vieram pôr em causa
alguns dos conceitos que eram
tidos como inquestionáveis por
esta disciplina de estudos (Penter
& Jeffrey, 2009). De acordo com
estes teóricos, é importante que
se tenha uma atitude crítica, que
(continuação na página seguinte)
Page 4 CEIPC — informa
políticas deste e de outros paí-
ses), tende a ver a migração co-
mo algo que põe em perigo a
segurança dos estados que aco-
lhem os imigrantes (Hyndman,
2012). Assim, as principais estra-
tégias adotadas pelos estados
devem ir no sentido de conter
os perigos da migração descon-
trolada, colocando-se especial
enfase no controlo apertado de
fronteiras, nas restrições à imi-
gração, ou outras medidas se-
melhantes como uma maior vigi-
lância e policiamento de comu-
nidades estrangeiras (Mountz,
2010). Este paradigma de zelo
pela segurança saiu reforçado
(apesar de não ter sido criado)
com as medidas tomadas pelo
governo americano depois dos
atentados terroristas do 11 de
Setembro, uma vez que, depois
deste acontecimento, a Adminis-
tração Bush se aproveitou de
todos os meios legais para ins-
taurar um conjunto de medidas
que tenderam a tornar-se cada
vez mais repressivas, e que ti-
veram como ponto mais céle-
bre a criação do Campo Delta
na prisão de Guantánamo
(Gregory, 2007; Hyndman,
2012).
A par desta visão, foi crescendo
também a contestação por par-
te dos teóricos críticos daquilo
que viam como um exemplo de
violência exercida pelo estado
no controlo das populações
num tipo de política que alguns
chamariam de “securitização da
migração”. Como se sabe, os
proponentes da teoria procu-
ram questionar e perscrutar
atentamente os desígnios, nem
sempre declarados, que estão
implícitos nas decisões geopolí-
ticas. Assim, para Hyndman
(2012), é fundamental que a
análise geopolítica englobe
componentes da biopolítica e
se foque, não tanto nas frontei-
ras e políticas de controlo des-
tas, mas antes nos indivíduos que
passam estas fronteiras, ou seja,
nos imigrantes e problemas por
eles enfrentados. Seria essa uma
maneira de englobar uma com-
ponente mais prática e eficaz no
contacto com os seres humanos
que vivem num país estrangeiro,
pois dessa forma eles seriam
olhados como mais do que uma
potencial ameaça a um conceito
abstrato como é o de espaço
nacional. O espaço territorial
deixaria assim de ser analisado
como uma metáfora, pois seria
capaz de englobar também aque-
les que habitam esse mesmo es-
paço (Sparke: 2005).
Outros teóricos críticos
(Tesfahuney, 1998) vão ainda
mais longe, pretendendo questi-
onar uma grande quantidade de
noções e conceitos com a inten-
ção de apontar a discriminação e
a repressão que estão presentes
em discursos que abordam os
temas do espaço, da mobilidade
e da integração.
Assumindo que estes últimos
exemplos se enquadrem entre
os exageros da perspetiva crítica,
é possível ainda assim apontar a
validade e importância dos seus
questionamentos e dúvidas le-
vantadas. Identificamos, assim,
dois grandes grupos de teorias e
visões, cada um deles capaz de
chegar a exageros ou extremos
inadequados, mas que merecem
ser tidos em conta na discussão,
isto porque um prima pela aten-
ção dada ao direito de os esta-
dos garantirem a sua segurança;
o outro pelo questionamento
Page 5 CEIPC — informa
deste tipo de medidas que são
vistas como repressivas.
Esta divisão teórica será bastante
importante agora que nos volta-
mos para a análise do tema que
nos propusemos abordar em
concreto, isto é, a migração do
Magreb africano para a Península
Itálica.
A imigração do Magrebe
para Itália
No início do século XX, 3,5 % da
população da UE era imigrante,
tendo uma boa parte desta nasci-
do fora do continente Europeu
(Aubarell & Aragall, s.d.). Oriun-
dos de nações que até então ha-
viam tido apenas o estatuto de
colónias, estes imigrantes dirigi-
am-se, acima de tudo, para os
países que outrora haviam domi-
nado a sua terra natal. Assim,
não é de estranhar que, por
exemplo, uma boa parte dos imi-
grantes no Reino Unido tenha
origem indiana ou paquistanesa.
Já nos países mais a sul da Euro-
pa, grande parte dos imigrantes é
originária da região conhecida
por Magrebe (Aubarell & Aragall,
s.d.; Rodrigues & Ferreira, 2011).
Refira-se que por Magrebe se
entende uma região africana situ-
ada no noroeste deste continen-
te, próxima do mar Mediterrâ-
neo, e que engloba os seguintes
países: Marrocos, Sahara Ociden-
tal, Líbia, Argélia e Tunísia. A sua
localização geográfica leva a que
as populações que saem do país
se desloquem acima de tudo para
a Península Ibérica (sobretudo os
motivo a degradação gradual das
terras de cultivo, originando as-
sim a migração voluntária, obri-
gando as populações a fugirem
de um local tornado insalubre e
inóspito, sofrendo de stress psi-
cossocial, absoluta ausência de
rendimentos, fontes de subsis-
tência, falta de renda, rutura so-
cial e na maioria das vezes sem
documentos de identidade.
Aliado a toda esta situação dos
desastres ambientais, ainda exis-
tem os conflitos políticos, econó-
micos, sociais e a violência, que
resultam em, roubos, crimes de
agressão, violência sexual, escra-
vatura e, no caso do Corno de
África, terrorismo, pirataria,
alem de raptos e captura de re-
féns.
Todos estes fatores provocam as
chamadas migrações de trânsito,
ou como são apelidadas “rotas
da morte”
Estas migrações de trânsito diri-
gem-se preferencialmente de Sul
para Norte em direção aos Paí-
ses existentes junto à bacia me-
diterrânica, e é a partir destes
diversos Países que iniciam a tra-
que vêm de Marrocos), França
(da Argélia) e Itália (da Líbia, isto
para referir apenas alguns exem-
plos (Aubarell & Aragall, s.d).
Mas qual a razão para estas migra-
ções?
Estas migrações são o resultado
de vários fatores dos quais pode-
mos citar alguns, a saber:
Países onde existem conflitos
armados (casos da Líbia, Somá-
lia e Síria);
Países onde as alterações cli-
máticas provocam escassez de
chuva, com a consequente ari-
dez dos terrenos de cultivo
(Djibuti, Etiópia, Quénia). Paí-
ses estes que estão a enfrentar
a pior seca dos últimos 60
anos, não chove nesta zona do
corno de África há cerca de
dois anos, com graves conse-
quências para uma população
castigada também por décadas
de conflitos armados.
A seca, um dos fatores mais signi-
ficativos para a migração ambien-
tal forçada, é considerada um de-
sastre natural não repentino
(como por exemplo um sismo) e
que pode ter trazido por esse
(continuação na página seguinte)
Page 6 CEIPC — informa
vessia do Mediterrâneo rumo
aos Países Europeus com os
quais sentem uma maior afinida-
de, seja histórica, cultural ou
linguística.
De Marrocos dirigem-se para
Espanha pois este destino já é
conhecido desde o sec. VIII
quando os árabes ocuparam os
reinos da Península Ibérica e
criaram o califado conhecido
como Al-Andaluz ou o Muslim
Spain.
Da Argélia (antiga colónia) e da
Tunísia (antigo protetorado)
rumam a França, e da Líbia diri-
gem-se para a também antiga
potência colonial a Itália.
No entanto, não se pense que
que esta é uma viagem fácil, pois
os perigos de uma travessia do
mar Mediterrâneo, muitas das
vezes em condições nada dignifi-
cantes, constituem um risco que
nem sempre se ultrapassa com
vida.
O fato de a tragédia de Lampe-
dusa ter contribuído para cha-
mar a atenção para este tema
justifica que se escolha a Itália
como tema principal desta pes-
quisa, que se centrará nas análises
e consequências desta migração
tendo em conta alguns dos con-
ceitos e teorias que já abordámos
bem como outros que ainda dis-
cutiremos. Comecemos pelas
causas desta imigração.
As causas da imigração
do Magrebe: o Choque
Geopolítico
Além da localização geográfica,
que representa uma razão óbvia
para os fluxos migratórios com o
destino ao sul da Europa, a análise
de mobilidades populacionais
inesperadas deve incluir um con-
ceito que pode ser referido como
“choque geopolítico” (Ruhs &
Van Hear, 2014). Este choque
pode ser definido como “a sud-
den and relatively unexpected
event or a series of events that
has the potential to, and often
does, lead to a destabilisation of
regional and/or international poli-
tics and security” (Ruhs & Van
Hear, 2014: 2). A resposta a este
tipo de choque geopolítico por
parte das populações que residem
nas zonas afetadas pode muitas
vezes traduzir-se em deslocações
e fluxos migratórios, voluntários
ou involuntários, dentro do pró-
prio país ou adquirindo um
carater internacional.
É preciso ter em conta que este
choque se refere sempre a um
acontecimento impactante, na
maior parte das vezes violento,
que deixa as populações afetadas
sem saber que ações devem to-
mar ou que caminhos seguir. As-
sim, a título de exemplo, se a que-
da do Muro de Berlim levou a
mudanças geopolíticas ordeiras e
pacíficas na maior parte dos países
europeus, o mesmo já não se po-
de dizer da ex-Jugoslávia, cujos
conflitos levaram, entre outras
catástrofes humanitárias, à deslo-
cação forçada de populações
(Ruhs & Van Hear, 2014).
Assim, tendo em conta esta noção
de choque geopolítico, é impor-
tante que se analise a situação
atualmente vivida na zona do Ma-
grebe. Há poucos anos, as mudan-
ças de regime e as manifestações
provocadas por aquilo a que ficou
conhecido como Primavera Árabe
deram origem a situações bastante
díspares entre os diferentes paí-
ses1. Se em muitos casos as mu-
danças de governo tiveram lugar
de forma relativamente ordeira e
não causaram conflitos de dimen-
Page 7 CEIPC — informa
(continuação na página seguinte)
sões catastróficas (como a queda
do ditador Ben Ali da Tunísia), o
mesmo já não se pode dizer do
país que mais nos interessa neste
estudo, a Líbia, uma vez que, des-
de a deposição do antigo ditador
Khadafi, o país mergulhou numa
situação de guerra civil que tem
estado na origem de uma grande
catástrofe humanitária (Tomás,
2013).
As últimas informações surgidas
nos media apontam para um au-
mento dos conflitos armados e
para a atividade de milícias e gru-
pos terroristas que aterrorizam a
população (Rocha, 2015). A che-
gada de refugiados às regiões cos-
teiras de Itália tem sido cada vez
maior, tendo levado já a que o
ministro dos Negócios Estrangei-
ros Italiano expressasse a sua pre-
ocupação e necessidade de res-
ponder devidamente a este cená-
rio preocupante. Segundo os da-
dos disponíveis, o número de imi-
grantes que teriam chegado à Itá-
lia no primeiro mês do ano de
2015 perfaziam um número de
3528, mais de 40% quando com-
parado com os números do mes-
mo mês do ano anterior (Ibid.).
Se é certo que estas situações de
conflito não explicam, na íntegra,
todas os motivos que levam à
imigração das populações do Ma-
grebe, servem, pelo menos para
compreender o porquê de os
fluxos terem aumentado nos últi-
mos anos, desde que a Primavera
Árabe veio tornar a situação in-
terna da Líbia mais perigosa do
que até então havia sido. Resta-
nos, portanto, explorar com mais
detalhe as consequências e estra-
tégias políticas adotadas em Itália
como resposta a esta situação.
Consequências e respos-
tas políticas a este tipo
de migração
É importante que recordemos
aquilo que foi dito no enquadra-
mento teórico, recuperando as
noções sobre políticas de segu-
rança bem como as críticas a es-
se tipo de posições. Assim, como
apontam diversos críticos
(Collinson, 1996), as políticas
migratórias da UE das últimas
décadas têm sido baseadas num
conceito de segurança extrema,
como que partindo do princípio
de que os fluxos migratórios re-
presentam uma ameaça para o
bem-estar das nações de acolhi-
mento. O fato de estas políticas
já terem sido implementadas an-
tes dos atentados do 11 de Se-
tembro demonstra que a lógica
subjacente a medidas repressivas
não necessita de ser influenciada
por uma potencial ameaça terro-
rista para ser posta em prática.
Até aos dias de hoje, os imigran-
tes que são suficientemente afor-
tunados para não perecerem na
travessia do Mediterrâneo e que
são ajudados por guardas costei-
ros das ilhas italianas vêm-se
confrontados com leis e imposi-
ções que os obrigam a permane-
cer em campos de refugiados
cujo pretenso carater temporá-
rio se pode prolongar por vários
meses (De Haas, 2008).A par
destas imposições e controlos
sobre as populações que conse-
guem chegar ao país, o governo
italiano, já desde os tempos do
Primeiro-Ministro Berlusconi,
tem primado por um conjunto
de medidas que procura prote-
ger ao máximo as suas fronteiras
e impedir a entrada de imigran-
tes ilegais, concedendo diversos
subsídios a países de origem co-
mo forma de tentar compensar
os seus governos por estas leis
pouco benevolentes (Collinson,
1996).
Page 8 CEIPC — informa
Segundo De Haas (2007), aquilo
que predomina nas relações en-
tre Itália e os países de origem
dos seus imigrantes é uma visão
que leva a ver a chegada destas
pessoas como uma invasão, re-
cuperando dessa maneira antigos
mitos sobre invasores vindos de
regiões árabes. Apesar de a mão-
de-obra estrangeira ser encarada
como algo de necessário e bené-
fico (tendo em conta o envelheci-
mento populacional) por parte de
empresários e entidades contra-
tadoras (Handoussa & Reiffers,
2003), a verdade é que o receio
sentido por grande parte da po-
pulação (que vê os imigrantes
como uma ameaça para os seus
postos de trabalho) e uma réstia
de orgulho nacionalista por parte
de algumas elites fazem com que
a migração seja olhada negativa-
mente. Os fluxos migratórios são
vistos, portanto, como uma po-
tencial fonte de perigo, como
algo que vai destabilizar a ordem
do país colocar em risco a sobre-
vivência dos seus habitantes. É,
pois, esta a lógica que tem estado
por trás de muitas das tomadas
de decisão por parte, não só de
Itália, mas de toda a União Euro-
peia.
Apesar de no nosso entendimen-
to este problema humano e social
não se resolver com subsídios, a
UE tem que tomar medidas que
minimizem este flagelo, e que de-
vem englobar penalizações aos
traficantes de seres humanos,
apoio técnico e humano que vise
o desenvolvimento destes Esta-
dos, investimento nas economias
dos Países do Magreb, e o mais
importante de tudo, estabilizar e
consolidar um governo credível
na Líbia de modo a que as popula-
ções não sintam a necessidade de
ir em busca de segurança e me-
lhores condições de vida noutros
Países.
Veja-se, a título de exemplo, as
decisões e medidas tomadas pelos
ministros italianos depois de os
acontecimentos em Lampedusa se
terem tornado conhecidos. A
operação Mare Nostrum, como
ficou conhecida, é o perfeito
exemplo de uma medida aparen-
temente capaz de responder ao
problema de forma humanitária,
mas que uma análise crítica re-
vela ser insuficiente e capaz de
perpetuar ideias preconcebidas
sobre os imigrantes (ou não
fosse o próprio nome desta
operação uma repescagem da
forma como os antigos romanos
se referiam ao mar Mediterrâ-
neo, que dominavam com o seu
império). Promovida pelo Pri-
meiro-ministro Enrico Letta e
pelo Ministro do Interior Ange-
lino Alfano, esta operação foi
assente em três eixos de ação
(RFI: 2013): a cooperação com
os países de origem destes imi-
grantes (que, como já se viu,
pode servir como uma forma de
compensar os seus governos de
maneira a manter laços comer-
ciais), um controlo mais aperta-
do de fronteiras (assente numa
lógica de securitização e comba-
te à imigração ilegal nem sem-
pre de forma suficientemente
humanitária), e uma tentativa de
melhorar o acolhimento aos
recém-chegados. Apesar de esta
última medida parecer mais efi-
caz na resposta ao problema, é
importante lembrar que muitas
vezes ela se traduz apenas na
retenção (pretensamente tem-
porária) em abrigos provisórios
em que os imigrantes são deti-
dos por tempo indeterminado.
Que decisões como esta sejam
insuficientes é notado por vários
autores desde há já vários anos
(Hyndman, 2012; Collinson,
1996). As próprias elites políti-
cas começam a aperceber-se
deste fato, como fica patente no
apelo lançado pelo Ministro dos
Page 9 CEIPC — informa
Negócios Estrangeiros Italiano,
Paolo Gentiloni, que parece aca-
lentar a opinião de que é precisa
uma lógica de solidariedade, e não
de securitização, no que diz res-
peito à relação com a imigração
(Rocha, 2015). O que se deve en-
tão fazer num contexto como es-
te, em que a UE se vê confrontada
com fluxos migratórios que muitos
vêm como indesejados, mas acerca
dos quais muitas elites políticas
parecem já manifestar uma opinião
diferente?
Em jeito de conclusão, refiram-
se as quatro soluções apontadas
por Ruhs e Van Hear (2013), que
os políticos podem tomar em con-
ta no que diz respeito à resposta à
imigração em massa causadora de
catástrofes humanitárias:
Acolher e dar proteção perma-
nente aos imigrantes, seguindo
desta maneira o que fica pres-
crito na Convenção de Genebra
no que diz respeito ao estatuto
de refugiado.
Dar um acolhimento temporá-
rio, admitindo um número limite
de refugiados.
Fechar fronteiras e não permitir
a entrada de refugiados ou imi-
grantes.
Escolher não fazer nada.
Se esta última opção se nos afigura
como irresponsabilidade completa
por parte das elites políticas, a
penúltima insere-se claramente na
lógica de securitização de que te-
mos vindo a falar e que tem sido a
predominante em muitos países. Já
as duas primeiras aproximam-se
mais da lógica de solidariedade,
que o Ministro Paolo Gentiloni
parece conceber como necessária.
Estas opções inserem-se, portan-
to, nas duas grandes visões que
temos vindo a analisar, uma que
vê a migração como invasão e
ameaça, a outra que a concebe
como um fenómeno que precisa
de encontrar as devidas respostas
humanitárias.
Mas com uma visão mais política/
humanitária lembramos o artigo
14º da Declaração Universal dos
Direitos Humanos que diz o se-
guinte:
“Toda a pessoa sujeita
a perseguição tem o direito
de procurar e de beneficiar
de asilo em outros países”.
A Convenção Relativa ao Estatuto
dos Refugiados reconheceu a di-
mensão internacional da questão
dos refugiados e a necessidade da
cooperação internacional. Entre-
tanto, a legislação internacional
reconhece o direito ao asilo, mas
não obriga os países a aceitá-lo.
O futuro da EU em geral, e da
Itália em particular, com a grande
quantidade de refugiados que tem
vindo a conhecer nas últimas dé-
cadas, deverá ser analisado de-
vidamente através das soluções
que estão ao seu alcance bem
como a União que pretendem
construir e as políticas de mi-
gração que mais se lhe ade-
quam.
Segundo dados da Guarda Cos-
teira Italiana desde Janeiro de
2015 já morreram em naufrá-
gios cerca de 900 pessoas, das
cerca de 11000 que efetuaram a
travessia desde o inicio do ano.
O Primeiro-ministro Italiano,
Senhor Matteo Renzi já solici-
tou uma reunião extraordinária
dos estados membros da EU a
fim de se estudarem soluções
para este gravíssimo problema.
Sabemos pela comunicação so-
cial que a reunião de emergên-
cia da EU deliberou 10 medidas
de combate ao problema da
migração do Magreb, espera o
autor que mais uma vez as deci-
sões da EU não se fiquem ape-
nas pela ajuda económica, mas
que se tomem medidas eficazes
de combate a este flagelo e a
toda a desumanização existente
nesta zona do globo.
(continuação na página seguinte)
Page 10 CEIPC — informa
Conclusões:
É mais necessário do que
nunca que a EU responda de
maneira adequada, aumentan-
do a solidariedade e partilhan-
do a responsabilidade ao nível
europeu
Palavras do Ministro dos
Negócios Estrangeiros Italia-
no, Paolo Gentiloni, numa
carta à chefe da diplomacia
europeia2.
Como vimos, este trabalho voltou
-se para um tema bastante atual e
importante, ou não fosse a tragé-
dia de Lampedusa apenas um entre
muitos casos, tendo os conflitos
recentes na Líbia contribuído para
que estes se fossem repetindo, em
maior ou menor escala, até ao
presente ano de 2015. Uma cuida-
da análise geoestratégica e geopo-
lítica, que abarque várias visões e
conceitos, é capaz de analisar devi-
damente tanto as causas e origens
como as consequências e possíveis
respostas políticas que estão dispo-
níveis para os políticos de cada pa-
ís. Colocar em diálogo as duas
principais visões, a que vê nas me-
didas de segurança a resposta mais
correta, e a que vê a lógica de soli-
dariedade como a mais necessária,
é um primeiro passo para compre-
ender na totalidade a complexidade
deste tema e para ser possível che-
gar-se a conclusões e respostas que
façam frente a um problema de tão
grandes dimensões.
Recentemente, a falta de apoio por
parte da União Europeia à ope-
ração Mare Nostrum, levou a
que o governo italiano optasse
pelo seu cessamento, e desse
início à operação Tritão(que
irá terminar em Dezembro de
2015), desta vez com ajuda da
agência Europeia Frontex
(Rocha, 2015), e cujos resulta-
dos estão ainda por avaliar. É
possível que o futuro da EU
passe, em parte, pelo tipo de
resposta que conseguir dar a
este problema humanitário e
os próximos anos serão, sem
dúvida, bastante importantes.
1Para ler mais sobre a Primavera
Árabe, consulte-se a coletânea de
artigos jornalísticos da autora Ma-
ria João Tomás, Da Primavera aos
Invernos Árabes.
2Ver Rocha (2015)
Américo Henriques
Page 11 CEIPC — informa
(continuação na página seguinte)
MISSÃO HUMANITÁRIA PORTUGUESA EM TIMOR LESTE
1999-2000
Antecedentes
Na sequência da consulta popular
realizada em 30 de agosto de
1999, que contou com a partici-
pação de 95% dos eleitores, num
total de mais de 447.000,o povo
timorense recusou a subjugação
às autoridades indonésias
Em reação a este resultado milí-
cias pró-integração, por vezes
com o apoio de elementos das
forças de segurança indonésias,
lançaram uma brutal campanha de
violência por todo o território,
incluindo mortes, violações, sa-
ques e incêndios.
Respondendo à solicitação da
ONU, Portugal organizou uma
Missão Humanitária de emergên-
cia e apoio ao povo irmão de Ti-
mor Leste.
Balanço da missão
A Missão partiu para Darwin
(Austrália), no dia 16 de setem-
bro de 1999. Não tendo autoriza-
ção das forças da ONU para se-
guir diretamente para Díli, só no
dia 26 de Setembro foi possível
iniciar a deslocação para o terri-
tório timorense.
Durante a nossa estadia e Darwin
os relatos que chegavam à Aus-
trália e ao Mundo davam conta
de uma tragédia humana de pro-
porções incalculáveis.
A ausência de meios aéreos dis-
poníveis para transporte de todo
o material e equipamento para
além de 92 passageiros com dife-
rentes missões no terreno deter-
minou o fretamento de uma aero-
nave de carga de grande capacida-
de (Antonov 214) e um “Lockeed
Tristar L -101.
Neste último avião embarcaram
92 pessoas, nomeadamente 62
elementos do Serviço Nacional de
Proteção Civil -SNPC e Serviço
Nacional de Bombeiros - SNB,
cinco do Ministério da Saúde, três
membros de ONG, um do Minis-
tério da Defesa, o representante
residente do Comissário em Ti-
mor, uma diplomata do MNE des-
tacada para a célula de ligação e o
Chefe da Delegação da Organiza-
ção Internacional das Migrações -
OIM em Lisboa, para além de 19
jornalistas.
Com a delegação portuguesa se-
guiram para Timor cerca de 5.000
rações de combate, peças sobres-
salentes para os automóveis que
viriam a ser utilizadas pela Mis-
são, 600 quilos de material médi-
co consumível que se iria juntar a
70 toneladas de material (um
hospital de campanha, cinco to-
neladas de medicamentos, ali-
mentos, tanques flexíveis, gerado-
res elétricos, quadros elétricos,
equipamento de canalização e de
apoio administrativo), e oito via-
turas de auxílio humanitário (três
ambulâncias, três prontos-
socorros e dois de apoio), que
ostentavam o dístico com a pala-
vra “Portugal”.
A Missão, foi preparada para,
nesta primeira fase, trabalhar de
forma mais ativa em três áreas:
1) Socorro de emergência e as-
sistência médica de urgência;
2) Distribuição de alimentos;
3) Apoio aos refugiados e deslo-
cados.
Page 12 CEIPC — informa
A Missão chegou a Díli nesse
mesmo dia , tendo-se instalado no
Colégio das Freiras Canossianas,
em Balide e de imediato, abriu um
posto de atendimento à popula-
ção.
O cenário que encontrámos era
dantesco. Uma cidade totalmente
destruída e saqueada com ruas
inteiras pejadas de lixo e não se
via um único Timorense porque
todos tinham fugido. Confirma-
mos depois que este era o cená-
rio de todo o território de Timor
Leste.
Ao fim de duas semanas em Díli,
dois grupos instalaram-se em Er-
mera, cerca de 40Km de Dili e na
ilha de Ataúro.
Em Ermera, localidade nas monta-
nhas a cerca de duas horas de
viagem da capital, treze elementos
da Missão Humanitária portugue-
sa prestaram assistência a uma
população carenciada de tudo.
Na ilha de Ataúro, em frente a
Díli, um grupo mais reduzido,
apenas sete elementos, encontrou
uma situação diferente da que se
verificava no território, os cerca
de sete mil e quinhentos habitantes
da ilha sofriam essencialmente das
consequências de uma situação de
isolamento, já que ali não se regis-
taram as cenas de barbárie que
marcaram dramaticamente aquele
período em Timor-Leste.
No próprio dia da chegada foram
atendidas mais de cem pessoas,
com alguns casos de lepra e diver-
sos tipos de tuberculose, no entan-
to, o número de consultas diminu-
iu consideravelmente e não se jus-
tificava a presença permanente da
equipa portuguesa na ilha.
A ilha passou a ser visitada sema-
nalmente pela equipa portuguesa
para acompanhamento de alguns
casos a necessitar de cuidados mé-
dicos periódicos.
Em 15 de novembro, outro grupo
da Missão Humanitária foi para o
enclave do Oe-Cusse, situado na
parte ocidental da ilha de Timor.
Esta equipa portuguesa foi a pri-
meira a chegar a Oe-Cusse, onde
as condições de vida da população,
nalguns casos ainda sujeita à violên-
cia das milícias, se degradavam
dia-a-dia. Ali apoiamos o resgate
de aproximadamente 40 000 Ti-
morenses que se encontravam
no lado da fronteira Indonésia.
A Missão, desenvolveu um traba-
lho intenso na recuperação do
hospital do enclave (com a preci-
osa ajuda do pessoal da Fragata
Vasco da Gama), nomeadamente
na cobertura do telhado total-
mente destruído pelas chamas. A
Missão participou também, ativa-
mente, na recolha de refugiados
(cerca de 60.000, com base nos
números da OCHA – Office of
Coordination of Humanitarian
Aid), através das fronteiras de
Bobometo, Citrana, Passabe e
Nitibe.
Por todo o território a Missão
Humanitária Portuguesa colabo-
rou no restabelecimento da
energia elétrica com o apoio de
pessoal da EDP, com a distribui-
ção de água, com o apoio de ele-
mentos das Aguas de Portugal,
dos Correios Comunicações
com o apoio de elementos dos
CTT e da PT, com a reconstru-
ção do Porto de Díli com a pre-
sença de técnicos Portugueses e
dos Aeroportos de Dili e de Bau-
cau com a liderança de técnicos
da ANA.
Foi a Missão Portuguesa que ins-
talou a normalidade dos serviços
Postais com o Apoio dos CTT e
o serviço Bancário, com a recu-
peração do edifico do BNU, que
tinha sido totalmente destruído e
a presença de técnicos e vários
funcionários da Caixa Geral de
Depósitos
Page 13 CEIPC — informa
(continuação na página seguinte)
Os serviços de Saúde foram rea-
valiados e totalmente reestrutura-
dos com a presença do Dr. Cipria-
no Justo, representante do Minis-
tério da Saúde de Portugal que
permaneceu em Timor varias se-
manas e orientou a sua reconstru-
ção, conjuntamente com outros
responsáveis internacionais.
Só na fase inicial de emergência a
Missão Humanitária distribuiu por
todo o território:
350 toneladas de arroz
1000 litros de Combustível às Fa-
lintil
2000 cobertores
6 000 rações de combate
4000 litros de óleo vegetal
Ao longo da Missão distribuímos
ainda:
50 000 chapas de zinco, pregos e
madeiras
400 camas articuladas
4 Aparelhos esterilizadores
1 Purificador de agua
40 toneladas de livros escolares
30 toneladas de peças de vestuá-
rio e calçado ( porta das Igrejas)
Milhares de pás, enxadas e picare-
tas
500 televisões, geradores e ante-
nas parabólicas
Em três meses a Missão de Portu-
gal apoiou a recuperação da vida
normal da sociedade Timorense,
através da Igreja, da sociedade
Civil, dos equipamentos referidos,
no apoio às Falintil e das ONG
num montante de investimento
superior a 4,5 milhões de euros.
Atuação da equipa de bom-
beiros
O grupo de bombeiros que in-
tegrou a missão tinha na esfera
das suas atribuições o ónus es-
pecifico de prestar socorro à
população (nas áreas do socor-
rismo e combate a incêndios) e
na formação técnica e organiza-
cional dos Corpos de Bombei-
ros nas localidades definidas de
Díli, Aileu e Baucau. Os bombei-
ros colaboraram no abasteci-
mento de água às populações,
lavagem de pavimentos, repara-
ções diversas, distribuição de
roupas; alimentos, chapas de
zinco, madeiras, ferramentas,
esteiras, brinquedos, eletrodo-
mésticos, livros, material didáti-
co, e até no transporte funerá-
rio (por não existir nenhum
serviço do género no territó-
rio).
À equipa de bombeiros foram
cedidos os espaços convenien-
tes para os futuros quartéis de
bombeiros em Díli, Baucau e
Aileu, tendo-se iniciado a for-
mação de bombeiros recrutas
timorenses (cerca de 90 e pro-
venientes das forças da FALIN-
TIL).
Esta nossa atuação levou a que
as UN tomassem consciência
da necessidade da existência
dessas forças de proteção de
pessoas e bens e em
2000/2001 já sob a égide das
Nações Unidas, instalamos
definitivamente 5 CB por todo
o pais.
Com uma equipa totalmente
composta por responsáveis
portugueses tive a honra de
coordenador essa Missão das
Nações Unidas e no final a
Page 14 CEIPC — informa
atuação dos bombeiros portugue-
ses, antes e depois da instalação
dos Corpos de Bombeiros foi
enaltecida e alvo de louvor publi-
co pela INTERFET e pela UNTA-
ET e pelas Nações Unidas
Dada a importância desta equipa,
e a dimensão do trabalho presta-
do, a Missão, coordenada e com o
apoio financeiro do Comissário
para o apoio à transição em Ti-
mor-Leste, decidiu enviar um ca-
mião de transporte com uma
equipa de salvamento e uma am-
bulância com uma enfermeira pa-
ra Oe Cusse onde acompanha-
mos o resgate e regresso a Timor
de mais de 60 000 mil Timorenses
que tinham fugido das represá-
lias .
O trabalho humanitário foi execu-
tado em conjunto com as ONG´s
Médicos do Mundo, AMI, Saúde
em Português, Oykos entre ou-
tras .
A partir de Dezembro, a equipa
começou a ser progressivamente
rendida, findo o período de 90
dias da Missão Humanitária Timor
99, sendo substituída por outra.
Atuação da equipa da saúde
A equipa da saúde enviada a Ti-
mor, no âmbito da Missão Huma-
nitária Timor ´99, era formada
por 3 médicos e 3 enfermeiros do
INEM, 3 enfermeiros da Cruz
Vermelha Portuguesa, 1 enfermei-
ra da organização não governa-
mental CIC e 3 técnicos de emer-
gência médica da Cruz Vermelha
Portuguesa integrados na equipa
do INEM.
No dia 26 de Setembro de 1999,
chegaram a Díli, os primeiros ele-
mentos da equipa da saúde da Mis-
são Humanitária Timor 99 (um
médico e um enfermeiro),que rapi-
damente puseram em funciona-
mento uma unidade médica.
Informados entretanto pela UNI-
CEF, entidade responsável pela
coordenação das organizações hu-
manitárias presentes em Timor, de
que à Missão Humanitária Timor
99, tinha sido destinado o antigo
hospital português, Dr. António
Carvalho, transformado em hospi-
tal militar durante a ocupação in-
donésia, foi feita uma primeira ava-
liação das instalações.
Encontrou-se um edifício mais ou
menos preservado na sua estrutu-
ra, mas muito danificado no inte-
rior e com todo o equipamento
total e intencionalmente destruído.
Recuperamos a sua quase totalida-
de, constitui-se uma unidade de
internamento pediátrico, recons-
truiu-se e equipou-se uma sala de
pequena cirurgia e iniciamos uma
consulta de Planeamento Famili-
ar, algo que não existia em Ti-
mor há duas décadas e meia .
Das reuniões diárias com os res-
ponsáveis da UNICEF, e tendo
em conta as especialidades dos
médicos presentes na Missão, foi
acordado que o trabalho desen-
volvido por esta equipa médica
seria mais importante na verten-
te cirúrgica, sem prejuízo das
outras solicitações da população .
Face às dificuldades de transpor-
te de doentes/vítimas que acorri-
am ao centro médico, e por
acordo com as autoridades de
segurança em Díli, as três ambu-
lâncias desta Missão passaram a
deslocar-se com frequência a
vários pontos da cidade e perife-
ria, recolhendo doentes com
dificuldade de locomoção, e rea-
lizando transferências de doen-
tes/vítimas para este ou outras
Page 15 CEIPC — informa
unidades hospitalares.
Os casos cirúrgicos devido a feri-
das por arma branca e/ou fogo, na
sua maioria Infetadas, os trauma-
tismos por quedas com fraturas, e
os casos de desidratação e desnu-
trição foram as situações que mais
frequentemente foram registadas
nesta unidade.
Considerou-se urgente melhorar
as condições de salubridade da
água, e iniciar um plano geral de
vacinação , orientado e coordena-
do pela UNICEF e OMS e estabe-
leceram-se protocolos de trata-
mento da tuberculose pulmonar, a
serem acordados com a OMS e
UNICEF, no sentido de se atingir
uniformidade entre todas as orga-
nizações empenhadas nos cuida-
dos de saúde.
Desde o dia 25 de Outubro, a
Missão tinha em funcionamento
seis centros de atendimento médi-
co em diversas localidades de Ti-
mor-Leste (Maubisse, Hato- Buili-
ko, Ermera e em Díli), com dez
médicos e sete enfermeiros.
Foram contratados 31 outros
elementos, todos timorenses,
entre quais enfermeiros, técnicos
de raio X e pessoal de apoio.
O Hospital Dr. António Carva-
lho parcialmente recuperado
encontrava-se a funcionar em
Dezembro de 1999 com 28 ca-
mas, essencialmente de pediatria.
Para reforçar as equipas de saú-
de da Missão, partiram no dia 18
de Novembro para Timor-Leste,
mais quatro enfermeiros prove-
nientes do Hospital Pediátrico D.
Estefânia, em Lisboa.
Não tenho estatística correta
sobre a assistência prestada por-
que acho que não seria possível
fazê-la, dado que os médicos e
enfermeiros portugueses come-
çavam a dar consultas as 7 horas
da manha e terminavam noite
fora à luz de velas e geradores.
À porta da Missão Portuguesa
nas Madres Canossianas junta-
vam-se, diariamente, centenas de
pessoas que pediam ajuda para
lhes localizarmos os seus familia-
res, transportamos os seus fami-
liares falecidos ( ninguém ajudava
a população neste processo),
para as suas localidades no inte-
rior do território pediam agua ,
arroz ou farinha, medicamentos
para a suas maleitas, consultas
para as suas crianças ou simples-
mente uma palavra amiga dita na
língua que eles não quiseram
esquecer: o Português.
Nos dias a seguir á nossa chega-
da, chegavam a Dili vindos das
montanhas , cerca de 200 pesso-
as por hora e todos queriam
chegar à Missão Portuguesa ins-
talada em Balide.
O regresso ocorreu a 9 de De-
zembro de 1999, no mesmo avi-
ão em que chegou para uma visi-
ta oficial a Portugal, o Coman-
dante das Falintil, Taur Matah
Ruak (actual Presidente da Repú-
blica de Timor Leste).
A Missão foi substituída por no-
vos elementos que ficaram até
Março de 2000 em continuação
de um trabalho e dedicação ím-
par que conduziu á recuperação
de um território totalmente des-
truído e de uma população que
sofreu um genocídio terrível mas
sempre se soube manter fiel ás
suas tradições e á sua história
onde, nos seus corações Portu-
gal teve e continua a ter sempre
um papel destacado.
Rui Silva
Coordenador da Missão Humanitá-
ria em Timor Leste 1999/2000
CENTRO DE ESTUDOS E INTERVENÇÃO EM PROTECÇÃO CIVIL
“O CEIPC tem por
objetivo a produção
e divulgação de infor-
mação, bem como a
realização de estudos
e trabalhos de inves-
tigação que contribu-
am para a construção
de uma cidadania
responsável e inter-
ventiva, no âmbito da
proteção civil”
Artigo 3.º dos Esta-
tutos
fff
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