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1 Cenários Geopolíticos e Tendências de Longa Duração : implicações para a competição internacional, para a Grande Estratégia brasileira e para a Integração Sul-Americana Lucas Kerr de Oliveira Bruno Magno Besna Rodriguez Yacovenco Patrícia de Freitas RESUMO O objetivo deste artigo é analisar como as principais tendências geopolíticas das primeiras décadas do século XXI influem nos desafios para a Grande Estratégia do Brasil e para a Integração Regional na América do Sul. Entende-se como as principais tendências geopolíticas (KERR OLIVEIRA, et al, 2017) que tem impulsionado as transformações do Sistema Internacional: (I) a consolidação de uma multipolaridade desequilibrada e competitiva, marcada pela horizontalização das capacidades militares e processos de difusão tecnológica e digitalização (MARTINS, 2008). Este processo é marcado pela substituição dos confrontos armados diretos (tradicionais) por conflitos mais indiretos e regionais, cujas disputas se mostram progressivamente mais institucionalizadas nas organizações multilaterais (SOARES DE LIMA); (II) a intensificação da competição global pelo controle dos recursos energéticos, especialmente dos recursos finitos como petróleo, gás natural e minérios radioativos (KLARE, 2012); (III) o aumento da competição inter-regional diante da tendência de formação de formação de blocos regionais e de integração regional. Estas são variáveis relevante para o debate sobre a construção de uma Grande Estratégia Brasileira no século XXI. Historicamente o Brasil, em situações de transição e crise do Sistema Internacional, recorrentemente buscou reconstrução de suas capacidades através da sua inserção na América do Sul. Assim, sustenta-se a hipótese de que o Brasil necessita ampliar suas capacidades diplomáticas, econômicas e de defesa para responder os desafios impostos pelas tendências aqui analisadas, estabelecendo uma Grande Estratégia mais eficiente, que permita fortalecer o processo de Integração Sul- Americano no longo prazo. Por fim, espera-se demonstrar que independentemente dos possíveis perfis que o processo de transição do Sistema Internacional possa adotar, a opção pela inserção estratégica brasileira a partir da América do Sul, com a consolidação do processo de integração regional, ainda se constitui como melhor opção para a manutenção da soberania e da autonomia brasileira no Sistema Internacional. INTRODUÇÃO

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Cenários Geopolíticos e Tendências de Longa Duração : implicações

para a competição internacional, para a Grande Estratégia brasileira e

para a Integração Sul-Americana

Lucas Kerr de Oliveira

Bruno Magno

Besna Rodriguez Yacovenco

Patrícia de Freitas

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar como as principais tendências geopolíticas dasprimeiras décadas do século XXI influem nos desafios para a Grande Estratégia doBrasil e para a Integração Regional na América do Sul. Entende-se como as principaistendências geopolíticas (KERR OLIVEIRA, et al, 2017) que tem impulsionado astransformações do Sistema Internacional: (I) a consolidação de uma multipolaridadedesequilibrada e competitiva, marcada pela horizontalização das capacidades militares eprocessos de difusão tecnológica e digitalização (MARTINS, 2008). Este processo émarcado pela substituição dos confrontos armados diretos (tradicionais) por conflitosmais indiretos e regionais, cujas disputas se mostram progressivamente maisinstitucionalizadas nas organizações multilaterais (SOARES DE LIMA); (II) aintensificação da competição global pelo controle dos recursos energéticos,especialmente dos recursos finitos como petróleo, gás natural e minérios radioativos(KLARE, 2012); (III) o aumento da competição inter-regional diante da tendência deformação de formação de blocos regionais e de integração regional. Estas são variáveisrelevante para o debate sobre a construção de uma Grande Estratégia Brasileira noséculo XXI. Historicamente o Brasil, em situações de transição e crise do SistemaInternacional, recorrentemente buscou reconstrução de suas capacidades através da suainserção na América do Sul. Assim, sustenta-se a hipótese de que o Brasil necessitaampliar suas capacidades diplomáticas, econômicas e de defesa para responder osdesafios impostos pelas tendências aqui analisadas, estabelecendo uma GrandeEstratégia mais eficiente, que permita fortalecer o processo de Integração Sul-Americano no longo prazo. Por fim, espera-se demonstrar que independentemente dospossíveis perfis que o processo de transição do Sistema Internacional possa adotar, aopção pela inserção estratégica brasileira a partir da América do Sul, com aconsolidação do processo de integração regional, ainda se constitui como melhor opçãopara a manutenção da soberania e da autonomia brasileira no Sistema Internacional.

INTRODUÇÃO

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O objetivo deste artigo é analisar os principais desafios para a inserção

internacional estratégica do Brasil em um Sistema Internacional em transição. Dessa

forma, sustenta-se a hipótese de que a inserção na América do Sul é uma constante nos

objetivos estratégicos brasileiros desde o período colonial e que, no momento atual, se

torna ainda mais premente, seja para aumentar o poder de barganha brasileiro em arenas

multilaterais, seja para ampliar suas capacidades.

Deste modo, procurou-se identificar as principais tendências geopolíticas, que

tem impulsionado as grandes transformações do Sistema Internacional. A partir da

identificação destas forças, é possível notar que a principal tendência consiste no

aprofundamento ou acirramento da competição interestatal internacional, seja no campo

diplomático, seja na área securitária. Esta é uma variável bastante relevante para a

discussão sobre a formulação de uma Grande Estratégia Brasileira no século XXI e sua

consequente inserção internacional. Este debate se torna ainda mais urgente se

considerarmos a conjuntura atual do Sistema Internacional e a possível emergência de

um mundo pós globalização.

Sendo assim, em primeiro lugar é apresentado alguns antecedentes históricos da

aproximação brasileira com a América do Sul e sua relevância geopolítica. Em seguida,

são apresentados, de forma breve, as principais tendências geopolíticas de longa

duração consideradas determinantes para a inserção e a defesa da soberania brasileira.

São elas: (I) A institucionalização dos conflitos na arena internacional em oposição a

horizontalização das capacidades em um Sistema Internacional multipolar em transição;

(II) a intensificação da competição global pelo controle dos recursos energéticos e, por

fim, (III) o aumento da competição global entre as grandes potências diante dos

processos de formação de blocos regionais, que podem vir a se constituir em novos

polos do sistema internacional.

Por fim, espera-se demonstrar que independente dos possíveis perfis que o

processo de transição do Sistema Internacional possa adotar, a opção pela inserção

estratégica brasileira a partir da América do Sul ainda constitui como melhor opção para

a manutenção da soberania brasileira no sistema.

Para atingir estes objetivos, se utiliza do conceito de Grande Estratégia,

conforme apresentado por Celso Amorim (AMROIM, 2016):

“O conceito de grande estratégia remete à necessidade de emprego detoda a gama de recursos à disposição do Estado, e não apenas dosrecursos militares, para a manutenção de sua segurança, seja durante

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um conflito, seja para garantir a paz em termos que lhe sejamfavoráveis. De um modo genérico, grande estratégia é definida comoa correspondência entre os meios e as finalidades políticas de umEstado nos planos interno e externo. Do nosso ângulo, importasublinhar a lógica da coordenação entre diferentes órgãos de Estadocom vistas à proteção da soberania do Brasil e à sua projeção pacíficano mundo. Nesse sentido, Defesa e Relações Exteriores, militares ediplomatas, são os responsáveis mais diretos pela execução dessastarefas. Mas elas se realizam sobre a base de fatores econômicos,sociais e culturais.” (AMORIM, 2016, p. 133).

Considera-se que a sustentabilidade da Grande Estratégia pode ser uma variável

determinante para analisar a capacidade de um Estado qualquer de transformar poder

potencial em poder concreto, especialmente recurrsos de poder em poder militar

relativo. Neste contexto, a capacidade de ampliar seu poder relativo ou ampliar suas

capacidades gerais (militares, econômicas, diplomáticas, tecnológicas) em termos

relativos, de forma sustentável no tempo, pode ser considerado um critério relevante

para avaliar as perspectivas para que um Estado se torne e/ou se mantenha como uma

grande potência, sendo assim reconhecido entre as demais potências mundiais.

Neste contexto, é possível delimitar que os Estados Unidos, os países do grupo

BRIC (Brasil, China, Rússia e Índia), são os únicos cinco países que se encontram

simultaneamente em quatro importantes listas de avaliação de recursos de poder e de

capacidades, como a (I) lista dos dez maiores territórios do mundo, (II) das dez maiores

populações totais, (III) entre as dez maiores economias do mundo (considerando o PIB

pareado pelo poder de compra), e ainda, estão na lista dos (IV) dez maiores

consumidores de energia primária total, incluindo os (V) dez maiores consumidores de

petróleo e (VI) dos dez maiores consumidores energia elétrica (KERR OLIVEIRA,

2012). Portanto, são os cinco países que, na atualidade, parecem ter as melhores

condições de consolidar uma Grande Estratégia, que lhes permitam sustentar

logisticamente suas respectivas estratégias de competição internacional no século XXI.

Ademais, como demonstrado por Quedi Martins (2013) importa considerar o papel de

outras potências regionais, como Inglaterra, França, Alemanha, Japão e Turquia, que

possuem recursos de poder e capacidades consideráveis, com peso regional e relevância

para a governança mundial.

A Grande Estratégia do Brasil na atualidade pode ser sintetizada como o

conjunto de políticas voltadas para a construção gradual e pacífica de um mundo

multipolar, em que a inserção internacional brasileira se torne mais favorecida

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(BRANDS, 2010, p 3-5). Em linhas gerais, o Brasil estaria se utilizando, especialmente

durante o governo Lula (2003-2010) de táticas comumente utilizadas por outras

potências médias (BRANDS, p.4 e 16-28), como o multilateralismo e a construção de

coalizões, consolidando sua participação e influência em organizações multilaterais

globais ou regionais, estabelecendo redes de alianças políticas e comerciais bilaterais ou

multilaterais, aumentando a flexibilidade estratégica da Política Externa brasileira.

Brands destaca ainda a liderança brasileira em uma América do Sul mais unida como

outro procedimento para aumentar a base regional de poder visando alçar

reconhecimento em escala global. O autor identifica ainda quatro grandes tipos de

problemas ou desafios para o Brasil continuar sua Grande Estratégia (BRANDS, 2010,

p. 4-5): (I) constrangimentos econômicos envolvendo a infraestrutura deficiente do país,

a alta criminalidade, o excesso de impostos e a regulação à economia (BRANDS, 2010,

p. 32-37); (II) as dificuldades da elite política brasileira para lidar com a ideia da

necessidade de arcar com os custos da integração regional e de dividir os benefícios da

integração regional com os parceiros mais pobres (p. 37-42); (III) Brands considera

como problemática a formação de múltiplas “alianças estratégicas” e coalizões amplas

demais, com interesses claramente divergentes entre os países membros (BRIC, IBAS)

e que dificilmente evoluiriam para além de questões comerciais ou políticas pontuais (p.

42-47); e (IV), o risco de que uma política multilateralista e independente, caso não seja

bem implementada e cuidadosa, resulte em atritos desnecessários com os EUA em

questões sensíveis, que vão desde a política comercial até a diplomacia para o Oriente

Médio, envolvendo o Irã, ou ainda, o papel diplomático e militar dos EUA na América

Latina (p. 47-54).

A apreciação dos elementos mais relevantes considerados na descrição analítica

de Brands (2010) permite verificar que o autor apresenta alguma dificuldade para ver o

Brasil como um país com autonomia estratégica e de política externa em relação aos

interesses dos EUA. O autor também apresenta alguma dificuldade para perceber que o

Brasil, enquanto país emergente, apresenta inúmeros interesses comuns aos de outros

países emergentes participantes de coalizões como os BRICS e o IBAS. Por outro lado,

a análise de Brands acerta no diagnóstico de que uma parcela conservadora da elite

brasileira tem sérias dificuldades para lidar com a ideia de que o Brasil terá que arcar

com os custos da integração sul-americana, inclusive de investir na construção da

infraestrutura e no desenvolvimento econômico e social dos parceiros menores

envolvidos na integração regional. Esta dificuldade parece ser das mais graves quando

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se considera o quão vital é a integração regional para o Brasil e os países sul-americanos

obterem mais soberania.

A sustentabilidade da estratégia brasileira depende, de um lado, da conquista e

manutenção de uma elevada margem de manobra política e estratégica para estabelecer

alianças e processos de cooperação, que só será possível com o fortalecimento da

soberania nacional. De outro, significa que o país terá que viabilizar o fortalecimento do

processo de integração sul-americano, inclusive a integração energética e produtiva,

para fortalecer a soberania e a autonomia do conjunto dos países do continente. Ao

mesmo tempo, será necessário ampliar a capacidade de investir em pesquisa e inovação

de forma a viabilizar a ampliação da autonomia tecnológica e produtiva. Neste contexto,

torna-se determinante o processo de decisão referente ao planejamento e implementação

de uma estratégia energética eficiente e sustentável, que favoreça a integração regional e

o desenvolvimento econômico e social. Portanto, as escolhas que o país fará na área

energética, serão determinantes para o sucesso ou fracasso da grande estratégia

brasileira (KERR OLIVEIRA, 2012).

FIGURA 1. – MAPA DO BRASIL NO CONTEXTO DA AMÉRICA DO SUL E DO ATLÂNTICO

SUL

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A América do Sul e o Atlântico Sul aparecem como regiões prioritárias para a Grande Estratégia do Brasil. MapaAzimutal Equidistante centrado em Brasília, DF. Fonte: KERR OLIVEIRA (2012).

Ademais, considera-se que as possibilidades de sucesso da Grande Estratégia

brasileira dependem fundamentalmente da capacidade que o país terá, no médio e longo

prazo de liderar e arcar com os custos da Integração Regional Sul-Americana (CEPIK,

2008; KERR OLIVEIRA, 2012; KERR OLIVEIRA, CEPIK & BRITES, 2014).

Antecedentes Históricos

Apesar dos diferentes perfis de inserção internacional que o Brasil buscou ao

longo da história, é possível identificar algumas tendências constantes na formulação de

sua grande estratégia. Pode-se considerar que, estas tendências seja o mais próximo de

uma política de Estado que se construiu ao longo dos séculos. Estas tendências dizem

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respeito à defesa da soberania da faixa litorânea e dos mares territoriais e das sucessivas

tentativas de aproximação com os vizinhos e liderança regional.

Estas duas tendências possuem suas raízes geopolíticas mais remotas no próprio

processo de colonização brasileiro a partir do litoral e no conceito de insulamento

geográfico. Ainda no período das Bandeiras já era possível identificar o interesse

português de expansão ao oeste para além do delimitado no Tratado de Tordesilhas.

Apesar do movimento bandeirante muitas vezes ser considerado independente da

metrópole, Synesio Sampaio Goes Filho identifica, a partir de historiadores lusos como

Jaime Cortesão, a orientação de Lisboa no reconhecimento e na ocupação territorial das

novas terras se utilizando do conhecimento guarani e do antigo mito da Ilha-Brasil

(GOES FILHO, 2015). Segundo Cortesão:

“Seria errado [...] supor que todas as bandeiras e todos os bandeirantesobedecessem estritamente a objetivos econômicos, sem a menor consciênciada política e das realizações geográficas que a expansão das bandeirasentranhava. Houve também, ora anterior ora conjuntamente com os ciclos dacaça aos índios e da busca do ouro, aquilo que poderíamos chamar umapolítica de realização da ilha-Brasil” (CORTESÃO apud GOES FILHO,2015, p. 141).

Com efeito, a coroa portuguesa passa a partir desse momento expandir sua

ocupação para oeste baseados em informações e manipulações cartográficas de modo a

buscar ocupar esta Ilha Brasil. Este preceito geopolítico irá guiar tanto as disputas com

os espanhóis, quanto a própria formação territorial do Brasil moderno. Ainda segundo

Goes Filho:

“os lusos, desde o primeiro quartel do primeiro século da colonização,procuraram moldar sua colônia americana numa forma geográfica orgânica,com fronteiras naturais.[...] Tudo revelando o desejo português de que a ilhaBrasil ficasse inteiramente na sua parte do continente.[...] Que os portuguesessempre procuraram dar uma forma compacta e com limites nítidos à colônia,não há dúvida. Não bastassem os resultados práticos dessa políticaexpansionista, que não seriam possíveis sem o Governo, há váriosdocumentos oficiais que provam a determinação estatal de expandir o Brasilaté fronteiras naturais convenientes” (GOES FILHO, 2015, pp. 146-147)1.

O impulso inicial de expansão territorial a oeste acabaria por informar a

concepção geopolítica e as inciativas do período do Reino Unido e do Império. Em

última análise esse quadro pode ser considerado como parte das raízes ancestrais dos

1 Em última análise, a tentativa luso-brasileira de tornar real o mito da ilha Brasil, dentro de uma concepção de Estudos Estratégicos mais atual, poderia ser equiparada ao conceito do poder parador da água (stopping power of water) de John Mearsheimer (2001).

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projetos de integração latino-americana e posteriormente sul-americana. Como observa

Severino Cabral:

“Trata-se na verdade do fato de que antes de ser visto como um Estado, oBrasil já havia nascido como nação, irmanada com o mundo hispano-americano. Mais do que isso: antes do sonho bolivariano e antes de Monroe,o mundo ibero-americano viveu a união das duas coroas e a antecipação dasua possível e necessária unidade (CABRAL, 2004: 211).

De fato, para além da União Ibérica (1580-1640) ou do Reino Unido de Brasil e

Portugal (1815-1822), a política bragantina buscou ativamente unir os territórios

ibéricos ultramarinos, seja pela tentativa de aclamar Carlota Joaquina como a legítima

rainha da Espanha durante a ocupação napoleônica da Península Ibérica, seja pela

tentativa de atrair as colônias espanholas para uma união com a coroa brasileira em

contraposição à tentativa de Fernando VII de recolonizar a América Hispânica

(MACARTHY MOREIRA, 2009; ALAMZÁN LOZIER, 2011). Esse impulso veria seus

últimos estertores na tentativa frustrada de Dom Pedro I de unificar as coroas

portuguesa e espanhola no intento de construir um grande império sul-americano de

caráter ibero-americano, sob o controle da dinastia de Bragança (BRANCATO, 1999).

Estas tentativas expansão, anexação ou união territorial progressivamente deram

lugar a soluções políticas e acordadas. Estas soluções teriam como objetivo melhor

posicionar territorialmente o Brasil, seja no sentido jurídico, no sentido geopolítico, ou

no sentido político diplomático no coração da América do Sul. Entretanto, para além

destes objetivos, também se buscava, através do consentimento e da cooperação dos

vizinhos evitar interferências extra regionais. E esta é a tendência observada a partir do

pacto ABC2 (1915), que procurava arrefecer as tensões platinas e excluir potências extra

regionais da resolução de disputas entre as partes (GRANATO, 2012; BARNABÉ,

2014). Apesar de posteriormente a Argentina não ratificar o acordo sob alegações de que

na realidade traria um desequilíbrio entre os países latino-americanos e que

representaria em última instância a realização de uma política estadunidense (DULCI,

2013; HEINSFELD, 2012) estas tentativas de aproximação persistiram. Durante o

primeiro governo Vargas (1930-1945) houve um novo impulso de aproximação com a

Argentina corporificado em uma série de tratados e na construção da ponte entre

Uruguaiana e Passo de los Libres, a resolução da Guerra do Chaco (1932-1935), durante

o segundo governo Vargas (1951-1954) a tentativa infrutífera de resgatar o Pacto ABC,

2 Argentina, Brasil e Chile ou Tratado de Cordial Inteligência Política entre os Estados Unidos do Brasil, a República do Chile e a República Argentina.

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posteriormente no governo Kubitscheck o lançamento Operação Pan-americana (1958)

em oposição à proposta estadunidense da Aliança para o Progresso, a constituição da

ALALC (1960), o acordo nuclear entre Brasil e Argentina (1991), para citar os

principais eventos (GRANATO, 2012; SILVEIRA, 1997; ALMEIDA, 1998; MAGNO,

IVES & FEDDERSEN, 2014; OLIVEIRA, 1996). Este processo culminou com a

criação do MERCOSUL (1991) e, posteriormente, a UNASUL (2008) e a aclamação

deste acúmulo histórico em forma de política de Estado no artigo quarto em seu

parágrafo único da constituição de 19883 (CABRAL, 2004; COSTA, 2003).

Obviamente, este percurso também foi marcado por desentendimentos,

incertezas e insegurança. Entretanto, o que se busca demonstrar é a tendência histórica

da busca brasileira pela consolidação de um espaço latino-americano ou sul-americano,

a depender da perspectiva e do período histórico. Este processo é resultante da

necessidade, incialmente de garantir profundidade estratégica em um território

espremido pela linha de Tordesilhas pela faixa litorânea e, posteriormente pela

necessidade de garantir um ambiente regional favorável à revelia das alterações e

flutuações do Sistema Internacional4.

Deste modo, sustenta-se que, qualquer projeto brasileiro de inserção

internacional que leve em conta os seus objetivos estratégicos historicamente, devem

levar em consideração a sua inserção na América do Sul ou Latina, sob pena de

abandonarmos um acúmulo histórico de política externa de mais de quatro séculos e um

dos únicos consensos programáticos que perduraram pela maior parte da história do

país.

A institucionalização dos conflitos na arena internacional em oposição a

horizontalização das capacidades em um Sistema Internacional multipolar em

transição

O período último do processo de integração sul-americana testemunhou a

consolidação da UNASUL. Este intervalo coincidiu com a ascensão dos países

emergentes, mais especificamente dos BRICS. O Sistema Internacional que engendrou

estes fenômenos estaria caracterizado pela vitória estadunidense sobre a URSS durante

3 A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. (BRASIL, 1988, art 4º Parágrafo Único)4 Evidentemente, existem outros motivos, como a questão da escala econômica, similaridades culturais, entre outros. Porém, para as finalidades deste artigo, acredita-se que estes dois fatores sejam os primordiais.

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a guerra fria. Em outras palavras, segundo Maria Regina Soares de Lima e Daniel

Castelan (2012), um Sistema Internacional caracterizado pela vitória do modelo liberal

de globalização e uma ordem política unipolar centrada nos EUA. Neste cenário os

objetivos dos países dos BRICS seriam dois nesta aliança, desconcentrar o poder

decisório das instituições internacionais e defender a autonomia nacional na formulação

de políticas econômicas (LIMA, CASTELAN, 2012). Nesse sentido, o processo de

integração sul-americana em andamento neste período, para o Brasil, estaria relacionado

com estes objetivos na arena internacional. Por um lado, a escala que o continente sul-

americano proporcionaria impulsionaria a economia, por outro a construção de uma

rede de aliados para atuar na arena internacional defendendo interesses comuns.

A ascensão dos emergentes estaria relacionada a crescente interdependência

econômica provocada pelo processo de globalização. Este fenômeno abriria espaço para

que os grandes emergentes, principalmente os BRICS, granjeassem uma capacidade de

veto player de de sistemas multilaterais e, através de ação coordenada, poderiam

cumprir seus dois principais objetivos supracitados. Lima e Castelan (2012) ainda

observam que, mesmo os países dos BRICS possuindo grandes diferenças entre si, o seu

poder de veto permitiu que resguardassem sua autonomia em matéria de políticas

econômicas, políticas estas que fugiam ao consenso que prevalecia em décadas

anteriores. Desse modo, o sistema internacional estaria em um momento de transição e

em uma era de globalização do capitalismo e mercados interdependentes, onde o palco

central dos conflitos entre os países, não seria mais o da arena militar, mas sim se daria

na esfera das instituições internacionais e em torno de suas regras, naquilo que se

denominou o processo de institucionalização dos conflitos (LIMA, CASTELAN, 2012).

Apesar dos autores corretamente identificarem que, as demandas dos BRICS

neste momento de transição não significam um desafio à ordem liberal5, o fenômeno da

ascensão dos BRICS, que por um lado permitiu a institucionalização dos conflitos,

também está associado a outro processo de longa duração: a tendência relativa de

horizontalização das capacidades militares entre as grandes potências.

Esta tendência advém da 3ª revolução industrial ou científico - tecnológica e tem

como resultado o processo de digitalização do campo militar (MARTINS, 2008;

ÁVILA, MARTINS & CEPIK, 2009). Ou seja, o mesmo processo que permitiu a

5 Segundo Lima e Castelan (2012), estas demandas seriam baseadas no liberalismo do pós-Segunda Guerra caracterizado pelo equilíbrio entre a abertura econômica, salvaguardas nacionais e proteção social, ou seja, dependentes de um ambiente de livre-mercado e da manutenção de valores ocidentais como referência para o Sistema Internacional.

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disseminação da base industrial para os países semiperiféricos, a consolidação de um

Sistema Internacional interdependente, a ascensão dos emergentes e o triunfo da

globalização, também é responsável pela disseminação da tecnologia militar e a

consequente horizontalização de capacidades militares. Se por um lado possuímos um

cenário de institucionalização de conflitos afastando o risco de uma confrontação

central, por outro guerras locais e/ou guerras proxies se tornam mais factíveis

(MARTINS, 2008; OLIVEIRA, 2012).

Caso isso ocorra, as devastadoras guerras centrais entre as grandes potências,

que historicamente serviram para reescalonar e reequilibrar a correlação de forças entre

os polos de poder do sistema internacional, podem vir a ser substituídas (parcial ou

totalmente) por um enfrentamento indireto, permeado de guerras locais e regionais

(MARTINS, 2008). Estas guerras locais seriam travadas principalmente entre as grandes

potências e Estados ou regiões que são áreas de influência ou não são reconhecidos

como potências, portanto, objeto das disputas entre os principais polos de poder do

sistema internacional. Em um contexto internacional competitivo e instável torna-se

mais provável a ocorrência de disputas por áreas de influência entre os polos de poder

do sistema internacional, em que o controle de recursos naturais estratégicos, em

especial os energéticos, continuará sendo objeto de disputa entre as potências que

buscam acumular mais poder em termos relativos (OLIVEIRA, 2012).

Este panorama torna prioritária a continuidade da inserção internacional

brasileira na América do Sul. Esta política revela-se de suma importância para garantir a

profundidade estratégica brasileira, seja no cenário da institucionalização de conflitos,

em que a aliança com os vizinhos permitiria ampliar o poder de barganha brasileiro na

arena internacional, seja no cenário de ameaças nas esferas de segurança e defesa.

A intensificação da competição global pelo controle dos recursos energéticos

A urbanização e a industrialização dos países periféricos, subdesenvolvidos e

emergentes, apresentam como consequência direta o crescimento da renda e da

demanda por recursos naturais, especialmente alimentos e energia. Com o aumento da

demanda global por energia nas próximas décadas, torna-se progressivamente mais

provável a ocorrência de tensões, crises e conflitos entre os países exportadores de

energia e os maiores importadores (KLARE, 2001; OLIVEIRA, 2012; FUSER, 2013).

No caso da América do Sul este cenário também pode ser observado, não só

como desafio, mas também como oportunidade. Em um passado não muito distante, o

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potencial hidrelétrico da bacia do Paraná representou uma das principais disputas entre

Brasil e Argentina, a questão Itaipu-Corpus. O que antes consistia em uma dura disputa

diplomática com um grande potencial para o tensionamento e escalada, a partir do

acordo de compatibilização das duas hidrelétricas em 1979, inaugurou um novo período

de aproximação e cooperação entre Brasil e Argentina (MELLO, 1996). Do mesmo

modo, em períodos mais recentes, no que tange à Venezuela e à Bolívia, a cooperação

energética gera oportunidades de construção de laços de interdependência, como nos

casos do gasoduto Brasil-Bolívia e o abastecimento de Boa Vista com energia

proveniente de Guri (COUTO, 2013).

Segundo Leandro Couto (2013), a integração sul-americana via infraestrutura é o

que pode efetivar uma verdadeira parceria estratégica entre o Brasil e o restante da

América do Sul. Entretanto, os projetos executados através da IIRSA, careceriam de

orientação estratégica, pois muitas vezes deixariam em segundo plano projetos

prioritários para favorecer os mais rentáveis para os atores privados envolvidos

(COUTO, 2013). Ainda segundo o autor seria através dos projetos de integração de

infraestrutura energética que se alcançaria uma parceria estratégica regional:

“A integração energética, mais ainda, implica não apenas um contato entreterritórios, mas uma relação comercial de longo prazo em torno de um bemestratégico. Cria, pois, uma parceria estratégica na qual o objetivo passa a sera garantia de provimento, de um lado, e a potencialização dos benefíciosauferidos pela transação de um recurso estratégico em termos dedesenvolvimento endógeno de outro” (COUTO, 2013, p. 209).

Entretanto, para a efetivação de uma parceria harmoniosa devem-se observar as

disparidades entre os países da região. Couto observa a grande disparidade na balança

comercial, favorável ao Brasil, a carência de investimentos brasileiros na região e a

grande disparidade econômica e populacional entre o Brasil e os vizinhos. Estas

assimetrias podem ser exemplificadas no relacionamento entre Brasil e Bolívia em torno

do gasoduto. Enquanto o gás representa 40% de todas as exportações bolivianas e o

Brasil consome 95% desse total. Do mesmo modo, para o Paraguai a energia consumida

pelo Brasil em Itaipu representa 50% de todas as importações brasileiras de produtos

paraguaios (COUTO, 2013).

Nesse sentido, as rivalidades históricas e as disparidades hodiernas, representam

um grande desafio para a integração sul-americana. Samuel Pinheiro Guimarães (2005)

propõe a integração sul-americana como um dos principais eixos da inserção

internacional brasileira, com o objetivo de constituir um bloco econômico e político.

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Entretanto, este relacionamento deve se dar de forma não hegemônica “com

mecanismos de compensação e com processos efetivos de redução de desigualdades

entre os Estados da região” (GUIMARÃES, 2005, p. 294).

Questões energéticas e a disputa por recursos naturais também são alvos de

competição e disputas no Sistema Internacional como um todo. Considerando que as

grandes potências são os maiores consumidores de energia do mundo, pode-se

vislumbrar que estas venham a se envolver nas principais disputas pelo controle de

recursos energéticos nas próximas décadas. Consequentemente, tendem a aumentar as

chances de ocorrência de novas guerras por recursos energéticos, especialmente por

petróleo na medida em que as grandes potências tentem controlar cada vez mais

diretamente as reservas de recursos energéticos dos países fornecedores (KLARE, 2003;

OLIVEIRA, 2011).

Não é à toa que a proteção dos recursos naturais, especialmente da Amazônia

Azul, ganhou destaque na Estratégia Nacional de Defesa (2008) e no Livro Branco de

Defesa Nacional (2012). A defesa dos recursos naturais também se tornou prioridade

para os demais países da América do Sul, como é possível constatar através do Estatuto

do Conselho de Defesa Sul-Americano da UNASUL (2008) em seu artigo 3, alínea j6. E

é também sob a liderança da diplomacia brasileira que a defesa da reivindicação

Argentina e o cumprimento das resoluções da ONU de 1965 se tornaram consenso para

toda a América Latina, como é possível constatar pelas reuniões de cúpula da

UNASUL, Mercosul, CELAC e ALADI (PAMPLONA, 2012; MERCOPRESS, 2015)

Esta análise mostra-se pertinente, até aqui, para demonstrar a importância do Pré-Sal na

mudança de percepção de ameaças por parte do Brasil, assim como da importância da

inserção brasileira na região sul-americana no campo da segurança e defesa, para a

garantia da paz, estabilidade e soberania da região. Neste sentido, importa destacar que

o principal consenso atingido até o presente momento na UNASUL envolvendo os

debates relativos à percepção de ameaça, é justamente referente à criação de uma

estratégia comum para assegurar a soberania dos países sul-americanos sobre os seus

respectivos recursos naturais e energéticos, expressa no Estatuto do Conselho de Defesa

da UNASUL e aqui exemplificada pela fala do Secretário-Geral Ali Rodriguez Araque:

"(...) ter um continente com potencial de recursos naturais e ter o resto domundo exigindo esses recursos naturais, razoavelmente nos leva a crer que

6 Artigo 3. O Conselho de Defesa atuará conforme os princípios a seguir: j) Fomentar a defesa soberana dos recursos naturais de nossas nações. (UNASUL, 2008)

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pode haver um ponto de tensão (...) assistimos um cenário em que haverálutas globais persistentes pelos recursos naturais. Neste cenário os desafiosno que diz respeito à propriedade e alocação de recursos críticos (...) não sãoimaginários (...) os países da UNASUL têm uma oportunidade única para darum exemplo histórico com relação à abordagem regional para a gestão, odesenvolvimento e o uso dos recursos naturais (...) o Conselho de Defesa Sul-Americano entende que os desafios que terão que enfrentar as políticas dedefesa nos próximos anos, seguramente serão atendidos de forma maissatisfatória, na medida em que dermos respostas regionais e não respostasexclusivamente locais ou individuais de cada um dos nossos países” (CEED,2014).

Entretanto, a formulação política brasileira, a sua atuação diplomática e a sua

inserção na região devem ser acompanhadas dos meios necessários para viabilizar sua

política de defesa e dissuadir possíveis agressores. Com a intensificação da competição

internacional entre potências ou blocos de Estados com maiores capacidades militares,

outra tendência geopolítica a ser observada seria a de predominância do enfrentamento

indireto entre as principais grandes potências, ou seja, sem necessariamente a ocorrência

de guerras diretas. Um exemplo do crescimento desta competição fortemente

militarizada é o atual confronto Russo-Ucraniano que, em certa medida, está se

transformando em um confronto entre Rússia e EUA, sendo que este último vem

apoiando as forças de oposição a Moscou sem realizar uma confrontação direta com os

mesmos. Esta é uma tendência resultante das disputas centrais do século XX,

especialmente dos resultados da confrontação geoestratégica entre EUA e URSS durante

a Guerra Fria.

A partir deste período, as grandes potências passaram a restringir o nível de

enfrentamento de forma a evitar uma guerra direta, limitando a estratégia de confronto a

uma série de disputas indiretas, especialmente por áreas de influência. Esta estratégia de

enfrentamento indireto não se limitou ao período da Guerra Fria, e, tudo indica, tornou-

se o padrão de confronto entre as grandes potências. Caso esta tendência se concretize, é

possível “concluir” que essa modalidade de enfrentamento indireto, típico da Guerra

Fria, pode tornar-se o padrão de interação entre as grandes potências. Em um mundo

multipolar isso pode significar uma forma de guerra fria anárquica de todos contra

todos, em que o nível de tensão de uma grande potência com as demais, tende a

depender mais de fatores geopolíticos, embora possa continuar sendo afetado também

por mudanças e incertezas conjunturais.

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O aumento da competição global entre as grandes potências diante dos processos

de formação de blocos regionais

Por fim, a última grande tendência geopolítica que se destaca para o século XXI

refere-se ao processo de formação de blocos político-econômicos e processos de

integração regional. Caso se consolide, a formação de blocos regionais poderá se tornar

a base sobre a qual se dará a governança do sistema internacional no futuro, embora a

rivalidade entre os blocos regionais também pode se tornar mais frequente. Para o Brasil

é de grande destaque o avanço da cooperação e da Integração Regional sul-americana,

em que observamos avanços, mesmo que lentos, na conformação e no aprofundamento

da cooperação e integração de políticas de segurança e Defesa no âmbito da UNASUL.

Isto pode levar à possível transformação da América do Sul em uma unidade

geopolítica, com significativa capacidade para assumir peso estratégico global, podendo

esta ilha-continente constituir-se em um dos polos de poder de um mundo

progressivamente mais multipolar (VIZENTINI & WIESEBRON, 2006, VIZENTINI,

2010, GUIMARÃES, 2007).

Isso só será possível caso, conforme já mencionado anteriormente, o Brasil adote

a política de arcar com os custos da integração regional, ou seja, incentivar, desenvolver

e aprofundar os diferentes eixos da integração, que vão muito além do comércio, e

referem-se à integração político-institucional, à integração econômica e de cadeias

produtivas, da infraestrutura logística da integração (transportes, energia,

comunicações), e das políticas de segurança e defesa comuns (GUIMARÃES, 2005;

COUTO, 2013). Quanto mais integrada, maior será a estabilidade relativa da América

do Sul, com óbvias implicações para a segurança do Brasil. Esta tendência tem

múltiplas implicações para a atualização da estratégia de defesa nacional e inserção

regional, na medida em que impõe a necessidade de se incorporar de forma definitiva ao

pensamento nacional o desafio de fomentar progressivamente a cooperação em

segurança e defesa entre os países sul-americanos, eliminando o risco de guerras locais

na América do Sul e constituindo, no futuro, uma forma institucionalizada de aliança

regional de defesa contra ameaças representadas por potências ou blocos rivais extra-

regionais.

Estes elementos são centrais para a análise dos cenários possíveis nas próximas

décadas, em que um sistema internacional progressivamente multipolar pode se

consolidar como mais pacífico ou mais instável e violento. Para um país como o Brasil,

isto significa ter que se preparar para diferentes cenários, que podem variar muito, desde

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ataques indiretos (como os típicos da Guerra Fria), até ataques diretos, na forma de uma

guerra aberta, deflagrada por virtualmente qualquer uma das grandes potências.

Como já mencionado anteriormente, através da análise de Lima e Castelan

(2013), a transição do Sistema Internacional para uma multipolaridade beneficiou a

inserção brasileira, mas apenas se levarmos em consideração o contexto dos BRICS.

Visto que, essa “aliança” entre os emergentes, apesar de aumentar o poder de barganha

brasileiro no que tange a ampliação da representatividade nos regimes internacionais, é

efêmera, devido ao momento de transição no Sistema Internacional, e baseada em uma

limitada pauta comum (LIMA, CASTELAN, 2012). Porquanto, o sistema de

governança atual é profundamente assimétrico e antidemocrático, pois apesar dos

Estados serem iguais do ponto de vista jurídico, não o são do ponto de vista de

capacidades (GUIMARÃES, 2007). É nesse sentido que a manutenção de um sistema

multipolar que beneficie a inserção do Brasil necessariamente passa pela constituição da

América do Sul como um polo do Sistema Internacional (GUIMARÃES, 2007).

Se levarmos em conta a possibilidade da manutenção de um sistema multipolar

assimétrico baseado na interdependência econômica, considera-se que as atuais

principais grandes potências do Sistema Internacional EUA, Rússia e China

provavelmente continuarão a ser ao longo da primeira metade do século XXI. Elas

compartilharão a governança do sistema internacional com um grupo ainda não

totalmente definido de outras grandes potências e potências médias regionais. É nesse

contexto, que se torna fundamental para o Brasil constituir a América do Sul como um

polo, pois somente assim poderá se superar as vulnerabilidades políticas, ampliando

suas capacidades atuais e se inserir de forma autônoma no Sistema Internacional,

evitando eventuais interferências de potências extra regionais e auxiliando a

manutenção de um Sistema Internacional multipolar (GUIMARÃES, 2007). Assim, é

muito provável que blocos de Estados – como a União Europeia, UNASUL e ASEAN,

entre outros –, caso logrem sucesso em aprofundar seus respectivos processos de

integração regional, possam vir a assumir, no futuro, a função de grande potência, ou

polo de poder sistema internacional. Desse modo, reduzindo as assimetrias do Sistema

Internacional corrente.

O eventual fracasso desse processo de regionalização provocaria a manutenção

das assimetrias e, eventualmente, a cooptação ou subordinação de outras potências. Por

outro lado, este ainda é um sistema em transição e uma possibilidade que deve ser

aventada é o fim do processo de globalização e uma consequente redução da

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interdependência entre as potências que compõem o sistema. Estes cenários não são

excludentes não são excludentes entre si e aumentam ainda mais a instabilidade do

Sistema Internacional. Os últimos desdobramentos políticos levantam indícios que

apoiariam este cenário, como por exemplo: o fim da Parceria Trans-Pacífico, o

BREXIT, a proposta de reconcentração do parque industrial estadunidense, que

reduziria a mobilidade do capital, e as recentes barreiras contra imigração, que

reduziriam a mobilidade da mão-de-obra. Entretanto, este cenário também requereria

uma maior inserção brasileira na América do Sul, mas, desta feita, não para aumentar o

seu poder de barganha em fóruns multilaterais e participar da construção de regimes

internacionais, mas sim para garantir a defesa e a soberania da região.

Considerações Finais

Procurou-se demonstrar com este artigo a relevância para a Grande Estratégia

brasileira a sua inserção estratégica na América do Sul. Este é um dos objetivos

estratégicos mais ancestrais e que pode ser traçado desde o período colonial. Esta

política foi vital para ampliar o poder de barganha do Brasil e resistir ao assédio de

potências extra regionais em vários momentos de transição do Sistema Internacional,

seja na disputa entre Portugal e Espanha, seja no período napoleônico, seja na ascensão

estadunidense.

Hoje o Sistema Internacional passa por mais um momento de transição e, mais

uma vez a estratégia de inserção internacional via América do Sul se mostra vital. Se

por um lado vivemos um período de institucionalização de conflitos, a integração sul-

americana demonstra-se relevante para a ampliação do poder de barganha brasileiro. Por

outro lado, a ampliação da interdependência e o estágio atual de multipolaridade

assimétrica do Sistema Internacional, pode inaugurar uma nova fase de confrontações

indiretas e guerras locais, mais uma vez a integração sul-americana se demonstra vital

para a ampliação de capacidades brasileira que possibilite a defesa dos recursos e das

soberanias da América do Sul.

Entretanto, como procurou-se demonstrar este é um momento de transição do

Sistema Internacional. Um momento em que se desvelam duas possibilidades: a do

aprofundamento dos processos de regionalização ou o do fim do processo de

globalização como conhecemos. A primeira possibilidade diz respeito a um potencial

aumento de simetria do Sistema Internacional, em que constituir uma região (no caso a

América do Sul) como um polo, seria o principal modo de ampliar o poder de barganha

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brasileiro e sua consequente participação na construção dos regimes internacionais que

irão regulamentar o sistema. A segunda possibilidade é um tanto quanto recente, os

indícios mais fortes que apontam para a sua direção surgiram apenas na última década,

mas caso concretizada tornará o sistema ainda mais competitivo, desigual e assimétrico,

tornando vital a inserção brasileira na América do Sul para a ampliação de suas

capacidades e a sua sobrevivência em um mundo menos interdependente.

Seja qual for o futuro do Sistema Internacional, procurou-se apontar que o

caminho para a inserção estratégica do Brasil encontra-se na América do Sul. Virar as

costas para a região em um momento tão instável não seria apenas renunciar a um

acúmulo de política externa que remonta o período colonial, mas também uma atitude

temerária em uma conjuntura de crescente instabilidade no Sistema Internacional.

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