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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO EM CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Celso Luiz Vasco e Silva Do Ato Fotográfico à Interpretação de Imagens: Um Estudo sobre o Movimento de Produção e Interpretação de Imagens Fotográficas Natal/RN 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Celso Luiz Vasco e Silva

Do Ato Fotográfico à Interpretação de Imagens:Um Estudo sobre o Movimento de Produção e Interpretação de Imagens

Fotográficas

Natal/RN

2013

2

Celso Luiz Vasco e Silva

Do Ato Fotográfico à Interpretação de Imagens:Um Estudo sobre o Movimento de Produção e Interpretação de Imagens

Fotográficas

Dissertação apresentada como requisito para aobtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais, nocurso de pós-graduação em Ciências Sociais daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientador: Professor Dr. Orivaldo Pimentel LopesJúnior.

Natal/RN2013.

Catalogação da Publicação na Fonte.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Silva, Celso Luiz Vasco e.

Do Ato Fotográfico à interpretação de imagens: um estudo sobre o Movimento

de Produção e Interpretação de Imagens Fotográficas / Celso Luiz Vasco e Silva. –

2013.

99 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro

de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Ciências

Sociais, 2013.

Orientador: Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior.

1. Fotografia. 2. Interpretação fotográfica. 3. Fotografia e Sociologia. I. Lopes

Júnior, Orivaldo Pimentel. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III.

Título.

RN/BSE-CCHLA CDU 77:316

Sticky Note
FICHA CATALOGRÁFICA. IMPRIMIR NO VERSO

3

DO ATO FOTOGRÁFICO À INTERPRETAÇÃO DE IMAGENS:

UM ESTUDO SOBRE O MOVIMENTO DE PRODUÇÃO E INTERPRETAÇÃO

DE IMAGENS FOTOGRÁFICAS

CELSO LUIZ VASCO E SILVA

Aprovado em: _____ de __________________ de 2013.

Banca Examinadora

___________________________________Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior

Orientador – UFRN

____________________________________Profª. Drª. Evaneide Maria de Melo

Examinadora Titular – IFRN

____________________________________Profª. Drª. Josimey Costa da Silva

Examinadora Titular – UFRN

___________________________________Prof. Dr. Gilmar Santana

Examinador Suplente - UFRN

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço todas as dores que tive nos últimos anos, pois elas me

lembraram da minha condição de humano, passivo de erros. Mas também

agradeço minhas felicidades, pois me incentivaram a continuar em frente

mesmo nos momentos de mais dificuldades.

Agradeço aos amigos que retornaram à minha vida após anos de

separação. O lugar de cada um sempre esteve presente no meu coração,

principalmente pelos momentos que marcaram a nossa amizade.

Agradeço às minhas avós que se foram antes da conclusão deste

trabalho. Vocês são parte de mim, são diretamente culpadas pela minha

existência. Fizeram-me perceber que, às vezes, é melhor deixarmos alguém

partir para não existir em um estado inanimado.

Por fim, agradeço as oportunidades que me foram dadas,

principalmente as que me fizeram sorrir e chorar, viver e desejar morrer. Parte

da vida experimentada depende diretamente da forma que lidamos com essas

etapas da vida.

5

“Fotografar é colocar na mesma linha demira a cabeça, os olhos e o coração”.

Henri Cartier-Bresson

6

RESUMO

O campo da fotografia sempre foi permeado por diferentes olhares e

interpretações. Tais olhares possibilitaram interpretações e utilizações quase

que infinitas para fotografia. Em paralelo a esses olhares, a sociologia

comparece para fazer uso e auxiliar a fotografia na elaboração de suas

narrativas temáticas. A presente pesquisa tem como finalidade fazer uma

análise dos elementos que auxiliam e guiam o olhar daquele que pretende

realizar o ato fotográfico, bem como contribuir para a análise e interpretação

dos trabalhos sociológicos. Para tal, em um primeiro momento será realizada

uma breve reflexão das formas como a fotografia pode ser observada do ponto

de vista técnico e da técnica de criação de fotografias. Em um segundo

momento, é feita a construção dos elementos simbólicos que compõem o ato

de se registrar fotografias. Por fim, este trabalho se destina a fazer uma análise

da fotografia dentro das interpretações que podem surgir, principalmente por

verificá-la através do conceito de Frame. Este trabalho não visa encerrar as

discussões acerca da relação entre o campo da fotografia e da sociologia, mas,

sim dar um novo olhar de como ambos interage entre si. Para tal, foram

utilizadas fotografias do Sebastião Salgado para compor o campo visual e

poético dessa pesquisa.

Palavras-chave: Fotografia, Ato Fotográfico, Interpretação, Frame

7

ABSTRACT

The field of photography has always been permeated by different perspectives

and interpretations. Such perspectives possible interpretations almost endless

and uses for photography. In parallel to these looks, sociology appears to make

use of the photograph and assists in preparing of its thematic narratives. This

research aims to analyze the elements that assist and guide the look of those

who want to perform the photographic act, as well contribute to the analysis and

interpretation of sociological work. To this purpose, at first there will be a brief

reflection of the ways photography can be observed from the technical point of

view and the technique of creating pictures. In a second step, it’s made the

construction of symbolic elements that compose the act of registering

photographs. Finally, this paper intends to make an analysis of the photograph

within the interpretations that can arise, especially to check it through the

concept of Frame. This work is not intended to terminate discussion on the

relationship between the field of photography and sociology, but rather to give a

new look how both interact with each other For that, we used photographs of

Sebastião Salgado to compose the visual and poetic field of this research.

Keywords: Photography, Photographic Act, Interpretation, Frame

8

LISTA DE FOTOGRAFIAS

Figura 1 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986. .................................................. 30

Figura 2 – Campo Petrolífero em Greater Burhan Kuwait, 1991. ................... 32

Figura 3 – Trapani, Sicília, Itália, 1991. .......................................................... 37

Figura 4 – Ria de Vigo, Espanha, 1988.......................................................... 41

Figura 5 – Colheita de folhas de chá numa plantação próxima a Cyangugu,

que produz chá de alta qualidade. Ruanda, 1991. ........................ 51

Figura 6 – Província de Havana, Cuba, 1988................................................. 59

Figura 7 – Dhambad, Bihar, Índia, 1989......................................................... 61

Figura 8 – Trapani, Sicília, Itália, 1991. .......................................................... 65

Figura 9 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986. .................................................. 69

Figura 10 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986. ................................................ 74

Figura 11 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986. ................................................ 86

Figura 12 – Campo Petrolífero Greater Burhan Kuwait, 1991. ....................... 89

Figura 13 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986 ................................................. 91

9

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ......................................................................................... 4

RESUMO............................................................................................................ 6

ABSTRACT ........................................................................................................ 7

LISTA DE FOTOGRAFIAS................................................................................. 8

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10

CAPÍTULO 1 - Do técnico ao estético: compreendendo a fotografia em

relação aos seus aspectos técnicos................................................................. 23

Compreendendo Elementos Técnicos da Fotografia. ............................ 24

Compreendendo Técnicas Básicas de Fotografia ................................. 33

Quando o Técnico e a Técnica se Encontram ....................................... 40

Compreendendo o Espaço no Documento Histórico ............................. 41

Compreendendo o Tempo Representado no Documento Histórico ...... 47

Ponderações da Fotografia como Registro Artístico.............................. 48

CAPÍTULO 2 - Compreendendo as Realidades Fotográficas para Além dos

Espaços Técnicos. ........................................................................................... 53

O Contínuo Fotográfico: Pensando os Instantes que Compõem a

Fotografia............................................................................................... 54

O Ato Fotográfico na Pesquisa Sociológica: Compreendendo as

relações da fotografia com a pesquisa sociológica................................ 66

CAPÍTULO 3 - Compreendendo o Frame Fotográfico para Além das

Margens da Moldura. ....................................................................................... 81

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 95

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO ................................................................... 99

10

INTRODUÇÃO

Pensar esse movimento entre o Ato Fotográfico à Interpretação de

Imagens foi uma missão difícil e de autorreflexão. Principalmente por estarmos

lidando com dois elementos que sempre atraíram os meus olhares: O primeiro

a fotografia, que desde os meus primeiros contatos sempre teve um caráter

encantador e mágico, e o segundo a reflexão sociológica, que procurou colocar

em ordem os pensamentos que tinha dentro de mim.

O primeiro capítulo dessa dissertação talvez reflita um pouco desse

encantamento que possuo com os elementos técnicos e da técnica da

fotografia. Nesse capítulo procurei dar uma introduzida a conceitos que existem

na fotografia e que normalmente são de conhecimento apenas daqueles que se

aprofundam no campo da produção fotográfica.

Os primeiros conceitos são em torno do campo técnico da fotografia.

Nesse campo começo fazendo uma distinção entre equipamentos

considerados profissionais e amadores, bem como traçando um paralelo entre

a fotografia analógica com a digital. O paralelo entre o equipamento analógico

e o digital parece colocar uma separação entre eles, mas na verdade marca

principalmente a dimensão da reprodutividade em que a fotografia passa a ser

reproduzida com maior rapidez, bem como a facilidade nos processos de

edição da imagem. Mas do ponto de vista técnico, a principal diferença é a

presença do sensor e visor digital contra o filme e o visor analógico.

No que se trata das objetivas utilizadas pelas maquinas, poucas

mudanças ocorreram, mas para o trabalho foi necessário fazer uma distinção

dos tipos de lentes mais utilizados no campo da fotografia. Tais lentes

consistem nas grande-angulares, teleobjetivas e fixas. Para cada lente, vai

existir uma angulação no campo de visão captado pela mesma, esse elemento,

por sua vez, vai ficar mais evidente nas lentes classificadas como telegrande-

angulares. Ainda nessa temática procurei abordar a presença do anel do

diafragma, que permite controlar a abertura da lente bem como a entrada de

luz suficiente para realizar uma foto. Esse aspecto mais do que qualquer outro

permite criar uma gama de efeitos que transcendem o campo técnico para a

esfera da técnica da fotografia.

11

Passando pelas lentes e seguindo para o corpo das maquinas, foi

explorado as mudanças que ocorreram na ISO. De forma mais simples

consiste numa sensibilidade do material que a luz irá tocar para produzir a

imagem. O controle dessa característica permite ao fotógrafo fazer escolhas

que vão possibilitar ao usuário fazer registros com pouca luz, alem de permitir

dar toques estilísticos para a fotografia.

Em seguida foi procurado exemplificar as alterações que ocorrem

quando é modificado o botão de velocidade do obturador. Esse é quem vai

permitir pausar ou captar o borrão do movimento em que é produzido na

fotografia. Se essa função for controlada devidamente poderá produzir fotos

com características estéticas únicas, que variam de pontos extremamente

claros para pontos escuros, como também transmitir a sensação que as cenas

diante da foto estão em movimento ou pausados.

O último elemento técnico que foi exposto nesse capítulo foi o

fotômetro. Esse que tem a função de ler as configurações que o usuário

preparou e como vão interagir com luz disponível. Informando se a fotografia

irá ficar subexposta ou superexposta.

Configurar de forma harmoniosa todos esses dispositivos técnicos da

fotografia vai ser apenas uma das formas de fazer uma fotografia nascer. Será

necessário também compreender elementos que compreendem o campo da

técnica da fotografia. Para tal foi dedicada uma parte da dissertação a fazer

uma reflexão desses elementos e como eles coexistem em um registro

fotográfico.

Os principais elementos que constituem o campo da técnica da

fotografia é a composição e a exposição. A composição é essencialmente

formada pelo olhar seletivo que o fotógrafo tem diante dos elementos da

realidade que estão se desenvolvendo diante de si. É a tentativa de enquadrar

o olhar e o visor da máquina os elementos de maior interesse, elementos que

tem maior representatividade na cena para transmitir ao espectador da

fotografia a intenção do olhar de quem fotografa.

A característica que é mais presente nesse momento tem que ser a

harmonia entre os elementos que irão se desenvolver diante do fotógrafo. É

12

pensar se o ângulo escolhido realmente vai representar com mais propriedade

o que está sendo fotografado, é pensar se a lente escolhida realmente é a ideal

para o momento e por fim pensar na configuração que foi realizada na máquina

vai causar efeitos desejados. Como “consequência” disso temos um efeito que

caminha junto com a composição, sendo esse a regra dos terços. Essa “regra”

é uma forma de enquadrar a cena que está disposta a sua frente, colocando

elementos dispostos em linhas imaginarias que dividiriam a fotografia em três

partes. Normalmente os assuntos que são postos dessa forma acabam por

criar um efeito de composição onde se prende o olhar do espectador da

fotografia. Permite também abrir espaços no campo de visão mostrando

elementos que ficariam “ocultos” pela posição do usuário.

Essa técnica, quando combinada com a devida configuração do

diafragma vai permitir criar o efeito de profundidade de campo. Esse efeito é

marcado pelo desfoque de regiões específicas da fotografia, colocando o

assunto principal em foco e os outros elementos do todo desfocados. Esse

elemento é uma poderosa ferramenta de composição, pois pode disfarçar

elementos não desejados, como também realçar características que chamem

mais a atenção do espectador.

E a última técnica de composição abordada foram as linhas de força.

Essas são linhas imaginarias que seguem o que está no plano do “papel”. Elas

formam parte do movimento, mas também parte do olhar, das retas e curvas

que podem compor a realidade exposta na frente dos usuários da fotografia. As

linhas de força podem até ser criadas pelo fotógrafo, mas elas podem surgir de

forma espontânea, algo que a diferencia das outras técnicas utilizadas pelo

fotógrafo. É possível até especular se não foram essas linhas de força que

chamaram a atenção do fotografo para os elementos ali registrados.

A exposição numa fotografia, já havia sido relacionada com a

velocidade de abertura, o ISO e o fotômetro. A exposição é a forma de

equilibrar os contrastes de cores constituintes da fotografia, mesmo no caso da

fotografia em preto e branco. Esse por sua vez, é necessário controlar de forma

harmoniosa para garantir que a exposição tenha os elementos que estão

tentando tornar visível num registro.

13

Ainda na parte sobre a reflexão da técnica da fotografia, foi pensada a

maneira como a edição, no momento da pós-produção, é capaz de alterar

elementos que não podiam ser controlados no instante em que foi tirada. A

edição da foto caminhou em conjunto com a evolução dos processos de

revelação. Eles fazem parte de uma gama de características estéticas que o

fotógrafo terá com o produto final, ele é a maneira de transformar o mundo que

existiu de uma determinada forma, para um mundo existente somente no plano

das ideias. Um mundo, o qual, não tem sua origem no plano da realidade

cotidiana.

Quando colocamos os elementos técnicos e a técnica lado a lado,

podemos ver o surgimento da imagem fotográfica propriamente dita, seja no

filme fotográfico, seja no sensor digital. A fotografia vai ser sempre a junção

dessas duas características. No entanto, isso não encerra as reflexões sobre o

ato fotográfico, apenas deu a introdução para chegar às reflexões sobre a

imagem resultante que contêm diferentes maneiras de ser percebida pelo

mundo do visível.

No processo da leitura de uma fotografia podemos acabar por

enquadra-la em “modelos” conceituais que tentam características próprias e

predeterminadas. Sendo os “modelos” aqui trabalhados a maneira de

considerar a fotografia como sendo um documento histórico ou como

expressão artística.

Para definir o campo da fotografia como documento histórico foi feita

uso da argumentação criada por Jacques Aumont sobre analogia, espaço e

temporalidade. A analogia seria uma forma de ligar as características que estão

presentes na imagem com os elementos que estão representados, mas sendo

isso feito não somente por quem produziu a imagem, mas também por pelo

espectador da fotografia. A analogia seria uma maneira de considerar que na

fotografia existem elementos que estão fazendo referencia com o plano do real

de maneira a representar o mundo quase como se fosse um espelho do real ou

que as fotografias traçassem um mapa dos elementos do cotidiano.

Essa característica da fotografia análoga como espelho do real é

interessante por dar a noção para o espectador de que tudo o que está

representado ali é um reflexo “puro” e sem interferências com o plano do real.

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Já a fotografia como um mapa seria uma forma de encontrar os elementos que

constituem a fotografia antes dela ter sido realizada. A fotografia seria vista de

maneira para não colocar elementos que dificultassem a sua leitura pelo

espectador.

A noção de analogia, dentro da argumentação de Jaques Aumont

acaba por ser próxima do conceito de mimese, quer poderia ser considerada

como um sinônimo de analogia. Mas a proximidade do conceito de mimese

com a fotografia vai apenas uma proximidade a uma semelhança “ideal” que a

foto faria com o seu referente.

Todos esses processos dispostos na pesquisa acabam por levar a

argumentação para o espaço e tempo que coexiste dentro do campo da

fotografia. No caso do espaço representado na fotografia temos que considerar

primeiramente o espaço que foi emoldurado pelo olhar do fotógrafo, mas

também considerar o espaço representado na fotografia que vai ser percebido

pela disposição dos elementos que existem dentro da imagem no plano da foto.

Nesse caso vemos que as linhas de força e a profundidade de campo

vão interferir diretamente na leitura desse espaço, pois eles tentam criar a

percepção de um universo tridimensional num plano bidimensional.

Também foi considerado dentro do espaço de uma fotografia os

elementos que estão “fora-de-campo”, fora da moldura que é criada pelas

bordas do papel e do olhar seletor do fotógrafo. Nesse caso, Aumont considera

que pode partir do ponto de vista representado numa fotografia para

compreender o espaço global do campo que ela foi retirada. Mas esse sendo

somente acessado pelo imaginário do espectador, pois não irá compreender a

totalidade dos acontecimentos.

Seguindo essas reflexões parti para elaborar alguns pensamentos

sobre o tempo representado na fotografia. Nesse tempo, não me concentrei ao

tempo de exposição da luz sobre o material sensível, mas procurei a entender

o tempo representado numa fotografia, ao tempo “narrado” pelo fotografo. Para

compreender essa percepção de tempo, fiz uso de dois conceitos de instantes

trabalhos por Jacques Aumont, sendo eles o instante pregnante e instante

qualquer.

15

O instante pregnante seria o instante representado pela imagem, seria

um instante que se fez daquele jeito por elementos que permitem identificar no

tempo aquela imagem. Ou seja, seria ler a imagem de forma a compreender as

características que a localizam em um momento do tempo. Para Jacques

Aumont esses elementos iriam sendo acrescentados por aquele que está

fazendo a imagem surgir, ou seja, a imagem teria que ter sido idealizada para

conter determinados elementos que passem a ideia da temporalidade

representada, algo que estaria presente na pintura. Já o instante qualquer,

seria aquele que estaria mais presente na fotografia, pois esse instante pode

ser realizado de forma automática e seria difícil acrescentar tais elementos a

fotografia sem que a situação fotografada não tivesse sido encenada.

Por isso, o tempo exposto na fotografia seria um tempo sintetizado, um

tempo que do ponto de vista do espectador vai estar cristalizado no seu

presente. Vai conceber um retorno ao passado por aqueles que estão situados

num presente, vai procurar situar o espectador no contexto histórico ali

representado.

Tendo sido feitas essa considerações a cerca da fotografia como

documento histórico, procurei fazer uma ponderação sobre a fotografia como

um registro artístico. Devido a gama de obras que podem ser consideradas

expressões artísticas, foi necessário delimitar esse campo através das

sensações que a fotografia artística pode despertar no seu espectador.

Dentro disso, procuro situar que o título de obra artística vai ser

atribuído a fotografia pela forma como essa vai sensibilizar o espectador

através das leituras e das subjetividades que constituem o leitor dessa imagem.

De certa forma, ocorre um surgimento de uma aura em torno de uma imagem,

uma característica “mágica” que encanta e sensibiliza o espectador de tal

forma, que tem a função de despertar sensações e emoções das diversas

naqueles que entram em contato com uma determinada fotografia.

Para falar de aura, fiz uso da argumentação de Walter Benjamin, que

também argumenta que a aura não é somente criada por obras artísticas, mas

é quebrada pela forma com que é reproduzida. Nesse caso, Walter Benjamin

considera que a fotografia foi uma das formas que representou a quebra do

valor de culto de uma obra artística, pois tal obra existiria de forma “única” em

16

seus detalhes e da forma como é exposta. E fazendo surgir um valor de

exposição, um valor que está ligado a forma como é exposta os valores

simbólicos atribuídos a difusão de tal obra artística.

O que pode ser visto no desenvolver dos campos técnicos e da técnica

da fotografia no primeiro capítulo dessa pesquisa, é que a harmonia entre tais

aspectos criam o efeito que tento compreender como sendo o Ato Fotográfico.

Esse ato não consiste somente em direcionar a câmera e pressionar um botão,

consiste em uma reflexão entre estilos e técnicas, assim como a tentativa de

captar as minúcias da realidade cotidiana em um plano dimensional. O grande

Ato de fotografar é em sua essência essa harmonia que vai sendo

desenvolvida no decorrer dessa pesquisa, em especial do primeiro capítulo.

É de considerável importância colocar aqui que a fotografias realizadas

pelo internacionalmente reconhecido Sebastião Salgado, foram utilizadas para

contribuir tanto para a argumentação teórica como para a argumentação

ilustrativa desta pesquisa. A seleção do respectivo fotógrafo se deu num

primeiro momento pelo conteúdo poético que as fotografias produzidas por ele

são capazes de manifestar nos espectadores, em segundo momento, por ficar

nítido em suas imagens os elementos técnicos e estilísticos utilizados para criar

o resultado final de suas fotografias. Esse, portanto, não foi escolhido ao

acaso, foi escolhido pela capacidade de manifestar em mim sensações e

curiosidades que me ajudaram a desenvolver diversas argumentações teóricas

trabalhadas no decorrer dessa pesquisa.

Sendo assim considero suas fotos não são somente registros

artísticos, mas também registros que têm o caráter revelador do mundo que se

desenvolve ao seu redor, pausam a historicidade do momento que nunca mais

vai existir. Sendo assim documentos históricos únicos dotados de infinitos

sentidos que podem ser percebidos por um espectador sensibilizado por sua

obra.

Tendo sido exposto os elementos desse capítulo, foi necessário ir

“além” desses conceitos técnicos que constituem a fotografia. Foi necessário

partir para a esfera da reflexão epistemológica que está presente entre o ato de

fotografar e a interpretação da imagem. Dessa forma foi iniciado o segundo

capítulo dessa dissertação procurando pensar o contínuo fotográfico.

17

Procurei fazer uso da argumentação de Philippe Dubois para

compreender o que constitui o universo de “realidades” que estão inseridos na

fotografia. Dubois distingue três formas como a fotografia era considerada

dentro do campo da realidade: O primeiro a realidade como espelho do real,

uma realidade que estaria relacionada com a noção de que foi atribuída à

fotografia como sendo capaz imitar de forma mais perfeita a realidade. A

segunda forma de realidade trabalhada por Dubois foi a fotografia como

transformação do real. Esse por sua vez era uma forma que concebia a

fotografia de forma mais artística, através da junção dos elementos que

conceberam a fotografia, com os elementos que vão percebidos pelo

observador. Sendo a terceira forma considerava a fotografia como traço de um

real, ou seja, ela iria quebrar com a ideia de que a fotografia seria algo “neutro”,

que seria somente a reprodução de um momento que já existiu. A fotografia

como traço de um real vai lidar principalmente com o caráter revelador tanto do

olhar do fotógrafo como do olhar do espectador.

Outro autor utilizado para compreender o ponto epistemológico da

fotografia, foi Roland Barthes, que apareceu primeiramente para falar do “isto-

foi”, que se trata da característica que para uma fotografia ter sido realizada foi

necessário que aquela cena ocorresse daquele jeito. Mesmo que tenha sido

encenado, foi necessário que em algum momento a realidade se apresentasse

dessa forma para o fotógrafo conseguir realizar determinado registro

fotográfico.

E em seguida Barthes aparece para trabalhar a noção de Studium e de

Punctum. Sendo o Studium o desejo que uma fotografia desperta no

espectador de perceber a foto do ponto de vista daquele que a registrou,

perceber o mundo que estava se desenvolvendo diante dos olhos do fotógrafo.

Por sua vez o Punctum seria uma inquietação que atravessa o espectador,

algo que o fere, que causa um “incomodo” que desperta o desejo de ver o que

está além do campo representado na fotografia.

Com base nisso, Barthes argumenta que a fotografia é um certificado

de presença, pois a realidade não precisou somente existir daquela forma para

ser registrada, mas também foi necessário que o fotógrafo estivesse em algum

momento naquele local para poder fazer o registro. Mesmo que a maquina

18

tenha sido ativada remotamente, o fotógrafo precisou ir até o local e escolher o

ângulo que iria compor o registro final. Esse certificado de presença em

conjunto com o “isto-foi” vem para pensar que o momento captado por uma

máquina é uma imagem viva de um momento morto. Ele considera que o

momento vai sempre estar vivo na memória e no olhar daquele que entra em

contato com a fotografia, mas o momento vai estar morto por não existir

novamente daquele jeito em momento algum.

Avançando ainda mais nas teóricas abordadas nesse capítulo, faço

uma exposição da argumentação criada em torno de primeiras e segundas

realidades desenvolvidas por Boris Kossoy. A primeira realidade seria

caracterizada pelo próprio passado da fotografia, mas não só pela história

retratada, mas principalmente pelo contexto no qual o assunto fotografado

estava no momento em que foi registrado. Esse contexto vai ser acessado pelo

observador da fotografia, permitindo que ela crie um processo de realidade

interior no observador que tenta identificar o contexto que se desenvolveu para

possibilitar que aquele registro se desse daquela maneira.

Indo para além dos processos internos da fotografia, vai surgir uma

segunda realidade, a qual se projeta para alem do papel da fotografia, se

revela para o mundo exterior e tenta mostrar uma “verdade aparente” dos

microuniversos que constituem o cotidiano.

Tendo sido construído tais visões sobre as realidades presentes na

fotografia, foi um processo necessário para compreender que na fotografia

existem características que vão estar presentes, mas muitas vezes não serão

percebidos nem pelo espectador, nem pelo fotógrafo. Por isso foi posto que

também seja necessário desconstruir toda a construção epistemológica para

produzir uma leitura das narrativas ali representadas.

Isso ocorre por a fotografia não ser algo estático, mas sim algo que

está inserido num contínuo de transformações, que vão sempre ocorrer após a

fotografia ter sido realizada. E dentro dessa noção de contínuo foi iniciado

argumentos que giram em torno da noção de ter a fotografia como Frame do

real, como um elemento que vai estar presente não só nas molduras da

fotografia, mas vai fazer parte de uma continuidade das temporalidade que

constitui uma fotografia. Algo que permite aprofundar o entendimento para

19

além de uma relação superficial da fotografia com o espectador, mas

compreender o todo que envolve essa imagem.

Dento sido exposto isso, parto para uma reflexão da forma como a

fotografia e a pesquisa sociológica estão relacionas, como a fotografia é uma

ferramenta que auxilia a sociologia para compor as realidades estudas e

obsevadas pelo pesquisador. Para isso, venho fazer uso dos pensamentos de

José de Souza Martins, o qual vem inicialmente para tratar da maneira como

fotografia e a filmagem passaram a ser utilizadas como fonte de registro factual

dos momentos analisados.

O caráter revelador que a fotografia passa para o espectador é um das

características que são consideradas mais importantes para aquele que deseja

utilizar uma imagem na sua pesquisa. Com isso penso na questão de fotografia

composta de um posicionamento completamente intencional daquele que fez o

registro. Isso ocorre por conter mais elementos do instante que foi registrado

do que muitos relatos manuscritos produzidos por alguns pesquisadores.

Nesse ponto Martinz se diferencia de Barthes, pois considera a

fotografia viva de algo morto, pois o momento não vai se repetir, então morre,

mas a fotografia vai permitir reviver o momento ali registrado. Sendo essa uma

das características mais presentes na pesquisa fotográfica. Martinz ainda fazer

uma breve consideração que de existe uma ilusão na sociedade

contemporânea em relação a fotografia, pois acreditam que a fotografia

paralisa as ações do tempo de envelhecimento e morte do que está contido

numa imagem.

Estabeleço com base em todos os movimentos de verificar a fotografia

como algo morto de algo vivo, ou algo vivo de algo morto, tem uma função

dialética, um caráter duplo que cria uma referencia da foto com o momento

fotografado, mas sem disjunta-la de seu referente.

Para compreender esse caráter foi importante utilizar o conceito de

duplo desenvolvido por Edgar Morin. Morin distingue três formas do duplo se

manifestar, sendo a primeira a relação que uma pessoa estabelece com sua

sombra, sendo essa uma primeira maneira do sujeito entrar em contato com a

forma ele se vê e é visto pelos outros. A segunda manifestação seria o reflexo,

20

uma vez que possibilita a contemplação de mais detalhes da projeção de

elementos que estariam contidos no espaço onde é projetada. A terceira

manifestação do duplo seria um Eco que todos temos dentro de nos. Seria uma

pequena manifestação de nós mesmos que percorre o nosso corpo, causando

sensações adversas no nosso organismo e principalmente em uma voz interior

que tenta nos fazer reagir de formas específicas a momentos específicos.

O duplo do Morin não é algo que vive somente dentro daquele que ele

faz referencia, ele vai viver principalmente naqueles que tiveram contato com o

referente. Mesmo que o referente morra, aquelas manifestações vão estar

sempre presente no outro, assim como ocorre com a fotografia após ela ser

revelada e exposta. Ela não vai viver somente dentro das pessoas que

estavam presentes no momento da ação, mas sim viver dentro do espectador

da fotografia.

Avançando nas argumentações teóricas venho fazer um paralelo que

tanto dentro da fotografia como da pesquisa sociológica percebemos a

presença de um olhar dotado de sensibilidade para perceber os detalhes do

mundo que está sendo observado. A isso é dado o nome de Olhar Sensível.

Esse olhar vai ser algo que contribui para criar a sensação de Punctum, mas

não vai ser somente essa que vai permitir compreender a fotografia do ponto

de vista da pesquisa social. Vai ser importante compreender o todo de

elementos que estão expostos e por trás das imagens, vai ser necessário

deslumbrar as realidades presentes dentro da fotografia, como também as

realidades dentro daquele que a registrou.

Um ponto que passa pela mente de que faz uso de uma imagem

fotográfica para compor um trabalho sociológico é tentar perceber a veracidade

dos elementos ali representados. Pois os elementos podem ter sido

encenados, assim como editados depois a que fotografia foi realizada. Nesse

ponto, argumento sobre o ato de fazer pose para uma foto revela a visão que a

mesma tem si e deseja projetar para o mundo, algo que dificilmente ficaria

evidente se a fotografia fosse realizada sem o conhecimento da pessoa

fotografada. Já alterar a fotografia acrescentando ou removendo elementos

através de edição irá romper o elo que essa tem com o seu referente, se

tornando algo completamente diferente.

21

Cabe colocar também que é de demasiada importância verificar tanto

para o fotógrafo, quanto para o pesquisador, a necessidade ter conhecimento

de alguns elementos do evento que está para ser registrado. A importância

disso se dá na tentativa de garantir que os elementos da realidade registrada

estejam presentes para compor a narrativa estudada. Pois a fotografia na

pesquisa sociológica não é somente fruto na imaginação e do primeiro contato

com a imagem fotográfica, é importante ter em si que o pesquisador vai alterar

o universo que ele pesquisa, assim como o fotografo também faz quando

fotografa. Sendo assim a fotografia tem uma função primordial de compor o

texto da pesquisa não como um anexo, mas como um corpo de texto, como

uma forma de demonstrar a realidade fotografada para alem dos limites das

palavras.

Por fim, o último capítulo dessa dissertação vem para trabalhar com

mais profundidade a noção de Frame. Esse tem uma delicada função de

contribuir para a maneira como a fotografia é analisada, pois existem diversas

ferramentas teóricas que tentam dar conta da dimensão da fotografia, e muitas

delas acabam limitando a sua compreensão.

Frame surge primeiramente como uma maneira de entender as

molduras presente numa determinada imagem, essa por sua vez, são apenas

formas de enquadramento, mas que não são capazes de conter toda a

realidade que ali tenta se representar. A moldura vai enquadrar e “excluir” os

elementos não pode compor o registro fotografado num determinado momento,

mas o Frame tentará compreender o espaço que está ali representado.

O frame vai estar além também dos limites de tempo que foram criados

pelo dispositivo técnico, ou seja, a capacidade da velocidade do obturador de

“pausar” o movimento, como também o tempo histórico dos acontecimentos. O

frame vai possibilitar enxergar que o instante não está congelado, mesmo que

o momento pareça estar pausado, mas vai principalmente mostrar que tudo

está em transformação, isso ocorre pela fotografia vai ser apenas um dos

milhares de frames que constituem a realidade.

Sendo assim o frame é uma ferramenta que não precisa somente da

construção dos elementos que foram expostos no decorrer de toda a

dissertação, ele vai precisar também de um processo de desconstrução para

22

conseguir produzir uma narrativa. Vai ser importante identificar cada uma

dessas características para abrir o leque de interpretações possíveis de uma

fotografia.

Procuro nesse capitulo fazer uso da argumentação de Itamar Nobre

para compreender parte da noção da narrativa visual que uma fotografia

produz. Faço uso dessa argumentação, pois o Frame não é somente uma

forma de enquadramento da fotografia, nem muito menos uma forma que

compreender que na fotografia está presente temporalidade de elementos, mas

sim para ver que o frame é uma narrativa, é uma maneira de produzir voz de

algo que está estático e não fala somente por si, mas principalmente pelos

outros.

Para finalizar o importante é compreender o frame como narrativa que

depende tanto da construção de elementos técnicos, como elementos da

técnica da produção da fotografia. É enxergar as realidades que estão em

constante conflito na produção da fotografia, é compreender que a pessoa que

faz uma imagem não está fazendo foto ao acaso, mas está com uma

finalidade, com um desejo de mostrar ao mundo do visível o que poderia ter

passado despercebido dos olhares dos espectadores. É verificar que a

fotografia é mais do que uma ferramenta de ilustração, é narrativa, pois ela

contém uma magia que vai envolver e ferir o espectador. É um tempo não

pausado nem que some na temporalidade das ações dos sujeitos, mas ficará

para sempre vivo no plano da fotografia.

O frame vai ser então mais uma ferramenta teórica que pretende guiar

o olhar e possibilitar leituras mais densas, e ao mesmo tempo mais claras, de

toda a narrativa e construção teórica constituinte de uma imagem fotográfica.

23

CAPÍTULO 1Do técnico ao estético: compreendendo a fotografia em relação

aos seus aspectos técnicos.

24

Onde se encontra uma imagem? Onde ela é produzida? Essas são

indagações que parecem iniciar e terminar de forma clara, mas na verdade

levantam questões bastante profundas sobre a essência de uma das formas de

vislumbrar o mundo. Tais questões aparecem de forma ainda mais intensa

quando adicionamos o componente da máquina fotográfica, pois, além da sua

capacidade de produzir imagens, esse aparato produz uma nova série de

pensamentos sobre a questão da imagem.

Pensar em imagem produzida por uma máquina fotográfica não é

limitar a análise do seu pensamento. É focar em um campo específico que tem

seus mistérios e ponderações voltados para um âmbito técnico, tanto do

equipamento que é utilizado para produzir uma fotografia como da técnica

utilizada para produzi-la, e um campo epistemológico que gira em torno das

percepções desse tipo específico de imagem.

Em um primeiro momento será focado questões técnicas da fotografia,

bem como elementos da composição de uma máquina fotográfica que

influenciam o que é registrado por um usuário. Em um segundo momento,

serão desenvolvidos as maneiras de como tais elementos físicos influenciam

nos elementos simbólicos da fotografia.

Compreendendo Elementos Técnicos da Fotografia.

Quando observamos uma câmera, podemos ver diferentes elementos

que formam sua estrutura como um todo. Em câmeras consideradas

profissionais existem pelo menos dois grandes elementos distintos: o corpo da

câmera e a objetiva1, considerando-os de forma separada por ser possível

destacar a objetiva do corpo da máquina. Nas câmeras consideradas

amadoras, esses dois elementos são acoplados no momento da fabricação,

não podendo ser separados e substituídos pela vontade do usuário.

Com o advento da fotografia digital, o elemento que causa a separação

entre máquinas amadoras e profissionais é o tamanho do sensor fotográfico.

1 Também conhecida como “lente” entre os fotógrafos e usuários de equipamentosfotográficos. No entanto é uma maneira equivocada de se referir, pois uma objetiva é compostapor várias lentes em seu interior.

25

Esse, por sua vez, obtendo o tamanho mínimo equivalente ao filme fotográfico

de 35mm, dá ao equipamento a característica necessária para ser considerado

profissional. Por sua vez, equipamentos com sensores menores que 35mm são

classificados em semiprofissionais ou máquinas amadoras. Na fotografia

analógica, aquelas que fazem uso de filmes fotográficos para registrar um

acontecimento, a divisão entre equipamento amador e profissional ocorre no

campo das funções que a máquina é capaz de desempenhar.

Dependendo da potência, velocidade e versatilidade da máquina, o

equipamento seria enquadrado na categoria profissional ou amadora. Como

regra informal desse período, as máquinas que não fossem capazes de mudar

de lente seriam classificadas como amadoras, e máquinas que mudassem de

lente seriam chamadas de SLR2 ou máquinas profissionais. Com o advento da

fotografia digital surgiu a classificação de DSLR ou Digital Single Lens Reflex,

para se referindo às máquinas que fossem capazes de trocar de lentes e

fossem dotadas de sensor fotográfico.

Algo importante que devemos observar é que houve pouca mudança

no tocante aos conjuntos de objetivas nos últimos anos. De um modo geral elas

continuam estruturalmente da mesma forma que no período puramente

analógico. Tanto que lentes anteriores ao período das máquinas digitais

continuam a funcionar em máquinas mais modernas, procurando deixar claro

que os corpos das máquinas não necessariamente recebem qualquer tipo de

lente. Será necessário que as objetivas possuam a adaptação específica que

possibilite a função de autofoco3 ser ativada em um determinado aparelho.

Quando observado uma objetiva, podemos fazer uma comparação da

maneira como a lente se comporta como um olho humano, na forma como a

luz passa pelas lentes para chegar ao material sensível (sendo filme fotográfico

ou sensor digital).

As objetivas se dividem em três categorias principais: Grande-

Angulares, Fixas e Teleobjetivas. Tais categorias foram divididas com base na

angulação do olho humano, assim, lentes que têm ângulo de abertura maior

2 Abreviação de Single Lens Reflex3 Essa função varia de máquina para máquina, mas de forma geral serve para focar

em um ponto específico automaticamente.

26

serão chamadas de Grande-Angulares. As que têm um ângulo de visão inferior

e a capacidade de aproximar o fotógrafo do assunto fotografado são chamadas

de Teleobjetivas. Existem lentes fixas que podem ser classificadas como

grande-angular ou teleobjetiva. Para isto ocorrer, a distância focal deve

permanecer constante. Podemos afirmar que a lente fixa mais representativa e

famosa é a objetiva de 50mm, já que, possui a exata angulação que o olho

humano, conseguindo captar precisamente o que o fotógrafo enxerga sem

haver nenhuma distorção no enquadramento dos elementos fotográficos. Ou

seja, lentes inferiores a 50mm são grande-angulares, e as objetivas com

distâncias focais superiores são teleobjetivas.

É possível haver uma mistura de tipos de lentes, combinando uma

grande-angular com uma Tele4, ou duas lentes grande-angulares de distâncias

focais diferentes, assim como as Teleobjetivas. Essa mistura cria o efeito que é

chamado de Zoom, ou seja, alteração da distância focal com a finalidade de

criar um efeito de versatilidade. Esse tipo de objetiva tornou-se comum nas

câmeras mais acessíveis no mercado atualmente, sendo esse tipo de câmera

conhecido informalmente como câmeras compactas. Tal definição se dá pelo

tamanho reduzido e portátil do aparelho, contendo uma objetiva dotada de

zoom, mas está limitado e é inferior a uma lente de 50mm.

Outro componente muito importante das objetivas é o anel de abertura

do diafragma, ou, como também é conhecido, abertura da lente. Esse tem a

função de controlar a quantidade de luz que entra pela abertura da objetiva e

atinge o material sensível. Quanto maior for a abertura da lente, mais luz

entrará e maior será o efeito conhecido como profundidade de campo. Em

contrapartida, quanto mais “fechado” for o diafragma, menor será o efeito de

profundidade de campo. Em resumo, a profundidade de campo é um efeito de

desfoque que ocorre quando a luz entra pela objetiva, mantendo o elemento

central focado, e os elementos que estiverem posicionados antes e depois do

assunto em “foco” irão receber um ar de desfoque conforme forem se

distanciando do assunto central na foto. Existem lentes que são dedicadas a

4 “Tele” é uma forma abreviada de se referir a Teleobjetivas. Sendo mais comumouvir entre os fotógrafos essa terminologia do que o nome completo da categoria.

27

aumentar esse efeito de desfoque, mas são de uso bastante restrito e de alto

custo para um usuário comum.

Nos dias de hoje, um tipo de câmera portátil e mais acessível que as

compactas tem invadido o mercado e, consequentemente, facilitando a

aquisição por parte dos usuários de fotografia, uma vez que são as câmeras

que fazem parte dos aparelhos de celular. Esse tipo de câmera não possui

muita versatilidade de funções, apesar dos avanços tecnológicos, que foram

desenvolvidos nos novos aparelhos celulares. Tais aparelhos têm funções com

capacidade de serem bastante próximas das máquinas mais elaboradas de

fotografia. Em contraste com as profissionais, as câmeras dos aparelhos de

telefone são dotadas de microssensores, microlentes e microflashes, os quais

deixam a desejar quando comparados com dispositivos especificamente

construídos para fotografia.

Existe uma grande tendência da sociedade incorporar tais tecnologias

no seu cotidiano, e para muitos admiradores da fotografia bastam esses

aparelhos para registrarem os momentos relevantes de suas vidas e dos

instantes que lhes são interessantes. Todavia, um grupo pequeno de usuários

percebe que existem limitações no sistema e nas qualidades das fotografias

realizadas com tais aparelhos. Assim, procuram encontrar profissionais que

sejam familiarizados com equipamentos e técnicas avançadas de fotografia.

A forma como os avanços tecnológicos tem atingindo a fotografia é

incomensurável, e um novo campo de possibilidades se abriu diante daqueles

que apreciam essa arte empolgante. Tais possibilidades giram em torno

principalmente da edição, reprodução e seleção das fotografias. O que por um

lado facilita o processo de trazer para o mundo do visível imagens que iriam

somente existir após um longo processo de revelação química, agora passa a

ocorrer em instantes após ter sido pressionado o botão de disparo5 da

máquina. Compreender todo o impacto desse contexto tecnológico na

fotografia iria demandar uma análise detalhada dos componentes tecnológicos

envolvidos nos processos, tanto da fotografia analógica como da fotografia

digital. Dessa forma, vamos traçar uma linha de estudo sem a pretensão de

5 Também conhecido como “gatilho”, daí surge uma analogia entre fazer umafotografia e disparar uma máquina.

28

fazer análise tão específica, mas tentaremos analisar como esses avanços têm

impactado a realidade fotográfica.

Uma das características mais influenciadas com a tecnologia digital foi

o sensor fotográfico. Na época das analógicas, o material sensível era o filme

fotográfico. Na atualidade, o sensor digital passou a ter a função de captar a luz

e transformá-la em impulsos elétricos, para serem processados pela máquina e

transformados em informação a ser exibida pelo visor digital que se encontra

na parte de trás da máquina. Sendo assim, a máquina também passou a ser

um pequeno estúdio de revelação da fotografia, pois, nas fotos feitas com filme

fotográfico, só eram exibidas após serem processadas num laboratório

especializado em revelação fotográfica.

Outro elemento que se modificou com a versatilidade do sensor digital

foi a ISO6, que consiste da sensibilidade do material fotográfico, com a

finalidade de tornar a captação de luz mais rápida. Com isso a câmera poderia

fazer registros de situações com pouca luz em menos tempo que normalmente

faria, evitando que a foto saísse tremida ou elementos externos se

posicionassem entre o assunto fotografado e a câmera interferindo no

resultado final. Como consequência desse aumento da sensibilidade, tanto na

fotografia digital como na analógica, surgiram o que é conhecido como

“granulação” ou ruído fotográfico. Para alguns esse ruído causa uma perda da

qualidade da imagem, outros fazem uso como um fenômeno estético para

compor a sua narrativa fotográfica, dando uma característica envelhecida ou

até mesmo “suja” à imagem.

A forma como a ISO se distingue na câmera analógica para a digital,

reside no fato de que no filme a ISO é fixa, vindo informado no rótulo do filme a

numeração da sensibilidade e só podendo ser alterada quando modificado o

filme no interior da máquina. Já na fotografia digital o valor pode ser alterado

sempre que for desejado pelo usuário. Esse valor representado por uma

numeração varia de 50 a 1000 das analógicas, e nas digitais de 50 a 25600. Na

6 ISO é um componente fotográfico que surgiu através da junção de dois outrosformatos de sensibilidade do filme fotográfico. O primeiro formato pela ASA, padrão norteamericano criado pela American Standards Association, e o segundo formato DIN significaDeutsches Institut für Normung. A sigla ISO está relacionada com a International Organizationfor Standardization, a conhecida Organização Internacional para Padronização, que tem comofunção criar normas técnicas de padronização e normalização de 170.

29

fotografia digital, com a utilização de softwares incorporados à máquina, bem

como na “ilha de edição”7, a granulação pode sofrer alterações, sendo reduzida

ou aumentada de acordo com a vontade do profissional que vai executar a

edição final da fotografia.

Provavelmente, um dos elementos técnicos da máquina fotográfica que

mais sofrem alterações para realizar uma foto, em conjunto com o anel do

diafragma, é a velocidade com que o obturador vai realizar a fotografia. Esse

elemento varia de cada modelo de máquina, mas em grande maioria o

obturador é um mecanismo que levanta o espelho que reflete a luz para o

operador ver a foto antes de apertar o gatilho, deixando a luz passar e tocar o

filme ou sensor digital. O controle dessa função é importante da mesma

maneira que o controle da abertura, pois permitirá mais passagem de luz.

Nesse ponto a ISO vai tornar o material mais sensível para a captação de luz, e

a velocidade do obturador permitirá a dupla possibilidade de pausar o

movimento ou captar o “borrão” que o assunto em movimento pode deixar

durante a sua execução. Velocidades mais rápidas também podem escurecer

bastante uma fotografia, assim como velocidades mais lentas podem

“estourar”8 a foto. Muitas vezes a foto é auxiliada pela utilização do flash, que

tem a função de jogar mais luz sobre o referente. Isso permitirá manter o anel

do diafragma numa abertura que possibilitará criar a profundidade de campo

desejada, assim como a ISO não será alterada para não afetar a sua

granulação, e a velocidade não será lenta demais, contribuindo para não sair

tremido ou borrado pelo movimento.

De todos os avanços tecnológicos que surgiram na fotografia,

provavelmente um dos que mais se firmaram foi a criação de um dispositivo

chamado fotômetro. Este veio com a finalidade de medir a luz que passa pela

combinação dos elementos formados pela abertura da objetiva, as

configurações de Velocidade do Obturador e a sensibilidade da ISO, sendo que

elas foram previamente estabelecidas pelo usuário. Em alguns modelos das

máquinas analógicas, essa função só aparecia quando era ativada pelo

7 Termo utilizado para computadores utilizados na edição de fotografias e filmes.8 Na era da fotografia analógica era mais comum se referir à fotografia como

queimada. Na fotografia digital o termo mais comum é estourar, pois o branco acaba dando aimpressão de ter estourado durante o registro da fotografia.

30

usuário, pressionando um botão específico, para confirmar que as

configurações que tinham sido estabelecidas não iriam causar uma foto

subexposta ou superexposta. O fotômetro permite surgir uma criatividade no

fotógrafo, através da possibilidade de fazer jogos de luz para criar efeitos de

claro e escuro numa mesma fotografia, permitindo dar elementos estéticos que

tornem a foto mais atrativa aos olhos de quem observa.

Figura 1 – Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 304

Como podemos perceber na imagem acima, a foto registra uma escala

de cinza que compõe a imagem em filme preto e branco. A utilização dos

conhecimentos do fotógrafo, em conjunto com o fotômetro, permitiu a ele criar

jogos de luz que escureceram parte das pernas, deixando somente um

pequeno pedaço do céu aparecendo “estourado” na fotografia.

Dependendo da informação que era exposta no gráfico que representa

a informação medida pelo fotômetro, o usuário poderia fazer as correções que

lhe fossem desejadas para evitar que a foto fosse perdida ou que pelo menos

deixasse a foto com as características estéticas que fossem esperadas pelo

usuário. Nas máquinas digitais o fotômetro continuou com a mesma função,

31

todavia, ele será mantido ativo sempre que a máquina não estiver entrado em

modo de “standby”. Porém quando solicitado através do pressionamento do

botão de disparo pela metade, o mecanismo se ativará e responderá

automaticamente às novas configurações que a ele serão atribuídas.

Para finalizar essa parte técnica da fotografia, devemos colocar em

foco que para realizar um registro fotográfico é necessário harmonizar pelo

menos três elementos principais da fotografia: a abertura da lente, a velocidade

do obturador e a sensibilidade da ISO. Quando essas três funções estão em

harmonia, configuradas da forma que o usuário achar mais interessante para o

registro que vai ser realizado, é que se pode então decidir usar iluminação

extra como flashes ou tochas de iluminação, e diversos componentes que são

restritos ao usuário comum.

Por mais que as máquinas compactas de hoje em dia permitam ao

usuário fazer qualquer alteração das configurações dos elementos de abertura,

velocidade do obturador e de ISO para realizar uma fotografia, a grande

maioria dos usuários não possui o devido conhecimento dos aparelhos que

estão manipulando, sejam máquinas compactas, semi ou profissionais. Essa

função é diretamente influenciada pelo fotômetro, que nivela a fotografia por

padrões predefinidos de fábrica conforme acima descritos. Nas máquinas

compactas, o elemento do autofoco dificilmente apresenta a possibilidade de

ser controlado de maneira completamente manual, existindo até uma

terminologia para designar usuários que fazem o uso da máquina apenas na

função automática, sendo ela Point-and-Shoot9. Devemos considerar que o

controle manual dos elementos existentes na máquina fotográfica permite uma

“personalização” da fotografia, possibilitando construir uma identidade do

fotógrafo do ponto de vista técnico.

Cabe ainda expor que, por mais que os programas e funções das

máquinas considerem as configurações corretas para uma determinada

fotografia, isso não garante que todas as fotos tiradas com aquela função vão

ser adequadas e agradar ao seu usuário. Por mais que a máquina

automaticamente considere uma configuração ideal baseada na luz que está

sendo captada por ela, a máquina não estará preparada para captar elementos

9 Significando literalmente: Apontar e Disparar.

32

que vão acontecer ao acaso. Como exemplo, se observássemos uma foto de

uma pessoa caminhando no fim de tarde, onde teria pouca luz, esta fotografia

sairia com o aspecto borrado, já que o movimento da pessoa teria sido

registrado percorrendo o espaço. Para suprir essa deficiência e abrir o leque de

possibilidades, os fabricantes começaram a desenvolver uma função

denominada “scene”. Essa consiste numa configuração pré-programada da

máquina, para conceder a possibilidade do usuário comum fazer fotos

específicas dentro de momentos específicos.

Figura 2 - Campo Petrolífero em Greater Burhan Kuwait, 1991.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 336

Uma cena que se desenvolve dessa forma diante de um fotógrafo,

necessita principalmente de uma mediação muito cuidadosa de como será

configurada a máquina. Afinal de contas, a chama que sai dos poços de

petróleo faz com que gere uma luminosidade extremamente forte e os modos

pré-programados de uma máquina talvez não tivessem conseguido mostrar os

detalhes da cena. Muito possivelmente, numa atribuição pré-programada só

poderia ser registrada a chama e todo o resto estaria completamente

escurecido, ou o fogo seria um borrão claro e sem forma. Resumindo: a

33

configuração cuidadosa permite ao universo fotográfico conter elementos que

poderiam ser anulados pelas “scenes” de uma máquina automática.

Os elementos técnicos aqui descritos são apenas um aspecto da

fotografia. É possível compreender e dominar completamente a mecânica do

aparelho, fazer uso das configurações “corretas”, com a finalidade de criar uma

foto. Mas também é possível fazer uma fotografia desconhecendo

completamente os elementos técnicos, porque, conhecer a mecânica do

aparato não é a mesma coisa que dominar a forma de se fazer fotografia. É

apenas uma maneira de começar a compreender toda a dimensão em que a

fotografia vai se inserir. O que cabe ao usuário é tentar não se limitar às

questões das definições técnicas e começar a desenvolver formas de adequar

o seu estilo para a produção da fotografia, uma vez que o estilo desenvolvido

pelo usuário é a forma como ele quer ser reconhecido, a maneira como suas

fotografias serão identificadas tanto por ele como por outros sem que seu nome

seja mencionado.

Compreendendo Técnicas Básicas de Fotografia

Um elemento que aparece de forma espontânea e comum ao

observarmos uma fotografia é o pensamento em torno da qualidade do

equipamento que foi utilizado para registrá-la. Esse pensamento torna-se mais

intenso em pessoas que admiram a fotografia, mas não conhecem

profundamente os processos envolvidos em seu registro.

Por isso, vale salientar que não basta somente o melhor equipamento

para fazer uma fotografia, até mesmo porque, máquinas fotográficas quebram,

tecnologias avançam e uma gama nova de elementos vem surgindo para

compor os aspectos mecânicos da fotografia. É principalmente necessário que

a fotografia seja realizada fazendo uso de uma técnica fotográfica, algo que

torne ainda mais atrativa aos olhos dos espectadores do registro.

É de bastante relevância fazer o apontamento de alguns itens que

podem influenciar diretamente uma fotografia, a partir do momento em que se

tem uma máquina configurada da forma desejada e vai preparar-se para

disparar o dispositivo. Os elementos de técnica da fotografia que compõem

34

esse instante são inúmeros, principalmente por existir fotografias bastante

específicas, tais como fotografias em macro ou lightpaint. Todavia, não iremos

nos deter a essas formas mais específicas de se fazer um registro, mas sim a

elementos comuns a todas as formas e estéticas fotográficas.

Os principais elementos que constituem as técnicas fotográficas são

composição e exposição. A composição será constituída por elementos da

realidade cotidiana, que vão ser selecionados pelo olho do fotógrafo, para

formar o registro do que está se propondo a fotografar. Não basta

simplesmente levantar a máquina e apertar o gatilho, é necessário selecionar o

que estará dentro dessa foto, dentro de uma temática que vem ocorrendo

diante da pessoa que deseja captar tal momento.

Essa seleção não deve, de forma alguma, fazer com que se exclua o

todo que está ocorrendo, muito pelo contrário, essa seleção é a maneira de

tentar focar o que pode dar mais representação à cena. Para dar essa

representação, não há necessidade de se colocar o máximo de elementos

possíveis, muito menos deixar a cena livre das interferências existentes no

meio. É justamente tentar encontrar uma harmonia entre a essência do

momento com os elementos construtivos do todo.

Ao tentar captar em demasia todas as características existentes numa

cena, pode chegar a “poluir” a fotografia, deixando muito confusa a intenção do

que se quis fotografar e dificultando a leitura daquele momento. O oposto

também pode causar uma dificuldade na composição almejada, evitando o

apagamento, ou a exclusão de determinados elementos, pois podem ocultar

características importantes do momento. Sendo assim, a composição deve ser

entendida principalmente pela coexistência de elementos harmônicos de um

todo, elementos que podem surgir de forma distinta em fotografias diferentes

do todo fotografado.

Uma técnica que vem contribuir com a delicada harmonia da

composição é a regra dos terços. Tal regra se distingue por fazer uma divisória

imaginária da cena em três partes iguais, colocando o assunto principal em

foco dentro de 1/3 da cena e deixando todo o resto dentro dos 2/3 restantes.

Como resultando, o fotógrafo desloca o centro da fotografia para os lados,

possibilitando mostrar elementos ao fundo que estariam encobertos se o

35

assunto estivesse fixado justamente no centro da fotografia. Sendo assim, o

fotógrafo fica livre da necessidade de utilizar alguns componentes, como lentes

grande-angulares para tentar colocar o assunto em harmonia com o ambiente

que o cerca, bem como coloca em simetria certas cenas de paisagem

possibilitando a percepção do que está em perspectiva de profundidade em um

determinado local.

Não estamos aqui afirmando que toda fotografia deveria fazer uso

dessa regra para ajudar na sua composição, mas que ela abre portas para

outras técnicas que coexistem dentro do campo da fotografia. Dentre elas, uma

que já foi comentada, a profundidade de campo. Essa que surge como

consequência natural da abertura do diafragma passa a ser uma técnica de

desfoque da imagem, mais conhecida como bokeh10.

Falar de fotografar normalmente é falar em colocar o assunto

perfeitamente focado em cena, mas, como já foi dito, as objetivas permitem

causar um efeito que distorce o que não está diretamente focado, causando um

borrado não pela foto ter saído tremida ou o assunto estar em movimento, mas

sim pelo excesso de luz que entra pelo diafragma e toca o sensor. Esse efeito

de desfoque pode ser intensificado com aberturas maiores das objetivas, bem

como, o efeito pode ser reduzido com aberturas mais fechadas. Todavia

também pode ser afetado pelo tipo de lente que se utiliza para fazer a foto, pois

as teleobjetivas têm a capacidade de intensificar mais o efeito de borrado do

que lentes grande-angulares.

Essa técnica, quando controlada devidamente, permite também dar

uma acentuação à cena, criando um ponto central na foto, despertando o

interesse naquilo que está em evidência e dando uma característica estética

mais suave à cena. Com desfoques mais intensos é possível apagar

completamente o cenário de fundo, deixando somente aquilo que se deseja

colocar em evidência em total destaque.

Um artifício que também aparece nas técnicas da fotografia, são as

linhas de força. Essas, por sua vez, se constituem por linhas imaginárias que

guiam o olhar do espectador dentro da imagem, aparecendo principalmente de

10 Palavra japonesa que significa desfoque ou borrado.

36

forma complementar ao registro. Se uma pessoa olha diretamente para a

câmera, essas linhas de força podem “saltar” de seus olhos, ou quando alguém

aponta para algo, o ato guia o nosso olhar para onde ela aponta, ou quando

estruturas alinhadas aparecem enquadradas e desfocadas para dar a

sensação de profundidade de campo. Tudo isso guia o movimento dos nossos

olhos pelo plano do registro fotográfico. Tais linhas surgem tanto de forma

intencional daquele que registra ou que é registrado, bem como de forma

espontânea, de maneira que não foram previstas na hora em que estavam para

ser realizadas, mas que se tornaram evidenciadas pelo espectador após a sua

revelação. O fotógrafo deverá tomar cuidado apenas para não exagerar nos

elementos das linhas de força para não extrapolar a harmonia da composição.

Essas três técnicas são formas direta e intimamente ligadas dentro da

narrativa fotográfica, sendo necessárias para entender a composição como

construções das temáticas em harmonia com as realidades expostas diante de

um observador. Aquele que realiza o ato de fotografar deve ter em mente que

não é simplesmente um observador passivo dos elementos que estão se

desenvolvendo diante de suas lentes, ele é agente ativo na captação do

mundo. Principalmente por esses elementos, após surgirem diante do

observador cuidadosamente posicionado, necessitarem de uma delicada

exposição no material sensível, sendo ele o filme fotográfico ou o sensor digital.

O posicionamento da pessoa que deseja realizar um registro

fotográfico diante da realidade a ser fotografada poderá estabelecer diferentes

critérios para análise da imagem resultante. Posicionar longe ou perto dos

acontecimentos poderá transmitir mais do que uma simples ideia de grandeza

do momento ali registrado, pois poderá causar a sensação de intimidade com

as pessoas e as situações ali dispostas. Quanto mais próximo o fotógrafo

estiver da cena, maior a probabilidade dele interferir nas ações que seguiriam

de forma “natural” se ele não estivesse ali presente. Uma das resultantes da

proximidade mais acentuada é fazer com que as pessoas notem sua presença

e reajam de forma específica e completamente imprevisível. Quando a

proximidade do fotógrafo com os assuntos fotografados chega a um nível em

que esse não é notado ou ignorado, muito possivelmente a prática da fotografia

já se fez familiar e íntimo dos que estão dispostos diante dela.

37

Figura 3 - Trapani, Sicília, Itália, 1991.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 96

É plenamente possível perceber a presença dessas três técnicas na

fotografia acima. O Homem à frente estaria posicionado em um dos terços da

imagem, os barcos ao fundo sofrem do efeito de desfoque da profundidade de

campo e, por fim, as linhas de força saem também dos olhos das pessoas que

estão na foto. Todos atentos com uma visão que foge ao quadro emoldurado

pelo fotógrafo. Esse elemento do olhar fugindo da cena nos ajuda a

compreender também o posicionamento de Sebastião Salgado diante das

pessoas fotografadas. Apesar da evidente proximidade, existe uma magnitude

de acontecimentos que lhes “roubam” a atenção, transmitindo a impressão de

que o fotógrafo não está ali e a fotografia ocorreu de forma quase mágica e

completamente espontânea.

A exposição nesse caso tem como função equilibrar o contraste de

claro e escuro na fotografia. Em sua origem, a fotografia revelada era

monocromática, sendo necessária uma séria de avanços no que se trata da

captação e revelação para poder chegar ao filme colorido. Tais transformações

intensificaram ainda mais o cuidado com o contraste de cores permitindo um

registro ainda mais preciso do mundo que está diante das lentes. Nas

38

fotografias de produtos comerciais e principalmente de natureza, a coloração e

o contraste do claro com o escuro são essenciais, pois a subexposição ou a

superexposição podem alterar completamente o resultado final do que está em

foco.

Em geral o fotômetro tem ligação direta com esse componente. Isso

por sua capacidade de medir a luz que permite o usuário fazer uma foto com

harmonia entre o claro e o escuro. Quando foi dito que deveria existir uma

harmonia entre os elementos da composição estava sendo dito algo ligado

diretamente com elementos externos, elementos que não podem ser

controlados plenamente por aquele que realiza o registro. A harmonia na

exposição se trata do controle da luz, luz que muitas vezes não pode ser

controlada da sua fonte de origem, como o sol ou fogos de artifício, mas pode

ter o controle desejado do resultado dessa imagem através das funções

existentes na máquina fotográfica. Decidir até que ponto a luz ambiente vai ser

interessante em iluminar o espaço ou escurecer pontos específicos tem que ser

uma preocupação para valorizar os elementos existentes e alcançar as formas

estéticas desejadas.

Existem técnicas que não estão presentes no ato da fotografia, mas

sim no momento posterior ou, como é mais conhecido, na edição. Na fotografia

analógica a edição poderia ser feita em dois momentos, sendo o primeiro no

negativo que sofreria alterações para modificar a estética da foto. O segundo

seria quando a imagem presente no negativo fosse projetada no papel

fotográfico onde a foto passaria a existir de forma física.

Na edição da fotografia digital existem técnicas que permitem dar o

controle de alterar elementos na imagem que foram determinados antes da foto

ser realizada. Essas edições podem intensificar ou suavizar o efeito de

desfoque, como também pode permitir recortar a foto de maneira a acentuar a

regra dos terços ou retirar elementos que não são considerados interessantes

ao fotógrafo. Em casos extremos, a edição permite acrescentar elementos que

não existiam no momento da foto, ou removê-los permanentemente do registro,

dependendo somente da vontade da pessoa que realiza esse processo de

edição.

39

No que concerne à edição pós-registro fotográfico, não devem ser

negadas ou abominadas as alterações possíveis de serem realizadas,

procurando ter o cuidado para não ser utilizada de forma descontrolada. Tal

edição deveria vir para dar controle dos detalhes que, no instante que a

fotografia foi realizada, não havia possibilidade de alterá-los. Afinal, o tempo

que o fotógrafo iria reconfigurar a sua máquina causaria a possibilidade de

perder completamente a oportunidade de registrar um momento que nunca

mais se repetiria.

Outra possibilidade seria do profissional usar a técnica pós-registro

para reinventar ou apenas acentuar elementos estéticos, tais como transformar

uma foto colorida em preto e branco, escurecer algum determinado elemento

da foto para ressaltar outro, ou desfocar algo. Contanto que a edição final não

rompa com a essencialidade do registro.

É possível alterar completamente a estética da fotografia, removendo

elementos que estavam presentes ou acrescentando outros. Nesse instante

acreditamos que a foto perderia sua característica de elemento revelador do

cotidiano, perderia o seu vínculo com o que originalmente está representando,

e poderia então ser considerada mais uma pintura ou mesmo uma montagem

no estilo de bricolagem do que propriamente uma fotografia. Não afirmamos

que a fotografia não possa sofrer retoques, mas o acréscimo ou exclusão de

elementos distintos pode alterar a essência da realidade, criando algo que não

estava lá, algo que não existiu na sua forma física e somente teria existido em

uma concepção imaginária da pessoa que alterou determinadas características

da foto.

Tem-se mostrado evidente que os elementos inseridos no contexto da

fotografia não podem ser separados uns dos outros, principalmente

considerando os aspectos técnicos da mecânica do aparato fotográfico, com as

técnicas utilizadas para dar forma aos desejos fotográficos. Ambos têm que

coexistir e se relacionar para transcreverem a luz no material sensível de forma

a criar um registro fotográfico da situação do cotidiano que deseja ser

armazenada. Por mais que eles tenham se modificado durante as décadas que

acompanharam o surgimento da fotografia, é necessário compreender que

seus limites beiram somente o limiar da imaginação e avanço tecnológico. Nas

40

décadas que estão por vir, o aparato técnico da fotografia sofrerá alterações,

ganhará novos elementos e outros deixarão de existir. O importante, contudo,

para esse momento, é fazer uma análise de como tudo irá interagir de forma

mais elaborada e precisa.

Quando o Técnico e a Técnica se Encontram

Quando colocamos as peculiares do campo técnico de uma fotografia

(câmera, lente, flashes) em harmonia com características da técnica fotográfica

(regra dos terços, profundidade de campo e linhas de força) para existir num

mesmo plano, temos como resultado a fotografia propriamente dita. Parece

muito simples reduzir a fotografia para a harmonia desses elementos, mas isso

possibilita abrir portas ainda mais complexas sobre o “fazer fotografia”. Isso

ocorre, já que o resultado final dessas combinações serão elementos

simbólicos dotados de linguagem que será visto e resignificado por aqueles

que observam essa fotografia.

Isso se caracteriza por um processo de leitura da imagem e,

consequentemente, classificação dentro de campos externos, bem como de

disposições estéticas e temáticas culturais. Sendo assim, apertar o gatilho da

máquina não encerra o registro fotográfico do que está representado no papel,

que abre portas para um mundo de olhares e pensamentos reflexivos.

Uma ação quase que involuntária de uma pessoa que contempla uma

fotografia é fazer uma classificação em algum “modelo” conceitual

predeterminado. Tais modelos são formas de considerar a fotografia como

sendo um documento histórico, uma expressão artística ou até mesmo como

particularidade sem importância de um cotidiano efêmero.

Classificar a fotografia dessa maneira “limita” a sua análise, fechando

as portas das interpretações possíveis de serem fomentadas a partir da sua

leitura. No entanto essa não deveria ser a forma como se percebe uma

fotografia. É importante diferenciá-la para fins de análise, sem disjuntá-la

completamente do campo teórico que pode auxiliar a sua leitura. Sendo assim,

faremos considerações acerca desses campos teóricos da fotografia,

procurando entender a forma como ela se relaciona e distingue entre si.

41

Compreendendo o Espaço no Documento Histórico

Considerar que uma fotografia é um documento histórico é ponderar

primeiramente que o que está exposto ali existiu daquela maneira em algum

momento do tempo. Esse tipo de prática ocorre quando são observadas

fotografias com teor antigo, fotos de pessoas em épocas que há muito se foram

ou em locais muito distantes do nosso. Fotos desse tipo estão sempre

presentes em álbuns de família, revistas, jornais, livros e qualquer outro

documento que possa ser consultado sempre que requisitado.Figura 4 - Ria de Vigo, Espanha, 1988.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 86.

Pelos conteúdos expostos nessa fotografia, podemos perceber que se

trata de algo que ocorreu há muito tempo. As vestes da senhora demonstram

que ela pertence a uma classe social, bem como as mulheres que se

encontram ao fundo. Nela não é possível datar precisamente quando foi

realizada essa fotografia, mas transmite uma sensação de que essa prática

deve ser comum dentro da comunidade da qual essas pessoas fazem parte.

42

As formas aqui descritas são maneiras superficiais de se considerar

uma fotografia como sendo um documento histórico. O que vai realmente

classificar a foto como algo que marcou um momento vai ser a relação de três

elementos existentes na fotografia que faz parte da argumentação do

pesquisador Jacques Aumont. O primeiro está na analogia feita pela realidade

representada com a própria imagem da foto. O segundo será o espaço

propriamente representado e o terceiro é caracterizado pelo que foi a

temporalidade gravada no ato de fotografar.

O ato de estabelecer uma analogia será uma forma mais profunda de

ligar a imagem com o que ela está representando, partindo do ponto de vista

daquele que a observa, ou seja, o espectador. Por mais simples que essa

definição possa parecer, existem, de acordo com Jacques Aumont, fronteiras

que vão compor tal argumentação, pois a analogia pode ser feita de forma a

considerar sua relação com a realidade, com a mimese e com o que se faz

referência.

A relação entre analogia e realidade gira em torno do modo

inconsciente do espectador fazer relação da fotografia, ou da imagem como um

todo, com um “tipo ideal” teórico sobre aquela temática registrada.

Essa atitude, que tem status teórico, ainda se acha em estadoprimitivo em todo telespectador que identifica absolutamente aimagem vista como a realidade documentária, em todo fotógrafoamador que considera suas chapas como um fragmento do real etc.(AUMONT, 2008, Pág. 198)

Acreditamos que essa visão do fotógrafo amador de considerar suas

“chapas” fragmento do real seja também algo que está presente na concepção

de fotógrafos mais experientes. Isso ocorre por criar uma ligação muito forte

com o que está sendo fotografado, pois o fotógrafo se prende ao desejo do que

está captando através de suas lentes, ser a representação mais precisa dos

acontecimentos.

Inserido no aspecto da analogia como convenção ou realidade, surge

um caráter duplo que distingue dois aspectos. O primeiro cria a analogia na

qual a fotografia é um espelho, sendo ele um reflexo do que está fotografado, e

o segundo que ela é um mapa de algo previamente concebido. A concepção de

43

aspecto como espelho é relacionada com a forma dela reproduzir o que está

dentro do seu enquadramento de forma tão natural como se fosse um espelho

ou um reflexo da d’água. Sem descartar que esse seria uma forma sem

interferência do humano no sentido de tratamento da fotografia, ou seja, para

considerar a fotografia como analogia tendo caráter de espelho, tem que

concebê-la sem a interferência de edições, tanto químicas do processo de

revelação, como também de edições digitais antes dessa revelação.

No aspecto de mapa da fotografia análoga, obteríamos uma maneira

mental e universal para traduzir o mundo registrado de forma mais clara e

simples para o espectador. Essa seria uma forma de conceber a fotografia

antes de fazê-la, mas não somente trabalhando com o olhar sensível. Tal

aspecto seria cuidadosamente trabalhado tanto antes como depois, para não

compor o todo de forma complexa e que dificultasse sua leitura.

Por sua vez, vemos que a conceituação de analogia próxima do

conceito de mimese surge primeiramente como um sinônimo bastante

adequado para se falar de analogia. Sendo que é considerada tal definição

para designar determinados tipos de imagens que fazem, ideologicamente,

uma semelhança “absoluta” com o que está sendo retratado. O mais

importante dessa definição é:

Basta apenas reter a asserção do título: a imagem fotográfica temuma essência, que é ser uma “alucinação verdadeira”, “embalsamar”e “revelar” o real em todos seus aspectos, inclusive temporais. É poisa encarnação de uma semelhança ideal, apta a satisfazer anecessidade de ilusão mágica que está no fundo de todo desejo deanalogia. (AUMONT, 2008, Pág. 201)

Sendo assim, por mais próxima que a analogia mimética que uma

fotografia possa ter com o seu referente, ainda sim vai ser somente uma

semelhança “ideal” com o que está fazendo referência. Essa “ilusão” está

bastante presente quando consideramos uma fotografia como documento

histórico, como representação perfeita do que “foi”, ocorrendo de forma a

satisfazer um desejo interno de classificação e determinação.

44

Observando a analogia como referência, vemos um leve

distanciamento da ideia que a fotografia análoga será uma cópia pura e

inocente do que foi fotografado. Como foi argumentado por Jacques Aumont:

Nessa terminologia, trata-se sempre de processo de simbolização doreal, isto é, de produção de artefatos “intercambiáveis” no interior deuma sociedade, que permite se referir convencionalmente a ele.(AUMONT, 2008, Pág. 202)

Ou seja, a fotografia não é a coisa que ela retrata, ela representa de

forma simbólica o que foi fotografado. Isso ocorre pelas características que

estavam presentes no momento do registro, mas que sofrerão “mudanças” num

primeiro nível pela configuração do aparelho que estará sendo utilizado, e num

segundo nível sofrerão alterações novamente através da técnica que será

utilizada para registrá-la. No terceiro nível passarão por mais uma alteração no

processo de pós-produção para no fim se tornar apresentada ao mundo e

assim sofrer a última mudança que ocorrerá no interior de quem a observará.

Nesse ponto temos que perceber que a analogia de referência não é a

coisa a qual representa, por não se tratar dessa coisa “em si”, pois não apaga a

sua característica de revelar o mundo fotografado. Ela justamente mostra que o

assunto fotografado e a foto em si mantêm uma conexão do documento

histórico com os acontecimentos, que irão mostrar e revelar sem ser verdade

absoluta, mas contendo uma essencialidade com traços verídicos do universo

ali presente.

Considerando que os processos de analogias são feitos de formas

(in)conscientes, vemos que a fotografia como documento histórico se firma

principalmente nas questões de espaço e tempo, devendo ser considerado sua

presença na fotografia de maneira a fazer uma representação ao que “foi”, do

passando que esteve ali e hoje não está mais.

Podemos fazer a divisão do espaço apresentado em uma fotografia de

maneira a tratar dele tanto do ponto de vista da percepção de elementos (como

profundidade de campo e percepção visual de elementos estéticos), como

também do espaço que foi emoldurado pelo Frame que constituía o negativo

45

fotográfico. Todavia, pretendemos focar nesse instante nos elementos visuais

que foram emoldurados pelos limites do papel fotográfico.

Existem duas noções visuais centrais na percepção do espaço da

fotografia, as quais são diretamente ligadas pelas técnicas já expostas aqui,

denominadas por profundidade de campo e a perspectiva. A concepção de

perspectiva está fortemente ligada à noção de linhas de força, devido à

característica geométrica que constitui a definição básica de perspectiva como

sendo linhas imaginárias, traçadas no plano do papel, que tendem a se

encontrar no infinito. As linhas que vão percorrer o cenário de uma imagem,

através da disposição dos elementos que estavam presentes na cena,

ganharão a característica tridimensional possível em superfícies planas e

bidimensionais. As linhas de força vão se alinhar aos elementos das retas que

vão se encontrar no infinito, bem como de linhas (podendo ser curvas ou retas)

que partirão de um ponto central para as margens do plano bidimensional.

Tanto do ponto de vista técnico, como da técnica fotográfica, a

profundidade de campo já havia sido desenvolvida, sendo uma resultante da

combinação de elementos da ótica do equipamento fotográfico, controladas

através da abertura da lente pelo próprio fotógrafo. Pelo o que se compreende

por espaço dentro de uma fotografia pode ser percebido um vasto campo

dentro da superfície bidimensional da imagem. Esse campo tem a necessidade

de ser controlado para demonstrar a forma como os elementos estão dispostos

nesse espaço.

Modificar a objetiva para fazer com que diminua o efeito de

profundidade de campo, deixando boa parte da cena em foco, poderia dar a

impressão de que tudo o que estava presente estivesse próximo ou até mesmo

sobreposto à imagem. A fotografia ficaria com detalhes bem nítidos do que está

presente, mas iria causar uma distorção dos elementos que estavam em cena.

Por sua vez, configurar a máquina para acentuar os elementos em desfoque

que vão ser fotografados também pode causar uma distorção deixando grande

parte da fotografia irreconhecível.

Mediar o que está sendo posto de forma nítida ou desfocada numa

fotografia é decidir o que vai compor o que será exposto pelo campo

fotografado. Nesse momento não estamos nos referindo à técnica de

46

profundidade de campo, mas sim ao campo selecionado para estar ali

representado. Esse campo pode conter elementos estáticos e elementos em

movimento, dependendo apenas do que estava sendo fotografado.

Podemos afirmar que o ato de colocar uma cena em foco é criar uma

moldura para “delimitar” o campo que será registrado, um campo que através

de técnicas e lentes poderá ser “distorcido”, mas não deverá ser alterado.

Fazer a separação entre distorção e alteração do campo é necessário para

compreender que quando é feito o uso de lentes grande-angulares, ou

teleobjetivas, não se altera o que está para ser registrado. Faz-se isso

justamente para colocar mais elementos que existem na realidade cotidiana

retratada, dentro do mesmo espaço fotografado. Uma alteração do modo de

enquadramento teria a capacidade de remover ou acrescentar elementos que

estão presentes na cena do cotidiano, mas à medida que o enquadramento

fosse modifico devido à manipulação da distancia focal, poderiam ser ou não

incluídos no enquadramento.

Definir tudo o que compõe o campo é também falar do que está fora

dele. É argumentar que também existem elementos que constituem o espaço

global da fotografia, mas não foram selecionados para estarem presentes no

momento em que a foto foi realizada. Isso Jacques Aumont define como sendo

o Fora-de-Campo.

(...) se o campo é um fragmento do espaço recortado por um olhar eorganizado em função de um ponto de vista, então não passa de umfragmento desse espaço – logo, que é possível, a partir da imagem edo campo que ela representa, pensar o espaço global do qual essecampo foi retirado. (AUMONT, 2008, Pág. 226)

Do ponto de vista da fotografia, o que está fora-de-campo será para

sempre algo que só poderá ser acessado através do imaginário. Por mais que

algo tenha sido complementado por fotografias com outros pontos de vista da

mesma cena, mostrando ângulos e momentos diferentes realizados do mesmo

local, vão ser sempre outras molduras de campo cuidadosamente

selecionadas. A fotografia como documento histórico será sempre algo que

revelará pontualmente, forma enquadrada, em um Frame de particularidades

que foram selecionados por aquele que registrou.

47

Compreendendo o Tempo Representado no Documento Histórico

Quando se fala de fotografia também se fala de tempo. Esse tempo

pode ser dividido de algumas formas: a primeira se trata do tempo de

exposição da luz no material sensível, a qual já foi comentada aqui. Um

segundo tempo a ser considerado consiste no momento da fotografia, o espaço

temporal escrito no plano fotográfico. Essa, por sua vez, necessita conter

informações que demonstrem a época que está armazenada temporalmente na

foto, sem eles a fotografia teria a ambiguidade de conter um tempo registrado,

mas estaria atemporal do ponto de vista da historicidade do momento. Por fim,

o último tempo envolto nesse ponto de vista da fotografia seria o tempo que o

espectador demora a ler e reconhecer o que está numa foto. Esse seria

subjetivo, dependendo principalmente da familiaridade que o espectador

apresenta com o que está observando.

O foco agora será principalmente na temporalidade existente no

documento fotográfico. Sendo assim, vamos fazer uma análise do que pode ser

chamado de instante pregnante. Fazemos uso desse termo para poder nos

referir ao momento que está sendo representado numa imagem, assim como

para relacionar com os elementos que dão indícios de qual posicionamento

temporal está posicionado aquele registro específico. Outra forma de

compreender tal argumentação seria como foi abordada por Jacques Aumont,

quando diz:

“O instante pregnante (ou “instante mais favorável”) é pois definidocomo um instante que pertence ao acontecimento real e que é fixadona representação.” (AUMONT, 2008, Pág. 231)

Cabe citar aqui que a fotografia se distingue da pintura, tanto por sua

capacidade de registrar o momento de forma instantânea, como também a

noção realística da captação de detalhes. As noções temporais vão ser aquelas

que estavam presentes no momento que a fotografia foi realizada, ao passo

que, na pintura, eles poderiam ser acrescentados aos poucos e isoladamente.

A fotografia representa uma transformação que quebra com o instante

pregnante, pois os elementos na pintura iam sendo postos para dar a ideia de

48

temporalidade de acordo com a vontade do pintor. Nesse momento, podemos

verificar que ocorre uma modificação do instante pregnante, o qual se

transforma em um “instante qualquer”, um instante que estaria muito mais

presente na fotografia do que na pintura. Porque, na pintura, o instante estaria

impregnado da história representada.

Esses conceitos de instante são diretamente opostos, mas

devidamente complementares. Isso ocorre para tentar compreender o tempo

que ali está representado e se deseja tornar visível para o espectador. Com o

advento de tecnologias que possibilitam a edição da fotografia, podemos ver

esses dois instantes se chocando entre si. Como já veio sendo trabalhado ao

longo desta pesquisa, a edição pode acrescentar e retirar elementos que ali

estão presentes, pode transformar o instante qualquer, mais comum em

fotografia, no instante pregnante. Fazemos essa reiteração da edição na

fotografia, voltada agora para o tempo, pois assim é transformado algo que

existiu de uma forma para algo que você gostaria de fosse de outra maneira.

Tendo sido feita essas considerações, pensamos sobre uma forma de

perceber a temporalidade exposta numa fotografia, como sendo designada por

tempo sintetizado. Essa característica vem mostrar que praticamente toda vez

que uma fotografia é realizada, é por possuir elementos que conseguem

demonstrar a capacidade de exprimir a temporalidade que se deseja manter

registrada.

Do ponto de vista do espectador, o tempo representado numa

fotografia vai sempre ser o passado cristalizado no presente. Isso ocorre pela

capacidade de retorno do passado estar presente sempre que uma

determinada fotografia for visualizada. Por mais que o espectador não tenha

pleno conhecimento de todo o envolvimento histórico captado por aquele

momento, de forma mesmo que inconsciente o espectador vai se situar

naquele período, entrando nos limites da moldura da fotografia e tentando fazer

parte do instante que ali se fez cristalizado no tempo.

Ponderações da Fotografia como Registro Artístico

49

Considerar a fotografia como arte é algo que parece fácil e até óbvio

em determinado nível. Mas se torna verdadeiramente complexo quando

pensamos no que está sendo trabalhado por trás das noções de fotografia e de

arte. Pensar a relação dos dois por si só já é capaz de produzir uma análise

longa e complexa, principalmente se esta análise for estendida pelas estéticas

e correntes artísticas relacionadas à fotografia. O que pretendemos expor aqui

são considerações acerca de como essa relação de diferentes elementos

permitem verificar uma fotografia como sendo uma obra artística.

Quando verificamos tudo o que foi dito até o momento, vamos perceber

que tem sido abordada a noção que uma imagem, principalmente uma

fotografia, foi produzida pela ação de uma pessoa, através de um dispositivo, o

qual vai tornar o momento visível para pessoas que ali não estavam presentes.

Essa característica ainda mostra-se verdadeira na arte, pois ela também segue

esses elementos para poder surgir no mundo do visível. No entanto, a arte não

fica retida somente ao que existiu em um determinado momento.

A obra artística pode ser fruto da imaginação de algum sujeito,

contendo elementos que seriam impossíveis de existir na realidade cotidiana

ou que teriam que ser criados de forma artificial. No entanto, não estamos aqui

desenvolvendo uma argumentação sobre a fotografia do que não existiu, mas

sim do que estava ocorrendo diante de um observador/fotógrafo, algo que fez

parte do campo visível e não do campo imaginário.

A noção que consideramos mais importante para poder fazer a relação

entre fotografia e arte é a sensação despertada no espectador, a forma como

ela vai sensibilizar aquele que deslumbra a fotografia com teor artístico.

Uma outra transformação da ideologia da presença consiste emsentir, na obra de arte, não mais a presença direta do mundo visível,mas a da Forma. Como dissemos, a forma é uma abstração, queidentificamos anteriormente (...) com a estrutura dos elementosvisuais que compõe um objeto visível. (AUMONT, 2008, Pág. 274)

A sensação despertada pelo olhar de quem se deslumbra com uma

fotografia vai passar diretamente pelo processo de abstração, pelo processo

interno de “quebra” dos elementos expostos no exterior da obra para serem

remontados internamente pelo observador da fotografia. Sendo tudo isso

50

formado por todos os processos acima descritos, pela combinação harmoniosa

de elementos técnicos e da técnica do fotógrafo. A maneira como tudo vai

sensibilizar uma pessoa será completamente particular e dificilmente afetaria

duas pessoas diferentes da mesma forma.

Assim um elemento fortemente presente para dar o “título” de arte a

uma obra fotográfica será completamente relacionado com as sensações

subjetivas presentes nos processos interiores de subjetividade. O que está

expresso na fotografia não ficará retido somente no universo das emoções e

sensações de um sujeito. Necessitará de um sentido mais profundo de

realidade. Esse sentido mais profundo de realidade ocorrerá para fazer o

espectador trazer as emoções que tem dentro de si para dentro da fotografia

que está contemplando.

Os encantamentos que cada sujeito tem com uma obra artística são

formados de uma essência que muitos não conseguem explicar. Todavia um

conceito aparece para dar forma a esse efeito “mágico” que está presente na

fotografia, classificando tal efeito como Aura. Esse conceito trabalhado

originalmente por Walter Benjamim pode ser visto de forma a compreender por

que determinados trabalhos possuem uma irradiação inexplicável que prende

os sentidos e transporta quem o observa para um mundo completamente

distante do qual o observador tem contato. De certa forma, qualquer objeto tem

uma aura que lhe concede a característica de arte, foge do mundano, numa

tentativa de lhe transferir um conhecimento que transcenda sua existência

como um objeto físico para um objeto próximo de divindades.

Acompanhado dessa noção de aura, principalmente quando é

relacionado com a fotografia dentro da obra do Walter Benjamin, surge a ideia

de Perda da Aura. Essa perda ocorrerá devido à possibilidade de reprodução

imediata e infinita da obra artística.

Retirar o objeto do seu invólucro, destruir sua aura, é a característicade uma forma de percepção cuja capacidade de captar “o semelhanteno mundo” é tão aguda, que graças à reprodução ela conseguecaptá-la até no fenômeno único. (BENJAMIN, 1987, Pág. 170)

51

Esse processo ocorre na fotografia, de acordo com Benjamin, depois

que começa a perder seu valor de culto para se transformar em valor de

exposição. O valor de culto será o valor atribuído a uma obra artística

justamente por ela ser cultuada por suas características únicas, a possibilidade

de deslumbrá-la somente ocorrerá se o observador for ao encontro dessa obra

que estaria exposta de forma quase que ritualística. O valor de exposição seria

o valor simbólico atribuído pela difusão do elemento artístico exposto. Seria a

reprodução e fácil acesso a esse elemento, rompendo com os valores

ritualísticos e quase sagrados atribuídos pelos contempladores dessas obras

artísticas.

Existe uma característica multiplicadora no campo da fotografia, mas

acreditamos que isso não impede o surgimento da aura, devendo, portanto,

contribuir para um novo entendimento de aura. Tal entendimento seria distante

dos valores de culto e de exposição, passando próximo aos elementos

simbólicos e internos que fazem parte dos sujeitos que contemplam a

fotografia. Possibilitando uma difusão de obras que não seriam facilmente

conhecidas se fossem mantidas em museus, assim como em galerias de

exposição espalhados pelo mundo, distante dos olhos dos admiradores

daquele autor, ou daquela corrente artística.

Figura 5 - Colheita de folhas de chá numa plantação próxima a Cyangugu, que produz chá de altaqualidade. Ruanda, 1991.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 40.

52

Uma fotografia como essa cria uma aura em torno de si que envolve

principalmente a prática que está desenvolvendo. As marcas nas mãos da

pessoa nos fazem questionar o tempo que ela está realizando essa atividade,

os caminhos que a levaram a seguir essa profissão na vida, qual seria o aroma

das folhas de chá que ela está segurando. A aura atrai e prende o olhar a

infinitos elementos que são expostos pela fotografia, faz cultuar o momento em

que a pessoa representada viveu. Ela também permite cultuar a pessoa que

realizou esse registro, neste caso o fotógrafo Sebastião Salgado,

principalmente pela sensibilidade de perceber esse momento diante de

diversos outros que devem ter sido apresentados diante de si. Os valores de

culto e de exposição aqui tendem a se chocar, não por um se sobrepor ao

outro, mas numa forma de alimentarem-se mutuamente. Os valores vão

proporcionar que a obra artística seja exposta para o mundo através da sua

reprodução, mas sendo algo ainda restrito somente para quem tem

conhecimento desse tipo de arte.

Para encerrar este capítulo, devemos expor que a resultante da técnica

e o técnico não é um elemento que constitui um documento histórico ou uma

obra artística. Pensar fotografia é lidar com esses dois universos

simultaneamente, é considerar que, dependendo do sujeito que a contemple,

será considerada tanto como registro histórico como forma de arte. Da mesma

forma, se não puderem ponderar a fotografia dentro de nenhuma dessas

formas, pode ser simplesmente um registro vazio de um momento que não lhe

é familiar. O olhar sensível nesse momento não vai girar em torno daquele que

registra a fotografia, ele deverá compor a visão do contemplador que se

sensibiliza com ela, como se algo mágico tivesse tocado a sua própria

essência.

53

CAPÍTULO 2Compreendendo as Realidades Fotográficas para Além dos

Espaços Técnicos.

54

O Contínuo Fotográfico: Pensando os Instantes que Compõem aFotografia

Desde o advento da fotografia é possível verificar um aumento

significativo na sua utilização e reprodução. Diferentes avanços tecnológicos

contribuíram para esse acontecimento. No entanto, um aspecto parece levantar

alguns questionamentos: a construção da imagem fotográfica dentro da

pesquisa sociológica. Esse aspecto está relacionado com a capacidade do

aparato fotográfico de “pausar” o instante fotografado e fazer com que seja

dada a ele uma “finalidade” dentro de uma pesquisa teórica.

Antes de adentrar nessa questão é necessário desenvolver pontos que

constituem o instante fotografado, pontos que vão além do fazer, ver e

interpretar as imagens fotográficas. Tais pontos giram em torno das realidades

capturadas pelas fotografias, sobre como elas interagem com as realidades

cotidianas.

Segundo a argumentação desenvolvida por Philippe Dubois em seu

livro O Ato Fotográfico, é possível verificar a existência de três maneiras

possíveis de enxergar a relação que a fotografia tem com o universo da

“realidade”: A primeira dessas formas consiste em considerar a fotografia como

espelho do real.

Em sua origem, tal visão era baseada na ideia de que a fotografia era

considerada como sendo a “imitação mais perfeita da realidade” (DUBOIS,

Pág. 27). Nesse processo é necessário considerar que a fotografia, em seu

princípio tecnológico, era concebida de forma mecânica, em que o fotógrafo

interferia pouco no processo de concepção da imagem.

Essa concepção “mecânica” da fotografia fazia com que pensadores,

como Baudelaire, considerassem o fotógrafo como um assistente “operador” da

máquina. Dessa forma, Philippe Dubois argumenta que:

O que é importante apontar aqui é a clivagem que Baudelaireestabelece com vigor entre a fotografia como simples instrumento deuma memória documental do real e a arte como pura criaçãoimaginária. O papel da fotografia é conservar o traço do passado ouauxiliar as ciências em seu esforço para uma melhor apreensão darealidade do mundo. Em outras palavras, na ideologia estética de sua

55

época, Baudelaire recoloca com clareza a fotografia em seu lugar: elaé um auxiliar (um “servidor”) da memória, uma simples testemunha doque foi. (DUBOIS, 2009, Pág. 29)

Ou seja, a fotografia deveria servir como instrumento da ciência, capaz

de registrar os traços do passado com maior rapidez e precisão do que as

pinturas produzidas.

Em outra corrente de pensamento oposta a essa, Philippe Dubois

argumenta que a fotografia veio para libertar a arte da obrigação de se

aproximar do real, principalmente dos retratos em miniatura. Sendo assim a

fotografia seria ligada à função documental, referência, concreto e o conteúdo,

enquanto a pintura ficava ligada à busca do formal, da arte e do imaginário.

Essa visão só é contestada quando outra corrente de pensamento veio

considerar a fotografia exatamente como uma pintura, pois era realizada uma

série de manipulações estéticas no filme fotográfico antes de ser revelado. Aqui

já podemos perceber uma característica plural da fotografia, que varia de

acordo com as visões e intencionalidades dos que a estão produzindo.

Deixando de ser SÓ um registro para se tornar TAMBÉM um registro.

Nesse ponto se inicia a segunda visão de Philippe Dubois sobre a

relação entre a fotografia e a realidade, sendo tal visão, a fotografia como

transformação do real. A questão não paira mais sobre a relação entre

fotografia e arte, mas sim sobre o registro feito pela fotografia, desenvolvido por

Dubois:

(...) a inaptidão da fotografia para exibir toda sutileza das nuançasluminosas e não apenas reduzindo o espectro de cores a simplesjogos de dégradés do preto ao branco. De fato, como se sabe, seobservarmos concretamente a imagem fotográfica, ela apresentamuitas “falhas” na sua representação pretensamente perfeita domundo real. (DUBOIS, 2009, Pág. 38)

Aqui temos o retorno aos elementos técnicos e da técnica já abordados

anteriormente, pois faz um regresso ao questionamento da relação da

capacidade de registro da fotografia, bem como dos ângulos escolhidos,

enquadramento, posicionamento do assunto fotografado. Sem contar ainda que

a fotografia reduza toda realidade tridimensional para um mundo bidimensional,

ou seja, todo o universo de qualidades dentro da fotografia passa a depender

da escolha quase que arbitrária partindo de um ponto de vista.

56

Esses e outros elementos serviram para formar o pensamento de que

a máquina fotográfica não é um “agente reprodutor neutro” (DUBOIS, Pág. 40).

O aparelho fotográfico, bem como a fotografia, atua do mesmo modo que a

linguagem, permitindo assim servir de instrumento de análise e interpretação

do real.

(...) as considerações técnicas vinculadas à percepção e àsdesconstruções ideológicas, eis os propósitos determinados pelosusos antropológicos da foto, que mostram que a significação dasmensagens fotográficas é de fato determinada culturalmente, que elanão se impõe como uma evidência para qualquer receptor, que suarecepção necessita de um aprendizado dos códigos de leitura.(DUBOIS, 2009, Pág. 41)

Interpretar esse mundo é entrar em contato com um novo sistema de

códigos a serem decifrados, de uma linguagem que passa a ser imagética. Tais

sistemas de códigos desenvolvidos para trabalhar a imagem foram sendo

principalmente utilizados pela antropologia para demonstrar que a fotografia

não é isenta de análise subjetiva, começando assim a ser vista como uma

construção culturalmente desenvolvida.

Dessa forma, a fotografia deixou de ser algo que apenas registra o

mundo exterior para também ser um instrumento que revela o interior, tanto do

fotógrafo como também da pessoa que deslumbra a fotografia. Isso acabou

fornecendo os elementos necessários para a elaboração do último dos pontos

ordenados por Philippe Dubois, que considera a fotografia como sendo um

traço de um real.

Esse ponto vem quebrar as visões anteriores de que a fotografia vai

ser sempre dotada de um sentido maior, passando a ter um sentindo mais

singular e particular, elementos que mostram que o real não vai ser único, vai

variar a partir dos diferentes olhares sobre o mesmo assunto.

Finalmente, num terceiro momento é necessário considerar que

ocorreu um processo de desconstrução dos elementos expostos pelos pontos

anteriores. Onde, a priori, a fotografia foi considerada como algo mecânico e

sem a influência do fotógrafo, a posteriori, passou a ser algo manipulado dentro

do seu negativo para criar uma nova “realidade”, ou seja, um novo registro.

57

O que é mais importante nesse momento é verificar que o único

instante no qual a fotografia permanece intocada é o tempo que vai demorar

entre o registro da foto, depois que a máquina foi devidamente configurada e

posicionada, até o momento em que a foto é revelada, mostrada, exibida. Nas

máquinas analógicas, esse momento é mais estendido porque demanda um

tempo maior para trazer à luz o que foi registrado. Nas máquinas digitais esse

momento foi reduzido a milésimos de segundo, pois o fotógrafo tem quase que

imediatamente a foto revelada no visor de sua máquina.

Dessa forma, cabe afirmar que na fotografia sempre existirá o que

Roland Barthes chama de “isto-foi”. Todavia, o que vem a seguir o “isso quer

dizer aquilo” é nada mais que a própria construção cultural feita sobre o

assunto fotografado e representado na foto. Esse “isto-foi” se refere

diretamente a algo que já existiu em algum determinado momento, algo que

não se repetirá mais.

O nome do noema da Fotografia será então <<Isto-foi>> ou, ainda, oInacessível. Em latim (...), dir-se-ia sem dúvida: <<interfuit>>, aquiloque vejo esteve lá, nesse lugar que se estende entre o infinito e osujeito (operador ou spectador). Esteve lá e, contudo, imediatamenteseparado; esteve absolutamente, indesmentivelmente presente, e,todavia, já diferenciado. (BARTHES, 2008, Pág. 89)

O importante de se perceber dessas correntes de pensamento

relacionadas com a realidade fotográfica é verificar que a fotografia não é uma

produção mecânica e espontânea. Dentro do espectro do registro fotográfico

existe uma série de elementos que saltam da imagem, elementos que

constituem uma linguagem imagética. Um elemento que salta da fotografia

seria próximo do conceito de aura trabalhado por Walter Benjamin. Sendo esse

conceito originalmente utilizado para fazer referência à quebra do ponto de

vista da tradição com a técnica da reprodução, vemos na fotografia digital que

a aura surge no instante que demora a surgir no visor da máquina até que se

comece a reproduzir a fotografia pelas mídias sociais.

Dentro dessa linguagem imagética, é possível se deparar com um

leque gigantesco de correntes teóricas que procuram analisar os sentidos

produzidos pela imagem. Verificar uma fotografia é ler os sentidos que ela

produz, então da mesma forma, entender as realidades que constituíram o

58

“fazer fotográfico” é importante compreender o algo que vai guiar o olhar do

operador da máquina para as temáticas que vão ser registradas. Portando é

mais do que necessário pensar a fotografia também a partir de quem captou tal

momento, a partir do olhar do fotógrafo que foi capaz de registrar tal momento.

Tendo sido feito considerações sobre fotografia, faz-se necessário

recorrer à argumentação teórica de Roland Barthes, já que ele traz elementos

teóricos essenciais que contribuem para entender não só a leitura das

imagens, mas o ato de fazer fotografia. Um dos seus argumentos mais

importantes para compreender tal ato é o que ele denomina Studium.

Roland Barthes argumenta que em toda fotografia existe um Studium,

um elemento que salta a foto, que nos motiva a descobrir a intenção do

“Operador” e tentar reviver os elementos e momentos que ocorreram para

culminar na fotografia. Sendo assim, identificar o Studium é ver a fotografia

através dos olhos de quem registrou.

Reconhecer o studium é, fatalmente, descobrir a intenção dofotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprová-las, desaprová-las,mas sempre compreendê-las, discuti-las interiormente, porá a cultura(a que se lia o studium) é um contrato feito entre os criadores e osconsumidores. (BARTHES, 2008, Pág. 37)

Outro elemento que existe tanto nas teorias de Barthes, como em

muitas imagens fotográficas, é conhecido como Punctum, que nada mais é que

aquela fisgada, a picada, a inquietação causada por uma fotografia. Ele não é

somente um incômodo, mas sim um ferimento, é algo que atravessa o

espectador da fotografia, mas sem ser algo grandioso e que ocuparia todo o

espaço da fotografia. O Punctum é um pormenor que existe na imagem

fotográfica, é algo que nos prende a atenção e cria algo que Barthes chama de

“campo cego” ou algo “fora-de-campo”.

O punctum é então uma espécie de fora-de-campo subtil, como se aimagem lançasse o desejo para alem daquilo que dá a ver: nãoapenas para <<o resto>> da nudez, não apenas para o fantasma deuma prática, mas para a excelência absoluta de um ser que a alma eo corpo se misturam. (BARTHES, 2008, Pág. 67)

O Punctum e o Studium coexistem numa fotografia, mas não existe

nenhuma regra que obrigue a presença de ambos. Bem como não existe

59

nenhum elemento obrigatório numa fotografia que transmita e desperte as

mesmas sensações nos seus observadores. Portanto, ambos vão depender de

um olhar particular, composto pelos elementos culturais do observador.

Figura 6 - Província de Havana, Cuba, 1988.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 26.

Nessa fotografia é plenamente possível perceber os elementos que

compõe Studium e o Punctum. Nesse caso tentamos reviver o momento

sentindo o cheiro da cana cortada, escutando o barulho dos animais e dos

golpes do facão e o do motor da maquinaria usada. Sentimos a fisgada do

Punctum principalmente no olhar do homem parado à frente. Por mais que

esteja por trás dos óculos de proteção, ele ainda fisga de forma profunda,

tentando nos fazer enxergar exatamente o que ele está olhando.

Tudo o que foi dito sobre a relação entre realidades e a fotografia,

assim como o Punctum e o Studium irá compreender um dos milhares de

aspectos que criaram o universo simbólico da linguagem fotográfica. Um ponto

em comum e imprescindível para qualquer fotografia é que para registra-la,

num determinado momento, seria necessário obrigatoriamente que alguém

estivesse presente no local. Ou seja, mesmo que a máquina tenha sido

60

acionada remotamente, em algum momento, alguém precisou posicioná-la

daquela forma.

Esse aspecto de estar presente fisicamente em um local para poder

realizar uma fotografia estabelece um laço íntimo com quem fotografa e o

resultado da sua produção fotográfica. Mesmo que a foto tenha sido feita de

forma remota (com o auxílio de controles remotos), a fotografia carrega não só

os elementos registrados pela objetiva da máquina, mas também a intenção e

o olhar do operador.

Toda a fotografia é um certificado de presença. Esse certificado é ogene novo que a sua invenção introduziu na família das imagens. (...)A sua consciência colocava o objeto encontrado fora de toda aanalogia, como o ectoplasma <<daquilo que tinha sido>>. Nemimagem, nem real, um ser novo, verdadeiramente: um real que já nãopode ser tocado. (BARTHES, 2008, Pág. 98)

Devemos ter em mente, que ao pensarmos sobre a teoria de Roland

Barthes, o instante registrado numa fotografia é um instante que morre, que o

que foi exposto e capturado deixa de existir. Isso ocorre, pois no momento em

que a fotografia é realizada, ela vai ser algo vivo de um momento que deixou

de existir, ou como ele mesmo diz:

(...) é a imagem viva de uma coisa morta. Porque a imobilidade dafoto é como que o resultado de uma confusão perversa entre doisconceitos: o Real e o Vivo. Atestando que o objeto foi real, ela levasub-repticiamente a pensar que ele está vivo, devido a essaarmadilha que nos faz atribuir ao Real um valor absolutamentesuperior, como que eterno. (BARTHES, 2008, Pág. 89).

Para compreender isso melhor, é preciso pensar que o Vivo, a que se

refere Barthes, esteve presente para ser registrado, portanto, teve que ser real.

Ao garantir que o momento foi Real, transporta-se o conceito para algo

superior, perpétuo, no entanto, o momento deixou de existir no passado. Com o

aparecimento do “isto-foi”, o qual vem junto com a transposição do momento

vivo para o passado, o instante fotografado deixa de estar vivo e passa a ser

algo morto.

Barthes procura deixar claro que essa separação entre o Vivo e o

Morto dentro do campo fotográfico não se dá unicamente no instante que é

realizada a fotografia, pois sempre vai existir um elo entre o que foi fotografado

61

e a foto. Ambos vão sempre coexistir, mas a pessoa, ou paisagem ou objeto

fotografado, vai se modificar enquanto a imagem na foto vai manter-se a

mesma.

Essa dualidade no campo da fotografia que Barthes expõe parece ser

algo muito duro, apesar de afirmar que o referente e a sua representação

fotográfica, Barthes acaba dando uma noção de que a fotografia se fragmenta

da realidade cotidiana. Tal noção é bem comum, pois ao “aprisionar” a luz que

compõe a realidade cotidiana registrada na fotografia, tende-se a disjuntá-la do

plano do Real, pensando a fotografia como um “recorte do real”.

Figura 7 - Dhambad, Bihar, Índia, 1989.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 270.

O universo aqui representado está vivo e morto. Vivo por tudo o que

transmite nos olhares dos que estão aí presentes. Morto porque a situação pela

qual eles estavam passando continuou a existir após a fotografia ter sido

realizada. Suas vidas se modificarão e o espaço que ali está emoldurado não

existe mais de forma física, vai existir agora no interior de quem a observou.

O problema de realizar essa fragmentação da realidade no plano

fotográfico com a realidade no plano do cotidiano é que não se devem separar

62

elementos tão próximos. Mesmo que a temporalidade da fotografia fique

“congelada” no papel fotográfico após ser registrada, e a temporalidade do

cotidiano continua a se desenvolver e a se modificar. Ou seja, fragmentar e

separar a fotografia como um “recorte do real” seria equivalente a fragmentar a

realidade cotidiana negando a temporalidade da sua continuidade.

Fazendo um breve retorno ao que vem sendo dito até agora, é possível

perceber a presença constante das palavras realidade e real. Pensar fotografia,

bem como fazer fotografia e refletir sobre ela, é lidar diretamente com as

facetas do real. Diferentes olhares fotográficos revelam diferentes facetas da

realidade. Consideramos que as três vertentes abordadas por Philippe Dubois

são evoluções encadeadas da maneira em que a fotografia é constituída, já

que, abordam diferentes pontos de um mesmo elemento, mas pontos que não

necessariamente excluem uns aos outros. As vertentes então lidam com

diferentes olhares do verossímil da realidade fotografada.

O Studium e o Punctum lidam com outra faceta de realidade, dessa

vez não trabalham tão intensamente com o aparente do registro fotográfico.

São desenvolvidos os olhares que contrastam com o mundo sensível, com o

olhar que vai além do que está representado, despertam principalmente o

desejo de se colocar por trás da câmera de quem registrou, o Studium, e ser

perfurado pela inquietação da sensação que a fotografia causou, o Punctum.

Ou seja, as realidades trazidas por Barthes são as realidades do olhar sensível,

realidades que vão além dos elementos técnicos da fotografia, são realidades

que vão refletir a subjetividade do sujeito que faz e observa a fotografia.

Com base nessa reflexão das diferentes realidades tratadas por esses

autores, cabe expor mais um conceito de realidade trabalhado por outro

pesquisador que também articula novos pensamentos sobre fotografia.

Fazendo uso dos conceitos de primeira e segunda realidades, bem como de

realidades exterior e interior, trabalhados por Boris Kossoy.

A primeira realidade desenvolvida por Boris Kossoy é caracterizada por

ser o próprio passado, o instante da “história particular do assunto

independentemente da representação” (KOSSOY, 2009, Pág. 36). Essa

realidade não é composta só pelo instante que passou, mas principalmente

pelo contexto no qual o assunto fotografado estava no momento em que foi

63

registrado. O diferencial dessa teoria acerca da primeira realidade é que ela

não se restringe apenas ao assunto11, mas também está intimamente ligada ao

olhar do fotógrafo que realizou o registro, levando em conta as ações técnicas.

Juntamente nessa primeira realidade, Boris Kossoy comenta que a

fotografia também tem algo que está oculto, algo que se encontra no mais

íntimo de sua composição. A fotografia é carregada de sua história, de todo o

contexto que a guiou para aquele exato instante que foi registrada, recebendo

assim a denominação de realidade interior.

A primeira realidade tem um “tempo de vida” muito curto, pois assim

que o resultado da intenção do fotógrafo, bem como da resultante da realidade

interior que passa a ser exposta, ela vira a segunda realidade. Essa “nova”

realidade revelada pelo material sensível (seja o papel fotográfico ou o visor da

máquina digital) é delimitada pela bidimensionalidade do plano que ela foi

registrada e imutável pelas ações de modificação do tempo e espaço. O tempo

e espaço aqui citados fazem uma alusão ao momento em que a foto foi

realizada e ao local onde se esteve, isso pois fazendo referência ao

posicionamento do fotógrafo em relação ao assunto registrado.

A fotografia nessa segunda realidade é então o resultado físico da

fotografia, o documento gerado pelas escolhas previamente elaboradas

durante as ações que ocorreram na primeira realidade. Ou seja, a segunda

realidade é a realidade que se apresenta para o mundo exterior, para a

realidade exterior. Realidade essa que é comum a todas as fotografias, a todos

os registros fotográficos, pois a fotografia não é somente um registro interior do

mundo aparente, ela é revelação dos microuniversos que constituem o

cotidiano.

Para Boris Kossoy, esse movimento de transição da primeira realidade

para a segunda realidade é algo imprescindível para a existência da fotografia.

Pensar a fotografia é construir realidades dentro de uma trama fotográfica, em

produzir algo que não seja a verdade histórica, mas a “verdade aparente”, que

11 Nesse caso, assunto faz referência a uma das formas utilizadas pelos fotógrafos para sereferir ao que se está se fotografando. Também é bastante comum ouvir os termos: Objetivo,Objeto, Referente e diversos outros.

64

se abre para diferentes olhares que produzem diferentes reações e relações

com o mundo.

Portanto, compreender a fotografia é se deparar com um território

muito complexo de sentidos. Primeiro por ser necessário entender todo o

processo de construção da fotografia, visualizar os elementos que estão por

trás do que vai ser fotografado, entender que a fotografia é mais do que um

processo de construção “física” do momento e construção técnica do fotógrafo,

é um processo de construção simbólica da realidade aparente. A fotografia vai

ser sempre o olhar guiado, selecionado, orientado de um observador

privilegiado. Sendo assim a fotografia vai ser sempre um ponto de vista

“capturado” por um aparato tecnológico, revelado e exposto aos olhares

carregados de sentidos e sensações.

Em contrapartida, para compreender esse movimento de construção

da imagem fotográfica é necessário desconstruí-lo, desmontá-lo, mas sem

fragmentá-lo ou disjuntá-lo da construção simbólica da realidade registrada.

Mas por que desconstruí-lo? Pelo simples fato de que, na grande maioria, o

espectador que observa e é sensibilizado pela fotografia não estava presente

no exato momento em que ela foi realizada.

É necessário desconstruir para poder enxergar a temporalidade do

momento, perceber os movimentos que ocorreram para que aquele instante,

dentre tantos outros, seja o milésimo de segundo que ficará gravado no

registro. Desconstruir não é somente tentar desvendar também a

intencionalidade do fotógrafo, é desvendar a intenção de quem está sendo

gravado na imagem, desvendar para onde os olhos apontam, para onde os

passos irão levá-lo. Devemos expor que a ação de desmontar a fotografia

acaba criando novas construções, novos olhares sobre o que está sendo

exposto e o que está sendo visto.

Através disso temos que entender então que a fotografia não é algo

estático. Ela veio de um movimento contínuo, de um movimento que vai

continuar mesmo depois que a fotografia for realizada. Uma fotografia

específica é nada mais do que um dos instantes selecionados de uma série de

outros movimentos da realidade vivenciada pelo fotógrafo.

65

Figura 8 – Trapani, Sicília, Itália, 1991.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 101.

O movimento estático dessa fotografia ajuda a perceber o que acabou

de ser dito. O movimento dos peixes que agitam a água, os homens puxando a

rede, o “caos” que se estabeleceu na tentativa de capturar os peixes.

Dificilmente esse momento seria encenado, dificilmente todos estariam postos

assim para realizar uma fotografia. Essa foto se fez assim porque o momento

captado, através da técnica e do olhar do fotógrafo, permitiu registrar o instante

da forma como ele se fez representar naquele momento. Efetuou um “corte”

temporal no momento que vinha se desenvolvendo diante do

espectador/fotógrafo.

Exposto isso podemos indagar se a fotografia seria um “recorte do

real”, “espelho do real”, “transformação do real” ou “traço de um real”. Não

seriam essas concepções muito reducionistas do que realmente deveríamos

considerar acerca da imagem fotografada?

Qualquer que seja a concepção usada para compreender os

elementos que de uma fotografia, ela vai sempre ser parte de uma realidade,

de algo que não vai ficar pausado eternamente no tempo a menos que seja

66

captada pelas lentes de uma maquina, podendo ser fotográfica ou

cinematográfica. Ou seja, vai fazer parte de uma cadeia de movimentos que

não podem ser desvinculados um do outro, mas podem ser emoldurados em

sequencia e serem revisitados no plano final do registro.

Através de tudo o que foi exposto aqui, de todas as leituras que vêm

nos influenciando nesta pesquisa, levantando questionamentos que talvez

devêssemos começar a pensar na fotografia como um Frame do real.

Compreendemos que tal termo é mais comum dentro do cinema, mas façamos

uso dele, pois assim como no cinema, uma fotografia é sempre antecedida por

uma e seguida de outra. No próprio negativo fotográfico é possível observar

essa proximidade do Frame fotográfico com o Frame cinematográfico. De certa

forma, o cinema em si é composto por uma série de fotografias exibidas

consecutivamente em uma velocidade mais acelerada.

O conceito de Frame é uma forma que nos permite pensar na

fotografia dentro da temporalidade da realidade cotidiana, bem como o

contínuo de ações da casualidade dos acontecimentos. Pensar na fotografia

como Frame do real, ou “moldura” do real, é pensar em uma ligação mais

direta e mais forte com as camadas do real, é por sua vez, não desvinculá-la

das construções realizadas tanto pelo fotógrafo, como pelos elementos que vão

ser gravados na imagem fotográfica. Bem como não a separa quando se faz a

desconstrução dos elementos simbólicos expostos na fotografia.

Compreender esse conceito de Frame dentro da fotografia é algo que

ajudaria a trazer novos entendimentos na leitura das imagens. Ele iria romper

com limites conceituais que vêm envolvendo a análise e leitura das imagens

fotográficas, algo que pode trazer mais proximidade entre o fotógrafo e o

espectador, permitindo que ambos produzam novos conceitos e até contribuam

para a produção fotográfica.

O Ato Fotográfico na Pesquisa Sociológica: Compreendendo asrelações da fotografia com a pesquisa sociológica

67

Compreender a fotografia e sua pluralidade de sentidos produzidos por

sua linguagem visual é algo que vem desafiando e intrigando diversos

pesquisadores, admiradores e seus entusiastas. Ainda por cima quando

fazemos uso da aplicação da fotografia sobre o campo de pesquisa da

sociologia. Esse estudo é constituído por vastas esferas teóricas e de

pesquisa, bem como ferramentas de coletas de dados e correntes teóricas

seguidas e utilizadas pelos pesquisadores.

O que se pode afirmar é que a fotografia e a sociologia têm uma

relação íntima e próxima, que esses dois setores podem fazer uso um do outro

para compor seus trabalhos e temáticas. Por exemplo, um Sociólogo pode

utilizar a fotografia dentro da sua pesquisa para dar uma ilustração do que está

sendo trabalhado, bem como um fotógrafo pode fazer uso de temáticas

desenvolvidas por sociólogos para servir de inspiração nas fotos que serão

realizadas para formar uma exposição.

Para o presente momento não pretendemos fazer uma discussão

dessa troca entre a fotografia e a sociologia. O que pretendemos fazer é o

levante da forma como a fotografia tem sido utilizada dentro do campo

sociológico, compreendendo como ela contribui para a elaboração teórica dos

trabalhos científicos.

Um dos teóricos que vêm tentando compreender essa função se

chama José de Souza Martins. No livro Sociologia da Fotografia da Imagem,

ele o se dedica a fazer uma análise bem completa do que chama de sociologia

da imagem. Para tal, em suas palavras de abertura, Martins comenta que:

A Sociologia e a Antropologia têm cultivado a esperança de que afotografia (e também o filme e o vídeo) possa ser utilizada como fontee registro factual de informações de trato sociológico (eantropológico) sobre a realidade social. Uma fonte que documentasseo que os instrumentos usuais e já tradicionais de pesquisa nãodocumentam ou documentam insuficientemente, uma novidademágica na revelação de dimensões novas e inesperadas da realidadesocial. (MARTINS, 2008, Pág. 9)

Tal ponderação faz surgir uma série de questionamentos pertinentes

para esse assunto: Será possível que a fotografia tenha realmente essa

capacidade de captar todos os elementos necessários para a pesquisa

68

sociológica. Será que simplesmente acrescentar uma fotografia dentro de um

trabalho sociológico permite que seja exposta a diversidade de sentidos que

podem estar inseridos na fotografia dentro de um universo de possibilidades de

percepções?

Esses questionamentos, apesar de serem direcionados para a

fotografia, também poderiam ter sido feitos em técnicas como a filmagem, em

entrevistas gravadas, entre outros. Não vimos aqui questionar a forma de se

levantar dados para uma pesquisa sociológica, muito menos questionar sua

validade. O que estamos nos propondo a fazer é pensar alguns dos limites e

abrangências dessa forma tão distinta e complexa de captação dos elementos

visuais e simbólicos que é a fotografia. Antes de falar da utilização da fotografia

em alguma pesquisa é necessário fazer breves observações sobre o que vem

antes, ou seja, considerar o ato de fotografar, de fazer a fotografia para a sua

devida utilização.

Fotografar é algo que pode ser considerado por uns como sendo uma

atividade fácil e simples, todavia, existem pessoas que consideram o ato de

realizar uma fotografia como algo denso e complexo. Essa prática se mostra

verdade quando levamos em consideração que, nos dias de hoje, qualquer

pessoa portando uma câmera digital compacta, ou até mesmo um celular com

câmera, pode realizar uma fotografia, pode procurar fazer o registro de algo

inusitado, particular, íntimo. Atualmente, mais do que em qualquer outra época,

é possível tornar visível momentos que ficariam guardados apenas na

memória.

A fotografia tem a possibilidade de fazer um registro que traga algo que

se deseja reviver. Para isso, é preciso fazer uso da memória para encontrar

elementos simbólicos do espectador. Aproximar a fotografia da memória

permite encontrar dois caminhos opostos com relação à visibilidade dos

acontecimentos. O primeiro é o desejo de mostrar para relembrar e reviver. O

segundo é o desejo de esquecer-se e manter às escuras o que não gostaria

que fosse revelado. Nesse aspecto, a fotografia causa mais um rompimento do

íntimo e exposição do espaço privado, o que não significa necessariamente

que a fotografia tenha sido indesejada, até porque vivemos num momento em

que a imagem tem um papel presente e constante na vida dos indivíduos.

69

Considerando a fotografia livre de qualquer análise sociológica e

estética, vemos que a fotografia vai ser sempre o registro do que foi, do que

aconteceu, o momento que fez parte dos acontecimentos, ou seja, o “isto-foi”

do Roland Barthes. Mas a fotografia não é um registro livre de posicionamento,

de interpretações e intencionalidades, pelo contrário, ela é a pura expressão de

todos esses fatores. Uma foto que aparentemente foi realizada ao acaso

contém mais informações sobre a realidade cotidiana do que muitos relatos

escritos por algum pesquisador. É necessário ponderar cuidadosamente tais

elementos quando for feita alguma análise, procurando os elementos

pertinentes para a sua pesquisa.

Figura 9 - Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 312.

Quando observamos esse “isto-foi” diante da análise sociológica,

podemos perceber o quanto a fotografia transcende a função de ser um

simples registro, principalmente brincando com a existência do visível com o

invisível. Mas dentro de todo o universo captado, ainda assim vai ser uma visão

pontual da realidade, ela vai conter um olhar, um pequeno fragmento de todo o

cotidiano que está fotografando, cotidiano que está em constante mudança.

70

O invisível se torna visível na própria evidência visual e fotográficacontida nas coisas que restaram, de quem lá esteve e já não está. Decerto modo, nos resíduos da humanidade dos que partiram, as fotosnos dizem que sociedade é esta e, também, que sociedade éanômala e provisória sociedade dos que perderam a liberdade. Seessas considerações, tanto o depoimento, em suas várias formas,quanto à imagem constituem documentos pobres ou, no mínimo,insuficientes da realidade social. (MARTINS, 2008, Pág. 27)

A realidade social é extremamente complexa para poder ser reduzida a

uma fotografia, ou a uma série de fotografias. Da mesma forma que

observador/pesquisador tem que se posicionar, direcionar o olhar e filtrar os

elementos da realidade que se apresenta à sua frente para poder efetuar sua

pesquisa, o fotógrafo, sendo o próprio pesquisador ou não, realiza essas

mesmas ações gravando essa escolha de posicionamento em seu registro

fotográfico. No entanto, uma fotografia para uma pesquisa sociológica também

é dotada de uma visão que vai além dos limites da cena registrada. A fotografia

é dotada das “fantasias” e criações do imaginário tanto de quem fez a

fotografia, como também de quem é fotografado e quem lê o resultado final da

composição.

O “isto-foi” vai estar sempre gravado nessa imagem, mas não como

algo morto de algo que esteve vivo, como Barthes acreditava que toda

fotografia fosse, e sim como José de Souza acredita, que a fotografia é o vivo

de algo que está morto. A morte que José de Souza se refere é o momento que

nunca mais vai se repetir, que se perde no tempo e não tem como ser recriado,

muito menos encenado, o que segue a mais pura base da pesquisa social, o

fato de que todos os eventos são únicos e não se podem recriá-los.

Isso também fica evidente na argumentação de Boris Kossoy. No

entanto não faz ligação somente com o que está exposto na fotografia, também

é feita referência direta ao fotógrafo. Kossoy denomina essa característica de

processo de construção de representação, o que não é nada mais do que a

produção física da obra fotográfica por parte do fotógrafo através dos

mecanismos internos, tais como os elementos culturais e referenciais teóricos.

A fotografia se conecta fisicamente ao seu referente, – esta é umacondição inerente ao sistema de representação fotográfica – porém,através de um filtro cultural, estético e técnico, articulado noimaginário de seu criador. A representação fotográfica é uma

71

recriação do mundo físico ou imaginado, tangível ou intangível; oassunto registrado é produto de um elaborado processo de criaçãopor parte de seu autor. (KOSSOY, 2009, Pág. 43)

A noção de que a fotografia é algo vivo de um momento morto,

introduzida por José de Souza, quando aplicado para dar a característica à foto

com a finalidade de substituir o referente12, o que pode ser definido como uma

ilusão da sociedade contemporânea. Essa ilusão existe na crença de que a

fotografia, mesmo que viva, vai paralisar as ações de envelhecimento e morte

de tudo o que está contido naquela imagem. Contrapor a visão de que a

fotografia também é uma construção da ilusão fotográfica, com a noção da

verossimilhança com o real cotidiano, é verificar a presença do campo onde se

pretende fazer o estudo sociológico. Mas isso só é possível quando se faz uso

do referencial teórico apropriado para uma análise.

O que pode ser visto aqui é uma relação dialética entre a fotografia e

sociologia. Em todos os momentos a fotografia foi e continua sendo algo, é

uma ilusão, mas não deixa de ser verossímil, é algo morto de um momento que

esteve vivo e algo vivo que passou a ser morto. Tudo isso acaba gerando uma

dificuldade em entender qual é a real aplicabilidade da fotografia em estudos

de diferentes ordens. Sendo assim, é necessário fazer uma reflexão que gire

em torno de um caráter duplo, algo que cria uma referência, mas sem disjuntá-

la do seu referente.

Em um dos primeiros livros publicados por Edgar Morin, O Homem e a

Morte, é introduzido um conceito bastante particular, conceito esse chamado

de Duplo. Para Morin o Duplo é uma “cópia exata post mortem do indivíduo

morto.” (MORIN, Pág. 134). Essa cópia vai sempre acompanhar e viver a vida

que o indivíduo vivo tem, sentindo os sabores, aromas, vivendo as felicidades,

tristezas. O duplo vai ter uma relação inversa com o seu referente vivo, vai

manter-se em estado de alerta enquanto o referente dorme.

Morin diferencia três formas do duplo se manifestar mesmo com o

indivíduo vivo, argumentando que a primeira seria a própria sombra, como uma

das primeiras manifestações da própria percepção de si, pois para a criança,

12 Referente é um dos termos usados dentro do campo da fotografia para fazer referência aoassunto fotografado.

72

como Morin expõe, a sombra é um ser vivo, enquanto que para o homem, ela

está ligada ao mistério de como esse homem projeta sua imagem para o outro.

Através da projeção da sombra é que o duplo adquire a sua forma “física” e seu

nome de duplo. No entanto, essa projeção do duplo só existe perante o

momento em que o sujeito está exposto à luz e essa se reflete em uma

superfície.

A segunda manifestação do duplo é caracterizada pela presença do

reflexo. O reflexo é o oposto da sombra, enquanto a sombra seria uma

projeção “escurecida” da pessoa, o reflexo dessa forma seria a projeção mais

“precisa” do duplo, não conseguindo apenas fugir da sua qualidade de ser

invertida diante das ações do seu referente. O reflexo então seria uma “Sombra

Clara” (MORIN, Pág. 136) que carregaria tudo da pessoa, mas não seria capaz

de se desprender do espaço onde é projetada, pois somente se faz surgir

perante o toque da luz em uma superfície refletora. Essa manifestação do

duplo, ao contrário da sombra, não vai acompanhar o sujeito preso a si, mas

revela uma compreensão mais profunda do seu eu.

A terceira manifestação do duplo se caracteriza por ser uma pequena

manifestação de si em seu interior, marcada por uma presença do eco sonoro

que se apresenta como reflexo auditivo. Esse duplo é um “pequeno ser” que

vai trafegar no interior do seu referente, se manifestando em diversas partes do

seu corpo, seja ouvido, olhos, cabeça, coração e qualquer outra parte. Dessa

maneira, a utilização da palavra eco para designar essa manifestação do duplo

transmite a ideia de que ele é composto pela voz interior do sujeito, ou a

sensação de reviravolta no estômago e até mesmo das palpitações mais

aceleradas no peito de uma pessoa quando exposto a alguma situação mais

emocionante.

Com base nessas três manifestações, o duplo vai ser considerado por

Morin como um ego alter, algo que a pessoa viva vai sentir no mais íntimo do

seu ser, mas que também se projeta para o mundo exterior. O duplo não é

somente uma cópia do sujeito, mas uma cópia viva, uma imagem da pessoa

que vive e sobrevive à morte, bem como nas palavras de Morin, “O ego alter é

realmente do ‘Eu’ que ‘é um outro’” (MORIN, 1997, Pág. 137).

73

O conceito de duplo permite adentrar numa diferença entre o conceito

de Barthes sobre a fotografia ser algo morto do que esteve vivo, do conceito de

José de Souza em que a fotografia é algo vivo de algo que passou a ser morto.

A fotografia é composta por ambos os conceitos. Tendo a capacidade de

capturar parte do duplo e expor em um plano bidimensional. O duplo aqui vai

sempre viver mesmo que o seu referente deixe de existir, seja pelo momento

não se repetir novamente, ou pelo referente ter vindo a óbito. No entanto a

fotografia se faz morta por fazer referência ao que deixou de existir, por trazer

aos espectadores a recordação do que não vai mais se repetir. Talvez a única

forma de romper essa capacidade da foto é a sua completa destruição, apagar

completamente a forma física desse registro. Assim a foto seria completamente

algo morto de um momento morto.

Outra característica fundamental da fotografia como duplo é conseguir

captar as três manifestações citadas por Morin. Na fotografia, além de registrar

o próprio referente, a sombra vai estar presente mesmo que num plano não

visível. Em alguns casos a foto pode conter apenas a sombra do sujeito,

demonstrando para o outro a maneira como o referente percebe o seu contorno

mais primário. A fotografia vai ser sempre um reflexo de si que é projetando

para si e para o outro, contendo um pequeno eco do que já foi, do que vai

existir dentro da memória do referente e do outro.

Quando o duplo da fotografia for alvo dos olhares externos é

justamente o instante em que irá se transformar, se manter vivo além das

concepções de que a fotografia é um simples instante congelado no tempo.

Pensar a fotografia como um instante congelado dentro de um processo social,

segundo Martins, é algo que esteve presente na compreensão dos sociólogos

e historiadores acerca da fotografia. “A fotografia não congela nem retrata ‘o

que está lá’” (Martins, Pág. 36), a fotografia vai ser, portanto, uma construção

que não interrompe muito menos congela a realidade cotidiana. Ela, por sua

vez, vai necessitar da capacidade de tecer suas tramas sociais mantendo

contínuo o fluxo de significações, propiciando que a fotografia seja um “retrato”

de um determinado momento social.

74

(...) a fotografia tece uma história. Revela-se o oposto do“congelamento”, entrosa-se dinamicamente nas necessidades doprocesso social. É documento da cambiante suposição daspersonagens. (...). A fotografia se propõe, aí, como documento daincerteza, e não da certeza. Questiona a pressuposição do estrutural,do que pretende permanecer e que a Sociologia precisa quepermaneça para interpretar. A Sociologia pressupõe reiterações,continuidades, permanências. (MARTINS, 2008, Pág. 37)

Esse “retrato”, ou conjunto de “retratos”, vai ter a difícil função de

“narrar” para o espectador os elementos que fazem parte da sua composição

temática. Essa narração por si só já é uma forma de posicionamento em que

algo distante vai aparecer mais distante ainda, mas numa tentativa de dar

forma e não separar o retrato da sua composição. Ainda mais porque é fato

que toda fotografia segue uma temática, uma intencionalidade que motivou que

ela fosse efetuada. Em muitas pesquisas sociológicas é mais do que

necessário ter uma habilidade de olhar o outro de forma distinta para tentar

encontrar os elementos relevantes da sua pesquisa. O conhecido Olhar

Sensível atribuído ao fotógrafo também é um artifício utilizado pelo sociólogo,

principalmente pelo que se propõe aquele que se coloca como espectador da

fotografia.

Figura 10 - Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 310.

75

O termo Olhar Sensível é bastante utilizado pelos fotógrafos, bem

como por admiradores da fotografia, para determinar a capacidade do fotógrafo

de perceber o que muitos não notariam. O olhar sensível é algo que consegue

propiciar o Punctum na fotografia, sendo que essa capacidade não deve ser

somente restringida àquele que executa a fotografia, mas também para aquele

que se deslumbra com o registro. Para a pesquisa sociológica, bem como para

a antropológica, não basta somente perceber o Punctum para fazer sua

análise.

É de demasiada importância fazer uma leitura de todos os elementos

que constituem a fotografia. Fotos que têm como “alvo” indivíduos, ou uma

série deles, é importante perceber nelas elementos como o posicionamento

dos indivíduos, as suas vestimentas, as emoções que cada um está expondo

naquele momento.

Não devendo deixar de lado o que está “por trás” do alvo principal. Os

elementos do cenário vão ser importantes para ajudar a posicionar a fotografia

dentro de uma espacialidade e temporalidade da narrativa que deseja ser feita

a partir daquela imagem. Em fotografias que não existe a presença direta do

humano como alvo do registro, a paisagem composta de elementos naturais e

artificiais se faz mais importante para compreender os elementos que o

pesquisador/espectador quer tornar relevante na sua pesquisa.

Com o levantamento e a compreensão desses elementos, dentro da

imagem fotográfica, pode-se perceber uma das contribuições mais básicas que

a fotografia pode fazer para a pesquisa sociológica. Essa contribuição se trata

da percepção dos elementos do senso comum de uma sociedade. Quando

essa leitura aparece na companhia da leitura de um conjunto de fotografias

ajuda a construir uma memória dos acontecimentos registrados. No entanto,

quando essa leitura é feita sem que o espectador estivesse presente no

momento em que as fotografias foram feitas, ou quando não tem o menor

conhecimento dos eventos registrados, essa construção da memória é quase

que realizada com base nos elementos internos e culturais desse espectador.

76

As fotos e seu arranjo apenas alimentavam, na impressão do leitor,seus próprios valores visuais. A leitura expressava o modo comohavia interiorizado o código visual de sua socialização. O leitor dafotografia pratica um confisco visual da imagem, remontando-a, apartir de suas insuficiências, no seu próprio código de leitura que étambém o manual sistêmico de suas experiências e das experiênciasdo seu ver. (MARTINS, 2008, Pág. 46)

Uma questão que surge ao se tentar ler uma imagem fotográfica é com

relação à sua veracidade. Essa questão gira em torno de dois aspectos

básicos: o primeiro questionar se a cena registrada foi encenada antes de ser

feita a foto. A segunda questão já se trata de uma edição posterior à realização

da fotografia, uma edição de consta com a remoção ou alteração de elementos

que estavam presentes no momento em que os acontecimentos da realidade

cotidiana estavam desenvolvendo de forma natural.

No primeiro caso, a encenação para uma fotografia pode revelar mais,

do ponto de vista sociológico e antropológico, do que provavelmente fotografias

ditas espontâneas teriam a capacidade de revelar. Isso porque para encenar

uma situação é necessário adequá-la, dispor os elementos externos para se

tornar o mais próximo possível dos elementos que as pessoas que vão posar

para a foto têm dentro de si. A ação de encenação é uma tentativa que trafega

pelo real e fictício e que traz mais elementos do interior da pessoa do que ela

mesma considera sendo do exterior.

O antropólogo e o sociólogo sempre dirão que querem fotografar aspessoas em situações em que aparecem como elas sãoverdadeiramente. Mas as pessoas podem dizer, com razão, que seuverdadeiro modo de ser está naquilo que querem ser e acham quesão, e não naquilo que aparentam na intimidade ou fora dos cenáriosde ostentação, naquilo que o pesquisador acha que é a sua autênticaverdade. (...) As pessoas são o que imaginam ser e o que queremque os outros pensem que são. Nossos processos interativos sãotambém, técnicas para dar vida e realidade à ficção que nos move nasociedade. (MARTINS, 2008, Pág. 49)

Considerando o primeiro caso como mais uma ferramenta reveladora

de elementos importantes para uma análise socioantropológica, no entanto,

isso não ocorre no segundo caso. Alterar o conteúdo de uma fotografia após

ela ser realizada, no sentido de retirar ou acrescentar elementos que não

estavam presentes no momento em que foi realizada, não é a mesma coisa

77

que encenar algo. Nesse caso, se trata mais de uma violação da integridade do

material coletado, de criar mentira distorcendo a realidade.

Dentro de uma pesquisa, a atitude de alterar uma fotografia nesse

nível seria comparável com a falsificação de dados, tais como acrescentar ou

retirar trechos de uma entrevista ou alegar ter presenciado fenômenos que não

existiram. O que torna tal atitude mais problemática é a dificuldade para

descobrir tal violação, mas, em casos de dúvida, é mais do que necessário que

o suposto autor do material seja questionado sobre o fato, para tentar soltar

algum fio de verdade na trama de mentiras que criou.

Outra forma seria ver como os pesquisados reagiram com o retorno do

resultado final da pesquisa alterada e, dependendo de sua reação, talvez seja

possível comprovar a ação. Independentemente da forma que for utilizada para

tentar descobrir se o registro foi alterado ou não, é importante colocar que o

questionamento desse tipo de ação dentro de uma pesquisa que faça uso da

fotografia acabe por questionar a integridade de todo o trabalho realizado por

esse pesquisador.

Um fator que é imprescindível para fazer uma leitura de uma imagem

fotográfica de maneira mais precisa é ter em mãos uma fotografia que tenha

sido tirada de forma específica. Essa forma não se liga diretamente a

elementos estéticos e artísticos corretos, mas sim a elementos que o

fotógrafo/pesquisador carregou com si antes mesmo de fazer a fotografia. Para

tal, é mais do que necessário que aquele que vai fazer a fotografia não vá a

campo sem conhecer nada do que pretende registrar.

É importante ter dentro de si o mínimo de conhecimento sobre os

eventos, as pessoas, os atores, aqueles que vão permitir fazer um recorte

teórico mais apurado da realidade cotidiana da situação. Para realizar tal

entrosamento com o campo, cabe fazer uso das técnicas de pesquisa

socioantropológicas, tais como observação participante e a dialógica. Se

possível, o retorno e registro do mesmo evento, das mesmas pessoas, podem

contribuir para que a fotografia, dentro da pesquisa, não vá ser composta de

uma primeira impressão.

78

A fotografia vai ser fruto de uma série de transformações ocorridas no

sensível desse fotógrafo/pesquisador. Uma alternativa que contribuirá para a

visão acerca dos fenômenos sociais de um determinado grupo seria pedir para

que os fotografados realizassem registros que consideram importantes do

determinado evento. Isso iria dar a possibilidade de estudar a noção de

visibilidade que o próprio grupo tem de si.

Evidentemente, elementos como enquadramento, profundidade de

campo, velocidade do obturador e outras terminologias técnicas da fotografia

vão influenciar diretamente no resultado final da fotografia que vai ser utilizada

nas pesquisas socais. Esse é um dos fatores que se somam para criar o que

se deseja tornar reproduzível visualmente, assim como afirma José de Souza

Martins.

É nessa construção, nessa redução dos tempos da realidade socialao espaço da imagem fotográfica e ao seu tempo aparentementeúnico, que o fotógrafo imagina, isto é, constrói a sua imagemfotográfica, aquilo que quer dizer através da fotografia. (MARTINS,2008, Pág. 65)

Todos os elementos que contribuem para construir a fotografia vão ser

utilizados pelo leitor/pesquisador para dar movimento ao que está estático na

fotografia. Seria fazer com que o Punctum fosse além da capacidade de ferir o

espectador, mas sim de saltar e ferir o próprio limite da fotografia que lhe foi

exposto. Bem como, a necessidade de dar movimento ao que está parado e ler

além do que está visível, compreender o invisível e sensível na fotografia. Isso

seria então uma desconstrução de todos os elementos simbólicos, técnicos,

estéticos, sensíveis e imaginários acerca daquela temática utilizados

anteriormente para construir a fotografia.

Martins argumenta que mesmo que consigamos desconstruir os

elementos da temporalidade de uma fotografia para realizar uma etnografia dos

elementos da composição, a análise seria feita com base em elementos que já

se modificaram. Mas a mudança não vai ocorrer simplesmente pela

modificação dos elementos físicos da fotografia, mas principalmente pelos

elementos sociais, culturais e simbólicos.

79

Existe uma troca de influências entre o fotógrafo e o fotografado, em

que ambos vão ser influenciados pela presença mútua da composição.

Construindo uma realidade posicionada e reveladora, a qual tenta “esconder” o

que não é considerado adequado para a ocasião, mas revelando todo um

universo de realidades modificadas que nunca mais voltarão a se repetir em

suas minúcias.

Para o sociólogo, o importante da fotografia está no imaginário socialde que ela é meio, na imaginação mediadora que suscite. Osociólogo “lê” a fotografia indiretamente, através da compreensão quedela tem o homem comum, da interpretação da vida social e daconsciência social de que ela é instrumento e expressão. (MARTINS,2008, Pág. 68)

Estudar a fotografia, ou fazer uso dela, é se deparar com algo que não

fala por si só. Sociologicamente a fotografia “fala” através da relação de

Punctum e Studium, da compreensão do que está por trás do “isto-foi”, dos

elementos que saltam da fotografia. Mas independentemente dessas

características essenciais que também trafegam entre as outras formas de

coleta de dados da sociologia, a fotografia, quando utilizada em pesquisas,

aparece simplesmente como anexo das pesquisas, uma mera contribuição de

ilustração.

É necessário modificar essa prática porque a fotografia é corpo de

texto, informação que agrega ao texto elementos que muitas vezes as palavras

não têm capacidade de descrever. Mas isso não significa que a fotografia tenha

que vir sozinha substituindo o texto escrito, ela necessita das observações e

considerações daquele que a está utilizando. O texto deve aparecer para guiar

o olhar de quem está pesquisando aquele trabalho, dentro do mesmo olhar que

o pesquisador teve ao fazer uso do artifício da fotografia.

Tudo o que foi trabalhado ao longo deste texto teve como finalidade

agregar saberes e reflexões que mostrassem um caminho para um melhor

entendimento de duas formas de produção de saberes, que, por vezes,

aparecem distantes uma da outra. Aliar a fotografia com os saberes

sociológicos, bem como aproximar a sociologia da forma de olhar que a

fotografia concede aos seus usuários, é permitir que uma nova forma de

80

conhecimento, mais rica de significações, venha aparecer e trazer novas

compreensões acerca dos fenômenos sociais.

81

CAPÍTULO 3Compreendendo o Frame Fotográfico para Além das Margens

da Moldura.

82

Nesse momento, fazemos uma reflexão interna sobre tudo o que está

sendo trabalhado sobre fotografia nesta pesquisa, enfatizando que,

primeiramente, foi realizada uma explanação dos elementos que envolvem a

produção propriamente dita de uma fotografia, elementos que variam de fatores

mecânicos, oriundos de uma máquina fotográfica, bem como conceitos básicos

e extremamente presentes em diversas fotografias, elementos que, quando

manuseados da forma que o usuário desejar, irão permitir que o fotógrafo

criasse registros com características próprias.

Também foram abordadas visões teóricas mais comuns para serem

atribuídas a uma fotografia. Nesse caso, acabou-se por verificar a existência de

noções repletas de historicidade encontradas nos documentos históricos, assim

como através das sensações que esses transmitem e passou a ser constituída

a formação de uma visão artística da fotografia. Essas formas podem coexistir

dentro de uma mesma imagem, variando apenas a forma como o espectador

entrará em contato com ela.

Em um segundo momento, foram articuladas as noções de realidade

que constituem a fotografia, podendo considerar essas noções formas distintas

e complementares de compreender o impacto que a fotografia teve no mundo

que está em constante transformação, dialogando invariavelmente com essa

linguagem. Ainda nesse segundo momento, foram feitas reflexões sobre a

forma como esta narrativa salta da imagem e começa a se inserir na pesquisa

sociológica.

Um conceito que começou a surgir teoricamente na argumentação dos

pensamentos já expostos aqui, o qual de certo modo faz parte tanto da

fotografia como do cotidiano de uma pessoa comum. Tal elemento brinca com

a capacidade de um sujeito selecionar as informações que estão à sua volta

para dar uma atenção focada, bem como centralizada dentro do leque de

informações que estão se desenvolvendo simultânea e espontaneamente pelo

mundo. Venho então mencionar o conceito de Frame.

Na primeira fase de existência da fotografia, vimos que, para ela ser

revelada, precisava ser captada pelo material sensível. Esse, por sua vez, a

encaixava num espaço predeterminado pela pessoa que tinha desenvolvido o

tal material sensível. Pelos avanços ocorridos, o material utilizado para gravar a

83

fotografia foi tomando a forma do filme de 35mm, sendo substituído apenas

pelo sensor digital. O interessante do negativo do filme é a maneira como as

fotos aparecem expostas, pois são apresentadas alinhadas e divididas por uma

fina moldura que coloca em quadro cada uma das fotos realizadas. Essa

mesma forma ocorria de maneira semelhante entre negativos de outros

formatos e filmes cinematográficos, que mesmo com detalhes

substancialmente diferentes um do outro, as imagens vinham dispostas lado a

lado, mostrando uma sequência cronológica do que havia sido fotografado.

A disposição das fotografias poderiam ser atribuídas e tomar a

organização desejada pela pessoa somente após as fotos serem transferidas

do negativo para o papel fotográfico. Esse novo arranjo tem como

característica demonstrar que a fotografia não está presa fisicamente às que a

antecederam, assim como não está ligada com as que foram realizadas depois.

Uma foto pode ser selecionada dentre muitas para expressar o que se deseja,

assim como inúmeras podem ser usadas com a finalidade de desvendar um

acontecimento e mesmo assim não representar parte da realidade revelada.

De qualquer maneira, a fotografia será delimitada por uma moldura.

Delimitações na forma de ser apresentada para o mundo “exterior de si”, sendo

mais comum no universo da pintura e do cinema. A delimitação do campo

apresentado na fotografia terá uma característica seletora de maneira

excludente, ou seja, ela excluirá o que momentaneamente não será

interessante para representar o que é esperado para ser representado,

revelando então a intencionalidade do fotógrafo.

Considerando que a moldura não tem a mesma função que o Frame,

pois trata de um elemento da composição da fotografia, poderá ser vista pela

denominação de enquadramento, seguindo elementos estéticos e harmoniosos

específicos com a linguagem estética desejada pelo seu desenvolvedor. Por

sua vez, o Frame vem compreender o espaço que está para além do plano

delimitado pelas bordas da moldura.

Para compreender melhor o conceito a ser desenvolvido sobre Frame,

é de demasiada importância fazer um retorno à questão de tempo na fotografia.

Existem dois conceitos de tempo que já foram citados aqui e que estão em

comum existência numa fotografia. O primeiro será o tempo de exposição que

84

a fotografia sofrerá para ser registrada, e o segundo, o tempo representado

pela historicidade do momento. O primeiro tempo, o qual depende quase que

exclusivamente da configuração da câmera e da vontade do fotógrafo, pode

marcar um borrão do movimento dos assuntos em cena, como também pode

deixar completamente pausado. Por sua vez, o segundo estará imortalizado,

fixado na historicidade, com elementos que estarão em constante mudança no

seu cotidiano. A luz no plano fotográfico é aliada do tempo para tornar perpétuo

determinados elementos que irão dissolver no ar.

Para ler a fotografia como Frame, é necessário construir toda uma

narrativa através de elementos que estão expostos na cena, assim como é

importante mostrar que a realidade traduzida no plano fotográfico é uma

construção de elementos internos e externos. Todos os elementos aqui

desenvolvidos fazem parte de um processo de desconstrução da realidade

fotográfica para poder enfim mostrar sob a luz do mundo uma pequena

dimensão de noções que são carregadas pela fotografia. Isso pode ser visto na

argumentação desenvolvida por Boris Kossoy no livro Os Tempos da

Fotografia:

Em seu conteúdo, uma única imagem reúne uma série de elementosicônicos que fornecem informações para diferentes áreas doconhecimento. Esses elementos acham-se formal e culturalmentecodificados na imagem, sendo tais codificações inerentes àrepresentação fotográfica, à sua estética particular. Tal codificaçãodiz respeito, pois, a fatores que corporificam o documento,materializam a representação e aos elementos icônicos propriamenteditos, que conformam a imagem. (KOSSOY, 2007, Pág.48)

Desconstruir ou desmontar uma fotografia é ler os elementos que estão

ali presentes de forma separada, mas não disjuntada. Não devemos, portanto,

isolar determinadas características da leitura para poder compreender a

imagem. Fazer isso seria equivalente a ler um livro pulando capítulos ou

assistir a um filme avançando partes que não lhe fossem interessante. Então

devemos entender esse processo de desconstrução como uma forma de

decifrar os elementos escondidos numa fotografia. Desconstruir a fotografia

implica reconstruí-la a partir do ponto de vista que o espectador pretende

compreender.

85

O movimento de construir a fotografia na sua concepção antes de

fotografá-la, depois desconstruir suas características para identificar elementos

distintos e por fim reconstruir novamente através da interpretação do

espectador é um ato de produção da narração da imagem. É dar voz para os

elementos que estão sendo identificados e interpretados pelo espectador.

A fotografia marca uma mudança, é o elo entre o que existiu e o queestá ocorrendo no presente, sendo construído culturalmente. Daí, apotencialidade informativa da fotografia enquanto narrativa visual,geradora de interesses pela sua interpretação e pelo que está contidonela (...). (NOBRE, 2003, Pág. 24)

Esse trecho da pesquisa, desenvolvida pelo Professor Doutor Itamar

Nobre, permite verificar a afirmação de que a fotográfica é capaz de produzir

uma narrativa que estará presente nas informações contidas no presente de

um passado que estava repleto de um “isto-foi”, para um presente observador.

Ainda mais porque a narrativa que surgirá na leitura de uma imagem é uma

narrativa que se caracteriza pelo posicionamento do espectador. Ou seja, se o

espectador não perceber absolutamente nada de relevante em uma fotografia,

talvez isso tenha ocorrido por essa imagem não lhe ser familiar ou não

emocioná-lo de forma alguma. Sendo assim, o espectador apático diante da

fotografia que não o sensibilizou produzirá uma narrativa densa e diferente de

qualquer outra já realizada sobre a respectiva fotografia.

Como a fotografia é uma resultante de um posicionamento de fotógrafo

devidamente disposto, com as características estéticas devidamente

configuradas num aparelho, podemos verificar que narrativa fotográfica segue

exatamente o mesmo processo. Só que dessa vez não serão processos que

vão ocorrer de fora da máquina para dentro da foto, e sim de fora da foto para

dentro do espectador.

Se, na imagem fotográfica, existirem códigos compreensíveis paraalguém, a narrativa visual estará efetivada para aquele interpretante,mas, mesmo que o interpretante de imediato não consiga decodificá-la, nem por isso ela deixará de ser uma narrativa, visto que umalinguagem não é elaborada apenas para um indivíduo específico.Uma linguagem é elaborada quase sempre para uma coletividade,para um corpo social, um universo cultural. (NOBRE, 2003, Pág. 25)

86

Onde inicialmente a noção de Frame era algo que estava atrelado à

movimentação sequenciada de eventos que vinham antes da fotografia, e

continuavam depois, agora começamos a considerar se essa noção está além

das bordas do papel fotográfico. Segue-se para o surgimento das narrativas

que deverão vir complementadas pela fotografia como elemento revelador de

realidades. Limitar a noção de Frame para somente a noção próxima de

elementos temporais que continuariam a se movimentar, seria criar limitações

conceituais para uma noção que vem contribuir para a expansão da maneira

como interpretamos os campos repletos de sentidos complementares e

distintos.

Figura 11 - Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 308.

Observar uma fotografia como essa é fazer o levante de todos os

elementos aqui já discutidos sobre o registro fotográfico. Em primeiro lugar,

vemos o fotógrafo posicionado, disposto em um local que conseguisse captar

os acontecimentos que estavam se desenvolvendo na sua frente. Em segundo

lugar, vemos o enquadramento que, devido à quantidade de pessoas

envolvidas na cena, acabou deixando algumas “cortadas” pela moldura da foto.

87

Esse enquadramento coloca de forma alinhada na regra dos terços as duas

pessoas que estão em “conflito” na ação que se desenvolve.

Existem múltiplas linhas de força saltando da fotografia nesse

momento, as que estão partindo dos olhares dos dois homens em conflito,

como também da multidão que os cerca. As linhas de força também estão

presentes na direção que a arma está apontada e em um sentido oposto ao

pulso fechado, preparado para dar um golpe no homem situado à esquerda.

Através da configuração da máquina, temos uma impressão de que os

elementos dispostos estão pausados, não demonstrando nenhum traço brusco

de movimentação, com ressalva do homem no canto da extrema esquerda que

tenta se equilibrar para não escorregar no terreno.

A temporalidade histórica também está bastante presente nessa foto.

Principalmente pelos elementos que se encontram nas vestimentas dos

homens que aparecem. Roupas desgastadas e sujas, demonstrando condições

de trabalho terríveis, completamente opostas ao uniforme do policial que

aparece portando uma arma que não é mais adotada pela polícia. Em um

primeiro momento o terreno que as pessoas estão caminhando não me revela

o posicionamento geométrico de onde essa foto foi realizada, mas revela que o

local tem passado (no momento que a foto foi realizada) por uma

transformação causada pelas atividades que esses homens realizam no local.

Percebendo que a fotografia foi realizada com filme preto e branco,

podemos indagar que o fotógrafo tenha feito tal escolha estética de realizar,

naquele momento, uma quantidade significativa de registros que carregassem

a dramaticidade que a utilização desse tipo de filme proporciona. Ainda no

ponto de vista estético, vemos um controle devidamente cuidadoso de captar

as mudanças de claro e escuro na cena. O céu levemente escurecido para não

causar um borrão “estourado” da foto, e deixando tons mais suaves de

sombreamento no restante da imagem. Esses cuidados podem ser tanto da

estética que o fotógrafo deseja alcançar nessa fotografia, como também para

não enegrecer a fotografia de maneira a não apagar elementos relevantes para

a fotografia.

O desfoque, causado pela profundidade de campo, que ocorre entre

aqueles que não estão dispostos no centro da fotografia facilita como nosso

88

olhar volte para o conflito que está sendo “armado”. Tal elemento estético faz

surgir uma dúvida quanto à encenação das realidades que ali estão se

desenvolvendo. Questões como a encenação desse acontecimento passam

pelo olhar de quem tenta se posicionar no lugar do fotógrafo, mas encenar uma

situação assim tomaria tempo de todos os envolvidos no registro, incluindo

principalmente as pessoas que não estão em primeiro plano da fotografia.

Perguntas relacionadas com o momento do contínuo começam a

surgir. O que foi que ocorreu para esses dois homens entrarem em conflito? O

que aconteceu depois que essa foto foi registrada? Onde será que essas

pessoas estão hoje em dia? O que ocorreu com o local após o

desenvolvimento das atividades que reuniram uma quantidade aparente

elevada de pessoas num mesmo local? Essas são perguntas que tentam

contribuir para a narrativa visual que essa fotografia em particular tenta

desenvolver em nós.

A resposta para a maioria dessas perguntas necessitaria ter

conhecimento dos motivos que levaram o fotógrafo a se deslocar até o local e

realizar esse trabalho. Como também necessitaria estabelecer contato com

possíveis pessoas que estivessem posicionadas nessa região na época em

que foram realizadas as atividades na localidade. Numa pesquisa sobre as

motivações existentes na intencionalidade do fotógrafo Sebastião Salgado,

será visto que ele procura fazer o registro de situações extremas. Na situação

dessa fotografia, vemos a presença da extrema exploração do trabalho e da

exploração dos recursos naturais. Sendo evidentes ambas as características,

pelo fato dessas fotografias pertencerem a dois trabalhos fotográficos de

Sebastião Salgado: o primeiro seria o Serra Pelada e o segundo o

Trabalhadores.

Tendo sido feita a análise dessa fotografia, vamos exercitar novamente

o olhar sensível de espectador em outra foto do mesmo fotógrafo, sendo,

nesse caso, uma situação completamente distinta da exposta acima.

89

Figura 12 - Campo Petrolífero Greater Burhan Kuwait, 1991.

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 342.

Novamente vemos duas pessoas dispostas de forma a ressaltar a

regra dos terços, sendo que, dessa vez, esta regra também existe na

composição de elementos paisagísticos. A divisão feita entre o céu, as areias

do deserto e a parte inferior onde se encontra uma poça de petróleo está

perfeitamente posicionada de forma a dividir a cena em um padrão estético.

Acaba por transmitir a sensação de vastidão da região onde se encontram os

elementos que estão na foto. Apesar de já ter existido a regra dos terços no

primeiro plano dessa imagem fotográfica, composta pelos homens que ali estão

expostos, nada impede o surgimento de uma segunda regra dos terços. O

fotógrafo tem apenas que tomar cuidado para não exagerar nas características

que possibilitam a percepção da regra dos terços para não poluir a fotografia e

quebrar a harmonia da composição.

As linhas de força novamente seguem o olhar dos homens que estão

aparecendo na fotografia, mas, no caso de um deles, o olhar vai para fora da

cena, para os elementos que estão fora dos limites do enquadramento. Já no

outro homem que está enquadrado na fotografia, o olhar segue para a

tubulação que adentra na terra e avança para o céu. Na fotografia está

90

presente linhas de força que estão fora das ações desprendidas pelas pessoas

ali existentes. Nesse caso, podemos perceber as linhas na tubulação que estão

dividindo a cena em duas, seguindo para cima, mas também podemos

perceber as linhas descendo do céu acompanhando a chuva negra de petróleo

que cai sobre os homens e o deserto.

O controle da luz permitiu captar o peso que a chuva de petróleo

transmitiu na cena que os homens se encontram. Nesse caso alguns riscos de

chuva aparecem ao fundo do céu da fotografia, bem como óleo pingando do

capacete e das estruturas tubulares que ali aparecem. Ou seja, o movimento

está parcialmente e completamente estático ao mesmo tempo, pois a chuva

ainda não se encontra completamente nítida e deixa leves rastos no céu. Mas

em contrapartida, vemos o que está em primeiro plano devidamente pausado.

Justamente por essa característica que podemos constatar que a cena dos

poços de petróleo poderia estar num ritmo muito mais acelerado do que a

fotografia do conflito em Serra Pelada.

A estética criada pela utilização de filme preto e branco quase faz um

dos homens que ali está apresentado sumir entre as areias do deserto sujas de

óleo. Mas, ainda é capaz de captar a dramaticidade dos poços de petróleo ao

fundo sendo incinerados. De certa maneira ambos transmitem uma sensação

quase como de serem estátuas dispostas no meio do deserto. Levando em

consideração a densidade de elementos que estão expostos na fotografia, a

encenação de muitos não é questionada, todavia a disposição das pessoas

nessa fotografia em particular pode ser questionada.

Mas como foi dito, a encenação às vezes pode revelar mais do que

tentar fazer uma fotografia de uma situação completamente espontânea. Se

considerarmos nesse caso que os homens estão encenando, é possível

indagar se é para retratar a dificuldade do trabalho que estão desempenhando,

o qual lhes obriga a ficar completamente cobertos de óleo. Se considerarmos

como um momento espontâneo, ainda podemos compreender que é um

trabalho bastante desgastante, mas que não necessariamente podem passar

por situações como a representada na fotografia.

91

Figura 13 - Serra Pelada, Pará, Brasil, 1986

Fonte: SALGADO, 2006, Pág. 302.

Nessa fotografia, por sua vez, vemos a mudança do ângulo que o

fotógrafo fez uso para realizar a foto. Em vez de estar disposto de forma frontal

do assunto, ele se coloca no alto de uma subida olhando para baixo. Isso

transmite a característica de profundidade da fotografia, podendo ser notada

principalmente quando vemos que as pessoas que estão mais ao fundo da foto

encontram-se desfocadas.

O enquadramento deixou os pés de alguns homens aparecendo no

canto esquerdo da foto, brincando com a percepção dos elementos que não

estão enquadrados e localizam-se fora da moldura, mas não fora da

representação que ali se faz.

As linhas de força nessa fotografia seguem o padrão que as pessoas

ali expostas estão fazendo para se locomover dentro do espaço enquadrado.

Nesse caso mais específico, as linhas não são totalmente retas, algumas são

espirais que aprofunda na cratera que está aparecendo ao fundo da imagem.

92

Vemos aqui outra cena da mesma região que a fotografia acima dos

dois homens em conflito, porém, não segue a trajetória dos acontecimentos

que estavam ocorrendo na fotografia anterior. Mesmo assim, transmite a noção

de continuidade temporal que a outra tinha, mas dessa vez o tempo contínuo

dessa imagem vai ser outro. Vai contar a sua história mesmo inserido na sua

própria temporalidade de acontecimentos.

Existem elementos comuns em todas as fotografias aqui expostas, tais

como terem sido realizadas pela mesma pessoa, Sebastião Salgado, que tem

uma técnica bastante peculiar de registrar um acontecimento. Sebastião

Salgado tem o costume de passar longos períodos de tempo inserido no

grupamento que está realizando o levante fotográfico, estabelecendo uma

relação de proximidade com as pessoas que vão ser assuntos de suas

fotografias.

Outra característica que está presente na obra fotográfica de Sebastião

Salgado é a utilização de um equipamento bastante específico para realizar as

fotos desse trabalho, sendo ele uma câmera profissional analógica, com filme

em preto e branco e uma objetiva de 50mm. Isso o obriga a ficar situado de

maneira próxima aos assuntos fotografados, evitando que as pessoas que

estão na cena não o percebam, bem como evita que as fotografias fiquem

distorcidas pela utilização de lentes grande-angulares.

Tentar encontrar a narrativa fotográfica dentro de imagens produzidas

por nós mesmos já é um processo devidamente complicado. Essa complicação

ainda se intensifica quando tentamos analisar fotografias produzidas por outras

pessoas. Isso ocorre por não ter pleno conhecimento das técnicas,

equipamentos, acessórios utilizados para registro da fotografia.

Fazendo uso da fotografia em espaços como a pesquisa sociológica

pode ocorrer com o surgimento de um “conflito” relacionado com a produção da

própria imagem. Fazer uso das fotografias que originalmente foram produzidas

para outras finalidades e principalmente produzidas por outros fotógrafos, pode

complicar ainda mais a análise. Por isso é necessário procurar conhecer quem

produziu as imagens ali expostas, tentar se aprofundar nas técnicas que

costumam ser feitas, numa tentativa de se inserir no Studium produzido na

fotografia. Sempre tendo em mente que todo fotógrafo é um narrador em

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primeiro nível, pois a fotografia vai ser constituída primeiramente dentro de si,

para somente depois passar a existir no outro.

É evidente que não é possível ter pleno conhecimento de tudo o que o

autor da fotografia tinha em si quando realizou aquele registro. Dependendo da

pesquisa isso realmente não será necessário, pois a narrativa que a imagem

deverá transmitir poderá contemplar as indagações e os questionamentos que

serão realizados sobre aquela fotografia. O mais necessário para isso será o

mínimo de conhecimento dos elementos fotográficos e das técnicas existentes

para poder captar determinado registro daquela maneira, como afirma Itamar

Nobre quando diz:

Contudo, o fotógrafo pesquisador precisa conhecer minimamente alinguagem fotográfica para obter êxito na sua narrativa visual, assimcomo um escritor precisa conhecer determinada língua e os seuscódigos, para escrever utilizando os códigos da linguagem escritareferente a essa língua. (NOBRE, 2003, Pág. 27)

Esses códigos são os que têm aparecido no decorrer de todo este

trabalho, principalmente quando tentamos dar forma ao conceito de Frame

para além das fronteiras que delimitam as margens da fotografia. É importante

compreender a fotografia de forma mediadora com universos reais que estão

em constante transformação, seguindo as mudanças culturais que ocorrem

simultaneamente no campo do cotidiano, ou seja, as codificações necessárias

para compreender uma precisa situação de uma determinada maneira vão

depender principalmente dos elementos que estão à disposição do plano de

códigos que contemplam o mundo social.

Para finalizar a argumentação sobre Frame devemos considerar o

caráter revelador de visões de mundo que a fotografia apresenta diante de si

mesma e diante do espectador. A concepção de Frame vai sofrer mudanças

para poder compreender a narrativa que tanto o espectador como o fotógrafo

vão estabelecer para conseguir compreender, cada um de sua maneira, os

elementos presentes na fotografia. Afinal de contas, o olhar de quem fotografou

um instante vai conter elementos diferentes de quem contempla a fotografia,

mesmo que esses sejam a mesma pessoa.

94

Sendo assim, o Frame é uma moldura que extrapola seus limites, é

uma linguagem que narra o que foi representado visualmente, mas também o

que foi representado internamente no olhar do observador. O Frame

compreende as realidades que nascem no cotidiano, mas também as

realidades internas do fotógrafo/pesquisador/espectador.

O Frame compreende elementos que saltam da imagem e também

elementos que entram na imagem. A modificação do seu contínuo vai existir

para revelar estruturas representativas de um elemento narrativo e

simbolicamente construído por realidades em constante mutação. Ou seja, o

Frame vai constituir uma noção de sequenciação que a realidade representa,

mas não vai fazer referência à sequenciação que está presente nos filmes

cinematográficos. A sequência vai se desenvolver no lado mais íntimo e

profundo daqueles que vão entrar em contato com a realidade fotografada e se

sensibilizar com as narrativas desenvolvidas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos três capítulos aqui desenvolvidos acerca do ato fotográfico e da

interpretação de imagens, foram abordadas temáticas distintas, no entanto

complementares sobre o estudo da imagem fotográfica. Tais abordagens

aparecem de maneira que complementam as noções teóricas já existentes

sobre a forma de ler imagens, principalmente a imagem fotográfica.

Estabelecer a diferença entre os elementos técnicos, com a técnica da

fotografia demonstrou-se necessário para compreender a relação dos sentidos

produzidos do ponto de vista mecânico da câmera com as características

teóricas da fotografia. Isso ocorreu, por existir características essenciais no

aparelho fotográfico, no entanto, muitas vezes esquecidos nos textos

científicos, que demonstram que a fotografia tem uma origem “mística” pautada

em elementos reais e técnicos.

Mesmo com os avanços tecnológicos possibilitando que pessoas

comuns portem consigo aparelhos capazes de fazer um registro fotográfico,

muitas delas não compreendem as características e funcionalidades desses

aparelhos. Principalmente se tratando de pessoas sem conhecimento profundo

de fotografia, o interesse no ato de fotografar passa a ser uma prática do

cotidiano tão comum como realizar um telefonema ou acessar a internet. Por

isso, a fotografia vem se incluindo cada vez mais na rotina das pessoas e se

fazendo natural, apagando para muitos o caráter místico de se fazer uma foto,

bem como excluindo as características de registrar algo que transcenda a

barreira temporal e a barreira das sensações despertadas pela emoção

transmitida por fotografias de teor mais perpétuo.

Apesar de ter ocorrido uma considerável mudança nas formas que

consistem a essência do ato fotográfico, deixando de estar presentes como

elementos da construção de traços de um real, para serem simplesmente

retratos de uma produção fotográfica reveladora de instantes do dia a dia. Não

acreditamos que o sentido que define uma imagem passou a ser definido, bem

como as características que constituem a fotografia, tenham sido compelidas a

uma pessoa ou a um grupo de pessoas. Estando presente no olhar de quem

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vai entrar em contato com a fotografia, produzindo assim as narrativas visuais

pertinentes à devida imagem fotográfica.

Os conhecimentos das técnicas fotográficas permitem à pessoa

comum, que deseja fotografar, tentar criar sentidos essenciais para uma

narrativa que poderá sensibilizar um espectador. Mesmo assim, a fotografia

não exige o conhecimento de regras específicas, por não ter uma regra única

de como devem ser realizadas, apenas que ela tenha que ser sentida e

interpretada pelos olhares alheios.

Os conceitos aqui trabalhados, que contribuem a formação das

realidades que existentes na fotografia, possibilitam verificar que ela não é algo

dotado da capacidade de compreensão totalizadora dos elementos cotidianos.

A compreensão desses conceitos ajuda a identificar a foto como um elemento

pertencente a uma realidade posicionada e transformadora dos mesmos

elementos comuns no cotidiano.

A fotografia é uma linguagem que narra com a luz, que constrói um

mundo de significados principalmente pautados nas emoções e

particularidades culturais existentes. Talvez neste exato momento,

encontremos a maior proximidade entre a fotografia e a pesquisa sociológica,

pois encontramos um mundo de sentidos estrategicamente posicionados e

voltados a revelar elementos que ali estão dispostos para quem souber

identificá-los.

Através disso, se tornou consequência compreender que na pesquisa

sociológica a fotografia não é somente um anexo ao texto, mas sim uma forma

de apresentar a narrativa contida no campo da citada fotografia, sendo

consequência de toda a argumentação e exposição das fotografias nessa

pesquisa. Portanto, foi evitado desenvolver uma leitura da fotografia de forma

“corrida”, foi trabalhado uma forma de produzir um texto que crescesse em

volta da imagem e tivesse uma relação com os elementos visíveis e invisíveis

da própria imagem selecionada para representar as ideias que estão sendo

desenvolvidas. A fotografia nesse caso tem que falar por si só, mas tem a

necessidade de ser argumentada pela pessoa que está fazendo uso.

97

Em contrapartida, vemos também, que foi feita uma leitura dos

elementos presentes em algumas fotografias, elementos técnicos e sensíveis

permitindo extrair diversas interpretações que a imagem fotográfica pode

expressar. Outra maneira que poderia fazer uso da fotografia para compor as

temáticas das pesquisas sociológicas seria compreender a fotografia além dos

seus sentidos históricos e técnicos, considerando a fotografia simplesmente

através das emoções despertadas nos espectadores.

Tal análise não foi desenvolvida, para considerar o levante das

sensações que uma fotografia poderia suscitar em um espectador, sendo tais

sensações de extrema complexidade, a qual seria somente possível fazer em

um trabalho especificamente voltado para isso. Mesmo que a considere válida

pela sua característica transformadora em relação com os elementos internos

do espectador. O espectador que foi tanto aqui trabalhado será sempre aquele

que está se deslumbrando com o universo de símbolos e signos presentes,

mas desligados da intencionalidade de fabricação. Por mais que em diferentes

momentos o espectador tenha produzido a fotografia que está sendo exposta,

quando esse entra em contato com sua própria produção e a observa, ocorre

um retorno ao caráter de espectador e não produtor da fotografia.

Por fim, vemos que a argumentação teórica que surgiu em torno do

conceito de Frame, possibilitou encontrar uma narrativa que transcenda as

margens que constituem a fotografia fisicamente, dentro das limitações de

enquadramento e da captação da noção de movimento. Assim como também a

constitui como possibilidade de compreender que o Frame é dotado da

narrativa que vai compreender o campo das interpretações.

Ficou evidente que tal conceito não se encerrou com as análises e

argumentações aqui trabalhadas, mas necessita de uma análise mais profunda

dos elementos que começaram a trilhar a sua formulação metodológica.

Análises práticas desse conceito, inserindo e aprimorando suas características

tem se mostrado cada vez mais necessárias para fazer com que compreenda a

gama de sentidos que podem surgir através de uma fotografia. Assim como

difundir tal conceito entre pesquisadores da fotografia também se faz

necessário, para contribuir na uma formulação crítica de uma metodologia mais

apurada na análise das fotografias.

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Façamos essa ressalva por ter encontrado dificuldade em estabelecer

quem seria os referenciais teóricos, bem como encontrar nas suas

argumentações os elementos necessários para desenvolver as teorias aqui

trabalhadas. Afirmamos isso por esses autores, que descreverem uma gama

extremamente vasta de elementos similares, mas ao mesmo tempo

demasiadamente distintos, acabam por dificultar a compreensão de maneira

mais ampla dos argumentos que são postos para tentar compreender as

noções de sentidos que a fotografia tenta estabelecer com seus leitores.

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