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1 ISSN: 1980-2668 SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser Ensaios FEE Porto Alegre v. 24 n. 1 p. 01-294 2003 Ensaios FEE Ensaios FEE é uma publicação semestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser que tem por objetivo a divulgação de trabalhos, ensaios e artigos de caráter técnico-científico da área de economia e demais ciências sociais. Semestral CONSELHO EDITORIAL Álvaro Antônio Louzada Garcia Octavio A. Camargo Conceição Pierre Salama Leonardo Guimarães Neto Achyles Barcelos da Costa Roberto Camps de Moraes Luis Carlos Bresser Pereira Nelson Delgado Edward Amadeo Ricardo Tauile José Vicente Tavares dos Santos François Chesnais Pascal Byé Elmar Altvater CONSELHO DE REDAÇÃO Adalberto Alves Maia Neto Maria Domingues Benetti Octavio Augusto Camargo Conceição Raul Luís Assumpção Bastos Rubens Soares de Lima Sheila Villanova Borba EDITOR Octavio Augusto Camargo Conceição SECRETÁRIA EXECUTIVA Lilia Pereira Sá

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ISSN: 1980-2668

SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTOFUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICASiegfried Emanuel Heuser

Ensaios FEE Porto Alegre v. 24 n. 1 p. 01-294 2003

Ensaios FEEEnsaios FEE é uma publicação semestral da Fundação de Economia e Estatística SiegfriedEmanuel Heuser que tem por objetivo a divulgação de trabalhos, ensaios e artigos de carátertécnico-científico da área de economia e demais ciências sociais.

Semestral

CONSELHO EDITORIALÁlvaro Antônio Louzada GarciaOctavio A. Camargo ConceiçãoPierre SalamaLeonardo Guimarães NetoAchyles Barcelos da CostaRoberto Camps de MoraesLuis Carlos Bresser PereiraNelson DelgadoEdward AmadeoRicardo TauileJosé Vicente Tavares dos SantosFrançois ChesnaisPascal ByéElmar Altvater

CONSELHO DE REDAÇÃOAdalberto Alves Maia NetoMaria Domingues BenettiOctavio Augusto Camargo ConceiçãoRaul Luís Assumpção BastosRubens Soares de LimaSheila Villanova Borba

EDITOROctavio Augusto Camargo Conceição

SECRETÁRIA EXECUTIVA Lilia Pereira Sá

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Toda correspondência para esta publicação deverá ser endereçada à:

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser (FEE)Revista Ensaios FEE - SecretariaRua Duque de Caxias, 1691 — Porto Alegre, RS — CEP 90010-283Fone: (51) 3216-9049 — Fax: (51) 3225-0006E-mail: [email protected]

Tiragem: 600 exemplares.

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores.

Ensaios FEE está indexada em:

Ulrich's International Periodicals Directory

Índice Brasileiro de Bibliografia de Economia (IBBE)

Journal of Economic Literature (JEL)

ENSAIOS FEE /Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser – v. 1, n. 1 (1980) - . - Porto Alegre: FEE, 1980 – . – v. - Semestral A partir do v. 17, n. 2, 1996, deixa de ter paginação continuada. Índices: v. 1 (1980) – 9 (1988) em v. 9 n. 2; v. 10 (1989) – 11 (1990) em 11 n. 2; v. 12 (1991) – 15 (1994) em v. 16, n. 2.

ISSN 0101-1723

1. Economia – periódicos. 2. Estatística – periódicos. I. Fundação de Economia e Esta- tística Siegfried Emanuel Heuser.

CDU 33(05)

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Sumário

Estrutura e gargalos da economia gaúcha: uma análise a partir daMIP-RS/98 e da PIA-2000 — Carlos Águedo Paiva ......................

Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul —Rubens Soares de Lima ..........................................................

PIB, tributos, emprego, salários e saldo comercial no agronegóciogaúcho — Eduardo Belisário Finamore e Marco AntonioMontoya ..................................................................................

1893: interpretações da guerra — Luiz Roberto Pecoits Targa ..

Chips & sweating system: metáforas para a reestruturação produtiva —Hoyêdo Nunes Lins .................................................................

Arranjos produtivos locais informais: uma análise de componentesprincipais para Nova Serrana e Ubá — Minas Gerais — FabianaSantos, Marco Crocco e Rodrigo Simões .................................

Novas tecnologias, inovações e dinamismo no desenvolvimentorecente dos Estados Unidos — Ricardo Dathein .......................

Endividamento forçado, Big Government e a implausibilidade decrise no capitalismo: um exercício a partir de um modelo deconsistência entre fluxos e estoques — Luiz Daniel Willcox deSouza ....................................................................................

O emprego público no Brasil, no anos 90 — Eneuton Pessoa eMarcilene Martins ...................................................................

Teoria do valor-trabalho: do ideário clássico aos postuladosmarxistas — Lauro Mattei .......................................................

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Estrutura e gargalos da economia gaúcha:uma análise a partir da MIP-RS/98

e da PIA-2000*

Carlos Águedo Paiva Economista da FEE, Doutor em Economia pela Unicamp.

ResumoNeste artigo, procuramos traçar um perfil da estrutura e dos gargalos (no senti-do de limitadores do fluxo de renda) da economia gaúcha a partir de dadosdisponibilizados pela Pesquisa Industrial Anual (PIA) 2000, do IBGE e, de for-ma particular, a partir dos dados disponibilizados pela Matriz de Insumo-Produ-to — 1998 (MIP-RS/98), produzida pela FEE em 2002. A conclusão a que che-gamos é que a economia gaúcha apresenta dois gargalos fundamentais. O pri-meiro encontra-se na carência de um sistema de serviços adequados à amplia-ção da participação da produção regional nos mercados nacional e internacional.O segundo gargalo encontra-se no baixo multiplicador do investimento, que derivada baixa integração a montante das cadeias produtivas mais dinâmicas da eco-nomia gaúcha. Na seqüência, procuramos identificar as políticas públicas maisadequadas para o alargamento desses gargalos dentro das circunscrições fis-cais e financeiras atuais dos Governos Estadual e Federal.

Palavras-chaveMatriz de Insumo-Produto; multiplicador; exportador.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 5-48, 2003

* Este trabalho não teria sido possível sem o concurso de dois economistas da FEE: AdalbertoMaia e Alexandre Porsse. Não bastasse haverem coordenado a produção da Matriz de In-sumo-Produto do RS, atenderam à demanda da SCP de imputação das importações àscategorias de demanda final (Tabela 9) e de cálculo dos multiplicadores do ICMS (últimacoluna da Tabela 13), enfrentaram e sanaram inúmeras dúvidas e debateram interpretaçõese conclusões. A ambos os mais sinceros respeitos e agradecimentos do autor.

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AbstractIn this paper we intend to construct a profile of Rio Grande do Sul State’seconomics structure and bottlenecks that limit the state income flow from datamade available by the Industrial Annual Research 2000 carried out by IBGE(Brazilian Institute of Geography and Statistics) and the Input-Product Matrix1998 performed by FEE (State Foundation of Economics and Statistics) in 2002.We came to the conclusion that the state economics presents two significantbottlenecks. The first one is the absence of an adequate system of services forthe regional production participation enlargement in the national and internationalmarkets. The second one is the low investment multiplier, which stems from thelow integration before the more dynamic productive networks of Rio Grande doSul State’s economics. Following we tried to identify appropriate public policiesfor the enlargement of such bottlenecks within the present fiscal and financialcircumscriptions of the state and federal governments.

Os originais deste artigo foramrecebidos por esta Editoria em 19.11.02.

1 - Introdução: a MIP e os gargalos da economia gaúcha

A Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul, recentemente produzi-da pela FEE, é o mais importante instrumento de planejamento fornecido porum governo de Estado há anos.

É bem verdade que o Governo Britto nos legou um material da maior impor-tância nos cadernos do RS-2010. Contudo a multiplicidade de objetos, perspec-tivas e enfoques, assim como a amplitude e a diversidade dos dados tabuladosnão poderiam deixar de causar uma certa confusão. Não gratuitamente, as con-clusões para a política econômica do RS-2010 dialogam muito parcialmentecom as informações recebidas. Usualmente, só são valorizadas as informaçõesque reafirmam a hipótese fundante da pesquisa: que é preciso modernizar abase produtiva gaúcha pelo aumento de sua escala e densidade tecnológica.

Nesse sentido, a Matriz de Insumo-Produto é um resultado oposto aosresultados do RS-2010, porque ela não multiplica as informações sobre o Esta-do, ela as sintetiza. Ela “mapifica” a economia de uma forma muito particular,onde o valor de cada variável é balanceado e, em última instância, determinadopelo conjunto dos demais, pela estrutura produtiva como um todo. Assim, ainformação nova que a Matriz de Insumo-Produto oferece é sobre o todo, sobre

Carlos Águedo Paiva

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a estrutura, o que nos permite questionar essa “estrutura mapificada” com vis-tas a identificar os seus pontos fracos, seus elos frágeis, seus gargaloseconômicos.

A importância da identificação dos gargalos encontra-se no fato de que épara eles — para os limitadores atuais e potenciais do fluxo econômico — queum planejador tem de estar atento. Mais do que isso: seu trabalho é hierarquizaros gargalos e “cronogramar” o enfrentamento dos mesmos, de forma que só osgargalos recebam melhorias e expansão. E isso numa ordem lógica, do menorpara o maior, do primeiro ao último, em um fluxo suave e contínuo.

Afinal, como nos ensina Goldratt (1997), qualquer melhoria feita, hoje, emum elo da corrente que não é o mais fraco não aumenta a capacidade de amesma suportar tensão, porque é o elo mais fraco que define quanto a correntepode suportar. Aplicar recursos para melhorar os elos que estão semi-ociosos(vale dizer: elos sobre os quais incide uma demanda inferior à sua capacidadede oferta) é absolutamente irracional.1

Ora, o modelo goldrattiano não é mais do que a aplicação à gestão depadrões sistêmicos de contabilização de benefícios, o que nos abre a porta paraa adoção de padrões sistêmicos de análise custo/benefício de programaseconômicos2. A conclusão inexorável do modelo é a de que a gestão racional deum sistema econômico qualquer — seja uma empresa, seja um sistema socialde produção definido regionalmente — é aquela gestão que dirige recursos ape-nas para os setores-gargalos, cuja ampliação/melhoria libera o fluxo de produ-ção de riqueza. Identificar, hierarquizar e propor políticas de enfrentamento aosgargalos da economia gaúcha é o objetivo das páginas seguintes.

Estrutura e gargalos da economia gaúcha:...

1 A não ser que se avalie que o adiamento de um certo investimento (que só frutificará nomédio prazo) determinará, num espaço de tempo relativamente curto, a emergência de umgargalo intransponível à frente. Nesse caso, o enfrentamento desse(s) gargalo(s) deve co-meçar já, em simultâneo com o enfrentamento daquele(s) gargalo(s) que define(m), hoje, onível de produção. Contudo o bom método recomenda começar a investigação pelo princi-pal gargalo de curto prazo. Afinal, é este que nós temos de ampliar primeiro, para acelerar(ou retomar) o crescimento e permitir a manifestação de novos gargalos de curto prazo aserem enfrentados.

2 A metodologia de hierarquização de Goldratt pode ser utilizada, igualmente bem, para ahierarquização de programas sociais e, mesmo, para a hierarquização conjunta de progra-mas sociais e econômicos. O único que se necessita é definir o custo (que, a princípio, deveser o dispêndio governamental com o mesmo) com a mesma unidade de medida dos bene-fícios (por exemplo, a melhoria das condições de vida dos beneficiários dos programas so-ciais avaliada monetariamente pelo preço que eles teriam de pagar se dependessem domercado para obterem os mesmos benefícios).

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2 - Os “não-gargalos” da economia gaúcha

Quando se quer identificar e hierarquizar os gargalos de uma estruturaeconômica, o primeiro a fazer é descartar alternativas. É preciso descartar oque não pode ser um gargalo por um motivo óbvio: ele sobra!

Ora, a MIP não fornece informações sobre a capacidade instalada da eco-nomia e, portanto, sobre subutilizações dessa capacidade, sobre o que “sobra”.Contudo ela nos fornece informação sobre uma “sobra” particularmente impor-tante: a “sobra da poupança”. Nesse particular, o que a MIP-RS/98 informa éque — ao contrário do que pretendem os defensores da atração de empresas aqualquer custo — a “poupança interna” não é um gargalo da nossa economia.

Na verdade, como já se intuía (dados os expressivos saldos comerciais doRS com o Exterior e com o resto do Brasil), nossa poupança interna é significa-tivamente superior ao investimento interno. Mais especificamente, a Matriz deInsumo-Produto revela-nos que a poupança bruta do Estado corresponde a 22,5%da renda disponível bruta. Dessa poupança, apenas 71,5% se destina à acumu-lação de capital fixo, sendo que os 28,5% restantes dividem-se em formação deestoques (12,9%) e em transferências de capital e financiamento ao resto domundo 15,6% (Maia Neto, 2002a, tab. 23). Em síntese: o RS é exportador líqui-do de capitais.

Mas, se o que nos falta para ampliar o investimento não é poupança, oslimites do investimento devem se encontrar na carência de oportunidades deinvestimento lucrativo no plano produtivo interno para os agentes superavitários3.Afinal, se existe um excesso de poupança sobre o investimento, existem fontesinternas de financiamento à acumulação. E a necessidade de buscar basesprodutivas para enraizar os ganhos financeiros de longo prazo envolve uma pres-são de oferta desses recursos por parte dos agentes superavitários. Se essa

3 Esses agentes podem estar privilegiando a esfera de valorização financeira, dadas as ele-vadas taxas de juros vigentes na economia brasileira. Contudo, como alertam Kalecki (1983,caps. 7-8) e Berstein (1997, cap. 12), a segurança e a rentabilidade só andam juntas,sustentando-se reciprocamente, quando se articula a valorização financeira à valorizaçãoprodutiva. E isso tanto no plano dos interesses da região quanto no plano dos interesses docapital. Para esses autores (com os quais concordamos), a valorização fictícia não podeimpedir a acumulação produtiva, se esta apresenta um horizonte de lucratividade positivo,mesmo que inferior ao rendimento especulativo de curto prazo. A base produtiva dá segu-rança. E essa segurança é valiosa diante da incerteza imanente aos mercados de títulos evalores mobiliários.

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pressão não se resolve em financiamentos produtivos é porque algum outro“gargalo” deve estar acicatando a acumulação e a produção.4

Outra hipótese facilmente descartável é que o gargalo inferior atual seja oinfra-estrutural. O RS não passou sequer pelo risco de “apagão” em 2001, am-pliou e modernizou suas estradas nos últimos anos e vem recuperando suasimportantes hidrovias. Há problemas? Sim, inúmeros. Mas não há qualquer evi-dência de que esses problemas estejam, hoje, definindo o limite superior daprodução corrente. Este não é, pois, o gargalo que buscamos agora: o gargalo“mais apertado”.

Tampouco a taxa de lucro interna parece ser o gargalo fundamental. Noplano da rentabilidade, nossa indústria parece estar indo bem, comparativamen-te ao resto do Brasil.5 Pelo menos é o que nos dizem dois indicadores importan-tes: a taxa média de mark-up da nossa indústria vis-à-vis à nacional — Tabela1 —6 e o excedente sobre os custos salariais (que corresponde, em preços, àtaxa de mais-valia de Marx) — Tabela 2.7

4 Com isso não estamos negando a existência de graves obstáculos (legais, fiduciários, com-petitivos e institucionais) no plano da transferência de recursos financeiros excedentários,dos agentes superavitários para os agentes com fluxo de caixa negativo. Apenas o quequeremos frisar é que a incapacidade do mercado de lidar com esse problema, a despeitodo excedente de poupança regional sobre a acumulação e de sistemas de crédi-tos especiais para investimento (que vão do Pronaf ao Reconversul), sinaliza a exis-tência de outros e “mais apertados” gargalos. Voltaremos a tratar da questão do financia-mento enquanto um gargalo secundário (ou “superior”) na última seção deste trabalho.

5 As informações sobre a rentabilidade comparada da agricultura e dos serviços em nívelnacional ou não são disponíveis, ou são de menor confiabilidade (em função da maior infor-malidade relativa desses setores). Contudo as informações sobre a indústria disponibilizadasna Pesquisa Industrial Anual 2000, produzida pelo IBGE, permitem-nos todo um conjunto decomparações da rentabilidade de nossa indústria vis-à-vis ao Brasil e aos estados maisindustrializados da nação.

6 Definimos o mark-up como a relação entre “receita líquida de vendas/(salários + encargos ++ custo de matérias-primas, insumos e serviços industriais)”. As informações para a monta-gem da Tabela 1 e das imediatamente subseqüentes (Tabelas 2, 3, 4 e 5) foram extraídas deuma tabulação especial da PIA adquirida pela Secretaria da Coordenação e Planejamentojunto ao IBGE. Essa tabulação encontra-se disponibilizada no Apêndice Estatístico doMarco Referencial do Plano Plurianual 2004-2007 (RS. SCP, 2002).

7 Definimos o excedente como o Valor da Transformação Industrial subtraído dos salários e dosencargos (que, juntos, perfazem os “rendimentos do trabalho”).

Estrutura e gargalos da economia gaúcha:...

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Tabela 2

Excedente sobre os rendimentos do trabalho na indústria,

por estrato e estado, no Brasil — 2000

Carlos Águedo Paiva

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 5-48, 2003

Tabela 1

Mark-up industrial, por estrato e estado, no Brasil — 2000

NÚMERO DE

TRABALHADORES RS SP PR SC MG RJ BA BRASIL

5 a 29 ..................... 1,301 1,297 1,287 1,317 1,282 1,403 1,345 1,296

30 a 49 ................... 1,428 1,439 1,228 1,301 1,145 1,350 1,325 1,346

50 a 99 ................... 1,302 1,399 1,224 1,425 1,298 1,394 1,387 1,334

100 a 249 ............... 1,313 1,365 1,290 1,388 1,592 1,474 1,390 1,432

250 a 499 ............... 1,470 1,463 1,510 1,440 1,390 1,565 1,420 1,463

500 ..................... 1,657 1,498 1,636 1,323 1,649 1,627 2,099 1,573

Média ..................... 1,468 1,443 1,452 1,359 1,516 1,545 1,673 1,471

Desvio padrão ....... 0,140 0,073 0,170 0,060 0,194 0,108 0,298 0,103

FONTE: PESQUISA INDUSTRIAL ANUAL — 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 19, n. 1, 2002.

NÚMERO DE

TRABALHADORES RS SP PR SC MG RJ BA BRASIL

5 a 29 ..................... 1,42 0,84 1,18 1,13 1,13 0,98 1,67 1,01

30 a 49 ................... 1,83 1,26 1,75 1,37 1,04 0,53 1,52 1,29

50 a 99 ................... 1,56 1,42 1,44 1,74 1,33 1,33 2,28 1,47

100 a 249 ............... 1,67 1,32 1,66 2,17 2,12 2,09 3,56 1,85

250 a 499 ............... 2,58 1,80 2,56 1,67 2,45 1,83 2,59 2,14

500 ..................... 2,83 2,04 3,61 1,56 3,67 3,12 5,23 2,62

Total ...................... 2,19 1,68 2,35 1,64 2,56 2,33 3,74 2,06

Desvio padrão ....... 0,58 0,43 0,90 0,35 1,01 0,92 1,39 0,59

FONTE: PESQUISA INDUSTRIAL ANUAL — 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 19, n. 1, 2002.

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Desde logo, chama atenção o fato de o mark-up da indústria gaúcha en-contrar-se muito próximo da média nacional, sendo levemente superior aomark-up médio das indústrias paulista, paranaense e catarinense. SeguindoKalecki (1983, cap. 1), entendemos que o mark-up é uma manifestação do graude monopólio, pois os custos marginais (que equivalem aos custos diretos,sempre que se opera abaixo do limite da capacidade instalada) são os únicosque devem ser levados em consideração para definição do preço de venda. Eisto, tanto se o mercado for de concorrência perfeita, quanto se não o for.8

É bem verdade que a produtividade da indústria gaúcha — medida sejapelo Valor da Transformação Industrial por trabalhador (Tabela 3), seja pelo ex-cedente por trabalhador (Tabela 4) — é inferior à produtividade média da indús-tria brasileira e significativamente inferior à produtividade da indústria baiana (amais “produtiva” do País). Porém vale observar que, a despeito desse fato, arazão da indústria gaúcha entre “excedente/rendimentos do trabalho” (Tabela 2)é similar à média nacional e significativamente superior às médias paulista ecatarinense. E isto na medida em que o salário médio de nossa indústria (assimcomo de Santa Catarina) é inferior ao salário industrial brasileiro médio (Tabela5), enquanto nosso mark-up (ao contrário de Santa Catarina) é superior à médianacional.

Só que esse quadro de “baixa produtividade” e “baixos salários” é — adespeito do que possa parecer — altamente sustentável. Na verdade, ele é oreflexo, de um lado, da especialização regional em setores onde a entrada émais livre (porquanto a relação “custos fixos/custos diretos” é baixa), e, de ou-tro, da capacidade da indústria gaúcha (e catarinense) de adotar padrõestecnológicos consistentes com a disponibilidade relativa (e os preços) dos fato-res de produção no Brasil.9

8 A diferença é que, em concorrência imperfeita, é a receita marginal decrescente que defineo preço de equilíbrio (ao intersectar a função custo marginal, via de regra, no intervalo emque a mesma é constante) e não, como em concorrência perfeita, onde a receita marginal édada (pelo preço) e o custo marginal define apenas a quantidade produzida. Para uma refle-xão mais aprofundada sobre esse ponto, ver Paiva (2001).

9 Aparentemente, os baixos salários das indústrias gaúcha e catarinense estão relacionadoscom o perfil industrial desses estados. Segundo os dados da PIA, esses dois estados têmuma participação muito expressiva naqueles setores industriais intensivos em mão-de-obra(e extensivos em capital fixo) e cujas taxas de salário são inferiores à média salarial daindústria, como couro e calçados, têxtil-vestuário e madeira e mobiliário (para uma avaliaçãoda importância dos setores intensivos em mão-de-obra na indústria gaúcha, ver Tabela 6).Vale observar, contudo, que esse perfil da indústria gaúcha deveria induzir (tal como o faza indústria catarinense) a uma redução do grau de monopólio e à adoção de taxas de mark--up inferiores à média nacional. O fato de que isso não ocorra pode estar expressando pa-drões colusivos e de precificação que são perversos, tanto no plano social (ao aprofun-darem a concentração de renda) quanto no plano da acumulação privada (na medida em quelimita o mercado interno e as possibilidades de conquista de mercados externos).

Estrutura e gargalos da economia gaúcha:...

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12 Carlos Águedo Paiva

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 5-48, 2003

Tabela 3

Valor da Transformação Industrial, por estrato e estado, no Brasil — 2000

(R$)

NÚMERO DE

TRABALHADORES RS SP PR SC MG RJ BA BRASIL

5 a 29 ..................... 17 307 17 571 13 808 12 362 11 483 15 564 16 087 14 644

30 a 49 ................... 24 691 26 778 23 435 16 353 13 636 15 659 25 135 21 826

50 a 99 ................... 29 030 41 051 25 814 22 847 20 525 36 854 38 305 31 786

100 a 249 ............... 34 938 49 580 35 607 37 486 39 670 53 762 83 763 47 119

250 a 499 ............... 51 957 72 102 56 403 35 983 55 762 60 224 75 865 61 549

500 ...................... 55 920 97 110 101 039 37 574 106 054 160 037 209 118 86 949

Média ..................... 38 427 57 333 42 008 28 803 44 483 69 191 84 314 48 992

Desvio padrão ....... 15 347 29 584 32 039 11 378 36 030 53 795 71 230 27 074

FONTE: PESQUISA INDUSTRIAL ANUAL — 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 19, n. 1, 2002.

Tabela 4

Excedente/pessoal ocupado na indústria, por estrato e estado, no Brasil — 2000

(R$)

NÚMERO DE

TRABALHADORES RS SP PR SC MG RJ BA BRASIL

5 a 29 ...................... 10 156 8 002 7 486 6 569 6 099 7 689 10 070 7 365

30 a 49 .................... 15 959 1 917 14 922 9 467 6 938 5 426 15 156 12 301

50 a 99 .................... 17 673 24 075 15 247 14 523 11 699 2 005 26 643 18 936

100 a 249 ............... 21 837 28 230 22 224 25 648 26 975 6 390 65 377 30 592

250 a 499 ................ 37 430 46 388 40 581 22 486 39 597 38 917 54 752 41 938

500 ....................... 41 320 65 193 79 104 22 920 83 363 121 151 175 546 62 907

Média ...................... 26 373 35 927 29 468 17 894 31 990 48 432 66 515 33 003

Desvio padrão ........ 12 501 21 209 26 591 7 894 29 605 42 860 61 641 20 822

FONTE: PESQUISA INDUSTRIAL ANUAL — 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 19, n. 1, 2002.

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Por isso mesmo, é preciso reforçar a sustentabilidade de nossa indústria“tradicional”. Em primeiro lugar, por ela ser altamente empregadora (e o desem-prego é o grande drama social contemporâneo). Em segundo lugar, por ela virapresentando um dinamismo marcante, que revela a capacidade de adaptação//inovação técnico-gerencial do empresariado que se encontra à sua frente. E,como se isso não bastasse, ela é uma estrutura consolidada, que apresentatodo um conjunto de “custos naufragados”, o que lhe garante competitividade decurto e médio prazos10. Além disso, como em qualquer setor já estruturado, suaalavancagem depende, tão-somente, do enfrentamento de seus “gargalos”. Emsíntese: o custo/benefício de desestruturar o que existe e converter os agentese sistemas produtivos para setores “mais modernos” mostra-se muito maior doque o custo/benefício de “sustentação modernizante” dos empreendimentos tra-dicionais. O que não é mais do que outra forma de reafirmar nossa tese centralde que o princípio fundante da boa gestão pública e privada é um só: localizeo(s) gargalo(s) e amplie-o(s), tornando-os consistentes com o restante da

10 Desde que adotem padrões de precificação assentados em margens de contribuição posi-tiva sobre os custos diretos. Sobre os benefícios privados de adoção de um tal padrão deprecificação, ver Goldratt e Fox (1997). Sobre os benefícios sociais de um padrão deprecificação que induz à queda da taxa de mark-up, ver Kalecki (1983, cap. 2).

Estrutura e gargalos da economia gaúcha:...

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Tabela 5

Remuneração média da força de trabalho na indústria, por estrato e estado, no Brasil — 2000

(R$)

NÚMERO DE

TRABALHADORES RS SP PR SC MG RJ BA BRASIL

5 a 29 ..................... 7 151 9 569 6 321 5 793 5 384 7 875 6 017 7 279

30 a 49 ................... 8 732 11 861 8 513 6 886 6 698 10 233 9 979 9 524

50 a 99 ................... 11 357 16 976 10 566 8 325 8 825 15 849 11 662 12 851

100 a 249 ............... 13 101 21 349 13 383 11 838 12 695 17 372 18 385 16 526

250 a 499 ............... 14 526 25 714 15 823 13 498 16 165 21 307 21 114 19 610

500 ..................... 14 600 31 917 21 936 14 654 22 690 38 887 33 572 24 042

Média ..................... 12 054 21 406 12 539 10 910 12 493 20 759 17 799 15 989

Desvio padrão ........ 3 095 8 480 5 626 3 669 6 543 11 072 9 916 6 318

FONTE: PESQUISA INDUSTRIAL ANUAL — 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 19, n. 1, 2002.

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capacidade produtiva instalada. O planejador tem de se dirigir para os gargalose tão-somente para os gargalos. E a margem de lucro (leia-se: o grau demonopólio) da economia gaúcha não é o gargalo que define seus limi-tes de operação.

Mas, se a lucratividade é relativamente alta, alguma inovação tem de estarocorrendo. Tal como para Kalecki, para Schumpeter o fundamento do lucro é o“grau de monopólio” (Schumpeter, 1984, p. 117 e segs). Só que, para este últi-mo, um elevado grau de monopólio só é sustentável, se for baseado em inova-ções contínuas. Vale dizer: o sistema só se estabiliza enquanto um sistemagerador de juros e lucros se ele inovar. Só quem, de uma forma ou de outra,inova continuamente pode lucrar de forma continuada. Essa é a síntese da teo-ria schumpeteriana da inovação e do lucro (Schumpeter, 1982).

Ora, se Schumpeter está correto11, a indústria gaúcha só é lucrativa porqueapresenta uma capacidade adaptativa/inovadora não desprezível.12 É por issoque — como demonstra a PIA 2000 — a indústria gaúcha (ao contrário da paulistae da carioca) vem conquistando participação crescente na produção nacionalnos últimos 15 anos (Tabela 6)13. Na verdade, de acordo com o IBGE, a indús-tria gaúcha foi, ao lado da paranaense, a que conquistou o maior cresci-mento de participação no produto industrial nacional entre 1985 e 2000(Pesq. Industr. Anual-2000, 2002, p. 25). E cresceu de forma particular nossegmentos de máquinas e equipamento, química, petroquímica e plásticos, ins-trumentos de precisão e para automação industrial, vale dizer: em setores dedensidade tecnológica relativamente elevada.14 O que nos induz à conclusãode que inovação tampouco é o gargalo fundamental, o gargalo de “cur-to prazo” que procuramos.

11 E acreditamos que esteja. Para uma defesa da teoria schumpeteriana do lucro e de suacompatibilidade estrutural com a teoria marxiana do excedente, ver Paiva (1998, cap .3).

12 Hipótese que se vê reforçada por dois indicadores importantes: (a) o bom desempenho delongo prazo da economia regional vis-à-vis à nacional; ver Marco Referencial do PPA2004/2007, Apêndice Estatístico e Análise da Consultoria (RS. SCP, 2002); e (b) operfil tecnológico da indústria regional, cujo caráter intensivo em mão-de-obra parece re-velar a capacidade da indústria local de se deslocar ao longo de funções de produção(apenas relativamente consolidadas e conhecidas, a despeito do que pretende a teoriaeconômica ortodoxa) no sentido de se apropriar dos ganhos inerentes à utilização dos fa-tores de produção relativamente mais abundantes e baratos.

13 Na coluna Brasil, estão especificadas as participações relativas das diversas atividadesindustrias na indústria nacional em 1985 e em 2000. Na coluna RS, estão especificadas asparticipações da indústria gaúcha no total nacional da atividade.

14 Vale notar que, também em setores tradicionais, como couro e calçados, artigos de vestu-ário e mobiliário, a participação do RS na produção nacional cresceu significativamente,mostrando o forte dinamismo interno desses segmentos, a despeito da pressão exercidasobre os mesmos por parte dos governos estaduais de estados menos industrializados na“guerra fiscal” interestadual.

Carlos Águedo Paiva

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Em suma: nosso gargalo principal não é de poupança, não é infra-estrutu-ral, não é de lucratividade atual e prospectiva, não é de falta de capacidade paralucrar e inovar. Onde ele se encontra pois?

Estrutura e gargalos da economia gaúcha:...

Tabela 6 DIstribuição e evolução da produção das atividades industriais

no Rio Grande do Sul — 1985 e 2000 (%)

BRASIL RIO GRANDE DO SUL DIVISÃO DE ATIVIDADES

1985 2000 1985 2000 Extração de carvão mineral ............................ 0,1 0,1 19,5 33,2 Extração de petróleo e serviços correlatos .... 6,0 2,9 0,0 0,0 Extração de minerais metálicos ..................... 1,5 2,0 0,7 0,0 Extração de minerais não-metálicos .............. 0,6 0,6 2,9 2,8 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas .......................................................... 11,2 14,1 12,3 8,7 Fabricação de produtos do fumo ................... 0,3 0,8 12,2 59,3 Fabricação de produtos têxteis ...................... 6,0 2,8 2,5 3,8 Confecção de artigos do vestuário e acessórios ...................................................... 3,0 1,9 6,2 11,0 Fabricação de artefatos de couro e calçados 2,2 1,9 50,1 54,8 Fabricação de produtos de madeira .............. 1,4 1,2 7,4 7,5 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ............................................................... 3,0 4,2 6,3 6,4 Edição, impressão e reprodução de gravações ....................................................... 1,9 4,0 4,4 4,7 Coque, refino de petróleo e produção de álcool .............................................................. 7,7 11,1 4,3 7,6 Fabricação de produtos químicos .................. 10,8 11,8 6,1 8,0 Fabricação de artigos de borracha e plástico 3,8 3,5 7,0 8,4 Fabricação de produtos de minerais não- -metálicos ....................................................... 4,5 3,7 3,0 5,8 Metalurgia básica ........................................... 8,0 6,2 2,0 3,9 Produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................................. 3,9 3,3 11,2 10,8 Fabricação de máquinas e equipamentos ..... 7,4 5,2 10,9 11,7 Fabricação de máquinas para escritório e equipamento de informática ........................... 0,8 1,2 5,9 2,0 Fabricação de máquinas e materiais elétricos 3,0 2,2 3,3 5,5 Fabricação de material eletrônico e de comunicações ................................................ 2,5 3,1 2,2 2,4 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, de precisão e para automação industrial ......................................

0,7

0,9

3,9

5,6

Fabricação e montagem de veículos automo-tores ............................................................... 5,2 7,7 4,2 6,5 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte ............................................................... 1,5 1,6 0,6 0,5 Fabricação de móveis e indústrias diversas .. 2,9 2,1 11,0 17,9 TOTAL ........................................................... 100,0 100,0 7,8 8,3

FONTE: PESQUISA INDUSTRIAL ANUAL — 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 19, n. 1, 2002.

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Do nosso ponto de vista, a economia gaúcha revela, na Matriz de Insumo--Produto, dois gargalos principais, quais sejam: (a) estreitos limites do mercadointerno e alta dependência dos mercados externos; e (b) baixo multiplicadorinterno do investimento em função da baixa integração vertical a montante dascadeias produtivas estratégicas.

3 - Os dois gargalos fundamentais da economia gaúcha: uma interpretação a partir da MIP

O mercado interno gaúcho é historicamente limitado. Ao contrário de SãoPaulo, nós nunca conseguimos articular uma economia como a cafeeira, que semostrou suficientemente dinâmica e empregadora para fundar um grande mer-cado interno para a agricultura de alimentos e para a produção artesanal emanufatureira de bens-salário. De outro lado, tanto a pequena propriedade donorte/nordeste do Estado quanto o latifúndio do sul são altamente sustentáveis,mesmo quando em crise secular. E isto porque permitem uma elevadaautarquização (via pluriatividade e produção para o autoconsumo), que sustentao trabalhador campesino e parte do consumo do proprietário, mas não estimulao mercado urbano e o trabalho industrial. Por fim, como vimos nas tabelas ini-ciais (geradas por informações da PIA 2000), a indústria gaúcha opera comtaxas de salário inferiores à média nacional e taxas de mark-up superiores àmédia nacional. E o resultado dessa combinação é a concentração da renda ea depressão do multiplicador dos gastos autônomos e do mercado interno.15

O resultado é que tivemos que nos colar — de forma algo subordinada — àdinâmica dos mercados de São Paulo e do Exterior. E — este o busílis daquestão — o fizemos com particular eficiência. Alguns setores industriais mos-traram inacreditável dinamismo, a despeito dos inúmeros e pesados obstácu-los: elevados custos de transporte e de transação; instabilidade crônica dospreços internos (até meados dos 90) e externos (até hoje); crescente exposiçãocompetitiva ao longo da última década (que foi levada ao paroxismo, com asobrevalorização monetária de 1994/98); juros cronicamente altos; impostoscrescentes; etc. E demonstraram esse dinamismo e competência, de formaparticular, na conquista de mercados internacionais.

15 A esse respeito, ver Steindl (1983, caps. IX-X).

Carlos Águedo Paiva

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O que importa entender é que, se a opção de externalização se impôspelas limitações do mercado interno, ela não comporta qualquer naturalidade. Averdade é que, do charque à soja, do vinho ao ônibus, da banha aos calçados (eaos seus inúmeros componentes e equipamentos), o Rio Grande do Sul temdemonstrado uma capacidade ímpar de conquista de mercados externos, decrescimento e de inovação.

Ao fim e ao cabo, crescemos no “vácuo” da demanda externa. O que não énecessariamente ruim, desde que saibamos operar as condições para que nos-sa inserção no mercado mundial e/ou nacional seja cada vez mais autônoma;que ela esteja sob crescente controle dos agentes internos. Antes de ingressarnesse ponto (que cabe à seção 4), vale observar como se manifestaobjetivamente essa dependência do Exterior. E a Matriz de Insumo-Produto é apeça-chave dessa análise.

Se identificamos as origens dos bens e serviços que servem de insumo acada atividade da economia, podemos identificar não apenas a participaçãodireta das importações na composição da oferta de bens finais, mas também aparticipação indireta das importações (que corresponde tanto ao volume impor-tado para consumo intermediário das firmas gaúchas produtoras de bens finaisquanto ao volume importado por firmas gaúchas que produzem internamentebens intermediários para a nossa indústria de bens finais).

Desde logo, o que se revela é a diversidade da participação das importa-ções no consumo intermediário das diversas atividades. Algumas atividadesapresentam uma baixíssima integração para trás16.

Na análise da Tabela 7,17 fica patente que o caso mais grave de baixaintegração para trás é o da indústria de material de transportes, que impor-ta do Exterior ou do resto do Brasil 74,64% dos insumos necessários à

16 É importante observar que a integração para trás a que nos referimos não é aquela medidapelo “índice de ligações para trás” apresentado por Maia (2002b, p. 41). Enquanto lá o quese mede é o impacto direto e indireto (mas sem efeito renda) da variação de demandasobre o setor x (o que faz serviços privados não mercantis e aluguéis apresentarem omais baixo índice de integração), aqui estamos preocupados tão-somente com os desdo-bramentos em termos de importações de uma variação de demanda sobre o setor x (oque faz serviços privados não mercantis e aluguéis apresentarem altos índices deintegração).

17 Os dados da Tabela 7, como os de todas as subseqüentes, foram extraídos de FEE (MaiaNeto, 2002a) e/ou Maia Neto (2002b) e/ou Porsse (2002). De acordo com a tradição,utilizamos o símbolo M para representar as importações e Of para representar a oferta to-tal. Os valores do consumo intermediário (CI), dos impostos líquidos de subsídios (IILS) e doValor Adicionado Bruto a preços básicos (VABpb) por atividade não correspondem exata-mente aos valores apresentados no Quadro de Insumo-Produto da FEE. A diferença tempor base a imputação da dummy financeira (R$ 2.466.980.048,95) às diversas atividadeseconômicas com base no Valor Bruto da Produção das mesmas.

Estrutura e gargalos da economia gaúcha:...

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produção, o que corresponde a 40,51% do valor da oferta dessa atividade.Menos dramática, mas igualmente preocupante, é a baixa integração dos setoresde máquinas e tratores e material elétrico e eletrônico, que importam, aproxima-damente, 60% de seu consumo intermediário, que corresponde a, aproximada-mente, 30% do valor da oferta dos mesmos.

De outro lado, como se percebe na Tabela 8,18 é igualmente elevada aparticipação das atividades máquinas e tratores (13,76%), material de transpor-te (18,09%), demais indústrias alimentares (10,32%) e demais indústrias(17,57%) no total das importações de bens finais do Estado. Nada menos doque 59,74% das importações de bens finais do Rio Grande do Sul são origina-das dessas atividades.19

Ora, o que começa a se delinear aqui é a identificação dos “elos ausentes”(ou “fracos”) de nossa matriz industrial. Para que se tenha uma visão maisapropriada desses “gargalos de oferta”, contudo, é preciso realizar a imputaçãodas importações para consumo intermediário nas categorias de destino final(exportações, consumo, investimento), tomando por base o destino final dosbens produzidos com aqueles insumos importados. Esse exercício é realizadona Tabela 9.

O primeiro a chamar a atenção na Tabela 9 é a elevada participação dasimportações para consumo intermediário (três últimas colunas da Tabela 8) novalor da produção de máquinas e tratores, material de transporte e couro-calça-dos para a exportação e na construção civil para formação bruta de capital fixo.Esta última é particularmente preocupante: 96,48% das importações para oconsumo intermediário estimuladas pela demanda interna de bens de capitaldestinam-se — direta ou indiretamente (via demanda de produtores internos debens intermediários voltados) — à construção civil. Tais resultados revelam que:(a) as atividades material de transporte e máquinas e tratores exportam parcelaexpressiva de sua produção, a despeito da baixa integração vertical interna; (b)a despeito de serem exportadores (o que é um indicador expressivo decompetitividade) e de serem voltados à produção de bens de capital, esses doissetores pouco contribuem para a produção dos equipamentos demandados pe-

18 Por economia, passamos a utilizar os seguinte símbolos: X Ex = exportação para o Exterior;X BR = exportação para o resto do Brasil; X = exportação total; CG = consumo do Governo;CF = consumo das famílias; FBKF = formação bruta de capital fixo; VE = variação deestoques; % = participação percentual; M = importação; DF = demanda final.

19 Vale observar que, com exceção da atividade demais indústrias (onde é contabilizado, jus-tamente, todo um conjunto de atividades industrias de participação individual relativamentemenor na produção interna), as demais atividades listadas acima — máquinas e tratores,material de transporte e demais indústrias alimentares — também apresentam uma elevadaparticipação das importações em seu consumo intermediário (Tabela 7).

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las diversas atividades econômicas no RS em seus processos de acumulaçãoprodutiva; (c) a construção civil — que virtualmente monopoliza a produção in-terna de bens voltados à formação bruta de capital fixo (como é usual em eco-nomias subdesenvolvidas) — apresenta baixa integração vertical interna, impor-tando quase 20% do valor de sua produção.

Além disso, é notável que 51% (11,28% + 40,72%) da importação de bensintermediários se volte à produção de bens que serão (re)exportados; enquantomeros 23,40% se voltam à produção de bens para o CF na região e 19,25% paraa produção regional de bens destinados à FBKF (última linha da Tabela 9).20

Essa distribuição relativa das importações para consumo intermediário émarcadamente distinta da distribuição observada na importação de bens finais(Tabela 8), galvanizada pelo consumo das famílias.

Essa discrepância também se revela quando observamos a percentagemdas importações para consumo intermediário no valor total das categorias deDF líquidas de M de bens finais (linha 7 da Tabela 10). Enquanto as importaçõesde bens intermediários giram em torno de 21% do valor das Xs e em torno de32% do valor da produção interna de bens para FBKF, as mesmas correspondema pouco mais de 10% do valor do CF líquido de Ms de bens finais.

Mas a Tabela 10 traz outra informação ainda mais importante. Ela demons-tra que nossa dependência do Exterior não diz respeito apenas à elevada parti-cipação das importações em cadeias produtivas estratégicas. Ela se revela tam-bém pelo fato de serem as exportações — e não o investimento ou o consumoregional — que dinamizam a nossa economia. Senão vejamos.

Como se pode perceber na linha 11 da Tabela 10, a integração verticalinterna da produção para a exportação (seja para o Exterior, seja para o resto doBrasil) é muito superior à integração da produção para a formação bruta decapital fixo e para a variação de estoques. Enquanto a participação das im-portações no valor total das exportações para o Exterior e para o restodo Brasil não chega a 25%, a participação das importações no valor dosinvestimentos em capital fixo e em estoques supera os 50%. De forma quea participação das exportações na geração do Produto Interno Bruto (por defini-ção, líquido de importações) é maior do que aparenta ser quando as importa-ções são contabilizadas de forma agregada, e não por categoria de demandafinal. Quando adotamos este último procedimento (cujos resultados aparecemnas linhas 6 e 7 da Tabela 10), fica claro que as exportações determinam, emconjunto, 37,08% (7,61% + 29,47%) do PIB, enquanto os investimentos deter-minam apenas 8,91% (7,65% + 1,26%).

20 A Tabela 9 foi construída com base nos dados disponibilizados em FEE (Maia Neto, 2002a)a partir do suporte técnico do Economista Adalberto Maia. A interpretação da mesma (comseus eventuais equívocos) é, contudo, de nossa inteira responsabilidade.

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20 Carlos Águedo Paiva

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strutura e gargalos da economia gaúcha:...

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orto Alegre, v. 24, n. 1, p. 5-48, 2003

Tabela 7 Importações para consumo intermediário, por atividade, no RS — 1998

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

M/CI (1) (R$ milhões)

CI (R$ milhões)

VABpb (2) (R$ milhões)

IILS (3) (R$ milhões)

Of (4) (R$ milhões) M/CI (%) M/Of (%)

Demais indústrias alimen-tares .................................... 460 1 136 878 18 2 032 40,48 22,63

Demais indústrias ................ 497 1 681 2 376 34 4 090 29,57 12,15

Serviços industriais de utili-dade pública ........................ 13 780 1 502 178 2 460 1,67 0,53

Construção civil ................... 2 164 3 906 3 433 36 7 375 55,39 29,33

Comércio ............................. 710 2 257 6 266 52 8 575 31,47 8,28

Transportes ......................... 978 2 754 2 138 56 4 949 35,51 19,76

Comunicações .................... 171 848 1 036 26 1 911 20,17 8,95

Instituições financeiras ........ 49 1 542 2 961 57 4 561 3,17 1,07

Serviços prestados às famí-lias e às empresas .............. 1 277 2 636 5 120 40 7 796 48,43 16,38

Aluguel de imóveis .............. 27 412 7 293 2 7 708 6,56 0,35

Administração pública ......... 252 2 274 8 413 108 10 795 11,08 2,33

Serviços privados não mer-cantis ................................... 0 - 328 - 328 0,00 0,00

TOTAL ................................ 12 567 38 140 60 340 855 99 335 32,95 12,65

FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. Matriz de insumo-produto — 1998. Porto Alegre: FEE, 2002a. (CD-Rom). (1) M = importações e CI = consumo intermediário. (2) VABpb = Valor Adicionado Bruto a preços básicos. (3) IILS = impostos líquidos de subsídios. (4) Of = oferta total.

Tabela 7 Importações para consumo intermediário, por atividade, no RS — 1998

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

M/CI (1) (R$ milhões)

CI (R$ milhões)

VABpb (2) (R$ milhões)

IILS (3) (R$ milhões)

Of (4) (R$ milhões) M/CI (%) M/Of (%)

Demais indústrias alimen-tares .................................... 460 1 136 878 18 2 032 40,48 22,63

Demais indústrias ................ 497 1 681 2 376 34 4 090 29,57 12,15

Serviços industriais de utili-dade pública ........................ 13 780 1 502 178 2 460 1,67 0,53

Construção civil ................... 2 164 3 906 3 433 36 7 375 55,39 29,33

Comércio ............................. 710 2 257 6 266 52 8 575 31,47 8,28

Transportes ......................... 978 2 754 2 138 56 4 949 35,51 19,76

Comunicações .................... 171 848 1 036 26 1 911 20,17 8,95

Instituições financeiras ........ 49 1 542 2 961 57 4 561 3,17 1,07

Serviços prestados às famí-lias e às empresas .............. 1 277 2 636 5 120 40 7 796 48,43 16,38

Aluguel de imóveis .............. 27 412 7 293 2 7 708 6,56 0,35

Administração pública ......... 252 2 274 8 413 108 10 795 11,08 2,33

Serviços privados não mer-cantis ................................... 0 - 328 - 328 0,00 0,00

TOTAL ................................ 12 567 38 140 60 340 855 99 335 32,95 12,65

FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. Matriz de insumo-produto — 1998. Porto Alegre: FEE, 2002a. (CD-Rom). (1) M = importações e CI = consumo intermediário. (2) VABpb = Valor Adicionado Bruto a preços básicos. (3) IILS = impostos líquidos de subsídios. (4) Of = oferta total.

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Tabela 8

Importações de bens finais, por atividade e destino da demanda, no RS — 1998

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

X Ex (1) (R$ milhões)

X BR (2) (R$ milhões)

CG (3) (R$ milhões)

CF (4) (R$ milhões)

FBKF (5) (R$ milhões)

VE (6) (R$ milhões)

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% DAS ATIVIDADES

NA IMPORTAÇÃO

DE BENS FINAIS

Agropecuária ...................... 0 0 0 463 0 24 487 3,08

Indústrias metalúrgicas ...... 0 0 0 57 0 44 101 0,64

Máquinas e tratores ............ 0 0 0 0 2 124 53 2 177 13,76

Material elétrico e eletrô-nico ..................................... 0 0 0 867 197 21 1 085 6,86

Material de transporte ...... 4 44 0 1 925 599 290 2 863 18,09

Madeira e mobiliário ........... 0 0 0 468 85 0 553 3,50

Papel e gráfica ................... 0 0 0 217 0 0 217 1,37

Indústria química ............... 0 0 0 144 0 0 144 0,91

Indústria petroquímica ........ 0 0 0 391 0 -2 389 2,46

Calçados, couros e peles ... 0 0 0 558 0 42 600 3,79

Beneficiamento de produtos vegetais .............................. 0 0 0 587 0 211 799 5,05

Indústria do fumo ................ 62 0 0 324 0 0 386 2,44

Abate de animais ................ 0 0 0 610 0 10 620 3,92

Indústria de laticínios .......... 0 0 0 397 0 6 404 2,55

Fabricação de óleos ve-getais .................................. 0 0 0 192 0 20 212 1,34

(continua)

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strutura e gargalos da economia gaúcha:...

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Tabela 8 Importações de bens finais, por atividade e destino da demanda, no RS — 1998

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

X Ex (1) (R$ milhões)

X BR (2) (R$ milhões)

CG (3) (R$ milhões)

CF (4) (R$ milhões)

FBKF (5) (R$ milhões)

VE (6) (R$ milhões)

DF (7) (R$ milhões)

% DAS ATIVIDADES

NA IMPORTAÇÃO

DE BENS FINAIS

Demais indústrias alimen-tares ................................... 0 0 0 1 481 0 152 1 633 10,32

Demais indústrias ............... 0 0 0 2 652 72 55 2 779 17,57 Serviços industriais de utili-dade pública ....................... 0 0 0 21 0 0 21 0,13 Construção civil .................. 0 0 0 0 0 0 0 0,00

Comércio ............................ 0 0 0 0 0 0 0 0,00

Transportes ........................ 3 36 0 44 2 1 85 0,54

Comunicações .................... 0 0 0 223 0 0 223 1,41

Instituições financeiras ....... 0 0 0 0 0 0 0 0,00 Serviços prestados às famí-lias e às empresas ............. 0 0 0 46 0 0 46 0,29

Aluguel de imóveis ............. 0 0 0 0 0 0 0 0,00

Administração pública ........ 0 0 0 0 0 0 0 0,00 Serviços privados não mer-cantis .................................. 0 0 0 0 0 0 0 0,00 TOTAL ............................... 69 80 0 11 668 3 079 927 15 822 100,00 Participação dos destinos finais nas importações de bens finais (%) .................... 0,44 0,50 0,00 73,75 19,46 5,86 100,00 -

FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. Matriz de Insumo-Produto — 1998. Porto Alegre: FEE, 2002a. (CD-Rom).

(1) X Ex = exportação para o Exterior. (2) X BR = exportações para o resto do Brasil. (3) CG = consumo do Governo. (4) CF = consumo das famílias. (5) FBKF = formação bruta de capital fixo. (6) VE = variação de estoques. (7) DF = demanda final.

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Tabela 9

Imputação das importações de bens intermediários, por destino de demanda final, no RS — 1998

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

M/X Ex (1) (R$ milhões)

M/X BR (2) (R$ milhões)

M/CG (3) (R$ milhões)

M/CF (4) (R$ milhões)

M/FBKF (5) (R$ milhões)

M/VE (6) (R$ milhões)

M/DF (7) (R$ milhões)

% M NA DF TOTAL

% M NAS X

TOTAIS

% M NA FBKF

Agropecuária 50 269 - 230 2 71 623 4,96 4,89 0,10 Indústrias me-talúrgicas ....... 56 350 - 8 - 6 420 3,34 6,22 0,00 Máquinas e tratores ........... 160 620 - - 9 0 789 6,28 11,94 0,36 Material elé-trico e eletrô-nico ................ 26 262 - 24 5 1 317 2,53 4,40 0,22 Material de transporte ....... 121 650 - - 0 0 770 6,13 11,78 0,01 Madeira e mo-biliário ............ 45 255 - 50 9 (8) 0 359 2,86 4,59 0,38 Papel e gráfica 16 89 - 45 - -1 149 1,19 1,60 0,00 Indústria quí-mica ............... 34 178 - 13 - -1 224 1,78 3,23 0,00 Indústria petro-química........... 26 67 - 81 - 1 175 1,39 1,42 0,00 Calçados, cou-ros e peles ..... 306 347 - 38 - 9 700 5,57 10,00 0,00 Beneficiamen-to de produtos vegetais ......... 5 380 - 34 - - 419 3,34 5,89 0,00 Indústria do fumo ............... 227 149 - - - - 377 3,00 5,76 0,00

(continua)

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strutura e gargalos da economia gaúcha:...

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Tabela 9

Imputação das importações de bens intermediários, por destino de demanda final, no RS — 1998

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

M/X Ex (1) (R$ milhões)

M/X BR (2) (R$ milhões)

M/CG (3) (R$ milhões)

M/CF (4) (R$ milhões)

M/FBKF (5) (R$ milhões)

M/VE (6) (R$ milhões)

M/DF (7) (R$ milhões)

% M NA DF TOTAL

% M NAS X

TOTAIS

% M NA FBKF

Abate de ani-mais ................ 26 80 - 77 - 1 183 1,46 1,62 0,00

Indústria de lati-cínios ............... 0 82 - 80 - 1 164 1,30 1,25 0,00

Fabricação de óleos vegetais 52 71 - 52 - 5 181 1,44 1,88 0,00

Demais indús-trias alimenta-res ................... 116 224 - 138 - 14 492 3,92 5,20 0,00 Demais indús-trias ................. 76 386 - 115 3 2 581 4,63 7,06 0,13

Serviços indus-triais de utili-dade pública .... - 0 - 15 - - 15 0,12 0,00 0,00

Construção civil - 13 - - 2 336 - 2 349 18,69 0,20 96,58 Comércio.......... 43 210 - 365 21 16 656 5,22 3,88 0,86

Transportes ..... 34 378 - 467 16 13 908 7,23 6,30 0,68

Comunicações - 53 - 145 - - 198 1,57 0,81 0,00

Instituições fi-nanceiras ......... - 0 - 44 - - 44 0,35 0,00 0,00

(continua)

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Tabela 9

Imputação das importações de bens intermediários, por destino de demanda final, no RS — 1998

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

M/X Ex (1) (R$ milhões)

M/X BR (2) (R$ milhões)

M/CG (3) (R$ milhões)

M/CF (4) (R$ milhões)

M/FBKF (5) (R$ milhões)

M/VE (6) (R$ milhões)

M/DF (7) (R$ milhões)

% M NA DF TOTAL

% M NAS X

TOTAIS

% M NA FBKF

Serviços pres-tados às famí-lias e às empre-sas ................... - 5 - 832 16 - 853 6,79 0,07 0,67 Aluguel de imó-veis .................. - 0 - 87 - - 87 0,69 0,00 0,00 Administração pública ............. - - 532 - - - 532 4,23 0,00 0,00 Serviços priva-dos não mer-cantis ............... - - - - - - - 0,00 0,00 0,00

TOTAL ............ 1 418 5 118 532 2 941 2 418 140 12 567 100,00 100,00 100,00 Participação das categorias de demanda nas importa-ções totais (%) . 11,28 40,72 4,23 23,40 19,25 1,11 100,00 - - -

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. Matriz de Insumo-Produto — 1998. Porto Alegre: FEE, 2002a. (CD-Rom).

(1) M = importações e X Ex = exportações para o Exterior. (2) X BR = exportações para o resto do Brasil. (3) CG = consumo do Governo. (4) CF = = consumo das famílias. (5) FBKF = formação bruta de capital fixo. (6) VE = variação de estoques. (7) DF = demanda final. (8) Valor negativo que não atinge unidade significativa.

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27Estrutura e gargalos da economia gaúcha:...

Tabela 10

Participação das importações (M), por consumo intermediário (CI) e demanda final (DF), nas distintas categorias de DF, no RS — 1998

LINHAS CATEGORIAS X Ex (1)

X BR (2)

CG (3)

CF (4)

FBKF (5)

VE (6) TOTAL

1 M p/ CI (R$ mi-

lhões) ..................... 1 418 5 118 532 2 941 2 418 140 12 567

2 M p/ DF (R$ mi-

lhões) ..................... 69 80 - 11 668 3 079 927 15 822

3 M total (R$ milhões) 1 487 5 198 532 14 609 5 497 1 067 28 389

4 Valor total da DF

(R$ milhões) .......... 6 528 24 710 10 795 40 108 10 560 1 903 94 604

5 Valor da DF lí-

quida de M/DF

(R$ milhões) .......... 6 459 24 630 10 795 28 440 7 481 976 78 782

6 Valor da DF lí-

quida de M total

(R$ milhões) .......... 5 041 19 513 10 263 25 499 5 063 836 66 216

7 % da categoria de

DF no PIB .............. 7,61 29,47 15,50 38,51 7,65 1,26 100,00

8 Linha 1/Linha 5 (%) 21,95 20,78 4,93 10,34 32,33 14,31 15,95

9 Linha 1/Linha 6 (%) 28,12 26,23 5,18 11,53 47,77 16,70 18,98

10 Linha 3/Linha 6 (%) 29,49 26,64 5,18 57,29 108,59 127,56 42,87

11 Linha 3/Linha 4 (%) 22,77 21,03 4,93 36,42 52,06 56,06 30,01

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. Matriz de Insumo-Produto — 1998. Porto Alegre: FEE, 2002a. (CD-Rom).

(1) X Ex = exportações para o Exterior. (2) X BR = exportações para o resto do Brasil. (3) CG = = consumo do Governo. (4) CF = consumo das famílias. (5) FBKF = formação bruta de capital fixo. (6) VE = variação de estoques.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 5-48, 2003

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28 Carlos Águedo Paiva

Mas isso não é tudo. Estamos tomando aqui o consumo das famílias deforma pré-keynesiana como uma variável exógena. Na verdade, para além doconsumo autônomo21 (ou capitalista, na terminologia de Kalecki), o consumodas famílias é, essencialmente, uma função da renda disponível. Vale dizer: épreciso que haja renda (e emprego) para que haja consumo. Mas para que hajarenda (e emprego), é preciso que haja demanda autônoma sobre a produçãolocal. E as variáveis de demanda autônoma são as exportações, o gasto doGoverno e os investimentos (Leontief, 1983, p. 78).

Para que possamos computar adequadamente a determinação do consu-mo das famílias a partir dos gastos autônomos, é preciso imputar às categoriasde demanda final autônomas a parcela do consumo das famílias que é gerada//estimulada pelos mesmos. Usualmente, esse processo de imputação é reali-zado a partir da hipótese simplificadora de que a propensão (média e marginal)a importar da economia corresponde à propensão (média e marginal) a importarde cada uma das categorias de gasto autônomo. Mas essa hipótese simplifica-dora alimenta conclusões particularmente equivocadas quando aplicada aeconomias que ainda não internalizaram o seu departamento produtor de bensde capital (D1) e, portanto, dependem fundamentalmente das exportações debens de consumo (e, secundariamente, do consumo do Governo) para susten-tar a demanda efetiva e a produção interna, bem como a aquisição, no Exterior,dos bens e equipamentos necessários à acumulação produtiva.22 Com algumas

21 Que perfaz uma parte relativamente menor do consumo total e que, usualmente, é marcadopela elevada participação das importações.

22 Kalecki aponta essa distinção entre economias capitalistas desenvolvidas e subdesenvol-vidas em A Diferença entre os Problemas Econômicos Cruciais das EconomiasCapitalistas Desenvolvidas e Subdesenvolvidas (Kalecki, 1980, p. 136-137).Mas — até onde sabemos — o primeiro tratamento sistemático (ainda que não formalizado)dessa importante questão encontra-se na análise que faz Celso Furtado das particularida-des dinâmicas da economia cafeeira nacional (Furtado, 1984, cap. XXV e segs). Comobem o demonstra Furtado, a despeito da internalização crescente de um setor produtor deinsumos para a construção civil, o grosso dos equipamentos necessários à acumulaçãode capital na nascente indústria nacional de bens de consumo era importado. De sorte quequalquer variação positiva dos investimentos industriais equivalia a uma varia-ção positiva das importações em montante similar. Diferentemente, o aumento dademanda externa de café determinava, primeiramente, a elevação dos preços internacio-nais e do lucro interno dos produtores e, a seguir, o aumento da produção e do empregointerno, com conseqüências positivas para a demanda e a produção interna de bens deconsumo. Vale dizer: enquanto o multiplicador do investimento era virtualmentenulo, o multiplicador das exportações era extremamente elevado. Em seu traba-lho de Doutorado, Mello vai desenvolver (sem, tampouco, formalizar) este insight de Fur-tado (Mello, 1982, p. 123 e segs). Até onde sabemos, o primeiro exercício formal dediferenciação dos multiplicadores dos distintos gastos autônomos em função de suasdistintas propensões a importar encontra-se em Hartman e Seckler (1967). Nesse traba-lho, os autores buscam demonstrar formalmente a consistência da tese clássica de Northacerca da centralidade das exportações para o desenvolvimento de regiões periféricas

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29Estrutura e gargalos da economia gaúcha:...

simplificações23, é possível calcular os multiplicadores dos distintos gastosautônomos como segue.

Se desprezamos o consumo autônomo e os impostos diretos (de forma aoperarmos apenas com as variáveis disponíveis) e tomamos a relação consumodas famílias/PIB como proxy da propensão marginal a consumir, esta última ficaestimada em 61%. Se, ao mesmo tempo, alteramos a equação da determina-ção da renda, diferenciando a propensão média/marginal a importar de cadauma das categorias de demanda final (tomando os valores de M total/DF dalinha 11 da Tabela 10), chegamos à seguinte equação:Y = (0,61 Y - 0,36 CF) + (X Ex - 0,23 X Ex) + (X BR - 0,21 X BR) + (CG -- 0,05 CG) + (FBKF - 0,52 FBKF) + (VE - 0,56 VE)24

Na medida em que CF = 0,61 Y, então, 0,36 CF = 0,22 Y.Donde:

Y - (0,61 Y - 0,22 Y) = Y - 0,39 Y = 0,61 Y == 0,77 X Ex + 0,79 X BR + 0,95 CG + 0,48 FBKF + 0,44 VEeY = (1/0,61) x (0,77 X Ex + 0,79 X BR + 0,95 CG + 0,48 FBKF + 0,44 VE) == Y = 1,26 X Ex + 1,28 X BR + 1,55 CG + 0,78 FBKF + 0,71 VE

Introduzindo os valores apresentados pelas variáveis no PIB/98, nessa equa-ção, obtemosY = 1,26 * 6.528 + 1,28 * 24.710 + 1,55 * 10.795 + 0,78 * 10.560 + 0,71*1.903 = 8.198 + 31.733 + 16.691 + 8.234 + 1.360 = 66.216

Desde logo, o que chama atenção é a significativa participação das expor-tações na determinação da renda — em torno de 60% — e a pequena participa-ção dos investimentos — menos de 15%. Esta não é uma situação confortável,mas é uma situação real, com a qual temos de trabalhar, se pretendemos ace-lerar o crescimento da economia gaúcha.

Antes, porém, de adentrarmos nesse campo, cabem duas últimas consi-derações. Uma primeira, sobre o papel do consumo do Governo (CG), e umasegunda, sobre os componentes da FBKF.

aos centros dinâmicos consolidados das economias mercantis-capitalistas (North, 1955).Esses dois trabalhos encontram-se disponíveis na importante coletânea organizada porMcKee et al. (1970). No exercício que segue, procuraremos, com o apoio das informaçõesdisponibilizadas pela MIP-RS/98, atualizar o exercício de Hartman e Seckler de diferencia-ção dos multiplicadores dos distintos gastos autônomos da economia gaúcha.

23 Que facilitam sobremaneira o cálculo, sem prejuízos maiores para a precisão dos resulta-dos, que são necessariamente aproximativos, dado o nível de agregação em que operamos.

24 Y = renda regional; os demais símbolos foram apresentados na nota 18.

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Na Tabela 11, os gastos do Governo aparecem como sendo os gastos demaior multiplicador específico. Contudo há que se considerar que, na atual con-juntura de circunscrição fiscal-financeira das diversas instâncias de governo (de-finida pela já elevada participação da fiscalidade no PIB e pela necessidade degerar superávits primários para rolar a dívida pública dentro dos limites impostospela Lei de Responsabilidade Fiscal e pelos acordos externos), essa categoriade dispêndio não é, de fato, autônoma25. Na realidade, o consumo do Governodeve ser pensado, tal como o consumo das famílias, como uma função da rendado tipo CG = T = t Y.26

Onde: T = arrecadação tributária; e t = propensão média a tributar.Ora, a correta endogeneização do consumo governamental teria de en-

volver uma imputação diferenciada dos impactos das demais variáveis de gasto(exportação para o Exterior, exportação para o resto do Brasil, formação brutade capital fixo e variação de estoques) sobre a arrecadação e, por conseqüên-cia, sobre os gastos do Governo. Contudo é possível driblar essa restrição, semantivermos a hipótese simplificadora tradicional de que o impacto sobre a

25 Além disso, há que se considerar que a oferta e a demanda dos bens públicos são distintosda oferta e da demanda de bens privados. Como regra geral, os bens públicos são benslivres, de forma que não existe a possibilidade de manifestação de desequilíbrios entredemanda e oferta. Nesse caso, a ampliação dos gastos governamentais (vale dizer, daoferta de bens públicos) nunca esbarra em limites de demanda, mas se transforma direta-mente em adições à renda. Tal particularidade inflaciona e torna incomparável o multiplicadorde G vis-à-vis ao multiplicador das variáveis de gasto privado efetivamente autônomas.

26 Sem dúvida, a hipótese de que o Governo opere com orçamento equilibrado causará estra-nheza àqueles economistas de inflexão ortodoxa, que vêem nos déficits nominais o funda-mento da maioria dos problemas econômicos do País. Vale lembrar, contudo, que estamosnos referindo à realidade de uma economia regional. Como se sabe, os governos estadu-ais estão proibidos de tomar qualquer empréstimo (para o financiamento de seus gastos deconsumo ou investimento) sem autorização prévia do Banco Central e do Senado. E essacircunscrição tem sido imposta ao Rio Grande do Sul de forma particularmente dura, umavez que nosso estado já ultrapassou a relação dívida/receita líquida corrente autorizadapela legislação em vigor. Por outro lado, no que diz respeito aos dispêndios do Governo Fe-deral em nosso estado, não bastasse o mesmo ser, por determinações estruturais (ligadasà política nacional de enfrentamento das desigualdades regionais), inferior à arrecadaçãofederal no território, a política fiscal-financeira nacional tem determinado a recorrência desuperávits primários, que impõem uma diferença ainda maior entre tributação e gastosfederais no Rio Grande do Sul. Vale dizer: a hipótese levantada acima, de que operamoscom orçamento equilibrado, longe de subestimar a autonomia dos gastos governamen-tais, subestima a dependência dos mesmos vis-à-vis à arrecadação.

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27 Essa hipótese se justifica pelo fato de as exportações gaúchas para o resto do Brasil (quepagam impostos) serem significativamente superiores às exportações para o Exterior(cujo impacto fiscal é mínimo) e pelo fato de ser elevadíssimo o índice de importação dos in-vestimentos (o que deprime a arrecadação interna ao RS derivada de gastos com bens decapital fixo e estoques). Mais adiante, apresentamos os multiplicadores da arrecadaçãofiscal das 27 atividades econômicas contempladas pela MIP. Esse quadro fortalece a hipó-tese levantada acima, pois deixa claro que as atividades voltadas à exportação apresen-tam multiplicadores de arrecadação superiores ao multiplicador da construção civil, que

Estrutura e gargalos da economia gaúcha:...

arrecadação fiscal das distintas variáveis de gasto autônomo é uniforme.27 Nes-se caso, tomando a relação CG/Y como proxy da propensão média e marginal atributar, temos que:Y - cY - tY == (X Ex - 0,23 X Ex) + (X BR - 0,21 X BR) + (FBKF - 0,52 FBKF) + (VE - 0,56 VE)Y = (1/0,45) x (X Ex - 0,23 X Ex) + (X BR - 0,21 X BR) + (FBKF - 0,52 FBKF) ++ (VE - 0,56 VE),o que nos leva aos multiplicadores específicos e às participações das catego-rias de demanda final na determinação da renda interna apresentadas na Ta-bela 12.

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FONTE DOS DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. Matriz de Insumo-Produto — 1998. Porto Alegre: FEE, 2002a. (CD-Rom).(1) X Ex = exportações para o Exterior. (2) X BR = exportações para o resto do Brasil. (3) CG == consumo do Governo. (4) FBKF = formação bruta de capital fixo. (5) VE = variação de estoques.

Tabela 11

Multiplicadores dos gastos autônomos da economia gaúcha — 1998

CATEGORIAS DE DEMANDA FINAL

(DF) AUTÔNOMAS

X Ex (1)

X BR (2)

CG (3)

FBKF (4)

VE (5) TOTAL

Valores da DF (R$

milhões) ..................... 6 528 24 710 10 795 10 560 1 903 54 497

Multiplicadores .......... 1,26 1,28 1,55 0,78 0,71 1,22

Y determinado (R$

milhões) ..................... 8 201 31 742 16 695 8 236 1 360 66 216

% das categorias de

DF na determinada Y 12,38 47,94 25,21 12,44 2,05 100,00

% acumulado da

categoria de DF.......... 12,38 60,32 85,53 97,95 100,00 -

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Ora, a importância das exportações para o Exterior e para o resto do Brasilna determinação da renda interna (80,63%) revela-se tão grande que não hácomo deixar de levantar a hipótese de que estejamos sobreestimando seu peso.Mas, insistimos, não é disso que se trata. Se admitimos que o consumo dasfamílias e o consumo do Governo (ou, pelo menos, que a variação destes) é umafunção da (variação da) renda, chegamos, inexoravelmente, a esse quadro dedeterminação da renda pelo gasto.

Carlos Águedo Paiva

Tabela 12

Multiplicadores específicos das exportações e do investimento no RS — 1998

CATEGORIAS DE DEMANDA FINAL

(DF) AUTÔNOMAS

X Ex (1)

X BR (2)

FBKF (3)

VE (4) TOTAL

Valores da DF (R$

milhões) ..................... 6 528 24 710 10 560 1 903 43 702

Multiplicadores espe-

cíficos ........................ 1,68 1,72 1,04 0,96 1,52

Y determinado com

CG endógeno (R$

milhões) ..................... 10 962 42 428 11 008 1 818 66 216

% da categoria de DF

na determinada Y ...... 16,55 64,08 16,62 2,75 100,00

% acumulado da

categoria de DF na

determinada Y ........... 16,55 80,63 97,25 100,00 100,00

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. Matriz de Insumo-Produto — 1998. Porto Alegre: FEE, 2002a. (CD-Rom).

(1) X Ex = exportações para o Exterior. (2) X BR = exportações para o resto do Brasil. (3) FBKF = = formação bruta de capital fixo. (4) VE = variação de estoques.

é a principal atividade interna voltada para o fornecimento de bens para investimento. Valedizer: pretender que esses multiplicadores sejam similares não implica qualquersobrevalorização do efeito multiplicador das Xs vis-à-vis ao multiplicador de FBKF; antes pelocontrário.

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28 É importante observar que o elevadíssimo grau de agregação e a disparidade da qualidadedas fontes (usualmente, secundárias) da MIP impõem uma margem de erro não desprezível(ainda que incalculável com exatidão) aos seus resultados. Além disso, o ano de 1998 —o último ano da fase 1 do Plano Real, marcada pela sobrevalorização de nossa moeda —foi o último ano de um período de estímulo à modernização tecnológica via importação demáquinas e de desestímulo aos investimentos dos setores exportadores tradicionais (que,capitaneados pelo setor calçadista, se encontram entre os setores de maior integraçãovertical interna, comportando uma indústria regional de máquinas e equipamentos não des-prezível). É fundamental não perder de vista as relativizações acima para evitarum equívoco tão grave quanto comum: interpretar as informações disponíveiscomo a prova necessária e suficiente da inexistência de um segmento produ-tor de máquinas-ferramenta interna, dando início a um processo desregradode atração de empresas que pode resultar na falência das empresas já exis-tentes, na destruição líquida de empregos, na concentração e centralização docapital e na desnacionalização da economia. O RS conta com uma indústriametal-mecânica extremamente dinâmica e competitiva, e é preciso, antes demais nada, investigar as potencialidades dos agentes locais para ocuparem oelo “máquinas-ferramenta” das cadeias produtivas consolidadas.

Na verdade, se algum questionamento pode ser interposto aos nos-sos resultados é o oposto: o de se não estamos sobreestimando a contri-buição da formação bruta de capital fixo na formação da renda interna.E isto porque, na alínea FBKF, estão contabilizados tanto os investimentosempresariais quanto a produção de imóveis para moradia. E, como nos revela aMatriz de Insumo-Produto, a parcela endógena da FBKF é a parcela referente àconstrução civil, sendo mínima a produção de máquinas e equipamentos indus-triais para a acumulação de capital empresarial.28

4 - Lineamentos para uma estratégia de enfrentamento do gargalo de demanda

A elevada dependência dos mercados externos parece ser o principal gar-galo da economia gaúcha, o gargalo que, de fato, limita e define sua produção ecrescimento. Enfrentar esse gargalo é necessário e possível. Mas não se podefazê-lo a partir de qualquer estratégia isolacionista, e, do nosso ponto de vista,não se deve fazê-lo a partir do resgate de projetos “regional-desenvolvimentistas”de substituição indiscriminada de importações.

Na realidade, o ponto de partida necessário para o enfrentamento dogargalo “dependência dos mercados externos” é justamente a adoção de estra-tégias alternativas de ocupação desses mercados. Tal como os NICs asiá-ticos (Japão, Hong Kong, Coréia, Formosa, Cingapura, Malásia, etc.) e euro-peus (Itália, Espanha, Irlanda, etc.), temos de adotar uma estratégia ofensiva de

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conquista de mercados externos, que busque nichos onde o valor agregadointernalizado seja sempre crescente29, o que passa por transpor os mercadosonde somos “comprados” para adentrar nas lucrativas searas onde os produtossão “vendidos”.

Bases para um tal projeto existem. Hoje, sem quase nenhuma ajuda públi-ca, dada apenas a excelência de nossa indústria e agricultura regionais, o RStem a melhor inserção externa do País. É o primeiro saldo comercial brasileiro eo segundo exportador nacional. E apresenta crônicos saldos comerciais positi-vos, tanto com o resto do Brasil quanto com o resto do mundo.

A despeito de nossa competência exportadora, não contamos, porém, comestruturas público-privadas de apoio logístico e comercial às exportações. Coma exceção de Rio Grande30, os nossos portos estão sucateados. E — a despei-to dos esforços da SEDAI (com suas feiras internacionais e nacionais) e doSebrae (enquanto difusor da APEX) — praticamente inexiste qualquer estruturapública de indução às exportações. Não há um espaço público de informaçõessobre mercados externos.

Não obstante, a maior parte dos potenciais exportadores desconhece asalternativas de mercados externos abertos à produção local. E se perguntam:para que produtos há mercados externos? Como acessá-los? Que bancos (pú-blicos e privados) financiam exportações? Existem linhas especiais, com taxase prazos melhores, de financiamento ao investimento e/ou ao capital de giro dasempresas que buscam exportar? Que linhas de apoio às exportações existem?Quais são as principais restrições alfandegárias e extra-alfandegárias dos maisdiversos países para os mais diversos produtos? Quais são as alternativas demodais de transporte? Quais as especificidades dos mercados externos no quediz respeito à estratégia de negociação, custeio e formação de preços? Quefirmas comerciais operam como traders no RS? E no Brasil? E no mundo? Dadoo câmbio e a conjuntura mundial (em particular, dadas as pressões de oferta

29 E aqui — vale frisar — o que importa é menos o valor agregado total do que a parcelainternalizada do mesmo. Atrair empresas do Exterior que agregam mais valor por unidadede capital, mas que se apropriam de (e exportam, para o financiamento das inversões desuas matrizes), virtualmente, todo o novo valor agregado, tem pouco ou nenhum impactopositivo no desenvolvimento regional. O que realmente impacta a renda e o emprego inter-nos é a internalização dos elos faltantes (ou fracos) das cadeias produtivas já existen-tes; em particular, daqueles elos que se apropriam das parcelas mais expressivas dovalor agregado dos negócios direta ou indiretamente vinculados à exportação.

30 Que corre o risco de se tornar um monopólio regional, limitado tão-somente pela concorrên-cia com Itajaí, caso não sejam retomados os esforços de recuperação de nossos portoslacustres e fluviais.

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dos diversos países que exportam produtos concorrentes), qual a margem decontribuição superior que os produtores internos podem obter em suas nego-ciações com agentes comerciais estrangeiros (e/ou nacionais)?

Evidentemente, estas não são questões triviais. Para inúmeras delas, nãose têm respostas em nosso estado. Para outras, as respostas existem. Maselas são “Poucas!” ou “Nenhuma!”. Encontrar as respostas para as perguntasmais difíceis e responder de forma positiva às perguntas mais elementares só épossível a partir da mobilização de recursos humanos e materiais que (dadas ascircunscrições fiscais do Estado) pressupõe uma ação conjunta de agentesprivados e públicos das mais diversas esferas de governo.

Além disso, o Governo do Estado deve apoiar, de forma ainda mais inten-sa, a ocupação de novos nichos nacionais de mercado, particularmente daque-les abertos pela desvalorização monetária. E deve, nesse processo, privilegiaraqueles setores que, uma vez mobilizados, alavancam, diretamente,indiretamente e por “efeito renda”: (a) o emprego e os rendimentos do trabalho;(b) o valor agregado e a capacidade de inovação da economia; e (c) a arrecada-ção tributária interna.

Em suma: uma estratégia exportadora de desenvolvimento não pode serpensada independentemente da política industrial e tecnológica de longo prazo.O que nos remete — dentro de uma hierarquia onde a política de apoio àsexportações tem prioridade lógica e temporal — para o componente de“oferta” de nossa estratégia de enfrentamento da dependência do Exterior. Valedizer: o que nos remete para uma estratégia de enfrentamento dos nossos gar-galos secundários; de nossos gargalos de “oferta”.

5 - Lineamentos para uma estratégia de enfrentamento dos gargalos de oferta

Internalizar os elos faltantes e tecnologicamente mais sofisticados daque-las cadeias produtivas gaúchas de alta capacidade exportadora (já competiti-vas, portanto) e de alta capacidade de geração de emprego, renda e impostos éa estratégia de longo prazo que complementa a estratégia de curto prazo decrescimento via conquista de novos mercados externos. O que falta definir é,tão-somente, quais são essas cadeias produtivas. O que, mais uma vez, nosremete à MIP.

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Como já foi dito, a MIP nos traz uma nova percepção da economia gaúcha.O próprio peso relativo dos setores e atividades econômicas gaúchas revela-sedistinto daquele exposto pelas Contas Regionais do IBGE.31 Além disso, abre--se a possibilidade de avaliar não apenas os efeitos diretos, mas o conjuntodos efeitos indiretos associados à mobilização dos diversos setores. Na Tabela13, procuramos sintetizar as principais informações fornecidas pela MIP paraos diversos setores e atividades da economia gaúcha.

Se iniciamos nossa análise pela importante agropecuária gaúcha, o pri-meiro a chamar atenção é o fato de a mesma ter a mais elevada integraçãopara a frente dentre todos os setores e atividades do RS. Isto significa que,quando a economia gaúcha cresce, a demanda sobre o setor agropecuáriocresce significativamente. De forma que não é preciso atuar diretamentesobre a agricultura para estimulá-la, bastando atuar sobre os segmentose atividades que demandam a produção agrícola. Uma conclusão que se vêreforçada pela baixa integração para trás da agropecuária, vale dizer, por seupequeno poder de mobilização dos demais setores.

É bem verdade que essa conclusão parece contraditar o fato de a agricul-tura apresentar o maior multiplicador total (incluindo efeitos indiretos e renda)do emprego, além de apresentar multiplicadores relativamente elevados de valoragregado e rendimento. Há que se ver, porém, que esses valores são definidosessencialmente pelo efeito direto, mais do que pelos efeitos indireto e renda(Porsse, 2002, p. 23).

Além disso, há uma significativa inflação do multiplicador do emprego agrí-cola. A hipótese (válida para os setores propriamente capitalistas) de que oemprego atual teria de ser elevado proporcionalmente à elevação da demanda(e, por conseqüência, do produto) não é legítima para a agricultura familiar, querecebe e mantém uma população relativamente excedente vis-à-vis às suasnecessidades efetivas de trabalho produtivo. Esse fato acaba se traduzindo naalta precariedade do trabalho agrícola e no baixíssimo rendimento monetário portrabalhador proporcionado por essa atividade (Tabela 14).

31 Ver IBGE (Contas..., 2001). Vale observar que, quando se trata de comparações interesta-duais, é recomendável a utilização das informações disponibilizadas pelo IBGE em suasContas Regionais. Afinal, independentemente de suas eventuais falhas, essa é a metodologiautilizada para o cálculo das participações relativas dos diversos segmentos e atividadesem todo o território nacional. Contudo, quando se trata de analisarmos a realidade objetivada economia gaúcha, a MIP parece ser uma fonte mais confiável, uma vez que se embasaem um conjunto mais amplo e diversificado de informações (fornecidas, inclusive, peloIBGE), que passam por um sofisticado processo de balanceamento e compatibilização.

Carlos Águedo Paiva

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37E

strutura e gargalos da economia gaúcha:...

Tabela 13 Índices e multiplicadores totais selecionados para a economia gaúcha — 1998

ÍNDICE DE

INTEGRAÇÃO PARA FRENTE

ÍNDICE DE

INTEGRAÇÃO PARA TRÁS

MULTIPLICADOR DO VA

MULTIPLICADOR DO EMPREGO

MULTIPLICADOR DO RENDIMENTO

MULTIPLICADOR DO ICMS DESCRIÇÃO

DA ATIVIDADE

Índice Ranking Índice Ranking Multiplicador Ranking Multiplicador Ranking Multiplicador Ranking Multiplicador Ranking

Agropecuária 5,55 01 2,01 17 1,37 07 197 01 0,53 08 58 523 20 Indústrias me-talúrgicas ....... 1,35 16 1,81 23 1,13 21 65 19 0,40 19 117 922 10 Máquinas e tratores ........ 1,00 24 1,79 24 1,05 24 59 20 0,38 20 99 634 12 Material ele-tro-eletrônico 1,07 22 1,75 25 1,08 23 57 21 0,33 23 97 407 15 Material de transporte ...... 1,03 23 1,63 26 0,91 26 46 26 0,30 25 122 565 9 Madeira e mo-biliário ............ 1,17 20 2,01 15 1,17 17 123 06 0,60 05 145 551 8 Papel e gráfi-ca ................. 1,56 12 2,02 14 1,33 10 69 18 0,44 16 78 045 18 Indústria quí-mica ............... 1,40 15 2,27 05 1,15 20 52 23 0,34 22 150 778 7 Indústria pe-troquímica ..... 2,78 06 2,11 10 1,27 15 48 25 0,31 24 259 835 2

(continua)

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strutura e gargalos da economia gaúcha:...

Tabela 13

ÍNDICE DE

INTEGRAÇÃO PARA FRENTE

ÍNDICE DE

INTEGRAÇÃO PARA TRÁS

MULTIPLICADOR DO VA

MULTIPLICADOR DO EMPREGO

MULTIPLICADOR DO RENDIMENTO

MULTIPLICADOR DO ICMS DESCRIÇÃO

DA ATIVIDADE

Índice Ranking Índice Ranking Multiplicador Ranking Multiplicador Ranking Multiplicador Ranking Multiplicador Ranking

Demais indús-trias ................ 1,63 10 2,07 12 1,32 11 99 11 0,53 09 204 815 5 Serviços in-dustriais de u-tilidade pública 2,68 07 2,16 08 1,43 05 56 22 0,36 21 397 442 1 Construção ci-vil ................... 1,19 19 1,83 22 1,05 25 88 13 0,49 13 37 408 25 Comércio ...... 4,34 04 1,97 19 1,43 06 136 04 0,89 02 44 584 21 Transportes ... 2,93 05 2,08 11 1,16 18 85 14 0,62 04 62 688 19 Comunicações 1,85 09 2,14 09 1,35 09 74 17 0,54 07 227 999 4 Instituições fi-nanceiras ..... 2,21 08 2,19 07 1,51 02 76 16 0,59 06 41 510 23 Serviços às fa-mílias e às empresas ..... 4,85 03 1,89 20 1,29 13 137 03 1,01 01 41 183 24 Aluguel de imóveis .......... 5,38 02 1,88 21 1,59 01 52 24 0,30 26 35 829 27 Administração pública ........... 1,00 26 2,01 16 1,51 03 101 10 0,69 03 44 536 22

FONTE: PORSSE, A. A. Multiplicadores de impacto na economia gaúcha: aplicação do modelo fechado de insumo-produto fechado de Leontief. Porto Alegre: FEE, 2002. (Documentos FEE, n. 52).

Índices e multiplicadores totais selecionados para a economia gaúcha — 1998

FONTE: PORSSE, A. A. Multiplicadores de impacto na economia gaúcha: aplicação do modelo fechado de insumo-produto fechado de Leontief.

Porto Alegre: FEE, 2002. (Documentos FEE, n. 52).

NOTA: Para ∆ R$ milhões.

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Tabela 14 Participação dos setores e atividades no VAB e no emprego do RS — 1998

DESCRIÇÃO DA

ATIVIDADE

% DA ATIVIDADE NO VABpb

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(PT)

% PT DA ATIVIDADE NO TOTAL

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% DO TRABALHO

NÃO PRECÁRIO NO TOTAL

DO ESTADO

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TRABALHO (R$ milhões)

% NO RENDIMENTO

TOTAL DO ESTADO

Agropecuária ....... 10,24 1 255 104 25,57 491 074 39,13 10,01 2 300 8,57 Indústrias metalúr-gicas ..................... 2,01 53 177 1,08 42 724 80,34 0,87 367 1,37 Máquinas e trato-res ......................... 1,88 44 877 0,91 40 064 89,28 0,82 351 1,31 Material eletro-ele-trônico ................... 0,92 17 826 0,36 17 227 96,64 0,35 110 0,41 Material de trans-porte ...................... 1,38 21 582 0,44 19 277 89,32 0,39 189 0,70 Madeira e mobi-liário ...................... 1,13 81 842 1,67 66 321 81,04 1,35 434 1,62 Papel e gráfica ...... 1,50 26 769 0,55 21 643 80,85 0,44 211 0,79 Indústria química .. 0,77 13 421 0,27 13 222 98,52 0,27 120 0,45 Indústria petroquí-mica ...................... 2,81 6 098 0,12 4 701 77,09 0,10 108 0,40 Calçados e couros 3,34 196 024 3,99 173 781 88,65 3,54 720 2,68 Beneficiamento de produtos vegetais 1,04 32 800 0,67 28 032 85,46 0,57 221 0,82 Indústria do fumo .. 0,78 9 803 0,20 8 378 85,46 0,17 129 0,48 Abate de animais .. 1,53 47 469 0,97 40 567 85,46 0,83 236 0,88 Indústria de laticí-nios ....................... 0,86 9 520 0,19 8 136 85,46 0,17 62 0,23 Fábrica de óleos vegetais ................ 0,63 8 047 0,16 6 877 85,46 0,14 67 0,25

(continua)

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Tabela 14 Participação dos setores e atividades no VAB e no emprego do RS — 1998

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

% DA ATIVIDADE NO

VABpb

POSTOS DE TRABALHO

(PT)

% PT DA ATIVIDADE NO

TOTAL DO ESTADO

PT NÃO PRECÁRIOS

DA ATIVIDADE

% DO TRABALHO

NÃO PRECÁRIO

NO PT TOTAL DA ATIVIDADE

% DO TRABALHO

NÃO PRECÁRIO NO TOTAL

DO ESTADO

RENDIMENTO DO

TRABALHO (R$ milhões)

% NO RENDIMENTO

TOTAL DO ESTADO

Demais indústrias alimentares ........... 1,46 50 013 1,02 42 741 85,46 0,87 351 1,31 Demais indústrias 3,94 201 339 4,10 181 865 90,33 3,71 974 3,63 Serviços industriais 2,49 17 149 0,35 13 646 79,57 0,28 183 0,68 Construção civil .... 5,69 316 644 6,45 253 052 79,92 5,16 1 673 6,23 Total da indústria 34,15 1 154 400 23,52 982 254 85,09 20,01 6 506 24,24 Comércio .............. 10,38 729 492 14,86 581 953 79,78 11,86 5 096 18,98 Transportes .......... 3,54 161 108 3,28 136 104 84,48 2,77 1 449 5,40 Comunicações ...... 1,72 17 798 0,36 14 836 83,36 0,30 222 0,83 Instituições finan-ceiras .................... 4,91 55 897 1,14 47 611 85,18 0,97 832 3,10 Serviços às famí-lias e às empresas 8,48 675 852 13,77 547 904 81,07 11,16 5 700 21,23 Aluguel de imó-veis ....................... 12,09 14 783 0,30 11 222 75,91 0,23 206 0,77 Administração pú-blica ...................... 13,94 453 902 9,25 450 257 99,20 9,17 3 650 13,60 Serviços privados não mercantis ....... 0,54 389 394 7,93 151 443 38,89 3,09 882 3,29 Total de serviços 55,61 2 498 226 50,90 1 941 330 77,71 39,56 18 036 67,19 TOTAL .................. 100,00 4 907 730 100,00 3 414 658 69,58 69,58 26 842 100,00

FONTE: PORSSE, A. A. Multiplicadores de impacto na economia gaúcha: aplicação do modelo fechado de insumo-produto fechado de Leontief. Porto Alegre: FEE, 2002. (Documentos FEE, n. 52).

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É importante que se entenda, porém, que a baixa integração para trás e aalta precariedade do emprego não secundariza a agricultura. Nenhumaatividade que se responsabiliza pela sustentação de mais de um milhão eduzentos e cinqüenta mil trabalhadores pode ser considerada secundá-ria em qualquer sentido. O que defendemos aqui é, tão-somente, que seexplore a alta integração para a frente da agricultura, estimulando, em particular,a agroindústria (seja ela familiar, cooperativa ou capitalista), que define o grossoda demanda sobre a produção rural.32 Para além disso, seria necessáriodesenvolver estudos detalhados acerca das nossas importações de alimentospara fins de consumo, com vistas a identificar alternativas para a produçãolocal em nichos de mercado que, hoje, são ocupados pela produção do restodo Brasil ou do Exterior.

Ora, no que diz respeito à estratégia de estimular a demanda agroindustrialsobre a agropecuária, a MIP esclarece-nos que setores têm o maior poder dealavancagem da economia e da agricultura por apresentarem maior integraçãopara trás. Eles são, em ordem decrescente: abate de animais, fabricação deóleos vegetais, indústria de laticínios, beneficiamento de produtos vege-tais, indústria química e indústria de calçados couros e peles. Com exceçãoda química, esses setores encontram-se, também, entre os maiores geradoresde emprego (direto, indireto e “efeito renda”) do Estado, como o atesta aTabela 10.33

32 O mesmo argumento vale para outros setores com elevada integração para a frente, comoaluguel de imóveis, serviços prestados às famílias e empresas, comércio, transporte e in-dústria petroquímica. Tal como para a agricultura, não estamos defendendo a tese de quenão se deva ter políticas públicas para esses setores. O único que queremos chamaratenção é para o fato de que a melhor forma de estimular o crescimento dessasatividades é estimulando o crescimento da demanda sobre as mesmas, o queenvolve estimular a competitividade e a conquista de mercados dos setoresque demandam aquelas atividades. Essa também deve ser a perspectiva a informaro apoio aos setores com alto multiplicador do ICMS. Como se pode ver na Tabela 10, a maiorparte dos setores com elevada contribuição ao ICMS — como serviços industriais deutilidade pública, indústria petroquímica e comunicações — apresenta elevada integraçãopara a frente, sendo “puxados” sempre que a economia cresce. De outro lado, os setoresde elevado multiplicador de ICMS e baixa integração para a frente — fabricação de óleosvegetais e demais indústrias alimentares — apresentam elevada integração para trás ou,pelo menos, elevada integração com a agricultura. Estimulá-los é, portanto, uma formaeficiente de estimular a agropecuária e a arrecadação governamental.

33 Vale lembrar ainda que, a despeito de não se encontrar entre os setores de maior integraçãopara trás (até porque não se depara com uma oferta interna eficiente das matérias-primas quedemanda), o setor moveleiro apresenta um elevado multiplicador do emprego e é um grandeusuário de insumos agrícolas. Apoiar a integração para trás desse setor através de uma polí-tica de florestamento voltada ao atendimento de suas demandas atuais e potenciais teriaconseqüências benéficas tanto para a consolidação da competitividade desse setor quan-to para o enfrentamento das disparidades regionais, a geração de renda no campo e aelevação do nível de emprego do Estado.

Carlos Águedo Paiva

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A política para esses segmentos tem de ser múltipla. Seu carro-chefe é aconquista de novos mercados. Mas os instrumentos para tanto são os maisvariados, passando pela melhoria da qualidade dos produtos (em particular, dosanimais e lácteos, para os quais se deve adotar uma política de certificação), doseu design (em particular, dos couros e calçados) e dos canais de logística ecomercialização (que incidem sobre o conjunto dessas atividades).

De outro lado, é preciso estar atento para aquelas atividades que, aocontrário da agricultura, apresentam baixa integração para a frente, não sendofacilmente “puxadas” por um bom desempenho da economia como um todo.Em particular, é preciso estar atento para aqueles setores que, por se encontraremna fronteira tecnológica real da economia gaúcha, vêm apresentando elevadastaxas de crescimento relativo nos últimos anos (Tabela 4) e que, além disso,conformam a base regional necessária à endogeneização dos estímulosmultiplicadores do investimento. Pensamos aqui, em particular, nas indús-trias de máquinas e tratores, material elétrico e eletrônico e material detransporte. Esses setores necessitam tanto de apoio comercial quanto de apoiopara a integração de suas cadeias produtivas através da alavancagem de inves-timentos a montante da cadeia.

Por fim, é preciso enfrentar os gargalos de oferta no setor serviços, especi-almente no que diz respeito à logística, à comercialização, à assistênciatécnico-gerencial e ao financiamento. Detalhar políticas públicas articula-das com vistas à alavancagem desses setores é tarefa que transcende ao esco-po deste trabalho. Contudo não podemos deixar de comentar que tais políticasdevem, necessariamente, contemplar os seguintes aspectos: (a) diversificaçãoe integração dos modais regionais de transporte, com ênfase na hidrovia e naferrovia; (b) alavancagem (e eventual atração) de tradings e firmas especializadasem comércio e logística; (c) alavancagem (e eventual atração) de empresasvoltadas à assistência técnico-gerencial da indústria e dos serviços regionais;(d) articulação — com apoio dos bancos e instituições financeiras públicasestaduais — do sistema regional de intermediação financeira, com vistas aoenfrentamento das inúmeras restrições legais e fiduciárias à transferência paraos setores de maior rentabilidade prospectiva do excedente apropriado nos setorese atividades de maturidade superior.

6 - À guisa de conclusão

A MIP explicita de forma cabal a dependência da economia gaúcha dosmercados externos. O desempenho recente dessa mesma economia — cujaperformance na primeira fase do Plano Real (1995/98) foi muito inferior àperformance da segunda fase, após a desvalorização monetária (1999/02) —

Estrutura e gargalos da economia gaúcha:...

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vem confirmar que essa dependência é, também, o principal gargalo (no sentidode “o mais apertado”, o que “define o limite superior da produção”) da nossaeconomia. Enfrentá-lo é, pois, tarefa emergencial. A questão é: como?

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que esse gargalo dificilmentepode ser enfrentado apenas pelos agentes privados, sem a contribuição do Es-tado. E isto, de um lado, na medida em que os custos de conquista de novosmercados são relativamente elevados (comportando uma dimensão “fixa” nãodesprezível) e, de outro, na medida em que os benefícios esperados dessaconquista são marcadamente incertos (variando com o câmbio, os custos detransporte e com a performance das economias e agentes importadores). É emfunção dessas circunscrições — e da pouca atenção dispensada pelo setorpúblico a essa questão nos anos recentes — que as exportações brasileiraspara o Exterior se encontram virtualmente estagnadas há mais de uma década,sendo quase um monopólio das grandes empresas.

O problema é que as circunscrições fiscais e financeiras dos setores públi-cos federal e estadual, bem como os compromissos assumidos com oenfrentamento da grave dívida social por parte dos governantes recentementeeleitos, acicatam suas possibilidades de apoiar o esforço exportador. De outrolado, a necessidade de gerar superávits comerciais expressivos com vistas adiminuir a dependência de recursos externos para refinanciamento da dívidainternacional tem levado o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, a reiterarsua decisão de adotar uma política agressiva de apoio às exportações interna-cionais.

Entendemos que o Rio Grande do Sul tem muito a contribuir para — e a sebeneficiar com — uma tal política. Mas seria um equívoco deixar exclusiva-mente a cargo do Governo Federal a responsabilidade pela mesma. Pelo con-trário: o novo Governo gaúcho pode (e, do nosso ponto de vista, deve) fazervaler sua capacidade exportadora e de geração de superávits como instrumentode negociação junto ao Governo Federal para o repasse de recursos da União34,para o enfrentamento de nossos gargalos de demanda e/ou oferta ou, pelo me-nos, para a flexibilização de nossos limites de endividamento interno e externo.

Simultaneamente — e ainda em função de nossas pesadas circunscri-ções fiscais —, entendemos que o Governo Estadual deve dividir os custos desua política de ocupação de mercados externos (inclusive do resto do Brasil)com os empresários diretamente beneficiados pela mesma e/ou pelas associa-ções empresariais dos setores estimulados. Mais exatamente, entendemos queessa divisão deve ser tal que o setor público só venha a ser onerado naquele

Carlos Águedo Paiva

34 Ou, o que pode ser ainda mais interessante, de redução do comprometimento das receitascorrentes líquidas para com o serviço da dívida estadual.

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montante sem o qual não se torna viável e lucrativa a conquista de novosmercados pelos agentes exportadores privados, o que, desde logo, sinaliza apossibilidade de diferenciação dos estímulos concedidos a pequenas empresasvis-à-vis às grandes.

E, aqui, insistimos. As atividades que devem ser privilegiadas em umapolítica pública de apoio à conquista de mercados externos são aquelas que —havendo já se mostrado competitivas e capazes de conquista de mercadosforâneos — apresentam grande integração para trás (em particular, com a agri-cultura, responsável por 25% da ocupação interna) e altos multiplicadores deemprego e de arrecadação tributária. Pensamos aqui, de forma particular, nasatividades vinculadas à agroindústria, mormente abate de animais, fabrica-ção de óleos vegetais, indústria de laticínios, beneficiamento de produ-tos vegetais e indústria de calçados, couros e peles.

No que diz respeito ao enfrentamento de nossos gargalos de oferta, cabesalientar que uma forma de diminuir o comprometimento fiscal para atração deempresas forâneas (e/ou estímulo à diversificação das empresas regionais) écentrar o foco de uma tal política naqueles “elos faltantes” a montante das ca-deias produtivas mais dinâmicas. E isto porque, em tais casos, a demandaatual já aparece como estímulo (por vezes, suficiente) aos novos investimentos,o que exime o poder público de oferecer pesados subsídios para a consolidaçãodos mesmos. A verdade é que, via de regra, grandes subsídios só são necessá-rios para conquistar investimentos que se mostrariam “irracionais sem subsí-dios”, investimentos que não são “racionais em si”, que não dialogam natural-mente com as demandas insatisfeitas do mercado interno.

Dentro dessa linha, parece-nos racional privilegiar aquelas atividades in-dustriais que: (a) apresentam, a jusante, um volume de demanda expressivo esustentável35; (b) apresentam, a montante, elos fracos ou ausentes; (c) apre-sentam, por determinações estruturais, capacidade de preencher vários doselos a jusante a partir da mobilização de recursos e competências endógenas;e (d) encontram-se na fronteira tecnológica real36 da indústria gaúcha. Nãoserá preciso esclarecer, após o conjunto de informações resgatado nas seções

Estrutura e gargalos da economia gaúcha:...

35 Vale dizer: setores que, na ponta da cadeia, já constituíram aglomerações expressivas (passí-veis de evoluírem para a forma de Sistemas Locais de Produção) e claramente competitivas(cujos indícios fundamentais são a taxa de crescimento recente e a capacidade de conquistade mercados externos).

36 Por oposição à fronteira tecnológica ideal, que não dialoga com as competências regionaisefetivamente consolidadas nos planos universitário e produtivo.

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anteriores, que essas características são as características fundamentais detrês atividades-segmentos da indústria gaúcha: máquinas e tratores, materialde transporte e material eletro-eletrônico.37

Por fim, vale reiterar a ênfase sobre o setor serviços. O expressivo dina-mismo da indústria gaúcha nos últimos 50 anos é prova suficiente de suacapacidade endógena de enfrentar os mais diversos obstáculos e gargalosinternos. De outro lado, a performance satisfatória (mas inferior à industrial) dosetor serviços revela a presença de obstáculos maiores para o desenvolvimentodesse macrossetor, que é, justamente, o que mais cresce em nível mundial. Deforma particular, é preciso atentar para as áreas já listadas de comercialização,logística, consultoria técnico-gerencial e financiamento. E isto na exatamedida em que o enfrentamento dos gargalos de oferta desses setores funcio-na, ato contínuo, como instrumento de enfrentamento do nosso gargalo maisapertado, o gargalo de demanda.

Carlos Águedo Paiva

37 Ainda visando internalizar os efeitos multiplicadores do investimento, parece-nos de sumaimportância garantir continuidade aos esforços do Governo Olívio para a integração a montan-te da cadeia da Construção Civil, a partir da consolidação do pólo cerâmico da Campa-nha gaúcha. Esse pólo cerâmico pode e deve, a partir de sua articulação com a pro-dução regional de cimento, de mármores e granitos (para os quais o mesmo governodesenvolveu um programa específico de apoio), constituir-se na pedra fundamentalde um Sistema Local de Produção do “Construbusiness” na Metade Sul.

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Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul

Rubens Soares de Lima* Economista da FEE e Professor da Unisinos.

ResumoO objetivo central destas notas é o de examinar a forma como as mudançasocorridas no ambiente econômico a partir dos anos 90 repercutiram no perfilindustrial do Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo, busca-se avaliar se algumaspeculiariedades que fundaram a acumulação de capital no Estado continuamsendo válidas como elementos explicativos da orientação e do ritmo de seuprocesso de crescimento. A análise dos indicadores disponíveis parece mostrara necessidade de que certas proposições correntes, tal como a que entende seruma singularidade do Estado o fato de apresentar uma produção fortementebaseada nas pequena e média empresas, sejam reavaliadas ou, ao menos,qualificadas.

Palavras-chaveIndústria gaúcha; estrutura industrial; reestruturação; processo de indus-trialização.

AbstractThe central purpose of these notes is to examine how the changes that tookplace in the economic environment during the nineties have impacted on theindustrial profile of Rio Grande do Sul. At the same time they try to evaluate ifsome peculiarities that established capital accumulation in the state are still

* O autor agradece os comentários e as sugestões das colegas Maria Lucrécia Calandro,Silvia Horst Campos e Maria Cristina Passos. A elaboração dos dados foi realizada pelosestagiários Eduardo Provenzano e Marcos Vinícius G. Ibias.

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valid as elements of an explanation of the directon and rithm of its process ofgrowth. The analysis of available indicators seems to show the need that somecurrent statements, such as the one that considers as a singularity of the statethe fact that its productive structure is strongly based on small and middlefirms, be revaluated or at least qualified.

Os originais deste artigo foram recebidos por esta Editoria em 02.10.02.

Introdução

Em meio à diversidade de abordagens que tratam da formação econômicado Rio Grande do Sul, é possível destacar uma certa convergência de opiniõesno sentido de que o seu processo de industrialização reflete uma experiênciabastante singular no contexto brasileiro. Fruto, dentre uma série de outras ra-zões, de sua excêntrica posição geográfica, de seu isolamento, da ausência deum produto que viabilizasse sua inserção no mercado internacional e daspeculiariedades de sua imigração, moldou-se no Estado um diversificado par-que manufatureiro, estreitamente vinculado a sua base agropastoril e baseado,em larga medida, em unidades de pequeno porte e de origem familiar.

Limeira Tejo, em 1941, exaltava a singularidade desse processo, ao desta-car as virtudes do caráter endógeno e darwinista, que, segundo o seu entendi-mento, eram típicos do desenvolvimento da indústria gaúcha. Pois, pela suaótica, tendo conseguido se manter imune ao contágio do grande capital, aocontrário do que se verificava no resto do País, aqui ocorria “(...) uma concentra-ção [de capital industrial] que se realiza com a lógica das coisas que cresceme não com a violência das iniciativas sem história”. E, pressentindo as dificulda-des que poderiam advir com a integração do mercado nacional, alertava para aimportância de

“(...) não se perder o que existe de vivo nessa força, encaminhando-apara a conquista de mais altos estágios, sem forçar soluções quedeterminem o rompimento do equilíbrio que o seu desenvolvimentomantém com o próprio desenvolvimento da sociedade” (Tejo, 1982,p. 107).

Em outras palavras, a sua preocupação era no sentido de que a necessi-dade de sobrevivência das empresas gaúchas no novo patamar de concorrênciaque se descortinava não pusesse a perder a harmonia social proporcionada poruma estrutura econômica que, baseada nas pequena e média empresas decaráter familiar, se materializava numa “(...) quase ideal distribuição de meios deprodução”, permitindo “quase falar em riqueza coletiva” (Tejo, 1982, p. 99).

Rubens Soares de Lima

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Descontado o evidente exagero provinciano de Limeira Tejo, duas circuns-tâncias iriam contribuir, de forma decisiva, para que a indústria rio-grandensenão se afastasse em demasia de seus anseios e mantivesse as característicasbásicas de seu perfil produtivo, mesmo quando se solidifica a integração domercado nacional a partir dos anos 50.1 A primeira dessas circunstâncias dizrespeito ao fato de o Estado ter ficado, praticamente, à margem das grandestransformações estruturais ocorridas à época do período JK, principalmente noque diz respeito à implantação dos setores produtores de bens duráveis, comofoi o caso da indústria automobilística e o da de eletrodoméstico, com a maciçapresença de empresas estrangeiras. A segunda ocorre como sendo quase umarepetição da anterior, pois, também à época do II PND, no Governo Geisel, oRio Grande do Sul não logrou atrair os grandes investimentos estatais dirigidosà consolidação da indústria básica, exceção feita ao Pólo Petroquímico deTriunfo.

Não tendo sofrido, ao menos diretamente, os impactos que, nesses doismomentos, alteraram radicalmente a matriz produtiva brasileira, a indústria gaú-cha manteve, do ponto de vista qualitativo, quase que inalterado o desenhoresultante de sua formação, passando, também, a se distinguir do padrão naci-onal (representado, basicamente, pela indústria da Região Sudeste) pela es-cassa presença tanto de empresas estrangeiras quanto de estatais com abran-gência nacional.

Como desdobramento quase lógico desse tipo de configuração estrutural,resultou outro traço típico da indústria gaúcha, qual seja, o de apresentar níveisde produtividade abaixo da média brasileira, compensando essa desvantagemconcorrencial através do pagamento de salários inferiores (Passos; Lima, 1992).2

A combinação de menor produtividade e salários mais baixos, associada à dis-ponibilidade de mão-de-obra qualificada, irá tornar-se um elemento-chave paraa compreensão do desenvolvimento industrial do Estado, uma vez que vai moldardois tipos de estratégias para as empresas regionais:

1 Uma problematização sobre a conveniência de considerar a economia brasileira integrada apartir de 1930, ou a partir da década de 50, pode ser encontrada em Targa, Ribeiro e HerrleinJúnior (1998).

2 Conforme Passos e Lima (1992), o diferencial de produtividade entre a indústria gaúcha e abrasileira era insignificante em 1949, tendo aumentado para 6% em 1959, passando para30% em 1970, diferença que se manteve até 1985. Já os salários médios, que, no Rio Gran-de do Sul, em 1920, eram superiores aos pagos pela própria indústria de São Paulo (HerrleinJúnior, 2000), em 1970 encontravam-se em patamares bem abaixo da indústria brasileira, ouseja, 19,23 e 25,26 unidades monetárias respectivamente (Passos; Lima, 1992). Daí, pode-se inferir o quanto a possibilidade de pagar menores salários foi fundamental para que aindústria gaúcha pudesse manter a sua competitividade.

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“Nos segmentos onde as empresas do Rio Grande do Sul concorriamno mesmo mercado que suas congêneres nacionais, produzindo osmesmos valores de uso, essa circunstância operou como um fator decompensação na disputa concorrencial. Podem ser citadas comoexemplo, nesse sentido, as atividades altamente absorvedoras demão-de-obra, como a produção de alimentos, de têxtil, de vestuário,de bebidas e de calçados.“Nos setores onde, pela ausência de escala e/ou de tecnologia, aindústria gaúcha não apresentava condições para competir nas linhasmais avançadas de produção, o binômio força de trabalho barata econhecimento e habilidades acumulados atuou como elementofundamental para a formação de nichos de especialização regional.São exemplares, nesse caso, a cutelaria, a produção de armas depequeno porte e a confecção de móveis no setor de bens duráveis. Nosetor de bens de capital, pode-se citar, no mesmo sentido, a produçãode máquinas e implementos agrícolas e a de carrocerias para ônibuse caminhões. A medida do êxito da indústria local, alcançado pela viada especialização, pode ser visualizada por sua capacidade em firmarmarcas no mercado nacional e, posteriormente, no próprio mercadoexterno, como é o caso da Taurus, da Rossi, da Tramontina, da Randon,da Zivi-Hércules, da Marcopolo, dentre outras”(Lima, 1998, p. 7-8).3

Para os propósitos deste texto, o importante a assinalar, a partir dessaesquemática simplificação do processo de industrialização estadual, é que: (a)mesmo sem apresentar grandes alterações em sua estrutura produtiva, a indús-tria gaúcha logra manter sua posição na indústria nacional; (b) às situaçõesaparentemente desfavoráveis que decorriam das mudanças no padrão industrialbrasileiro o parque fabril do Estado respondeu, positivamente, através de melhoriasem sua função de produção, do aproveitamento de sua capacidade instaladapara introduzir novos produtos e descobrindo novas oportunidades de articula-ção com o mercado nacional e mesmo internacional.

Não se pode perder de vista, entretanto, que o indiscutível êxito da trajetóriada indústria gaúcha, tal como descrito até o momento, ocorre numa situação deelevada proteção do mercado interno. E é precisamente esse ambiente que sealtera, de forma dramática, no início dos anos 90, com a súbita abertura comer-

3 A idéia de que o Rio Grande do Sul dispunha de uma mão-de-obra relativamente mais quali-ficada deve ser entendida no sentido amplo do acúmulo de conhecimentos e habilidadesresultantes de sua formação histórica. Para uma avaliação comparativa dos níveis de esco-laridade da mão-de-obra industrial nos estados da Região Sul, ver Carvalho et al. (2002).

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cial implementada no Governo Collor, logo seguida pela estabilidade da moeda epela apreciação cambial que veio no bojo do Plano Real. Às dificuldades intrín-secas que se interpunham à adequação das empresas a esse novo panorama,adicionava-se, por um lado, o fato de as mesmas terem sido submetidas a umlongo período de instabilidade e de estagnação da economia e, por outro, opróprio processo de reestruturação por que passava a economia mundial,alicerçado pela difusão do novo paradigma tecnológico.

Fruto da sua configuração, o novo cenário trazia como desafios particula-res para a indústria gaúcha: (a) as restrições decorrentes tanto do porte quantoda origem do capital que tinham suas empresas para acessarem os circuitos definanciamento e de inovação; (b) a penalização imposta pela valorização docâmbio, que não só deprimiu as exportações, importante fonte de seu dinamis-mo, como também intensificou o grau de concorrência interna para importantessegmentos da indústria estadual; e (c) o surgimento do Mercosul, que, numprimeiro momento, passou a ser visto como uma grave ameaça para a agroin-dústria gaúcha.

O trabalho Tendências Estruturais da Indústria Gaúcha nos Anos 90:Sintonias e Assimetrias (Passos; Lima, 2000) teve como uma de suas preocu-pações refletir como os acontecimentos sumariados anteriormente repercuti-ram no perfil industrial do Rio Grande do Sul. Naquela oportunidade, a utilizaçãodos dados da Pesquisa Industrial Mensal (PIM) do IBGE trouxe como grandevantagem a possibilidade de se construir uma série que cobria todo o período1985-98, permitindo, assim, a visualização das mudanças ocorridas a partir de1990. Mas, por outro lado, incorria-se em dois inconvenientes. O primeiro eraque a indisponibilidade de informações impedia qualquer consideração sobrepessoal ocupado, tamanho dos estabelecimentos, níveis de salários e produtivi-dade, ficando a análise restrita à comparação da evolução estrutural da indústriade transformação sulina, vis-à-vis a algumas de suas congêneres estaduais. Aoutra restrição era dada pelo fato de os dados daquela pesquisa serem apresen-tados somente em nível de gêneros industriais, classificação que agrupa umaconsiderável gama de atividades.

Tendo em vista a maior abrangência e o maior nível de detalhamento dasinformações contidas na Pesquisa Industrial Anual (PIA) referente ao ano de1998, este artigo visa atingir dois propósitos. O primeiro, de caráter mais quan-titativo, é o de buscar confirmar a consistência de algumas das tendênciasapontadas naquele trabalho no que se refere à evolução da estrutura da indústriaestadual. Ao mesmo tempo, a maior desagregação dos dados aqui utilizadosserve para realçar algumas diferenças substantivas existentes entre as atividades

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que integram os diversos gêneros industriais no Rio Grande do Sul em relaçãoaos outros estados. O segundo objetivo é o de tentar problematizar a validadede determinadas afirmações, que, com o passar do tempo, tomaram a forma deverdadeiras “teses” sobre a indústria gaúcha. Esse intento é perseguido no item2 deste artigo, através do confronto dos dados analisados, principalmente osreferentes ao tamanho dos estabelecimentos, à produtividade e aos saláriosmédios, com algumas das “teses” alinhavadas na introdução.

Tendo em vista o cunho exploratório que norteou a elaboração do texto,muitas das considerações aqui apresentadas devem ser entendidas mais comocontribuições ao debate do que como proposições definitivas.4

1 - O perfil estrutural da indústria de transformação

Seguindo a abordagem proposta por Passos e Lima (2000), utiliza-se,nesta análise, a partição da indústria de transformação em três grandes grupos:Tradicionais, Dinâmicas A e Dinâmicas B. No primeiro, estão agrupados ossegmentos originários do início do processo de industrialização e da primeirafase da substituição de importações, correspondendo aproximadamente à ofer-ta de bens de consumo não duráveis. No segundo, tem-se a produção de bensintermediários da etapa mais avançada da industrialização, enquanto o terceirocompreende os segmentos produtores de bens de capital — aos quais deveriaser acrescida uma parcela da metalurgia — e o grosso da produção de bensduráveis. Mesmo sem desconhecer as restrições que podem ser feitas a essatipologia, a sua adoção, nesse caso, torna-se impositiva pela necessidade dese dar continuidade à linha de investigação anteriormente proposta.5

Ao mesmo tempo, deve-se advertir que a Pesquisa Industrial Anual-Empre-sa do IBGE de 1998 (PIA/1998), que constitui o material empírico da presenteanálise, apresenta os dados de produção em valores, ao contrário da PesquisaIndustrial Mensal, que trabalha com produção física. Assim, a comparação dos

4 Antes da conclusão deste artigo, o IBGE divulgou os dados da PIA referentes aos anosde1999 e 2000. Por uma questão de oportunidade de publicação, não foi possível, porém, aincorporação dos mesmos. Dado o caráter estrutural da abordagem adotada, crê-se, entre-tanto, que isso não trará maiores implicações para as conclusões aqui alcançadas.

5 Sobre a conveniência e desvantagens dessa tipologia de inspiração cepalina, ver Bonelli eGonçalves (1998).

Rubens Soares de Lima

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resultados aqui obtidos com os constantes no texto de Passos e Lima deve serfeita com a devida cautela. Do mesmo modo, é importante ter presente que nolevantamento da PIA, no caso de haver apenas um ou dois informantes, o IBGE,para evitar problemas de individualização, agrega as informações correspondentesna linha “Outros”, que, pela sua heterogeneidade, foi desconsiderada no âmbitodeste trabalho. Como conseqüência desse procedimento, alguns segmentosindustriais podem apresentar uma pequena subestimação, o que, de modo al-gum, chega a comprometer a análise dos resultados. Por uma questão de maiorcomodidade para a exposição da análise, as tabelas utilizadas são apresenta-das ao final do texto.

1.1 - Tradicionais

Os dados da PIA/1998 confirmam plenamente as constatações apresenta-das em Passos e Lima (2000) sobre o alto grau de concentração da produçãogaúcha no grupo das Indústrias Tradicionais. Com efeito, 53,46% do Valor Brutoda Produção (VBP) da indústria de transformação do Estado é gerado por essegrupo, enquanto o das Dinâmicas A e o das Dinâmicas B perfazem, respectiva-mente, 29,88% e 16,66% do total. Esse perfil industrial é bastante próximo doencontrado para o Paraná e Santa Catarina mas, no confronto com o País ecom os Estados de Minas Gerais e São Paulo, o contraste é bastante significa-tivo, ocorrendo, nesses casos, uma nítida diminuição do peso das IndústriasTradicionais.6

Como é assinalado em Bonelli e Gonçalves (1998), à medida que evolui aacumulação industrial, ocorre, como tendência, a perda de participação dessetipo de indústria, em favor das Dinâmicas A e B, fazendo com que os países deindustrialização mais avançada apresentem relativo equilíbrio entre os três gru-pos. Este também tem sido o caminho trilhado pela indústria brasileira ao longodas últimas duas décadas, embora ainda possa ser percebido em 1998 umhiato no percentual referente à produção de bens de capital e de duráveis.7

Como o Paraná e Santa Catarina são estados de industrialização maisrecente e de menor grau de desenvolvimento, é bastante compreensível que

6 Ao mesmo tempo, é interessante notar que as empresas paulistas do grupo das Tradicionais,detendo 28,28% do VBP estadual, apresentam franca hegemonia na oferta nacional, com,aproximadamente, 38%, enquanto as gaúchas respondem por 13%.

7 Sobre a evolução da estrutura industrial do Brasil e dos estados, ver Bonelli e Gonçalves(1998) e Passos e Lima (2000).

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ainda assentem sua base produtiva em indústrias do tipo tradicional. O RioGrande do Sul, porém, que tem um parque manufatureiro bastante consolidado,através de uma longa trajetória, chama atenção não só pelo elevado peso queesse grupo industrial apresentou em 1998, mas, também, pelo fato de o mesmoter, inclusive, reforçado a sua participação nos anos 90 (Passos; Lima, 2000).Na realidade, uma observação mais atenta mostra que a relevância do grupodas Tradicionais no Estado não decorre de uma participação minimamentehomogênea dos nove segmentos que o compõem, mas está calcada, basica-mente, na fabricação de produtos alimentícios e bebidas (27,38%) e na atividadecoureiro-calçadista (12,85%), que, juntas, respondem por 40% do VBP daindústria de transformação. Adicionando-se a estes a fabricação de móveis eindústrias diversas (4,12%) e a fabricação de produtos do fumo (3,76%), consta-ta-se que somente quatro segmentos industriais são responsáveis por 48% dototal da transformação industrial do Estado.

Assim, deve-se ter algum cuidado para que a assertiva corrente de que oEstado apresenta uma matriz industrial bastante diversificada não implique des-conhecer o seu elevado grau de concentração em torno de poucos segmentosde tipo tradicional. E, como entre esses quatro segmentos que concentram,praticamente, a metade da produção industrial gaúcha somente a indústriamoveleira e a de bebidas não são diretamente vinculadas à agropecuária, ficaclaramente exposta a dependência que se estabelece entre o parque fabrilestadual e seu Setor Primário.

Outro aspecto que envolve esses quatro segmentos é que todos eles tam-bém têm expressiva presença na oferta nacional, chegando nos casos de cou-ros e calçados (55,11%) e fumo (40,54%), a caracterizar evidente especializa-ção regional.

No que se refere ao tamanho médio das unidades empresariais, chamaatenção que a escala de produção desse grupo industrial no Rio Grande do Sulé maior do que a média brasileira e, também, do que a dos demais estados aquiconsiderados, inclusive São Paulo. É fácil perceber, porém, que a média esta-dual é fortemente inflacionada pela escala de produção das empresas gaúchasque atuam nos segmentos de fumo e de artefatos de couro e calçados. A indús-tria do fumo, que já era um setor bastante internacionalizado, foi objeto de gran-des investimentos externos realizados a partir da metade dos anos 90, fazendocom que o tamanho médio das unidades produtivas do Estado superasse emmuito o patamar do País. No caso do segmento coureiro-calçadista, além dapresença de grandes empresas voltadas ao mercado internacional, é bastanteprovável que a escala média de produção estadual tenha sido ampliada pelagrande mortalidade de pequenos estabelecimentos, ocorrida na crise desenca-deada pela abertura comercial e pela apreciação cambial. Ainda no que dizrespeito ao tamanho das unidades de produção, vale assinalar que o segmento

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de alimentos e bebidas apresenta uma escala praticamente igual à médiabrasileira, mas menor do que a verificada nos outros estados, exceção feita aMinas Gerais. Essa constatação causa alguma surpresa, tendo em conta oselevados investimentos externos ocorridos nesse segmento na segunda meta-de da década de 90. Com base em operações de joint-ventures e de incorpora-ção de empresas detentoras das mais tradicionais marcas do Estado, as indús-trias aí localizadas foram submetidas a um intenso processo de reestruturação,com o fechamento de várias plantas antigas e o surgimento de novas e moder-nas fábricas. Mesmo sem esquecer que esse processo também ocorreu emoutras regiões do País, dois motivos embasam a suposição de que a suaintensidade tivesse sido maior no Rio Grande do Sul. O primeiro refere-se aofato de que o Estado possuía uma apreciável quantidade de empresas, que, apartir de uma bem estruturada rede de fornecedores e distribuidores, detinhamgrandes fatias do mercado, o que as tornava um atraente investimento. O segundomotivo decorre da circunstância de que, naquele momento, o Rio Grande do Sulaparecia como sendo uma base privilegiada para as empresas desenvolveremsuas estratégias de conquista do Mercosul. De todo modo, é somente a análisede informações mais recentes que poderá mostrar se houve o prosseguimentodesse processo, ou se o mesmo foi abortado pelas dificuldades que se abate-ram sobre o Mercosul.

Quanto aos salários pagos, tem-se, para o conjunto das Tradicionais, amédia de R$ 6.488,70 no Estado contra R$ 7.079,20 do País.8 Essa diferençasalarial, entretanto, é decorrência, unicamente, do viés introduzido por SãoPaulo (R$ 9.864,80), tendo em vista que a média gaúcha é superior aos demaisestados analisados. Essa situação praticamente se repete quando se passapara o exame da produtividade. Ou seja, também para essa variável se tem umvalor pouco abaixo do verificado, para o Brasil, em torno de 6%, o que, igualmen-te, é explicado pelo impacto provocado pelas indústrias paulistas na média doPaís. Portanto, no que tange ao grupo das Tradicionais, a tese enunciada noinício deste texto, segundo a qual a possibilidade de utilizar salários mais bai-xos como elemento compensatório para a menor produtividade constitui umaespecificidade da indústria gaúcha, carece de duas precisões para que possaser esgrimida no final dos anos 90. A primeira é a de que essa situação dizrespeito somente ao enfrentamento da concorrência com as empresas paulistas.A segunda é no sentido de enfatizar que essa possibilidade não representa maisqualquer especificidade gaúcha, uma vez que constitui regra geral para osdemais estados.

8 Para os efeitos deste trabalho, o salário médio é dado pelo dispêndio anual em salários,retiradas e outras remunerações, dividido pelo pessoal ocupado em 31 de dezembro.

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Aliás, no que se refere aos quatro segmentos de maior peso na estruturado RS, chama atenção que três deles apresentam produtividade bem acima daque se registra para o País — produtos alimentícios e bebidas (10%); couro ecalçados (12%); e mobiliário (21%) —, enquanto a do fumo é praticamente igual.9

Essa situação, de certo modo, também se expressa nos salários pagos, umavez que os praticados pelas empresas gaúchas, no caso de alimentos e bebi-das, são praticamente iguais aos do resto do Brasil, sendo maiores nos outrostrês segmentos. Essa constatação choca-se, frontalmente, com a idéia de queé a prática de menores salários que alicerça a competitividade das empresasgaúchas e que garante ao Estado uma destacada posição nacional nessessegmentos industriais. Esta talvez tenha sido uma estratégia necessária e deci-siva no passado. Mas, à medida que as empresas asseguraram liderança nomercado nacional através de escalas de produção adequada, maior produtivida-de e outras vantagens comparativas não contempladas neste estudo, é possívelque tal fato tenha implicado o pagamento de salários mais elevados, em razão,inclusive, da garantia da utilização de uma mão-de-obra mais qualificada.

1.2 - Dinâmicas A

As indústrias gaúchas integrantes do grupo das Dinâmicas A detêm, apro-ximadamente, 6,7% da oferta nacional desses bens. Do ponto de vista da estru-tura interna, esse grupo representa, conforme mencionado anteriormente, 29,88%do VPB/RS. Bem aquém, portanto, do percentual encontrado para o Brasil(38,82%), São Paulo (39,67%) e Minas Gerais (43,88%), lembrando que, nocaso da indústria mineira, a elevada ponderação dos produtos intermediários éexplicada, em grande medida, pela forte presença da metalurgia básica. Anali-sando o período 1985-98, Passos e Lima (2000) apontam que esse grupo indus-trial no Brasil apresentou um comportamento bem diferenciado do observadopara o Estado. Enquanto no País as Dinâmicas A mostram uma participaçãorelativamente estável ao longo de todo o período, no Rio Grande do Sul observa--se uma retração de, aproximadamente, sete pontos percentuais entre as médi-as dos subperíodos 1985-89 e 1993-98. Esse tipo de trajetória é um tanto sur-preendente, uma vez que era de se esperar que a presença do Pólo de Triunfo eseus desdobramentos para cadeia petroquímica instalada no Estado, juntamen-te com a indústria de celulose e de algumas atividades da metalurgia, tivessemprovocado uma forte alavancagem na produção desse grupo industrial.

9 No caso da indústria de couros e calçados e na de fumo, as empresas gaúchas levam vanta-gem, inclusive na comparação com São Paulo, sendo que, na moveleira, as produtividadessão praticamente iguais.

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Dentre os segmentos de maior expressão nesse grupo no RS, têm-se afabricação de produtos químicos10 (10,83%), a fabricação de produtos de metal(4,52%), o refino do petróleo (4,20%) e a fabricação de artigos de borracha eplástico (3,99%). Transparece, assim, que, salvo o destaque da indústriaquímica, esse grupo apresenta uma produção melhor distribuída entre ossegmentos que o compõem do que o apontado no grupo das Tradicionais. Noque diz respeito ao tamanho médio desse grupo, evidencia-se o menor portedas empresas gaúchas quando confrontadas com o Brasil e com os demaisestados, à exceção do Paraná. Aliás, chama atenção que a escala de produçãodesse grupo no Estado é, inclusive, inferior à das empresas que atuam nossegmentos tradicionais, ocorrência que igualmente se verifica no Paraná. Tam-bém em relação aos salários e à produtividade, o Rio Grande do Sul situa-seem posição inferior ao País, com médias de, aproximadamente, 21% e 7% maisbaixas nessas duas variáveis. Vale assinalar, de resto, que a posição do Estadoseria ainda mais distanciada da média nacional não fosse o fato de, no segmen-to de fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucle-ares e produção de álcool, terem sido contabilizadas somente as informaçõesreferentes ao refino de petróleo, o que inflacionou, sobremaneira, os resultadosobtidos para essas duas variáveis. Nesse cenário, um dos poucos segmentosem que o Rio Grande do Sul apresenta maior destaque é na fabricação deprodutos de metal (exclusive máquinas e equipamentos), onde detém, aproxi-madamente, 10% da oferta nacional. A posição mais favorável nesse segmentodeve-se a duas atividades que constituem marcantes êxitos regionais: a dacutelaria, serralheria e ferramentas manuais e a da produção de estruturas me-tálicas e de caldeiraria pesada.

Mas afora esses dois exemplos, aos quais se poderia incorporar o setorda borracha, que, nas informações disponíveis, está agregado com o deplásticos, transparece um visível hiato no estágio de desenvolvimento dessegrupo industrial no Rio Grande do Sul, quando confrontado com o seu congênerenacional.

1.3 - Dinâmicas B

O grupo das Dinâmicas B no Rio Grande do Sul representa a menor fatiada produção industrial do Estado, qual seja, 16,66% do VBP. Esse percentual ésensivelmente menor do que os 25,38% encontrado por Passos e Lima (2000)para a média do período1993-98. A razão para essa discrepância pode ser cre-

10 Inclui a produção farmacêutica, de pouca relevância no Estado.

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ditada tanto a uma distorção introduzida pelos preços relativos quanto a umsuperdimensionamento do gênero da mecânica por parte da amostra da Pesqui-sa Industrial Mensal.11 A par esse problema metodológico, o fato é que a partici-pação desse grupo de indústrias no Estado é menor do que a que ocorre emSanta Catarina e no Paraná e muito abaixo da que se verifica em São Paulo, emMinas Gerais e no País.

Na comparação com o Brasil, as indústrias gaúchas desse grupo apre-sentam diferenças bem significativas no que se refere ao tamanho médio, 60,21contra 49,82 trabalhadores por estabelecimento, ao salário médio de R$ 15.617,00versus R$ 11.418,10, e à produtividade de R$ 45,85 e R$ 33,53 por trabalhadorrespectivamente. A menor dimensão apresentada por essas variáveis no RioGrande do Sul pode ser explicada, em grande parte, pelo tipo de atividades quesão dominantes no âmbito estadual. Ou seja, ao se desagregar o segmento defabricação de máquinas e equipamentos, fica claro que, enquanto no Brasil aprodução se distribui por uma série de ramos, como fabricação de motores,bombas, compressores e equipamentos de transmissão (19% da produção dosegmento); fabricação de máquinas e equipamentos de uso geral (21%); fabri-cação de tratores e de máquinas e equipamentos para a agricultura, avicultura eobtenção de produtos animais (11%); fabricação de outras máquinas de usoespecífico; e fabricação de eletrodomésticos (18%), no Estado esse segmentoestá calcado, basicamente, na fabricação de tratores, máquinas e implementosagrícolas (35%); máquinas e equipamentos de uso geral (29%) e outras máqui-nas de uso específico (16%).

Um aspecto interessante a destacar é o de que também nesse grupo, emramos nos quais o Rio Grande do Sul tem expressão nacional, o tamanhomédio dos estabelecimentos é maior do que a média brasileira. Esses são oscasos, por exemplo, do ramo de tratores, máquinas e implementos agrícolas,no qual o Estado detém cerca de 32% do VBP da oferta nacional e que operacom uma escala média de 53 trabalhadores contra 51 do resto do País, e o dearmas, munições e equipamentos militares, que tem 31% do VBP total desseramo e apresenta o tamanho médio de 319 trabalhadores para 221 do Brasil. Dealgum modo, essa circunstância pode igualmente ser estendida para o ramo demáquinas-ferramentas, que apresenta um tamanho médio de 58 trabalhadoresno Estado, enquanto no País se tem uma escala equivalente a 41 trabalhadorespor unidade de produção. Isto porque, embora o Rio Grande do Sul seja respon-

11 Com base nesses dados, o Núcleo de Contabilidade Social da FEE estimava, em 2001, em25,11% a participação da mecânica na indústria de transformação do RS. Pelos dados daPIA/1998, esse valor é de, aproximadamente, 7,5%.

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sável por apenas 14% do total do VBP do País, esse percentual lhe confere umadestacada segunda posição no ranking nacional, tendo em vista a francahegemonia de São Paulo, que responde por 76% da produção desses bens decapital.

A composição interna da fabricação e montagem de veículos automotores,reboques e carrocerias mostra, igualmente, assimetrias consideráveis noEstado e no Brasil. Enquanto na indústria brasileira predomina a produção deautomóveis, caminhonetes e utilitários (53% do segmento), seguida da fabrica-ção de peças e assessórios para veículos automotores (31%) e da fabricaçãode caminhões e ônibus (10%), na gaúcha existe uma concentração, quase quetotal, em torno da fabricação de cabines, carrocerias e reboques (49%) e daprodução de autopeças (46%). Ressalta, assim, que a menor escala de produ-ção que se observa no Rio Grande do Sul para o conjunto desse segmento estáintimamente relacionada com o tipo de bens que caracteriza a produçãoestadual.

Note-se, também, que permanece válida a regra já apontada, segundo aqual, nas atividades em que o parque fabril gaúcho tem posição de destaqueno cenário nacional, o porte médio das suas empresas aproxima-se ou é mes-mo maior do que a média nacional. É bem significativo, nesse sentido, o exem-plo do ramo de carrocerias e reboques, onde a escala de produção estadual émais do que o dobro da nacional. Em sentido contrário, tem-se a fabricação deautomóveis, caminhonetes e utilitários, que apresenta, na média brasileira, umaocupação de 528 trabalhadores, enquanto no Rio Grande do Sul, onde essaatividade é inexpressiva, o tamanho médio é de apenas 16 trabalhadores porlocal de produção.

2 - Breves comentários sobre os resultados, pequenas provocações ao debate

Conforme se procurou enfatizar no início deste texto, a presença de em-presas de pequeno porte e a estreita vinculação com a base agropecuária foramsempre considerados dois elementos fundamentais para o entendimento do pro-cesso industrial do Rio Grande do Sul. Dada a indiscutível vocação da socieda-de sul-rio-grandense para radicalizar posições, não causa maior surpresa queessas características passassem, também, a dividir a posição dos analistas,no intuito de serem avaliadas como vantagens ou desvantagens decisivas para ocrescimento econômico e a melhor igualdade social. Afora um certo ranço ideo-lógico, presente numa ou noutra posição, é bastante curioso perceber que, viade regra, os dados que informam esse debate datam de 1985, ano do últimoCenso Industrial.

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Nesse sentido, a disponibilização da Pesquisa Industrial Anual referente a1998 constitui uma oportunidade preciosa para que se possa avalizar a pertinênciade teses construídas com base em informações bastante defasadas temporal-mente. A necessidade dessa reavaliação é ainda mais contundente pela consi-deração, já exposta neste trabalho, da profunda ruptura ocorrida no ambienteeconômico, a partir dos anos 90. É nesses limites que são formuladas as obser-vações subseqüentes, adicionando-se, na medida do possível, alguns subsídiosque possam enriquecer a agenda do debate.

O primeiro aspecto a ser abordado refere-se à pergunta sobre se as mu-danças ocorridas nos anos 90 foram capazes de produzir alterações substân-ciais no perfil da indústria gaúcha. De imediato, a resposta parece ser não. Ouseja, as mudanças foram, inclusive, no sentido de reforçar o caráter tradicionaldo seu parque fabril. Ressalve-se, porém, que, nas informações disponíveis,ainda não está sendo considerado o impacto proveniente da implantação daplanta automotiva da GM, que, indiscutivelmente, constitui a novidade maissaliente desse período. Embora de fundo mais qualitativo, outra alteraçãosignificativa que deve ser incorporada nas análises da indústria do Rio Grandedo Sul é o expressivo aumento de seu grau de internacionalização, principal-mente no que tange ao seu setor de agroindústrias.

No que diz respeito à “tese” corrente de que uma das especificidades daindústria gaúcha reside no fato de ela estar alicerçada em empresas de peque-no e médio portes, as evidências apresentadas neste estudo indicam que essaafirmação deve, no mínimo, ser melhor qualificada. Com efeito, ao menos noque se refere ao tamanho médio, percebe-se que, para o conjunto da indústriade transformação, o porte das empresas gaúchas só é menor do que o dasempresas paulistas. Aliás, essa constatação vai ao encontro das conclusõesapresentadas em Passos e Lima (2000), que, trabalhando com os dados daRAIS por estratos de tamanho, registram, para o período 1986-97, que:

a) “(...) o Rio Grande do Sul seguiu a mesma direção da indústriabrasileira no que se refere às modificações nas escalas deprodução. Tanto para o Rio Grande do Sul quanto para todos osestados analisados, ocorreu um aumento de participação donúmero e do emprego dos pequenos estabelecimentos”;

b) “(...) ao contrário da afirmação bastante corrente, o Rio Grande doSul não apresenta qualquer especificidade no que tange àparticipação do número de pequenos estabelecimentos na suaestrutura industrial, tendo em vista que a mesma é praticamenteigual à que se verifica nos demais Estados da Federação, ao longodo período 1986-97. Em 1997, ressalta, porém, que o tamanhomédio dos pequenos e dos grandes estabelecimentos da indústriagaúcha situou-se abaixo da média brasileira”.

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Uma outra maneira de abordar essa questão é a de relacionar o tamanhodo estabelecimento com o tipo de atividade desenvolvida. Assim, mesmo tendoem conta as limitações que se incorre ao definir o tamanho das empresas pelonúmero de pessoal ocupado, transparece que a escala de produção está, emprincípio, correlacionada com a sua área de atuação, de tal sorte que, pelametodologia aqui adotada, o tamanho médio dos estabelecimentos aumenta àmedida que se passa do grupo das Tradicionais para o das Dinâmicas A e Bsucessivamente. Dessa forma, mesmo com o risco da generalização, pode-sedizer que as atividades correlatas ao grupo das Tradicionais são mais propíciasao florescimento de pequenas e médias empresas, uma vez que a escala--padrão das unidades que aí operam é menor. Como no Rio Grande do Sul maisdo que 50% da produção têm origem nesse grupo industrial, a importância dasempresas de pequeno e médio portes decorre, portanto, do próprio perfil daindústria estadual. Chama-se atenção, entretanto, que é preciso ter cuidadopara não inverter os termos da equação. Ou seja, a especificidade não está nofato de esse grupo industrial, no âmbito regional, registrar uma presença ex-pressiva de empresas de menor porte, já que esta é uma ocorrência que severifica nacionalmente. O específico reside, sim, na elevada participação que asIndústrias Tradicionais têm na produção manufatureira do Estado. Adicional-mente, é importante lembrar que, nesse grupo, a escala média de produção dasempresas gaúchas é maior não só do que a média brasileira como, até mesmo,da que se verifica em São Paulo.

Para os outros dois grupos industriais aqui analisados, entretanto, perce-be-se uma nítida desvantagem no tamanho das unidades de produção instala-das no Rio Grande do Sul. Essas diferenças são explicadas, em alguns casos,pela simples diferenciação do tipo de bens que são produzidos no Estado, masem outros, é efetivamente resultado da menor escala de produção das empre-sas gaúchas. Principalmente no que se refere ao grupo das Dinâmicas B, oexame mais detalhado do tipo de bem produzido no Rio Grande do Sul evidenciaa estratégia das empresas gaúchas na ocupação de nichos de mercado quelhes são mais favoráveis. O caso de máquinas e implementos agrícolas espelhabem um dos muitos exemplos, nos quais essa estratégia foi alicerçada a partirda articulação com a base agrícola. Em outros, como o da fabricação de armase munições; cabines e carrocerias; peças e assessórios; e dos ramos maisleves de máquinas-ferramentas, traduz o exemplo de trajetórias empresariais,que, a partir da acumulação de habilidades e conhecimentos originários de suaexperiência histórica, desenvolveram estratégias bem-sucedidas que lhes habi-litaram a conquistar posições privilegiadas nos mercados nacional e interna-cional.

O mais importante, porém, quando se discute o problema do tamanho dasempresas, é ter presente que, independentemente do tipo de atividade, sempreque as indústrias regionais registram presença destacada no cenário nacional,

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a escala de produção observada no Estado é, invariavelmente, maior do que amédia brasileira.

No que tange às perspectivas do crescimento, os argumentos críticos àsIndústrias Tradicionais vão, via de regra, no sentido de mostrar que estas ten-dem a apresentar acanhado dinamismo, uma vez que atuam em mercados combaixas taxas de expansão e elevado grau de concorrência, exigindo o constantedeslocamento de competidores. Além disso, como essas indústrias, em suagrande maioria, se situam em cadeias produtivas articuladas ao Setor Primário,estariam submetidas a uma extensão da “hipótese de Prebisch”, com a cons-tante deterioração dos termos de intercâmbio. Em contraposição a essa linhade argumentação, pode-se apresentar o que Amadeo (2002) designa como a“hipótese de Moore”, segundo a qual, nos últimos anos, o custo desemicondutores e de microprocessadores tem caído pela metade a cada 18meses. E, além do mais, o crescimento dos volumes desses bens tem sidosuperado largamente pela queda dos seus preços. Exemplos marcantes, nessesentido, podem ser vistos no comportamento dos preços de equipamentos decomputação e de máquinas de escritório importados pelos EUA, que teriamcaído, respectivamente, 44% e 16% desde 1982. Em contrapartida, os preçosdos alimentos teriam registrado crescimento em torno de 20%.

Um outro lado da questão que envolve a problemática da articulação dasIndústrias Tradicionais com a base agrícola diz respeito à própria instabilidadeque caracteriza a atividade primária e o constante deslocamento da fonteiraagrícola para outras regiões do País, que tenderiam a introduzir elevado grau devulnerabilidade para o crescimento industrial do Estado.

O que essas breves observações pretendem ressaltar é que essas sãoquestões bastante controvertidas e que merecem, de parte de seus analistas,um exame mais rigoroso e, se possível, menos apaixonado.

Bem menos controvertida e mais descuidada, porém, é a questão queenvolve os salários pagos pelas empresas desse grupo industrial. Afinal, tantopara o Brasil quanto para todos os estados analisados, percebe-se uma grandediferença nos salários médios pagos pelas Indústrias Tradicionais vis-à-vis aospraticados por aquelas que compõem o grupo das Dinâmicas A e B. No RioGrande do Sul, os salários das Tradicionais são, aproximadamente, 34% menordo que a média das Dinâmicas A e 43% menor do que a das Dinâmicas B. Comalguma variação nesses percentuais, essa tipologia é comum ao País e àsdemais regiões da Federação aqui consideradas. Mas, enquanto no Brasil, emSão Paulo e em Minas Gerais o percentual do pessoal ocupado nessas atividadesé de, respectivamente, 51%, 38% e 50%, na indústria gaúcha tem-se que 61%da mão-de-obra se encontra alocada nos segmentos tradicionais.

Essas informações são bastante interessantes, pois permitem um novoenunciado ao problema do emprego, que foge à usual comparação dos salários

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pagos pela indústria gaúcha em relação ao resto do País. Qual seja, o de que,ao privilegiar um perfil fabril com ênfase nos segmentos tradicionais, o Estadotende a gerar empregos que oferecem menor remuneração. Não necessaria-mente porque os salários no Rio Grande do Sul sejam mais baixos do que emoutros estados, mas porque os postos de trabalho do Grupo das IndústriasTradicionais, via de regra, apresentam um patamar de remuneração maisbaixo.12

3 - À guisa de conclusão

O exame dos dados disponíveis para 1998, juntamente com os resultadosobtidos por Passos e Lima (2000) para o período 1985-98 permitem afirmarque as mudanças ocorridas no ambiente macroeconômico nos anos 90 nãoforam de ordem a alterar radicalmente o perfil estrutural da indústria gaúcha. Naverdade, o acontecimento mais significativo que pode ser percebido é o reforçode sua característica histórica de basear a sua produção nas Indústrias Tradi-cionais, mantendo um forte vínculo com sua base agropecuária. Ressalve--se, entretanto, que os dados utilizados ainda não captam os impactos dosefeitos decorrentes da implantação da fábrica da GM, que podem introduzirmudanças significativas nesse panorama.

No que se refere a algumas singularidades que fundaram o processo deindustrialização do Rio Grande do Sul, as evidências apontam no sentido de queas assimetrias entre o parque fabril gaúcho e o nacional se tornam, cada vezmais, esmaecidas. Embora persista, em vários casos, a propensão das empre-sas gaúchas atuarem em nichos de mercado, é visível a existência de um movi-mento de homogeneização dos seus indicadores com a média nacional. Caso,por exemplo, do tamanho médio dos estabelecimentos, do salário médio e daprodutividade média. Note-se, porém, que essa constatação não abrange a in-dústria paulista, que ainda mantém, no geral, considerável distância da médiabrasileira.

A observação, em nível de grande agregado, do grupo das Indústrias Dinâ-micas A e B parece desmentir a afirmação anterior, tendo em vista que a indús-tria gaúcha apresenta, invariavelmente, indicadores bem aquém da média do

12 As ressalvas, no que tange à indústria gaúcha, ficam por conta da fabricação de fumo eda edição, impressão e reprodução de gravações, que apresentam médias salariais de R$15.758,70 e R$ 10.642,10, portanto, muito acima da média industrial do Estado. Vale notar,todavia, que esses dois segmentos representam menos do que 4% do total do pessoalocupado.

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País. Na maioria das vezes, porém, isso é explicado pela diferença das atividadesque são realizadas no Estado. Ou seja, na medida em que se passa a analisaras informações de forma mais desagregadas comparando atividades que produ-zem valores de uso semelhantes, percebe-se uma consistente equalização comos indicadores nacionais.

O movimento mais importante a ser destacado, entretanto, é o de que,quando qualquer atividade industrial do Estado passa a ter expressão nacional,invariavelmente, a sua escala de produção é igual, ou maior, do que a médianacional. Sendo, em alguns casos, superior à própria média do parque paulista.Vale lembrar, também, que, nessas circunstâncias, os salários e a produtivida-de tendem a acompanhar esse movimento.

Embora não tendo sido objeto específico desta análise, outra das possí-veis originalidades da indústria gaúcha que parece ter se esmaecido nos anos90 foi a da escassa presença de empresas estrangeiras. Afinal, são várias asevidências de um intenso processo de internacionalização em segmentos signi-ficativos da produção estadual, como são os casos do setor de alimentos ebebidas e de máquinas e implementos agrícolas.13

Como foi reiteradamente enfatizado, essas notas não têm qualquer pre-tensão de mudar o eixo do entendimento sobre as características do processode industrialização do Rio Grande do Sul, ou de esgotar o debate sobre asconveniências, ou não, de determinado projeto de desenvolvimento. O que seprocura enfatizar é que a disponibilidade de informações mais detalhadas,como as constantes na PIA, indica que algumas “teses” sobre a indústriagaúcha, que permanecem entrincheiradas num maior nível de agregação, devemser melhor qualificadas para que possam dar conta da realidade atual.

13 Sobre o processo de internacionalização do agronegócio na década de 90, ver Benetti(2000).

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Tabela 1

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, no Rio Grande do Sul — 1998

PESSOAL OCUPADO EM 31.12

SALÁRIOS, RETI- RADAS E OUTRAS REMUNERAÇÕES GRUPOS DE ATIVIDADES

NÚMERO DE UNI- DADES LOCAIS

Nº % Valor (R$ 1 000) %

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 12 244 470 084 100,00 3 772 110 100,00 Tradicional ........................................................ 7 555 289 978 61,69 1 881 570 49,88 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 2 147 80 986 17,23 616 635 16,35 Fabricação de produtos do fumo ....................... 43 5 678 1,21 89 478 2,37 Fabricação de produtos têxteis .......................... 327 7 842 1,67 52 847 1,40 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 795 12 514 2,66 65 944 1,75 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 1 314 124 822 26,55 642 770 17,04 Fabricação de produtos de madeira ................. 822 11 610 2,47 58 301 1,55 Edição, impressão e reprodução de gravações 680 14 915 3,17 158 727 4,21 Fabricação de móveis e indústrias diversas ..... 1 418 31 445 6,69 195 537 5,18 Reciclagem ........................................................ 9 166 0,04 1 331 0,04 Dinâmica A ....................................................... 3 199 105 880 22,52 1 043 019 27,65 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel .................................................................. 159 8 094 1,72 86 947 2,30 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool (4) ...................................................... - - - - - Refino de petróleo ............................................. 9 1 206 0,26 43 019 1,14 Fabricação de produtos químicos (5) ................ 442 15 306 3,26 252 625 6,70 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 479 25 765 5,48 195 916 5,19 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos .................................................................... 824 14 581 3,10 88 667 2,35 Metalurgia básica ............................................... 201 7 637 1,62 98 202 2,60 Fabricação de produtos de metal — exclusi-ve máquinas e equipamentos ............................ 1 085 33 291 7,08 277 643 7,36 Dinâmica B ....................................................... 1 490 74 226 15,79 847 521 22,47 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 767 33 848 7,20 377 635 10,01 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 18 749 0,16 7 769 0,21 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 205 9 800 2,08 102 564 2,72 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 54 2 429 0,52 35 190 0,93 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre- cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios ..................... 95 4 082 0,87 33 485 0,89 Fabricação e montagem de veículos automoto-res, reboques e carrocerias ............................... 325 23 022 4,90 288 708 7,65 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte (4) ............................................................. - - - - - Construção e reparação de embarcações ......... 15 129 0,03 821 0,02 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte ................................................................... 11 167 0,04 1 349 0,04

(continua)

Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul

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Tabela 1

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, no Rio Grande do Sul — 1998

VBP INDUSTRIAL VTI

GRUPOS DE ATIVIDADES

Valor (R$ 1 000)

% Valor (R$ 1 000)

%

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 32 218 078 100,00 13 936 389 100,00 Tradicional ........................................................ 17 222 593 53,46 6 888 297 49,43 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 8 821 595 27,38 3 148 768 22,59 Fabricação de produtos do fumo ....................... 1 210 821 3,76 466 200 3,35 Fabricação de produtos têxteis .......................... 317 199 0,98 118 569 0,85 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 402 323 1,25 203 871 1,46 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 4 138 581 12,85 1 794 084 12,87 Fabricação de produtos de madeira ................. 319 505 0,99 135 621 0,97 Edição, impressão e reprodução de gravações 678 160 2,10 424 688 3,05 Fabricação de móveis e indústrias diversas ..... 1 328 426 4,12 591 877 4,25 Reciclagem ........................................................ 5 983 0,02 4 619 0,03 Dinâmica A ....................................................... 9 628 210 29,88 4 559 107 32,71 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel .................................................................. 793 133 2,46 401 063 2,88 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool (4) ...................................................... - - - - Refino de petróleo ............................................. 1 351 652 4,20 923 106 6,62 Fabricação de produtos químicos (5) ................ 3 488 956 10,83 1 252 716 8,99 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 1 284 823 3,99 610 167 4,38 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos .................................................................... 574 206 1,78 297 744 2,14 Metalurgia básica ............................................... 679 156 2,11 307 207 2,20 Fabricação de produtos de metal — exclusi-ve máquinas e equipamentos ............................ 1 456 284 4,52 767 104 5,50 Dinâmica B ....................................................... 5 367 275 16,66 2 488 985 17,86 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 2 408 477 7,48 1 117 644 8,02 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 65 586 0,20 55 676 0,40 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos .............................................................

706 251 2,19 334 580 2,40

Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............

185 883 0,58 95 742 0,69

Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre- cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios ..................... 141 016 0,44 90 653 0,65 Fabricação e montagem de veículos automoto-res, reboques e carrocerias ............................... 1 852 631 5,75 791 254 5,68 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte (4) ............................................................. - - - - Construção e reparação de embarcações ......... 1 082 0,00 607 0,00 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte ................................................................... 6 349 0,02 2 829 0,02

(continua)

Rubens Soares de Lima

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Tabela 1

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, no Rio Grande do Sul — 1998

GRUPOS DE ATIVIDADES TAMANHO

MÉDIO (1)

SALÁRIO MÉDIO

(R$ 1 000)

PERCEN- TUAL DOS SALÁRIOS NO VTI

PRODUTI- VIDADE (2)

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 38,39 8,02 0,27 29,65 Tradicional ........................................................ 38,38 6,49 0,27 23,75 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 37,72 7,61 0,20 38,88 Fabricação de produtos do fumo ....................... 132,05 15,76 0,19 82,11 Fabricação de produtos têxteis .......................... 23,98 6,74 0,45 15,12 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 15,74 5,27 0,32 16,29 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 94,99 5,15 0,36 14,37 Fabricação de produtos de madeira ................. 14,12 5,02 0,43 11,68 Edição, impressão e reprodução de gravações 21,93 10,64 0,37 28,47 Fabricação de móveis e indústrias diversas ..... 22,18 6,22 0,33 18,82 Reciclagem ........................................................ 18,44 8,02 0,29 27,83 Dinâmica A ....................................................... 33,10 9,85 0,23 43,06 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel .................................................................. 50,91 10,74 0,22 49,55 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool (4) ...................................................... - - - - Refino de petróleo ............................................. 134,00 35,67 0,05 765,43 Fabricação de produtos químicos (5) ................ 34,63 16,50 0,20 81,84 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 53,79 7,60 0,32 23,68 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos .................................................................... 17,70 6,08 0,30 20,42 Metalurgia básica ............................................... 38,00 12,86 0,32 40,23 Fabricação de produtos de metal — exclusi-ve máquinas e equipamentos ............................ 30,68 8,34 0,36 23,04 Dinâmica B ....................................................... 49,82 11,42 0,34 33,53 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 44,13 11,16 0,34 33,02 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 41,61 10,37 0,14 74,33 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 47,80 10,47 0,31 34,14 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 44,98 14,49 0,37 39,42 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre- cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios ..................... 42,97 8,20 0,37 22,21 Fabricação e montagem de veículos automoto-res, reboques e carrocerias ............................... 70,84 12,54 0,36 34,37 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte (4) ............................................................. - - - - Construção e reparação de embarcações ......... 8,60 6,36 1,35 4,71 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte ................................................................... 15,18 8,08 0,48 16,94

FONTE: PIA 1998 — IBGE.

(1) Pessoal ocupado em 31.12 dividido pelo número de unidades locais. (2) VTI dividido pelo pessoal ocupado. (3) Exclusive outros. (4) Dado numérico omitido a fim de evitar a individualização da informação. (5) Inclui farmacêutica.

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Tabela 2 Dados gerais das unidades locais industriais, segundo

os grupos de atividades, no Brasil — 1998

PESSOAL OCUPADO EM 31.12

SALÁRIOS, RETI-RADAS E OUTRAS REMUNERAÇÕES GRUPOS DE ATIVIDADES

NÚMERO DE UNI- DADES LOCAIS Nº % Valor

(R$ 1 000) %

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 125 388 4 689 226 100,00 48 348 846 100,00 Tradicional ........................................................ 73 541 2 372 947 50,60 16 798 652 34,74 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 23 263 880 504 18,78 6 881 325 14,23 Fabricação de produtos do fumo ....................... 358 19 897 0,42 305 744 0,63 Fabricação de produtos têxteis ......................... 4 763 252 510 5,38 1 827 031 3,78 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 15 467 343 802 7,33 1 568 317 3,24 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 4 390 246 080 5,25 1 186 307 2,45 Fabricação de produtos de madeira .................. 7 318 174 201 3,71 818 339 1,69 Edição, impressão e reprodução de gravações 7 556 192 319 4,10 2 634 145 5,45 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 10 262 259 879 5,54 1 546 387 3,20 Reciclagem ........................................................ 164 3 755 0,08 31 057 0,06 Dinâmica A ....................................................... 37 636 1 460 612 31,15 18 187 204 37,62 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 2 227 128 376 2,74 1 678 608 3,47 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 344 77 353 1,65 1 317 011 2,72 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 5 577 284 254 6,06 5 493 825 11,36 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 5 657 248 551 5,30 2 479 122 5,13 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 10 628 265 942 5,67 1 977 105 4,09 Metalurgia básica .............................................. 2 481 162 650 3,47 2 582 545 5,34 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 10 722 293 486 6,26 2 658 988 5,50 Dinâmica B ....................................................... 14 211 855 667 18,25 13 362 990 27,64 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 5 873 293 385 6,26 4 094 920 8,47 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 311 13 256 0,28 237 298 0,49 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 2 476 139 155 2,97 1 870 061 3,87 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 898 67 881 1,45 1 212 418 2,51 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios .................... 1 204 49 700 1,06 566 042 1,17 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 2 809 255 206 5,44 4 847 140 10,03 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 640 37 084 0,79 535 111 1,11

(continua)

Rubens Soares de Lima

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71Rubens Soares de Lima

Tabela 2

Dados gerais das unidades locais industriais, segundo os grupos de atividades, no Brasil — 1998

VBP INDUSTRIAL

VTI GRUPOS DE ATIVIDADES

Valor (R$ 1 000) % Valor

(R$ 1 000) %

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 368 668 967 100,00 166 645 362 100,00 Tradicional ........................................................ 135 157 470 36,66 60 032 552 36,02 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 77 647 009 21,06 31 014 179 18,61 Fabricação de produtos do fumo ....................... 2 986 450 0,81 1 643 239 0,99 Fabricação de produtos têxteis ......................... 12 143 817 3,29 5 284 912 3,17 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 8 924 636 2,42 3 751 251 2,25 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 7 509 061 2,04 3 160 296 1,90 Fabricação de produtos de madeira .................. 3 961 555 1,07 1 936 712 1,16 Edição, impressão e reprodução de gravações 13 072 358 3,55 9 113 661 5,47 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 8 773 489 2,38 4 040 828 2,42 Reciclagem ........................................................ 139 095 0,04 87 474 0,05 Dinâmica A ....................................................... 143 124 255 38,82 67 372 638 40,43 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 12 289 860 3,33 6 012 359 3,61 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 16 008 530 4,34 8 765 608 5,26 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 48 913 379 13,27 22 008 877 13,21 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 15 609 567 4,23 7 231 187 4,34 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 13 023 793 3,53 6 923 589 4,15 Metalurgia básica .............................................. 22 863 878 6,20 9 582 278 5,75 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 14 415 248 3,91 6 848 740 4,11 Dinâmica B ....................................................... 90 387 242 24,52 39 240 172 23,55 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 23 573 637 6,39 11 328 041 6,80 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 2 385 626 0,65 936 101 0,56 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 11 070 653 3,00 5 291 207 3,18 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 11 691 760 3,17 4 543 760 2,73 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios .................... 2 739 554 0,74 1 649 516 0,99 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 34 057 401 9,24 13 554 638 8,13 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 4 868 611 1,32 1 936 909 1,16

(continua)

Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 49-92, 2003

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Tabela 2

Dados gerais das unidades locais industriais, segundo os grupos de atividades, no Brasil — 1998

GRUPOS DE ATIVIDADES TAMANHO

MÉDIO (1)

SALÁRIO MÉDIO

(R$ 1 000)

PERCEN- TUAL DOS SALÁRIOS NO VTI

PRODUTI- VIDADE (2)

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 37,40 10,3106 29,01 35,54 Tradicional ........................................................ 32,27 7,0792 27,98 25,30 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 37,85 7,8152 22,19 35,22 Fabricação de produtos do fumo ....................... 55,58 15,3663 18,61 82,59 Fabricação de produtos têxteis ......................... 53,01 7,2355 34,57 20,93 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 22,23 4,5617 41,81 10,91 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 56,05 4,8208 37,54 12,84 Fabricação de produtos de madeira .................. 23,80 4,6977 42,25 11,12 Edição, impressão e reprodução de gravações 25,45 13,6967 28,90 47,39 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 25,32 5,9504 38,27 15,55 Reciclagem ........................................................ 22,90 8,2708 35,50 23,30 Dinâmica A ....................................................... 38,81 12,4518 26,99 46,13 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 57,65 13,0757 27,92 46,83 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 224,86 17,0260 15,02 113,32 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 50,97 19,3272 24,96 77,43 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 43,94 9,9743 34,28 29,09 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 25,02 7,4343 28,56 26,03 Metalurgia básica .............................................. 65,56 15,8779 26,95 58,91 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 27,37 9,0600 38,82 23,34 Dinâmica B ....................................................... 60,21 15,6170 34,05 45,86 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 49,95 13,9575 36,15 38,61 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 42,62 17,9012 25,35 70,62 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 56,20 13,4387 35,34 38,02 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 75,59 17,8609 26,68 66,94 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios .................... 41,28 11,3892 34,32 33,19 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 90,85 18,9930 35,76 53,11 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 57,94 14,4297 27,63 52,23

FONTE: PIA 1998 — IBGE. (1) Pessoal ocupado em 31.12 dividido pelo número de unidades locais. (2) VTI dividido pelo pessoal ocupado. (3) Exclusive outros. (4) Inclui farmacêutica.

Rubens Soares de Lima

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Tabela 3

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, em Santa Catarina — 1998

PESSOAL OCUPADO EM 31.12

SALÁRIOS, RETI- RADAS E OUTRAS REMUNERAÇÕES GRUPOS DE ATIVIDADES

NÚMERO DE UNI- DADES LOCAIS

Nº % Valor (R$ 1 000) %

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 8 448 328 584 100,00 2 402 442 100,00 Tradicional ........................................................ 5 739 207 117 63,03 1 241 838 51,69 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 1 166 56 508 17,20 358 687 14,93 Fabricação de produtos do fumo ....................... 29 366 0,11 8 236 0,34 Fabricação de produtos têxteis ......................... 448 34 293 10,44 278 974 11,61 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 1 564 50 257 15,30 292 120 12,16 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 140 4 095 1,25 14 292 0,59 Fabricação de produtos de madeira .................. 1 213 32 226 9,81 133 217 5,55 Edição, impressão e reprodução de gravações 281 5 017 1,53 38 016 1,58 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 887 23 899 7,27 116 171 4,84 Reciclagem ........................................................ 11 456 0,14 2 125 0,09 Dinâmica A ....................................................... 2 057 77 908 23,71 650 681 27,08 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 144 11 961 3,64 117 423 4,89 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 7 142 0,04 1 533 0,06 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 140 4 023 1,22 41 599 1,73 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 297 19 294 5,87 158 448 6,60 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 780 22 833 6,95 172 621 7,19 Metalurgia básica .............................................. 120 8 563 2,61 81 377 3,39 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 569 11 092 3,38 77 680 3,23 Dinâmica B ....................................................... 652 43 559 13,26 509 923 21,23 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 368 22 272 6,78 281 081 11,70 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 10 112 0,03 1 618 0,07 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 89 10 727 3,26 109 246 4,55 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 25 1 123 0,34 10 166 0,42 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios .................... 31 1 181 0,36 14 445 0,60 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 107 7 106 2,16 86 465 3,60 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 22 1 038 0,32 6 902 0,29

(continua)

Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul

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Tabela 3

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, em Santa Catarina — 1998

VBP INDUSTRIAL

VTI GRUPOS DE ATIVIDADES

Valor (R$ 1 000) % Valor

(R$ 1 000) %

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 17 385 252 100,00 7 855 603 100,00 Tradicional ........................................................ 9 605 034 55,25 4 184 653 53,27 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 4 554 124 26,20 1 667 853 21,23 Fabricação de produtos do fumo ....................... 209 206 1,20 150 742 1,92 Fabricação de produtos têxteis ......................... 1 744 888 10,04 790 524 10,06 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 1 605 531 9,24 841 619 10,71 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 116 916 0,67 41 012 0,52 Fabricação de produtos de madeira .................. 630 430 3,63 319 592 4,07 Edição, impressão e reprodução de gravações 139 309 0,80 90 480 1,15 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 600 334 3,45 279 303 3,56 Reciclagem ........................................................ 4 296 0,02 3 528 0,04 Dinâmica A ....................................................... 4 626 711 26,61 2 150 386 27,37 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 882 361 5,08 438 028 5,58 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 10 842 0,06 1 746 0,02 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 363 613 2,09 155 263 1,98 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 1 198 058 6,89 551 038 7,01 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 1 069 536 6,15 496 981 6,33 Metalurgia básica .............................................. 593 066 3,41 295 164 3,76 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 509 235 2,93 212 166 2,70 Dinâmica B ....................................................... 3 153 507 18,14 1 520 564 19,36 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 1 938 003 11,15 896 698 11,41 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 8 166 0,05 5 033 0,06 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 643 728 3,70 354 965 4,52 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 72 584 0,42 41 089 0,52 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios .................... 80 987 0,47 42 085 0,54 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 364 437 2,10 164 559 2,09 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 45 602 0,26 16 135 0,21

(continua)

Rubens Soares de Lima

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Tabela 3

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, em Santa Catarina — 1998

GRUPOS DE ATIVIDADES TAMANHO

MÉDIO (1)

SALÁRIO MÉDIO

(R$ 1 000)

PERCEN-TUAL DOS SALÁRIOS

NO VTI

PRODUTI- VIDADE (2)

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 38,89 7,31 0,31 23,91 Tradicional ........................................................ 36,09 6,00 0,30 20,20 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 48,46 6,35 0,22 29,52 Fabricação de produtos do fumo ....................... 12,62 22,50 0,05 411,86 Fabricação de produtos têxteis ......................... 76,55 8,14 0,35 23,05 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 32,13 5,81 0,35 16,75 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 29,25 3,49 0,35 10,02 Fabricação de produtos de madeira .................. 26,57 4,13 0,42 9,92 Edição, impressão e reprodução de gravações 17,85 7,58 0,42 18,03 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 26,94 4,86 0,42 11,69 Reciclagem ........................................................ 41,45 4,66 0,60 7,74 Dinâmica A ....................................................... 37,87 8,35 0,30 27,60 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 83,06 9,82 0,27 36,62 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 20,29 10,80 0,88 12,30 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 28,74 10,34 0,27 38,59 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 64,96 8,21 0,29 28,56 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 29,27 7,56 0,35 21,77 Metalurgia básica .............................................. 71,36 9,50 0,28 34,47 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 19,49 - - - Dinâmica B ....................................................... 66,81 11,71 0,34 34,91 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 60,52 12,62 0,31 40,26 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 11,20 14,45 0,32 44,94 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 120,53 10,18 0,31 33,09 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 44,92 9,05 0,25 36,59 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios .................... 38,10 12,23 0,34 35,64 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 66,41 12,17 0,53 23,16 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 47,18 6,65 0,43 15,54

FONTE: PIA 1998 — IBGE. (1) Pessoal ocupado em 31.12 dividido pelo número de unidades locais. (2) VTI dividido pelo pessoal ocupado. (3) Exclusive outros. (4) Inclui farmacêutica.

Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul

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Tabela 4

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, no Paraná — 1998

PESSOAL OCUPADO EM 31.12

SALÁRIOS, RETI- RADAS E OUTRAS REMUNERAÇÕES GRUPOS DE ATIVIDADES

NÚMERO DE UNI-DADES LOCAIS Nº % Valor

(R$ 1 000) %

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 9 926 322 148 100,00 2 495 217 100,00 Tradicional ........................................................ 6 143 198 101 61,49 1 196 690 47,96 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 1 629 71 513 22,20 494 438 19,82 Fabricação de produtos do fumo ....................... 14 1 550 0,48 32 763 1,31 Fabricação de produtos têxteis ......................... 267 9 783 3,04 53 334 2,14 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 1 032 22 921 7,12 73 588 2,95 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 185 4 477 1,39 19 718 0,79 Fabricação de produtos de madeira .................. 1 315 37 390 11,61 180 771 7,24 Edição, impressão e reprodução de gravações 513 13 147 4,08 170 235 6,82 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 1 177 37 204 11,55 170 885 6,85 Reciclagem ........................................................ 11 116 0,04 958 0,04 Dinâmica A ....................................................... 2 815 80 670 25,04 696 612 27,92 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 192 14 566 20,37 162 049 32,77 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 34 7 127 31,09 84 708 115,11 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 383 11 111 3,45 142 716 5,72 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 398 12 532 3,89 83 574 3,35 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 889 14 818 4,60 86 732 3,48 Metalurgia básica .............................................. 151 3 996 1,24 36 980 1,48 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 768 16 520 5,13 99 853 4,00 Dinâmica B ....................................................... 968 43 377 13,46 601 915 24,12 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 396 17 722 5,50 240 991 9,66 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 20 481 0,15 6 669 0,27 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 153 6 685 2,08 71 782 2,88 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 58 3 411 1,06 28 940 1,16 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios .................... 73 1 729 0,54 16 139 0,65 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 234 12 731 3,95 233 726 9,37 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 34 618 0,19 3 668 0,15

(continua)

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Tabela 4

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, no Paraná — 1998

VBP INDUSTRIAL VTI

GRUPOS DE ATIVIDADES

Valor (R$ 1 000) % Valor

(R$ 1 000) %

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 22 012 101 100,00 8 903 923 100,00 Tradicional ........................................................ 11 272 093 51,21 4 441 582 49,88 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 7 101 454 32,26 2 359 177 26,50 Fabricação de produtos do fumo ....................... 415 531 1,89 261 904 2,94 Fabricação de produtos têxteis ......................... 405 801 1,84 198 596 2,23 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 390 031 1,77 154 516 1,74 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 162 020 0,74 57 803 0,65 Fabricação de produtos de madeira .................. 921 687 4,19 437 606 4,91 Edição, impressão e reprodução de gravações 711 606 3,23 507 533 5,70 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 1 159 372 5,27 460 957 5,18 Reciclagem ........................................................ 4 591 0,02 3 490 0,04 Dinâmica A ....................................................... 6 781 229 30,81 2 782 946 31,26 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 1 215 739 17,12 527 057 22,34 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 1 322 488 339,07 639 562 413,91 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 1 902 449 8,64 552 465 6,20 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 688 940 3,13 275 152 3,09 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 779 635 3,54 380 221 4,27 Metalurgia básica .............................................. 279 895 1,27 129 708 1,46 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 592 083 2,69 278 781 3,13 Dinâmica B ....................................................... 3 958 779 17,98 1 679 395 18,86 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 1 456 383 6,62 606 045 6,81 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 68 985 0,31 40 414 0,45 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 669 395 3,04 213 600 2,40 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 380 358 1,73 291 521 3,27 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios .................... 143 288 0,65 83 520 0,94 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 1 223 423 5,56 437 375 4,91 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 16 947 0,08 6 920 0,08

(continua)

Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul

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Tabela 4

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, no Paraná — 1998

GRUPOS DE ATIVIDADES TAMANHO

MÉDIO (1)

SALÁRIO MÉDIO

(R$ 1 000)

PERCEN-TUAL DOS SALÁRIOS NO VTI

PRODUTI- VIDADE (2)

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 32,45 7,7456 28,02 27,64 Tradicional ........................................................ 32,25 6,0408 26,94 22,42 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 43,90 6,9140 20,96 32,99 Fabricação de produtos do fumo ....................... 110,71 21,1374 12,51 168,97 Fabricação de produtos têxteis ......................... 36,64 5,4517 26,86 20,30 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 22,21 3,2105 47,62 6,74 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 24,20 4,4043 34,11 12,91 Fabricação de produtos de madeira .................. 28,43 4,8347 41,31 11,70 Edição, impressão e reprodução de gravações 25,63 12,9486 33,54 38,60 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 31,61 4,5932 37,07 12,39 Reciclagem ........................................................ 10,55 8,2586 27,45 30,09 Dinâmica A ....................................................... 28,66 8,6353 25,03 34,50 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 75,86 11,1252 30,75 36,18 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 209,62 11,8855 13,24 89,74 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 29,01 12,8446 25,83 49,72 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 31,49 6,6688 30,37 21,96 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 16,67 5,8532 22,81 25,66 Metalurgia básica .............................................. 26,46 9,2543 28,51 32,46 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 21,51 6,0444 35,82 16,88 Dinâmica B ....................................................... 44,81 13,8764 35,84 38,72 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 44,75 13,5984 39,76 34,20 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 24,05 13,8649 16,50 84,02 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 43,69 10,7378 33,61 31,95 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 58,81 8,4843 9,93 85,46 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios .................... 23,68 9,3343 19,32 48,31 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 54,41 18,3588 53,44 34,36 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 18,18 5,9353 53,01 11,20

FONTE: PIA 1998 — IBGE. (1) Pessoal ocupado em 31.12 dividido pelo número de unidades locais. (2) VTI dividido pelo pessoal ocupado. (3) Exclusive outros. (4) Inclui farmacêutica.

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Tabela 5

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, em São Paulo — 1998

PESSOAL OCUPADO EM 31.12

SALÁRIOS, RETI- RADAS E OUTRAS REMUNERAÇÕES GRUPOS DE ATIVIDADES

NÚMERO DE UNI-DADES LOCAIS

Nº % Valor (R$ 1 000) %

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 46 569 1 914 730 100,00 26 650 345 100,00 Tradicional ........................................................ 22 785 718 257 37,51 7 085 478 26,59 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 6 001 238 286 12,44 2 792 721 10,48 Fabricação de produtos do fumo ....................... 56 3 056 0,16 73 722 0,28 Fabricação de produtos têxteis ......................... 2 428 112 898 5,90 976 751 3,67 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 5 382 105 396 5,50 616 405 2,31 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 1 397 50 567 2,64 286 418 1,07 Fabricação de produtos de madeira .................. 1 141 26 229 1,37 194 671 0,73 Edição, impressão e reprodução de gravações 2 949 84 212 4,40 1 398 450 5,25 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 3 362 96 375 5,03 734 030 2,75 Reciclagem ........................................................ 69 1 238 0,06 12 310 0,05 Dinâmica A ....................................................... 16 303 685 155 35,78 10 183 156 38,21 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 1 213 65 562 3,42 1 017 397 3,82 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 149 28 016 1,46 449 205 1,69 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 2 488 153 758 8,03 3 609 603 13,54 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 3 009 131 460 6,87 1 600 380 6,01 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 3 232 91 878 4,80 916 365 3,44 Metalurgia básica .............................................. 1 067 60 533 3,16 966 571 3,63 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 5 145 153 948 8,04 1 623 635 6,09 Dinâmica B ....................................................... 7 480 511 318 26,71 9 381 711 35,20 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 3 133 171 303 8,95 2 712 778 10,18 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 186 8 493 0,44 180 907 0,68 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 1 454 83 247 4,35 1 308 711 4,91 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 514 38 914 2,03 856 179 3,21 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios .................... 642 26 584 1,39 358 721 1,35 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 1 288 164 501 8,59 3 622 355 13,59 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 263 18 276 0,95 342 060 1,28

(continua)

Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul

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Tabela 5

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, em São Paulo — 1998

VBP INDUSTRIAL VTI

GRUPOS DE ATIVIDADES

Valor (R$ 1 000) % Valor

(R$ 1 000) %

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 183 166 988 100,00 85 385 871 100,00 Tradicional ........................................................ 51 804 002 28,28 24 357 017 28,53 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 28 073 237 15,33 12 096 423 14,17 Fabricação de produtos do fumo ....................... 136 461 0,07 65 771 0,08 Fabricação de produtos têxteis ......................... 6 026 877 3,29 2 533 019 2,97 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 3 963 042 2,16 1 476 985 1,73 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 1 376 913 0,75 514 503 0,60 Fabricação de produtos de madeira .................. 874 326 0,48 439 183 0,51 Edição, impressão e reprodução de gravações 7 546 984 4,12 5 397 981 6,32 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 3 734 898 2,04 1 796 931 2,10 Reciclagem ........................................................ 71 264 0,04 36 221 0,04 Dinâmica A ....................................................... 72 661 956 39,67 35 086 498 41,09 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 6 922 835 3,78 3 319 078 3,89 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 8 288 719 4,53 4 503 470 5,27 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 28 011 584 15,29 13 675 089 16,02 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 9 509 317 5,19 4 488 771 5,26 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 5 065 295 2,77 2 687 028 3,15 Metalurgia básica .............................................. 6 644 071 3,63 2 594 115 3,04 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 8 220 135 4,49 3 818 947 4,47 Dinâmica B ....................................................... 58 701 031 32,05 25 942 358 30,38 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 14 804 090 8,08 7 237 678 8,48 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 1 536 563 0,84 594 472 0,70 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 7 351 170 4,01 3 607 936 4,23 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 7 316 236 3,99 2 891 900 3,39 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios ..................... 1 528 473 0,83 920 503 1,08 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 23 771 250 12,98 9 698 993 11,36 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 2 393 249 1,31 990 876 1,16

(continua)

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Tabela 5

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, em São Paulo — 1998

GRUPOS DE ATIVIDADES TAMANHO

MÉDIO (1)

SALÁRIO MÉDIO

(R$ 1 000)

PERCEN-TUAL DOS SALÁRIOS NO VTI

PRODUTI- VIDADE (2)

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 41,12 13,9186 31,21 44,59 Tradicional ........................................................ 31,52 9,8648 29,09 33,91 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 39,71 11,7200 23,09 50,76 Fabricação de produtos do fumo ....................... 54,57 24,1237 112,09 21,52 Fabricação de produtos têxteis ......................... 46,50 8,6516 38,56 22,44 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 19,58 5,8485 41,73 14,01 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 36,20 5,6641 55,67 10,17 Fabricação de produtos de madeira .................. 22,99 7,4220 44,33 16,74 Edição, impressão e reprodução de gravações 28,56 16,6063 25,91 64,10 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 28,67 7,6164 40,85 18,65 Reciclagem ........................................................ 17,94 9,9435 33,99 29,26 Dinâmica A ....................................................... 42,03 14,8626 29,02 51,21 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 54,05 15,5181 30,65 50,63 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 188,03 16,0339 9,97 160,75 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 61,80 23,4759 26,40 88,94 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 43,69 12,1739 35,65 34,15 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 28,43 9,9737 34,10 29,25 Metalurgia básica .............................................. 56,73 15,9677 37,26 42,85 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 29,92 10,5466 42,52 24,81 Dinâmica B ....................................................... 68,36 18,3481 36,16 50,74 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 54,68 15,8361 37,48 42,25 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 45,66 21,3007 30,43 70,00 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 57,25 15,7208 36,27 43,34 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 75,71 22,0018 29,61 74,32 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios ..................... 41,41 13,4939 38,97 34,63 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 127,72 22,0203 37,35 58,96 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 69,49 18,7163 34,52 54,22

FONTE: PIA 1998 — IBGE. (1) Pessoal ocupado em 31.12 dividido pelo número de unidades locais. (2) VTI dividido pelo pessoal ocupado. (3) Exclusive outros. (4) Inclui farmacêutica.

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Tabela 6

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, em Minas Gerais — 1998

PESSOAL OCUPADO EM 31.12

SALÁRIOS, RETI- RADAS E OUTRAS REMUNERAÇÕES GRUPOS DE ATIVIDADES

NÚMERO DE UNI- DADES LOCAIS

Nº % Valor

(R$ 1 000) %

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 15 011 468 929 100,00 3 706 192 100,00 Tradicional ........................................................ 9 649 234 694 50,05 1 232 235 33,25 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 3 739 92 181 19,66 557 588 15,04 Fabricação de produtos do fumo ....................... 29 2 132 0,45 31 413 0,85 Fabricação de produtos têxteis ......................... 517 35 853 7,65 195 068 5,26 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 2 228 40 700 8,68 117 171 3,16 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 719 17 928 3,82 60 189 1,62 Fabricação de produtos de madeira .................. 461 6 331 1,35 27 153 0,73 Edição, impressão e reprodução de gravações 780 13 594 2,90 122 811 3,31 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 1 149 25 270 5,39 116 265 3,14 Reciclagem ........................................................ 27 705 0,15 4 577 0,12 Dinâmica A ....................................................... 4 223 160 860 34,30 1 620 241 43,72 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 122 6 799 1,45 61 292 1,65 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 25 5 040 1,07 73 250 1,98 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 557 23 846 5,09 215 130 5,80 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 362 13 573 2,89 99 564 2,69 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 1 461 33 538 7,15 219 683 5,93 Metalurgia básica .............................................. 505 43 955 9,37 709 005 19,13 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 1 191 34 109 7,27 242 317 6,54 Dinâmica B ....................................................... 1 139 73 375 15,65 853 716 23,03 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 402 18 722 3,99 183 039 4,94 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 20 963 0,21 10 503 0,28 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 197 11 570 2,47 94 876 2,56 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 67 3 414 0,73 27 873 0,75 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios ..................... 106 4 492 0,96 36 782 0,99 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 308 32 696 6,97 480 967 12,98 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 39 1 518 0,32 19 676 0,53

(continua)

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83Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul

Tabela 6

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, em Minas Gerais — 1998

VBP INDUSTRIAL VTI

GRUPOS DE ATIVIDADES

Valor (R$ 1 000) % Valor

(R$ 1 000) %

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 34 588 606 100,00 14 498 733 100,00 Tradicional ........................................................ 11 385 138 32,92 4 992 484 34,43 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 6 642 599 19,20 2 578 816 17,79 Fabricação de produtos do fumo ....................... 917 829 2,65 653 329 4,51 Fabricação de produtos têxteis ......................... 1 352 360 3,91 584 954 4,03 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 639 368 1,85 258 911 1,79 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 411 611 1,19 145 051 1,00 Fabricação de produtos de madeira .................. 131 929 0,38 56 301 0,39 Edição, impressão e reprodução de gravações 495 052 1,43 338 183 2,33 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 775 333 2,24 362 844 2,50 Reciclagem ........................................................ 19 057 0,06 14 095 0,10 Dinâmica A ....................................................... 15 178 433 43,88 6 769 791 46,69 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 616 721 1,78 352 639 2,43 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 1 075 084 3,11 589 698 4,07 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 2 614 631 7,56 861 009 5,94 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 667 219 1,93 283 046 1,95 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 1 892 331 5,47 1 120 889 7,73 Metalurgia básica .............................................. 6 780 349 19,60 2 808 510 19,37 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 1 532 098 4,43 754 000 5,20 Dinâmica B ....................................................... 8 025 035 23,20 2 736 458 18,87 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 1 066 140 3,08 469 946 3,24 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 69 215 0,20 23 228 0,16 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 557 514 1,61 198 761 1,37 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 156 713 0,45 84 757 0,58 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios ..................... 116 712 0,34 68 965 0,48 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 5 921 364 17,12 1 836 390 12,67 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 137 377 0,40 54 411 0,38

(continua)

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Tabela 6

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, em Minas Gerais — 1998

GRUPOS DE ATIVIDADES TAMANHO

MÉDIO (1)

SALÁRIO MÉDIO

(R$ 1 000)

PERCEN-TUAL DOS SALÁRIOS NO VTI

PRODUTI- VIDADE (2)

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (3) ....... 31,24 7,9035 25,56 30,92 Tradicional ........................................................ 24,32 5,2504 24,68 21,27 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 24,65 6,0488 21,62 27,98 Fabricação de produtos do fumo ....................... 73,52 14,7341 4,81 306,44 Fabricação de produtos têxteis ......................... 69,35 5,4408 33,35 16,32 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 18,27 2,8789 45,26 6,36 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados ............ 24,93 3,3573 41,50 8,09 Fabricação de produtos de madeira .................. 13,73 4,2889 48,23 8,89 Edição, impressão e reprodução de gravações 17,43 9,0342 36,31 24,88 Fabricação de móveis e indústrias diversas ...... 21,99 4,6009 32,04 14,36 Reciclagem ........................................................ 26,11 6,4922 32,47 19,99 Dinâmica A ....................................................... 38,09 10,0724 23,93 42,08 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ................................................................. 55,73 9,0149 17,38 51,87 Fabricação de coque, refino de petróleo, elabo-ração de combustíveis nucleares e produção de álcool ............................................................ 201,60 14,5337 12,42 117,00 Fabricação de produtos químicos (4) ................ 42,81 9,0216 24,99 36,11 Fabricação de artigos de borracha e plástico .... 37,49 7,3354 35,18 20,85 Fabricação de produtos de minerais não-metá-licos ................................................................... 22,96 6,5503 19,60 33,42 Metalurgia básica .............................................. 87,04 16,1302 25,24 63,90 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ................................ 28,64 7,1042 32,14 22,11 Dinâmica B ....................................................... 64,42 11,6350 31,20 37,29 Fabricação de máquinas e equipamentos ......... 46,57 9,7767 38,95 25,10 Fabricação de máquinas para escritório e equi-pamentos de informática ................................... 48,15 10,9065 45,22 24,12 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos ............................................................. 58,73 8,2002 47,73 17,18 Fabricação de material eletrônico e de apare-lhos e equipamentos de comunicações ............ 50,96 8,1643 32,89 24,83 Fabricação de equipamentos de instrumenta-ção médico-hospitalares, instrumentos de pre-cisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios ..................... 42,38 8,1883 53,33 15,35 Fabricação e montagem de veículos automo-tores, reboques e carrocerias ........................ 106,16 14,7103 26,19 56,17 Fabricação de outros equipamentos de trans-porte .................................................................. 38,92 12,9618 36,16 35,84

FONTE: PIA 1998 — IBGE. (1) Pessoal ocupado em 31.12 dividido pelo número de unidades locais. (2) VTI dividido pelo pessoal ocupado. (3) Exclusive outros. (4) Inclui farmacêutica.

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Tabela 7

VBP e VTI do Rio Grande do Sul em relação ao do Brasil — 1998

RIO GRANDE DO SUL (R$ 1 000) GRUPOS DE ATIVIDADES

VBP (A) VTI (B)

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (1) .................... 32 218 078 13 936 389 Tradicional ..................................................................... 17 222 593 6 888 297 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas ........... 8 821 595 3 148 768 Fabricação de produtos do fumo .................................... 1 210 821 466 200 Fabricação de produtos têxteis ....................................... 317 199 118 569 Confecção de artigos do vestuário e acessórios .......... 402 323 203 871 Preparação de couros e fabricação de artefatos de cou-ro, artigos de viagem e calçados .................................... 4 138 581 1 794 084 Fabricação de produtos de madeira ............................... 319 505 135 621 Edição, impressão e reprodução de gravações .............. 678 160 424 688 Fabricação de móveis e indústrias diversas ................... 1 328 426 591 877 Reciclagem ..................................................................... 5 983 4 619 Dinâmica A .................................................................... 9 628 210 4 559 107 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ....... 793 133 401 063 Fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool ................ 1 351 652 923 106 Fabricação de produtos químicos (2) .......................... 3 488 956 1 252 716 Fabricação de artigos de borracha e plástico ................. 1 284 823 610 167 Fabricação de produtos de minerais não-metálicos ....... 574 206 297 744 Metalurgia básica ............................................................ 679 156 307 207 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ............................................................... 1 456 284 767 104 Dinâmica B ..................................................................... 5 367 275 2 488 985 Fabricação de máquinas e equipamentos ...................... 2 408 477 1 117 644 Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática .................................................................. 65 586 55 676 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétri-cos ................................................................................... 706 251 334 580 Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações .................................... 185 883 95 742 Fabricação de equipamentos de instrumentação médi-co-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios ......................................................................... 141 016 90 653 Fabricação e montagem de veículos automotores, rebo-ques e carrocerias .......................................................... 1 852 631 791 254 Fabricação de outros equipamentos de transporte ......... 7 431 3 436

(continua)

Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul

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Tabela 7

VBP e VTI do Rio Grande do Sul em relação ao do Brasil — 1998

BRASIL (R$ 1 000) GRUPOS DE ATIVIDADES

VBP (C) VTI (D) INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (1) .................... 368 668 967 166 645 362 Tradicional ..................................................................... 135 157 470 60 032 552 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas ........... 77 647 009 31 014 179 Fabricação de produtos do fumo ..................................... 2 986 450 1 643 239 Fabricação de produtos têxteis ....................................... 12 143 817 5 284 912 Confecção de artigos do vestuário e acessórios .......... 8 924 636 3 751 251 Preparação de couros e fabricação de artefatos de cou-ro, artigos de viagem e calçados ..................................... 7 509 061 3 160 296 Fabricação de produtos de madeira ................................ 3 961 555 1 936 712 Edição, impressão e reprodução de gravações .............. 13 072 358 9 113 661 Fabricação de móveis e indústrias diversas ................... 8 773 489 4 040 828 Reciclagem ..................................................................... 139 095 87 474 Dinâmica A ..................................................................... 143 124 255 67 372 638 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ........ 12 289 860 6 012 359 Fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool ................ 16 008 530 8 765 608 Fabricação de produtos químicos (2) ............................. 48 913 379 22 008 877 Fabricação de artigos de borracha e plástico ................. 15 609 567 7 231 187 Fabricação de produtos de minerais não-metálicos ........ 13 023 793 6 923 589 Metalurgia básica ............................................................ 22 863 878 9 582 278 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ............................................................... 14 415 248 6 848 740 Dinâmica B ..................................................................... 90 387 242 39 240 172 Fabricação de máquinas e equipamentos ...................... 23 573 637 11 328 041 Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática .................................................................. 2 385 626 936 101 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétri-cos ................................................................................... 11 070 653 5 291 207 Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações .................................... 11 691 760 4 543 760 Fabricação de equipamentos de instrumentação médi-co-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios ......................................................................... 2 739 554 1 649 516 Fabricação e montagem de veículos automotores, rebo-ques e carrocerias ........................................................... 34 057 401 13 554 638 Fabricação de outros equipamentos de transporte ......... 4 868 611 1 936 909

(continua)

Rubens Soares de Lima

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Tabela 7

VBP e VTI do Rio Grande do Sul em relação ao do Brasil — 1998

∆% GRUPOS DE ATIVIDADES A/C B/D

INDÚSTRIAS DE TRANSFORMAÇÃO (1) .................... 8,74 8,36 Tradicional ..................................................................... 12,74 11,47 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas .............. 11,36 10,15 Fabricação de produtos do fumo ..................................... 40,54 28,37 Fabricação de produtos têxteis ....................................... 2,61 2,24 Confecção de artigos do vestuário e acessórios ............. 4,51 5,43 Preparação de couros e fabricação de artefatos de cou-ro, artigos de viagem e calçados ..................................... 55,11 56,77 Fabricação de produtos de madeira ................................ 8,07 7,00 Edição, impressão e reprodução de gravações .............. 5,19 4,66 Fabricação de móveis e indústrias diversas ................... 15,14 14,65 Reciclagem ...................................................................... 4,30 5,28 Dinâmica A ..................................................................... 6,73 6,77 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel ........ 6,45 6,67 Fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool ................ 8,44 10,53 Fabricação de produtos químicos (2) ............................. 7,13 5,69 Fabricação de artigos de borracha e plástico ................. 8,23 8,44 Fabricação de produtos de minerais não-metálicos ........ 4,41 4,30 Metalurgia básica ............................................................ 2,97 3,21 Fabricação de produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ............................................................... 10,10 11,20 Dinâmica B ..................................................................... 5,94 6,34 Fabricação de máquinas e equipamentos ................... 10,22 9,87 Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática .................................................................. 2,75 5,95 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétri-cos ................................................................................... 6,38 6,32 Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações .................................... 1,59 2,11 Fabricação de equipamentos de instrumentação médi-co-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios ........................................................................ 5,15 5,50 Fabricação e montagem de veículos automotores, rebo-ques e carrocerias ........................................................... 5,44 5,84 Fabricação de outros equipamentos de transporte ......... 0,15 0,18

FONTE: PIA 1998 — IBGE. (1) Exclusive outros. (2) Inclui farmacêutica.

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88 Rubens Soares de Lima

Tabela 8

Dados gerais das unidades locais industriais, por unidade da Federação, segundo os grupos de atividades, no Rio Grande do Sul — 1998

PESSOAL OCUPADO EM 31.12

SALÁRIOS, RETI- RADAS E OUTRAS REMUNERAÇÕES GRUPOS DE ATIVIDADES

NÚMERO DE UNI-DADES LOCAIS Nº % Valor

(R$ 1 000) %

Fabricação de máquinas e equipa-mentos .................................................... 767 33 848 100,00 377 635 100,00 Fabricação de motores, bombas, com-pressores e equipamentos de transmis-são ........................................................... 76 3 401 10,05 40 683 10,77 Fabricação de máquinas e equipamentos de uso geral ............................................. 187 7 737 22,86 88 052 23,32 Fabricação de tratores e de máquinas e equipamentos para a agricultura, avi-cultura e obtenção de produtos animais .. 169 8 959 26,47 93 922 24,87 Fabricação de máquinas-ferramentas ..... 37 2 173 6,42 36 114 9,56 Fabricação de máquinas e equipamentos para as indústrias de extração mineral e construção .............................................. 9 217 0,64 3 766 1,00 Fabricação de outras máquinas e equipa-mentos de uso específico ........................ 264 7 983 23,58 83 757 22,18 Fabricação de armas, munições e equi-pamentos militares ................................... 4 1 277 3,77 16 289 4,31 Fabricação de eletrodomésticos .............. 21 2 101 6,21 15 052 3,99

VBP INDUSTRIAL

GRUPOS DE ATIVIDADES Valor

(R$ 1 000) %

TAMANHO MÉDIO

(1)

SALÁRIO MÉDIO

(R$ 1 000)

Fabricação de máquinas e equipa-mentos .................................................... 2 408 477 100,00 44,13 11,1568 Fabricação de motores, bombas, com-pressores e equipamentos de transmis-são ........................................................... 167 740 6,96 44,75 11,9621 Fabricação de máquinas e equipamentos de uso geral ............................................. 690 318 28,66 41,37 11,3806 Fabricação de tratores e de máquinas e equipamentos para a agricultura, avi-cultura e obtenção de produtos animais .. 848 533 35,23 53,01 10,4835 Fabricação de máquinas-ferramentas ..... 163 699 6,80 58,73 16,6194 Fabricação de máquinas e equipamentos para as indústrias de extração mineral e construção ............................................... 25 599 1,06 24,11 17,3548 Fabricação de outras máquinas e equi-pamentos de uso específico .................... 376 382 15,63 30,24 10,4919 Fabricação de armas, munições e equi-pamentos militares .................................. 70 037 2,91 319,25 12,7557 Fabricação de eletrodomésticos .............. 66 169 2,75 100,05 7,1642

FONTE: PIA 1998 — IBGE. (1) Pessoal ocupado em 31.12 dividido pelo número de unidades locais.

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Tabela 9

Dados gerais das unidades locais industriais, segundo os grupos de atividades, no Rio Grande do Sul — 1998

PESSOAL OCUPADO EM 31.12

SALÁRIOS, RETI- RADAS E OUTRAS REMUNERAÇÕES GRUPOS DE ATIVIDADES

NÚMERODE UNI- DADES LOCAIS Nº %

Valor (R$ 1 000)

%

Fabricação e montagem de veículos auto-motores, reboques e carrocerias .............. 325 23 022 100,00 288 708 100,00

Fabricação de automóveis, caminhonetas e utilitários.................................................. 8 135 0,59 5 945 2,06

Fabricação de caminhões e ônibus .......... 6 668 2,90 10 537 3,65

Fabricação de cabines, carrocerias e re-boques ...................................................... 108 10 843 47,10 127 555 44,18

Fabricação de peças e acessórios para veículos automotores ............................... 116 10 574 45,93 138 600 48,01

Recondicionamento ou recuperação de motores para veículos automotores .......... 87 801 3,48 6 072 2,10

GRUPOS DE ATIVIDADES VBP

INDUSTRIAL (R$ 1 000)

TAMANHO MÉDIO

(1)

SALÁRIO MÉDIO

(R$ 1 000)

Fabricação e montagem de veículos auto-motores, reboques e carrocerias .............. 1 852 631 70,84 12,5405

Fabricação de automóveis, caminhonetas e utilitários.................................................. - 16,88 44,0370

Fabricação de caminhões e ônibus .......... 75 052 111,33 15,7740

Fabricação de cabines, carrocerias e re-boques ...................................................... 915 009 100,40 11,7638

Fabricação de peças e acessórios para veículos automotores ................................ 850 339 91,16 13,1076

Recondicionamento ou recuperação de motores para veículos automotores .......... 12 230 9,21 7,5805

FONTE: PIA 1998 — IBGE. (1) Pessoal ocupado em 31.12 dividido pelo número de unidades locais.

Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 49-92, 2003

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90 Rubens Soares de Lima

Tabela 10

Dados gerais das unidades locais industriais, segundo os grupos de atividades, no Brasil — 1998

a) máquinas e equipamentos PESSOAL OCUPADO EM 31.12

SALÁRIOS, RETI- RADAS E OUTRAS REMUNERAÇÕES GRUPOS DE ATIVIDADES

NÚMERO DE UNI-DADES LOCAIS Nº %

Valor (R$ 1 000)

%

Fabricação de máquinas e equipamen-tos .............................................................

5 873

293 385

100,00

4 094 920

100,00

Fabricação de motores, bombas, com-pressores e equipamentos de transmis-são ............................................................

838

55 158

18,80

853 621

20,85 Fabricação de máquinas e equipamentos de uso geral ..............................................

1 864

66 462

22,65

873 370

21,33

Fabricação de tratores e de máquinas e equipamentos para a agricultura, avicultu-ra e obtenção de produtos animais ...........

607

31 341

10,68

365 181

8,92 Fabricação de máquinas-ferramentas ...... 389 16 075 5,48 280 513 6,85 Fabricação de máquinas e equipamentos para as indústrias de extração mineral e construção ................................................

211

15 400

5,25

255 113

6,23 Fabricação de outras máquinas e equipa-mentos de uso específico .........................

1 616

60 937

20,77

836 657

20,43

Fabricação de armas, munições e equipa-mentos militares ........................................

24

5 306

1,81

43 113

1,05

Fabricação de eletrodomésticos ............... 323 42 706 14,56 587 352 14,34

GRUPOS DE ATIVIDADES VBP

INDUSTRIAL (R$ 1 000)

TAMANHO MÉDIO

(1)

SALÁRIO MÉDIO

(R$ 1 000) Fabricação de máquinas e equipamen-tos .............................................................

23 573 637

49,95

13,9575

Fabricação de motores, bombas, com-pressores e equipamentos de transmis-são ............................................................

4 505 917

65,82

15,4759 Fabricação de máquinas e equipamentos de uso geral .............................................. 4 938 088 35,66 13,1409 Fabricação de tratores e de máquinas e equipamentos para a agricultura, avicultu-ra e obtenção de produtos animais ...........

2 665 190

51,63

11,6519

Fabricação de máquinas-ferramentas ...... 1 155 811 41,32 17,4503 Fabricação de máquinas e equipamentos para as indústrias de extração mineral e construção ................................................

2 163 377

72,99

16,5658

Fabricação de outras máquinas e equipa-mentos de uso específico .........................

3 565 038

37,71

13,7299

Fabricação de armas, munições e equipa-mentos militares ........................................

225 811

221,08

8,1253

Fabricação de eletrodomésticos ............... 4 354 405 132,22 13,7534

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91Notas à margem da estrutura industrial do Rio Grande do Sul

Tabela 10

Dados gerais das unidades locais industriais, segundo os grupos de atividades, no Brasil — 1998

b) montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias

PESSOAL OCUPADO EM 31.12

SALÁRIOS, RETI- RADAS E OUTRAS REMUNERAÇÕES GRUPOS DE ATIVIDADES

NÚMERO DE UNI-DADES LOCAIS

Nº % Valor

(R$ 1 000) %

Fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias ... 2 809 255 206 100,00 4 847 140 100,00 Fabricação de automóveis, caminhonetas e utilitários ................................................ 125 66 052 25,88 1 938 619 40,00 Fabricação de caminhões e ônibus .......... 31 15 345 6,01 520 486 10,74 Fabricação de cabines, carrocerias e re-boques ...................................................... 634 29 328 11,49 325 292 6,71 Fabricação de peças e acessórios para veículos automotores ................................ 1 210 129 838 50,88 1 972 219 40,69 Recondicionamento ou recuperação de motores para veículos automotores .......... 809 14 643 5,74 90 525 1,87

GRUPOS DE ATIVIDADES VBP

INDUSTRIAL (R$ 1 000)

TAMANHO MÉDIO

(1)

SALÁRIO MÉDIO

(R$ 1 000)

Fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias ... 34 057 401 90,85 18,9930 Fabricação de automóveis, caminhonetas e utilitários ................................................. 17 965 495 528,42 29,3499 Fabricação de caminhões e ônibus .......... 3 549 146 495,00 33,9189 Fabricação de cabines, carrocerias e re-boques ...................................................... 1 824 454 46,26 11,0915 Fabricação de peças e acessórios para veículos automotores ................................ 10 506 673 107,30 15,1898 Recondicionamento ou recuperação de motores para veículos automotores .......... 211 633 18,10 6,1821

FONTE: PIA 1998 — IBGE. (1) Pessoal ocupado em 31.12 dividido pelo número de unidades locais.

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Rubens Soares de Lima

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PIB, tributos, emprego, salários e saldocomercial no agronegócio gaúcho

Eduardo Belisário Finamore Professor da Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis (FEAC) da Universidade de Passo Fundo (UPF), RS, Pesquisador do Centro de Pesquisa e Extensão da FEAC e Doutor em Economia Rural pela Universidade Federal de Viçosa.Marco Antonio Montoya Professor Titular da Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis (FEAC) da Universidade de Passo Fundo (UPF), RS, Pesquisador do Centro de Pesquisa e Extensão da FEAC e Doutor em Economia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), da Universidade de São Paulo.

ResumoEste artigo procura mensurar e caracterizar o agronegócio da economia do Estadodo Rio Grande do Sul para o ano de 1998. A metodologia e os dados utilizadosbaseiam-se nas matrizes de insumo-produto disponibilizadas pela Fundaçãode Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser (FEE). Verificou-se, parao ano de 1998, que o agronegócio respondeu, a preço básico e a preço demercado, por 36,27% e 36,67% do PIB do Estado respectivamente. Em termosrelativos, verificou-se que os impostos indiretos que recaem sobre a agroindústria(29,31%) são maiores do que a média estadual (9,74%). Verificou-se que oagronegócio gaúcho emprega 47,68% do total de trabalhadores do Estado eque o rendimento salarial médio é menor que o do resto da economia. Finalmente,verificou-se que o agronegócio contribui significativamente com divisas viaexportação e que existe um grande espaço para a implementação de programasde substituição de importações no Estado. Assim, conclui-se que o desempenhodo agronegócio é fundamental para o processo de desenvolvimento econômicodo Estado e, portanto, se constitui num alicerce para o desenho de políticaseconômicas.

Palavras-chaveAgronegócio; insumo-produto; emprego.

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AbstractThis article looks for measuring and characterizing the agribusiness of the RioGrande do Sul economy, for the year of 1998. The used methodology and dataare based on the matrix input-output available by the Economy and StatisticsFoundation (FEE) of the Rio Grande do Sul. It was verified for the year of 1998that the agribusiness answered, the basic price and market price, for 36,27%and 36,67% of the State PIB, respectively. In relative terms, it was verified thatthe indirect taxes that fall over the agroindustry (29,31%) are bigger than thestate average (9,74%). It was verified that the gaúcho agribusiness employees47,68% of the total state workers and that the average wage income is lesserthan the remaining portion of the economy. Finally, it was verified that theagribusiness contributes significantly to obtain foreigner currency by exportationand that exists a great space for the implementation of substitution programs ofimportation in the state. Thus, it was concluded that the performance of theagribusiness is fundamental for the process of economic development of thestate and therefore, consists in a foundation for the drawing of economic policies.

Os originais deste artigo foram recebidos por esta Editoria em 17.10.02.

1 - Introdução

Em geral, o agronegócio do Estado do Rio Grande do Sul apresenta, nomeio rural, três tipos diferentes de agriculturas, vinculadas intersetorialmente àsatividades industriais e de serviços: a pecuária extensiva tradicional, as áreasde lavoura empresarial da soja, do arroz e do trigo e a agricultura colonial dapolicultura, do fumo e da uva.

Por causa desses vínculos ou ligações fortes que a agricultura apresentacom os demais setores da economia, seu desempenho tem sido reconhecidocomo componente crítico no processo de desenvolvimento econômico gaúcho,uma vez que a agricultura, com suas relações intersetoriais, contribui com acriação de renda e emprego ao mesmo tempo em que reduz a pobreza e a inse-gurança alimentar.

Frente a esses fatos, que indicam uma dinâmica conjunta da produçãoagropecuária com as agroindústrias e os agrosserviços, os profissionais da áreade economia aplicada vêm adotando o termo agribusiness ou agronegócio, quandose analisa essa dinâmica conjunta de forma sistêmica. Até porque as atividadesligadas à agropecuária gaúcha, segundo Souza (1998), por um lado, apresentamfortes encadeamentos para a frente da produção, o que demonstra que a

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agropecuária é um cliente de sua economia, não só pelas compras de insumoque realiza, mas pela aquisição de bens de consumo duráveis, dinamizando aseconomias urbanas, principalmente por ocasião de boas safras, e, por outro, asagroindústrias apresentam, preponderantemente na produção, fortes ligaçõespara trás em relação aos diversos setores que compõem o sistema econômicogaúcho.

A fim de compreender melhor o contexto econômico global que envolve asatividades do agronegócio, propõe-se, para o ano de 1998, mensurar, com baseem uma perspectiva sistêmica, o PIB do agronegócio, os impostos indiretosque recaem sobre suas atividades, o número de empregos, a renda salarial esua contribuição no saldo da balança comercial estadual. Com isso, espera-sefornecer elementos concretos que contribuam para o tema, até porque, com amensuração do agronegócio e suas implicações no sistema econômico, épossível caracterizar elementos fundamentais para o desenho de políticaseconômicas que induzam a um maior desenvolvimento econômico-social.

Nesse sentido, o artigo está dividido da seguinte maneira: a seção 2 apre-senta, de forma sucinta, a base de dados utilizados e a metodologia de mensura-ção do agronegócio; a seção 3 avalia a estrutura do agronegócio, bem como osimpostos indiretos que incidem sobre seus agregados; a seção 4 caracteriza onúmero de empregos e a renda salarial do agronegócio comparado com outrossetores da economia gaúcha; a seção 5 analisa a contribuição do agronegóciono saldo da balança comercial do Estado; finalmente, as principais conclusõesobtidas no decorrer das análises são apresentadas na última seção.

2 - Metodologia

Para o cálculo do agronegócio, utilizam-se como referencial as metodolo-gias de Davis e Goldberg (1957) e de Malassis (1969). Esse referencial foi utilizado,no Brasil, por Araújo et al. (1990), por Lauschner (1993) e por Furtuoso (1998).Entretanto, pelo fato de esses trabalhos apresentarem dupla contagem namensuração dos principais agregados do agronegócio, novas contribuições deMontoya e Guilhoto (2000), da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e daUniversidade de São Paulo (USP), desenvolvidas por Guilhoto et al. (2000), deMontoya et al. (2001), de Finamore (2001) e de Montoya e Finamore (2001)vieram a superar gradativamente esses problemas. Cabe salientar que, diferente-mente de outras metodologias sobre o dimensionamento do agronegócio, quepretendem captar os segmentos do setor serviços a partir de coeficientes técnicosde produção, a linha de pensamento dos trabalhos acima citados tem comohipótese central — que se considera a mais correta, sem correr riscos desubestimar a dimensão do agronegócio — a de estimar os serviços da economia

PIB, tributos, empregos, salários...

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a partir do consumo final, haja vista que, nessas informações, se encontra ototal de serviços agregados sobre produtos e subprodutos do agronegócio noprocesso circular da economia, distribuindo-se, de modo homogêneo, em todosos setores.

Contudo o conceito para delimitar o setor agroindústria ainda provoca eprovocará polêmica, até porque não se dispõe de informações estatísticas comelevado grau de desagregação.

2.1 - Mensuração do agronegócio

Nessa seção, são ilustrados os procedimentos adotados para a estimativado PIB do agronegócio, que se dá pelo enfoque do produto tanto a preços demercado quanto a preços básicos. O valor total do PIB do agronegócio serádividido em: (a) insumos; (b) o próprio setor; (c) processamento; e (d) distribuiçãoe serviços. Além desse procedimento, para uma análise comparativa doagronegócio com o resto da economia, este trabalho inova com um processo dedesagregação do resto da economia em mais três componentes: indústria,serviços industriais e serviços. Cabe destacar que esse procedimento permite,também, um processo de consolidação metodológica do agronegócio.

A seguir, é exposto o procedimento de mensuração do agronegócio a preçosde mercado, salientando-se que, para calcular o agronegócio a preços básicos,simplesmente devem ser subtraídos os impostos indiretos líquidos ao longo doprocesso de cálculo.

O Valor Adicionado a preços de mercado é obtido pela soma do ValorAdicionado a preços básicos aos impostos indiretos líquidos de subsídios sobreprodutos, subtraída a dummy financeira, resultando na seguinte expressão:

Para o cálculo do PIB do agregado 1, são utilizadas as informaçõesdisponíveis nas tabelas de insumo-produto referentes aos valores dos insumosadquiridos pela agricultura e pela pecuária. A coluna com os valores dos insumos

VAPM = Valor Adicionado a preços de mercado;

VAPB = Valor Adicionado a preços básicos;

IIL = impostos indiretos líquidos;

DuF = dummy financeira.

Onde:

(1)VAPM = VAPB + IIL – DuF

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é multiplicada pelos respectivos Coeficientes de Valor Adicionado Paraobterem os Coeficientes do Valor Adicionado por setor , divide-se o ValorAdicionado a preços de mercado pela produção do setor ou seja,

(CVAq).(CVAq)

(VAPMq) (Xq),

Tem-se, então:

q

n

qqI CVAZPIB ∗=�

=1

(3)

+ Zqs * CVAqs, ou seja, para se estimar o Valor Adicionado do agregado 1,ou setor a montante, multiplicam-se os valores comprados pela agricultura decada atividade pelo coeficiente de valor adicionado dessa atividade. Assim, parase evitar dupla contagem, esses valores estimados devem ser subtraídos dosoutros agregados a seguir, de forma a não haver dupla contagem. Parte doagregado 1 são insumos adquiridos da própria atividade agrícola e da pecuária parte, das atividades de agroindústrias parte, dossetores industriais e parte, dos setores de comércio, transporte eserviços

Para o agregado 2, considera-se, no cálculo, o Valor Adicionado geradopela agricultura e pela pecuária e subtraem-se do Valor Adicionado desses setoresos valores que foram utilizados como insumos, que já foram incorporados noPIB do agregado 1. Tem-se, então, que:

(Zqa* CVAqa); (Zqai* CVAqai );(Zqi* CVAqi );

(Zqs* CVAqs ).

qaqaPMII CVAZVAPIBqa

∗−= (4)

Onde:

q

PMqq X

VACVA = (2)

= valor do insumo da agropecuária adquirido pela própria agropecuária; = PIB do agregado 2 para agricultura e pecuária.Zqa

IIPIB

Zq* CVAq = Zqa* + CVAqa+ Zqai* CVAqai Zqi* CVAqi+Deve-se observar que

q = 1, 2, ..., 28 setores

Onde:

= PIB do agregado 1 (insumos) para agricultura e pecuária; = valor total do insumo do setor q para agricultura e pecuária; = coeficiente de valor adicionado do setor q.

IPIBqZ

qCVA

PIB, tributos, empregos, salários...

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No caso da estimação do agregado 3 (indústrias de base agrícola), adota--se o somatório dos valores adicionados pelos setores agroindustriais, subtraídosdos valores adicionados desses setores que foram utilizados como insumos doAgregado 1, ou seja:

Para fins de definir o valor do produto agroindustrial, utilizou-se a Clas-sificação Industrial Internacional Uniforme (versão 2) de todas as atividadeseconômicas, publicada pela CEPAL (1986), o que pode ser observada no Anexopara o Brasil e para o Rio Grande do Sul. No caso do Rio Grande do Sul, nadefinição do agregado 3, os setores indústria têxtil e fabricação de artigos dovestuário e acessórios não foram considerados, uma vez que eles aparecemagregados no setor demais indústrias na Matriz de Insumo-Produto (MIP) do RioGrande do Sul. Isto porque sua inclusão superestimaria, em grande medida, otamanho do agronegócio do Estado, já que, no setor demais indústrias, estáagregado um número considerável de indústrias de base não agrícola. Como sepode perceber, ao fazer isso, subestima-se, em parte, o agronegócio gaúcho;entretanto esse caminho foi preferido na medida em que não compromete osresultados do agronegócio. Fica a sugestão, para a FEE, de desagregar a matrizdo Estado em um maior número de setores, especialmente os aqui mencionados.

No caso do agregado 4, referente à distribuição final, considera-se, parafins de cálculo, o Valor Agregado dos setores relativos a transporte, comércio eaos segmentos de serviços. Do valor total obtido, destina-se ao agronegócioapenas a parcela que corresponde à participação dos produtos agropecuários eagroindustriais na demanda final de produtos.

Vale salientar que a demanda final doméstica (DFD) desagregada érepresentada por: . . Note-se,

( )� ∗−=qai

qaiqaiPMIII CVAZVAPIBqai

(5)

��� +++=qs

qsqi

qiqai

qaiqa DFDFDFDFDFD

Onde:

ainda, que a soma dos agregados 4, 6 e 7 corresponde à margem de comer-cialização (MC), que representa o Valor Adicionado dos setores de comércio,transporte e outros setores de serviços, rateado com base no peso da demandade cada agregado na demanda final doméstica, como mostram as fórmulas (8),(11) e (12). A relação das atividades de serviços incluídas na margem decomercialização (MC) também pode ser observada no Anexo para o Brasil epara o Rio Grande do Sul.

= valor do insumo da agroindústria adquirido pela agropecuária; = PIB do agregado 3 para agricultura e pecuária.

IIIPIBZqai

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Onde:

(6)DFG IIL PI DFDDF DF− − =

(7)

DFD

DFDFMCPIB qai

qaiqa

IV

�+= * (8)

IVIIIIIIoagronegóci PIBPIBPIBPIBPIB +++= (9)

= demanda final global;= impostos indiretos líquidos pagos pela demanda final;= produtos importados pela demanda final;= demanda final doméstica; = valor adicionado do setor transporte a preços de mercado; = valor adicionado do setor comércio a preços de mercado; = valor adicionado do setor serviços a preços de mercado;

= valor do insumo dos setores de serviços adquiridos pela agropecuária;= demanda final doméstica de agricultura e pecuária;= margem de comercialização;= demanda final doméstica dos setores agroindustriais;= PIB do agregado 4 para agricultura e pecuária.

A sistemática adotada no cálculo do valor da distribuição final do agronegócioindustrial pode ser representada por:

)*()( qsqsPMPMPM CVAZVASVACVAT −++ = MC

IILDF

DFG

PIDF

DFqa

DFqai

PIBIV

DFDVATPM

VACPM

VASPMZqs

MC

Para evitar uma dupla contagem no cálculo do PIB do agronegócio, énecessário subtrair as parcelas de insumos utilizados nos segmentos de serviços,pertencentes ao agregado 1, do Valor Adicionado do setor serviços (fórmula 7).

O PIB total do agronegócio é dado pela soma dos seus agregados, ouseja:

A seguir, é apresentada uma inovação, no sentido de mostrar o PIB doresto da economia de modo desagregado. A indústria é vista como dividida novalor agregado das indústrias de base não agrícolas, além de uma parcela dossetores de transporte, comércio e dos segmentos de serviços.

= PIB do agronegócio para agricultura e pecuária.oagronegóciPIB

Onde:

PIB, tributos, empregos, salários...

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100

(10)( )� ∗−=qi

qiqiPMV CVAZVAPIBqi

Zqi

VPIB

DFqs

VIIPIB

O PIB da indústria (agregado 5) é estimado adotando-se o somatório dosvalores adicionados pelas indústrias que não utilizam insumos agrícolas paraoperar subtraídos dos valores adicionados desses setores que foram utilizadoscomo insumos do agregado 1, ou seja:

= valor do insumo da indústria adquirido pela agropecuária; = PIB do agregado 5 para a indústria.

Para fins de definir o valor do produto industrial, utilizou-se a ClassificaçãoIndustrial Internacional Uniforme (versão 2) de todas as atividades econômicas,o que pode ser observado no Anexo para o Brasil e para o Rio Grande do Sul.

No caso do agregado 6, referente à distribuição final do produto da indústria,também se considera, para fins de cálculo, a parte do valor agregado dos setoresrelativo a transporte, comércio e aos segmentos de serviços, que corresponde àparticipação dos produtos industriais na demanda final de produtos. Portanto, éadotado o mesmo procedimento do cálculo do valor da distribuição final doagronegócio industrial (agregado 4). O agregado 6 pode ser representado por:

DFD

DFMCPIB qi

qi

VI

�= * (11)

Onde:

(12)DFD

DFMCPIB qs

qs

VII

�= *

Onde:

Onde:

Por fim, também o mesmo procedimento é adotado para o cálculo dossegmentos do setor serviços (agregado 7), podendo ser chamado de “serviçospuros”, ou seja, aquela parte dos setores comércio, transporte e serviços quenão foi utilizada pela agroindústria e pela indústria. O agregado 7 pode serrepresentado por:

= demanda final dos setores de comércio, transporte e serviços; = PIB do agregado 7 para os setores de serviços puros.

= demanda final dos setores industriais; = PIB do agregado 6 para os setores industriais.

DFqi

VIPIB

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(14)q

qq X

LCL =

EI

(15)q

n

qqI CLZE ∗=�

=1

(16)qaqaII CLZLEqa

∗−=

(13)VIIVIVIVIIIIIItotal PIBPIBPIBPIBPIBPIBPIBPIB ++++++=

Portanto, o PIB total do sistema econômico como um todo é dado pelasoma de todos os agregados, ou seja:

2.2 - Mensuração da mão-de-obra ocupada e da renda salarial

Para se obter tanto a mão-de-obra ocupada como a renda salarial de cadaagregado do sistema econômico, o processo metodológico é similar ao daobtenção do PIB, numa visão sistêmica, apresentada anteriormente. Contudosão necessárias algumas adequações, mostradas nas fórmulas a seguir.

2.2.1 - Mensuração da mão-de-obra dos agregados

= número de trabalhadores por setor; = coeficiente de trabalhadores por setor;

Onde:

Lq

CLq

q = 1, 2, ..., 43 setores.

Onde:

= número de trabalhadores do agregado 1;

Onde:

= coeficiente de trabalho da agropecuária; = número de trabalhadores do agregado 2;CLqaE II

PIB, tributos, empregos, salários...

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102

(17)( )� ∗−=qai

qaiqaiIII CLZLEqai

= número de trabalhadores do setor transporte; = número de trabalhadores do setor serviços; = número de trabalhadores do setor comércio; = coeficiente de trabalho dos setores de comercialização; = número de trabalhadores nos setores de comercialização; = número de trabalhadores do agregado 4; = demanda final da agropecuária; = demanda final das agroindústrias.

Onde:

(19))*()( qsqs CLZLSLCLT −++ = LCM

DFG IIL PI DFDDF DF− − = (18)

E III = número de trabalhadores do agregado 3.

Onde:

O total de trabalhadores do agronegócio é dado pela soma dos seusagregados, ou seja:

LTLCLSCLqs

LCMLIVDFqa

DFqai

Por sua vez, o número de trabalhadores associado aos agregados 5 e 6são, respectivamente:

(21)

IVIIIIIIoagronegóci LLLLL +++=

(22)( )� ∗−=qi

qiqiV CLZLLqi

Onde:

= coeficientes de trabalho do setor industrial; = número de trabalhadores do agregado 5.CLqi

VL

(20)DFD

DFDFLCML qai

qaiqa

IV

�+= *

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103

= demanda final dos setores industriais; = número de trabalhadores do agregado 6.

DFD

DFLCML qi

qi

VI

�= * (23)

Onde:

DFqiLVI

(24)DFD

DFLCML qs

qs

VII

�= *

= demanda final dos setores de comércio, transporte e serviços; = número de trabalhadores do agregado 7.

Onde:

Portanto, o total de trabalhadores será:

2.2.2 - Mensuração da renda salarial dos agregados

Onde:

DFqs

LVII

(25)VIIVIVIVIIIIIItotal LLLLLLLL ++++++=

(26)q

qq X

SCS =

= renda salarial por setor; = coeficiente de salários por setor;

= 1, 2, ..., 43 setores. q

Sq

CSq

Onde:

= renda salarial do agregado 1;S I

(27)q

n

qqI CSZS ∗=�

=1

PIB, tributos, empregos, salários...

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104

= renda salarial dos setores da agroindústria; = coeficiente de salários da agropecuária;

Onde:

(28)qaqaII CSZSSqa

∗−=

Sqa

CSqa

Onde:

(29)( )� ∗−=qai

qaiqaiIII CSZSSqai

(30)

(31)

Onde:

DFG IIL PI DFDDF DF− − =

(32)DFD

DFDFSCS qai

qaiqa

IV

�+= *

= coeficiente de salários das agroindústrias; = renda salarial do agregado 3.CSqai

SIII

= renda salarial do setor transporte; = renda salarial do setor comércio; = renda salarial do setor serviços; = coeficiente de salários dos setores de comercialização; = renda salarial nos setores de comercialização; = renda salarial do agregado 4.

CSqs

A renda salarial total do agronegócio é dada pela soma dos seus agregados,ou seja:

(33)IVIIIIIIoagronegóci SSSSS +++=

= renda salarial do agregado 2.EII

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)*()( qsqs CSZSSSCST −++= SC

STSCSS

SCSIV

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105

Onde:

(34)

( )� ∗−=qi

qiqiV CSZSSqi

= coeficiente de salários das indústrias; = renda salarial do agregado 5.CSqi

VS

Onde:

= demanda final dos setores industriais; = renda salarial do agregado 6.DFqi

SVI

= demanda final dos setores de comércio, transporte e serviços; = renda salarial do agregado 7.

Onde:

DFqs

SVII

Portanto, a renda salarial total será:

(36)DFD

DFSCS qs

qs

VII

�= *

(35)DFD

DFSCS qi

qi

VI

�= *

(37)VIIVIVIVIIIIIItotal SSSSSSSS ++++++=

2.3 - Fonte de dados

Os dados utilizados foram extraídos das tabelas de insumo-produto e dascontas econômicas integradas do Rio Grande do Sul, do ano de 1998, fornecidaspela FEE. As informações utilizadas são a preços básicos e encontram-se emmilhões de reais de 1998. Para a compilação das matrizes e a obtenção dosvalores de exportação e importação, adotou-se o modelo de tecnologia do setor(Ramos, 1996), cuja hipótese central é a de que a tecnologia é uma característicadas atividades, isto é, a tecnologia para a produção dos produtos é determinadapela atividade que os produz.

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3 - O PIB do agronegócio gaúcho e os impostos indiretos

O agronegócio gaúcho medido a preços básicos chegou a responder por36,27% do PIB estadual de 1998. Como mostra a Tabela 1, do valor total doagronegócio de R$ 21.884 milhões, R$ 1.254 milhões (5,73%) correspondiamàs compras de insumos ou gastos em custeio feitos pelos agricultores (agregado1 ou insumos agropecuários); R$ 5.491 milhões (ou 25,09%) correspondiam àagregação do valor por parte dos produtores rurais em atividades puramenteagrícolas (agregado 2 ou produto rural); R$ 6.465 milhões (ou 29,54%) eramgerados através do processo de industrialização dos produtos (agregado 3 ouagroindústria); e R$ 8.674 milhões (ou 39,63%), via serviços de transporte,armazenamento e comercialização final de mercadorias (agregado 4 ou agros-serviços).

As informações de 1998 indicam, também, que o agregado 2, ou produtoagropecuário, está fortemente vinculado ao setor urbano e, portanto, interconectadoao resto da economia, uma vez que, do produto total do agronegócio, 25,09%são gerados no campo e 74,91% (agregados 1, 3 e 4), na sua maior parte, nosetor urbano.

Esse fato, por sua vez, permite inferir que a agropecuária se constitui numsetor-chave com fortes encadeamentos, não só para os agregados do agrone-gócio como também para a economia gaúcha como um todo.

Avaliando o produto do Rio Grande do Sul a preços de mercado, ou seja,considerando os impostos indiretos líquidos sobre as atividades, percebe-seque há uma elevação na participação do agronegócio para R$ 24.282 milhões,ou 36,67% do PIB estadual — um ganho de 0,40 ponto percentual. Observandoo agregado 3, referente à agroindústria, verifica-se que o valor do produto aumentoupara R$ 8.991 milhões, o que equivale a 34,43% do PIB do agronegócio — umganho de 4,89 pontos percentuais.

Os tributos indiretos (Tabela 2), constituídos pela diferença entre o PIB apreços básicos e a preços de mercado, revelam uma posição interessante dosrumos governamentais em sua busca de recursos dentro do agronegócio. Porexemplo, a carga tributária relativa, obtida pelo quociente entre os tributos indiretose o valor adicionado a preços básicos, que recai sobre o agronegócio, foi maiselevada (10,96%) que a taxa agregada do Estado do Rio Grande do Sul (9,74%).Já essa carga relativa por agregados mostra que a agroindústria (agregado 3) ea indústria (agregado 5) pagaram mais imposto em 1998, uma vez que a sobretaxasobre os fatores primários de produção foram de 29,31% e 20,30% respectiva-mente.

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107

Tabela 1

Agronegócio na estrutura do PIB, a preços básicos e a preços de mercado, do Rio Grande do Sul — 1998

PREÇOS BÁSICOS

AGREGADOS Valores (R$ milhões)

Participação Relativa dos Agregados

no PIB Estadual

(%)

Participação Relativa dos Agregados no PIB do

Agronegócio (%)

A - Insumos agropecuários .................... 1 254 2,08 5,73

B - Produto agropecuário ....................... 5 491 9,10 25,09

C - Agroindústria .................................... 6 465 10,71 29,54

D - Agrosserviços ................................... 8 674 14,37 39,63

PIB do agronegócio (A + B + C + D) ... 21 884 36,27 100,00

E - Indústria ............................................ 12 440 20,62 -

F - Serviços industriais ........................... 9 154 15,17 -

G - Serviços ........................................... 16 862 27,95 -

PIB do resto da economia (E + F + G) 38 456 63,73 -

PIB ESTADUAL (A + B + C + D + E + + F + G) .................................................

60 340

100,00

-

PREÇOS DE MERCADO

AGREGADOS Valores (R$ milhões)

Participação Relativa dos Agregados

no PIB Estadual

(%)

Participação Relativa dos Agregados no PIB do

Agronegócio (%)

A - Insumos agropecuários .................... 1 337 2,02 5,51

B - Produto agropecuário ....................... 5 594 8,45 23,04

C - Agroindústria .................................... 8 359 12,62 34,43

D - Agrosserviços ................................... 8 991 13,58 37,03

PIB do agronegócio (A + B + C + D) ... 24 282 36,67 100,00

E - Indústria ............................................ 14 965 22,60 -

F - Serviços industriais ........................... 9 489 14,33 -

G - Serviços ........................................... 17 480 26,40 -

PIB do resto da economia (E + F + G) 41 934 63,33 -

PIB ESTADUAL (A + B + C + D + E + + F + G) .................................................

66 216

100,00

-

FONTE: Dados da pesquisa.

PIB, tributos, empregos, salários...

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Tabela 2

Tributos indiretos e carga tributária na economia do Rio Grande do Sul — 1998

AGREGADOS VALORES (R$ milhões)

PARTICIPAÇÃO

RELATIVA (%)

A - Insumos agropecuários .......................................... 83 1,42

B - Produto agropecuário ............................................. 102 1,74

C - Agroindústria .......................................................... 1 895 32,24

D - Agrosserviços ........................................................ 318 5,40

Tributos do agronegócio (A + B + C + D) ................ 2 398 40,81

E - Indústria ................................................................. 2 526 42,98

F - Serviços industriais ................................................ 335 5,70

G - Serviços ................................................................. 617 10,51

Tributos do resto da economia (E + F + G) ............. 3 478 59,19

TRIBUTOS DO ESTADO (A + B + C + D + E + F + + G) ..............................................................................

5 876

100,00

AGREGADOS

CARGA TRIBUTÁRIA

RELATIVA (%)

PARTICIPAÇÃO RELATIVA DOS

AGREGADOS NO AGRONEGÓCIO

(%)

A - Insumos agropecuários .......................................... 6,64 3,47

B - Produto agropecuário ............................................. 1,86 4,26

C - Agroindústria .......................................................... 29,31 79,02

D- Agrosserviços ......................................................... 3,66 13,25

Tributos do agronegócio (A + B + C + D) ............... 10,96 100,00

E - Indústria ................................................................. 20,30 -

F - Serviços industriais ................................................ 3,66 -

G - Serviços ................................................................. 3,66 -

Tributos do resto da economia (E + F + G) ............ 9,04 -

TRIBUTOS DO ESTADO (A + B + C + D + E + F + + G) .............................................................................

9,74 -

FONTE: Dados da pesquisa.

Eduardo Belisário Finamore, Marco Antonio Montoya

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Por sua vez, a distribuição dos impostos pagos pelo agronegócio (Gráfico1) em 1998 mostra que, do total de impostos pagos, a agroindústria contribuiucom 79,02%, seguida dos agrosserviços (13,25%), do produto agropecuário(4,26%) e dos insumos agropecuários (3,47%).

Gráfico 1

Participação dos componentes agrícolas na carga de impostos indiretoslíquidos do complexo agroindustrial do Rio Grande do Sul — 1998

Agroindústria(79,02%)

Produto agropecuário(4,26%)

Insumos agropecuários

(3,47%)Agrosserviços

(13,25%)

PIB, tributos, empregos, salários...

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Ainda, de acordo com a distribuição dos impostos, observa-se, em termosabsolutos, que o resto da economia contribui mais para a receita tributária doGoverno, em virtude de essa parte da economia ter um maior peso econômico.Mas, em termos relativos, o agronegócio tem contribuído com maior carga tributá-ria do que o resto da economia, o que é um aparente paradoxo, já que o agrone-gócio, por um lado, contribui fortemente para a geração de divisas no Estado e,por outro, fornece grande parte dos produtos da cesta básica da população.Contudo deve chamar-se atenção de que esse tem sido o papel histórico darelação entre os setores ligados à agricultura e os setores urbano-industriais, ouseja, a extração do excedente econômico da agricultura para o desenvolvimentodos setores urbano-industriais, além da deterioração dos termos de troca contraa agricultura, por captação de poupança mediante o setor bancário concomitan-temente com pesadas tributações.

FONTE: Dados da pesquisa.

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110

Infelizmente, neste trabalho, não se observa o impacto dos tributos diretosmenos as transferências sobre a renda e a produção, por limitação da fonte dedados (FEE), que não traz esses valores desagregados. Mas, em termos agrega-dos, esses tributos, segundo consta nas Contas Econômicas Integradas (CEI)da FEE, correspondem a R$ 2.334 milhões. Esses impostos representam28,43% da receita tributária do Governo e contribuem para um aumento da cargatributária sobre o Valor Adicionado a preços básicos em 3,87%. O Gráfico 2mostra a divisão da receita tributária total do Governo Estadual entre impostosindiretos líquidos e impostos diretos líquidos.

Gráfico 2

Divisão da arrecadação do Governo em impostos indiretose diretos no Rio Grande do Sul — 1998

Eduardo Belisário Finamore, Marco Antonio Montoya

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Vale salientar que o mesmo padrão de maior tributação sobre o agronegócioocorre em termos nacionais. Novamente, esses números não podem ser revela-dos neste trabalho, pois a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) não traz os impostos indiretos desagregados por atividade econômicapara o ano de 1998.

Em síntese, a composição do agronegócio confirma que seus agregadosadicionam significativo valor às matérias-primas, sendo as atividades de proces-samento e distribuição final as que apresentam maior propulsão.

FONTE: Dados da pesquisa.

Tributos indiretos líquidos(71,57%)

Tributos diretos líquidos(28,43%)

Tributos diretoslíquidos

(28,43%)

Tributos indiretoslíquidos

(71,57%)

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3.1 - Tendências estruturais do agronegócio gaúcho

Um quadro comparativo dos agregados do agronegócio gaúcho de 1985 e1998 permite estabelecer algumas tendências estruturais de sua economia.

Em função da inovação tecnológica na produção rural, da intensificação deprodutos agropecuários e da maior oferta de serviços que isso implica, espera--se um incremento da renda e, portanto, do tamanho do agronegócio. Contudo,pelo fato de existirem outros complexos industriais dinâmicos em franca expan-são, tais como o mecânico, o automotor, etc., associado à crescente demandade serviços do sistema econômico, a participação relativa do agronegócio noPIB estadual apresenta uma tendência gradativa à diminuição, uma vez que, em1985, o agronegócio respondia por 43,85% do PIB e, em 1998, por 36,27%.

Os agregados do agronegócio, por sua vez, mostram tendências diferencia-das. Por exemplo, os agregados 1 (insumos agropecuários) e 2 (produto agrope-cuário), no período, tendem a uma participação menor no produto total. Isso nãosignifica a diminuição do consumo de máquinas e insumos modernos por partedos produtores, nem a perda de produtividade na produção agropecuária; pelocontrário, no agronegócio gaúcho, as atividades desses agregados não somenteincorporaram o uso de insumos modernos, como também os tornaram extrema-mente competitivos no mercado internacional de commodities agrícolas, emrazão de ganhos elevados de produtividade.

Tabela 3 Estrutura do agronegócio no Rio Grande do Sul — 1985 e 1998

(%)

AGREGADOS 1985 1998

A - Insumos agropecuários ........................................... 13,82 5,73

B - Produto agropecuário ............................................... 28,69 25,09

C - Agroindústria ............................................................ 21,82 29,54

D - Agrosserviços ........................................................... 35,68 39,63

PIB DO AGRONEGÓCIO (A + B + C + D) .................... 100,00 100,00

Participação relativa do agronegócio no PIB esta-dual .............................................................................. 43,85

36,27

FONTE: Para 1985: MONTOYA, M. A. et al. O agronegócio nos estados da Região Sul no período de 1985 a 1995. Revista Economia Aplicada, São Paulo: USP, v. 5, n. 1, p. 99-127, jan./mar. 2001.

MONTOYA, M. A. et al. O agronegócio brasileiro e dos estados da Região Sul: dimensão econômica e tendências estruturais. Passo Fundo, RS: UPF Editora, 2002. p. 95.

FONTE: Para 1998: dados da pesquisa.

PIB, tributos, empregos, salários...

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A razão pela qual os agregados 1 e 2 estão perdendo participação relativano produto total se deve, fundamentalmente, ao maior valor agregado que inseremno produto rural as agroindústrias e os agrosserviços. Isto é, o mercado deconsumo vem exigindo, nas mercadorias, maior industrialização, diversificaçãode alimentos e maiores serviços para atender à população, quase que exclusi-vamente urbana.

Deve-se chamar atenção, nesse sentido, que, dentre os componentes doagronegócio, a predominância relativa dos agrosserviços sobre os outrosagregados vem se tornando maior, deixando em evidência a consolidação de umnovo perfil do agronegócio gaúcho na geração de renda, ou seja, um maiorcrescimento econômico, através da agregação máxima de serviços sobre osprodutos rurais in natura e/ou processados.

4 - O emprego no agronegócio gaúcho

Uma questão crítica para a sociedade como um todo é o emprego de mão--de-obra, visto que, quando há desemprego, isso significa que a produção totalestá abaixo do seu nível potencial, e o desempregado, enquanto pessoa, sofretanto pela perda de renda como pelo baixo nível de auto-estima. Portanto, oemprego da mão-de-obra torna-se uma preocupação pública e um tópico depesquisa permanente na medida em que possibilita identificar elementos funda-mentais para a política econômica.

Nesse contexto, verifica-se que o agronegócio desempenha um papelimportante na economia gaúcha, pois, do total de trabalhadores no Estado(4.907.730 empregados), 47,68% (ou 2.328.067 pessoas) estão empregados noagronegócio. Isto, associado a sua participação no PIB estadual (36,27%), indica,por um lado, que a importância relativa das atividades do agronegócio no empregoé maior que no valor adicionado e, por outro, que o resto da economia concentraatividades que utilizam em seus processos produtivos tecnologias mais intensivasno uso de capital que de mão-de-obra.

Com relação à participação dos agregados na ocupação de mão-de-obraestadual, observa-se que serviços (agregado 7) é o principal agregado que empregamão-de-obra (1.211.636 empregados, ou 24,69%), seguido de perto pelo produtoagropecuário ou agregado 2 (1.115.704 empregados, ou 22,73%).

Por sua vez, na análise da distribuição do total de trabalhadores empregadosno agronegócio, observa-se o destaque do produto agropecuário (47,67%) sobreos demais agregados, indicando, com isso, que as atividades rurais propriamenteditas são as que empregam maior mão-de-obra, se comparadas com o agros-serviço (26,63%), com a agroindústria (18,55%) e com os insumos agropecuários(7,14%).

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113

Em síntese, embora as informações indiquem que o agronegócio como umtodo gere 47,68% do emprego estadual, elas também indicam que políticas deinvestimento diferenciadas por agregados que objetivem o aumento do empregono Estado encontrarão seus alicerces nos agregados 7 e 2, uma vez que, emconjunto, detêm 47,42% dos empregados do Estado.

5 - A renda do trabalhador no agronegócio gaúcho

Relacionando as informações do pessoal ocupado com os rendimentossalariais, observa-se que a remuneração média da mão-de-obra no agronegócioé menor que a do Estado. Enquanto o rendimento salarial anual médio por traba-lhador, no agronegócio, é de R$ 3.953,16 ou 30,40 salários mínimos (SMs), noEstado e no resto da economia, é de R$ 5.469,31 ou 42,07 SMs e de R$ 6.851,08ou 52,70 SMs respectivamente.

Tabela 4

Pessoal ocupado no agronegócio, no Rio Grande do Sul — 1998

AGREGADOS NÚMERO

DE EMPREGADOS

PARTICIPAÇÃO RELATIVA DOS AGREGADOS NO ESTADO

(%)

PARTICIPAÇÃO RELATIVA DOS

AGREGADOS NO AGRONEGÓCIO

(%)

A - Insumos agropecuários ............ 167 102 3,40 7,14

B - Produto agropecuário ............... 1 115 704 22,73 47,67

C - Agroindústria ............................. 434 014 8,84 18,55

D - Agrosserviços ........................... 623 247 12,70 26,63

Pessoal ocupado no agronegócio (A + B + C + D) .................................. 2 340 067 47,68 100,00

E - Indústria ........................................ 698 240 14,23 -

F - Serviços industriais ....................... 657 787 13,40 -

G - Serviços ....................................... 1 211 636 24,69 -

Pessoal ocupado no resto da eco-nomia (E + F + G) ............................. 2 567 663 52,32 -

PESSOAL OCUPADO NO ESTADO (A + B + C + D + E + F + G) .............. 4 907 730 100,00 -

FONTE: Dados da pesquisa.

PIB, tributos, empregos, salários...

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114

A análise mais particularizada dos rendimentos salariais por agregadosmostra que esses diferenciais salariais podem estar associados ao maior ou aomenor grau de qualificação da mão-de-obra, uma vez que as menores remune-rações se encontram nos trabalhadores rurais (R$ 1.832,65 ou 14,09 SMs), e asmaiores, nos trabalhadores de serviços (R$ 7.232,87 ou 55,63 SMs) e da indústria(R$ 5.828,90 ou 44,83 SMs).

Embora na literatura sobre diferenciais salariais se considere como fatoque a mão-de-obra no setor rural é menos qualificada que no setor urbano e,portanto, menos remunerada, não existe consenso desse tipo de relação entrea mão-de-obra empregada na indústria e em serviços.

Entretanto, se aceita a hipótese de que quanto mais qualificada a mão-de--obra maior será o nível de remuneração, pode-se inferir, pelo diferencial de saláriosentre os agregados serviços (serviços industriais, serviços e agrosserviços) e osagregados industriais (indústria e agroindústria), que, tanto na economia gaúchacomo um todo como em seu agronegócio, os agregados serviços empregamuma mão-de-obra mais qualificada e, portanto, mais bem-remunerada.

Uma outra forma de visualizar a renda dos trabalhadores é através da parcelado valor adicionado apropriada pelos trabalhadores. Essa análise revela a relaçãoentre trabalhadores e capitalistas nos diferentes setores da economia. O valoradicionado a preços de mercado da economia é dividido em remuneração dostrabalhadores, na forma de salário, remuneração dos capitalistas, na forma delucros — também chamado de excedente operacional bruto —, impostos diretossobre a renda e produção e impostos indiretos menos os subsídios que afetamos preços de mercado.

A última coluna da Tabela 5 mostra os resultados da participação dostrabalhadores no Valor Adicionado a preços de mercado. Vale salientar que nãosão apresentadas as parcelas apropriadas pelos empresários e pelo Governoem virtude da não-desagregação desses dados pela FEE e de alguns valores darenda em que não constam os valores recebidos pelos trabalhadores quanto aoFundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (FGTS) e outras contribuiçõesprevidenciárias.

Dentre os agregados do Estado, os trabalhadores que têm maior participa-ção são aqueles que estão ligados às atividades de serviços, com 50,14%. Ostrabalhadores da indústria (agregado 5) apropriam-se de 27,20%, seguidos dostrabalhadores da agroindústria (26,43%). Os trabalhadores da agropecuária(agregado 2) apropriam-se de 36,55% do Valor Adicionado do setor.

Enfim, a associação dessas informações com o rendimento salarial médioconfirma a afirmação de que, nos processos produtivos do agronegócio, a utiliza-ção de mão-de-obra é mais intensiva se comparada com os demais agregadosda economia gaúcha.

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115 Tabela 5

Rendimentos salariais do agronegócio no Rio Grande do Sul — 1998

AGREGADOS VALORES (R$ milhões)

PARTICIPAÇÃO RELATIVA DOS AGREGADOS NO ESTADO

(%)

PARTICIPAÇÃO RELATIVA DOS

AGREGADOS NO AGRONEGÓCIO

(%)

A - Insumos agropecuários ................... 489 1,82 5,28

B - Produto agropecuário ....................... 2 045 7,62 22,10

C - Agroindústria .................................... 2 209 8,23 23,88

D - Agrosserviços ................................... 4 508 16,79 48,73

Rendimento salarial do agronegócio (A + B + C + D) ..................................... 9 251 34,46 100,00

E - Indústria ............................................ 4 070 15,16 -

F - Serviços industriais ........................... 4 758 17,72 -

G - Serviços ........................................... 8 764 32,65 -

Rendimento salarial do resto da eco-nomia (E + F + G) ................................. 17 591 65,54 -

RENDIMENTO SALARIAL DO ESTA-DO (A + B + C + D + E + F + G) ........... 26 842 100,00 -

RENDIMENTO SALARIAL ANUAL MÉDIO POR

TRABALHADOR AGREGADOS

R$ SM (1)

PARTICIPAÇÃO RELATIVA DOS RENDIMENTOS

SALARIAIS NO PIB DOS AGREGADOS

(%)

A - Insumos agropecuários .................... 2 924,50 22,49 36,54

B - Produto agropecuário ....................... 1 832,65 14,09 36,55

C - Agroindústria .................................... 5 090,63 39,15 26,43

D - Agrosserviços ................................... 7 232,87 55,63 50,14

Rendimento salarial do agronegócio (A + B + C + D) ...................................... 3 953,16 30,40 38,10

E - Indústria ............................................ 5 828,90 44,83 27,20

F - Serviços industriais ........................... 7 232,87 55,63 50,14

G - Serviços ........................................... 7 232,87 55,63 50,14

Rendimento salarial do resto da eco-nomia (E + F + G) ................................. 6 851,08 52,70 41,95

RENDIMENTO SALARIAL DO ESTA-DO (A + B + C + D + E + F + G) ............ 5 469,31 42,07 40,54

FONTE: Dados da pesquisa. (1) Salário mínimo de 1998 (R$ 130,00).

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6 - O agronegócio no saldo da balança comercial gaúcha

Um dos propósitos da análise de insumo-produto é o esclarecimento dasrelações de interdependência que se estabelecem com o comércio exterior,visto que, no sistema econômico, as mercadorias importadas são usadas comoinsumos, no lado da demanda intermediária, ou são consumidos como produtos,no lado da demanda final, mesmo que estes estejam disponíveis domesticamente.Assim, se considerar que as importações de um estado são as exportações deoutros, fica evidente para os exportadores que os fluxos de comércio aumentama demanda por bens produzidos domesticamente e, portanto, aumentam a renda;pelo contrário, as importações representam os gastos que escapam do fluxocircular da renda, no sentido de que parte da renda gasta pela população não égasta em bens produzidos domesticamente.

Desse modo, é importante verificar a contribuição do agronegócio no saldoda balança comercial, observando o padrão da relação do Estado do Rio Grandedo Sul com o resto do mundo e com os outros estados da Federação, confron-tando as exportações com as importações por origem e destino.

As importações da economia gaúcha em 1998, resumidas na Tabela 6,mostram, em cada setor, o destino das importações. Assim, verifica-se na estrutu-ra de importações que, do total das importações, 55,73% está direcionada paraa demanda final e 44,27% para a demanda intermediária.

Tabela 6

Total de importações por destino do agronegócio, da indústria e de serviços do Rio Grande do Sul — 1998

IMPORTAÇÕES PARA

O CONSUMO INTERMEDIÁRIO

IMPORTAÇÕES PARA A DEMANDA FINAL

TOTAL DE IMPORTAÇÕES SETORES

Valores (R$ milhões) Percentual Valores

(R$ milhões) Percentual Valores (R$ milhões) Percentual

Agronegócio .. 3 108,95 35,32 5 693,42 64,68 8 802,37 100,00

Indústria ......... 9 251,40 48,63 9 774,53 51,37 19 025,92 100,00

Serviços ......... 206,39 36,84 353,81 63,16 560,21 100,00

TOTAL ........... 12 566,74 44,27 15 821,76 55,73 28 388,49 100,00

FONTE: Dados da pesquisa.

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117

Esse fato, por um lado, mostra um elevado nível de dependência por produtosimportados para o consumo final e, por outro, insuficiência estadual no suprimentode insumos para a produção. Cabe salientar, ainda, que a entrada significativade produtos finais deixa em evidência um significativo vazamento econômico derenda, indicando um espaço considerável para investimentos direcionados àsubstituição de importações.

Por sua vez, com base nas demandas intermediárias por insumos e nasdemandas finais por produtos interestaduais e internacionais mostradas na Tabela7, podem-se, inicialmente, estabelecer alguns parâmetros sobre as relaçõescomerciais do agronegócio, da indústria e de serviços com outros estados ecom o mercado internacional. Cabe salientar que os dados de importação eexportação foram obtidos diretamente da matriz de insumo-produto a preçosbásicos, e não foram considerados para a análise os impostos ICMS e IPI sobreprodutos comercializados com o Exterior, nem as reexportações.

Tabela 7

Importações interestaduais e internacionais do agronegócio, da indústria e de serviços do Rio Grande do Sul — 1998

(R$ milhões)

SETORES

IMPORTAÇÕES INTERESTADUAIS PARA CONSUMO INTERMEDIÁRIO

IMPORTAÇÕES INTERESTADUAIS PARA DEMANDA

FINAL

TOTAL DE IMPORTAÇÕES

INTERESTADUAIS

Agronegócio .............. 2 637,55 5 050,69 7 688,24

Indústria .................... 7 235,01 7 863,92 15 098,93

Serviços .................... 142,30 268,36 410,66

TOTAL ...................... 10 014,86 13 182,97 23 197,82

SETORES

IMPORTAÇÕES INTERNACIONAIS PARA CONSUMO INTERMEDIÁRIO

IMPORTAÇÕES INTERNACIONAIS PARA DEMANDA

FINAL

TOTAL DE IMPORTAÇÕES

INTERNACIONAIS

Agronegócio .............. 471,40 642,73 1 114,13 Indústria .................... 2 016,39 1 910,61 3 926,99

Serviços .................... 64,09 85,46 149,55

TOTAL ...................... 2 551,88 2 638,79 5 190,67

FONTE: Dados da pesquisa.

PIB, tributos, empregos, salários...

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118

Por exemplo, a partir da análise por setores, é possível verificar que adependência de insumos importados nos processos produtivos é menor “dentro”do agronegócio do que nos setores indústria e serviços, em nível tanto interesta-dual quanto internacional. Observa-se que essa dependência do agronegóciogaúcho é maior de insumos estrangeiros (42,31%) em relação à dependênciade insumos interestaduais (34,31%). O mesmo padrão é verificado na indústriagaúcha, mas com maior intensidade de dependência quanto aos insumos parao consumo intermediário — 51,35% das importações internacionais e 47,92%das importações interestaduais.

Na média estadual, 56,83% das importações interestaduais e 50,84% dasimportações internacionais têm como destino a demanda final (Tabela 8). Essesnúmeros sugerem espaço para a substituição seletiva de importações, particular-mente no agronegócio, pois, devido às vantagens comparativas do setor, podemocorrer retornos crescentes à escala, em virtude da produção para mercadosmais amplos.

Tabela 8

Participação percentual das importações interestaduais e internacionais do agronegócio, da indústria e de serviços no total das importações do Rio Grande do Sul — 1998

SETORES

IMPORTAÇÕES INTERESTADUAIS PARA CONSUMO INTERMEDIÁRIO

IMPORTAÇÕES INTERESTADUAIS PARA DEMANDA

FINAL

TOTAL DE IMPORTAÇÕES

INTERESTADUAIS

Agronegócio .............. 34,31 65,69 100,00 Indústria .................... 47,92 52,08 100,00

Serviços .................... 34,65 65,35 100,00

TOTAL ...................... 43,17 56,83 100,00

SETORES

IMPORTAÇÕES INTERNACIONAIS PARA CONSUMO INTERMEDIÁRIO

IMPORTAÇÕES INTERNACIONAIS PARA DEMANDA

FINAL

TOTAL DE IMPORTAÇÕES

INTERNACIONAIS

Agronegócio .............. 42,31 57,69 100,00

Indústria .................... 51,35 48,65 100,00

Serviços .................... 42,86 57,14 100,00

TOTAL ...................... 49,16 50,84 100,00

FONTE: Tabela 7.

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A Tabela 9 mostra a participação relativa dos setores nas importações edestaca o setor industrial como um grande importador, uma vez que contribuicom 65,09% e 72,40% do total das importações interestaduais e internacionaisrespectivamente. Nota-se, também, que o setor serviços do Estado do Rio Grandedo Sul é, basicamente, de oferta interna, dadas as pequenas taxas observadasna estrutura de importações.

Tabela 9

Participação percentual do agronegócio, da indústria e de serviços nas importações interestaduais e internacionais do Rio Grande do Sul — 1998

SETORES

IMPORTAÇÕES INTERESTADUAIS PARA CONSUMO INTERMEDIÁRIO

IMPORTAÇÕES INTERESTADUAIS PARA DEMANDA

FINAL

TOTAL DE IMPORTAÇÕES

INTERESTADUAIS

Agronegócio .............. 26,34 38,31 33,14 Indústria .................... 72,24 59,65 65,09

Serviços .................... 1,42 2,04 1,77

TOTAL ...................... 100,00 100,00 100,00

SETORES

IMPORTAÇÕES INTERNACIONAIS PARA CONSUMO INTERMEDIÁRIO

IMPORTAÇÕES INTERNACIONAIS PARA DEMANDA

FINAL

TOTAL DE IMPORTAÇÕES

INTERNACIONAIS

Agronegócio .............. 18,47 24,36 21,46

Indústria .................... 79,02 72,40 75,65

Serviços .................... 2,51 3,24 2,88

TOTAL ...................... 100,00 100,00 100,00

FONTE: Tabela 7.

PIB, tributos, empregos, salários...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 93-126, 2003

O saldo da balança comercial mostrado na Tabela 10 indica, claramente,que o agronegócio se constitui em um grande gerador de divisas via exportação,que viabiliza o montante elevado de importações por parte da indústria.

Esse fato revela a vantagem comparativa e competitiva do agronegóciogaúcho sobre a indústria, visto que, no período, houve um déficit comercial deR$ 7.951,62 milhões na indústria e superávits comerciais do agronegócio e deserviços de R$ 4.667,06 milhões e R$ 3.784,30 milhões respectivamente. Isto é,o agronegócio possui uma melhor penetração no mercado externo do que aindústria, visto que, do total exportado, o primeiro responde por 61,82%, e osegundo, por 29,54%. Do ponto de vista comercial com os outros estados daFederação, a participação nas exportações é similar entre o agronegócio e aindústria. No entanto, como visto anteriormente, a participação da indústria nasimportações é majoritária.

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120

Em síntese, o conjunto de informações da balança comercial mostra queexiste um grande espaço para programas de substituição de importações, dadoo nível elevado de dependência por importações, que, em grande parte, sãodestinados à demanda final. Certamente, o agronegócio constitui-se em umsetor fundamental para esse tipo de políticas em virtude dos níveis elevados decompetitividade observados.

Tabela 10

Saldo da balança comercial interestadual e internacional do Rio Grande do Sul — 1998

(R$ milhões)

SETORES TOTAL DE

EXPORTAÇÕES INTERESTADUAIS

TOTAL DE IMPORTAÇÕES

INTERESTADUAIS

SALDO DA BALANÇA

COMERCIAL INTERESTADUAL

TOTAL DE EXPORTAÇÕES

INTERNACIONAIS

Agronegócio ... 9 636,96 7 688,24 1 948,73 3 832,47

Indústria .......... 9 243,14 15 098,93 -5 855,79 1 831,16

Serviços .......... 3 808,82 410,66 3 398,16 535,69

TOTAL ............ 22 688,92 23 197,82 -508,90 6 199,32

SETORES TOTAL DE

IMPORTAÇÕES INTERNACIONAIS

SALDO DA BALANÇA COMERCIAL

INTERNACIONAL

SALDO DA BALANÇA COMERCIAL TOTAL

DO ESTADO

Agronegócio ... 1 114,13 2 718,34 4 667,06

Indústria .......... 3 926,99 -2 095,83 -7 951,62

Serviços .......... 149,55 386,14 3 784,30

TOTAL ............ 5 190,67 1 008,65 499,75

FONTE: Dados da pesquisa.

Tabela 11

Participação percentual do agronegócio, da indústria e de serviços nas exportações e importações interestaduais e internacionais do Rio Grande do Sul — 1998

SETORES

EXPORTAÇÕES DE BENS E SERVIÇOS

INTERESTADUAIS

TOTAL DE IMPORTAÇÕES

INTERESTADUAIS

EXPORTAÇÕES DE BENS E SERVIÇOS

INTERNACIONAIS

TOTAL DE IMPORTAÇÕES

INTERNACIONAIS

Agronegócio ... 42,47 33,14 61,82 21,46

Indústria .......... 40,74 65,09 29,54 75,65

Serviços .......... 16,79 1,77 8,64 2,88

TOTAL ............ 100,00 100,00 100,00 100,00

FONTE: Tabela 10.

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7 - Conclusão e implicações finais

O artigo teve como objetivo avaliar a dimensão econômica do agronegóciodo Estado do Rio Grande do Sul, com base na mensuração do PIB, nos tributosindiretos, no emprego e na renda salarial. Verificou-se que o agronegócio do RioGrande do Sul responde por 36,27% do PIB estadual a preços básicos, indicando,com isso, que grande parte do perfil do desenvolvimento econômico gaúchoestá determinado pelas atividades do agronegócio.

A análise dos agregados do agronegócio, por outro lado, indica que a produ-ção agropecuária está altamente integrada com o setor urbano, uma vez que osagregados insumos agropecuários, agroindústria e agrosserviços contribuem,majoritariamente, no valor total do PIB do agronegócio.

A avaliação da carga tributária via impostos indiretos permitiu constatarque, embora o resto da economia contribua mais para a receita tributária doGoverno em termos absolutos, em razão do maior peso econômico dessa parteda economia, em termos relativos, o agronegócio é mais taxado, em particularos produtos oriundos da agroindústria gaúcha. Esse fato indica, uma sobretaxapor um lado, sobre setores que trazem divisas significativas para o Estado epara o País e, por outro, sobre um grande número de produtos que constituem acesta básica da população gaúcha.

A análise comparativa da estrutura do agronegócio dos anos 1985 e 1998mostra, de outro lado, uma tendência crescente de serviços e da agroindústriaem detrimento de uma menor participação dos insumos agropecuários e doproduto agropecuário. Isto, certamente, em função das novas tendências domercado consumidor, que exige mercadorias mais transformadas e com umnível de agregação de valor maior. Com relação ao emprego, verificou-se que oagronegócio gaúcho se constitui em um grande empregador, já que respondepor 47,68% do total dos trabalhadores do Estado. Nesse contexto, verificou-se,também, que o resto da economia, em seus processos produtivos, utiliza tecnolo-gias mais intensivas no uso do capital do que no de mão-de-obra.

O conjunto das informações de pessoal ocupado, com os respectivosrendimentos salariais, permitiu verificar diferenciais salariais: embora o agrone-gócio gere um número considerável de empregos, o rendimento salarial é menordo que o do resto da economia e a média de rendimentos estadual.

Verificou-se, a partir das informações sobre a balança comercial, que existeum grande espaço para programas de substituição de importações em virtudedo nível elevado de dependência por importações que a demanda final apresenta.Certamente, o agronegócio constitui-se em um setor fundamental para essetipo de políticas, dados os níveis elevados de competitividade que detém, assina-lados pelo sentido do comércio interestadual e internacional. O agronegócio

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possui uma melhor penetração no mercado externo do que a indústria, vistoque, do total exportado, o primeiro responde por 61,82%, e o segundo, por29,54%.

A principal conclusão da mensuração da dimensão econômica do agrone-gócio e suas implicações sobre o sistema econômico gaúcho indica que asatividades conjuntas da agropecuária e as indústrias e serviços de base agrícolaapresentam fortes vínculos com os demais setores da economia. Em virtudedisso, o desempenho do agronegócio mostra-se fundamental para o processode desenvolvimento econômico do Estado e, portanto, para o desenho de políticaseconômicas.

Divisão das atividades da metodologia apresentada e correspondência entre as atividades

da MIP do Brasil e da MIP do Rio Grande do Sul

DIVISÃO SETORIAL

BR

CÓDIGO BR

ATIVIDADES DA MIP DO BRASIL

CÓDIGO RS

ATIVIDADES DA MIP DO RIO

GRANDE DO SUL

DIVISÃO SETORIAL

RS A 01 Agropecuária 01 Agropecuária A I 02 Extrativa mineral

(exceto combustível) 17 Demais indústrias I

I 03 Extração de petró-leo e gás natural, de carvão e de ou-tros combustíveis

17 Demais indústrias I

I 04 Fabricação de mi-nerais não-metáli-cos

17 Demais indústrias I

I 05 Siderurgia 02 Indústrias metalúrgicas

I

I 06 Metalurgia dos não ferrosos

02 Indústrias metalúrgicas

I

I 07 Fabricação de ou-tros produtos meta-lúrgicos

02 Indústrias metalúrgicas

I

I 08 Fabricação e ma-nutenção de má-quinas e tratores

03 Fabricação e ma-nutenção de má-quinas e tratores

I

I 10 Fabricação de apa-relhos e equipa-mentos de material elétrico

04 Fabricação de ma-terial elétrico e ele-trônico

I

I 11 Fabricação de apa-relhos e equipa-mentos de material eletrônico

04 Fabricação de ma-terial elétrico e ele-trônico

I

I 12 Fabricação de au-tomóveis, cami-nhões e ônibus

05 Indústria de matéria de transporte

I

(continua)

Anexo

Eduardo Belisário Finamore, Marco Antonio Montoya

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 93-126, 2003

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123

Divisão das atividades da metodologia apresentada e correspondência entre as atividades da MIP do Brasil e da MIP do Rio Grande do Sul

DIVISÃO SETORIAL

BR

CÓDIGO BR

ATIVIDADES DA MIP DO BRASIL

CÓDIGO RS

ATIVIDADES DA MIP DO RIO

GRANDE DO SUL

DIVISÃO SETORIAL

RS I 13 Fabricação de ou-

tros veículos, pe-ças e acessórios

05 Indústria de material de transporte

I

AI 14 Serrarias e fabri-cação de artigos de madeira e mo-biliário

06 Serrarias e fabri-cação de artigos de madeira e mo-biliário

AI

I 15 Indústria de papel e gráfica

07 Indústria de papel e gráfica

I

I 16 Indústria da bor-racha

17 Demais indústrias I

I 17 Fabricação de elementos quími-cos não petro-químicos

08 Indústria química I

I 19 Fabricação de produtos quími-cos diversos

08 Indústria química I

I 18 Indústria de pe-tróleo e petro-química

09 Indústria petroquí-mica

I

AI 22 Indústria têxtil 17 Demais indústrias I AI 24 Fabricação de

calçados e de ar-tigos de couro e peles

10 Fabricação de calçados e de ar-tigos de couro e peles

AI

AI 26 Beneficiamento de produtos de origem vegetal, inclusive fumo

11 Beneficiamento de produtos de origem vegetal, exceto fumo

AI

AI 26 Beneficiamento de produtos de origem vegetal, inclusive fumo

12 Indústria do fumo AI

AI 27 Abate e prepa-ração de carnes

13 Abate e preparação de carnes

AI

AI 28 Resfriamento e preparação do leite e laticínios

14 Resfriamento e preparação do leite e laticínios

AI

AI 30 Fabricação e refi-no de óleos vege-tais e de gorduras para alimentação

15 Fabricação e refino de óleos vegetais e de gorduras para alimentação

AI

AI 31 Outras indústrias alimentares e de bebidas

16 Demais indústrias alimentares

AI

AI 25 Indústria do café 16 Demais indústrias alimentares

AI

(continua)

PIB, tributos, empregos, salários...

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Divisão das atividades da metodologia apresentada e correspondência entre as atividades da MIP do Brasil e da MIP do Rio Grande do Sul

DIVISÃO SETORIAL

BR

CÓDIGO BR

ATIVIDADES DA MIP DO BRASIL

CÓDIGO RS

ATIVIDADES DA MIP DO RIO

GRANDE DO SUL

DIVISÃO SETORIAL

RS AI 29 Indústria do açúcar

16 Demais indústrias

alimentares AI

I 32 Indústrias diversas 17 Demais indústrias I I 20 Fabricação de pro-

dutos farmacêuticos e de perfumaria

17 Demais indústrias I

I 21 Indústria de trans-formação do ma-terial plástico

17 Demais indústrias I

AI 23 Fabricação de arti-gos do vestuário e acessórios

17 Demais indústrias I

I 33 Serviços industriais de utilidade pública

18 Serviços industriais de utilidade pública

I

I 34 Construção civil 19 Construção civil I S 35 Comércio 20 Comércio S S 36 Transporte 21 Transporte S S 37 Comunicação 22 Comunicação S S 38 Instituições finan-

ceiras 23 Instituições finan-

ceiras S

S 39 Serviços prestados às famílias

24 Serviços prestados às famílias e às empresas

S

S 40 Serviços prestados às empresas

24 Serviços prestados às famílias e às empresas

S

S 41 Aluguel de imóveis 25 Aluguel de imóveis S S 42 Administração

pública 26 Administração

pública S

S 43 Serviços privados e não mercantis

27 Serviços privados e não mercantis

S

S 46 Dummy financeira 28 Dummy financeira S*

FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Matriz de Insumo-Produto do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: FEE, 1998. CD-Rom. IBGE: CONTAS Econômicas Integradas (CEI). Rio de Janeiro: IBGE Disponível em: http://www.ibge.gov.br Acesso em: 1998. CEPAL: PAUTA sobre las clasificaciones estadísticas internacionales incorporadas en el banco de datos del comercio exterior de América Latina y el Caribe (Badecel). [s.l.]: CEPAL, 1986. p. 91. NOTA: 1. A = Agropecuária. 2. I = Indústrias. 3. AI = Agroindústrias. 4. S = Setores de serviços. 5. A dummy financeira (S*) são os juros pagos pelos agentes econômicos cujo tra- tamento é descrito por Finamore (2001).

Eduardo Belisário Finamore, Marco Antonio Montoya

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1893: interpretações da guerra*

Luiz Roberto Pecoits Targa Economista da FEE.

Resumo

Sustenta-se que a guerra civil de 1893 no Rio Grande do Sul foi a passagemmilitar decorrente da fundação do Estado burguês moderno pela vanguardapositivista regional. A vitória militar do Estado burguês sobre os potentadoslocais da oligarquia tradicional estabeleceu a autonomia do Estado em relaçãoà fração mais numerosa e militarmente poderosa da classe dominante regional.

Palavras-chaveEstado burguês; revolução burguesa; revolução federalista.

AbstractIt is argued in this article that the 1893 Civil War in Rio Grande do Sul was themilitary event deriving from the foundation of the modern bourgeois State by theregional positivist vanguard. The bourgeois state’s military victory over the localpotentate of the traditional oligarchy established the autonomy of the State inrelation to the more numerous and more militarily powerful portion of the regionalruling class.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 27.08.02.

* Este artigo é composto por fragmentos da tese de doutorado Le Rio Grande do Sul et laCréation de l’Etat Développementiste Brésilien, defendida em junho de 2002, na EcoleDoctorale d’Economie de l’ Université Pierre Mendès France, em Grenoble, França.

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Para Edmílson Nunes da Silva, com imensagratidão.

Vamos discutir as interpretações da guerra civil de 1893 (chamada de Re-volução Federalista), sustentando a idéia de que ela foi o episódio militar darevolução política burguesa que ocorreu no Rio Grande do Sul, no final do séculoXIX.1 Essa revolução estabeleceu uma mudança fundamental na relação Esta-do-sociedade no sul, ao derrubar o sistema político instalado no poder regional,substituindo um Estado de tipo oligárquico e patrimonial por um Estado burguêsmoderno.2

Através dessa guerra civil, o jovem Estado burguês criou sua autonomiaem relação à fração mais numerosa e poderosa da classe dominante regional,realizando, desse modo, a primeira das tarefas necessárias à sua própria funda-ção.3 De fato, no período de transição do escravismo para o capitalismo, o RioGrande do Sul foi o único estado brasileiro a conhecer uma transformação polí-tica de tal monta.

1 É muito difícil aumentar ainda mais a importância dessa tese: o Estado burguês moderno noBrasil foi fundado pela vanguarda positivista liderada por Júlio Prates de Castilhos no RioGrande do Sul, em 1891. Essa tese é sustentada em Targa (2002). Este trabalho filia-se àesteira aberta por Florestan Fernandes (1987) no seu estudo sobre a revolução burguesano Brasil e, sobretudo, pelos trabalhos de Décio Saes (1985) sobre a formação do Estadoburguês no Brasil.

2 No contexto deste artigo, entendemos por Estado oligárquico um Estado agrário e tributário,no qual a elite dirigente tem origem nas classes dominantes tradicionais (grandes comer-ciantes e grandes proprietários fundiários) e cujo monopólio do poder político serve ao enri-quecimento exclusivo dos membros de suas classes sociais. Trata-se, desse modo, de umEstado patrimonial. Esse tipo de Estado não possui qualquer autonomia em relação àsclasses proprietárias e dominantes. Por outro lado, por Estado burguês moderno, entende-mos um Estado que convive com um universo social urbano e industrial (ou que tende a serurbano e industrial), que vela (ao menos no longo prazo) pela reprodução das relações en-tre o capital e o trabalho assalariado. Mesmo defendendo a propriedade privada dos meiosde produção e de vida, esse Estado deve zelar pela reprodução de todas as classes sociaissob seu comando e apresentar-se à sociedade como um Estado que pertence a todas asclasses sociais e que governa para todas elas. De fato, esse Estado deve ser relativamenteautônomo em relação às classes sociais dominantes e proprietárias existentes em seuterritório e ser capaz de fazer, claramente, a distinção entre a propriedade pública e a pri-vada.

3 A segunda tarefa, realizar a separação entre as esferas pública e privada, viria a ser reali-zada pelo Estado positivista gaúcho nos 10 anos que seguiram imediatamente o término daguerra, durante o qual o Governo retomou, na sub-região do Planalto, as terras públicasilegalmente apropriadas pela oligarquia rural (Roche, 1969, p. 119) e as entregou a possei-ros e a pequenos proprietários. Pode-se imaginar a importância desse evento em um país deeconomia predominantemente agropastoril e controlada pelos grandes proprietários fundiários.Essa separação entre as terras públicas e as privadas também foi um empreendimento iné-dito no Brasil. Acrescente-se, por fim, que as duas tarefas fundadoras do Estado burguêsno Brasil foram deduzidas de Saes (2000).

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1 - Introdução

A instalação de um Estado burguês moderno no Rio Grande do Sul cons-tituiu-se em um procedimento político inédito no Brasil da época. O ineditismodesse procedimento se explica pela complexidade da sociedade meridional emrelação às demais sociedades regionais brasileiras. A sociedade meridional nãosomente possuía mais setores mercantis com trocas mútuas, como era social-mente mais diversificada que as outras sociedades regionais brasileiras.4 Defato, a sociedade meridional possuía inúmeros grupos sociais em plena prospe-ridade econômica (comerciantes, agricultores, artesãos, industriais e operáriosdas colônias de povoamento), mas politicamente excluídos do Estado de tipooligárquico.5 Eles se constituíam em grupos sociais suscetíveis de serem cap-turados por grupamentos de orientação política diversa da oligarquia rural quecontrolava o Estado patrimonial.6

Por outro lado, quando do advento da República, a economia gaúcha en-frentava uma longa crise que, há já 10 anos, colocara em oposição quatro dosprincipais componentes de suas classes dominantes.7 Havia, desse modo, tam-

4 A asserção é também válida para São Paulo, pois, enquanto as regiões de agricultura deexportação possuíam basicamente o setor exportador (relativamente auto-suficiente e es-trangulador da divisão social do trabalho) e, quando muito, um outro setor muito pouco mer-cantilizado, o Rio Grande do Sul possuía três setores econômicos que mantinham entre sirelações comerciais: o da pecuária de exportação, o charqueador e o da agricultura e doartesanato das colônias de povoamento. Além das classes proprietárias tradicionais e damão-de-obra que para elas trabalhava, o Rio Grande do Sul possuía, também, uma classemédia rural (nas colônias de povoamento), assim como as classes urbanas das vilas e cida-des das zonas coloniais (artesãos, comerciantes, industriais e operários).

5 A proposta política verdadeiramente importante apresentada, durante várias legislaturas, pe-lo representante político da zona de povoamento (Karl von Koseritz) não foi jamais absorvi-da pelo Estado oligárquico. Fazemos referência às repetidas propostas de criação do im-posto territorial e da repartição do ônus fiscal do Estado oligárquico (que recaía, sobrema-neira, sobre os produtores e comerciantes da zona colonial) com os latifundiários pecuaristas.As propostas de Koseritz foram sistematicamente derrotadas por uma coalizão de deputa-dos da Campanha, os pecuaristas da fronteira sudoeste (Baretta, 1985, p. 52-53). Foram ospositivistas que implementaram a reforma fiscal e o imposto territorial sobre a grande pro-priedade pecuária no sul.

6 O grupo político da oligarquia rural, filiado ao Partido Liberal durante o Império, tomou outrasdenominações: gasparistas, monarquistas, maragatos, federalistas. Esse grupo terminoupor incorporar, também, os políticos (igualmente oligarcas) egressos do Partido Conserva-dor do Império. Por outro lado, assinale-se que os federalistas não esposavam uma fé fede-ralista (no sentido de aumentar o poder dos estados federados), pelo contrário, eles erampelo reforço do poder central do País (o poder federal) e pelo parlamentarismo.

7 Mudanças econômicas na pecuária do sudoeste do Rio Grande do Sul (que a tornou muitomais dependente das compras das charqueadas) e na do Uruguai (uma enorme elevação deprodutividade e queda dos preços das carcaças), o encontro das ligações ferroviárias da

rede sul-rio-grandense com a uruguaia (que colocou grande parte do mercado gaúcho na

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bém uma crise no “grupamento de dominação” (Weber, 1995, p. 96-97). Final-mente, de um ponto de vista estritamente político, havia na região uma vanguar-da republicana, positivista e jacobina, absolutamente determinada a derrubar oEstado oligárquico.8 Essa vanguarda iria promover uma guerra sem quartel con-tra a elite política (do Partido Liberal) que havia dirigido o Rio Grande do Suldurante as duas últimas décadas do Império e contra suas práticas de gestãopatrimonial da coisa pública. Logo que essa vanguarda assumiu o poder, em1889, empreendeu uma derrubada geral dos membros do Partido Liberal queocupavam postos estratégicos federais, estaduais e municipais: na guarda na-cional, nas mesas de renda, nas delegacias de polícia. Todos eram postosfundamentais para a prática de condutas patrimonialistas como também o erampara a administração da violência local e para controle do poder político.

Foi ao longo do período 1889-95, período de profunda turbulência políticatanto no Rio Grande do Sul quanto no Brasil, que os positivistas conseguiramfirmar sua posição no poder regional.9 Sua consolidação no poder estadual, no

esfera de influência dos capitais comerciais de Montevidéu) e a perda do mercado cubano decharque precipitaram o Rio Grande do Sul em uma longa e profunda recessão a partir do inícioda década de 80 do século XIX. Essa recessão provocou enfrentamentos no seio das classesdominantes do sul: os criadores da fronteira sudoeste contra os charqueadores de Pelotas e oscapitais comerciais do leste contra os do noroeste e do sudoeste, estes últimos eram prepostosdo capital mercantil montevideano (Baretta, 1985, p. 25-43; Souza, 1993).

8 Essa vanguarda organizou-se no Partido Republicano Riograndense (PRR), cujos membrospodem ser denominados de castilhistas, republicanos, chimangos. Neste artigo, nós os de-nominaremos positivistas.

9 Os republicanos positivistas tomaram o poder no Estado quando da Proclamação da Repúbli-ca, em novembro de 1889. Entrados em desacordo no tocante a aspectos da política federal,eles renunciaram ao poder em maio de 1890. O Presidente da República chamou, então,políticos do Partido Conservador do Império para governarem o Rio Grande do Sul republica-no. Em julho de 1890, após uma eleição, os positivistas retornaram ao poder, e, em 14 dejulho de 1891, a Assembléia Constituinte sul-rio-grandense nomeou Júlio de Castilhos primei-ro Presidente eleito do Rio Grande do Sul. Mas Castilhos apoiou o fechamento do CongressoNacional pelo Presidente da República (Deodoro da Fonseca), e o fato o fez perder o gover-no do Rio Grande do Sul (tal como o Presidente perdeu o do País). O governo foi ocupado,então, pelo que o próprio Castilhos chamou de governicho: em primeiro lugar, ocuparam opoder alguns republicanos históricos que haviam rompido com Castilhos (Assis Brasil eBarros Cassal), acompanhados por políticos do antigo Partido Conservador do Império;depois, diante do caos administrativo por eles instalado e de uma enorme crise degovernabilidade, estes cederam o poder aos liberais de Gaspar Silveira Martins. A crise degovernabilidade continuou. Os positivistas, apoiados por uma insurreição armada na capitale pelo novo Presidente da República (Floriano Peixoto), retomaram o poder em junho de1892. Castilhos nomeou o Vice-Presidente e renunciou, aguardando as eleições diretas pe-las quais ele se sagraria Presidente do Estado. Entre 1889 e 1892, a Presidência do Estadomudou 16 vezes de mão.

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entanto, foi obtida às custas de um longo processo de isolamento político queterminou por afastar o Partido Republicano Riograndense de segmentos muitoimportantes e poderosos da sociedade meridional. Durante esse processo, aatitude dos positivistas tornou-se cada vez mais radical: se o seu programapolítico defendia a idéia de uma ditadura positivista, as dificuldades enfrentadasdurante aqueles anos difíceis devem tê-los persuadido de que ela se tornaraabsolutamente necessária para que pudessem levar a termo seu projeto políti-co. Eles conseguiram, então, aprovar e instalar uma Constituição que institucio-nalizava a ditadura (Boxe 1).

Boxe 1 A Constituição positivista e a gestão pública (Silva, 1999) A Constituição positivista forneceu um quadro jurídico muito particular à

gestão pública dos governantes do Rio Grande do Sul. Com efeito, ela possuía como principais objetivos: (a) fornecer instrumentos para facilitar a implementação do projeto político dos governantes; (b) impedir, através de meios institucionais, o acesso da oposição ao poder de Estado; e, finalmente, (c) estabelecer e reforçar a legitimidade do seu governo.

Essa Constituição admitia a reeleição do Presidente do Estado (desde que este obtivesse o sufrágio de três quartos do eleitorado), o que permitiu aos ocupantes desse cargo se eternizarem no poder, abrindo, assim, o caminho para a prática da ditadura.10 E mais, a Constituição atribuía ao Presidente o direito de escolher e nomear seu vice-presidente. Foram esses dois preceitos constitucionais (a reeleição presidencial e a nomeação do vice) que asseguraram a continuidade administrativa da gestão pública durante toda a Primeira República.

O que mais chama atenção nessa Constituição é a extensão dos poderes do Presidente do Estado, derivada da ausência da divisão entre os três poderes segundo o modelo clássico liberal. Com efeito, a Constituição atribuía ao Presi-dente o direito de legislar e de editar decretos que se baseavam diretamente na Constituição e não em leis ordinárias.

10 Foi através desse dispositivo constitucional que Borges de Medeiros pôde ocupar, desde1898, a Presidência do Estado do Rio Grande do Sul durante quase toda a Primeira Repú- blica. Até 1930, mesmo nos dois períodos em que não foi Presidente do Estado (entre 1908 e 1913 e entre 1928 e 1930), ele continuou dirigindo-o na qualidade de Presidente do PRR.

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11 Na prática, no entanto, esses projetos de lei circulavam nos conselhos municipais acompa-nhados de telegramas que exigiam sua aprovação incondicional.

Mais precisamente, o procedimento legislativo era o seguinte: em primeiro lugar, o presidente deveria tornar público o projeto de lei, acompanhado de uma exposição de motivos; em seguida, o projeto deveria circular por todas as municipalidades durante três meses para que os cidadãos pudessem apre- sentar emendas e sugestões11; no final do período, o projeto voltava ao Presidente, que decidia aceitar ou não as mudanças propostas; finalmente, o projeto era promulgado sob a forma de lei; essa lei, no entanto, poderia ser revogada caso não fosse aceita pela maioria dos conselhos municipais. De qualquer forma, a promulgação de leis foi parcimoniosa durante todo o período da Primeira República. De fato, esse procedimento “legislativo” não se aplicava aos decretos concernentes a matérias administrativas, pois estes se fundamentavam diretamente na Constituição do Estado e eram da competência exclusiva do Presidente, que os editava sem necessidade de submetê-los a formalidades legislativas (existia um dispositivo constitucional que impedia as ma- térias administrativas de serem objeto de lei12). Um tal poder concentrado nas mãos do Presidente do Estado favorecia a tomada de decisões e a aplicação imediata dos decretos governamentais, pois estes não seguiam o procedimento legislativo clássico, extremamente lento.

12 Um exemplo: estava previsto na Constituição que o imposto sobre as exportações seriasubstituído pelo imposto territorial. Quando o Governo decidiu implantar essa substituição,tratou esse projeto como matéria administrativa e, desse modo, não o submeteu à apreci-ação dos deputados. Estes puderam discutir o conteúdo do projeto (se o imposto era ope-racionalizável, se o valor das taxas era viável e justo, se as estimativas das receitas deleprovenientes eram realistas), mas não a aplicação mesma do projeto, pois ele estava jáprevisto na Constituição (Silva, 1999, p. 3).

A entrada em vigor da Constituição foi um ato de natureza revolucionária eprovocou uma violenta reação da oligarquia rural meridional. A solução do confli-to só foi possível através das armas: o Rio Grande do Sul tornou-se, então, olocus da guerra civil, o lugar do mais terrível conflito político da história do Brasil.Essa guerra civil foi a conseqüência mais importante da chegada dos positivistasno poder e da entrada em funcionamento da Constituição.

Reflitamos sobre a natureza desse evento constitucional que foi umseparador de águas na história do Rio Grande do Sul. Estamos convencidos,pelas circunstâncias que cercaram a elaboração e a aplicação da Constituição,bem como pela reação que ela provocou, de que ela deve ser qualificada comouma das constituições de “tipo ideal”, tal como outras poucas na história doOcidente (Boxe 2). Com efeito, a Constituição positivista do Rio Grande do Sulfaz parte dos eventos raros dessa história. Isso permite constatar, uma vezmais, o quanto o período de transição para o capitalismo foi crucial na históriada sociedade gaúcha ao engendrar mudanças tão radicais.

Luiz Roberto Pecoits Targa

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Boxe 2 As constituições de “tipo ideal” (Quermonne, 1985) Em um ensaio sobre políticas institucionais, Jean-Louis Quermonne (1985)

interessa-se especialmente pelas políticas institucionais constitutivas e, antes de tudo, pelas políticas constitucionais. Sua primeira observação é que as constituições podem tanto reproduzir e adaptar modelos constitucionais estrangeiros (sendo este o caso mais freqüente), quanto construir um regime político inédito (caso muito raro) e, conseqüentemente, chegar à invenção de um novo “tipo ideal” de constituição suscetível de ser, por sua vez, exportada (Quermonne, 1985, p. 67).

Deixando de lado as constituições consuetudinárias, pois requerem longo tempo para serem elaboradas (a do Reino Unido é o melhor exemplo), ele se inte-ressa, particularmente, pelas constituições escritas, pois as julga melhor adaptadas ao ritmo do século XX. Ele afirma que as idées d’oeuvre que deram origem a regimes políticos inéditos são pouco numerosas na História (Quermonne, 1985, p. 68). Dentre essas constituições de “tipo ideal”, ou seja, aquelas que construíram uma ordem verdadeiramente nova, ele coloca a Constituição americana de 1787, a Constituição stalinista de 1936, a Constituição suíça e duas das Constituições francesas, as de 1875 e 1958.

Ele afirma, igualmente, que a criação desse tipo de constituição é anunciada através de três sinais: o primeiro é que uma crise grave e sem precedentes coloca em xeque as bases da sociedade; o segundo é a criação de uma nova constituição (que constitui uma idée d’oeuvre) por atores sociais excepcionais, que o autor denomina “pais fundadores” (seguindo a tradição americana), e que objetiva suplantar a crise política; finalmente, o terceiro sinal é uma crise do regime (imediata ou diferida no tempo) que segue a entrada em vi-gor da nova constituição em função das fortes resistências sociais e/ou políticas que ela desencadeou.

Nós não nos retardaremos nos exemplos fornecidos pelo autor sobre esse tipo de constituição, pois nos é suficiente lembrar o caso muito conhecido da Constituição americana, que apresenta, claramente, todos os sinais aqui evocados: em primeiro lugar, uma crise política engendrou a independência das colônias, fazendo nascer a necessidade de criar um regime não monárquico; em segundo, a invenção do regime presidencial pelos “pais fundadores”, regime onde a representação de cada estado na Câmara de Deputados era proporcional ao tamanho de sua população e onde a representação no Senado era igualitária (medida que “acomodou” os interesses de pequenos e grandes estados); em terceiro lugar, a crise desse regime que viria a explodir três quartos de século mais tarde (1861) sob a forma de uma guerra civil, a mais grave e mais cruel dentre todas as referidas pelo autor no seu ensaio (Quermonne, 1985, p. 70-72).

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Em suma, a Constituição positivista sul-rio-grandense fundou uma novaordem jurídica. Essa constituição inédita e original não se baseou na dos Esta-dos Unidos da América, como foi o caso das outras constituições brasileiras(tanto a da União quanto as dos estados).13 Seguindo a definição de Quermonne,podemos classificá-la como uma constituição de “tipo ideal”. Com efeito, essaConstituição foi uma idée d’oeuvre, que tinha o objetivo de tirar a sociedadegaúcha de um impasse político muito particular. Ela gerou um regime políticoúnico no Brasil como no mundo.

A semelhança, porém, dessa constituição com outras constituições inova-doras não pára aqui, pois a nova ordem jurídica instaurada pela Constituiçãopossuía seu “pai fundador” em Júlio Prates de Castilhos, figura carismática, líderincontestável e intransigente em seus princípios.

E mais, essa nova ordem foi precedida e seguida por fenômenos de ordemidêntica aos que cercaram as outras constituições fundadoras. Ela foi precedidapor uma crise de proporções até então desconhecidas, provocada pela desagre-gação e pelo término do sistema escravista brasileiro, por uma crise econômicaque já durava 10 anos, pela “crise na dominação”, decorrente de uma classedominante regional dividida, e, finalmente, por uma longa e difícil conjunturapolítica que terminou por confirmar no poder a vanguarda positivista, derrubandoa oligarquia tradicional da região.

A entrada em vigor dessa Constituição foi igualmente seguida por umacrise sem precedentes do regime instaurado, que desembocou na guerra civil,tal como ocorreu com outras constituições fundadoras. No caso do Rio Grandedo Sul, a crise do regime levou à guerra civil de 1893.

Nós veremos o quanto essa guerra foi mal-compreendida pelos poucosintelectuais que tentaram decifrá-la. E, no entanto, a importância da guerra quedizimou o sul não pode ser minimizada (Boxe 3), pois é o grau extremamenteelevado de violência — a mortandade e a crueldade — praticada durante esseconfronto militar que suscita questionamentos no que tange às razões do confli-to e ao contexto em que ele se deu. Qual foi o sentido dessa violência absurda,do horror, de todo o sangue derramado? São questões que queremos responderexaminando as diferentes interpretações para a guerra. As interpretações dosautores examinados (da mais simples às mais complexas) comporão, passo apasso, o mosaico que permite compreender corretamente essa guerra civil.

13 Foi uma adaptação do projeto constitucional realizado para o País pelo Apostolado Positivistado Brasil (Pinto, 1986, p. 37).

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Boxe 3 Reflexões sobre a guerra (Bouthoul, 1970) Bouthoul (1970) afirma que a guerra é a mais marcante de todas as

formas de transição existentes na vida social. Ela se apresenta como o resultado de um desequilíbrio, seu resultado último, um ponto de ruptura ou de liquidação (Bouthoul, 1970, p. 7). Ela não é um fenômeno errático ligado aos caprichos e ao humor mais ou menos perverso dos povos e de seus chefes. A guerra é, incontestavelmente, uma das funções sociais mais solidamente enraizadas (Bouthoul, 1970, p. 17). A guerra é uma manifestação da vontade de contrários, não o fruto do acaso, como um acidente imprevisível e contingente, mas a expressão de uma rivalidade orgânica profunda há muito tempo em gestação (Bouthoul, 1970, p. 444).

Se compararmos as guerras civis com as guerras internacionais e se julgarmos a importância dos conflitos pela intensidade com que cumpriram sua função destruidora, parece que a primazia deve caber às guerras civis, porque, do ponto de vista qualitativo, aí se luta mais encarniçadamente (“ao menos sabemos quem matamos”, segundo um combatente). Do ponto de vista quantitativo, o ponto culminante da ferocidade das guerras ideológicas se encontra nas guerras civis e resultam, seguidamente, em massacres sistemáticos (Bouthoul, 1970, p. 448).

Grande parte dos historiadores consideram as guerras civis como guerras secundárias, atribuindo-lhes uma importância menor. É um juízo errado, que trai, provavelmente, uma reprovação implícita. A comparação entre as mortandades realizadas pelas guerras internacionais e as guerras civis mostra bem que as perdas humanas são muito mais importantes nestas últimas (Bouthoul, 1970, p. 467).14

2 - As interpretações da guerra

A guerra civil de 1893 foi objeto de várias interpretações. Para nós, ela foi areação militar de uma classe proprietária e dominante que desejava recuperar ostatus que possuía antes da revolução política realizada pela vanguarda positivistaque impusera uma nova ordem constitucional. A revolução empreendida por essavanguarda tinha por objetivo, justamente, mudar a sociedade e a economia gaú-

14 Foi assim durante o século XIX. Dentre elas, a mais sangrenta foi a Guerra de Secessãonorte-americana, que provocou mais perdas humanas que a guerra franco-prussianade 1870; nesta última, a batalha que provocou maiores perdas foi um episódio de guerracivil: a Comuna de Paris. Da mesma forma, depois da Guerra de 1914, a Revolução Russafez muito mais vítimas entre os próprios russos que a guerra internacional que a haviaprecedido. Finalmente, avaliam-se as vítimas espanholas da guerra civil em torno de doismilhões de mortos dentre 27 milhões de habitantes, enquanto a França, país que sofreumais perdas humanas no conflito 1914-18, sofreu perdas menores face a uma populaçãoque estava em torno de 40 milhões de habitantes (Bouthoul, 1970, p. 467).

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chas. Essa guerra foi, então, o conflito entre uma classe que desejava que asociedade, a economia e a política do Estado permanecessem iguais ao quehaviam sido no passado e um grupo voluntarioso de indivíduos que desejavammudar a sociedade, a economia e a natureza do Estado. Olhando esse eventomilitar desde a perspectiva de nosso presente, a guerra representou o conflitoentre o passado e o futuro da sociedade sul-rio-grandense. Examinemos, então,algumas das interpretações mais interessantes dessa guerra.15

2.1 - Um conflito entre duas concepções de Estado

Sandra Pesavento (1983) define descritivamente essa guerra sem propria-mente interpretá-la. Inicialmente, ela a considera um dos mais sérios movimen-tos de contestação da nova ordem republicana no plano nacional, a ponto de,junto com a revolta da Marinha, desestabilizar a República nascente.16

Logo depois, de um ponto de vista regional, ela define a RevoluçãoFederalista como uma resposta dos liberais ao controle do processo políticoregional pelos positivistas, que seguiam Júlio de Castilhos. Ela sustenta que aviolência e a barbárie dos grupos em luta contribuíram para acentuar aradicalização política no Rio Grande do Sul até 1930 (Pesavento, 1983, p. 9),afirmação que, em si mesma, é justa. Mas muito mais verdadeiro, e isso aautora não afirma, é que a violência foi ela mesma e principalmente o resultadoda radicalização política.

Malgrado a simplicidade dos enunciados, a autora possui o mérito de ha-ver corretamente identificado um aspecto central da principal diferença entre osgrupos em luta: as duas concepções de Estado em confronto. Por um lado,Pesavento constata que o Estado concebido pelos positivistas, era de tipo bur-guês. Essa identificação constitui o primeiro elemento interpretativo que permite

15 Não trataremos aqui de discutir as interpretações que vêem a guerra como um simplesconflito entre duas propostas de formas de governo (republicanos versus monarquistas)ou como um conflito ideológico entre adeptos do liberalismo e do positivismo. Essas inter-pretações reducionistas não nos interessam, pois elas valorizam aspectos parciais, me-nores e superficiais da questão.

16 A revolta da Marinha, que estourou no Rio de Janeiro, foi um movimento pela restauração damonarquia. A tendência monarquista da Marinha nacional decorria do fato de que, contra-riamente ao Exército, seus oficiais provinham das classes dominantes do Império. Os re-voltosos federalistas e os da Marinha, reunidos na capital do Estado de Santa Catarina,tornaram-se aliados. Essa aliança, no entanto, só tornou mais confuso, em termos ideoló-gicos, o movimento militar que vinha do sul. Dada a existência de uma aliança entre FlorianoPeixoto (então Presidente da República) e Júlio de Castilhos (líder do PRR), os federalistase os revoltosos da Marinha formaram dois grupos paralelos de contestação à Presidênciade Floriano Peixoto no plano nacional (Bello, 1964, p. 134, p. 137).

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explicar a guerra.17 No entanto, Pesavento não fornece os argumentos que expli-cam a razão da natureza burguesa do Estado proposto pelos positivistas. Ela oafirma como um postulado.

Por outro lado, a autora assinala que o projeto federalista possuía um caráterprivatizador do Estado: preconizava a utilização do aparelho de Estado exclusi-vamente pelos interesses dos grandes pecuaristas, enquanto o projeto do PRRera sustentado por uma elite dirigente que se queria representativa dos interes-ses de capitais agrários, industriais, mercantis e financeiros. Essa aliança im-posta aos vários capitais pelos posivistas supunha que os grandes pecuaristasnão estariam mais no centro das benesses do poder público, mas que seriamtratados da mesma forma que outros grupos de capital (Pesavento, 1983, p. 58,p. 84). Essa segunda conclusão, que concerne ao patrimonialismo dosfederalistas (Pesavento, 1983; Baretta, 1985; Targa, 1993), constitui o segundoelemento importante fornecido pela autora para a interpretação dessa guerra.18

2.2 - Um conflito entre dois projetos econômicos

A abordagem de Pedro Cezar D. Fonseca (1993) sobre a questão que nosocupa é particularmente interessante, pois estabelece uma mudança de pata-mar no nosso entendimento da guerra ao captar a diferença entre os projetoseconômicos elaborados pelos grupos políticos em conflito. Trata-se, de fato, dedois projetos diametralmente opostos. A descrição que o autor faz dos projetosremete a uma análise fina da questão, pois ele conseguiu relacionar a formula-ção dos dois projetos com uma resposta à crise que, há muito tempo, flagelavaa pecuária de exportação sul-rio-grandense. Sigamos o autor.

O projeto dos federalistas tinha por objetivo especializar a economia meri-dional na pecuária de exportação.19 Esse projeto supunha que agir no interesseexclusivo dos pecuaristas e dos charqueadores consistia em agir no interesse

17 Dentre os autores que trataram dessa questão, Pesavento (1983) e Targa (1993) foram osque identificaram esse primeiro elemento para a interpretação da guerra. Ver também Mi-nella (1979), cuja pesquisa não tem por objeto a guerra, mas as finanças públicas do RioGrande do Sul no período 1889-930 e que chegou à mesma interpretação e forneceu osargumentos que a sustentavam. Quanto à Liedke (1972a, 1972b, 1973), que construiuargumentos nessa direção, não chegou à explicitação daquela interpretação.

18 Ainda que a autora tenha realizado essa identificação extremamente importante da dife-rença entre as duas naturezas de Estado, ela não somente não explicita o argumento quejustifica a identificação do Estado burguês, como também não aproveita a diferença iden-tificada para gerar uma interpretação mais complexa da guerra civil.

19 Fonseca (1993, p. 24) assinala que os argumentos dos federalistas se baseavam na teo-ria das vantagens comparativas de David Ricardo. Como todas as oligarquias regionaisbrasileiras, também a sul-rio-grandense possuía o liberalismo econômico por ideologia.

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do Rio Grande do Sul. Para tal, eles reivindicavam estradas, portos, taxação doproduto similar importado dos países do Prata, assim como uma políticaprotecionista para o charque gaúcho (Fonseca, 1993, p. 24). O projeto federalistalimitava-se, assim, a traduzir as reivindicações da oligarquia rural gaúcha, a qualnão fazia senão se repetir enfadonhamente desde o início do século XIX.

Outro era o projeto dos positivistas. Segundo Fonseca, eles explicavam acrise da economia regional pela sua dependência da pecuária de exportação,cuja expansão estava à mercê da performance dos mercados externos à região.O objetivo do projeto positivista era, então, tornar a economia regional menosdependente de um número muito reduzido de produtos exportáveis (aquelesjustamente da pecuária de exportação) e, desse modo, torná-la menos vulnerá-vel e instável. Para tal, eles pretendiam encorajar, por um lado, a produçãodestinada ao abastecimento interno da região e, de outro, eles desejavam pro-mover a diversificação das exportações. O projeto fundar-se-ia no desenvolvi-mento das indústrias naturais (as que beneficiam matérias-primas produzidasna região), no comércio e na produção de pequenos e médios produtores rurais.Queriam também dar seguimento à imigração não-ibérica, distribuindo títulos depropriedade da terra aos imigrantes (Fonseca, 1993, p. 25).

Em suma, o autor foi muito bem-sucedido ao identificar o nó do conflitoentre os dois projetos econômicos: o projeto oligárquico tinha por objetivo salva-guardar, exclusivamente, os interesses da classe dos grandes pecuaristas (pro-jeto que somente poderia prolongar a agonia dessa classe); quanto ao outroprojeto, ele se voltava para o conjunto da sociedade meridional e conduzia auma maior diversificação social.

2.3 - Uma cisão no seio da oligarquia

Sérgio da Costa Franco (1993b, p. 11-12)20 estrutura suas reflexões sobrea guerra civil precisando, com enorme acuidade, tudo que ela não foi. Segundoo autor, essa guerra não foi um conflito entre duas classes sociais, nem entreduas tendências no que tange à organização administrativa estadual (autono-mia estadual versus centralismo federal), nem entre dois regimes políticos (opresidencialismo radical dos positivistas versus o parlamentarismo dos fe-

20 Sérgio da Costa Franco (1988), na sua bela obra intitulada Júlio de Castilhos e Sua Épo-ca (editada, pela primeira vez, em 1967), foi o primeiro historiador, depois dos anos 60, areabilitar a dimensão política fundamental de Júlio de Castilhos na história da sociedademeridional. Nessa obra, o autor não esconde sua profunda simpatia em relação ao biogra-fado, nem quanto à importância das mudanças históricas que ocorreram com a sua parti-cipação. No entanto, em 1993, quando do centenário da guerra, o autor passou a assumirposições de tipo "politicamente corretas" para analisar esse fenômeno militar.

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deralistas), nem, finalmente, entre duas poderosas personalidades (Júlio deCastilhos versus Gaspar Silveira Martins).

De fato, Franco encara esse conflito como uma disputa clássica no seioda oligarquia, tendo por objeto o controle do aparelho de Estado. O autor chegaa essa conclusão após uma reflexão sobre as repercussões da reforma eleitoralefetuada pelos republicanos no plano nacional e dos seus efeitos sobre o eleito-rado gaúcho. Ele indica que a reforma modificou o perfil do eleitorado sul-rio--grandense em termos quantitativos (estavam habilitados a votar todos os cida-dãos de sexo masculino, alfabetizados e maiores de 21 anos)21 e em termosqualitativos (não era mais um eleitorado predominantemente gasparista como oexistente até 1889). Afirma, ainda, que essas mudanças na estrutura do eleito-rado incorporaram ao jogo político uma grande massa de cidadãos pobres atéentão mantidos à margem do sistema político. De outro lado, como os republi-canos temiam perder as eleições, introduziram o sistema de voto aberto, apoia-dos num sistema parcial e viciado de recenseamento dos eleitores e de apura-ção do escrutínio.

Se todas essas afirmações são corretas, o mesmo não se pode dizer daargumentação que segue:

“(...) mas disso não decorreu alteração substancial do esquema dedominação político-social. Dominantes continuaram sendo as mesmascamadas sociais do período do Império, apenas mais capilarizadas,e agora obrigadas a uma eficiente captação de voto das clientelas”(Franco, 1993a, p. 11-12).

Desse modo, segundo Franco, a guerra resume-se a uma disputa entrerepublicanos e federalistas em torno desse novo eleitorado. O que se pode de-duzir do principal argumento do autor é que o conflito não ultrapassava o nível deuma rivalidade no seio mesmo da oligarquia. Com isso, o autor nega, igualmen-te, que mudanças pudessem ter ocorrido, seja no nível do sistema de domina-ção, seja no nível da estrutura social do Rio Grande do Sul. Esta última afirma-ção é particularmente absurda: por um lado, no curto espaço de tempo decorri-do entre o final do Império, em 1889, e o início da guerra, em 1893, era muitopouco provável que uma mudança no nível da composição das classes domi-nantes pudesse ocorrer; por outro lado, a composição das classes dominantesregionais mudou, efetivamente, durante o período em que o PRR esteve no

21 Não era assim durante o Império, quando o sistema de habilitação dos eleitores e dos ele-gíveis era censitário. Nesse sistema, faixas de rendimentos ou de valor das propriedadesé que habilitavam os indivíduos a participarem de colégios eleitorais e a serem eleitos. Alémdisso, os analfabetos votavam, caso contrário, a maior parte dos indivíduos da classe do-minante brasileira não poderiam ser eleitores do Império.

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poder.22 No entanto, a única mudança que Franco admite ter ocorrido nessaépoca é a que concerne ao comportamento dos partidos políticos, que tentavamtornar-se mais eficazes na conquista dos votos.

A crítica que se pode dirigir ao autor é que ele imagina que os doiscampos opostos possuíam os mesmos objetivos no que concerne à utilizaçãodo aparelho de Estado regional: cada um queria o poder para servir aos seusinteresses particulares. É verdade que, antes da guerra, liberais e conservadores(os partidos políticos da época do Império) se haviam substituído no podercom esse objetivo em mente, mas, diferentemente dos positivistas e dosfederalistas, jamais necessitaram recorrer a um enfrentamento militar radical.Isso decorria do fato de serem partidos politicamente idênticos; estes, sim,eram as duas faces de uma mesma oligarquia.

Mas Franco continua a refletir nesse sentido no seu exame da guerra civil.Ele concebe os federalistas e os positivistas como duas faces de uma mesmamoeda23, tal como haviam sido outrora os liberais e os conservadores. A reflexãodo autor, no entanto, não é correta, pois é essa mesma guerra civil que constituiprova incontestável de que não se tratavam mais de grupamentos políticos demesma natureza política. Uma distinção fundamental que Franco não consegueestabelecer é entre “classes sociais dominantes” e “elites dirigentes”, confusãoque não tem sentido senão no caso da oligarquia rural, pois é somente nessecaso que a aproximação entre os dois conceitos pode ser realizada.

Assim, não tendo localizado as diferenças entre os dois grupos de atorespolíticos, o autor é levado a concluir que os dois grupos teriam feito o mesmouso da ocupação do aparelho de Estado. O autor comete, assim, dois erros, osegundo sendo complementar ao primeiro: ele concebe os dois campos opos-tos como idênticos, o que é falso; depois, ele deduz que os positivistas nãoiriam mudar nada na dinâmica do poder, o que também é enormemente falso.

No que tange aos móveis da guerra civil, se estamos de acordo com asreflexões precisas do autor sobre a natureza do conflito (o móvel da guerra civilsendo uma luta pelo controle do aparelho de Estado), estamos em desacordo

22 Note-se, por exemplo, que, durante o período de dominação do PRR, se expandiram asclasses dos industriais e dos operários, enquanto elas praticamente não existiam no pe-ríodo da guerra.

23 É por isso que o autor não faz senão procurar as semelhanças entre as duas elites. O modocomo ele descreve o sistema de recrutamento para a guerra é um exemplo: "Porém, detodas as práticas bárbaras que assinalam o ciclo insurrecional, o modo de recrutar solda-dos, de incluí-los arbitrariamente nas fileiras e de conduzi-los ao sacrifício e à morte, é oque mais impressiona. (...) Os subordinados não tinham sequer o direito de escolher ban-deira. Pertenciam ao caudilho ou chefe militar que primeiro os alcançasse. Por isso mesmo,as deserções eram constantes, de ambos os lados. E quem podia refugiar-se no estran-geiro ou em outros estados o fazia, num mudo protesto contra a estúpida luta civil" (Franco,1993a, p. 55).

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no que diz respeito à razão que se encontra por trás desses motivos. Segundoo autor, o controle do aparelho era essencial, em uma economia pré-industrial,para que os partidos pudessem manter suas clientelas eleitorais, para legitimara apropriação privada das terras públicas (processo então em marcha) e, final-mente, para favorecer o contrabando nas fronteiras do oeste e do sudoeste.

Ora, estes dois últimos motivos para a luta (motivos decisivos, segundo oautor) não dizem respeito aos dois grupamentos políticos, mas tão-somente aoda oligarquia rural, pois não só as intenções como a própria prática do governopositivista seriam totalmente diversas. Por um lado, porque eles eram contra ocontrabando, que foi sempre (antes e depois da guerra) duramente reprimido poreles. Por outro lado, eles não se apropriaram das terras públicas, prática daoligarquia rural durante o Império (a do Rio Grande do Sul como a de qualqueroutro estado do Brasil). Pelo contrário, os positivistas recuperaram as terraspúblicas ilegalmente apropriadas pela oligarquia rural e regularizaram a apro-priação das terras favorecendo aos pequenos proprietários o acesso à proprie-dade privada (Roche, 1969, p. 119).24

E mais, se compreendermos a guerra como uma simples disputa no seioda oligarquia, como pretende o autor, toda a violência que a caracterizou nãoteria razão de ser.25

Assim, ao não conseguir encontrar uma verdadeira causa para essa guer-ra, o autor apela para explicações de tipo psicossocial. Segundo ele, a guerracivil,

“(...) esse quadro lúgubre de crueldades e de desprezo pela condiçãohumana reflete duas circunstâncias fundamentais: primeiro, aprofundidade do ódio entre os dois grupos contendores, inexplicável àluz de um simples dissídio de programas políticos; segundo, aexistência, na estrutura social vigente, de uma classe numerosa dedeserdados, totalmente inculta e brutalizada, jungida a um regime derelações sociais paternalistas e semifeudais” (Franco, 1993a, p. 56).

O autor só pode, assim, atribuir a guerra à “alma bárbara” dos gaúchos e àselvageria das “massas bestializadas”. Essa cômoda conclusão não faz senãoreforçar nossa reflexão de que o autor não foi capaz de encontrar uma razãocapaz de justificar a violência do conflito. Essa incompreensão do autor talvezse explique por seu pasmo diante dos atos atrozes e arbitrários cometidos

24 O argumento de Franco leva-nos a pensar que os positivistas praticavam o contrabando eque eles se apropriavam de modo ilegítimo das terras públicas. Ora, trata-se de uma afir-mação falsa, pois era a oligarquia rural, que viria a ser derrotada na guerra, quem seentregava a tais práticas.

25 O autor assinala, também, que o clima belicoso do Rio Grande do Sul era acentuado pelofato de abrigar boa parte do Exército nacional, cuja burocracia militar estava justamente nocentro das turbulências políticas da época (Franco, 1993b, p. 13).

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durante a guerra. Assinalemos que toda essa violência deveria ter servido deindicador da gravidade do conflito, levando o autor a buscar alhures, e não mera-mente no comportamento humano, a verdadeira natureza desse conflito histó-rico.

Malgrado as imperfeições da abordagem do autor, reteremos duas afirma-ções importantes e corretas que apóiam nossa interpretação da guerra. Emprimeiro lugar, que a política dos positivistas mantinha a oposição à margem,isto é, que ela ficara sem instrumentos de contestar o poder ou de legalmentedisputá-lo. Então, para disputar o poder, só lhes restava apelar para a luta arma-da (Franco, 1993b, p. 14).26 Em segundo lugar, a afirmação do autor de que aguerra civil foi, no fundo, um conflito entre a ordem privada e o poder de Estado.Note-se que o autor se aproximou muito, nessa passagem, da verdadeira expli-cação para a guerra civil, na medida em que ela foi, com efeito, um conflito entrea vontade da oligarquia rural tradicional de fazer prevalecer seus interesses declasse no uso do aparelho de Estado e o poder novo do Estado burguês. Noentanto, a ilustração que o autor avança em apoio a essa afirmação é totalmen-te insuficiente. Ele se limita a fundamentar essa oposição entre a ordem privadae a ordem pública através da origem dos quadros militares e dos recursos decada grupamento político para financiar sua participação na guerra. Assim, ospositivistas teriam financiado a guerra com recursos públicos (nacionais e esta-duais), enquanto os federalistas o teriam feito com recursos privados, os seus eos de seus simpatizantes (Franco, 1993a, p. 14).

Em suma, a interpretação que o autor faz da guerra civil negligencia umdado fundamental: a guerra foi um choque entre dois projetos absolutamenteopostos; ela foi o único meio encontrado para solucionar o conflito e para enca-minhar a mudança radical na sociedade meridional. Com efeito, o inquérito deFranco é falso, pois ele foi buscar a dimensão progressista e revolucionáriadesse conflito nos federalistas. Uma vez que estes últimos lutavam contra aditadura (positivista), ele acreditou que lutavam pela liberdade. Certamente, eleslutavam pela liberdade, mas com o único objetivo de poder continuar a praticaros atos arbitrários que eram próprios à sua classe social e ao tipo de dominaçãopatrimonial que eles exerciam (eles lutavam somente pela sua liberdade exclu-siva, o que subentendia a não-liberdade dos demais). Ao negligenciar essa nuancefundamental, Franco impede-se, ao mesmo tempo, de perceber que o movimen-to dos federalistas era justamente o que se opunha a qualquer mudançaeconômica ou política.

Assim, o grande equívoco (derivado de uma postura politicamente correta)deriva de o autor se haver colocado em defesa de uma bandeira sem conhecer

26 De fato, segundo a Constituição concebida pelos positivistas, toda a oposição era ilegal eficava, desse modo, à margem do sistema político ( Silva, 1977, p. 3).

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suas verdadeiras cores. É por isso que Franco acreditou estar diante de umepisódio insólito da história universal,27 quando, de fato, ele estava diante de umfenômeno amplamente conhecido: o da revolução burguesa dando nascimentoa um Estado autocrático.

2.4 - Um conflito entre o poder de Estado e os potentados locais

A reflexão que Baretta (1985) faz sobre a guerra de 1893 é, de longe, amais completa de todas as elaboradas por historiadores.28 Segundo ele, a ori-gem do conflito encontra-se no novo projeto dos positivistas, que queriam redefiniras relações entre as instituições do Estado e os potentados locais. Esse proje-to queria separar, definitivamente, a esfera pública da privada. O autor afirmaque, para os positivistas, as exigências e os imperativos do Estado deveriamprevalecer sobre as necessidades das classes dominantes e que o Estado de-veria ser imparcial e não favorecer um grupo social em detrimento de outros. Anova ordem republicana queria, igualmente, reduzir o poder dos chefes locais econtrolar mais estritamente suas atividades (Baretta, 1985, p. 62).

O autor fornece provas extremamente convincentes em apoio à sua inter-pretação: em primeiro lugar, as reformas realizadas pelos positivistas, anterio-res e posteriores à guerra civil, levaram, todas, a um reforço do poder de Estadosobre a sociedade (particularmente sobre os potentados rurais), e isso em doisdomínios essenciais: o dos impostos e o militar. Em segundo lugar, a expansãodas forças militares comandadas pelo Estado era percebida como uma ameaçapelos oligarcas, que possuíam suas próprias milícias locais (Baretta, 1985, p.62).

Baretta identifica, igualmente, o conteúdo ideológico do conflito. Segundoele, o papel da ideologia foi fundamental para a radicalização do conflito, poisteria sido ela que viria a tornar irreconciliáveis as divergências entre os grupamentospolíticos. Do ângulo dos caudilhos da oligarquia "mal-educados e primiti-vos"(segundo Sérgio da Costa Franco), a ideologia não representava quase nada,pois eles se limitavam a constatar que perdiam poder.

27 Nas palavras do autor: "Depois de muito analisar as motivações dos rebeldes de 1893,expressas em seus documentos públicos, em sua imprensa e em sua correspondênciaprivada, chegamos ao concomitante reconhecimento de causas políticas, psicossociais esocioeconômicas, que não se compadecem com nenhum esquema preconcebido de exe-gese" (Franco, 1993b, p. 13). E, no início desse mesmo artigo, ele já afirmara : "Comosempre acontece, falham no caso as explicações esquemáticas daqueles que pretendempossuir no bolso a chave da interpretação da História" (Franco, 1993b, p. 11). Mas, serámesmo que falham?

28 Essa interpretação, que consideramos absolutamente correta, foi fundamental para a ela-boração de nossa própria concepção da guerra.

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Pelo contrário, a ideologia era muito importante para a elite positivista.Essa elite queria romper com o passado, e sua ideologia estava na base daformação de um partido político submetido a uma disciplina de ferro, intolerantediante das dissidências internas e que defendia, intransigentemente, a novaordem republicana contra oponentes reais ou imaginários. Assim, segundo Baretta(1985, p. 62), a dimensão ideológica não estava no confronto entre duas con-cepções de regimes políticos (presidencialismo versus parlamentarismo), masno papel fundamental que a ideologia desempenhou na conduta política dospositivistas. Isso nos leva a pensar que, seguramente, existia uma vanguardaintelectual no PRR.

2.5 - Uma guerra provocada por uma tentativa de contra-revolução

Segundo Joseph Love (1975), durante os primeiros anos da República,nenhum lugar do Brasil conheceu a instabilidade política que se abateu sobre oRio Grande do Sul, pois “(...) este Estado foi o lugar privilegiado de experimenta-ção para preparar o futuro da República”, conforme Bello (Love, 1975, p. 70). Istoporque o então Presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, havia liga-do seu futuro ao do PRR (Love, 1993, p. 15). Essas afirmações de Love permi-tem perceber o lugar importante que o autor atribui a essa guerra na história doBrasil.

Love define a guerra de 1893 por seus aspectos ideológicos e concretos.Em termos ideológicos, esta teria sido fruto de uma conduta modernizadora dospositivistas, cuja ditadura contrariava o ideal parlamentar dos federalistas. Emtermos concretos, a guerra teria sido uma luta dos poderes públicos contra ospotentados locais, com o objetivo de os excluir, definitivamente, da esfera esta-dual de poder (Love, 1993, p. 15).29 O autor assume aqui a mesma interpretaçãode Baretta, se bem que em um nível menos complexo.

29 Para mostrar o quanto a ação do PRR foi decisiva e única (no contexto brasileiro) paraenfraquecer o poder local dos coronéis, Love fornece três exemplos que ilustram o poderdesmedido dos coronéis em outros estados do Brasil. O primeiro exemplo é o dos coronéispaulistas, que detinham um poder sem igual no Partido Republicano Paulista (PRP) quandocomparados a não importa qual chefe local do PRR; o segundo exemplo é o dos coronéisda Bahia, que promoveram uma revolta (1910-20) que jamais poderia ter ocorrido no RioGrande do Sul; finalmente, o terceiro exemplo, o dos coronéis do Ceará, que realizaram, em1911, um pacto entre eles que excluía o Poder Executivo Estadual (Love, 1993, p. 17).Esses exemplos não seriam tão surpreendentes se pensássemos que o Estado permane-cia oligárquico e patrimonial nesses três estados, ao contrário do Rio Grande do Sul, ondeele não o era mais desde a subida dos positivistas ao poder.

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As reflexões de Love sobre a guerra também são interessantes, pois elenos faz saber que a Revolução Francesa teve grande eco entre os positivistas.Por exemplo, o autor nos lembra que um deputado da Assembléia Constituintedo Estado pronunciara um discurso, em 11 de julho de 1891, afirmando queCastilhos seria capaz, caso necessário fosse, “de indicar o caminho do terror”,representando, assim, para o Rio Grande do Sul o que Danton representara paraa França (Love, 1975, p. 64). Outro eco utilizado pelos positivistas está na datade promulgação da Constituição: o 14 de julho é a data nacional francesa, queevoca a Queda da Bastilha.

O autor lembra, ainda, que, antes de estourar a guerra, o terror já haviasido promovido pelos liberais do governicho30 (Love, 1993, p. 15) e que, quandoos positivistas tomaram o poder, eles simplesmente deram seguimento ao mes-mo. Os positivistas reproduziram o clima da Grande Peur (grande medo) daRevolução Francesa, pretendendo que os federalistas os ameaçavam perma-nentemente. Eles espalharam mesmo rumores, segundo os quais haviam des-coberto planos para assassinar todos os dirigentes positivistas.

O próprio autor estabelece algumas analogias entre essa guerra e a histó-ria da França, considerando que a mais forte dentre elas (à parte o período doterror da Revolução Francesa) é a semelhança com a Fronde, que foi um movi-mento de resistência da nobreza local à perda de seu poder (Love, 1993, p.18).31 Segundo Love, os federalistas atacaram a “revolução vinda de cima”, rea-lizada pelos positivistas. Love está no coração da questão, aí está a explicaçãopara a guerra e para a violência ocorrida. Isto é, essa guerra foi uma reação dospotentados locais (da oligarquia rural tradicional), que não estavam dispostos aperder o monopólio do poder político regional. Daí os níveis inusitados que atin-giu a violência nessa guerra. Love assinala, também, que havia diferenças qua-litativas entre as elites positivista e federalista.32

Porém, foi Sérgio da Costa Franco (1988, p. 9) quem melhor refletiu sobreas diferenças entre as duas elites. Ele assinalou que, mesmo que as fortunasde ambas se erguessem sobre a pecuária, elas provinham de diferentes sub--regiões do Estado: a elite oligárquica tinha origem na Campanha, enquanto a

30 Sobre o governicho, ver nota 9.31 "Júlio de Castilhos tomou o poder no final de janeiro de 1893; uma semana depois, os

Federalistas fizeram estourar a Revolução — ou a Contra-Revolução —, invadindo o RioGrande do Sul a partir do Uruguai." (Love, 1993, p. 15).

32 A composição das duas elites, segundo Love (1993, p. 17), é: (a) do ponto de vista nobiliá-rio, as famílias dos positivistas possuíam menos títulos da nobreza imperial que os oligarcas;(b) do ponto de vista da atividade ocupacional, enquanto entre os oligarcas só existiamgrandes proprietários rurais, entre os positivistas existiam tanto grandes proprietários(estes exercendo, ao mesmo tempo, uma profissão urbana) como profissionais urbanos ecomerciantes; (c) do ponto de vista da origem geográfica, enquanto os líderes da oligar-quia provinham da Campanha, os positivistas provinham do Planalto e do Litoral.

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positivista provinha do Planalto. Acrescentava, ainda, que a última era menosrica que a outra e se ligava, também, à exploração e à comercialização da erva--mate.33

Mesmo que a composição das duas elites não constitua argumento paraexplicar a guerra, ela ilustra de modo empírico as diferenças que as separavam.Na verdade, sob uma aparente identidade de classe, tratava-se, pelo contrário,de duas elites profundamente díspares. Com efeito, uma das grandes dificulda-des para que os historiadores gaúchos pudessem ver essa guerra como fruto deuma verdadeira revolução foi a ausência de luta opondo duas classes sociaisdiversas. Em outras palavras, as duas elites pertenciam à mesma classe so-cial, pois suas fortunas provinham, grosso modo, da atividade pecuária. Porisso, os historiadores não puderam perceber que havia entre elas uma profundadiferença. Nessa perspectiva, se os homens têm a mesma origem de classe,eles serão iguais e terão, forçosamente, os mesmos interesses e a mesmacausa a defender.

2.6 - Um conflito entre o passado e o futuro

A melhor e mais pertinente interpretação da guerra civil, aquela que foi“mais longe”, é da lavra do escritor gaúcho Alcides Maya (1998). Em um contointitulado Inimigos, ele narra a estória de dois irmãos que disputam a adminis-tração de uma grande propriedade fundiária na fronteira do Rio Grande do Sul.Um deles havia estudado em Porto Alegre e queria revolucionar os métodos decriação e de gestão da estância, enquanto o outro, que freqüentava a roda dechimarrão dos peões, não desejava qualquer mudança. A guerra civil colocariaeste com os federalistas e o primeiro com os positivistas. Quando de uma bata-lha, os irmãos defrontam-se e mutuamente se matam.

A interpretação de Maya é clara: a guerra civil foi o conflito entre doisprojetos para o futuro da sociedade sul-rio-grandense, um desejando a continui-dade e o outro a mudança. Isso quer dizer que, nessa guerra, se lutou a favor econtra uma mudança na sociedade. Nós podemos, então, afirmar que, segundoMaya, se defrontaram nessa guerra duas concepções para o futuro da socieda-de gaúcha, dois projetos que se excluíam mutuamente. Nessa interpretação de

33 Baretta (1985) testou essa hipótese de Sérgio da Costa Franco nos inventários dos líderesdas duas elites e não encontrou diferenças significativas em termos de fortuna pessoaldos membros dos dois grupos. No entanto, o inquérito permanece aberto, pois a pesquisaficou incompleta. Teria sido necessário verificar, também, os inventários dos oligarcas daCampanha no Uruguai, informação fundamental para o tratamento completo da questão,uma vez que esses latifundiários, muitas vezes, possuíam propriedades também no Uru-guai.

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Maya, podemos encontrar o passado e o futuro dessa sociedade, e o presente,em 1893, é o locus da guerra. Essa guerra foi uma luta pelo controle do aparelhode Estado, com a finalidade de, por um dos lados, implantar um projeto políticode transformação da sociedade e, pelo outro, impedir sua implementação.

Mas essa não foi a única vez, na história do Rio Grande do Sul, que umescritor de ficção mostrou possuir um olhar mais agudo que os próprios histo-riadores. Com efeito, foi um outro romancista sul-rio-grandense (se bem que jáum erudito em História) que estabeleceu o lugar e a importância dessa guerrana história do sul: Érico Veríssimo narra a saga do Rio Grande do Sul no seuépico O Tempo e o Vento. É o primeiro tomo desse romance, que tem portítulo O Continente, que nos interessa aqui. Ele é composto por 13 capítulosorganizados de forma, simultaneamente, polar e convergente: de um lado, oscapítulos ímpares narram os episódios referentes ao cerco da casa de um im-portante membro do PRR, em uma pequena cidade situada no Planalto Orientaldo Rio Grande do Sul, durante os últimos 10 dias da guerra civil; de outro lado,os capítulos pares contam a estória das gerações dessa família de republicanosdesde as origens do Rio Grande do Sul até o momento do cerco da sua casapelos federalistas.34

Eis como o autor organiza sua narração: a narração do cerco da casa dosrepublicanos é interrompida pela da estória da família, que avança de geraçãoem geração até 1895. É um episódio da guerra de 1893 que dá ritmo à estória dafamília. O modo pelo qual o autor estruturou sua narrativa revela uma percepçãoaguda da importância dessa guerra na história do sul. Com efeito, ela aparececomo um “ponto de chegada” dessa estória familiar (e regional), de algum modocomo um fato inevitável, decorrente de tudo que o antecedeu, um ponto deestrangulamento, uma passagem estreita e obrigatória. E é exatamente issoque a guerra foi.35

Nenhum historiador gaúcho ou brasileiro compreendeu a importância des-sa guerra na história do sul como o fizeram esses dois ficcionistas. E isso éainda mais espantoso quando percebemos que essa guerra foi um ponto devirada tanto da história meridional como da nacional.

Nós compreendemos essa guerra como o episódio militar de um eventorevolucionário e de grande violência política, o da fundação do Estado burguêsmoderno no Brasil e o da criação de um contexto político adequado à expansão

34 No segundo capítulo, o autor conta a estória de um menino índio em uma missão jesuíta espanhola no Rio Grande do Sul, enquanto, no quarto, ele narra a estória de amor desse índio com uma mulher chamada Ana Terra.

35 Podemos também concluir que Veríssimo realiza uma operação de identidade entre a estória dessa família de republicanos e a história do Rio Grande do Sul; ou seja, a história dos republicanos positivistas é, socialmente, a história da sociedade meridional.

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das relações de produção capitalistas. Essa revolução política “vinda de cima”36

foi capitaneada pela vanguarda positivista. A guerra permitiu a afirmação deum poder burguês no Estado. Isto é, o Estado passaria, a partir daí, a apresen-tar-se como “neutro” e acima de todas as classes sociais, velando pelo bem-estar de toda a sociedade. Dizendo de outro modo, esse tipo de Estado nãoapareceria mais como o instrumento de alguma classe social em particular e,sobretudo, não como instrumento da oligarquia rural, agonizante e decadente,que necessitava controlar com exclusividade o aparelho de Estado para garan-tir sua sobrevivência. O Estado oligarco-patrimonial, Estado-instrumento daoligarquia rural, foi destruído pelos positivistas, que o substituíram por um Estadode tipo burguês.

Para que o Estado pudesse apresentar-se como sendo de “todos”, eranecessário bloquear o acesso da oligarquia rural ao poder regional. Dizendo deoutro modo, para que todas as outras classes sociais (principalmente aquelasainda em formação) pudessem desenvolver-se sob a tutela do Estado, era ne-cessário bloquear qualquer acesso da oligarquia tradicional ao poder, pois estaesgotava os recursos públicos somente no interesse da acumulação privada, noseu projeto pecuário de exportação.

No sul, foi esse componente das classes proprietárias que comandou areação federalista. Ela havia detido, desde sempre, o monopólio do podereconômico e político regional e fora afastada do poder. Sua ação militar foi,então, uma tentativa de contra-revolução. Eis a razão de toda a violência. Insis-timos sobre esse ponto: é o afastamento da oligarquia tradicional do poder re-gional que explica o grau espantoso da violência tanto antes quanto durante aguerra. Se os meios empregados para afastar a oligarquia do poder precisaramser violentos (a constitucionalização da ditadura), esta reagiu com a mesmaintensidade.

Em suma, a ditadura instalada pelos positivistas possuiu a função neces-sária de afastar a oligarquia tradicional do poder regional. A guerra civil foi, defato, o instrumento militar para criar a autonomia do Estado em relação à fraçãomais numerosa e militarmente poderosa das classes proprietárias do sul. Esseé o sentido profundo da enorme violência dessa guerra civil.

36 A expressão “revolução vinda de cima” foi cunhada por Lenin para nomear o tipo derevolução burguesa ocorrida na Alemanha de Bismark, onde uma burguesia industrialfraca foi forçada a se aliar aos grandes proprietários rurais (os junkers) para promoveruma revolução burguesa autoritária. Nessa revolução, as classes proprietárias (urbanase rurais) uniram-se contra os operários e os camponeses. No entanto, a revolução “vindade cima” dos positivistas diferiu da revolução “bismarkiana”, no sentido em que os “junkers”locais foram não só afastados do poder como militarmente esmagados. O modelo alemãoautocrático de revolução burguesa opõe-se ao modelo democrático do qual a RevoluçãoFrancesa é o arquétipo. Em Barrington Moore Júnior (1983), esse modelo alemão reacioná-rio de revolução burguesa é denominado “modernização conservadora”.

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Chips & sweating system: metáforas para areestruturação produtiva

Hoyêdo Nunes Lins Professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina, com participação no Programa de Pós-Graduação em Economia dessa Universidade.

ResumoEste artigo discute a reestruturação industrial precipitada pelas mudançasmacroeconômicas observadas no Brasil, nos anos 90. Focalizando os setorestêxtil e vestuarista de Santa Catarina, o estudo mostra que as reações dasempresas às novas condições de atuação foram diversificadas. Algumas tenta-ram modernizar suas estruturas, incorporando maquinário novo e melhorandoas atividades de criação, como o “design”. Mas muitas aprofundaram a práticada subcontratação, principalmente do tipo conjuntural e de capacidade, junto amicroempresas, cooperativas de trabalhadores e costureiras em domicílio. Asdiferentes respostas traduziram-se em muitas demissões e em precariedade dotrabalho. A reestruturação significou que o “chip”, símbolo da modernizaçãotecnológica no alvorecer do século XXI, se apresentou de mãos dadas comformas de organização produtiva ao estilo das “sweatshops”, símbolo das pre-cárias condições de trabalho em trajetórias industriais precoces, séculos atrás.

Palavras-chaveReestruturação produtiva; indústrias têxteis e vestuaristas; mudanças notrabalho.

AbstractThe article concentrates on the industrial restructuring prompted by recentmacroeconomic changes in Brazil. Looking upon the textiles and clothing sectorsof Santa Catarina, it argues that the firms reacted differently to the new conditions.Some tried do modernize their structures, incorporating new machinery andimproving design activities, among other things. But many increasedsubcontracting practices, mainly of the capacity or concurrent type, involvingsmaller firms, workers’ cooperatives and homeworkers. The different responses

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resulted in big job losses and in worse conditions to the workers. Restructuringmeant that chips, the best symbol of modern technology, went hand in hand withforms of production organization which recall the sweatshops typical of the earlyperiods of manufacturing.

Os originais deste artigo foram recebidos por esta Editoria em 05.11.02.

Lugar-comum nos discursos em favor da liberalização do comércio com oExterior é o entendimento de que a concorrência ampliada tende a provocarchoque de modernização nas estruturas produtivas, nutrindo a competitividade.Desde os anos 80, essa expectativa permeou movimentos que, praticamente,fizeram desaparecer as históricas políticas de substituição das importações naAmérica Latina como um todo (Katz, 1996). O Brasil, onde tal orientação foiobservada menos precocemente, não configurou exceção: desobstruídas, asforças de mercado deveriam redundar, segundo a retórica do Governo, em maioreficiência produtiva e comercial, escorada na modernização tecnológica e noaperfeiçoamento organizativo (Íntegra..., 1990).

Assim estimulado, o crescimento das importações foi notável e impôs ajus-tes em diferentes setores da economia brasileira, especialmente na indústria(Miranda, 1996). Mas foi com a política de câmbio associada ao Plano Real,vigente até o início de 1999, que as importações realmente “explodiram”, e acompetição dos fabricantes estrangeiros revelou-se plena de conseqüências: aexposição em um nível de concorrência até então pouco conhecido reverberouintensamente, suscitando modernização, que representou maior eficiência téc-nica e alocativa e maior especialização produtiva (Moreira, 1999).

A liberalização do comércio externo brasileiro não se revelou desacom-panhada de custos sociais. Não parece existir dúvida de que, pelo menos nocurto prazo e principalmente no que concerne à indústria de transformação, “(...)a mudança de regime [comercial] acabou por agravar a situação de desemprego(...)” (Moreira; Najberg, 1999, p. 491). Essa piora, note-se, é só um aspecto da“conta social” das mudanças recentes, pois, ao mesmo tempo, e de uma formageral, se aprofundou dramaticamente o caráter precário das condições de trabalho.Em grande medida, e ainda que especificidades setoriais e subsetoriais sejamimportantes, na base de tais tendências figurou a reestruturação do aparelhoindustrial brasileiro em face do novo quadro concorrencial, uma observaçãotambém aplicável a outros países latino-americanos que percorreram trajetóriassemelhantes (Castro; Dedecca, 1998).

É a face social da reestruturação produtiva que constitui o principal foco deatenção neste artigo. O objetivo é argumentar que os resultados dos ajustesefetuados não se enfeixam só na proclamada modernização, pelo menos emsetores intensivos em mão-de-obra. Com esse propósito, focalizam-se as in-

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dústrias têxteis e vestuaristas de Santa Catarina, estado onde as correspon-dentes atividades têm grande importância, destacando-se até em escala nacio-nal. O que se procura assinalar é que, ombro a ombro com inovações ligadas,por exemplo, à disseminação de máquinas com dispositivos microeletrônicos,essas atividades testemunharam, na última década do século XX, o revigoramentode sistemas de trabalho que caracterizaram fases pretéritas da trajetória docapitalismo, como o trabalho domiciliar.

1 - O contexto: concorrência e reestruturação na cadeia têxtil brasileira

A abertura comercial desnudou a cadeia têxtil brasileira em consideráveldescompasso com os padrões internacionais (Coutinho; Ferraz, 1994). As dé-cadas anteriores tinham registrado importantes inovações internacionais nasrespectivas atividades, em resposta à desenvoltura de fabricantes asiáticos con-vertidos em protagonistas de relevo no universo têxtil-vestuarista. Na esteiradessas inovações, o setor acusou aumento da intensidade de capital, com aintrodução/disseminação de dispositivos microeletrônicos nas máquinas e equi-pamentos e o progressivo uso da informática nas etapas de criação (Hoffman,1985). Ao mesmo tempo, ampliou-se o uso de insumos modernos, fabricadoscom fibras artificiais e sintéticas, tributários de mais qualidade nos produtos ede melhorias na produção. Tudo somado, o correspondente padrão de concor-rência passou a ostentar alto grau de qualidade, flexibilidade produtiva e diferen-ciação da oferta em sintonia com as tendências da moda.

No plano organizacional, adquiriram proeminência as redes internacionaisde empresas que operam em fases diferentes da cadeia produtiva. Aspectomaior dessas redes é que, no seu interior, são potencializadas estratégias devolumosa subcontratação em países/regiões de menores salários: Gereffi (1997)fala em production sharing para as iniciativas de empresas norte-americanas,em outward processing para as de firmas européias e em outward processingarrangements para as de fabricantes asiáticos. Cabe assinalar que essas redesincluem atividades de comércio varejista e têm a sua logística normalmenteassegurada pela informatização das relações.

Foi nesse contexto de amplas mudanças na cadeia têxtil que o Brasil,reduzindo um protecionismo de décadas, expôs as suas correspondentesatividades a uma maior concorrência externa. Isso resultou do encolhimentodas alíquotas de importação e, desde o Plano Real, da sobrevalorização docâmbio, mantida até o início de 1999. Em decorrência, a balança comercial dosetor acusou marcado incremento das importações, principalmente desde mea-dos da década de 90, quando as exportações passaram a declinar sensivelmen-te e a favorecer ainda mais os saldos negativos (Lins, 2000a).

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Em face de tal quadro, com pressões até então pouco observadas, asindústrias têxteis e vestuaristas brasileiras avançaram na reestruturação. A granderedução de unidades produtivas nos segmentos de fiação, tecelagem, malhariae beneficiamento — cujo número caiu mais de 40% entre 1990 e 1998 (Prado,1999) — ocorreu em meio a mudanças que, além do desaparecimento de em-presas, englobaram alterações no mix de produtos e processos de moderniza-ção tecnológica e organizacional alicerçados em grandes investimentos. Valeassinalar que essas iniciativas foram registradas, principalmente, nas maioresempresas, pois as firmas menores se revelaram menos capazes, em boa partedos casos, de realizar mudanças substanciais (Garcia, 2000). Merece realce,também, o fato de os ajustes terem representado ampliação da intensidade decapital, que resultou em atualização tecnológica conforme os padrões internacio-nais, em particular nos segmentos de fiação, tecelagem e tinturaria/estamparia(Gorini, 2000).

Dignos de nota foram os reflexos no terreno do emprego, pois a redução donúmero de empresas e a modernização tecnológica e organizacional redunda-ram em compressão dos contingentes assalariados. Com efeito, dados da Re-lação Anual de Informações Sociais (RAIS) indicam que a indústria têxtilbrasileira viu desaparecem quase 83.000 empregos entre 1995 e 1998 (Tabela1). A desagregação desse encolhimento por tamanho de estabelecimento per-mite observar melhor os contornos da dinâmica em curso: foram as unidades deportes médio e, sobretudo, grande que perderam postos de trabalho, o que éindicativo da incidência dos processos de ajuste.

Em 1999 e 2000, houve recuperação dos níveis de emprego em termosagregados, mas em trajetória na qual, em flagrante contraste com as unidadesde portes médio e grande, as de menor tamanho ultrapassaram largamente ospatamares do início do período coberto pelos dados. A representatividade dosestabelecimentos médios no emprego total caiu de quase 30% em 1995 parapouco mais de um quarto em 2000, e a dos estabelecimentos maiores regrediude 26% para menos de um quinto. Também sugestivas da dimensão social dareestruturação são as informações sobre volumes de emprego por faixas deremuneração. Enquanto o número de empregados na faixa de até 1,00 saláriomínimo caiu pouco, as quantidades nas faixas de 2,01 a 5,00 salários mínimose de 5,01 salários mínimos ou mais diminuíram sensivelmente. Esse foi o caso,sobretudo, da última faixa, que apresentou, em 2000, quase a metade do núme-ro observado em 1995; no fim do período, essa faixa representava menos de11% do total empregado, contra quase 20% em 1995. O ganho de contingentesocorreu na faixa de 1,01 a 2,00 salários mínimos: crescimento de 57% na quan-tidade e evolução na representatividade de um quarto do total para mais de 38%entre 1995 e 2000.

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Tabela 1

Empregos nos estabelecimentos com vínculos empregatícios no ano, segundo o tamanho do estabelecimento e a faixa de remuneração em dezembro,

na indústria brasileira — 1995-00

(continua)

DISCRIMINAÇÃO 1995 1996 1997

Por tamanho dos estabe-lecimentos

Total ................................... Participação (%) ............. Índice ..............................

688 275 100 100

662 441 100

96,2

620 544 100

90,2 Até 19 empregados ............

Participação (%) ............. Índice ..............................

144 078 20,9

100

139 825 21,1

97,0

151 515 24,4

105,2 De 20 a 99 empregados ....

Participação (%) ............. Índice ..............................

165 185 24,0

100

163 222 24,6

98,8

167 669 27,0

101,5 De 100 a 499 empregados

Participação (%) ............. Índice ..............................

199 254 28,9

100

187 324 28,3

94,0

164 671 26,5

82,6 De 500 empregados ou mais ...................................

Participação (%) ............. Índice ..............................

179 758

26,1 100

172 070

26,0 95,7

136 689

22,0 76,0

Por faixa de remuneração em salários mínimos (SMs)

Total ................................... Participação (%) ............. Índice ..............................

688 275 100 100

662 441 100

96,2

620 544 100

90,2 Até 1,00 SM .......................

Participação (%) ............. Índice ..............................

28 932 4,2

100

26 191 3,9

90,5

24 187 3,9

83,6 De 1,01 a 2,00 SMs ...........

Participação (%) ............. Índice ..............................

171 195 24,9

100

163 455 24,7

95,5

170 479 27,5

99,6 De 2,01 a 5,00 SMs ...........

Participação (%) ............. Índice ..............................

335 287 48,7

100

328 086 49,5

97,8

305 458 49,2

91,1 De 5,01 SMs ou mais .........

Participação (%) ............. Índice ..............................

134 151 19,5

100

127 089 19,2

94,7

104 140 16,8

77,6

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Tabela 1 Empregos nos estabelecimentos com vínculos empregatícios no ano, segundo o tamanho

do estabelecimento e a faixa de remuneração em dezembro, na indústria brasileira — 1995-00

DISCRIMINAÇÃO 1998 1999 2000

Por tamanho dos estabe-lecimentos

Total ................................... Participação (%) ............ Índice .............................

605 307 100

87,9

641 519 100

93,2

702 094 100

102,0 Até 19 empregados ............

Participação (%) ............ Índice .............................

154 276 25,5

107,1

161 217 25,1

111,9

176 282 25,1

122,3 De 20 a 99 empregados ....

Participação (%) ............ Índice .............................

174 232 28,8

105,5

188 042 29,3

113,8

207 199 29,5

125,4 De 100 a 499 empregados

Participação (%) ............ Índice .............................

161 018 26,6

80,8

169 839 26,5

85,2

181 896 25,9

91,3 De 500 empregados ou mais ...................................

Participação (%) ............ Índice .............................

115 781

19,1 64,4

122 421

19,1 68,1

136 717

19,5 76,1

Por faixa de remuneração em salários mínimos (SMs)

Total ................................... Participação (%) ............ Índice .............................

605 307 100

87,9

641 519 100

93,2

702 094 100

102,0 Até 1,00 SM .......................

Participação (%) ............ Índice .............................

24 633 4,1 85,1

24 440 3,8

84,5

27 369 3,9 94,6

De 1,01 a 2,00 SMs ........... Participação (%) ............ Índice .............................

201 705 33,3

117,8

225 120 35,1

131,5

268 445 38,2 156,8

De 2,01 a 5,00 SMs ........... Participação (%) ............ Índice .............................

287 756 47,5

85,8

297 796 46,4

88,8

312 676 44,5

93,2 De 5,01 SMs ou mais .........

Participação (%) ............ Índice .............................

80 089 13,2

59,7

81 616 12,7

60,8

75 834 10,8 56,5

FONTE DOS DADOS BRUTOS: RAIS (http://www.mte.gov.br)

NOTA: 1. Os dados referem-se a 31 de dezembro de cada ano. 2. O índice de crescimento tem como base dez./95 = 100.

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2 - Os têxteis catarinenses diante da abertura comercial

As indústrias têxteis e vestuaristas de Santa Catarina não foram poupadasda situação produzida pela abertura comercial do Brasil. Entrevistas em 65empresas de pequeno e médio portes (PMEs), localizadas em várias regiões doEstado, sugeriram que a maioria dos fabricantes foi afetada, direta ouindiretamente, em especial no segmento que produz artigos para o vestuário.As conseqüências diretas relacionaram-se à concorrência dos produtos impor-tados nos próprios mercados das firmas; as indiretas tinham a ver com as reaçõesde clientes, fornecedores ou concorrentes ao aumento das pressões competiti-vas representadas pelas importações (Lins, 2000b).

As respostas das empresas ao novo quadro concorrencial foram heterogê-neas, mas, de um modo geral e com significativa variação de intensidade, envolve-ram investimentos dirigidos à modernização das estruturas produtivas e organiza-cionais. Um dirigente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e doVestuário de Blumenau (Sintex) — maior cidade do Vale do Itajaí, principal regiãotêxtil-vestuarista de Santa Catarina, com destaque nacional — sublinhou, emartigo sobre o quadro vigente em meados dos anos 90, que “(...) as empresastiveram que acelerar o processo de modernização tecnológica da produção,diminuir os custos e aumentar a produtividade” (Kuhn, 1996, p. 2).

De fato, a referida pesquisa nas PMEs indicou que, não obstante a aludidadiferenciação nas respostas às novas condições de operação, os investimentosvisaram, antes de tudo, à atualização tecnológica de máquinas e equipamen-tos, facilitada por bens de capital estrangeiros mais acessíveis, tendo em vistaa própria abertura comercial. Inovações organizacionais, além de avanços naárea de criação (estilismo, modelagem, design), também ocorreram em algu-mas dessas empresas. Mesmo que as firmas de menor porte só raramentetivessem efetuado movimentos importantes nessa direção, pouco menos de umquinto do conjunto de PMEs estudadas já tinha introduzido a tecnologia CAD,essencial para o desempenho competitivo nas atividades em foco (Lins, 2000a).Iniciativas do gênero ocorreram mesmo em áreas de menor envolvimento relativonas atividades dessa cadeia produtiva, como são exemplos as regiões de Criciúma(Lins, 2002a) e, até mesmo, Florianópolis (Lins, 2002b), no que concerne àfabricação de artigos de vestuário.

Dados disponibilizados pelo Sintex são ilustrativos da dinâmica recentedessas atividades e de suas conseqüências (Tabela 2). Entre 1990 e 1997,período para o qual aquele sindicato disponibilizou informações sobre o númerode teares em uso por empresas do Vale do Itajaí, houve multiplicação dos tearesde algodão sem lançadeira, mais modernos, paralelamente à desativação de

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muitos teares com lançadeira, mais antigos. No conjunto de empresas ligadasao sindicato, a modernização simbolizada por esse contraste (mas não restritaa ele) representou o desaparecimento de um quarto dos postos de trabalho e oaumento de 40% na produtividade, expressa em toneladas produzidas por tra-balhador, no período 1990-97. Os dados, a partir de 1999, quando a pressão daconcorrência dos produtos importados já não era a mesma (devido à mudançana política cambial), mostram que o emprego apresentou incremento, até supe-rando os níveis do início da década. Isso sugere o quanto a exposição à maiorconcorrência externa repercutiu no trabalho assalariado: demitir foi uma rea-ção — se não “a” reação — privilegiada pelas empresas. Ao mesmo tempo,refletindo os movimentos enfeixados na reestruturação, a produtividade acusounotável crescimento.

Tabela 2

Indicadores sobre o desempenho das indústrias têxtil e vestuarista do Vale do Itajaí — 1990-01

INDICADORES 1990 1993 1995

Produção (t) ............................................ 102 000 96 000 120 000 Empregos ................................................ 51 000 48 000 41 000 Tonelada/trabalhador .............................. 2,0 2,0 2,9 Faturamento (US$ milhões) .................... 1 733,9 1 287,3 1 760,0 Investimento (US$ milhões) .................... 95,0 90,1 174,0 Teares para algodão com lançadeira ...... 1 090 649 1 106 Teares para algodão sem lançadeira ...... 869 1 024 1 298

INDICADORES 1997 1999 2001

Produção (t) ............................................ 107 000 245 280 275 000 Empregos ................................................ 38 000 46 000 54 000 Tonelada/trabalhador .............................. 2,8 5,3 5,1 Faturamento (US$ milhões) .................... 1 917,0 1 950,0 2 350,0 Investimento (US$ milhões) .................... 70,0 150,0 160,0 Teares para algodão com lançadeira ...... 540 ... ... Teares para algodão sem lançadeira ...... 1 458 ... ...

FONTE: Sintex.

Em Santa Catarina, como no Brasil de uma forma geral, os desafios daglobalização ensejaram inovações tecnológicas e organizacionais que permiti-ram a algumas empresas têxteis e vestuaristas, principalmente às de maiorporte, galgarem posições em termos de situação competitiva. Em contrapartida,

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a reestruturação significou a exclusão, ainda que possa ter sido temporária, denumerosos trabalhadores, e, igualmente, a intensificação do trabalho para osque conseguiram permanecer nos seus empregos, conforme documentado emestudos como o realizado pelo DIEESE (Reestruturação..., 1996). Todavia me-recem também referência os reflexos sociais da reestruturação produtiva quetranscendem as demissões e a intensificação do trabalho em escala de fábrica.

3 - Reestruturação e “precarização” do trabalho na cadeia têxtil catarinense

Internacionalmente, não é raro as condições de trabalho em atividadesintensivas em mão-de-obra chamarem atenção pelo seu elevado grau de preca-riedade em numerosas unidades produtivas. Em Santa Catarina, esse proble-ma, que evoca a face social da reestruturação produtiva, há de ser consideradocomo aspecto da reação das empresas às mudanças nas suas condições defuncionamento com a abertura comercial: em vários segmentos da cadeia têxtil,ganhou terreno a prática de transferir atividades para capacidades de produçãoexternas e formalmente independentes, quer dizer, a prática de subcontratar.

3.1 - Subcontratação como resposta às novas condições de concorrência

Forma de organização produtiva que proliferou em meio à reestruturaçãoefetuada por diferentes setores da indústria (Amato Neto, 1995), a subcontrataçãoconstituiu-se em opção privilegiada de muitas empresas têxteis e vestuaristasde Santa Catarina, independentemente do seu tamanho. A existência de umgrande número de desempregados, traço maior dos anos 90, pode ser conside-rada, a um só tempo, vetor e reflexo da opção pela subcontratação nessasindústrias: a escalada das demissões, por conta dos ajustes produtivo-organi-zacionais, gerou aumento das possibilidades de subcontratação devido à maioroferta de trabalho, e o recurso, em escala ampliada, a essas capacidades detrabalho externas repercutiu em maior redução dos quadros assalariados.

A mencionada pesquisa em 65 PMEs forneceu ilustração sobre as ques-tões assinaladas. Naquele conjunto de firmas, 81% transferiam etapas da pro-dução, sendo que várias empresas atuavam, simultaneamente, como repas-sadoras e tomadoras de encomendas. A incidência maior ocorria nas atividadesde costura, das mais intensivas em mão-de-obra, o que é sugestivo da motivaçãoprincipal da observada transferência de tarefas: reduzir custos (salários e encargossociais) sem diminuir a oferta, procedimento estratégico em face do acirramento

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da concorrência e da volatilidade dos mercados. As outras modalidades maispraticadas diziam respeito às atividades de lavação/tingimento, sendo que, namaioria dos casos, as decisões de subcontratar se mostravam também permea-das por considerações envolvendo economia com salários e diminuição do pesodos encargos sociais nas estruturas de custos.

Essas relações de subcontratação tendiam a ser temporárias, principal-mente no segmento vestuarista, onde é grande a influência das oscilações domercado e do ritmo de lançamento de coleções, o que significa alternânciaentre fases de intensificação e de redução das transferências. Além de geral-mente instáveis, os vínculos de subcontratação eram, não raro, tensos, guar-dando fidelidade ao modo como algumas empresas os encaravam. Em diversoscasos, admitiu-se ver na subcontratação não mais do que uma forma de “des-carregar” em terceiros o aumento dos pedidos, resultante do aquecimento domercado. Embora existam diferentes modalidades de subcontratação — Holmes(1986) refere-se às formas conjuntural ou de capacidade, estrutural ou de espe-cialização e ainda de fornecimento —, a que parecia prevalecer envolvia o sim-ples repasse das encomendas, ou seja, era conjuntural ou de capacidade. As-sim, os sentidos de cooperação e parceria eram pouco observados nesses vín-culos, que em quase nada evocavam as redes de fabricantes interligados porrelações densas, como ocorre em outras realidades, em especial nos “distritosindustriais” europeus (Lazerson, 1990).

Desse modo, não surpreende a posição dos trabalhadores sobre oaprofundamento da subcontratação, ou terceirização produtiva, na cadeia têxtilcatarinense. Na principal região têxtil-vestuarista do Estado, essa prática foidenunciada pelo respectivo sindicato como “(...) sistema que (...) representa umgrande retrocesso na conquista dos trabalhadores. Por quê? Porque direitoscomo Fundo de Garantia, décimo terceiro salário, férias, licença-maternidade,aposentadoria, etc. não existem no trabalho terceirizado” (Terceirização..., 1997,p. 1). Dessa maneira, é fácil perceber que, como aspecto maior dos ajustesobservados localmente, o aumento da subcontratação acabou contribuindo parao enfraquecimento da relação-padrão de emprego em benefício de outros tiposde vínculos, geralmente eivados de informalidade e de precariedade.

3.2 - Subcontratação e trabalho em domicílio

Das PMEs subcontratantes captadas na aludida pesquisa, quase a meta-de transferia atividades para trabalhadores em domicílio. Em algumas empre-sas, a totalidade da subcontratação tomava esse rumo, o que sugere ter sido ocrescimento dessa modalidade de trabalho um componente importante das es-tratégias das indústrias têxteis e vestuaristas de Santa Catarina, a exemplo do

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que representou em diferentes setores industriais no Brasil e no Exterior (Ruas,1993). Na cadeia têxtil catarinense, o trabalho domiciliar apontado pela pesqui-sa dizia, quase sempre, respeito às atividades de costura, como é característi-co desse tipo de trabalho na produção têxtil-vestuarista, principalmente no seg-mento de confecção (Abreu, 1986).

Essa tendência merece ser assinalada como ilustração de piora nas con-dições de trabalho na cadeia têxtil. É verdade que o trabalho em domicílio permi-te às mulheres que o praticam conciliar atividades que complementam a rendafamiliar (pequena, via de regra) com tarefas domésticas, como cuidar da casa edos filhos. Isso representa o principal atrativo dessa forma de trabalho, conformecaptado em entrevistas realizadas por Rosa (1999) com 30 costureiras da re-gião de Florianópolis, mas significa, igualmente, limites pouco claros entre ostrabalhos de costureira e doméstico e, não raro, dispêndio de tempo, na costu-ra, superior ao da jornada normal de trabalho, um tipo de problema para o qualtambém chamaram atenção Abreu e Sorj (1993) num outro contexto. De outraparte, naquele grupo entrevistado, o rendimento obtido em domicílio tendia a sermenor que o salário pago nas fábricas (conforme indicado por ex-funcionárias defábrica), e isso em condições de ausência de garantias trabalhistas, com ainstabilidade e a insegurança inerentes.

O principal tipo de atividade realizado por aquelas costureiras era a monta-gem de artigos de vestuário a partir de peças cortadas nas fábricas. Não setratava, portanto, de trabalho que estimulasse a capacidade de criação, masque exigia, sobretudo, velocidade. Igualmente problemático era que, sem con-tratos de qualquer espécie, as firmas pressionavam continuamente com relaçãoa prazos de entrega e nível de qualidade, impondo dificuldades principalmenteàs costureiras que trabalhavam para um só cliente, como em 13 das 30 entrevis-tadas por Rosa (1999).

Outro problema era a irregularidade das encomendas, espelhada naalternância de semanas com excesso de trabalho e de outras com (quase) ne-nhuma atividade. Como o pagamento era por peça costurada, essa desconti-nuidade forçava as costureiras a não deixarem passar as fases de pico, mesmodiante de problemas sérios, como os referentes à saúde delas próprias ou defamiliares. Por conseguinte, o trabalho à noite e nos finais de semana era comum,e também ocorria de as costureiras transferirem atividades para outras costureiras(sob condições de pagamento ainda piores), evitando recusar trabalho àsempresas subcontratantes mesmo em situação de escassas condições paraaceitar grandes quantidades. O motivo tinha a ver com a necessidade de evitaro risco de deslocamento do universo de externalização produtiva das empresas.

As próprias costureiras geralmente se encarregavam de buscar as peçascortadas e de devolvê-las na forma de artigos montados/acabados, absorvendoo ônus do transporte (ônibus) e do esforço físico. Quando havia defeitos, eramchamadas às empresas e retornavam para casa com os artigos a serem con-

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sertados. Embora considerassem ruim essa situação, as costureiras não recla-mavam, do mesmo jeito como procediam em relação aos preços pagos pelosseus serviços, indicados nas mencionadas entrevistas como muito baixos. Omotivo básico dessa subordinação tinha a ver com a capacidade demonstradapelas empresas para substituí-las com relativa facilidade e/ou com as ameaças(veladas ou não) nessa direção, em virtude da grande oferta de trabalho emdomicílio, decorrente, ao menos em parte, do próprio processo de reestruturaçãoprodutiva.

O aumento da concorrência com que se depararam as indústrias têxteis evestuaristas, devido à escalada das importações nos anos 90, chegava a serutilizado pelas firmas como justificativa para manter baixos os preços pagospelos serviços subcontratados, quando não para tentar reduzi-los ainda mais.Merece ainda referência, nesse esboço do quadro de adversidades que se insta-lou, o enfraquecimento do poder de negociação das costureiras, causado pelaatitude de trabalhadoras que, muito pobres, aceitavam encomendas por preçosinferiores à média, conforme observado por Silva (1997) em pesquisa sobre tra-balho feminino na indústria do vestuário, na região de Florianópolis.

3.3 - Subcontratação e cooperativas de trabalho

Também constatada no cenário têxtil-vestuarista catarinense foi asubcontratação em cooperativas de trabalhadores. O surgimento desse tipo decooperativa foi fenômeno observado amplamente no Brasil: sob o estímulo daforma de regulamentação adotada para os vínculos trabalhistas associados,sua quantidade foi multiplicada por 7,5 entre 1990 e 2000, com disseminaçãoem diferentes regiões do País e em vários setores de atividades (Furtado; Alves,2000). Em Santa Catarina, entre as cooperativas de trabalhadores criadas nadécada de 90, um número considerável vinculava-se às atividades da cadeiatêxtil, especialmente ao segmento de confecções, a julgar por uma recenteversão do Cadastro das Cooperativas Catarinenses (Organização..., 2000).Aspecto importante é que boa parte se localizou em municípios predominante-mente rurais.

O tema das cooperativas de trabalho tem sido objeto de acalorado debateno Brasil entre os que se ocupam de questões ligadas à situação do trabalho e,de um modo amplo, do problema do desenvolvimento social. Algumas posiçõesexaltam a potencialidade incrustada nessas cooperativas para gerar ocupaçãoe renda (Schneider; Vicente, 1996; Tesch, 1995), uma qualidade tanto maismerecedora de realce, tendo em vista as adversidades atuais para os que vivemdo trabalho. Há mesmo quem considere esse cooperativismo apto a pavimentaro caminho para um novo tipo de sociedade, de perfil socialista (Singer, 1999;

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2001). Outras posições, inspiradas em experiências como as de estados nor-destinos, que incluíram essas cooperativas em estratégias para atrair empresasem busca de mão-de-obra barata, sublinham o agravamento do caráter precáriodo trabalho nesse tipo de organização (Lima, 1998). Também designadas, emvários casos, pelo termo “cooperfraude”, quando se trata de iniciativas que sórepresentam menores custos para as empresas que subcontratam a pro-dução — sobretudo nos exemplos em que as cooperativas são criadas/organi-zadas pelas próprias empresas ou, pelo menos, sob o estímulo destas —, es-sas iniciativas são testemunhadas em diferentes áreas, até nas mais precoce-mente envolvidas com produção industrial, como diversos locais do Centro-Suldo País (Piccinini, 1998).

A subcontratação de empresas têxteis e vestuaristas de Santa Catarinaem cooperativas de trabalhadores foi estudada recentemente em investigaçãoque envolveu pesquisa direta em 11 cooperativas de confecção localizadas, namaioria, no Vale do Itajaí (Lins, 2001). A maior parte dessas cooperativas repre-sentava condição de fonte de trabalho externo para empresas daquela área,algumas costurando camisas, camisetas e moletons, outras costurando bordasde toalhas e pregando etiquetas. Um certo número registrou interferência exter-na (de instituições e até de empresas subcontratantes, através de “supervisores”de qualidade) na gestão, e mais da metade não era dona das instalações ou dasmáquinas utilizadas, existindo casos em que o maquinário fora cedido em regi-me de comodato pelas empresas subcontratantes. A maioria das cooperativasbuscava nas empresas os materiais a serem trabalhados — peças já cortadas,no essencial, mas, às vezes, também linhas e agulhas, cujos preços eram,geralmente, descontados do pagamento pelo serviço prestado — e entregava osprodutos prontos, responsabilizando-se pelo transporte, sob especificações deprazo e preço definidas pelas empresas.

Grande parcela das costureiras associadas considerava vantajosa a condi-ção de cooperada. O principal motivo relacionava-se à renda, até mesmo entreas mulheres que haviam sido assalariadas anteriormente em empresas da re-gião, embora este não fosse o caso da maioria. Também influenciava o entendi-mento de que, em contexto de grandes demissões e com menores possibilida-des de engajamento assalariado, tal cooperativismo despontava como perspec-tiva de ocupação e de rendimento. De todo modo, em cinco das 11 cooperativas,sublinhou-se haver descontentamento pela falta de registro em carteira e dosbenefícios que caracterizam o vínculo assalariado, assim como pela instabilida-de da atividade produtiva, dependente de encomendas e com períodos alterna-dos de quase ausência de atividades e de intensidade tão grande que implicavahoras quase ininterruptas de costura. É sintomático que, nessas cooperativas,as entrevistas tenham captado que várias associadas optariam pelo trabalhoassalariado, se isso fosse possível.

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4 - Reestruturação e revigoramento de sistemas antigos de trabalho

Se a modernização tecnológica correspondeu à face high tech da reestrutu-ração protagonizada nas atividades têxteis e vestuaristas catarinenses, ou àsua vertente moderna, a subcontratação, com as características registradas,pode ser considerada, por assim dizer, o seu pilar arcaico. De fato, o putting-outsystem, que para as empresas implica o envolvimento decisivo de capacidadesprodutivas externas, em direção às quais são dirigidas atividades de fabricação,era a forma de organização já observada no período da manufatura na Europa doNorte, berço europeu do capitalismo industrial.

Discorrendo sobre a ascensão econômica da Holanda no século XVII,Wallerstein (1984) assinala que, “(...) por volta de 1600, a estrutura da produçãohavia passado das associações de artesãos à manufatura e ao sistema detrabalho em domicílio [putting-out]” (p. 60). O trabalho domiciliar caracterizava--se, além do que o adjetivo “domiciliar” indica, pelo uso de ferramentas e equipa-mentos próprios e pelo fornecimento de matérias-primas por comerciantes-em-presários, os quais dispunham, a preços previamente definidos, das mercado-rias fabricadas para vendê-las. Atuando só, com familiares ou com aprendizes,o produtor domiciliar, geralmente, revelava-se endividado com o comerciante--empresário e, não raramente, era obrigado a combinar esse tipo de trabalhocom outras atividades econômicas.

“O sistema de trabalho em domicílio era conhecido já na Idade Média,mas foi no século XVI que se difundiu de forma significativa (...). Essesistema foi freqüentemente identificado com a indústria têxtil, porémfoi utilizado em quase todos os ramos da produção industrial. Nasituação de estagnação do século XVII, [esse sistema] se difundiuainda mais do que no século XVI, com uma importante modificação.Em toda a Europa, as indústrias que utilizavam o trabalho em domicíliose deslocaram para as zonas rurais. O motivo principal era o aumentodos lucros do comerciante-empresário.” (Wallerstein, 1984, p. 268).

No século XIX, já em pleno regime de fábrica e incorporando trabalhadoresdomiciliares em grande medida, o putting-out system manteve-se como formade organização amplamente observada. Na Europa continental, em países comoa França (Wallerstein, 1998), essa modalidade de trabalho tanto configurousubstrato da própria expansão industrial como se apresentou impulsionada porconta da sua participação no processamento de produtos ingleses semi-acaba-dos (Landes, 1994). E mesmo onde a produção fabril já alcançara patamar dedifusão considerável, como na Grã-Bretanha, o trabalho industrial em domicíliopersistiu como modo de organização utilizado em ampla escala. A massa dos

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elementos para o trabalho, abrangendo matérias-primas e insumos, era fornecidapelas fábricas, e seu manuseio cabia aos numerosos contingentes de trabalha-dores deslocados pelo próprio regime fabril e pela agricultura capitalista.

Marx refere-se a tal forma de utilização da força de trabalho, em regime defábrica, com a expressão “moderno trabalho em domicílio” (Marx, 1976a, p.444), fórmula para designar uma “(..) pretensa indústria doméstica que não temnada em comum (...) com a antiga indústria doméstica, a qual supõe o ofícioindependente nas cidades [e] a pequena agricultura independente no campo”(Ibid. p. 440-441). O motivo do contraste é que o trabalho domiciliar em regimefabril

“(...) converteu-se (...) em um departamento externo da fábrica, damanufatura ou da loja de mercadorias. Além dos operários de fábrica,dos operários de manufatura e dos artesãos, que concentra em grandesmassas no interior de vastas oficinas, onde os comanda diretamente,o capital possui um outro exército industrial, disseminado nas grandescidades e no campo, ao qual dirige por meio de fios invisíveis (...)”(Marx, 1976a, p. 441).

Essa transformação do trabalho em domicílio foi observada, principalmen-te, na produção de artigos de vestuário — Engels (1985) salienta a fabricação deespartilhos por exemplo —, em que o advento da máquina de costura produziuimportantes efeitos, como se observou em outros casos de mecanização. Marxassinala que, em meados do século XIX, a partir da introdução dessa máquina,o sistema de organização mais utilizado na indústria de vestuário inglesa eraaquele no qual “(...) o capitalista faz executar o trabalho na sua oficina por meiode máquinas e distribui os produtos resultantes, para a sua elaboração ulterior,no exército de trabalhadores em domicílio” (Ibid. p. 451).

Qual a motivação básica para a transferência de atividades produtivas?Marglin (1980) atribui a disseminação do putting-out system ao interesse doscapitalistas em, mediante a separação das tarefas e a especialização das fun-ções, conservar o seu controle sobre a produção, ou seja, em assegurar o seupróprio papel econômico. Marx (1976a), de sua parte, havia apontado um aspec-to básico da lógica subjacente à externalização de etapas da produção no pe-ríodo fabril ao destacar o “(...) desejo do capitalista em ter ao alcance da mãoum exército proporcionado a cada flutuação da demanda e sempre mobilizado”(Ibid. p. 449), um problema que concerne à flexibilidade das respostas dos fabri-cantes às oscilações do mercado. Ora, o trabalho domiciliar era uma fonte es-sencial para o recrutamento sistemático de um “(...) exército industrial de reser-va sempre disponível, que sofre dizimação pelo exagero do trabalho forçadodurante uma parte do ano e que é reduzido à miséria pelo desemprego forçadodurante a outra” (Ibid. p. 456). Entretanto esse recrutamento acontecia ao ritmo

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da sazonalidade que caracterizava o mercado para artigos de vestuário, além debasear-se no poder de arregimentação incrustado no ato de distribuir matérias--primas entre trabalhadores desprovidos de meios para obtê-las de forma ade-quada por conta própria.

Marx também evocou a motivação relacionada à redução de gastos propor-cionada pelo putting-out system. Nas suas palavras, uma grande vantagem éque “(...) o capitalista economiza as despesas de oficina quando a fabricação édisseminada” (Ibid. p. 332). Os menores gastos possibilitados pela transferên-cia da produção aparecem, igualmente, como objeto do seu comentário sobre oimpulso ao putting-out representado pela legislação que regulamentava o uso demulheres e crianças pela grande indústria. Por não ser objeto dessa regulamen-tação, o trabalho domiciliar, tanto quanto a pequena indústria, de um modogeral, canalizava considerável parcela das atividades de produção, o que sedava em contexto de grande pressão sobre as mulheres (esposas dos produto-res por exemplo) e as crianças (filhos por exemplo), devido à necessidade decumprir os prazos de entrega.

Esse aspecto remete, diretamente, ao problema das condições de traba-lho no putting-out system. O estudo de Engels (1985) sobre os trabalhadores deManchester condensa importantes observações sobre isso, salientando a inten-sidade alucinante do trabalho e a situação de insalubridade generalizada, paranão falar da alimentação. Mantoux (1962) é igualmente enfático ao frisar que“(...) foi em certas indústrias em domicílio que se perpetuaram (...) os procedi-mentos de exploração mais impiedosos. Foi nelas que se levou à perfeição aarte de extrair de uma criatura humana a soma de trabalho mais abundante emtroca do mais reduzido salário” (Ibid. p. 52).

Também em relação a esse assunto, as atividades enfeixadas na produ-ção de artigos de vestuário revelam-se, historicamente, exemplos bem acaba-dos, como Marx descreveu, de modo contundente, em capítulo sobre a “jornadade trabalho” na indústria inglesa de meados do século XIX, momento em que o“(...) capital estava em plena orgia” (Marx, 1976a, p. 270). A abordagem de Marxdeixa claro, em particular, que a produção domiciliar de artigos de vestuário nãoconfigura exceção à regra segundo a qual, nessa forma de trabalho, a “(...)exploração torna-se ainda mais escandalosa do que na manufatura porque acapacidade de resistência dos trabalhadores diminui em razão da sua disper-são (...)” (Ibid. p. 441).

♦ ♦ ♦

No essencial, esses comentários sobre o putting-out system nos séculosXVIII e XIX poderiam aplicar-se a vários aspectos da subcontratação dissemina-da nos anos 90, no universo têxtil-vestuarista catarinense.

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5 - Chips & sweatshops

O que se abordou nas seções anteriores justifica asseverar que a reestrutu-ração das indústrias têxteis e vestuaristas de Santa Catarina transcendeu, nassuas implicações, a problemática da atualização/modernização tecnológica doparque fabril, um aspecto sempre reafirmado no discurso empresarial sobre asiniciativas efetuadas nos anos 90. Realmente, as pressões decorrentes daabertura comercial ensejaram condutas com diferentes significados nessasindústrias.

Em busca de avanços genuínos na competitividade, investiu-se em inova-ções tecnológicas e organizacionais que representaram algum nível de adequa-ção aos padrões internacionais, e, assim, a reestruturação traduziu-se em mo-dernização, que se materializou, dentre outras coisas, na incorporação de ino-vações tecnológicas na forma de novas máquinas e equipamentos. Em certoscasos, principalmente nas empresas mais importantes, isso representou atéacompanhamento das tendências internacionais, um resultado que, conformejá registrado, se inscreveu na face high tech da reestruturação. Repercussõesjunto aos trabalhadores não deixaram de se fazer sentir, seja pelo aumento nacomposição orgânica do capital — implicando demissões, com incremento daprodutividade —, seja pela intensificação do trabalho no chão-de-fábrica.

Entretanto, como frisado, os reflexos para os trabalhadores não derivaramsomente das iniciativas de atualização tecnológica e organizacional das empre-sas. Nas firmas menores, movimentos efetivos de modernização foram, a rigor,escassos, embora tenham sido registrados também nessa escala empresarial.O que se mostrou recorrente foi o recurso à subcontratação, implicando diferen-tes formas de trabalho, incluídas as vinculadas à esfera domiciliar e às coopera-tivas de trabalhadores. De fato, na tentativa de reduzir custos e aprofundar aflexibilidade nas respostas às oscilações do mercado, praticou-se amplamentea subcontratação conjuntural, um expediente que, sobretudo quando houveenvolvimento de empresas ditas “de fundo de quintal”, de trabalhadores em do-micílio e de cooperativas de trabalhadores, contribuiu para exacerbar a preca-riedade do trabalho. Relacionada à multiplicação das demissões nas fábricas,essa tendência representou uma certa substituição da mão-de-obra engajadanos termos da relação padrão de emprego por capacidades produtivas, cujamobilização implica uma considerável “precarização”, coerente com aflexibilização sem atenuantes das relações, com enormes vantagens para asempresas.

Em outras palavras, nessas indústrias, como também ocorreu, certamen-te, em outros tipos de atividades intensivas em trabalho, em Santa Catarina ounão, o chip, metáfora da modernização tecnológica na aurora do século XXI,apresentou-se de mãos dadas com formas de organização produtiva impregna-

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das pelo sentido do putting-out system e que evocam as sweatshops, símbolosdas lamentáveis condições de trabalho em fases pretéritas da trajetória da in-dustrialização. De um modo geral, portanto, a situação do trabalho nas indús-trias têxteis e vestuaristas catarinenses registrou deterioração não negligenciável.

A Tabela 3 possibilita uma idéia sobre a situação do trabalho nessas in-dústrias, na segunda metade dos anos 90, quando os efeitos da abertura co-mercial se fizeram sentir plenamente. Apresentam-se indicadores construídoscom base nos resultados da Pesquisa Industrial Anual-Empresa (PIA-Em-presa), do IBGE, a partir de 1996, ano em que essa instituição passou a adotara concepção de pesquisa utilizada atualmente. Refletindo aspectos estruturaise expostos de maneira a permitir comparação entre grupos de atividades identi-ficados na PIA-Empresa como indústrias de transformação, fabricação de pro-dutos têxteis e confecção de artigos de vestuário e acessórios, os indicadoressão os seguintes:1

- coeficiente de transformação industrial - obtido mediante a divisão dovalor adicionado pelo valor da produção; reflete a capacidade de geraçãode renda;

- coeficiente de distribuição de renda - resulta da divisão do total de salários pelo valor adicionado e informa sobre a apropriação da renda;

- mark-up - calculado dividindo-se o lucro (igual ao valor adicionado menos o total de salários) pelo custo total; indica a rentabilidade;

- participação do total de salários nos custos totais.Além desses indicadores, apresenta-se, para cada ano, o resultado da

divisão do lucro pelo total de salários, referido na Tabela 3 pela expressão “taxade exploração”. Trata-se de uma simples aproximação, pois, conceitualmente,o lucro corresponde a uma fração da mais-valia. Todavia talvez o próprio Marxsugerisse a pertinência de uma tentativa como essa: “(...) imaginada como re-bento da totalidade do capital avançado, a mais-valia toma a forma transfiguradade lucro” (Marx, 1976b, p. 46), e ainda: “(...) [o] lucro, tal como se apresenta(...), é (...) a mesma coisa que a mais-valia: é simplesmente uma forma dissi-mulada desta (...)” (Op. cit.).

A Tabela 3 mostra, em primeiro lugar, que na segunda metade dos anos90, a capacidade de geração de renda das atividades de produção de artigos devestuário e acessórios se apresenta maior do que a da indústria de transforma-ção como um todo e, também, do que a da produção têxtil, embora revele umaligeira tendência de redução. Mas o que de fato é importante, tendo em vista orecorte privilegiado no artigo, é que, não obstante uma certa oscilação, o coefi-ciente de distribuição de renda — indicativo da parcela da renda apropriada

1 Esses indicadores foram utilizados por Laplane (1992) em estudo sobre o complexo eletrônico.

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pelos salários — se apresenta marcadamente declinante, quer na totalidade daindústria de transformação, quer na fabricação têxtil e na de artigos de vestuárioe acessórios. O mesmo ocorre com a participação dos salários nos custos,embora, aqui, a pronunciada queda no têxtil e no vestuário não tenha sido acom-panhada por comportamento semelhante, em intensidade, na indústria comoum todo, o que estaria a indicar uma certa particularidade daqueles setores.Também diferenciado foi o comportamento do mark-up, indicador de “rentabili-dade”: notável progressão no conjunto da indústria de transformação, oscilaçãosem mudança clara de tendência na fabricação vestuarista e variação com apa-rente trajetória de declínio, principalmente no final do período, na produçãotêxtil.

Tabela 3

Indicadores sobre aspectos estruturais e sobre as condições dos trabalhadores nos grupos de atividades indústrias de transformação, fabricação de produtos têxteis e confecção

de artigos de vestuário e acessórios em Santa Catarina — 1996-00

INDICADORES E GRUPOS DE ATIVIDADES 1996 1997 1998 1999 2000

Coeficiente de transformação industrial (%) (1) Indústrias de transformação ………………………. 44,0 46,7 45,2 48,1 44,2 Fabricação de produtos têxteis ………………….... 46,0 45,8 45,3 43,8 45,1 Confecção de artigos de vestuário e acessórios .. 56,5 54,4 52,4 54,7 53,0

Coeficiente de distribuição de renda (%) (2) Indústrias de transformação ……………………..... 35,1 29,9 30,6 24,3 26,7 Fabricação de produtos têxteis ………………….... 37,2 37,8 35,3 28,7 28,6 Confecção de artigos de vestuário e acessórios .. 35,7 35,6 34,7 27,8 30,3

Mark-up (%) (3) Indústrias de transformação .................................. 39,9 48,6 45,7 57,3 74,5 Fabricação de produtos têxteis ............................. 40,7 39,8 41,5 45,4 32,2 Confecção de artigos de vestuário e acessórios .. 57,0 53,9 52,0 65,2 58,6

Participação dos salários totais nos custos totais (%)

Indústrias de transformação .................................. 21,6 20,8 20,1 18,4 20,6 Fabricação de produtos têxteis ............................. 24,1 24,2 22,6 18,3 12,9 Confecção de artigos de vestuário e acessórios .. 31,7 29,9 27,7 25,2 25,5

“Taxa de exploração” (4) Indústrias de transformação .................................. 1,85 2,34 2,27 3,11 3,61 Fabricação de produtos têxteis ............................. 1,69 1,65 1,83 2,49 2,50 Confecção de artigos de vestuário e acessórios .. 1,80 1,80 1,88 2,59 2,30

FONTE DOS DADOS BRUTOS: PESQUISAS INDUSTRIAIS ANUAIS — 1996; 1997; 1998; 1999; 2000: Empresa. Rio de Janeiro: IBGE, 2000a, b, c; 2001; 2002.

(1) Quociente valor adicionado/valor da produção. (2) Quociente total de salários/valor adicionado. (3) Quociente lucro (calculado subtraindo-se o total de salários do valor adicionado)/custo total. (4) Quociente lucro/total de salários.

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A relação entre lucros e salários, designada como “taxa de exploração”,ampliou-se consideravelmente nos três grupos de atividades, com expansãoparticularmente destacada na indústria de transformação. Examinado junto como coeficiente de distribuição de renda, isso estaria a espelhar uma representati-va tendência de regressão na situação dos trabalhadores.

Cabe notar que, entre 1998 e 1999, ocorreu um brusco agravamento dosindicadores que mais refletem as condições dos trabalhadores: a relação entresalários e valor adicionado contraiu-se bastante; os custos salariais como per-centagem dos custos totais encolheram consideravelmente; a “taxa de explora-ção” deu um salto. Esse comportamento poderia estar espelhando os efeitos dadesvalorização cambial, já que, por exemplo, a perda do poder de compra damoeda brasileira certamente afetou os custos de produção, notadamente nasempresas que utilizam insumos importados, e isso, provavelmente, reduziu opeso dos salários nas estruturas de custos, com reflexo nos indicadores. Detodo modo, o percurso de retrocesso aparece desde o começo do período co-berto pelos dados e, de certo modo, persiste até 2000, particularmente na fabri-cação têxtil, onde a participação dos salários nos custos totais caiu de 18,3%para 12,9% no biênio 1999-00.

Portanto, não parece equivocado considerar que, de alguma maneira, omovimento dos indicadores reflete a reestruturação industrial efetuada. Esta,como se observou, teve no binômio chip-sweating-system — evocativo de umaconvergência entre diferentes formas de trabalho — um traço característico es-sencial.

6 - Considerações finais

Importa assinalar, nas considerações finais, que as mudanças detectadasna cadeia têxtil catarinense, com ajustes onde se combinaram atualizaçãotecnológica e revigoramento de práticas organizativas típicas de fases pretéritasdo capitalismo, devem ser consideradas em relação a tendências mais geraisdetectadas na atualidade. Parece adequado situá-las, por exemplo, em face doque Harvey (1993) descreve como “acumulação flexível”, expressão que remetea um novo paradigma tecnológico e organizacional, representando mais flexibi-lidade comparativamente ao paradigma fordista (Roobeek, 1987). Para o queinteressa neste artigo, cabe sublinhar que o primeiro significa o “(...) retorno dossistemas de trabalho doméstico, familiar e paternalista” (Harvey, 1993, p. 175),com “sistemas de trabalho alternativos (...) [existindo] lado a lado, no mesmoespaço, de uma maneira que permita que os empreendedores capitalistas es-colham à vontade entre eles (...)” (Ibid.).

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Isso implica, como se percebeu nas indústrias têxteis e vestuaristas deSanta Catarina, uma irrecusável tendência à heterogeneidade no âmbito do tra-balho, já que “(...) o ultramoderno não só se combina com formas tradicionais,mas restaura, em uma parte do sistema produtivo, relações sociais e de traba-lho que se pretendia ultrapassadas” (Paiva; Potengy; Chinelli, 1997, p. 131).Note-se que se tangencia aqui o problema do papel do trabalho na sociedadecontemporânea, um tema central nos debates das últimas décadas sobre a vidasocial. Offe (1989), por exemplo, argumenta que o trabalho assalariado teveerodido o seu desempenho na modelagem da estrutura social, em flagrantediferença com a situação observada entre o século XIX (pelo menos) e meadosdo século XX. Nesse ponto de vista, Offe é acompanhado por autores comoGorz (1988) e, no seio de reflexões mais amplas sobre o que é identificadocomo “paradigma da produção”, também por Habermas (1990).

Isso é assinalado tão-somente para chamar atenção sobre a amplitude dotema relativo às mudanças no trabalho e sobre a complexidade da sua aborda-gem. Não era pretensão deste estudo discorrer sobre o papel do trabalho nasociedade atual de uma forma ampla. O que se almejava era enfocar areestruturação industrial e suas conseqüências sociais com base nas iniciati-vas protagonizadas pelos setores têxtil e vestuarista de Santa Catarina na déca-da de 90. Com tal propósito, descobriu-se que os ajustes realizados se caracte-rizaram pelo relativo paralelismo entre alguns impulsos de modernização dasestruturas produtivas e o ressurgimento, com aparente disseminação, de práti-cas organizativas que marcaram o capitalismo no passado, em todos os casoscom efeitos inegáveis na esfera do trabalho.

Seja como for, não parece despropositado enxergar, nesse paralelismo,uma certa manifestação de movimentos em curso na cena mundial desde mea-dos do século XX. Nos países centrais, e, principalmente, nos semiperiféricos enos periféricos, o crescimento industrial posterior à Segunda Grande Guerraproduziu muito mais uma semiproletarização do que uma completa proletarização,na medida em que, apesar do avanço da indústria, o sustento de numerosasunidades familiares seguiu baseando-se numa combinação de salários, produ-ção de subsistência e pequenas operações mercantis, dentre outras fontes.Para Tabak (1998), a semiproletarização aconteceu não só durante a rápidaexpansão econômica do pós-guerra. Tem sido também proeminente, com inten-sidade ainda maior do que antes, desde a inflexão daquele crescimento, nointervalo 1967-73. É que, a partir de então, no sistema mundial, o “(...) trabalhode tempo parcial, o emprego temporário e arranjos similares tornaram-se (...)elementos indispensáveis da reorganização da produção nas zonas centrais. Ea ‘informalização’ da produção e do trabalho nas zonas semiperiféricas e perifé-ricas alcançou proporções colossais” (Ibid. p. 103).

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Portanto, se é verdade que o período atual corresponde a uma longa tran-sição de um sistema histórico para outro, como pretende Wallerstein (1991), ese é fato que a heterogeneidade das formas de trabalho ganha terreno, inapelavel-mente, com “precarização” aprofundada das relações, parece evidente que areflexão crítica sobre a sociedade contemporânea tem, na problemática dotrabalho, um assunto decisivo, até para ensaios de vislumbre sobre o que podereservar o futuro. Estudos sobre realidades específicas, como o ilustrado poresta pesquisa sobre os reflexos sociais da reestruturação produtiva em SantaCatarina, talvez possam contribuir, de alguma maneira, para uma tal reflexão.

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Arranjos produtivos locais informais: umaanálise de componentes principais paraNova Serrana e Ubá — Minas Gerais

Fabiana Santos Pesquisadora Associada do Cedeplar-UFMG, PhD Candidate, University of Cambridge.Marco Crocco Professor Adjunto do Cedeplar-UFMG, PhD, University of London.Rodrigo Simões Pesquisador Associado do Cedeplar-UFMG e PROPPg-PUC-Minas, Doutorando do

Instituto de Economia da Unicamp.

ResumoA discussão sobre as vantagens de arranjos produtivos locais para o desenvol-vimento tecnológico e regional de um país já está bastante amadurecida e do-cumentada na literatura econômica. No entanto, apesar dos avanços realizadosna identificação e na classificação das aglomerações industriais existentes,pouco se tem avançado nas razões que levam aglomerações de um mesmotipo a apresentarem dinâmicas diferenciadas. O presente artigo pretende explicitaras “circunstâncias especiais” responsáveis pela diferença de performance entredois arranjos similares — o arranjo produtivo calçadista de Nova Serrana e oarranjo produtivo moveleiro de Ubá. Através do uso da Análise de ComponentePrincipal (ACP), foi possível indicar linhas de políticas com ênfases diferencia-das para cada cidade, a partir da análise de fatores como tipo de governança,características urbanas, infra-estrutura, dentre outros.

Palavras-chaveAglomerações produtivas; indústria; clusters.

AbstractThe discussion about the advantages of local productive systems for thetechnological and regional development is very well document in the economicliterature. However, although the identification and classification of existentslocal industrial agglomerations have been very well developed in recent years,

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few advances have been made on the understanding about why suchagglomerations have presented differentiate performance. The aim of this pieceis to analyze the “special circumstances” that are responsible for this differencethrough the study of two similar industrial agglomerations. Using the PrincipalComponent Analysis it is possible to indicate the adequate economic policy foreach agglomeration based on the features of their governace, millie, infra-structure,among others.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 28.11.02.

Introdução

A discussão sobre vantagens de arranjos produtivos locais para o desen-volvimento tecnológico e regional de um país já está bastante amadurecida edocumentada na literatura econômica. Inúmeros são os estudos existentes eas sugestões de políticas. No entanto, apesar dos avanços realizados na iden-tificação e na classificação das aglomerações industriais existentes, pouco setem avançado nas razões que levam aglomerações de um mesmo tipo a apre-sentarem dinâmicas diferenciadas. O presente artigo não pretende criar uma“subtipologia” para cada um dos tipos de arranjos produtivos já identificados naliteratura, mas explicitar as “circunstâncias especiais” responsáveis pela dife-rença de performance de dois arranjos similares — o arranjo produtivo calçadistade Nova Serrana e o arranjo produtivo moveleiro de Ubá. Tais diferenças devembalizar ações públicas e privadas que busquem o desenvolvimento econômico“local”. Pretende-se, portanto, contribuir para a identificação de fatoresdeterminantes das dinâmicas dos distintos arranjos, bem como para a formula-ção de políticas públicas que levem em consideração as especificidades decada arranjo. Além desta breve introdução, compõem o artigo outras três seções:na próxima, efetua-se uma breve discussão teórica acerca de arranjos produti-vos (ou clusters). Na seção 2, apresentam-se as principais características dasaglomerações em estudo. Na seção 3, efetua-se uma análise de componenteprincipal buscando determinar as similaridades e diferenças entre tais aglome-rações. Por fim, apresentam-se algumas conclusões.

1 - Arranjos produtivos: aspectos teóricos

A discussão sobre clusters vem adquirindo uma crescente relevância naliteratura de economia industrial. Esse interesse tem origem nas mudanças

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ocorridas a partir da década de 70 no ambiente competitivo das empresas. Taismudanças ocorrem simultaneamente com a emergência de um novo paradigmatecnológico (baseado na microeletrônica), que impõe um processo produtivomais intensivo em conhecimento. Essa tendência é observada tanto em indús-trias tradicionais, tais como a da pesca no Chile, a dos móveis na Dinamarca, atêxtil na Itália e a de confecções em Taiwan e na Tailândia, quanto em indústriasmodernas, como a microeletrônica no Silicon Valley, nos EUA. Esse processoé reforçado pela liberalização econômica, que desmantelou as tradicionais bar-reiras de comércio e investimento (Mytelka; Farinelli, 2000; Mytelka, 1987, 1999),alterando, significativamente, o ambiente competitivo, de uma maneira geral, ecolocando enormes dificuldades para as Pequenas e Médias Empresas (PMEs).

Para enfrentar esse ambiente globalizado, PMEs locais tiveram que nãosomente se adaptar crescentemente aos padrões internacionais de qualidade,velocidade de resposta e flexibilização (Schmitz; Nadvi, 1999), mas, também,aumentar significativamente as formas de cooperação, tanto verticais quantohorizontais. Esse foi o exemplo pioneiro dado pelas empresas da chamadaTerceira Itália no final dos anos 70. A partir dessa experiência, a comunidadecientífica começou a observar que a proximidade física das PMEs propiciavanão somente externalidades (ou, como conhecido na literatura de economiaregional, economias de aglomeração), mas também condições para umainteração cooperativa no sentido da superação de problemas comuns. Tais aglo-merações são chamadas de clusters.

É importante ter claro que, como discutido na literatura teórica de clusterse distritos industriais, a participação de empresas em aglomerados produtivos,caracterizados por vínculos entre atores localizados em um mesmo ambien-te — tais como distritos e pólos industriais, clusters, redes e outros — temauxiliado empresas dos mais variados tamanhos e, particularmente, micro, pe-quenas e médias a superarem barreiras ao seu crescimento. As vantagens as-sociadas a esses tipos de arranjo referem-se à possibilidade de se explorar demaneira eficaz as eficiências coletivas e/ou a desenvolver economias externasàs firmas (cooperação empresarial, especialização do trabalho, infra-estruturacoletiva, especialização de serviços, etc.). Nesse caso, o aglomerado produtivopode se beneficiar do aumento da capacidade de negociação coletiva de insumose componentes, podendo reduzir custos de produção e, ao mesmo tempo, exi-gir um maior nível de qualidade e uma maior especialização das plantas. Trocade informações técnicas e de mercados, emergência de centros de prestaçãode serviços, treinamento da mão-de-obra, criação de consórcios diversos paracompra e venda de bens e de serviço são vantagens associadas às caracterís-ticas típicas de distritos industriais. Tais atividades cooperativas facilitam o de-senvolvimento de novos modelos, processos e organização da produção, bemcomo a criação e o barateamento de campanhas de marketing de produto e a

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distribuição dos produtos tanto no mercado interno quanto no externo. Suma-riamente, nas palavras de Schmitz e Nadvi (1999, p. 1506),

“O argumento é que o processo de formação de clusters facilita amobilização de recursos financeiros e humanos, reduz riscos dasetapas de investimento, cria suporte para as firmas e facilita ofortalecimento de pequenas firmas. É um processo no qual negócioscriados por outros — muitas vezes despropositadamente, algumasintencionalmente — possibilitam a acumulação de capital ecapacitação (tradução do autor)”.

Entretanto, se, por um lado, existe hoje um crescente acordo sobre opapel da proximidade na superação pelas empresas, principalmente PMEs, dasrestrições ao crescimento, possibilitando a elas competirem em mercados dis-tantes, por outro, existe também o reconhecimento de que a emergência, asobrevivência e o crescimento de um cluster não ocorre de forma automática(Schmitz; Nadvi, 1999). Existem circunstâncias especiais nas quais a proximi-dade pode impulsionar tanto o crescimento industrial quanto a competitividadede empresas e regiões. Além disso, tais circunstâncias afetam diferentementedistintas aglomerações industriais, produzindo, dessa forma, trajetórias de cres-cimento diferenciadas.

A existência de trajetórias distintas para arranjos distintos levou aosurgimento de uma gama enorme de tipologias de clusters. Não é o objetivo,aqui, fazer-se uma revisão destas. No entanto, para o trabalho em questão, areferência a alguma tipologia é de fundamental importância e merece algumadiscussão.

Uma distinção inicial pode ser feita entre clusters induzidos por políticaspúblicas — clusters construídos, tais como as tecnópolis, os parques industri-ais, as incubadoras de empresas e as Zonas de Processamento de Exporta-ções (ZPEs) — e os gerados espontaneamente, por meio de empresas de ummesmo setor que, histórica e socialmente, se aglomeram em determinadosespaços. Aqui interessam, particularmente, os de segundo tipo, face aos objetivosespecíficos deste estudo. Os clusters espontâneos diferenciam-se por um con-junto de variáveis que enfatizam a capacidade dinâmica do arranjo. Essas variá-veis permitem criar uma tipologia e caracterização como a apresentada noQuadro 1.

Não cabe aqui uma descrição pormenorizada dessas características, masé importante serem salientados alguns aspectos. O primeiro é que os clustersinformais e os organizados são a forma predominante nos países periféricos,sendo os inovativos a forma mais encontrada nos países centrais (Mytelka;Farinelli, 2000).

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Arranjos ou clusters informais, tal como definido por Mytelka e Farinelli(2000), são, em geral, formados por micro e pequenas empresas, com baixonível tecnológico e cujos donos/administradores possuem pouca ou nenhumacapacidade e formação gerencial e administrativa. Também a mão-de-obra épouco qualificada, sendo seu treinamento uma prática pouco usual. Face àspequenas ou inexistentes barreiras à entrada, o número de empresas tende aser muito grande, o que, se, de um lado, proporciona uma dinâmica acentuadana geração de emprego, por outro, dificulta o processo de cooperação interfirmas.Essa é a razão pela qual a capacidade de mudança de patamar no que tange àcapacidade de inserção dinâmica via exportações, de geração de novos proces-sos e produtos e da própria sobrevivência em médio prazo é pequena. Essesarranjos são típicos de aglomerados monoprodutores de PMEs, onde o esforçode imitação se limita à cópia sem adaptação, desprovidos de uma absorção

Quadro 1 Tipologia de clusters

DISCRIMINAÇÃO CLUSTERS INFORMAIS

CLUSTERS ORGANIZADOS

CLUSTERS INOVATIVOS

Existência de liderança Baixa Baixo a média Alta

Tamanho das firmas Micro e pequena PMEs PMEs e grandes

Capacidade inovativa Pequena Alguma Contínua

Confiança interna Pequena Alta Alta

Nível de tecnologia Pequena Média Média

Linkages Algum Algum Difundido

Cooperação Pequena Alguma a alta Alta

Competição Alta Alta Média a alta

Novos produtos Poucos; nenhum Alguns Continuamente

Exportação Pouca; nenhuma Média a alta Alta

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Arranjos produtivos locais informais:...

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direcionada para melhoramento e aperfeiçoamento de produtos que possibilitema entrada efetiva do(s) imitador(es) nos nichos de mercado do inovador. Nessecaso, o ambiente organizacional do arranjo de empresas não é apenas passivo,na medida em que não é capaz de interferir nas trajetórias tecnológicas e nasestruturas de mercado mundiais, mas também fechado, tendo em vista que suaárea de mercado não ultrapassa o espaço regional. As dificuldades de busca depolíticas públicas que contribuam para a criação de uma estrutura de governançae, assim, transformem o ambiente organizacional entre as empresas locais po-dem resultar na não-progressão desses arranjos produtivos, reforçando sua na-tureza de subsistência.

Clusters organizados são compostos, geralmente, por PMEs, nas quais acapacidade tecnológica, se não está absolutamente up to date com a fronteira,se encontra em expansão e, em alguns casos, muito próxima ao estado da arteem equipamentos e processos. A mão-de-obra recebe treinamento constante, ea capacidade gerencial tende a se elevar com o passar do tempo. Contudo aprincipal característica desse arranjo é sua capacidade de coordenação entreas empresas. A formação de redes de cooperação interfirmas — direcionadas àprovisão de infra-estrutura e de serviços e ao desenvolvimento de estruturasorganizacionais vinculadas à solução de problemas comuns — faz elevar tantoa capacidade de adaptação tecnológica quanto o tempo de resposta às mudan-ças do mercado. Seu principal problema parece ser a dificuldade de diversifica-ção de seu mix setorial em direção a atividades geradoras de inovação, comuma base tecnológica mais ampla e, principalmente, com linkages mais poten-tes a montante e a jusante no processo produtivo.

Clusters inovativos, como o próprio nome diz, são baseados em setoresnos quais a capacidade inovativa é a grande chave de seu desempenho. Elevadacapacidade gerencial e adaptativa, nível e treinamento da mão-de-obra acima damédia, estrutura difundida, vinculação estreita ao mercado externo, além de umelevado grau de confiança e de cooperação entre os agentes fazem com queesse tipo de arranjo produtivo detenha uma dinâmica diferenciada em relaçãoaos anteriores. Contudo é a capacidade de geração de novos produtos comrespostas imediatas ao mercado a peculiaridade que faz com que mesmo in-dústrias tradicionais (têxteis, calçados, móveis, etc.) organizadas em distritosindustriais venham demonstrando dinamismo diferenciado nos países em de-senvolvimento (Mytelka; Farinelli, 2000).

Em suma, podem-se descrever aglomerações produtivas e distritos in-dustriais como arranjos produtivos nos quais alguns aspectos, em maiorou menor escala, se fazem presentes: (a) forte cooperação entre os agentes;(b) identidade sociocultural; (c) ambiente institucional; (d) atmosfera indus-trial; (e) apoio das autoridades locais; (f) existência de instituições de coordena-ção; (g) índice de sobrevivência de empresas elevado; (h) dinamismo e competi-

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tividade industrial; (i) fatores locacionais favoráveis (recursos naturais, recursoshumanos, logística, infra-estrutura); e (j) fortes ligações econômicas entre osagentes.

Nas palavras de Steiner (1998, p. 1), clusters são baseados na aceitaçãode que

“(...) especialização regional em atividades interligadas de firmascomplementares (...) e a sua cooperação com as instituições depesquisa e desenvolvimento públicas, semipúblicas e privadas criamsinergias, aumentam a produtividade e levam a vantagens econômicas(...). Além disso, regiões devem se especializar, e políticas devemcriar, desenvolver e dar suporte a tais clusters (tradução do autor)”.

2 - As aglomerações produtivas de Nova Serrana e Ubá

Três critérios básicos orientaram a seleção dos casos a serem analisadosno presente artigo. O primeiro critério foi a existência de informações (qualitati-vas e quantitativas) recentes sobre as aglomerações. Pesquisadores do Cedeplarrealizaram, recentemente, extensos estudos sobre as características de algu-mas aglomerações industriais de Minas Gerais (Crocco et al., 2001a; 2001b;Lemos et al., 2000). Esses estudos contêm uma extensa base de dados primá-rios e secundários que permitem a aplicação da metodologia aqui proposta (Análisede Componente Principal).

O segundo critério utilizado foi o de que as aglomerações industriais ana-lisadas deveriam pertencer a um mesmo tipo de arranjo produtivo (isto é, arran-jos de sobrevivência, central-radial, organizado, etc.). Nesse caso, o tiposelecionado foi o de arranjos de sobrevivência ou informais, para os quaisexistiam informações para dois arranjos distintos (Nova Serrana e Ubá), permi-tindo, assim, a comparação de suas características e a identificação de suasespecificidades.1 Na seção seguinte, realizar-se-á uma análise mais detalhadadesse aspecto.

Finalmente, o terceiro critério considerado foi o de que a aglomeração pro-dutiva deveria pertencer a um mesmo grupo industrial, tal como definido porFerraz et al. (1997), de forma que as diferenças nas características e naperformance não pudessem ser atribuídas a diferenças setoriais e tecnológicasmarcantes. Novamente, os arranjos calçadista de Nova Serrana e moveleiro de

1 Para uma descrição detalhada das características de cada arranjo, ver Crocco et al. (2001a;2001b).

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Ubá adequaram-se a esse critério. De acordo com a classificação utilizada,eles pertencem ao grupo de indústrias tradicionais. Tal como explicado por Ferrazet al. (1997, p. 34),

“(...) este grupo congrega as indústrias que, independentemente dosistema técnico de produção adotado (contínuo ou montagem), têmcomo identidade a elaboração de produtos manufaturados de menorconteúdo tecnológico, destinados ao consumo final (bens salários).(...) Na terminologia de Pavitt (1984), são setores tecnologicamentedominados pelos fornecedores de insumos e equipamentos, isto é,são consumidores de inovações geradas nos demais setores daindústria”.

2.1 - A aglomeração produtiva calçadista de Nova Serrana

A origem do pólo calçadista de Nova Serrana — cidade localizada a apro-ximadamente 120 quilômetros de Belo Horizonte em direção ao Triângulo Minei-ro — remonta à década de 20. Naquela época, a Cidade encontrava-se na rotados retirantes do nordeste. Nova Serrana, que naquele tempo se chamava Cer-cado (um distrito de Pitangui), era um ponto de parada tanto para imigrantes,quanto para boiadeiros que desciam para o sul para vender gado. Nesse contex-to, iniciou-se a produção de arreios, uma vez que este era um elemento essen-cial para os viajantes.

A especialização em um produto de couro serviu de base para a expansãoda produção para outros bens, principalmente botinas, artigo este também bas-tante demandado pelos retirantes. Em 1940, a primeira fábrica artesanal debotinas foi instalada no Distrito. Observa-se, assim, que o setor calçadista co-meçou na região impulsionado pela demanda. Dado que a principal matéria--prima utilizada no processo produtivo (couro) era disponível na região — vinhade Divinópolis, situada à cerca de 40 quilômetros de distância —, não existiambarreiras significativas para o surgimento do setor de calçados de couro. Nosanos 60, já estavam instaladas na Cidade — que havia se emancipado deDivinópolis em 1954 — cerca de 20 empresas. Estas eram pequenas, com umamédia de 10 a 20 empregados. No entanto, a produção já demonstrava sinais dediversificação, concentrando-se na produção de mocassins e sandálias.

No final da década de 70, existiam em Nova Serrana cerca de 50 empresascom tamanho médio variando entre 40 e 50 empregados. A produção nessaépoca ainda se concentrava em artigos de couro. No entanto, no final dessadécada e no início dos anos 80, ocorreu a grande transformação do setor decalçados da região, com a produção local redirecionando-se para a fabricaçãode tênis. Alguns fatores contribuíram para esse fato, sendo o mais importante o

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boom dos materiais sintéticos no mercado, uma “janela de oportunidade” (Perez;Soete, 1988) que foi rapidamente aproveitada pela região. A simplicidade naprodução do tênis, quando comparada à produção de sapatos de couro, explica,significativamente, a transição deste para aquele. Aliou-se a esse fator o baixocusto da mão-de-obra na região, ou seja, fatores do lado tanto da demandaquanto da oferta se combinaram para propiciar um ambiente favorável à expan-são do pólo calçadista.2

Hoje, a produção de calçados em Nova Serrana concentra 37% dos esta-belecimentos produtores de Minas Gerais. A indústria de calçados é, disparada-mente, o setor industrial mais importante tanto em Nova Serrana, quanto na mi-crorregião a que ela pertence. A produção de calçados e as atividades relacionadasrespondem por cerca de 80% da atividade municipal. Como mostra a Tabela 1,a indústria de calçados responde por cerca de 50% do total do número deestabelecimentos da Cidade. Quando analisado sob o ponto de vista do emprego,a relevância do setor fica ainda mais evidente. Cerca de 70% do emprego noMunicípio é oriundo da indústria de calçados. A maioria das empresas é decontrole familiar e são, em geral, muito pequenas quando comparadas às empre-sas líderes do setor tanto em número de empregados quanto em faturamento.No entanto, apesar de pequenas quando comparadas às empresas líderes dosetor nacionalmente, as empresas do setor possuem um tamanho médio superiorà média do tamanho das empresas dos demais setores do Município (Tabela 1).

2 Um fato interessante no surgimento do boom, mas com implicações para o comportamentodo empresariado local, foi a forma como o primeiro empreendimento produtor de tênis sedesenvolveu na Cidade. Este produzia, em Nova Serrana, tênis falsificados com marcas degrifes internacionais. Hoje em dia, apesar de a falsificação não mais ser relevante, váriosprodutores locais lançam produtos com nomes, design e marketing extremamente similaresàs marcas internacionalmente famosas (por exemplo, Niske).

Arranjos produtivos locais informais:...

Tabela 1

Indicadores da indústria de calçados da cidade de Nova Serrana — 1998

DISCRIMINAÇÃO INDÚSTRIA

DE CALÇADOS (A)

INDÚSTRIA DE NOVA

SERRANA (B)

A/B (%)

Número de estabelecimentos ............. 476 947 50,2

Número de empregos ......................... 6.299 9.223 68,2

Tamanho médio do estabelecimento (número de empregados) ................... 13,2 9,7 -

FONTE: RELAÇÃO SOCIAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS. Brasília: Ministério do Trabalho, 1998.

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Além desses dados quantitativos, o estudo de Crocco et al. (2001a) possi-bilita classificar o arranjo produtivo calçadista de Nova Serrana como um clusterinformal (Mytelka; Farinelli, 2000), ou como um cluster de sobrevivência de em-presas de micro e pequena escala (Altenburg; Meyer-Stamer, 1999). De acordocom tais autores, os clusters de sobrevivência

“(...) produzem bens de consumo de baixa qualidade para mercadoslocais, principalmente em atividades onde as barreiras à entrada sãopequenas. Firmas nestes clusters apresentam muitas característicasdo setor informal, com produtividade e salários sendo muito inferioresàqueles das médias e grandes firmas. O grau de especialização ecooperação interfirmas são baixos, refletindo a ausência deespecialistas na força de trabalho local, bem como a fragilidade dotecido social” (Altemburg; Meyer-Stamer, 1999, p. 1695).

Tais taxonomias são extremamente similares, podendo ser usadas alter-nativamente.

As características do arranjo calçadista de Nova Serrana que permitemclassificá-lo como em arranjo informal (Quadro 1) são as seguintes:

a) grande concentração de pequena e microempresas — o tamanho mé-dio de firma no arranjo é de 8,70 empregados;

b) inexistência de liderança;c) pequena capacidade inovativa — a cópia de produtos é a principal fonte

de informação para a introdução de inovações de produto;d) a atividade principal do arranjo apresenta pequenas barreiras à entrada.

Para se inserir no negócio, é necessária uma quantidade irrelevante decapital. De acordo com informações dos produtores locais, com cercade R$ 7.000,00 uma pessoa consegue estabelecer sua firma. Alémdisso, o acesso aos equipamentos e matérias-primas é relativamentefácil, uma vez que representantes dos fornecedores se fazem presen-tes no cluster devido a economias de escala. Essa é uma externalidadepositiva do cluster, pois ela faz com que exista um baixo custo naprocura por clientes;

e) pequena especialização interfirmas e pequena cooperação. Como vis-to, as relações de subcontratação são pouco aprofundadas, restringin-do-se a respostas aos gargalos na produção. Não existe, por parte dasempresas, o entendimento de que a especialização pode trazer ganhossignificativos de escala e de escopo. O baixo nível tecnológico do arran-jo como um todo pode ser identificado como a principal razão para essanão-especialização;

f) por fim, existe uma alta concorrência entre as empresas, a qual é umfator limitante para a evolução das relações de cooperação.

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Aliam-se a tais características de clusters de sobrevivência dois outrosfatores que marcam fortemente o cluster calçadista de Nova Serrana. O primeirodiz respeito à localização dos fornecedores tanto de insumos como de equipa-mentos. Estes estão localizados não somente fora do cluster, mas distantedele. Ou seja, a cadeia produtiva não é inteiramente endogeneizada no cluster.Além disso, a possibilidade de que isso venha a ocorrer é bastante remota,tendo em vista as características do processo produtivo, dos insumos e dosequipamentos.

O segundo fator refere-se à cooperação existente para o surgimento denovas empresas. É alto o número de pessoas que deixam a empresa em quetrabalham para abrir o próprio negócio com o auxílio dos antigos patrões. Essaé uma característica fundamental do tecido social que deve ser levada em contaquando da elaboração de políticas.

Sintetizando, o arranjo produtivo calçadista de Nova Serrana pode serconsiderado um cluster de sobrevivência de micro e pequenas firmas (ou, alter-nativamente, um cluster informal), atuando em um setor com pequenas barrei-ras à entrada. A produção é essencialmente voltada para mercados menos exi-gentes, notadamente para as classes C e D, onde a competição por preço é ofator determinante. Em função disso, as exigências tecnológicas para o designdo produto e para o processo produtivo são pequenas, facilitando, ainda mais, oacesso de novos concorrentes. Há que se ressaltar que, como mostrou a pes-quisa de campo, esse padrão não se aplica integralmente às maiores empre-sas. Estas, apesar de se direcionarem para o mesmo segmento de mercado,possuem uma maior preocupação com qualidade e, conseqüentemente, com onível tecnológico dos equipamentos.

Os níveis de cooperação dentro do cluster ainda são fracos, quando com-parados a outras experiências. Apesar da grande cooperação existente para osurgimento de novas empresas, ainda não existe, entre as empresas do arranjo,o entendimento dos benefícios decorrentes da cooperação horizontal. Diferente-mente do aspecto tecnológico descrito acima, essa é uma característica queafeta todo o cluster, independentemente do tipo de empresa, seja ela pequenaou grande.

2.2 - A aglomeração produtiva moveleira de Ubá

A origem da indústria moveleira em Ubá remonta à década de 70 e estáintimamente relacionada com a história de uma grande empresa, a Dolmani, depropriedade da família Parma, que empregava em torno de 1.200 pessoas. Como fechamento da Dolmani, em meados dos anos 70, alguns de seus emprega-dos decidiram iniciar negócios próprios, aproveitando o conhecimento adquiridona empresa. Tal fato confirma-se pelos dados dos Censos Econômicos da

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Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que registraram,em 1970, 25 empresas e, em 1980, 72 empresas localizadas no Município deUbá. De fato, como destacado no diagnóstico da Adubar (1997), a economia deUbá conseguiu crescer e avançar, em especial, depois dos anos 70, com basena indústria moveleira.

A microrregião de Ubá — sem dúvida a mais importante do Estado nageração de empregos na indústria de móveis, superando até mesmo Belo Hori-zonte — concentra o maior número de estabelecimentos em Minas Gerais.Além disso, considerando-se a estrutura de produção do Município de Ubá, aindústria de móveis é disparadamente o setor industrial mais importante, comomostra a Tabela 2. A produção de móveis responde por cerca de 73,4% doemprego gerado no Município e por 56,6% do número total de estabelecimentostambém do Município, além de possuir um tamanho médio de empresa superiorà média de tamanho das demais empresas do Município (Tabela 2).

Não obstante o alto nível de informalidade do setor em Ubá — que, segun-do a Adubar (1997), chegaria a 30% do total do setor —, este é responsável porquase 70% da arrecadação municipal (http://www.intersind.com.br) e contribuicom aproximadamente 45% da arrecadação de ICMS do Município (Adubar,1997).

De acordo com Crocco et al. (2001b), também é possível se caracterizar oarranjo produtivo moveleiro de Ubá como um cluster informal. As principais ca-racterísticas desse arranjo são:

a) grande concentração de pequenas empresas. Deve ser ressaltada apresença de empresas médias e grandes que, embora significativa-mente em menor número, possuem uma grande capacidade de articu-lação e de influência junto à aglomeração, implicando a existência deliderança;

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Tabela 2 Indicadores da indústria de móveis da cidade de Ubá — 1998

DISCRIMINAÇÃO INDÚSTRIA

DE MÓVEIS (A)

INDÚSTRIA DE

UBÁ (B)

A/B (%)

Número de estabelecimentos ............. 248 438 56,6

Número de empregos ......................... 6.871 9.359 73,4

Tamanho médio do estabelecimento (número de empregados) .................. 27,70 21,36 -

FONTE: RELAÇÃO SOCIAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS. Brasília: Ministério do Trabalho, 1998.

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b) apesar de a maioria dos produtores declararem que a origem do designde seus produtos é própria, menos de 50% das empresas possuemdesigners contratados. Além disso, a maioria esmagadora das empre-sas do arranjo não possui departamentos de P&D. Esses aspectosindicam uma pequena capacidade inovativa da aglomeração;

c) apesar da ausência de um centro produtor de bens intermediários paraa indústria, o acesso aos equipamentos e às matérias-primas é relati-vamente fácil, uma vez que representantes dos fornecedores se fazempresentes no cluster devido a economias de escala;

d) pequena especialização interfirmas e pequena cooperação;e) alta concorrência entre as empresas, limitando a evolução das rela-

ções de cooperação;f) por fim, existe um elevado índice de informalidade no setor. Esse ele-

mento dificulta o estabelecimento de relações cooperativas, duradou-ras e de confiança, necessárias para o desenvolvimento produtivo detodo o cluster.

Tendo em vista essa caracterização mais geral dos arranjos produtivos deNova Serrana e de Ubá como arranjos de sobrevivência, torna-se necessárioidentificar até que ponto as relações de interdependência tangíveis e intangíveisde cada localidade são similares ou díspares.3 A análise de tal aspecto é defundamental importância para o entendimento da dinâmica das duas localida-des, uma vez que tais relações de interdependência devem estar inseridas(embedded) em um ambiente local (ou milieu) que atue como facilitador e indutordas interações coletivas que fazem a ligação entre o sistema de produção e acultura tecnológica e socioinstitucional. Vale notar, entretanto, que o ambientelocal é também criado e recriado por essas mesmas relações deinterdependência tangíveis e intangíveis. Ele é, portanto, um recurso ativo maisdo que uma superfície passiva. Reconhecer a dimensão ativa do espaço localsignifica, em suma, reconhecer a relevância das especificidades das inter-rela-ções na criação e na recriação do seu próprio ambiente local na determinaçãodo seu futuro.

Na seção seguinte, realiza-se um esforço para identificar e analisar taisespecificidades e sua interdependência com os “ambientes locais” de NovaSerrana e Ubá, através da aplicação da Análise de Componente Principal Não--Linear.

3 A diferença entre relações de interdependência tangíveis e intangíveis é singular àquela pro-posta por Storper (1995) entre traded and untraded interdependencies. As primeiras refe-rem-se a relações físicas de insumo-produto. As segundas, por sua vez, referem-se arelações interpessoais e cooperativas interfirmas, onde os elementos essenciais são infor-mações e conhecimento.

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3 - Análise de componentes principais: principais resultados

O conjunto de informações corresponde ao utilizado na análise de umamatriz n x k (42 x 12), onde n é o número de empresas entrevistadas em pesqui-sa de campo nos dois aglomerados produtivos (Nova Serrana e Ubá) e k é onúmero de variáveis ou atributos que expressam as características específicasde cada indivíduo n. A partir desses dados, pode-se caracterizar e compararcada um dos aglomerados produtivos, analisando-se aspectos relativos à esca-la de produção, à inserção no mercado, à dimensão urbana e de infra-estrutura,além daqueles relativos à estrutura de coordenação e de governança entre osagentes.

Para tanto, utiliza-se, aqui, a técnica de análise estatística multivariadachamada Análise de Componente Principal. Esta técnica proporciona uma ex-plicação conjunta da estrutura de dispersão interna (variância e covariância) deum vetor aleatório obtido por meio de combinações lineares das variáveis origi-nais. Vale dizer, essa técnica permite reduzir o número de variáveis, de carac-terísticas de cada indivíduo a um pequeno número de índices explicativos (com-ponentes principais). Uma ACP procura um mínimo de combinações linearesque possam ser utilizadas para explicar a dispersão de uma nuvem de pontosque, geometricamente, caracteriza a matriz de informações básicas originais.

Formalmente, diz-se que uma ACP é uma transformação ortogonal de umconjunto de variáveis correlacionadas (atributos originais) em um conjunto devariáveis não correlacionadas (componentes principais).4

Essa correlação linear pode ser descrita como:

��

��

� −���

����

� −= �= xp

pipn

i xk

kik

s

xx

sxx

npkr

1

1),(

4 Um alto nível de correlação entre as variáveis proporciona uma imperfeição nos valoresestimados para a variância das estimativas dos parâmetros, o que torna os testes de hipó-tese inconsistentes. Ver Manly (1988).

onde xik é a observação do indivíduo i para a variável k; xk é a média da variávelk; sxk é o desvio padrão da variável k; xip é a observação do indivíduo i para avariável p; xp é a média da variável p; sxp é o desvio padrão da variável p.

Se X1, X2, ..., Xk são as variáveis originais para n indivíduos, procede-se auma combinação linear dos mesmos, criando-se componentes Z1, Z2, ..., Zk nãocorrelacionados.

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Formalmente, vem:

Esses componentes principais Zk são calculados de forma que o primeirocomponente (Z1) represente a maior parcela da variância (ou da inércia total doconjunto de pontos) do conjunto de variáveis explicativas; o segundo componen-te (Z2) represente a segunda maior parcela e assim consecutivamente, com avantagem de que os Z são variáveis não correlacionadas por construção. Maisque isso, a variância total das variáveis originais é, por construção, igual à variânciatotal dos componentes Z. As variâncias dos componentes principais Z são cal-culadas a partir dos eigenvalues da matriz de correlação (ou de covariância),sendo os eigenvectors os valores dos coeficientes para os componentes princi-pais calculados.

Finalizando, o objetivo de uma ACP é representar, simplificadamente, umaestrutura de dados buscando “planos” (combinações, componentes) que repre-sentem e sintetizem a distribuição dos indivíduos n num espaço k dimensional,ℜℜℜℜℜk,5 sem que seja necessário um modelo apriorístico.

Procurando adequar a metodologia à nossa base de informações e aonosso interesse de interpretação, procedeu-se à Análise de Componente Princi-pal Não-Linear (Non-Linear Principal Components Analysis), usando uma carac-terização categórica das variáveis tal como aplicadas no questionário da pesqui-sa de campo.

Os resultados estão apresentados em quadros bidimensionais que plotamos dois componentes principais (Z1 e Z2) em eixos ortogonais, sendo os pontosdefinidos como categorias de resposta das empresas (indivíduos) a cada umadas perguntas caracterizadas como variáveis (atributos).

Assim, pode-se avaliar, de forma mais simples e clara, o grau de similari-dade ou de dissimilaridade entre os aglomerados produtivos. Essas similarida-des permitem descrever padrões, caracterizando as aglomerações produtivasde acordo com as dimensões anteriormente descritas, a saber, especializaçãosetorial, escala de produção, inserção no mercado, infra-estrutura urbana,governança e grau de coordenação entre os agentes. De forma a facilitar a inter-pretação dos dados, dividiu-se a análise em três blocos, reunindo em cada um

kkkkkk

kk

kk

XaXaXaZ

XaXaXaZ

XaXaXaZ

+++=+++=+++=

...

...

...

2211

22221212

12121111

5 Analogamente, pode-se também pensar uma distribuição das k variáveis num espaço n di-mensional, Ân. Contudo esse não é o interesse desta análise.

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variáveis que representem uma das dimensões de uma aglomeração produtiva.Tais dimensões seriam: características urbanas, coordenação e característicasde mercados.

A primeira dimensão a ser analisada será o espaço urbano per se, ou seja,o locus específico do funcionamento das firmas. Sob esse ponto de vista, pode--se classificar o espaço urbano segundo duas grandes dimensões. A primeira,uma dimensão de infra-estrutura física, de equipamentos e de serviços urbanosque facilitariam, ou não, o funcionamento das empresas. Aqui está-se falandodos bens e dos serviços públicos em geral, tais como energia, condições detransporte, saneamento, telecomunicações, além da estrutura de áreas parainstalação e funcionamento de empresas. Uma segunda dimensão, esta menosevidenciada na literatura, diz respeito às chamadas amenidades urbanas, àscaracterísticas intrínsecas do espaço urbano relacionadas à qualidade de vida eà oferta de serviços ao setor produtivo. Aqui têm-se os serviços eminentementeurbanos (bancos, postos, etc.), a estrutura de educação em todos os seusníveis, a dimensão da segurança urbana, a estrutura de oferta de bens culturaise esportivos, o aspecto ambiental e de embelezamento urbano, a estrutura deoferta de habitação, dentre outros fatores.

A Figura 1 mostra o resultado da ACP para a dimensão urbana. Nesseaspecto, foi pedido às empresas que avaliassem as seguintes variáveis: condi-ções urbanas da aglomeração (amenidades urbanas); infra-estrutura disponível;qualidade da mão-de-obra; e existência de aglomeração industrial. Como podeser observado, os dois primeiros componentes são responsáveis por cerca de62% da inércia total do conjunto de dados.

A análise do primeiro componente6 mostra uma clara diferenciação entreNova Serrana (ð ð ð ð ð 1) e Ubá (ð ð ð ð ð 2) para as variáveis mão-de-obra e amenidadesurbanas.7 Como se pode observar, Nova Serrana considera tanto a qualidade damão-de-obra local quanto as suas amenidades urbanas como ruins ou, no má-ximo, razoáveis. As empresas de Ubá, por sua vez, avaliam tais variáveis comoótimas e/ou boas. A explicação para tal resultado pode ser encontrada em dois

6 Cada variável poderia assumir os seguintes valores: 1 - ruim; 2 - razoável; e 3 - bom e/ouótimo.

7 A leitura do quadro de componentes principais deve ser efetuada diferenciando-se oposicionamento das variáveis no que se refere ao eixo de referência delimitador do própriocomponente, isto é, o sinal das coordenadas da variável. Mais do que isso, há que se levarem conta a magnitude da diferença entre o vetor origem-coordenada e o vetor origem--projeção ortogonal no eixo do componente. Quanto menor essa diferença, isto é, quantomenor o ângulo formado entre a coordenada do componente e a origem (0,0), melhor repre-sentada está a variável naquele plano. Por sua vez, a magnitude dos autovalores define oquanto da dispersão (variância ou inércia) da nuvem de pontos está representada sintetica-mente no componente. Ver Manly (1988).

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fatores. Em primeiro lugar, já existe em Ubá, fato que não ocorre em Nova Ser-rana, uma escola do Senai voltada para a formação de mão-de-obra para aatividade principal da aglomeração, ou seja, o setor de móveis. Esse fator facili-ta enormemente o processo de treinamento da mão-de-obra para as empresasda região, funcionando como um fator aglomerativo. Em Nova Serrana, apesardos esforços empreendidos pelo sindicato patronal para fornecer alguns cursospara treinamento de mão-de-obra, não se encontra, ali, uma integração maisconsolidada entre o sistema educacional profissionalizante e o setor produtivolocal, significando custos adicionais para as empresas no treinamento de suamão-de-obra. Tais fatos explicariam as avaliações efetuadas.

ACP

Coordenadas das Variáveis

Componente 1

2,01,51,0,50,0-,5-1,0-1,5-2,0

Com

pone

nte

2

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0

,5

0,0

-,5

-1,0

Urbano

Amenidades Urbanas

Infra Estrutura

Aglomeração

Mão de Obra

Município3

3

2

1

3

21

2

1

(%)

AUTOVALOR ABSOLUTO ACUMULADO

Componente 1 0,3658 0,3658

Componente 2 0,2486 0,6144

-0,5

-0,5 0,5

0,5

Legenda:

Amenidades urbanas

Infra-estrutura

Aglomeração

Mão-de-obra

Município

Componente 1 (%)

Componente 2 (%)

Figura 1

Coordenadas da dimensão urbana em Ubá e Nova Serrana — 1998

Arranjos produtivos locais informais:...

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Em segundo lugar, as avaliações acerca das amenidades urbanas, comomencionado anteriormente, podem ser explicadas pela dimensão do SetorTerciário nas duas regiões. Como mostra a Tabela 3, a cidade de Ubá possui,claramente, uma maior diversificação desse setor, implicando a geração demaiores economias externas decorrentes da aglomeração urbana.

Tabela 3

Dimensão do Setor Terciário, segundo a atividade, por número de estabelecimentos e de trabalhadores, em Nova Serrana e em Ubá — 1998

AGLOMERAÇÕES ATIVIDADES NÚMERO DE ESTABELECI-MENTOS

NÚMERO DE TRABA-LHADORES

Nova Serrana Comércio varejista ............................ 408 572 Comércio atacadista ......................... 70 178

Instituições de crédito, seguros e ca- pitalização ........................................

7

55

Comércio e administração de imó- veis, valores mobiliários, serviços técnicos ............................................

97

259 Transportes e comunicações ........... 48 141

Serviços de alojamento, alimenta- ção, reparação, manutenção, reda- ção, rádio, televisão, etc. .................

124

157

Serviços médicos, odontológicos e veterinários ......................................

17

15

Ensino .............................................. 12 36

Administração pública direta e au- tárquica ............................................

7

510

Total ................................................ 790 1923 Ubá Comércio varejista ........................... 1 572 2 637 Comércio atacadista ........................ 260 319

Instituições de crédito, seguros e capitalização ....................................

32

174

Comércio e administração de imó- veis, valores mobiliários, serviços técnicos ............................................

318

461 Transportes e comunicações ........... 121 602

Serviços de alojamento, alimenta- ção, reparação, manutenção, reda- ção, rádio, televisão, etc. .................

467

781

Serviços médicos, odontológicos e veterinários ......................................

152

734

Ensino .............................................. 53 439

Administração pública direta e au- tárquica ............................................

14

932

Total ................................................ 2 989 7 079

FONTE: RELAÇÃO SOCIAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS. Brasília: Ministério do Trabalho, 1999.

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A análise do segundo componente, por sua vez, mostra uma diferenciaçãocentrada na avaliação da infra-estrutura da região. Enquanto as empresas deUbá avaliam tal característica como ruim, as firmas de Nova Serrana a avaliamcomo boa ou ótima. A pesquisa de campo nas duas aglomerações permiteconcluir que o principal fator explicativo desse resultado seria a variável “estra-das”. Tal quesito foi pessimamente avaliado pelas empresas de Ubá, principal-mente as ligações para Belo Horizonte e para Juiz de Fora (saída prioritária parao Rio de Janeiro e para São Paulo). Já Nova Serrana se encontra bem localiza-da e servida satisfatoriamente de ligações rodoviárias com seus principais mer-cados.

Finalizando a análise dessa dimensão, vale ressaltar a similaridade entreas duas aglomerações na avaliação do quesito importância de pertencer aum setor consolidado na região (aglomeração). Ambas as aglomeraçõesavaliaram positivamente tal quesito, o que se pode observar na Figura 1 pelo fatode tal variável estar representada exatamente na interseção dos dois compo-nentes. Pertencer a um setor consolidado na região significa poder desfrutarnão somente de economias aglomerativas, tais como as associadas ao fácilacesso a representantes de fornecedores de insumos e equipamentos, mastambém das vantagens resultantes da proximidade cognitiva (convenções e ro-tinas que conectam os agentes e as culturas corporativas; regras e linguagempara o desenvolvimento, comunicação e interpretação do conhecimento; rela-ções interpessoais e contato face a face para a consolidação do aprendizadocoletivo, etc.).

A segunda dimensão analisada refere-se à relação das empresas da aglo-meração com seus respectivos mercados. Procura-se, aqui, entender a estraté-gia competitiva das firmas através do estudo de variáveis relacionadas tanto aoperfil da demanda da empresa quanto à sua estrutura organizacional. As variá-veis selecionadas foram: grau de sofisticação da demanda (perfil da demanda);fontes de informação em gerenciamento (suporte gerencial); tamanho da firma(escala); fatores determinantes para o sucesso na comercialização dos produ-tos (fator de competição); e nível tecnológico do equipamento (maquinário).8 AFigura 2 mostra os resultados. Os dois primeiros componentes são responsá-veis por cerca de 80% da inércia total do conjunto de dados.

8 A classificação de cada variável ocorre da seguinte forma: para suporte gerencial, (1)não utiliza consultores, (2) consultores contratados no local, (3) consultores contratadosfora da aglomeração; para perfil da demanda, (1) classe E, (2) classes C e D, (3) classesA e B; para escala, (1) de um a 20 empregados, (2) de 21 a 100 empregados, (3) mais de100 empregados; para fator de competição, (1) preço, (2) entrega, (3) estilo, qualidadee/ou marca; para maquinário, (1) atrasado, (2) médio, (3) avançado.

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A análise do componente 1 mostra uma diferenciação entre as duas aglo-merações baseada, fundamentalmente, em duas variáveis, a saber: escala emaquinário. Nova Serrana caracteriza-se por firmas micro e pequenas de tama-nho médio de 12 empregados/empresa (RAIS, 1999) e maquinário médio ouatrasado em relação à média nacional. Ubá, por sua vez, possui firmas maiores(tamanho médio dos estabelecimentos de 28 pessoas por estabelecimento,sendo que, em móveis de aço e colchões, esse indicador varia entre 100 e 200)e equipamentos considerados avançados em relação à média nacional. Doisfatores explicariam tais resultados. Em primeiro lugar, o processo produtivo decada setor (calçados e móveis) permite diferentes níveis de descentralização daprodução sem perda de eficiência produtiva. Além disso, no caso de Ubá, o tipo

ACP

Coordenadas das Variáveis

Componente 1

1,51,0,50,0-,5-1,0-1,5

Com

pone

nte

2

1,5

1,0

,5

0,0

-,5

-1,0

-1,5

Mercado

Suporte Ger encial

Perfil da Demanda

Escala

Fator de Competição

Maquinário

Município

3

2

1

3

213

21

3

2

13

21

2

1

Figura 2

Coordenadas da dimensão competitiva em Ubá e Nova Serrana — 1998

-0,5 0,5

0,5

-0,5

Componente 2 (%)

Componente 1 (%)

Legenda:

Suporte gerencial

Perfil da demanda

Escala

Fator de competição

Maquinário

Município

(%)

AUTOVALOR ABSOLUTO ACUMULADO

Componente 1 0,5619 0,5619

Componente 2 0,2334 0,7953

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de produto dentro da aglomeração (móveis de aço, móveis de madeira, móveistubulares, colchões, etc.) seria um fator a contribuir para que se observem fábri-cas com um maior número de empregados. Isto porque tais produtos possuemum maior valor agregado por unidade, o que inviabilizaria, mercadologicamente,uma escala de produção muito pequena, isto é, um número reduzido de em-pregados.

Passando ao segundo componente, pode-se notar, claramente, a relevân-cia das variáveis perfil da demanda e fator de competição em sua conforma-ção. Analiticamente, verifica-se que as empresas que vendem prioritariamentepara as classes A e B (perfil da demanda 3) possuem uma nítida preocupaçãocom os aspectos estilo/qualidade/marca como fatores competitivos, sendo opreço de oferta pouco representativo de sua estratégia de mercado.

A análise do segundo componente indica o fator suporte gerencial comoelemento importante na diferenciação entre as aglomerações. Como se visualizana Figura 2, Nova Serrana utiliza consultores de fora da aglomeração enquantoUbá não utiliza esse tipo de suporte gerencial. A explicação para esse fato podeser encontrada no tamanho médio das firmas de cada caso estudado. Como foisalientado, Nova Serrana caracteriza-se por micro e pequenas empresas. Comoé de amplo conhecimento na literatura, esse tipo de firma em setores tradicio-nais caracteriza-se, dentre outras coisas, por deficiências gerenciais, criando,desta forma, incentivos para a busca de consultorias nas mais diversas áreas.No caso de Ubá, esta necessidade é menor, visto a existência, na aglomeração,de empresas de médio e grande portes com capacitação gerencial consolidada.Além disso, observa-se uma alta relação entre suporte gerencial e nível deatualização tecnológica do maquinário. As empresas de Ubá, nesse caso, de-monstram um maior grau de atualização das técnicas de gestão de equipamen-tos do que as de Nova Serrana.

Finalmente, analisar-se-á a dimensão cooperativa das aglomerações. Paratanto, foram utilizadas três variáveis: escala e existência, ou não, de coopera-ção com fornecedores e com concorrentes.9 Os resultados da ACP são apre-sentados na Figura 3. Os dois primeiros componentes são responsáveis porcerca de 79% da inércia total do conjunto de dados.

Os resultados são esclarecedores. A análise sozinha do primeiro compo-nente é capaz de explicar as diferenças entre as duas aglomerações, essenci-almente através das variáveis cooperação com fornecedores e cooperação comconcorrentes. Evidencia-se que Nova Serrana possui esse tipo de cooperaçãonos dois níveis, enquanto Ubá, não. A explicação para tal resultado deve serencontrada na estrutura de governança de cada arranjo produtivo.

9 Nesse caso, a classificação de cada variável ocorre da seguinte forma: 1 - não-existênciade cooperação e 2 - existência de cooperação.

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ACP

Coordenadas das Variáveis

Componente 1

2.01.51.0.50.0-.5-1.0

Com

pone

nte

2

1.5

1.0

.5

0.0

-.5

-1.0

Concorrentes

Fornece dores

E scala de Produção

Lide rança

Mun icípio

2

1

2

1

3

21

2

1

2

1

No caso de Ubá, a governança está centrada na existência de uma empre-sa líder — a fábrica de armário de aço Itatiaia. Essa empresa está no centro detodas as atividades que visam ao desenvolvimento do setor de móveis na região;participa da empresa Movimento Empresarial — consórcio das 17 maiores fir-mas do setor na região —, que construiu e administra o parque de exposição daCidade — local onde é realizada a maior feira de móveis de MG —; participaativamente de esforços de capacitação tecnológica de fornecedores locais, alémde ter um papel decisivo na representação político-institucional do setor na Ci-dade e nas esferas estadual e federal. Tal liderança deve-se tanto ao longoperíodo de tempo em que ela participa do setor na Cidade (desde a década dos60) quanto ao seu porte econômico — cerca de 2.000 funcionários, sendo omaior fabricante de móveis de aço da América Latina. No entanto, o fato de não

(%)

AUTOVALOR ABSOLUTO ACUMULADO

Componente 1 0,5619 0,5619

Componente 2 0,2334 0,7953

Componente 1 (%)

Componente 2 (%)

Legenda:

Concorrentes

Fornecedores

Escala de produção

Liderança

Município

-1,0 -0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0

1,5

1,0

0,5

0,0

-0,5

-1,0

Figura 3

Coordenadas da dimensão cooperativa em Ubá e Nova Serrana — 1998

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produzir móveis de madeira — produto típico da região — cria restrições signifi-cativas para a transformação de sua liderança em incentivos para uma maiorcooperação, quer seja com fornecedores, quer seja com concorrentes. O fatode ser o único produtor de armários de aço da região levou a empresa a verticalizarsua produção, dados os elevados custos de transações. Tal característica difi-culta a essa empresa líder funcionar como um elemento incentivador da especi-alização produtiva dentro da aglomeração, como seria o caso de um “distritocentro-radial” (Markusen, 1996). Estes apresentam uma estrutura dominada poruma grande firma compradora, a qual funciona como uma âncora para a econo-mia regional, com os fornecedores e atividades relacionadas distribuindo-se aoredor dessa grande firma como aros de uma bicicleta. Nas palavras de Markusen(1999, p. 32), “(...) escalas internas e economias de escopo são relativamentealtas, e mudanças de firmas e pessoal, relativamente baixos, exceto em forne-cedores de terceiro nível ou em grandes transformações na indústria central(tradução do autor)”. Ela também observa que distritos centro-radiais podemexibir cooperação intradistrito, a qual pode incluir:

“(…) esforços em melhorar a qualidade do fornecimento, a redução dotempo de operação e o controle de inventário pode se estender alémdas fronteiras, para fornecedores mais distantes. (…) Notadamente,falta cooperação entre firmas competidoras para dividir riscos,estabilizar o mercado e dividir inovação (p. 32-33, tradução do autor)”.

Sintetizando, o fato de a empresa líder do milieu ser a única produtora demóveis de aço na região dificultaria o surgimento de relações cooperativas tantocom fornecedores quanto com concorrentes. Quanto à variável escala, pode-seconsiderá-la como um indicador do grau de integração vertical da empresa.Empresas de maior tamanho realizam um menor número de etapas do proces-so produtivo e, portanto, criam menores relações de cooperação com os forne-cedores. De fato, os resultados da ACP mostram que, em Nova Serrana, acooperação com fornecedores é maior do que em Ubá. Como visto anteriormen-te, o tamanho médio dos estabelecimentos em Ubá é duas vezes maior (ou 10vezes, no caso de móveis de aço) que os de Nova Serrana. Além disso, a pes-quisa mostrou que o grau de verticalização das empresas de Ubá é superior aode Nova Serrana.

Já o caso de Nova Serrana é bastante distinto. A existência de cooperaçãodeve ser entendida por características, não necessariamente produtivas, do milieu.Tais características seriam basicamente culturais. A grande maioria dos propri-etários é originária da própria região. São pessoas que se conhecem de longadata.10 Esse substrato permite o surgimento de relações de confiança necessá-rias para o desenvolvimento de relações cooperativas. No entanto, deve ser res-

10 Há que se salientar que Nova Serrana é uma cidade de apenas 40.000 habitantes.

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saltado que as relações cooperativas existentes tanto entre concorrentes quan-to com fornecedores são bastante simples, significando, na maioria dos casos,apenas troca de informação. Como em todo cluster de sobrevivência, relaçõesde cooperação visando à especialização produtiva, ao desenvolvimento de pro-duto, etc. são fracamente desenvolvidas. Este também é o caso de Ubá.

4 - Implicações e conclusão

A literatura acerca de clusters é repleta de análises onde se identificam ese classificam os mais variados arranjos produtivos. Além dessas diversastipologias, existe uma série de linhas gerais de políticas para o desenvolvimentodessas aglomerações (Humphrey; Schmitz, 1995; Altenburg; Meyer-Stamer,1999; Ceglie; Dani, 1999; UNCTAD 1998). A análise aqui apresentada permiteconcluir que uma política de desenvolvimento e de adensamento de clustersdeve ter o cuidado de reconhecer as especificidades de cada aglomeração. Nãose está negando a validade das políticas gerais já consagradas na literatura,como é o caso da abordagem do triple C (Humphrey; Schmitz, 1995).11 O que sepretende é chamar atenção para o fato de que, mesmo no caso de arranjosprodutivos aparentemente tão similares, como é o caso de Nova Serrana e deUbá, existem diferenças cujo reconhecimento é de fundamental importânciapara o sucesso de qualquer política de desenvolvimento.

Neste trabalho, a Análise de Componente Principal permite indicar linhasde políticas com ênfases bastante diferenciadas para cada cidade. No caso deUbá, existe um sistema de governança centrado em uma empresa líder quedeve nortear qualquer linha de ação. Esse é, sem dúvida, um elemento facilitadorna implementação de políticas. Além disso, a precariedade da infra-estrutura —especificamente das estradas que ligam a Cidade aos grandes centros consu-midores — deve também ter prioridade. A solução desse gargalo teria efeitossinérgicos com as já existentes qualidades de suas amenidades urbanas. NovaSerrana, por sua vez, possui as vantagens de já possuir uma infra-estruturaadequada e de existir algum tipo de cooperação dentro do milieu. Esse deve sero substrato sobre o qual se deve construir uma política de desenvolvimentolocal.

11 De acordo com essa abordagem, uma política de desenvolvimento de cluster, para ser bem--sucedida, deveria ser: (a) cliente-orientada, permitindo que firmas aprendam sobre asnecessidades de seus clientes, ajudando-as a resolver seus principais problemas decompetitividade; (b) coletiva, sendo suporte direto a grupos de empresários não só pro-porciona custos de transação mais baixos do que assistência a firmas individuais, mastambém encoraja cooperação e aprendizado mútuo; (c) cumulativa, uma vez que a gera-ção de capacidade para continuamente desenvolver e melhorar torna desnecessário osuporte público (Schmitz; Nadvi, 1999) (tradução do autor).

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Fabiana Santos, Marco Crocco, Rodrigo Simões

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 177-202, 2003

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Novas tecnologias, inovações e dinamismono desenvolvimento recente

dos Estados Unidos

Ricardo Dathein Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS.

ResumoO artigo analisa o desenvolvimento econômico recente dos Estados Unidos,interpretando as inovações tecnológicas como fundamentais para explicar oprocesso. Estas teriam gerado uma aceleração dos ganhos de produtividade eproduzido uma elevação da taxa de lucro média, induzindo investimentos emnovos setores e ampliando-os em setores já existentes, além de se dissemina-rem de forma a produzir fortes impactos macroeconômicos. Por fim, o textoanalisa a recessão econômica atual, discutindo as possibilidades de reversão ede continuidade da tendência econômica ascendente anterior.

Palavras-chaveDesenvolvimento; inovações; Estados Unidos.

AbstractThe article analyzes the recent economic development of the United States,interpreting the technological innovations as fundamental to explain the process.These would have generated an acceleration of the productivity gains andproduced an elevation of the average profit rate, inducing investments in newsectors and enlarging them in already existent sectors, besides they bedisseminated from way to produce strong macroeconomic impacts. Finally, thepaper analyzes the current economic recession, discussing the reversion andcontinuity possibilities of the previous ascending economic tendency.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 23.05.02.

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1 - Introdução

Para analisar o comportamento da economia dos EUA na última década,parte-se, neste artigo, da concepção que entende o desenvolvimento econômicocomo determinado fundamentalmente pelo processo de inovações e da análisesobre a evolução da taxa de lucro como definidor dos níveis de investimentos.Dessa forma, o objetivo do trabalho é argumentar e apresentar evidências a favorda hipótese de que o desenvolvimento dos EUA na década de 90 foi provocadopor inovações de caráter schumpeteriano. Essas inovações, basicamente nasáreas das tecnologias de informação e comunicações, teriam induzido aumen-tos de investimentos e de produtividade também em outros setores, generali-zando, suficientemente, seus efeitos, de forma a provocar grandes aumentos doPIB e a permitir um aumento simultâneo dos lucros, do emprego e dos saláriosreais.

Na próxima seção, este texto analisa as possíveis mudanças de tendênciade variáveis econômicas fundamentais, o fenômeno da “financeirização” e o pro-cesso de inovações dos anos 90, mostrando que os ganhos de produtividadeforam razoavelmente disseminados. Na terceira seção, sobre o desempenhodos investimentos, discutem-se seu crescimento e sua constituição, destacan-do-se a forte presença dos investimentos em indústrias de alta tecnologia. Es-tes são compreendidos como determinantes para o bom desempenho da eco-nomia como um todo e das finanças públicas em particular. Na última seção,avalia-se a recessão atual, interpretando-a como resultante de um processo desobreinvestimentos ocorrido antes de 2001. No entanto, tendo em vista asperspectivas de longo prazo das tecnologias de informações e comunicações,basicamente, e as políticas keynesianas adotadas, mesmo que de forma mera-mente pragmática, a perspectiva de reversão do ciclo é entendida como factívelem um prazo não muito longo.

2 - Inovações e desenvolvimento nos EUA

Aparentemente, consolidou-se, depois da recessão do início dos anos 90,uma reversão tendencial de longo prazo (desde o início da década de 80) naevolução do PIB e do desemprego norte-americanos, apesar da manutençãodos ciclos (Gráfico 1 e Tabela 1). A taxa de desemprego desceu a níveis muitobaixos para os padrões dos EUA (4,0% em 2000), enquanto a geração deocupações chegou a níveis semelhantes aos dos anos 60. A massa de lucrosantes e depois dos impostos aumentou fortemente, auxiliada também por umaredução de impostos sobre os lucros, que passou de 41,5% nos anos 60 para

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31,9% nos anos 90. Por outro lado, a massa salarial voltou a apresentar fortecrescimento, enquanto os salários médios reais na produção aumentaram de-pois de 20 anos de quedas (Tabela 2), retornando a um poder aquisitivo no ano2000 semelhante ao já existente em 1967. Dessa forma e tendo em vista que osciclos nos últimos 20 anos tenderam a ser não sincronizados entre os principaispaíses desenvolvidos, não se pode falar de uma crise econômica de longo prazogeneralizada em nível internacional, mas apenas de crises específicas (doJapão por exemplo). A principal economia do mundo, ao contrário, passou 17dos últimos 20 anos em considerável crescimento (menos em 1982, 1991e 2001), quase duplicando seu PIB real nesse período.

Evolução do PIB e do desemprego nos EUA — 1960-01

-2,0

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

1960

1962

1964

1966

1968

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

Legenda: —— PIB (taxa de variação real e tendência) - - - - Desemprego (taxa e tendência)

Gráfico 1

Evolução do PIB e do desemprego nos EUA — 1960-01

FONTE: BUREAU OF LABOR STATISTICS. Disponível em: <http://www.bls.gov> Acesso em: mar. 2002. BUREAU OF ECONOMIC ANALYSIS. Disponível em: <http://www.bea.gov> Acesso em: mar. 2002.

Desemprego (taxa e tendência)

(%)

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Novas tecnologias, inovações e dinamismo...

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Tabela 1

Evolução do PIB, do emprego, dos lucros e da massa salarial, nos EUA, em períodos selecionados

(%)

PERÍODOS ∆ REAL DO PIB

TAXA DE DESEMPREGO

∆ DAS OCUPAÇÕES

1961-70 4,2 4,7 2,4

1971-80 3,2 6,4 2,1

1981-90 3,2 7,1 1,8

1991-00 3,2 5,6 1,7

1996-00 4,1 4,6 2,3

PERÍODOS LUCROS ANTES DOS IMPOSTOS/

/PIB

LUCROS DEPOIS DOS IMPOSTOS/

/PIB

∆ REAL DA MASSA SALARIAL

1961-70 9,9 5,8 4,4

1971-80 9,5 6,1 1,6

1981-90 6,6 4,2 2,3

1991-00 8,3 5,7 2,9

1996-00 8,8 6,0 4,5

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BUREAU OF ECONOMIC ANALYSIS. Disponível em: <http://www.bea.gov>. Acesso em: mar. 2002. NOTA: Médias anuais.

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Nos anos 90, ocorreu uma reversão da tendência de comportamento con-traditório na evolução das taxas de lucro e de investimentos presente na décadade 80 (Gráfico 2). O processo de descolamento dos anos 80 pode ser chamadode “financeirização”. Ao contrário do comportamento “normal” dos anos anterio-res a 1980, quando uma queda da taxa de lucro média levou a uma redução deinvestimentos, e dos anos posteriores a 1991, quando ocorreu o oposto, nosanos entre 1980 e 1991 a reversão da tendência de queda da taxa média delucro não produziu um aumento da taxa de investimentos. Este último fato exigeexplicações, mas não está mais ocorrendo nos EUA, no período recente.

Tabela 2

Variação percentual da produtividade, da massa salarial horária e dos salários na produção, nos EUA, em períodos selecionados

PERÍODOS PRODUTIVIDADE MASSA SALARIAL/

/HORAS DE TRABALHO TOTAIS

SALÁRIOS NA PRODUÇÃO

(1)

1961-70 2,1 2,3 1,7

1971-80 1,4 -0,1 -0,3

1981-90 1,4 0,6 -0,5

1991-00 1,5 1,2 0,4

1996-00 1,8 2,1 1,3

FONTES DOS DADOS BRUTOS: BUREAU OF ECONOMIC ANALYSIS. Disponível em: <http://www.bea.gov>. Acesso em: mar. 2002. BUREAU OF LABOR STATISTICS. Disponível em: <http://www.bls.gov>. Acesso em: mar. 2002.

NOTA: Médias anuais reais.

(1) Salários brutos horários médios de trabalhadores sem cargos de supervisão no setor privado não agrícola.

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Ricardo Dathein

40,0

70,0

100,0

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160,0

190,0

220,0

1966

1968

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

Taxa de Lucro Tendência da Taxa de Lucro

Taxa de Investimentos Tendência daTaxa de Investimentos

Legenda:

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MOSELEY, Fred. The rate of profit and the future of capitalism. OECD ECONOMIC OUTLOOK. Paris: OECD, vá- rios números. BUREAU OF ECONOMIC ANALYSIS. Disponível em: <http://www.bea.gov> Acesso em: mar. 2002.NOTA: 1. Base 1980 = 100. 2. Taxa de variação real dos investimentos privados fixos sem tendência.

Taxa média de lucro e taxa de investimentos nos EUA — 1966-00

(%)

Gráfico 2

Taxa de lucro

Taxa de investimentos

Tendência da taxa de lucro

Tendência da taxa de investimentos

Uma determinada abordagem sobre a “financeirização” explica-a como sendoresultante, dentre outros motivos, de políticas econômicas equivocadas, comprioridade excessiva no combate à inflação, em detrimento de outras variáveis,ou de políticas deflacionistas, com ênfase na flexibilização do mercado de tra-balho, de acordo com as críticas keynesianas. Isso teria levado ao aumento dastaxas reais de juros (Gráfico 3) e ao endividamento público crescente, gerandodesestímulos aos investimentos produtivos. Com a liberalização financeira e aelevação dos fluxos financeiros internacionais, o processo tenderia a se perpe-

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Novas tecnologias, inovações e dinamismo...

tuar (na busca de credibilidade frente aos capitais voláteis por exemplo) e expli-caria os altos níveis de desemprego e os riscos contínuos de crises especulativasinternacionais. Portanto, mesmo com a taxa de lucro média em elevação, amaior atração exercida pela esfera financeira teria induzido à queda dos investi-mentos produtivos.

Gráfico 3

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

1960

1962

1964

1966

1968

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

Taxa de lucro Taxa real de juros Taxa de lucro menos taxa de jurosLegenda:

(%)

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MOSELEY, Fred. The rate of profit and the future of capitalism. Review of Radical Political Economics, v. 29, n. 4, 1997. OECD ECONOMIC OUTLOOK. Paris: OECD, vá- rios números. FEDERAL RESERVE. Disponível em: <http://www.federalreserve.gov>NOTA: A taxa real de juros utilizada é a prime rate.

Taxa média de lucro menos taxa de juros nos EUA — 1960-01

Uma explicação alternativa seria a de que a recuperação da taxa de lucromédia a partir de 1980 teria sido provocada, fundamentalmente, pelo rebaixa-mento dos custos salariais relativos e até absolutos, além dos salários indiretosvia cortes no Welfare State. No entanto, isso não teria sido suficiente para pro-vocar um impulso significativo nos investimentos. A “financeirização” teria surgi-do em um momento de falta de oportunidades de investimentos produtivos ouem uma etapa de transição do processo inovativo. Dessa forma, a esfera finan-ceira teria exercido seu papel de refúgio do capital à espera de oportunidades

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mais rentáveis na esfera produtiva. Examinando-se a diferença entre a taxa médiade lucro e a taxa real de juros (prime rate), esta diminuiu, a partir de 1980, so-mente até 1982, com o salto dos juros (Gráfico 3). No período posterior, a reduçãogradativa da taxa real de juros levou, inclusive, a que o ritmo de elevação da taxade lucro deduzida da taxa de juros fosse maior que o aumento da própria taxa delucro, o que, mesmo assim, não provocou a reação dos investimentos. A partirde 1993, ao contrário, mesmo com uma elevação da taxa de juros, os investimen-tos cresceram, o que, aparentemente, poderia estar a demonstrar uma poucarelevância da política monetária na determinação dos investimentos.1

Na década de 90, em oposição, teria ocorrido um processo de inovaçõesou de aplicações produtivas resultantes de desenvolvimentos tecnológicos quegeraram elevação substancial dos níveis de produtividade, além de terem surgi-do novas oportunidades de investimentos produtivos com alta rentabilidade. Ataxa de lucro média crescente provocada por essas inovações, agora, sim, teriainduzido um forte processo de aumento dos investimentos. Como resultado, ataxa média anual de crescimento da produção entre 1992 (depois da recessãode 1990-91) e 2000 foi de 4,6% para o total da indústria e alcançou 33,2% nasindústrias de alta tecnologia (computadores, equipamentos de comunicação esemicondutores), chegando estas últimas a mais de 40,0% em 1995, 1997 e2000 (Federal Reserve, 2002).

A produtividade horária do trabalho (PIB/volume total de horas de trabalho)atingiu um crescimento médio de 1,8% ao ano entre 1996 e 2000, depois de terse reduzido a 1,4% no período 1971-90 (Tabela 2). O processo de inovaçõesgerador desse crescimento da produtividade mostrou-se virtuoso, pois tambémgarantiu um forte aumento de ocupações2 (22,7 milhões de novos postos entre1991 e 2000). Ou seja, os mecanismos de compensação em relação à poten-cial tendência das inovações tecnológicas à geração de desemprego funciona-ram perfeitamente (Vivarelli, 1995). Como resultado do aumento da produtivida-de em 1,8% e como as ocupações cresceram 2,3%, a variação do PIB chegoua uma elevada taxa média de 4,1% de 1996 a 2000.

Uma posição cética em relação ao processo de aumento de produtividadeé que ele estaria centrado somente nos setores da “nova economia”. No entan-to, os ganhos, apesar de (obviamente) muito distintos, vão muito além dos setoresligados às tecnologias de informática e comunicações. Os aumentos médiosanuais de produtividade entre 1996 e 2000 chegaram a 2,7% para o total das

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1 Antes de 1980, a queda da taxa de juros também não teria induzido maiores investimentos(comparar Gráficos 2 e 3).

2 A jornada média anual de trabalho parou de decrescer desde o início dos anos 80, depois dereduções médias de 0,4% ao ano nas décadas de 60 e 70.

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empresas e a 4,9% para o setor manufatureiro (4,1% para o período 1991-00),muito acima das médias dos anos 70 e 80 e da média global da economia (BLS,2002). Em uma amostra de 457 setores e subsetores, o Bureau of Labor Statistics(BLS) também mostra que, em 61,9% dos casos, os aumentos de produtividadenos seis anos posteriores a 1993 foram superiores aos dos seis anos anteriorese que esses ganhos foram distribuídos entre setores muito distintos.3

A partir desses dados, pode-se constatar que os altos ganhos de produti-vidade não estão concentrados somente na área da “nova economia”. Ao contrá-rio, são detectáveis em vários setores. As inovações tecnológicas das áreas deinformática e comunicações possuem grande potencial para gerarem amplia-ções na produtividade de outros setores e também para tornarem mais eficien-tes os processos de distribuição (ao longo das cadeias produtivas). Por outrolado, mesmo depois de vários anos de expansão econômica, a produtividadecontinuou crescendo e, inclusive, acelerando-se, o que deve refletir ganhos efetivose não somente de recuperação pelo uso mais eficiente da capacidade instalada.De outra parte, os ganhos também não podem ser entendidos somente comoum efeito estatístico do auge cíclico, quando altas variações do PIB, além dasnecessárias para garantir ocupação para a PEA, gerariam elevadas variaçõesda produtividade. Ao contrário, a análise setorial permitiria entender o processocomo gerado efetivamente por inovações tecnológicas.

Em relação aos salários, constata-se que estes voltaram a crescer. Ossalários horários médios na produção4 aumentaram, mesmo que moderadamente(Tabela 2) depois de se reduzirem quase continuamente desde 1973 (US$ 15,28)5

até 1993 (US$ 12,91), chegando a US$ 13,75 em 2000. A massa salarial, depoisde crescer a taxas menores que as do PIB quase permanentemente desde1970 (quando representava 53,0% do PIB), retornou a uma trajetória de cresci-mento após alcançar o patamar mínimo em 1994 (46,1% do PIB), chegando a49,0% do PIB em 2000, aparentando uma mudança de tendência (Gráfico 4). Arelação entre a massa salarial e o total de horas trabalhadas, por outro lado,depois de ficar praticamente estagnada em termos reais entre 1972 e 1995,

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Novas tecnologias, inovações e dinamismo...

3 Os maiores ganhos de produtividade entre 1993 e 1999 foram nos setores de informática eequipamentos de escritório (611,6%, o que corresponde a 38,7% ao ano, em média), com-ponentes eletrônicos e acessórios (391,1%), subsetores da indústria têxtil (116,7% a 143,0%),indústria de produtos químicos inorgânicos (134,9%), comércio de equipamentos eletrôni-cos (103,6%), equipamentos de comunicação (100,7%), comércio por catálogo e correios(77,4%) e indústria de móveis (72,5%). Nesse mesmo período de seis anos, a produtividadeglobal aumentou 8,7%, a das empresas, 12,9%, e a das manufaturas, 27,1%.

4 Salários brutos do setor privado não agrícola de trabalhadores na produção.5 Em US$ de 2000; assim como o valor seguinte.

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também voltou a crescer a um ritmo semelhante ao dos anos 60 (2,1% ao ano,em média, entre 1996 e 2000) — Tabela 2. Dessa forma, também deve ser nega-da a hipótese de que o crescimento da economia se deriva simplesmente daintensificação da exploração dos trabalhadores. Para o período anterior ao doinício dos anos 90, essa análise poderia ser válida. Porém, nos anos recentes,ocorreram expressivos ganhos salariais concomitantes ao crescimento do PIB.Isso não significa dizer que as condições salariais sejam satisfatórias, todaviaindica que o seu nível médio teve a possibilidade de crescer em uma conjunturarelativamente favorável à força de trabalho, com altos ganhos de produtividade erelativa escassez de mão-de-obra qualificada.

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(%)

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BUREAU OF ECONOMIC ANALYSIS. Disponível em: <http://www.bea.gov>. Acesso em: mar. 2002.

45,0

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52,0

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54,0

1960

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1966

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1970

1972

1974

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1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

Gráfico 4

Evolução da massa salarial em relação ao PIB dos EUA — 1960-00

0,0

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Por outro lado, a trajetória ascendente dos lucros é anterior e significativa-mente mais acentuada que a dos salários. Depois de atingir apenas 3,1% doPIB em 1986, os lucros líquidos alcançaram 5,8% do PIB em 2000. Dessaforma, a relação entre os lucros líquidos e a massa de salários acrescida doscustos salariais apresentou comportamento ascendente, passando de 5,3%em 1986 para 10,0% em 2000.

Depois dos anos 60, a persistente elevação da produtividade acima davariação salarial, mesmo com a primeira progredindo de forma cada vez maislenta, levou à queda da participação da massa salarial no PIB. No entanto, apartir do momento em que as variações da produtividade aumentaram nos anos90, os salários também voltaram a crescer, levando, inclusive, a uma elevaçãosubstancial da relação da massa salarial com o PIB a partir de 1994. Dessa for-ma, pode-se argumentar que o processo de inovações que induziu os maioresganhos de produtividade também induziu ou permitiu maiores salários reais.

3 - Desempenho dos investimentos

A taxa de crescimento dos investimentos privados fixos no período recentechega a ser surpreendente: desde 1992 (depois da recessão do início da déca-da passada) até 2000, pelo longo período de nove anos, a média real anual foi de8,5% e chegou à média de 9,3% entre 1996 e 2000. Desde 1960, em anos iso-lados as taxas foram até maiores; contudo, em termos médios, ocorreu, no pe-ríodo recente, uma recuperação aparentemente tendencial (Gráfico 5). Essesinvestimentos alcançaram 17,4% do PIB em 2000, depois de baixarem para13,4% do PIB em 1991. Por outro lado, existem evidências de que tenha ocorri-do um aumento da eficiência desses investimentos, tendo em vista que, enquanto,nas décadas de 70 e 80, a participação dos investimentos privados fixos no PIBpara cada ponto percentual de crescimento do PIB foi de 5,2% e 5,6%respectivamente, esse índice diminuiu para 4,7% nos anos 90 e para 3,8% entre1996 e 2000. Esse fato pode ser explicado, provavelmente, pelo tipo dos inves-timentos, ligados de forma crescente às tecnologias de informação e comuni-cação.

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Gráfico 5

Taxa de crescimento real e tendência dos investimentos privados fixos nos EUA — 1960-01

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BUREAU OF ECONOMIC ANALYSIS. Dis- ponível em: <http://www.bea.gov> Acesso em: mar. 2002.

(%)

A participação dos investimentos fixos do Governo em relação aos investi-mentos fixos privados, que era de mais de 40,0% no início dos anos 60, baixoupara menos de 20,0% no final dos anos 70 e voltou a subir nos anos 80 para até27,5% em 1991, ano a partir do qual voltou a cair até 18,5% em 2000. Emrelação ao PIB, os investimentos governamentais também se reduziram, pas-sando de 5,1% nos anos 60 para 3,3% nos anos 90. Esse comportamento éexplicado, fundamentalmente, pela redução dos investimentos militares, querepresentavam 1,7% do PIB nos anos 60 e caíram para 0,7% do PIB nos anos90. No entanto, essa queda relativa, explicada mais por motivos políticos do queeconômicos, não indica que os investimentos do Governo tenham se reduzido.Ao contrário, no período recente (1996-00) cresceram 4,7% ao ano em termosreais, acima da taxa de variação do PIB. Os investimentos governamentais nãomilitares, por outro lado, depois de atingirem um mínimo de 2,3% do PIB em1983 e 1984, voltaram a crescer até 2,7% do PIB em 1999 e 2000.

inves tim entos privados fixos nos EUA — 1960-01

-15,0

-10,0

-5,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

1960

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1964

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1970

1972

1974

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1986

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1990

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1994

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2000

Legenda: TendênciaTaxa de crescimento real

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Tabela 3

Variação percentual dos investimentos fixos privados e governamentais selecionados nos EUA — 1987-95 e 1996-00

INVESTIMENTOS FIXOS PRIVADOS

PERÍODOS Computadores e Equipamentos

Periféricos Softwares Equipamentos de

Comunicação

1987-95 21,6 14,4 5,5

1996-00 42,6 18,0 17,6

INVESTIMENTOS FIXOS DO GOVERNO

PERÍODOS Equipamentos e

Softwares Equipamentos Militares (eletrônicos e softwares)

1987-95 1,0 3,4

1996-00 7,5 10,6

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BUREAU OF ECONOMIC ANALYSIS. Disponível em: <http://www.bea.gov>. Acesso em: mar. 2002. NOTA: Médias reais anuais.

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Novas tecnologias, inovações e dinamismo...

Os investimentos que mais aumentaram, tanto no setor privado quanto nopúblico, foram justamente os ligados às novas tecnologias de informações ecomunicações (Tabela 3). Esses investimentos, em geral, cresceram fortemen-te, consideravelmente acima das médias do setor privado e do Governo, e porlongos períodos. Para o Governo, observa-se que, apesar da redução dos inves-timentos militares, os investimentos especificamente em equipamentos eletrô-nicos e em softwares militares cresceram muito. Esse processo elevou a parti-cipação dos investimentos privados fixos em equipamentos de informática esoftwares no total dos investimentos privados fixos de 20,8% em 1990 para27,2% em 2000.

O dinamismo dos investimentos e o aumento da produtividade permitiramque o crescimento econômico, mesmo elevado e contínuo e tendo atingido umauge cíclico e sendo acompanhado de aumentos salariais reais, não gerasseuma aceleração inflacionária. Ou seja, essa combinação virtuosa foi gerada ba-sicamente pelo processo inovativo, não tendo resultado fundamentalmente de

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6 Entre 1992 e 2000, as receitas e as despesas públicas aumentaram nominalmente 85,5% e25,2% respectivamente, o que representa um crescimento real de 46,5% para as receitas(enquanto a variação real do PIB foi de 38,1%) e uma redução real de 1,1% para as despe-sas, segundo dados do FMI (Int. Finan. Statist. Yb., 2002).

estímulos e controles macroeconômicos. No entanto, certamente o forteaumento das importações também conteve os preços. Esse mesmo processogerou um importante e persistente aumento das receitas públicas correntes(que passaram de 27,6% para 30,6% do PIB entre 1992 e 2000) e permitiu umaredução de despesas públicas (de 33,5% para 28,9% do PIB no mesmoperíodo),6 ao mesmo tempo em que o pagamento líquido de juros por parte doGoverno se reduziu de 3,7% para 2,7% do PIB mesmo em um período de eleva-ção das taxas reais de juros. Como resultado, transformou-se um déficit públicode 5,9% do PIB em um surpreendente superávit de 1,7% do PIB entre os mes-mos anos. Como conclusão, pode-se argumentar que os déficits públicos setornaram desnecessários em um contexto de expansão liderada pelos investi-mentos privados impulsionados por inovações de caráter schumpeteriano.

No entanto, a aceleração do crescimento não foi impulsionada somentepelos investimentos. O consumo privado, pelo seu peso relativo e suas taxas decrescimento, teve um papel fundamental, sendo responsável por 70,0% da taxade crescimento do PIB entre 1996 e 2000 e tendo aumentado sua participaçãono PIB de 66,0% para 68,2% entre 1990 e 2000. Durante um longo período, dofinal dos anos 60 até o início da década de 90, a participação da massa salarialno consumo reduziu-se fortemente (de 85,6% em 1969 para 69,0% em 1994), oque poderia explicar a necessidade de um crescente endividamento e de umacrescente participação de rendas não salariais no consumo (mesmo entreassalariados).

Por outro lado, a dívida pública dos EUA também cresceu fortemente,multiplicando-se por quatro, em termos reais, da primeira metade dos anos 70até meados da década de 90, fazendo a sua relação com o PIB passar demenos de 30,0% para cerca de 50,0% entre esses anos. Esse crescimentoocorreu basicamente de 1982 a 1986 e de 1990 a 1993. No entanto, de 1996 emdiante, a dívida pública reduziu-se forte e consistentemente, de forma que suarelação com o PIB chegou a 32,1% na metade de 2001, com um decréscimoreal de 24,1% no mesmo período. Essa dívida pública era, desde o início dosanos 70 até 1994, cerca de 80,0% interna e 20,0% externa. A partir de 1994,essa composição se alterou bruscamente, chegando a 2001 com cerca de 65,0%interna e 35,0% externa (Int. Finan. Statist. Yb., 2002). Portanto, a queda dadívida pública foi primeiramente interna, visto que a externa continuou a cresceraté 1998, a partir de quando a última também decaiu.

No período recente, o surgimento de um superávit público e a forte amplia-ção do déficit em transações correntes no balanço de pagamentos estariam a

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indicar um crescimento do déficit do setor privado em relação ao Governo e aoExterior, confirmando a tendência ao endividamento como fator dinamizador dodesenvolvimento dos EUA. No entanto, em anos recentes, com o crescimentoda massa salarial, sua relação com o consumo ampliou-se, passando de 69,0%em 1994 para 71,9% em 2000, indicando uma menor necessidade de endivida-mento entre os assalariados. Essa ampliação é pequena em relação aos pata-mares já alcançados anteriormente, mas também poderia estar a indicar umareversão tendencial, tendo em vista que já durou seis anos, depois de 26 anosde quedas quase contínuas, assumindo, assim, importância maior.

O mercado de capitais naturalmente cresceu mais que proporcionalmenteem uma situação de alto desenvolvimento. Entretanto, em um contexto de finan-ças globalizadas e com o desenvolvimento muito concentrado nos EUA, a atraçãode recursos foi amplificada, e, com isso, o preço dos ativos cresceu ainda mais,pressupondo lucros futuros além da realidade. Quando o ciclo reverte ou tende areverter, a “bolha especulativa” desinfla ou pode “explodir”. Certamente esseprocesso financeiro teve e tem impactos sobre os investimentos produtivos,tanto positivamente no crescimento quanto negativamente no declínio cíclico.No entanto, não se constituiu em fator determinante essencial em qualquercaso para os EUA no período recente.

Em conclusão, o “extraordinário processo de inovações” ou “a revoluçãodas tecnologias da informação” (Coutinho, 2000) teria provocado efeitosmacroeconômicos fundamentais, de forma a explicar o desempenho dos EUAnos anos 90. A taxa de lucro e os investimentos cresceram com o aumento daprodutividade, partindo de uma situação de baixos custos salariais. Dessa for-ma, a variação do PIB deve ter sido determinada tanto por baixos custos sala-riais, permitindo altos lucros estimuladores de investimentos, quanto, e aquifundamentalmente, por inovações tecnológicas contínuas, gerando grandes am-pliações de produtividade e novas oportunidades de investimentos.7 Portanto, ofator causal essencial do desenvolvimento dos EUA teria sido o processo deinovações produtivas, na medida em que este gerou investimentos em novossetores e novos produtos, ampliou-os em setores já existentes e disseminou-ospara outras áreas. Os incentivos a essas inovações podem ter surgido tanto deum ambiente propício (com redução de impostos sobre os lucros, por exemplo)e das iniciativas de um empresariado com características schumpeterianas quan-to da ação do Estado como indutor de inovações. O Governo dos EUA, porexemplo, tradicionalmente faz encomendas a empresas e a instituições de pes-quisa, com importantes alocações de verbas, de novas tecnologias, que, poste-riormente, se transformam em inovações, as quais terão encomendas estatais

7 Essa continuidade da produção de novas tecnologias e inovações, e não simplesmente oseu uso, é o que poderia explicar, dentre outros fatores, as diferenças atuais de desenvol-vimento entre os EUA e o Japão por exemplo.

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que funcionam como garantias de demanda para o setor privado antes que surjaa demanda não estatal.

4 - Recessão atual e perspectivas

Inovações geradoras de desenvolvimento com caráter schumpeteriano nãogarantem o fim das crises econômicas. Ao contrário, elas próprias tendem a sercíclicas. Além disso, e fundamentalmente no caso atual, os investimentos indu-zidos por esse processo tendem a ser cíclicos devido ao estímulo ao superinves-timento.

Nos anos recentes, ocorreram pioras em vários indicadores econômicos.Os investimentos privados fixos reduziram sua taxa de crescimento em 1999 e2000, tendo esta sido negativa em 2001. A relação entre os lucros e o PIBreduziu-se em 1998, recuperando-se apenas parcialmente em 1999 e 2000. Aomesmo tempo, a massa salarial aumentou sua participação no PIB, e os salá-rios médios cresceram, provocando um aumento dos custos salariais para asempresas. Como resultado, reduziu-se, em 1998, a relação entre o lucro líquidoe os custos salariais, recuperando-se pouco em 1999 e 2000. Os ganhos deprodutividade, por outro lado, não apresentaram problemas, tendo, inclusive,acelerado seu crescimento nos anos recentes. Sua relação com os salários, noentanto, é mais polêmica. Em relação aos salários médios na produção, houveum crescimento superior à produtividade somente nos anos de 1997 e 1998,ficando novamente abaixo nos dois anos posteriores. Na média dos anos 90 oude 1996 a 2000, no entanto, a média de variação dos salários ficou substancial-mente menor. Em relação ao indicador massa salarial/horas totais trabalhadas,ocorreram aumentos maiores que os da produtividade nos anos de 1997 a 1999(2,4% superiores no total dos três anos), voltando a ficar menores em 2000(Tabela 2 e Gráfico 6). Em relação ao balanço de pagamentos, houve uma pioraconsiderável no saldo em transações correntes, principalmente após 1997, che-gando a um déficit de US$ 430,5 bilhões em 2000. Ao mesmo tempo, os jurospagos pelo Governo ao Exterior aumentaram muito, apesar de se reduzirem emtermos totais e internamente.

Como resultado desses processos, diminuiu recentemente a participaçãoda contribuição dos investimentos privados para a variação do PIB, que vinha emtendência ascendente, ao mesmo tempo em que aumentou a contribuição doconsumo privado, que também vinha em tendência ascendente (apesar de já terdemonstrado uma pequena reversão em 2000). Os gastos do Governo, por outrolado, também aumentaram sua contribuição, apesar da tendência declinanteanterior, enquanto as transações externas ampliaram sua contribuição negativa,que já era crescente.

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Como ocorreu algum aumento salarial superior ao crescimento da produti-vidade, poder-se-ia argumentar que um processo de esmagamento de lucrostivesse originado a recessão atual. No entanto, esse processo, ao menos emmédia, foi pouco intenso, de curto prazo e reverteu-se em 1999 e 2000 com aaceleração dos ganhos de produtividade e com a redução dos aumentos sala-riais médios, além de que os salários partiram de patamares muito baixos depoisde mais de 20 anos de contenção ou rebaixamento. Por outro lado, seria de seestranhar um sistema econômico que somente admite pioras ou, no máximo, amanutenção da distribuição de renda e que entra em crise quando ocorre umamoderada melhoria na distribuição de renda em favor dos assalariados.

Gráfico 6

Índices da produtividade, da massa salarial real por hora e dos salários horários reais médios na produção, nos EUA — 1960-00

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BUREAU OF ECONOMIC ANALYSIS. Disponível em: <http://www.bea.gov> Acesso em: mar. 2002. BUREAU OF LABOR STATISTICS. Disponível em: <http://www.bls.gov> Acesso em: mar. 2002.

NOTA: Base 1959 = 100.

90,0100,0110,0120,0130,0140,0150,0160,0170,0180,0190,0

1960

1962

1964

1966

1968

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

Produtiv idade

Massa salarial por horaSalários na produção por hora

Legenda:

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De outra parte, não houve nenhum problema de subconsumo originando arecessão. Ao contrário, o consumo é que conseguiu retardar a desaceleração,garantindo altas taxas de crescimento nos anos recentes. A partir dos merca-dos financeiros e de capitais, por outro lado, o comportamento parece ter sidoapenas reativo. Nenhuma “bolha especulativa” teve papel gerador nesse proces-so. Uma política monetária relativamente neutra, além disso, permitiu que o "la-do real” da economia funcionasse plenamente. De outra parte, não houve nenhumchoque externo ou exógeno fundamental, assim como nenhum erro relevante depolítica econômica.

A explicação mais convincente para a origem da recessão parece ser aocorrência de um processo endógeno de superacumulação. O crescimento realdos investimentos privados fixos foi de 10,2% ao ano, em média, entre 1996 e1998, depois de estes já terem aumentado, em média, 7,5% nos quatro anosanteriores. Esse processo pode ter provocado uma queda na taxa de lucro mé-dia, o que teria induzido uma redução do ritmo de crescimento dos investimen-tos já a partir de 1999, enquanto as taxas de crescimento da produção industrialjá vinham apresentando decréscimos moderados desde 1997 e a capacidadeociosa também aumentava a partir do mesmo ano. Mesmo assim, a economiacontinuou crescendo fortemente, impulsionada pelo consumo e pelos gastospúblicos. No entanto, com a variável dinâmica negativamente afetada, a rever-são teria que vir, o que ocorreu em 2001.

Em relação às indústrias de alta tecnologia, depois de um grande aumentodas taxas de crescimento da produção de 1992 a 1997 (partindo de 4,4% em1991 para 43,3% em 1997) e do grau de utilização da capacidade de 1992 a1995 (de 73,3% em 1991 para 86,0% no último ano), começaram a apareceralguns sinais de superaquecimento. A utilização da capacidade reduziu-se de1996 a 1998, chegando a 79,8%, talvez devido a um excesso de investimentos(que passaram de uma taxa de crescimento média de 14,2% entre 1992 e 1995para 20,9% de 1996 a 1998), enquanto o crescimento da produção nessas in-dústrias reduziu um pouco seu ritmo em 1998 e 1999. Neste último ano, o cres-cimento dos investimentos foi um pouco menor (17,9%), enquanto a utilizaçãoda capacidade voltou a crescer, o que deve ter induzido um novo crescimento dataxa de variação dos investimentos (para 20,4%) em 2000, quando a produçãose elevou em um ritmo de 42,8% e o grau de utilização da capacidade elevou-sea 85,3%. O ritmo em 2000 demonstrou-se excessivo e insustentável, levando auma queda, em 2001, de 3,6% nos investimentos e de 4,8% na produção,enquanto a utilização da capacidade se reduziu bruscamente para 65,6%.

A reação à recessão está sendo tipicamente keynesiana, com aumentosde gastos públicos (principalmente militares), propostas de cortes de impostose reduções de taxas de juros no sentido de enfrentar a queda dos investimentose do consumo privados. O ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, se, por

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um lado, tendeu a agravar a recessão com o aumento da incerteza e dos custoscom segurança, por outro, permitiu um maior acordo em relação às políticaskeynesianas. Nesse contexto, ocorre uma quebra do consenso liberal sobre oequilíbrio fiscal, de forma que uma reação keynesiana pragmática e conservado-ra tem sido rápida e conta com alguma coordenação em nível internacional,podendo ser eficiente no sentido de ao menos estancar a brusca queda dosindicadores macroeconômicos. Além disso, como as contas públicas estão embom estado, o alto superávit (US$ 171,1 bilhões em 2000) permite uma amplamargem de manobra para o aumento dos gastos públicos e para o corte de im-postos.

A queda de desempenho da economia foi grande em 2001, o que colocadúvidas sobre a possibilidade da persistência da tendência ascendente anterior.A manutenção dessa tendência vai depender da profundidade e da extensãotemporal da recessão. Como a reação do Governo norte-americano está sendorápida e significativa e, de outra parte, ainda existem amplas margens de usoprodutivo ou de inovações a partir das tecnologias de informações e comunica-ções em desenvolvimento, a possibilidade de reversão razoavelmente breve e deretorno à tendência anterior é plausível.

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Endividamento forçado, Big Government ea implausibilidade de crise no capitalismo:

um exercício a partir de um modelode consistência entre

fluxos e estoques

Luiz Daniel Willcox de Souza* Doutorando do IE-Unicamp e Professor do Departamento de Economia da UFF.

Resumo

Este trabalho tem como objetivo descrever o processo de endividamento força-do de Steindl em uma economia fechada a partir de um modelo de consistênciaentre fluxos e estoques. Partimos de esquema contábil que nos permite anali-sar, de forma consistente, as variáveis de fluxo e sua contrapartida em termosdos estoques e, com base nele, mostramos que esse processo e a possibilida-de de crise se tornam absolutamente implausíveis se pensarmos no papel exer-cido pelo Big Government de Minsky. O setor público pode fazer políticas fis-cais expansivas, evitando que os lucros caiam, que a taxa de endividamento seeleve e que o investimento caia. Para isso, seguindo a abordagem das “finan-ças funcionais”, o governo não encontrará qualquer obstáculo para se financiar,porque o público sempre aceita a moeda e a dívida pública emitida por ele.

Palavras-chave

Endividamento forçado; “política fiscal”; finanças funcionais.

* O autor agradece a Cláudio Hamilton dos Santos pelos comentários e discussões, sem,contudo, responsabilizá-lo por eventuais erros e omissões.

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Abstract

The aim of this paper is describe Steindl’s ‘enforced indebtedness’ in a closedsystem through a stock-flow consistent framework. Begining with an accountingframework that allow us to analyze in a consistent way stocks and flow variableswe show that the ‘enforced indebtedness’ and the possibility of crisis becomeabsolutely implausible when we think about the role played by Minsky’s BigGovernment. The public sector should do expansive fiscal policies avoiding theaggregate profit reduction, the increase in the indebtedness rate and the fall inaggregate investment. Following the functional finance approach, governmentwould not find any obstacle to finance its deficits because private sector willalways accept government debt in the form of high-powered money and bondsissued by it.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 13.05.02.

1 - Introdução

O objetivo deste trabalho é discutir o processo de endividamento forçadodescrito em Steindl (1982; 1983; 1989), em uma economia fechada e com gover-no, a partir de um modelo de consistência entre fluxos e estoques propostooriginalmente por Tobin e Godley.1

Segundo Steindl (1982; 1983; 1989), em uma economia fechada e semgoverno, a queda autônoma no investimento geraria, seguindo o princípio dademanda efetiva, uma redução do lucro agregado. A queda no lucro e na acumu-lação interna das firmas faria com que o investimento se reduzisse para mantero seu grau de endividamento no nível planejado. O resultado seria um processocumulativo de queda no investimento e redução da taxa de crescimento da eco-nomia.

Luiz Daniel Willcox de Souza

1 Ver Tobin (1980; 1982) e Godley e Cripps (1983) por exemplo. Para um breve resumo dasconexões entre os trabalhos de Godley e Tobin, ver Lavoie (2001) e Godley et al. (1987).

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Esse processo de endividamento forçado perde inteiramente sua força comoexplicação para a queda na taxa de crescimento das economias capitalistas sepensarmos no papel cumprido pelo Big Government conforme descrito por Minsky(1982; 1986). O setor público tem a capacidade de gastar mais, evitando aqueda do lucro agregado e se endividar sem qualquer ameaça de não conseguirrolar a sua dívida. A moeda emitida pelo governo, de acordo com a abordagemdas finanças funcionais descrita em Wray (1998), será aceita por todos, permi-tindo que o governo gaste mais e se financie emitindo moeda ou dívida pública.A conclusão é que, na economia fechada, não haverá qualquer restrição para aexecução de políticas fiscais expansivas.

Para cumprir esse objetivo, dividimos o trabalho em quatro seções, alémdesta introdução. Na segunda seção, montaremos o arcabouço que será a basecontábil da nossa explicação, que nos permitirá analisar, de forma consistente,as variáveis de fluxo e suas implicações em termos das variáveis de estoques.Na terceira seção, analisaremos, dentro desse esquema, as hipóteses de Steindl(1982; 1983; 1989), descrevendo o processo de endividamento forçado e suasimplicações sobre a taxa de crescimento da economia para uma economiafechada e sem governo. Na quarta seção, introduziremos o governo e mostrare-mos que o processo de endividamento forçado deixa de ser factível na presençade um Big Government. Por fim, na última seção, adotando a abordagem dasfinanças funcionais utilizada em Wray (1998), veremos que, em uma economiafechada, não há qualquer restrição à capacidade do governo em gastar mais egerar déficits públicos.

2 - A descrição contábil da economia

Nesta seção, apresentaremos um esquema contábil que nos permitiráanalisar a relação entre os vários setores da economia em termos dos fluxos eestoques. Esse esquema nos mostrará as receitas e os gastos de cada um dossetores, como são financiados e sua estrutura de ativos e dívidas.2 Isso signifi-ca que toda a variável de fluxo terá uma contrapartida em termos de variação nosestoques. Nesse esquema, “(...) todo o fluxo vem de algum lugar e vai para umoutro lugar” (Godley, 1999, p. 394).

Endividamento forçado, Big Government e a implausibilidade...

2 Estaremos seguindo Godley (1999) e Godley e Lavoie (2000), a despeito de algumas simpli-ficações que fizemos em seu esquema.

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Estaremos trabalhando com uma economia fechada e desagregaremos,inicialmente, a economia em três setores: famílias, firmas e setor público. Po-demos descrever contabilmente essa economia em uma matriz SAM (Matriz deContabilidade Social — Social Accounting Matrix).3

A matriz SAM é baseada nas partidas dobradas (double-entry bookeeping)como forma de organização das informações das variáveis que aparecem nascontas nacionais e nas matrizes de fluxo de fundos. Nessa matriz, distinguimosentre transações em conta corrente e na conta de capitais, na qual os símboloscom sinal positivo indicam fontes de recursos e o sinal negativo o uso de fundos.Lendo a matriz pelas colunas, temos a diferença entre a renda e os gastos decada um dos setores, que será sempre igual à poupança de cada um dos setores.Na conta corrente, a poupança aparecerá como um uso de recursos. Na contade capital, a poupança aparece como uma fonte de recursos e será igual àacumulação de ativos reais e financeiros.4

Por outro lado, se a matriz for lida através das linhas, teremos as ofertas ea demanda de bens e serviços e ativos financeiros. Portanto, a SAM sumarizatodas as informações sobre as transações de variáveis de fluxo e as variaçõescorrespondentes nos estoques em um determinado período de tempo, e, pelasistemática contábil adotada, o somatório das linhas e das colunas deve neces-sariamente ser zero.5

3 Essa construção se baseia em Godley (1999), Godley e Lavoie (2000), Lavoie (2001) eTaylor (1990).

4 Notemos que apenas as firmas acumulam ativos reais, os demais setores só efetuam gastoscorrentes. O investimento aqui considerado é aquele que cria capacidade produtiva para osetor privado. Essa é uma diferença das convenções adotadas na construção da matriz defluxo de fundos, na qual, por exemplo, o consumo de duráveis das famílias aparece comoinvestimento. Ver Ritter (1963).

5 As colunas mostram cada bem, serviço e ativo financeiro que cada setor compra ou vende.Elas somam zero, porque representam a restrição orçamentária de cada um dos setores, e,como os usos de recursos são lançados com sinal negativo e as fontes com sinal positivo,o somatório deve ser zero. As linhas mostram que setor compra e vende cada um dos bens,serviços e ativos financeiros. A soma será zero, porque os usos dos fundos de cada umdos setores representam demanda por bens, serviços ou ativos financeiros, e as fontes derecursos representam as ofertas de bens e serviços e ativos financeiros. Como qualquertransação pressupõe alguém que venda (oferte) e alguém que compre (demande), a ofertaé lançada contabilmente com sinal positivo; e as compras, com sinal negativo. Cada lan-çamento de venda terá como contrapartida o lançamento para algum outro setor de umacompra com sinal oposto.

Luiz Daniel Willcox de Souza

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227Endividamento forçado, Big Government e a implausibilidade...

FAMÍLIAS FIRMAS GOVERNO

DISCRIMI- NAÇÃO Conta

Corrente Conta

de Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Σ

Consumo -C +C 0

Investimento +I (+∆K) -I(-∆K) 0

Gastos públi-cos

+G -G 0

Salários +W -W 0

Impostos -T +T 0

Juros +iD-1+iD-1B -iD-1

B -iD-1 0

Poupança -SH +SH -PR +PR -SG +SG

∆ base -∆M +∆M 0

∆ empréstimos -∆DB +∆DB 0

∆ títulos públi-cos

-∆D +∆D 0

Σ 0 0 0 0 0 0

Quadro 1

A matriz SAM para uma hipotética

Não aparece explicitamente no Quadro 1 o pagamento de dívidas como umpossível uso de fundos, assim como não aparece como fonte de recursos avenda de ativos financeiros e o desentesouramento. Entretanto todas essaspossibilidades são consideradas, porque as variações nos ativos financeirossão todas líquidas.6

6 Por exemplo, o entesouramento considerado refere-se a quanto aquele setor entesouroumenos o que desentesourou; a acumulação de ativos financeiros é resultado de quanto osetor compra de novos ativos menos o que liquida, assim como o aumento do endividamentoé resultado das novas dívidas contraídas menos o pagamento das dívidas antigas.

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228 Luiz Daniel Willcox de Souza

GrH SPSI ++=

rumarmos (1), obteremos:B

H iDDiWY 11. −− ++=

7 A taxa de juros sobre os empréstimos privados e sobre a dívida pública é igual por hipótesee fixada pelo Banco Central.

8 Steindl (1982; 1983; 1989) denomina de acumulação interna a poupança das firmas.9 Por definição, igual ao superávit público.

As famílias recebem salários, juros sobre a dívida pública e sobre os em-préstimos às firmas7, que utilizam para pagar impostos líquidos das transferên-cias, comprar bens de consumo e novos ativos financeiros (títulos das firmas,base monetária e títulos da dívida pública). O setor público, em conta corrente,recebe impostos líquidos das transferências, efetua gastos correntes, paga ju-ros da dívida pública e poupa. Essa poupança será igual, por definição, ao déficitpúblico. Na conta de capital, a poupança pública será igual, contabilmente como sinal trocado, à variação na base monetária e no estoque de dívida pública.

Para as firmas, em conta corrente, os fluxos de recursos vêm da venda debens de consumo, bens de capital e bens para o setor público, que devem seriguais aos salários pagos, juros pagos às famílias e a poupança das firmas.Esta será igual ao lucro líquido, todo retido pelas firmas por hipótese.8 Na contade capital, o investimento (as adições ao estoque de capital fixo e os estoques)deve ser financiado pelos empréstimos obtidos junto às famílias e pelos lucrosretidos.

Como o somatório das transações em conta corrente de cada setor seráigual a zero, podemos colocá-las em uma mesma identidade e teremos:

(2)

Essa expressão nos mostra que o déficit das firmas é, necessariamente,igual à poupança das famílias e à poupança pública.9

A matriz SAM e as relações contábeis que dela se derivam, por si só, nãoquerem dizer nada sobre o comportamento dos vários setores, mostram apenasque os déficits e os superávits dos vários setores representam adição ao esto-que de dívidas (ou redução do estoque de ativos), ou acúmulo de ativos (ouredução de dívidas) respectivamente. Além disso, possibilitam a construção dedeterminadas identidades contábeis que representam restrições que os mode-los macroeconômicos não podem violar, permitindo analisar, de forma consis-tente, as variáveis de fluxo e sua contrapartida em termos de estoques.

)()( 1−−−+−−=− iDGTCTYPI HR

(1)

O investimento será igual ao somatório da poupança das famílias, dasempresas e do governo.

Se definirmos a renda das famílias como e rear-

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Segundo Godley e Cripps (1983),“O fato de que o estoque de moeda e os fluxos devem satisfazer

Endividamento forçado, Big Government e a implausibilidade...

10 Ver Serrano (2000).

operam dentro destas restrições orçamentárias” (Godley; Cripps, 1983,p. 18).

Ou, segundo Minsky (1986),“A mera apresentação de identidades contábeis não é uma teoria enão leva a nenhuma relação de causalidade. De forma a entender oque de fato ocorre, devemos analisar como os resultados são obtidos(i.e. como os superávits e déficits setoriais são consolidados por todosos setores). Nós devemos formular idéias sobre quais são osdeterminantes e quais as variáveis serão determinadas nas tabelascontábeis (i.e. introduzir hipóteses sobre como a economia de fatofunciona de forma que o resultado final é sempre atingido)” (Minsky,1986, p. 30).

3 - O endividamento forçado em uma economia sem governo

Nesta seção, introduziremos algumas hipóteses comportamentais no es-quema acima, transformando essas identidades em relações causais, que nospermitam entender com clareza o processo de endividamento forçado e suasimplicações em termos de taxa de crescimento da economia conforme descritoem Steindl (1982; 1983; 1989).

Vamos utilizar, inicialmente, uma SAM simplificada para uma economiasem governo, que funciona sob a validade do princípio da demanda efetiva. Arenda agregada é determinada pela demanda agregada, e, dessa maneira, apoupança agregada será determinada pelo investimento. Essa poupança agre-gada aparecerá distribuída, necessariamente, entre a poupança das famílias e apoupança das empresas.10

identidades contábeis para os setores individualmente e para aeconomia como um todo fornece uma lei fundamental namacroeconomia, análoga ao princípio da conservação de energia nafísica. Mas as restrições cumulativas não são obviamente suficientespara determinar o que irá acontecer. Para isto é preciso adicionarhipóteses comportamentais sobre como as pessoas e instituições

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230 Luiz Daniel Willcox de Souza

Podemos distinguir, dentro das famílias, um outro grupo, além dos traba-lhadores, os rentistas11, que se distingue pela natureza de seu rendimento. Acaracterística desse rendimento é sua inflexibilidade com relação ao nível deatividades. Podemos incluir nesse grupo aqueles que emprestam para as em-presas cuja remuneração provém, basicamente, das taxas de juros.

A renda das famílias será dividida em renda dos trabalhadores, determina-da pela massa de salários, e renda dos rentistas, constituída dos juros recebi-dos como contrapartida dos empréstimos concedidos às firmas. O consumoagregado é dividido em consumo dos trabalhadores e consumo dos rentistas.Supõe-se que os trabalhadores não têm acesso a crédito, nem possuem ativosacumulados; logo, dependem do recebimento dos salários para efetuarem seusgastos. Além disso, estamos considerando que os trabalhadores gastam o queganham e, portanto, não poupam. Os rentistas, por terem acesso a crédito e porpossuírem ativos acumulados, gastam autonomamente. A poupança das famíli-as constituir-se-á, dessa forma, na poupança dos rentistas.

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Quadro 2 A matriz SAM para a economia sem governo

TRABALHA- DORES RENTISTAS FIRMAS

DISCRIMI- NAÇÃO Conta

Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Σ

Consumo -CW -CR +(CW+CR) 0

Investimento +I -I 0

Salários +W -W 0

Juros +iD-1B -iD-1

B 0

Poupança -SW +SW -SR +SR -PR +PR

∆ emprésti-mos -∆DB +∆DB 0

Σ 0 0 0 0 0 0

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231Endividamento forçado, Big Government e a implausibilidade...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 223-248, 2003

Como estamos lidando com uma economia sem governo, na qual as em-presas não se financiam por meio de ações, apenas por meio de empréstimosjunto às famílias, a poupança das famílias destina-se unicamente aos emprésti-mos para as firmas, o que pode ser observado na conta de capital dos rentistas.12

Em termos formais:

A identidade (2) torna-se (3), que passa a ser uma equação que mostraque o investimento determina a poupança que se distribui entre poupança dasfamílias e das firmas. Dessa forma,

RRB PCiDI +−= − )( 1

(3)

BH DS �= (4)

A primeira hipótese fundamental relaciona-se ao comportamento das fir-mas no que diz respeito à sua política de endividamento.13 Segundo Steindl(1989),

“(...) presume-se que as firmas têm como meta manter seu endivida-mento dentro de certos limites: a proporção de ações no capital totalnão deve cair abaixo de um determinado valor (e a proporção de dívidanão pode exceder o valor complementar)” (Steindl, 1989, p. 71).14

Essa hipótese implica que as firmas planejem o grau de endividamentoque desejam manter. Este é definido como a proporção entre o estoque dedívida das empresas e o estoque de capital. Podemos definir g* como a taxa deendividamento planejada pelas firmas:

me de capital da empresa tanto através de sua influência na capacidade de conseguir ca-pital emprestado como através de seu efeito no grau de risco” (Kalecki, 1983, p. 76). Ograu de endividamento da firma determina o acesso da firma a empréstimos, fixando umlimite para o montante de financiamento que a firma pode obter, “(...) seria impossível afirma tomar emprestado capital acima de um limite determinado pelo volume de seu capitalde empresa” (Kalecki, 1983, p. 75). Claro que o princípio do risco crescente foi formuladopara ilustrar a relação entre firmas e bancos, porém, neste trabalho, todo o setor privadonão produtivo está consolidado nas famílias; logo, a relação que aparece é entre famíliase firmas.

11 Assim denominados por Steindl (1982; 1983; 1989) e Kalecki (1983).12 Segundo Steindl (1982, p. 71), “(...) segue-se que os empréstimos líquidos fornecidos das

famílias devem ter como contrapartida o endividamento das firmas (tradução nossa)” [“(…)it follows that a net household lending must find its counterpart in borrowing by business”].

13 Entretanto devemos notar que, no modelo aqui considerado, não há emissão de ações.14 A justificativa para essa hipótese está no princípio do risco crescente em Kalecki (1983),

segundo o qual, “(...) o tamanho da firma, portanto, parece achar-se circunscrito pelo volu-

*gK

DB

= (5)

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232 Luiz Daniel Willcox de Souza

15 Steindl (1983) define essa variável g de uma forma um pouco diferente. A variável g seriaa relação entre o estoque de capital e a parcela desse estoque financiado por “acumula-ção interna das firmas”, isto é, por lucro retidos. Como o próprio Steindl (1983) coloca,financiado pela soma de títulos dos empresários. Como K é igual a DB e K - DB que é a somade títulos dos próprios empresários. Dessa maneira, g = K/K - DB = 1 + (DB/K - DB).

16 Steindl (1982; 1983; 1989) e Kalecki (1983) definem a poupança que não é feita pelas firmascomo “poupanças externas”.

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A manutenção da taxa de endividamento em g* requer que o estoque decapital K e a dívida das firmas DB cresçam à mesma taxa.15 A taxa g* é umlimite que, por hipótese, a firma não pode ultrapassar. Tendo como base o esque-ma contábil da seção anterior e segundo Steindl (1989), como os estoques decapital e de dívida resultam dos fluxos do período precedente, essa relação se-rá mantida a partir do controle dos fluxos de financiamentos e do investimento.

Se analisada pelo lado dos fluxos, essa taxa de endividamento permane-cerá constante caso o investimento e o financiamento por empréstimos junto àsfamílias cresçam à mesma taxa. Como na economia fechada e sem governo apoupança dos rentistas terá como destino os empréstimos para as firmas16, ataxa de endividamento permanecerá constante se o investimento e a poupançadas famílias crescerem à mesma taxa. Caso o investimento cresça mais, a taxade endividamento aumentará e, caso cresça menos, reduzir-se-á.

O investimento, a despeito de depender de uma série de fatores (grau deutilização da capacidade produtiva, da acumulação interna das firmas e da taxade lucro), é a variável responsável por manter constante a taxa de endividamentodas firmas no nível g* definido por (4). Se o grau de endividamento ultrapassar aproporção definida pela política de endividamento da firma, esta procurará redu-zir o investimento para levar de volta o grau de endividamento à proporção dese-jada.

Para que a taxa de endividamento permaneça constante, é necessário queas variações na poupança gerada por variações no investimento se traduzamem variações nos dois componentes da poupança na mesma proporção em quea poupança agregada se elevou. Só que o princípio da demanda efetiva só ga-rante que a poupança agregada se ajusta ao nível de investimento, não nos diznada sobre o comportamento de cada um dos componentes da poupança.

Podemos resumir a questão com uma passagem de Steindl (1982):“O equilíbrio entre os setores é garantido por determinado nível dedemanda efetiva — i.e do PIB. Mas para o equilíbrio de cada setorindividualmente o PIB requerido pode ser diferente. Isto envolve a duratarefa de harmonização da política econômica porque para cada setorhá uma certa meta para o endividamento; em última instância istotem a ver com a relação entre os estoques de ativos e os passivos,mas a sua administração envolve determinadas políticas relacionadasà razão entre empréstimos e dívidas nos fluxos” (Steindl, 1982, p. 72).

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17 Em Steindl (1982, p. 76), analisam-se os dados para diversos países, e a conclusão é que“(...) eles não mostram nenhuma flexibilidade em relação ao comportamento da demandaagregada, em forte contraste com a flexibilidade apresentada pelos lucros e a poupançadas firmas (tradução nossa)” [“(…) they show in fact no flexibility in relation to the state ofdemand, in strong constrast to the flexibility of business profit and saving”]. Para a justifi-cativa a essa inflexibilidade, ver Steindl (1983, p. 136).

18 Esse exercício é realizado em Serrano (2000), de acordo com diferentes hipóteses e obje-tivos.

19 Ver Steindl (1982; 1983; 1989).

Endividamento forçado, Big Government e a implausibilidade...

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O problema está exatamente no fato de que as firmas não têm controlesobre a poupança das famílias. No entanto, é exatamente a proporção entre apoupança das famílias e a poupança total que determina o grau de endividamentodas firmas.

O fato estilizado apontado em Steindl (1982; 1983; 1989) é a relativa infle-xibilidade da poupança das famílias quando comparada à poupança das empre-sas.17 Esse fato traz implicações importantes no que diz respeito ao comporta-mento da taxa de endividamento das firmas quando a renda da economia semodifica.

Vamos analisar, com auxílio da SAM, como as poupanças das famílias edas firmas se ajustam a modificações nos gastos autônomos sob as hipótesesaqui consideradas.18 Particularmente, queremos discutir se as variações nosgastos autônomos se traduzem em variações na poupança das famílias e nadas firmas e as implicações sobre o grau de endividamento das firmas.

Nessa SAM, representamos apenas as mudanças nos fluxos durante operíodo, como conseqüência da queda no consumo rentista. A redução no con-sumo não tem qualquer influência sobre o investimento; portanto, a poupançaagregada mantém-se constante. A variação da poupança dos trabalhadores énula. A poupança dos rentistas eleva-se, dado que o montante de juros recebidopermanece inalterado, posto que nem o estoque de dívida passado, nem a taxade juros se alteram com a variação no consumo. Como os trabalhadores gas-tam o que ganham, o lucro é determinado pelo investimento e pelo consumorentista, e, dessa forma, o lucro agregado cai no exato montante que o consu-mo rentista caiu. A poupança das firmas reduz-se no montante da queda doconsumo rentista.

A poupança agregada permanece constante, a poupança das famílias au-menta e a poupança das firmas cai no mesmo montante. Com isso, a taxa deendividamento eleva-se, porque, embora o nível de investimento tenha permane-cido constante, o lucro das firmas cai e a poupança das famílias aumentou. Asfamílias aplicam seus excedentes emprestando para as firmas que tiveram seulucro reduzido. Como o investimento é dado, expost, ele aparecerá financiadocom uma parcela maior de empréstimos tomada junto às famílias do que aquelaplanejada. Esse processo é denominado endividamento forçado.19

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234 Luiz Daniel Willcox de Souza

Quadro 3

Efeitos de aumentos nos gastos autônomos

TRABALHA- DORES RENTISTAS FIRMAS

DISCRIMI- NAÇÃO Conta

Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Consumo +∆CW +∆CR -∆(CW+CR)

Investimento

Salários -∆W +∆W

Juros

Poupança -∆SR -∆SR +∆PR -∆PR

∆ empréstimos +∆DB -∆DB

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Vejamos agora as implicações de uma redução no nível de investimento,também com auxílio de uma SAM.

Quadro 4 Efeitos de redução no investimento

TRABALHA- DORES RENTISTAS FIRMAS

DISCRIMI- NAÇÃO Conta

Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de Capital

Consumo +∆CW -∆CW

Investimento -∆I +∆I

Salários -∆W +∆W

Juros

Poupança +∆PR -∆PR

∆ empréstimos

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235Endividamento forçado, Big Government e a implausibilidade...

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20 Caso estivéssemos supondo aumentos no consumo e no investimento, os efeitos seriamsimétricos, e o resultado seria uma redução do grau de endividamento das firmas.

A poupança agregada reduz-se no mesmo montante da queda do investi-mento, mas os impactos sobre os componentes da poupança agregada serãodiferenciados. A poupança das famílias não sofre qualquer alteração, posto queo montante de juros permanece inalterado, e o consumo dos rentistas, por serautônomo, também permanece constante. Por outro lado, o montante de lucrosreduz-se no mesmo montante que a redução do investimento. Sendo assim, apoupança das firmas cai no mesmo montante que a queda no investimento.

Toda a queda da poupança agregada é gerada pela queda na poupançadas firmas. O montante de investimento foi reduzido, levando a uma redução napoupança das firmas no mesmo montante, com a poupança das famíliasinalterada. O fluxo de novos empréstimos não se altera, o que ocorre é que umnível menor de investimento aparecerá, expost, financiado com uma proporçãomaior de empréstimos, elevando o grau de endividamento das firmas.20

Caso as firmas estejam operando com uma taxa de endividamento diferen-te da planejada e tentarem retornar a essa taxa através da redução do investi-mento, apenas elevarão o grau de endividamento e se afastarão da taxa planejada.Os lucros caem, e a taxa de endividamento eleva-se, ocorrendo um processocumulativo de ampliação do grau de endividamento e redução da taxa de cresci-mento. Esse processo eleva o risco de insolvência para as firmas, e “uma crisefinanceira pode se desenvolver” (Steindl, 1989, p. 72).

O resultado é um processo cumulativo de elevação do grau de endividamentodas firmas, que leva à redução contínua do investimento e, logo, à redução nataxa de crescimento da economia. Do ponto de vista macroeconômico, o impul-so inicial para esse processo pode ser tanto através de alterações no consumoautônomo como no investimento. Entretanto Steindl (1982; 1983; 1989) temcomo objetivo mostrar a relação entre redução do investimento e processo deendividamento forçado e a possibilidade de que essa restrição financeira possase tornar uma restrição relevante ao crescimento das economias capitalistas.Segundo Steindl (1982):

“Em uma economia fechada a proporção entre a poupança das famíliase a poupança bruta das firmas deve corresponder à proporção na qualas firmas como um todo desejam financiar seu investimento brutoatravés de empréstimos e de sua própria poupança. A política deendividamento das firmas pode ser bastante flexível sob certascondições mas uma vez que a proporção entre sua dívida e os ativostotais atinja o nível crítico o endividamento se tornará uma sériarestrição” (Steindl, 1982, p. 83).

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Essa mesma idéia é seguida por Minsky (1982), que, na mesma linha deSteindl (1982; 1983; 1989), conclui que a queda do investimento levaria a umaqueda dos lucros, tendo a seguinte implicação: “(...) um processo cumulativoserá prontamente desencadeado no qual a falha dos mercados financeiros leva-rá à queda no investimento, que levará a problemas financeiros, posterioresquedas no investimento, nos lucros e assim sucessivamente” (Minsky, 1982, p.42).

4 - A economia com governo e a implausibilidade de crise financeira

Vamos voltar à SAM da seção 2 para mostrar que a existência do governoe a possibilidade de esse setor efetuar gastos e incorrer em déficits torna poucoplausível que o processo de endividamento forçado ocorra e, logo, que a restri-ção financeira seja uma restrição ao investimento e ao crescimento das econo-mias capitalistas. Segundo Steindl (1982), as conclusões são modificadas por-que “(...) podemos dizer que, apenas em casos excepcionais, os superávits dasfamílias são totalmente absorvidos pelas empresas privadas não financeiras.Em alguma medida esta absorção será feita pelo setor público” (Steindl, 1982,p. 77).

Como essa economia funciona sob a validade do princípio da demandaefetiva, o investimento continua determinando a poupança que se distribui entrepoupança das famílias, das empresas e do setor público. Desenvolveremos ahipótese extrema de que apenas os rentistas pagam impostos que não depen-dem do nível de atividades.

A redução no consumo rentista e a queda autônoma no investimento levamaos mesmos efeitos descritos na seção anterior, no caso da economia semgoverno, pois gastos, impostos e juros são dados.21 Nesses dois casos, o graude endividamento eleva-se e há o processo de endividamento forçado e quedano investimento. Discutiremos os efeitos de variações nos gastos públicos.

Suponhamos, agora, uma queda nos gastos públicos. Vejamos os efeitosna SAM da seção 2 com as famílias desagregadas em trabalhadores e rentistas.

21 Consideremos, por exemplo, a queda no consumo rentista. Como o investimento determinaa poupança agregada, esta permanece inalterada. Como os impostos são dados, assimcomo os juros que incidem sobre as dívidas, a poupança dos rentistas aumenta no mesmo

montante. A poupança pública permanece inalterada. Como os lucros agregados caem nomesmo montante da queda do consumo, a poupança das firmas declina também no mesmomontante, e, dado o nível de investimento, expost, uma proporção maior deste será finan-ciada por empréstimos junto ao setor privado.

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Quadro 5

A matriz SAM para uma economia com governo — efeitosda redução no gastos públicos

TRABALHA- DORES RENTISTAS FIRMAS GOVERNO

DISCRIMI- NAÇÃO Conta

Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Consumo +∆CW -∆CW

Investimento

Gastos públicos -∆G +∆G

Salários -∆W +∆W

Impostos

Juros

Poupança +∆PR -∆PR +∆SG -∆SG

∆ base -∆M +∆M

∆ emprésti-mos

-∆DB +∆DB

∆ títulos pú-blicos

-∆D +∆D

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 223-248, 2003

A poupança agregada permanece inalterada, assim como a poupança dosrentistas. A poupança pública aumenta no mesmo montante da queda de seusgastos. Como os lucros caem também nesse mesmo montante, a poupançadas firmas cai. Nesse caso, a redução do déficit público (ou aumento da pou-pança pública) levaria a uma redução no endividamento do setor público junto àsfamílias, seja via redução do estoque de dívida pública, seja da base monetária,que aparecem na matriz lançados com sinal negativo para o governo e positivopara os rentistas. A poupança das famílias permaneceu inalterada, e a manuten-ção da consistência entre fluxos e estoques exige a mudança na composiçãodos estoques de dívidas da economia.Os rentistas ficarão com saldos ociosos,

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238 Luiz Daniel Willcox de Souza

22 O aumento dos impostos afetaria apenas a poupança das famílias sem qualquer efeitosobre o lucro agregado. O déficit público reduzir-se-ia, e o superávit das famílias tambémse reduziria. Logo, o endividamento do governo junto às famílias seria reduzido, sem qual-quer efeito sobre o endividamento das firmas.

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 223-248, 2003

que serão emprestados para as firmas cujo lucro retido caiu. Portanto, o supe-rávit das famílias será emprestado para as firmas. Por esse motivo, o mesmonível de investimento aparecerá financiado, expost, por um montante maior deempréstimos junto aos rentistas22, e o processo de endividamento forçado sesuceder-se-á.

Entretanto, em uma economia com governo, há uma alternativa para evitarque esse processo não ocorra: caso o setor público efetue uma política com-pensatória de expansão dos gastos, ou, pelo menos, não contraia os gastospúblicos. Voltemos ao exemplo acima no qual o consumo rentista cai, supondo,adicionalmente, que o governo decida elevar seus gastos no mesmo montanteque o consumo caiu. Vejamos com auxílio da SAM.

A poupança dos rentistas eleva-se no exato montante em que caiu o seuconsumo. O montante de lucros não se reduz, dado que o aumento no gastopúblico compensa a queda no consumo rentista; logo, a poupança das firmaspermanece inalterada. O déficit público aumenta no exato montante que o gastopúblico aumentou.

O aumento no déficit público significa que este terá que ser financiado,seja por emissão de moeda, seja de títulos públicos que serão absorvidos pelasfamílias cujo superávit se ampliou. O grau de endividamento das firmas perma-neceu o mesmo; em decorrência disso, o nível de investimento e a taxa de cres-cimento também se mantiveram no mesmo nível. Portanto, o governo, atravésde sua política de ampliação de gastos, evitou o processo de endividamento for-çado e a queda na taxa de crescimento da economia.

Suponhamos agora que os empresários se tornem mais pessimistas, e oinvestimento caia, mas que o governo compense aumentando seus gastos nomesmo montante. Vejamos com auxílio da SAM.

A queda no investimento leva a uma queda na poupança agregada. Com oaumento dos gastos públicos, o lucro agregado é mantido. Dessa maneira, apoupança das firmas é mantida também no mesmo nível, o déficit público au-menta, mas a poupança das famílias permanece no mesmo nível. Essa eleva-ção do déficit público deve ser financiada ou via emissão de moeda, ou via dívidapública. Mas se a poupança das famílias permaneceu constante e a das firmastambém, que setor irá absorver esse aumento no déficit público? As firmas, paramanterem seu grau de endividamento constante, reduzirão as suas dívidas comas famílias, que terão que modificar a composição de seus ativos demandandomais dos ativos emitidos pelo governo.

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239Endividamento forçado, Big Government e a implausibilidade...

Quadro 6

Efeitos de queda no consumo rentista e elevação dos gastos públicos

TRABALHA- DORES RENTISTAS FIRMAS GOVERNO

DISCRIMI- NAÇÃO Conta

Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Consumo +∆CR -∆CR

Investimento

Gastos públicos +∆G -∆G

Salários

Impostos

Juros

Poupança -∆SR +∆SR +∆SG -∆SG

∆ base -∆M +∆M

∆ empréstimos

∆ títulos públi-cos

-∆D +∆D

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 223-248, 2003

Portanto, dentro do argumento de Steindl (1982; 1989), a única maneira dese evitar crise financeira é o setor público efetuar uma política fiscal expansivaaumentando os gastos e não permitindo que o lucro das firmas caia, de maneiraque seu endividamento permaneça constante ou mesmo abaixo do limite im-posto pela política de endividamento das firmas.

Dessa maneira, a política fiscal evita uma crise financeira. Segundo Minsky(1982), “(...) a geração e distribuição do lucro agregado é o determinante centralda estabilidade de uma economia na qual as dívidas são usadas para financiarinvestimentos (...)” (Minsky, 1982, p. 23). De acordo com Minsky (1982), o lucroagregado valida as estruturas de dívida da economia; validar as estruturas dedívida da economia significa, no esquema de Steindl (1982; 1983; 1989), manterinalterada a taxa de endividamento fixada pela política da firma.23

23 Segundo Minsky (1982 p. 40), “(...) os lucros são o fluxo de caixa que podem ou não validaras estruturas de dívida das firmas”.

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240 Luiz Daniel Willcox de Souza

Quadro 7

Efeitos de queda no investimento e aumento nos gastos públicos

TRABALHA- DORES RENTISTAS FIRMAS GOVERNO

DISCRIMI- NAÇÃO Conta

Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Consumo

Investimento -∆I +∆I

Gastos públicos +∆G -∆G

Salários

Impostos

Juros

Poupança +∆SG -∆SG

∆ base -∆M +∆M

∆ empréstimos +∆DB -∆DB

∆ títulos públi-cos

-∆D +∆D

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 223-248, 2003

A solução proposta por Minsky (1982; 1986) passa pela intervenção do BigGovernment:

“(...) de forma que as alterações no déficit contrabalancem os efeitosdas oscilações do investimento sobre o lucro. Em particular, se houveraumentos nos gastos públicos e diminuição na arrecadação quandoo investimento cai os fluxos de lucros tenderão a se estabilizar” (Minsky,1982, p. 42).

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Em suma, o Big Government realiza políticas fiscais expansivas, incorre emdéficits e estabiliza a economia evitando o processo de endividamento forçado ea queda na taxa de crescimento.24

5 - Big Government e a abordagem da functional finance

O último passo é investigar se há algum tipo de problema nos grandesdéficits incorridos pelo governo. São dois os problemas usualmente apontados:um suposto potencial inflacionário do déficit público e um possível risco de defaultpor parte do governo.

Minsky (1986) aponta a inflação como um efeito do aumento dos gastospúblicos e no déficit público. Segundo Minsky (1982; 1986), o preço que sepaga por evitar que uma crise financeira ocorra é a inflação.25 Segundo Minsky(1986), “Em nossa economia o mecanismo causal que explica a inflação come-ça com o aumento do investimento ou do gasto público” (Minsky, 1986, p. 256).26

Ao mesmo tempo em que o Big Government tira as economias capitalistas dadepressão, leva necessariamente à inflação. Consideramos que essa interpre-tação para a inflação é teoricamente implausível e empiricamente questionável;entretanto não discutiremos em detalhes esse primeiro problema, concentran-do-nos na discussão do segundo problema.27

24 Essa é a conclusão principal sobre a capacidade do capitalismo de evitar crises financeirassegundo Minsky (1982; 1986). Minsky, inclusive, dá um exemplo do ano de 1975, no qual,segundo ele, teria sido responsável por ter impedido as famílias e as firmas de ficaremcomprometidas por contas de seus déficits. Segundo Minsky, “Uma razão porque esteprocesso interativo não se desenvolve plenamente é a existência do Big Government”(Minsky, 1986, p. 38).

25 Ver Minsky (1982, p. 57; 1986, p. 35).26 Algumas páginas adiante, Minsky coloca que a aceleração da inflação entre 1966 e 1982

pode ser creditada ao rápido crescimento das transferências ao setor privado, dosgastos dos estados e dos municípios e dos gastos militares. Ver Minsky (1986, p. 270).

27 A natureza da inflação, segundo Minsky (1986, p. 281), seria decorrência de um supostoexcesso de demanda. Esse tipo de inflação poderia ser definido como inflação de deman-da. O uso rigoroso desse conceito implica a suposição de que a economia se encontreoperando a plena capacidade ou a pleno emprego. Nesse caso, e apenas nesse caso, umaumento da demanda geraria necessariamente inflação. Para a inflação ser de fato dedemanda, a economia deve estar sistematicamente operando com excesso de demandasobre o produto de pleno emprego. Entretanto, se aceitamos a validade do princípio dademanda efetiva, não há razões para supormos que a economia esteja operando a plenoemprego. De acordo com Keynes (1983), não há qualquer tendência automática que leveas economias capitalistas ao pleno emprego. Por esse motivo, o pleno emprego não é uma

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Vamos analisar o segundo problema levantado por Minsky (1982; 1986).Afirma-se, usualmente, que o governo, ao incorrer em déficits persistentes, ele-varia a dívida pública, gerando a expectativa de que esta jamais seria paga.Embora nunca se tenha definido uma razão dívida/PIB na qual o “mercado” su-postamente perderia confiança na capacidade do setor público de pagar a dívi-da, não haveria dúvida de que esse limite crítico existiria.28 Segundo Wray(1998), “(...) as pessoas acreditam que o governo está sujeito às forças demercado que determinam o montante de dívida que o governo pode emitir assimcomo o preço (taxa de juros) da dívida” (Wray, 1998, p. 75).

Segundo Wray (1998), esse tipo de análise “(...) não compreende a nature-za dos gastos públicos, tributação, déficit a venda de títulos” (Wray, 1998, p.75). A abordagem que utilizaremos para a análise dessa questão se denominaabordagem das finanças funcionais (functional finance)29 e pode ser resumidaem duas proposições básicas: (a) a responsabilidade do setor público é gastargerando demanda efetiva para a economia, e o corolário dessa proposição é queos impostos não são um instrumento de financiamento dos gastos públicos,mas um instrumento de controle da demanda agregada; (b) a segunda proposi-ção é que o governo deve retirar moeda de circulação apenas se for desejávelque o público tenha menos moeda e mais títulos em seus portfólios.

De acordo com essa abordagem, o primeiro objetivo do governo é gastarpara gerar demanda efetiva, para promover crescimento econômico e plenoemprego. O segundo objetivo é ajustar a demanda do público por moeda e títu-los através de novos empréstimos ou pagamento de dívida.

Essas duas proposições significam que impostos e títulos servem a dife-rentes objetivos. Em geral, os impostos afetam a renda disponível e, portanto, oconsumo privado30, enquanto os títulos oferecem uma alternativa remunerada àmoeda. De acordo com os dois princípios das finanças funcionais, nem impos-

28 Ver Wray (1998). Mesmo Steindl (1982) reconhecia que nenhum limite ainda teria sidoestabelecido para o grau de endividamento do setor público. Embora existam limites quantoao endividamento da firma segundo o argumento de Steindl (1982; 1983; 1989), não é clarose existe esse limite para o setor público. Segundo Steindl (1989), “(...) os governosdesejam limitar seu endividamento, embora nenhum limite claro tenha sido ainda estabele-cido” (Steindl, 1982, p. 72).

29 Elaborada por Abba Lerner, ver Wray (1998).

regra no capitalismo, mas apenas uma possibilidade. Portanto, a interpretação mais plausí-vel para os processos inflacionários é considerar que os aumentos de preços se dão deforma independente de variações no nível de atividades, caracterizando a inflação comoinflação de custos. Dessa maneira, não há qualquer motivo teórico para supormos que ainflação é de demanda e que a política fiscal expansiva possa ter como efeito a aceleraçãoda inflação. Para detalhes da abordagem da inflação de custos, ver Willcox (1996).

30 Dizemos em geral porque supomos, para simplificar, que apenas os rentistas pagam impos-tos, e, como seus gastos são autônomos, a renda disponível não afetará o seu consumo.

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Quadro 8

Efeitos de aumentos nos gastos públicos

TRABALHA- DORES RENTISTAS FIRMAS GOVERNO

DISCRIMI- NAÇÃO Conta

Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Consumo -∆CW -∆CW

Investimento

Gastos públi- cos

+∆G -∆G

Salários +W -W

Impostos

Juros

Poupança -∆PR +∆PR +∆SG -∆SG

∆ base -∆M +∆M

∆ empréstimos +∆DB -∆DB

∆ títulos públi-cos

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 223-248, 2003

tos, nem títulos são necessários para que o governo efetue seus gastos. Nomomento em que o governo decide gastar mais, deve sempre emitir base mone-tária.

Vejamos no modelo apresentado na seção anterior, com auxílio de umaSAM, o que ocorreria caso o governo elevasse seus gastos.

O aumento dos gastos públicos faz com que o déficit público aumentemantendo inalterada a poupança das famílias. Os lucros das firmas elevam-se,e, por conta disso, as firmas desejarão reduzir seu endividamento junto às famí-lias. Há uma redução no estoque de dívida das firmas junto às famílias queaplicarão os saldos ociosos demandando base monetária no mesmo montantedessa redução. O setor público, por sua vez, terá financiado o aumento do défi-cit público (igual ao aumento dos lucros das firmas e redução em seu endivida-mento), emitindo base monetária. Não houve, portanto, qualquer necessidadeprévia de aumento nos impostos e emissão de dívida pública.

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E, se em um segundo momento, o governo decidisse “enxugar” todo au-mento na base monetária emitindo novos títulos? Vejamos novamente a partirda SAM acima.

Quadro 9

Efeitos de emissão de novos títulos

TRABALHA- DORES RENTISTAS FIRMAS GOVERNO

DISCRIMI- NAÇÃO Conta

Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Conta Corrente

Conta de

Capital

Consumo

Investimento

Gastos públi-cos

Salários

Impostos

Juros

Poupança

∆ base +∆M -∆M

∆ empréstimos

∆ títulos públi-cos

-∆D +∆D

Só haveria uma modificação na composição do estoque de dívida do setorpúblico e dos ativos das famílias. A demanda das famílias por base monetáriareduzir-se-ia no exato montante em que sua demanda por títulos aumentou.Isso significa que o governo sempre, necessariamente, se financia primeiramen-te através de emissão de base monetária e, em um momento posterior, depen-dendo de seus objetivos de política econômica, pode trocá-la por títulos públi-cos. Notemos que ele não precisa emitir mais dívida para depois gastar; o pro-cesso é exatamente oposto, o governo gasta e depois emite dívida pública se foro caso.

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A justificativa para isso está no fato de que as economias capitalistasoperam à base de um sistema de fiat money emitida pelo Tesouro ou pelo Ban-co Central. Esta funciona como moeda de curso legal, sendo aceita como amoeda que liquida todos os contratos privados ou públicos da economia. Essapropriedade decorre da obrigatoriedade de utilizar essa moeda para pagar osimpostos. Segundo Keynes (1979),

“O Estado em primeiro lugar aparece como autoridade imposta por leiobrigando o pagamento de uma coisa que corresponde ao nome oudescrição nos contratos. Mas adicionalmente tem o direito dedeterminar e declarar que coisa corresponde ao nome” (Keynes, 1979,p. 3).31

O que ocorre se o governo decidir gastar mais e gerar déficit? O governopassa um cheque do Tesouro e, em um primeiro momento, faz com que suadívida cresça no mesmo montante dos gastos. O receptor do cheque do Tesou-ro depositará no banco creditando esse valor em sua conta corrente; e o banco,na sua conta de reservas junto ao Banco Central.

Houve um aumento no ativo dos bancos comerciais e, como contrapartida,nas obrigações do Banco Central que representam direitos sobre a moeda emi-tida pelo Estado. A qualquer momento, o banco pode converter esse acréscimonas reservas em moeda ou usá-las em algum pagamento para o Estado. Se oreceptor do cheque emitido pelo Tesouro trocá-lo por dinheiro imediatamente, obanco converterá suas reservas em moeda, que será fornecida pelo Banco Cen-tral.32

Para evitar uma situação de excesso de reservas, uma transferência si-multânea pode ser feita da conta de impostos dos bancos para o Banco Central.Se o montante de impostos for inferior ao aumento dos gastos públicos, o mon-tante de fiat money criado supera o recolhido pelo pagamento de impostos,gerando uma posição de excesso de reservas. Parte dessas reservas pode serdemandada pelo setor privado não bancário, e o restante será excesso de reser-vas. Esse excesso pode provocar a queda da taxa de juros do overnight, e, paraevitar esse processo, o governo oferece títulos públicos que pagam juros.

32 No caso dos impostos, o movimento é exatamente contrário.

31 Obviamente, isso não impede que a moeda emitida pelo setor privado circule junto com aemitida pelo Estado desde que este autorize o uso desta para o pagamento de dívidas. OEstado escolhe qual será a moeda que se tornará a moeda de curso legal. Ver Lerner apudWray (1998). Segundo Lerner, essa aceitabilidade geral não se deve necessariamente àfixação na Constituição do país. Basta ser aceita para pagamentos de impostos e outrasobrigações contra o Estado; por isso “a moeda é uma criatura do Estado” (Wray, 1998, p.36).

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33 Ver Kaldor (1986).

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O governo, através do Banco Central, utilizará a compra e venda de títulospúblicos para manter as reservas dos bancos nos níveis requeridos. O setorprivado detém títulos públicos em seus portfólios, e o Banco Central pode indu-zir o público à determinada alocação entre moeda e títulos públicos através dataxa de juros.

Dessa maneira, os gastos públicos não podem ser restritos pela quantida-de de títulos que o público deseja adquirir. O governo não esperou vender títulosao tomar sua decisão de gastar mais. Todo o gasto público foi financiado, emum primeiro momento, por emissão de base monetária. As compras e vendasde títulos públicos são feitas para oferecer uma alternativa remunerada à moe-da, manter um determinado nível de reservas bancárias e uma taxa de juros quesatisfaça os objetivos de política das autoridades monetárias. Sempre que hou-ver excesso de reservas, o setor privado demandará títulos a qualquer taxa dejuros acima de zero, pois a outra alternativa seria manter os saldos ociosos emmoeda que não paga juros.

Dessa maneira, a política fiscal expansiva não está sujeita a nenhuma“disciplina de mercado”. O governo gasta e financia-se emitindo moeda, que éaceita pelo público, porque dela necessita para pagar os impostos, e emitetítulos como alternativa (que paga juros) à moeda. A venda de títulos é meramen-te uma operação de manutenção da taxa de juros; por isso, o governo decideque taxa de juros irá pagar de acordo com objetivos definidos por sua políticamonetária.

Não há, portanto, qualquer risco de inadimplência do governo em moedadoméstica, uma vez que, pelos argumentos acima, a sua dívida poderá sercontinuamente rolada. Segundo Minsky (1986) “(...) o governo é livre do risco dedefault, qualquer coisa que o contrato de dívida prometer que será cumprido,será de fato cumprido” (Minsky, 1986, p. 35). O argumento é que a dívida públicaé facilmente vendida, e sua liquidez é garantida pelo Banco Central, o que fazcom que os detentores de dívida pública possam modificar seu portfólio de acor-do com suas preferências e necessidades.33

De acordo com Kaldor (1986),“O governo está numa posição peculiar porque toda sua dívida consistede ativos que são facilmente negociados (…) todos são demandadospor seu duplo papel, como forma de investimento e como fonte deliquidez — permitindo a seu detentor fazer mudanças abruptas nadisposição de sua riqueza (...)” (Kaldor, 1986, p. 12).

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Podemos concluir, então, que não há qualquer motivo para que não haja aintervenção do Big Government em uma economia fechada executando políticasfiscais expansivas. Por esse motivo, é muito pouco provável que haja uma crisee que a restrição financeira tal qual a descrita por Steindl (1982; 1983; 1989) eMinsky (1982; 1986) possa ser uma restrição relevante ao crescimento daseconomias capitalistas.

Referências

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248 Luiz Daniel Willcox de Souza

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O emprego público no Brasil,nos anos 90

Eneuton Pessoa Doutor em Economia pela Unicamp.

ResumoO artigo analisa a evolução do emprego público no Brasil, nos anos 90, poresfera de governo, ramo de atividade e categoria do emprego. Ele parte dasanálises que atribuem ao emprego público um papel compensador ou anticíclicona crise do mercado de trabalho, nos anos 80. O objetivo, assim, é buscaraferir se esse papel foi desempenhado nos anos 90, tendo em vista as políticasde “downsizing” aplicadas no setor público, na última década. Ademais, eleevidencia uma precarização do emprego público, a exemplo do ocorrido noutrospaíses. Com efeito, as políticas de “downsizing”, para além dos seus efeitosredutores, contribuíram, nos anos 90, aqui e noutros países, para a precarizaçãode parcelas do emprego público. E isso, de certo modo, contraria o senso comum,que atribui ser o emprego público uma forma privilegiada de entrada no mercadode trabalho.

Palavras-chaveEmprego; setor público; administração pública.

AbstractThe article analyses the public employment evolution in Brazil in the 90’s, bygovernment sphere, activity branch and employment category. It is based on theseveral analysis which attributes a compensating or anticyclical role to governmentemployment during labour market crisis in Brazil in the 80’s. So its aim is verifyingif this role was also fulfilled in the 90’s, regarding the downsizing policiesdeployed in the government sector during last decade. Thereafter it shows adowngrade process in the job conditions of government employment which issimilar in kind to those occurred in other countries. In fact, the downsizingpolicies, besides their reducing effect on civil service, added to make worst the

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 249-270, 2003

Marcilene Martins Doutoranda em Economia pela Uni- camp e Professora da UFRGS.

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job conditions in parcels of it in the 90’s, here and in other countries. Thiscontradicts the common sense, which regards civil service a privileged way toget in the labour market.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 16.07.02.

Introdução

Na década de 80, atribuiu-se ao emprego público um papel compensadorou anticíclico no mercado de trabalho. O período recessivo de 1981 a 1983 e omenor crescimento do emprego não agrícola formalizado tiveram comocontrapartida o bom desempenho do emprego na administração pública e nosramos de atividade onde é tradicionalmente forte a presença estatal. Nos anos90, a situação modificou-se. Ao processo de abertura comercial e ajuste domercado de trabalho, com seus efeitos inibidores sobre o emprego, somam-seas políticas restritivas no setor público. No entanto, poucas evidências há sobrea evolução do emprego público nos anos 90. O artigo trata dessa questão.

Assim, o primeiro item recupera a discussão sobre a evolução do empregopúblico, no âmbito da crise do mercado de trabalho nos anos 80. O segundoitem trata da evolução do emprego público na década de 90. Na conclusão, aevolução internacional do emprego público, nas últimas décadas, evidencia que,nos anos 90, o Brasil reproduziu o que vem ocorrendo no resto do mundo.

1 - Emprego no setor público do Brasil, nos anos 80

De início, cabe dizer que não há informações sobre a evolução do empregopúblico nos anos 80. As evidências restringem-se ao comportamento do empregona administração pública e nos outros ramos onde a presença do Estado éforte. De todo modo, considerando-se o ocorrido na administração pública, écomum afirmar-se do melhor desempenho relativo do emprego público.Cacciamali e Lacerda (1994) observam que, entre 1979 e 1988, o emprego nosetor público cresceu, em média, 5,5% a.a., enquanto o emprego não agrícolacresceu somente 1,27% a.a. Santos e Ramos (1990) avaliam que o empregoformal ficou estagnado no período 1980-86 (0,4% a.a.), ao passo que o empregopúblico cresceu cerca de 6,1% a.a. Baltar (1996) é menos pessimista em suaavaliação sobre a perfomance do emprego formal na década. Para ele, ocrescimento do emprego formal, de cerca de 2,7% a.a. entre 1979 e 1989,

Eneuton Pessoa, Marcilene Martins

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 249-270, 2003

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mesmo aquém do crescimento da população urbana em idade para trabalhar(3,5% a.a.), foi expressivo, tendo em vista a estagnação econômica. De outraparte, esse autor compartilha da visão geral sobre o bom desempenho do empregono setor público, na década de 80.

Com efeito, pela RAIS-Painel Fixo, o crescimento do emprego na adminis-tração e nos serviços de utilidade pública respondeu pela expansão do empregoformal não agrícola na década. À exceção do setor serviços, onde também éforte a presença do setor público, nos demais ramos caiu o emprego. Nosubperíodo 1980-84, notadamente de descenso do mercado de trabalho, nãofosse a expansão do emprego na administração pública, a queda no empregourbano formal teria sido maior.

Tabela 1

Evolução do emprego formal não agrícola, por atividades selecionadas, no Brasil — 1980-90

ANOS ADMINIS- TRAÇÃO PÚBLICA

INDÚSTRIA DE TRANS-FORMAÇÃO

CONS- TRUÇÃO CIVIL

SERVI- ÇOS

COMÉR- CIO

UTILIDADE PÚBLICA TOTAL

1980 105,60 102,60 96,06 102,80 99,35 104,04 102,31 1981 112,09 92,53 94,40 101,85 94,45 100,25 99,35 1982 119,15 92,01 86,37 102,34 83,48 101,87 100,06 1983 122,48 85,72 59,64 98,28 88,94 99,54 96,20 1984 132,13 90,63 57,30 101,38 87,85 99,74 99,81 1985 140,28 98,75 61,31 106,12 91,09 105,04 105,55 1986 150,86 109,62 66,43 107,63 94,79 107,17 111,12 1987 157,22 105,15 60,54 109,60 91,79 107,32 110,54 1988 162,99 104,73 62,48 112,09 91,61 111,43 112,03 1989 164,13 108,75 56,85 114,25 93,46 116,55 113,89 1990 167,70 95,89 47,83 106,48 86,36 115,12 106,64

FONTE: BRASIL. Ministério do Trabalho. Painel Fixo da RAIS 1979/1992. Brasília: Secretaria de Políticas de Emprego e Salário, 1996.

NOTA: Os dados têm como base 1979 = 100.

Nas grandes regiões, a expansão do emprego público foi maior nas regi-ões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Cacciamali; Lacerda, 1994; Santos; Ra-mos, 1990). Nas esferas de governo, aponta-se que, pelo menos para o período1982-85, o crescimento foi maior nos estados e nos municípios (Cacciamali;Lacerda, 1994; Maia; Saldanha, 1988). De 649,1 mil novos empregos entre1982 e 1985, 52% foram criados nos estados; 42%, nos municípios; e 5,9%,na União (Maia; Saldanha, 1988).

O emprego público no Brasil, nos anos 90

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Na época, a simultaneidade da crise do mercado de trabalho, da transiçãopolítica e do ocaso do regime militar contribuíram para as visões do Estadocomo “empregador de última instância” com traços político-eleitorais. ParaSantos e Ramos (1990), o regime de 1964, que não se descuidou de sualegitimação eleitoral, teria criado empregos no setor público, principalmentenas regiões mais atrasadas, para controlar a transição política. Cacciamali eLacerda (1994) identificaram na expansão do emprego público da década ummecanismo de compensação para atenuar os impactos da crise e manter afidelidade dos grupos políticos regionalizados. Isso seria a contrapartida dainexistência de políticas trabalhistas ativas e das limitações do sistema deproteção para os desempregados, principalmente nas esferas estadual emunicipal de governo e nas regiões mais pobres.

De outra parte, a expansão do emprego no setor público, na década de80, ocorreu simultaneamente à deterioração do nível salarial, pelo não-repasseintegral dos índices de inflação. Isso é particularmente comum nas esferassubnacionais de governo e nas regiões mais pobres, onde praticamente inexistea prática das negociações trabalhistas. Com efeito, as análises tendem aconvergir para a hipótese de que, em situações de crise fiscal e financeira doEstado, os salários, ao invés do emprego, tendem a ser a variável primeira deajuste nos gastos com pessoal (Ginneken, 1990; Marshall, 1990).

Em resumo, embora não se tenham informações mais apuradas sobre aevolução do emprego público nos anos 80, há um certo consenso a respeito doseu bom desempenho à base do que ocorreu nos ramos onde a presença dosetor público é forte, não obstante a tendência à queda do nível salarial nosetor. Assim, o emprego público teria cumprido um papel compensador nomercado de trabalho urbano formal nos anos 80, e particularmente anticíclicono período 1981-84.

2 - Emprego no setor público do Brasil, nos anos 90

Os anos 90 foram particularmente difíceis para o emprego formal. Em quepese a recuperação econômica em 1992-95, o nível de emprego formal em1996 foi inferior ao de 1989, em particular na indústria de transformação, naconstrução civil e no comércio (Baltar; Coutinho; Camargo, 1999).

Enquanto, na década de 80, o aumento do emprego na administraçãopública e nos serviços de utilidade pública responderam pelo crescimento doemprego formal, nos anos 90, à primeira vista, a depender das políticas restritivasno setor público, mais proeminentes em nível federal, o emprego público tenderiaa cair.

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Eneuton Pessoa, Marcilene Martins

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Por outro lado, em países com estrutura político-administrativa federal, aexemplo do Brasil, a União tende a responder por uma parcela menor do empregopúblico. Assim, faz-se necessário considerar também o ocorrido com o empregopúblico nas outras esferas de governo.

2.1 - Informações baseadas na PNAD

Nos anos 90, a disponibilização de informações pela PNAD em nível demicrodados possibilitou distinguir o emprego entre os setores público e privadoe a elaboração de uma definição mais ampla de emprego público, o suficientepara incluir,

“(...) o conjunto de pessoas que, na semana de referência, no trabalhoprincipal, era empregada nos setores públicos federal, estadual emunicipal, que abrange, além das entidades de administração direta,as fundações, as autarquias e as empresas públicas e de economiamista” (1996).

Essa definição ampla tem a vantagem óbvia de se poder enumerar os emprega-dos públicos alocados fora do serviço público tradicional e da Administração Di-reta do Governo.

Tabela 2

Emprego público, por esfera de governo, no trabalho principal, no Brasil — 1992-1999

(1 000 pessoas)

ESFERAS DE GOVERNO 1992 1995 1997 1998 1999

Federal .............. 1 477 1 443 1 396 1 544 1 440

Estadual ............. 3 362 3 442 3 274 3 177 3 154

Municipal ........... 2 666 2 958 3 030 3 228 3 333

TOTAL ............... 7 505 7 843 7 700 7 949 7 927

FONTE DOS DADOS BRUTOS: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS: notas metodológicas. Rio de Ja- neiro: IBGE, 1996.

Em 1992, havia cerca de 7,5 milhões de empregados públicos. Em 1999, onúmero cresceu para pouco mais de 7,9 milhões. Um aumento absoluto decerca de 400 mil novos empregos e uma variação aproximada de 5,6% em seteanos; um ritmo lento de aumento médio do emprego. Apenas na esfera municipalo emprego cresceu de forma contínua. O emprego estadual cresceu na primeira

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O emprego público no Brasil, nos anos 90

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Teoria do valor-trabalho: do ideário clássicoaos postulados marxistas

Lauro Mattei Doutor em Economia pelo IE-Unicamp e Professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da UFSC.

ResumoO texto faz uma discussão crítica da teoria do valor-trabalho nas obras dosprincipais autores “clássicos”, contrapondo-a com as formulações de Marx. Ateoria marxista representa um novo ciclo do pensamento econômico em relaçãoao passado, ao definir que somente o trabalho humano tem a capacidade decriar valor, perdendo sentido, portanto, a contraposição simples do trabalho aocapital.

Palavras-chaveTeoria do valor; economia clássica; teoria marxista.

AbstractThe article make a critical discussion about value theory in the main authors ofclassical economics in oppositive a formulation of marxism value theory. Themarxism value theory represent a new cycle of economic history related wich thepast tehory, because Marx theory define that only the human job has a capabilityto create a value. So dosen’t make a sense to oppose the simple job into thecapital.

Os originais deste artigo foram recebidos por esta Editoria em 19.07.02.

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1 - Introdução

A temática do valor na obra de Marx é reconhecidamente um dos aspectosmais controversos e, por isso mesmo, uma das partes que mais foi estudada edebatida. Pode-se afirmar que, desde a publicação de O Capital, foi consumidauma enorme quantidade de tempo para se entender aquilo que o próprio Marxcaracterizou como uma das partes mais difíceis de sua obra.

Assim, já no prefácio da primeira edição de O Capital, Marx alerta quesua obra não contém dificuldades de compreensão, exceto a parte referente àforma do valor, justificando esse fato ao dizer que

“(...) todo começo em qualquer ciência é difícil, por isso o capítuloprimeiro é o que oferece as maiores dificuldades de compreensão,notadamente a seção que contém a análise da mercadoria. Neleprocurei expor, com a maior clareza possível, o que concerneespecialmente à análise da substância e magnitude do valor. A formado valor, a qual tem no dinheiro sua figura acabada, é muito vazia esimples. Apesar disso, tem o espírito humano, há mais de dois milanos, tentado em vão devassá-la, embora conseguisse analisar, pelomenos com aproximação, formas muito mais complexas e ricas deconteúdo. Por quê? Porque é mais fácil estudar o organismo comoum todo do que as suas células. Além disso, na análise das formaseconômicas não se podem utilizar microscópios e nem reagentesquímicos. A capacidade de abstração é que substitui esses meios.Assim, a célula econômica da sociedade burguesa é a formamercadoria, que reveste o produto do trabalho, ou a forma de valorassumida pela mercadoria” (Marx, v. I, p. 4).

Desse modo, Marx assume que a mercadoria é a célula econômica dasociedade capitalista, porque ela é a forma em que se apresenta, nessa socie-dade, o produto do trabalho humano, o qual se expressa na forma valor, ou seja,a mercadoria apresenta-se, na sua forma natural, como valor de uso e, na suaforma social, como valor. Partindo desse pressuposto, Marx procurou estudar omodo de produção capitalista e as relações de produção dele decorrentes. Nessecaso, as contradições sociais advindas das leis gerais do sistema capitalista,além dessas próprias leis e de suas tendências, eram as questões maisrelevantes. Nessa lógica, a mercadoria passou a ser seu objeto de estudo priori-tário, porque ela adquire valor não pelas suas propriedades naturais, mas porcausa das relações sociais de produção que se estabelecem. Esses parâmetrospermitiram a Marx analisar o valor a partir das igualdades existentes no processode troca, destacando a conexão entre a substância de valor (aspecto qualitativoque advém do trabalho abstrato) e a determinação de sua magnitude (aspecto

Lauro Mattei

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 271-294, 2003

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quantitativo que depende da quantidade de trabalho gasto no processo deprodução).1

Nesse sentido, este texto tem por objetivo sistematizar alguns aspectosrelevantes do debate sobre a teoria do valor, tentando mostrar as diferençasbásicas entre as concepções dos autores “clássicos” e a concepção “marxista”,considerada, neste ensaio, como uma nova forma de articular o pensamentoeconômico comparativamente às formulações anteriores. Para tanto, a segundaseção recupera as idéias teóricas dos principais autores "clássicos", enquantoa terceira seção apresenta as principais contribuições de Marx, procurandodestacar, ao mesmo tempo, a crítica marxista ao mundo clássico, especifica-mente no que diz respeito à teoria do valor-trabalho, e a afirmação dessa novateoria no âmbito da obra O Capital. Finalmente, a quarta seção apresenta, demaneira resumida, os principais elementos que impulsionaram e intensificaramo debate sobre a teoria do valor, ressaltando as principais diferenças dasformulações de Marx em relação aos autores "clássicos".

2 - As principais idéias e formulações dos “clássicos”

A “Escola Clássica”2 formulou sua base teórica ao longo de quase umséculo, porém sem uma unidade interna ao redor de um líder, a exemplo deoutras escolas, como os fisiocratas, que tiveram em Quesnay seu maior expoente.Essa falta de unidade pode ser observada nas freqüentes divergências entre ostrabalhos dos principais autores, com destaque para a teoria do valor-trabalhode Smith e Ricardo em relação à teoria da utilidade de Say ou Mill, para a lei demercado de Say em relação às formulações de Malthus, para a análise doprocesso de expansão econômica de Smith em relação à análise do bloqueiodo crescimento explicitado em Ricardo, etc.

Apesar dessas divergências, essa escola conseguiu se constituir emuma comunidade real de pensamento, todavia com uma matriz fortementedoutrinária devido ao seu apego às idéias do capitalismo liberal (livre mercado eliberdade à iniciativa privada). Dentre as obras mais importantes, destacam-se o

1 Ao construir esse arcabouço teórico, Marx colocou em relevo, também, a questão da transfor-mação do valor em preço da produção — o chamado “problema da transformação” —, quecontinua controverso até os dias atuais. Entretanto, em função dos objetivos do trabalho e dalimitação de espaço, essa questão não será aprofundada neste ensaio.

2 Expressão definida por Marx para distinguir as obras de Smith e de Ricardo do que chamoude “economia vulgar”, isto é, dos pensadores posteriores a Ricardo, que tentaram formularuma teoria apresentando o capitalismo como um sistema embasado na cooperação de clas-ses e não na sua oposição.

Teoria do valor-trabalho:...

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Ensaio sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, de AdamSmith; os Princípios de Economia Política e de Tributação, de David Ricardo;o Ensaio sobre o Princípio da População, de Thomaz Malthus; o Tratado deEconomia Política, de Jean-Baptiste Say; e os Princípios de EconomiaPolítica, de John Stuart Mill.

De um modo geral, a preocupação básica dos autores "clássicos" eraentender o sistema econômico e a forma de repartição da riqueza entre asdistintas classes sociais. Esses autores acreditavam que a riqueza de umanação era resultado do trabalho de seus cidadãos e que o valor de troca dasmercadorias refletia o esforço despendido na produção das mesmas.

Para atender aos propósitos deste ensaio, as análises e as discussõesficarão restritas às obras de Smith e de Ricardo, particularmente no que dizrespeito às formulações sobre o valor. Assim, pretende-se apresentar, primeira-mente, as explicações de cada um dos autores sobre o “valor”, bem como aspróprias contradições internas ao mundo “clássico”, para, posteriormente, con-frontar essas formulações com o arcabouço teórico marxista.

2.1 - A teoria do valor de Adam Smith

Na obra A Riqueza das Nações, Smith formula uma teoria que, ao mesmotempo, se opõe ao protecionismo mercantilista e sedimenta as bases do liberalis-mo econômico. Nela se encontram também os elementos básicos constitutivosda economia política, uma vez que o autor consegue reunir, de forma original,um conjunto de explicações que se transformaram em um grande painel sobredesenvolvimento econômico e na defesa de uma determinada noção de riqueza.Daí a razão de Smith ser considerado “o pai da economia política”.

Para o autor, a economia política é um ramo da “ciência do estadista oulegislador”, devendo comportar dois objetivos distintos: proporcionar mercadoriase rendas abundantes para o conjunto da população e fornecer ao Estado umarenda suficiente para os serviços públicos. Com isso, essa ciência ajudaria aenriquecer tanto o povo como o soberano. No entanto, a provisão abundante demercadorias decorre de regras privadas de conduta, não competindo ao Estadosenão zelar para que a concorrência entre os indivíduos e os capitais seja viabili-zada. Nessa lógica, o liberalismo econômico é o sistema produtivo mais apto aelevar a riqueza e a promover o bem-comum da sociedade.

Essa démarche começa a ser explicitada pelo autor já na Introdução ePlano da Obra, onde aparece com clareza o seu entendimento sobre o queseria a “riqueza das nações”:

“O trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmentelhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais que

Lauro Mattei

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 271-294, 2003

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consome anualmente. O mencionado fundo consiste sempre naprodução imediata do referido trabalho ou naquilo que com essaprodução é comprado de outras nações. Conforme, portanto, essaprodução, ou o que com ela se compra, estiver numa proporção maiorou menor em relação ao número dos que consumirão, a nação serámais ou menos bem suprida de todos os bens necessários e osconfortos de que tem necessidade. Essa proporção deve em cadanação ser regulada ou determinada por duas circunstâncias diferentes:primeiro, pela habilidade, destreza e bom senso com os quais seutrabalho for geralmente executado; segundo, pela proporção entre onúmero dos que executam trabalho útil e o dos que não executam taltrabalho” (Smith, 1988, p. 11).

Desse ponto de partida conceitual, podem ser abstraídos alguns aspectosdecisivos em relação à temática da obra smithiana, com destaque para:

a) a riqueza das nações consiste naquelas coisas úteis e necessárias deque ela dispõe, e somente o trabalho é capaz de proporcionar essascoisas;

b) a troca é o instrumento através do qual se obtêm as mercadoriasnecessárias;

c) a disponibilidade dos bens necessários é condicionada pela relaçãoentre trabalho produtivo e trabalho improdutivo, além da eficiência dotrabalho produtivo, pois, quanto maior o trabalho produtivo, maior seráa acumulação de capital de uma nação.

Ao definir o trabalho como a força produtiva geradora da riqueza, Smithpassa a discutir, imediatamente, as causas que aceleram a produtividade domesmo. Por essa razão, a obra inicia com o tema da “divisão do trabalho”, pois“(...) o maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho e a maior parteda habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho é em toda partedirigido ou executado parecem ter sido resultados da divisão do trabalho” (Smith,1988, p. 17).

Além disso, essa divisão do trabalho é considerada como responsável pelobem-estar da população, pois “(...) é a grande multiplicação das produções detodos os diversos ofícios — multiplicação essa decorrente da divisão do trabalho —que gera, em uma sociedade bem dirigida, aquela riqueza universal que se estendeaté às camadas mais baixas do povo” (Smith, 1988, p. 21).

Finalmente, é nela que desemboca a predisposição humana à troca, aqual advém, por sua vez, da busca individual do benefício, pois, “(...) como é pornegociação, por escambo ou por compra que conseguimos uns dos outros amaior parte dos serviços recíprocos de que necessitamos, da mesma forma éessa mesma propensão ou tendência a permutar que originalmente gera a divisãodo trabalho” (Smith, 1988, p. 25).

Teoria do valor-trabalho:...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 271-294, 2003

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Dessa forma, observa-se que os temas da divisão do trabalho e da trocasão as premissas básicas que irão dar consistência à teoria do valor, que éexplicitada na seqüência da obra. Segundo Bianchi (1981), ao explicar o meca-nismo de troca das mercadorias, uma vez que as mesmas são, para Smith,essencialmente produto de trabalho, esse autor pode começar a adotar umateoria do valor e, mais precisamente, pode fazer esse valor depender de certaquantidade de trabalho, o que destaca, nitidamente, sua formulação das anterio-res, especialmente da dos mercantilistas.

No processo de troca das mercadorias, a palavra valor adquire um duplosentido: às vezes, refere-se às mercadorias que têm apenas valor de uso (aspectorelacionado à utilidade do produto) e, às vezes, às mercadorias que possuemvalor de troca (aspecto relacionado ao poder de compra da mercadoria).3

Nesse caso, era necessário investigar os princípios que regulavam o valor detroca das mercadorias, o que permitiu ao autor enunciar sua lei do valor nostermos como segue: “(...) o valor de qualquer mercadoria, para a pessoa que apossui, mas não pretende usá-la ou consumi-la ela própria, senão trocá-la poroutros bens, é igual a quantidade de trabalho que essa mercadoria lhe dácondições de comprar ou comandar” (Smith, 1988, p. 36).

Em decorrência dessa formulação, o trabalho passa a ser considerado amedida real do valor de troca de todas as mercadorias, uma vez que o valor detroca de uma mercadoria depende da quantidade de trabalho que essa mercadoriapode comandar (dominar), com a conseqüência de que a quantidade de trabalhoque determina o valor de uma mercadoria depende do “valor do trabalho” ousalário.

Esse aspecto fica bem explícito na passagem seguinte, quando Smtih dizque

“(...) os bens contêm uma certa quantidade de trabalho que permuta-mos por aquilo que, na ocasião, supomos conter o valor de umaquantidade igual. O trabalho foi o primeiro preço, o dinheiro de compraoriginal que foi pago por todas as coisas. Não foi por ouro nem porprata, mas pelo trabalho que foi originalmente comprada toda a riquezado mundo; e o valor dessa riqueza, para aqueles que a possuem edesejam trocá-la por novos produtos, é exatamente igual à quantidadede trabalho que essa riqueza lhes dá condições de comprar oucomandar” (Smith, 1988, p. 36).4

3 Na verdade, esse é o famoso paradoxo da água e do diamante, pois existem bens que têmo mais alto valor de troca e pouco ou nenhum valor de uso e vice-versa.

4 Esse é um dos pontos sobre os quais Ricardo irá dirigir parte de suas críticas a Smith,conforme se verá mais adiante.

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Segundo Coutinho (1987), com essa formulação, o autor dá seguimento àidéia de que a riqueza individual depende do poder de compra sobre asmercadorias produzidas por mãos alheias. Com a divisão do trabalho, os bensnecessários à provisão advêm, cada vez menos, do próprio trabalho e, cada vezmais, do trabalho dos outros. Assim, num ambiente teórico em que o valor sesubordina à riqueza, o trabalho comandado é a própria medida do valor.5

De uma maneira geral, pode-se dizer que a teoria do valor, nos termosformulados por Smith, apresenta duas dimensões básicas. A primeira é ressaltaro trabalho como medida de riqueza e não mais os metais, que passam para umplano inferior no universo das riquezas; e a segunda é destacar o caráter coopera-tivo da sociedade comandada pelo processo de divisão do trabalho, onde a trocade mercadorias revela o seu significado ímpar: troca-se trabalho por trabalho.

Além disso, essa teoria abrange três temas distintos: a substância dovalor, a medida invariável do valor e o trabalho comandado. No primeiro caso, oautor reafirma o caráter criativo do trabalho, ao conferir valor às mercadorias. Nosegundo caso, conforme já foi citado anteriormente, ao considerar o trabalhocomo medida invariável do valor6, Smith está fazendo uma contraposição aomercantilismo, cuja riqueza era medida em moedas metálicas, as quais sofriamvariações nos seus valores.

Finalmente, a idéia do trabalho comandado remete aos temas da riquezae do poder nas sociedades mercantis e constitui a essência da teoria do valor,uma vez que a divisão do trabalho e a troca fazem com que a sociabilidade,nessas sociedades, seja, necessariamente, obtida através da troca de merca-dorias, a qual nada mais é do que a troca de trabalho por trabalho.

5 “Todo homem é rico ou pobre, de acordo com o grau em que consegue desfrutar das coisasnecessárias, das coisas convenientes e dos prazeres da vida. Todavia, uma vez implantadaplenamente a divisão do trabalho, são poucas as necessidades que o homem consegueatender com o produto de seu próprio trabalho. A maior parte delas deverá ser atendida como produto do trabalho dos outros, e o homem será então rico ou pobre, conforme a quanti-dade de serviço alheio que está em condições de comprar.” (Smith, 1988, p. 36).

6 Para Smith, o trabalho é uma medida invariável de valor, porque esforço e sacrifício, em todos ostempos, equivalem a esforço e sacrifício. Desse modo, “(...) pode-se dizer que quantidadesiguais de trabalho têm valor igual para o trabalhador, sempre e em toda a parte. Estando otrabalhador em seu estado normal de saúde, vigor e disposição, e no grau normal de sua habi-lidade e destreza, ele deverá aplicar sempre o mesmo contingente de seu desembaraço, de sualiberdade e de sua felicidade” (Smith, 1988, p. 38).

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2.2 - A teoria do valor de David Ricardo

Para Ricardo, uma das principais questões da economia política eradeterminar com precisão as leis que regulavam o processo de distribuição dariqueza entre as classes sociais (definidas por ele, na última versão de suaobra de 1821, como sendo apenas duas: os capitalistas e os trabalhadores,uma vez que os proprietários de terra passaram a ser agrupados na classe doscapitalistas — implicando que a renda da terra passou a ser vista como umaparte da riqueza advinda da relação entre capital e trabalho), e não mais as “ori-gens e causas da riqueza das nações”, como em Smith.

Essa mudança de enfoque fica explícita no prefácio de Princípios de Econo-mia Política e de Tributação, quando Ricardo afirma, categoricamente, que

“O produto da terra — tudo o que se extrai da sua superfície pelaaplicação conjunta do trabalho, equipamento e capital — é divididopelas três classes da comunidade, quer dizer, o proprietário de terra,o possuidor do capital necessário para o seu cultivo e os trabalhadoresque a amanham. Porém, cada uma destas classes terá, segundo oavanço da civilização, uma participação muito diferente no produtototal da terra, participação esta denominada respectivamente de renda,lucros e salários; esta situação dependerá principalmente da fertilidadeda terra, da acumulação de capital, da densidade da população e dahabilidade, inteligência e alfaias aplicadas na agricultura. O principalproblema da Economia Política consiste em determinar as leis queregem esta distribuição (...)” (Ricardo, 1965, p. 25).

Essas definições revelam, segundo Coutinho (1993), duas característicasbásicas do sistema teórico de Ricardo. Por um lado, ele pretendia formular leisque, fugindo da lógica teórica que a todo momento combinava indução e dedução,pudessem explicar o funcionamento geral do sistema, mesmo que deduzidasde um número reduzido de hipóteses. Por outro, o objeto de estudo do autortransitava da problemática da riqueza para a questão da distribuição (e do valor),o que o afastava de algumas das preocupações centrais de Smith.

Desse modo, o ponto de partida de Ricardo deixou de ser as condições demultiplicação da riqueza, como era em Smith através da discussão sobre adivisão do trabalho, e passou a ser a distribuição, com o tema da acumulaçãode capital sendo subordinado às hipóteses sobre valor e distribuição. Nessalógica, o autor defrontou-se, desde o início, com o problema do valor. No entan-to, ao formular sua teoria do valor-trabalho, seu objetivo não era desvendar asorigens do mesmo, mas explicar as variações do valor das mercadorias, o que

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poderia servir de base para dar sustentação à sua argumentação sobre a distri-buição da riqueza.7

Em função disso, a análise de Ricardo sobre o valor se transforma quaseem um contraponto às idéias de Smith, como pode ser observado já na Seção I,do Capítulo I dos Princípios. Nela, o autor afirma que “(...) o valor de um bem,ou seja, a quantidade de qualquer outro bem com o qual se possa trocar, depen-de da quantidade relativa de trabalho necessário para produzir e não da maior oumenor remuneração auferida por este trabalho” (Ricardo, 1965, p. 31). Issosignifica que o valor deve ser entendido como proporção da troca, que eledepende do trabalho contido na mercadoria e, finalmente, que o valor nãodepende da remuneração do trabalho, mas da quantidade de trabalho em si.

Desse modo, nota-se que a teoria do valor de Ricardo procura determinaruma independência entre valor e distribuição, o que lhe permite afirmar que oslucros dependem apenas dos salários, em condições técnicas de produçãodadas. Assim, valor significa sempre a proporção em que as mercadorias sãotrocadas umas pelas outras, o que explica um certo desinteresse do autor emrelação ao valor absoluto8.

Inicialmente, Ricardo critica a ambigüidade de Smith, refletida nas concep-ções de trabalho contido e de trabalho comandado. Com relação ao princípio dotrabalho contido, o autor diz que o mesmo pode ser perfeitamente aplicado àstrocas capitalistas, pois o fato de parte do trabalho incorporado na mercadorianão voltar para quem a produziu não altera em nada o seu valor, porque essevalor depende sempre do tempo de trabalho necessário à produção da merca-doria.

Para Ricardo, a dificuldade que tanto atormentou Smith (o salário do ope-rário não comprava inteiramente o produto de seu trabalho) não tinha razão deser, uma vez que esse problema dizia respeito à distribuição do produto e não àdeterminação do seu valor.

Com relação ao trabalho comandado, Ricardo explicita sua controvérsiacom Smith dizendo que ele

"(...) tão corretamente definiu a origem do valor de troca, e que comconsistência sustentou que todas as coisas se tornam mais ou menos

7 Segundo Coutinho (1993), a crítica ricardiana baseou-se em uma incompreensão do verda-deiro significado das concepções de riqueza e valor presentes em A Riqueza das Na-ções, expressando, sobretudo, a resposta de Ricardo a problemas pertinentes a seuuniverso. De qualquer modo, a teoria ricardiana do valor não poderia desenvolver-se senãoem oposição aos preceitos smithianos, tal como entendidos por Ricardo.

8 “Como a investigação para a qual desejo chamar a atenção do leitor tem por objeto o efeito nasvariações no valor relativo dos bens, e não no seu valor absoluto, terá pouco interesse examinara escala de valores para as diferentes categorias do trabalho humano.” (Ricardo, 1965, p. 42).

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valiosas na proporção do maior ou menor trabalho aplicado na suaprodução, acabou estabelecendo uma outra medida-padrão de valor erefere-se a coisas mais ou menos valiosas na proporção em que setrocarem por mais ou menos desta medida-padrão. Como padrão demedida, por vezes fala do trigo, outras do trabalho, não da quantidadede trabalho necessária à produção de um bem, mas antes da quanti-dade de trabalho que com esse bem se pode obter no mercado"(Ricardo, 1965, p. 34).

Dessa forma, o autor percebe que o problema dessa medida se confundecom o princípio do trabalho comandado, transparecendo claramente a contradi-ção entre este e o princípio do trabalho contido.9

A seguir, Ricardo questiona também o princípio do trabalho enquantomedida invariável de valor, dizendo que,

“(...) se a remuneração do trabalhador fosse sempre proporcional aoque ele produz, a quantidade de trabalho utilizada na produção de umbem e a quantidade de trabalho que esse bem pode adquirir seriamiguais, e ambas mediriam com exatidão as variações nas outrascoisas. Mas não são iguais: a primeira é, freqüentemente, um padrãoinvariável que indica corretamente as alterações nas outras coisas; asegunda está sujeita a tantas flutuações como os bens que secompram com ela” (Ricardo, 1965, p. 34).

Assim, conclui que o valor do trabalho é tão variável quanto o valor de umaoutra mercadoria qualquer, uma vez que o preço dos bens de subsistência comos quais são gastos os salários sofre os mesmos efeitos que afetam a produçãodas mercadorias em geral.10 Isso implica que a noção de trabalho comandado,subentendendo uma medida invariável de valor, é equivocada.

Esse questionamento é elucidado através do conhecido exemplo da caçae da pesca, pois, “(...) se existisse outro bem cujo valor fosse invariável, pode-ríamos analisar, por comparação com o valor da caça e da pesca com tal merca-doria, a parte da variação que deveria ser atribuída a uma causa que afetava ovalor da caça e a parte relativa a uma causa que afetava o valor da pesca” (Ricar-

9 “(...) como se estas duas expressões fossem equivalentes e como se, tendo duplicado aeficiência do trabalho de um homem, podendo este, portanto, produzir o dobro da quantidadede um bem, ele recebesse necessariamente o dobro da quantidade inicial em troca do seutrabalho.” (Ricardo, 1965, p. 34).

10 Por isso, diz Ricardo, “(...) não é correto afirmar, como Adam Smith, que, como o trabalhopode comprar uma quantidade de bens, umas vezes maior, outras vezes menor, o que varia éo valor destes e não o do trabalho e, por conseguinte, sendo o valor do trabalho o único quenão varia, ele é o padrão real e exato por meio do qual se pode calcular o valor de todos osbens, em qualquer momento e local” (Ricardo, 1965, p. 37).

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do, 1965, p. 48). Nesse caso, seria possível verificar corretamente em qual dasmercadorias houve alteração do valor. No entanto, segundo o autor, é impossívelexistir tal medida porque não há nenhum bem que não esteja exposto às mes-mas variações que as coisas cujo valor se pretende calcular, isto é, não hánenhum bem que não seja suscetível à necessidade de mais ou menos trabalhopara a sua produção. Mesmo assim, o princípio do valor conforme o trabalhocontido na mercadoria foi mantido, apesar de Ricardo não ter encontrado nomundo das mercadorias aquela que servisse de padrão invariável de medida.

De qualquer maneira, esse fato não tira o mérito das formulações deRicardo em dois pontos centrais. Por um lado, ao reafirmar a proposição daquantidade de trabalho necessária para produzir as mercadorias enquanto ele-mento regulador das trocas e determinante do valor das mesmas, o autor põeem questão os pressupostos da corrente de pensamento econômico que pre-tendia transformar a utilidade e a lei da oferta e da procura em fontes básicas dovalor. Por outro, ao derivar as relações de troca das condições de produção,Ricardo esclarece que a diferença entre valor do trabalho e valor do produto dotrabalho influi na distribuição do produto e não no seu valor e, com isso, fecha oespaço para possíveis explicações sobre a criação do valor no momento dadistribuição da riqueza.

2.3 - Síntese crítica sobre as formulações dos “clássicos”

As formulações dos “clássicos”, especialmente de Smith e de Ricardo,representam um marco na teoria econômica pelo fato de terem como fundamen-to do valor das mercadorias e como essência da base de acumulação capitalis-ta não o caráter determinado e específico deste ou daquele trabalho, como aatividade comercial para os mercantilistas ou o trabalho agrícola para osfisiocratas, mas o trabalho humano em geral. Assim, pode-se dizer que Smithfoi o primeiro a falar explicitamente em termos de valor-trabalho e a tomar otrabalho produtivo como ponto de partida para a análise do desenvolvimento dariqueza.11

Nesse sentido, após terem sido descritas as linhas gerais da teoria dovalor de cada um dos autores considerados nos itens anteriores, resta, a partirde agora, fazer-se uma análise crítica relativamente aos problemas sobre a

11 “Depois de terem sido declaradas, como as verdadeiras fontes de riqueza, as formas parti-culares do trabalho real, agricultura, manufatura, navegação, comércio, etc., sucessiva-mente, Adam Smith afirmou que o trabalho em geral, a saber, no conjunto de sua figurasocial, como divisão do trabalho, é a única fonte de riqueza material ou dos valores deuso.” (Marx, 1982, p. 51).

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determinação do valor observados em cada uma das formulações clássicas,iniciando-se pela discussão da obra A Riqueza das Nações.

Nessa obra, Smith trata de temas que vão desde o direito à propriedade,a necessidade de padrões para os contratos, a fixação de uma unidade subjetivae pessoal do valor até o princípio do trabalho comandado, que acompanhatoda a sua obra e expressa o sentido da sociabilidade nas sociedades mercan-tis. Esse princípio é defendido até o final, mesmo se sabendo que essa unidadese rompe nas sociedades capitalistas ao se estabelecerem relações de trocade trabalho por mais trabalho, ou seja, a identidade entre o princípio subjetivodo valor e o poder de compra (esforço versus remuneração) desfaz-se, dandoorigem ao lucro. Segundo Coutinho (1993), mesmo quando os preços já nãorepresentam apenas trabalho, Smith ainda refere o valor real das diversaspartes componentes do preço ao trabalho que com elas se pode comandar,permanecendo o trabalho comandado como a real medida de valor,independentemente da assimetria existente entre o esforço e o poder decomando.

Dessa maneira, toda a discussão sobre a medida real de valor de trocadas mercadorias acaba sendo reduzida à quantidade de bens que umadeterminada unidade de trabalho é capaz de adquirir ou comandar, o quequase equivale, segundo Belluzzo (1998), a um retorno à concepção fisiocrática,em que o trabalho é apresentado sob sua forma mais imediata, de unidadesfísicas de trabalho, de trabalho útil, tendo razão Marx ao acusar seus precursoresclássicos de permitirem que os traços da produção especificamente capitalistase diluíssem nas formas eternas da produção como atividade natural do homem.12

Essa lógica explicativa de Smith começou a ter dificuldades quando eletentou transpor seu raciocínio para a sociedade capitalista, onde os meios detrabalho pertencem a uma classe, e a força de trabalho, a outra. Deve-sereconhecer, entretanto, que o autor se dá conta dessa discrepância, apesar denão ter tirado daí conclusões importantes para o enunciado da sua lei do valor.Assim, diz ele,

“(...) no momento em que o patrimônio ou o capital se acumulou nasmãos de pessoas particulares, algumas delas naturalmenteempregarão esse capital para contratar pessoas laboriosas, forne-

12 Essa afirmação também é compartilhada por Bianchi (1981), quando diz que Smith ficaenrolado com algumas partes obscuras e complexas de sua teoria do valor, o que o impedede se libertar em definitivo da herança fisiocrática, pois, na sua determinação de trabalhoprodutivo, tende a privilegiar o trabalho agrícola, caindo no mesmo erro dos fisiocratas depretender explicar, através dos elementos naturais, os caracteres históricos específicos deum determinado sistema produtivo.

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cendo-lhes matérias-primas e subsistência a fim de auferir lucro coma venda do trabalho dessas pessoas ou com aquilo que este trabalhoacrescenta ao valor desses materiais” (Smith, 1988, p. 49-50).

Apesar de o autor ter tido a intuição de que por trás das relações de trocaiguais existia uma relação de troca particular que dava origem ao lucro, ele nãoaprofundou suas análises nesse ponto, porque

“(...) não chega a distinguir a troca de mercadorias por trabalho datroca simples de mercadoria por mercadoria; mas as bases da idéiamarxista da exploração, como mais-trabalho e não simplesmente comomais-produto, são postas. Com isso, tem-se uma das primeirastentativas de dar um caráter social às categorias econômicas, tentativaque se tornará o ponto de partida de Marx” (Bianchi, 1981, p. 21).13

Esse dilema estabelecido no princípio do trabalho comandado abre cami-nho para o autor expor seu ponto de vista sobre a origem e a natureza do lucro.Assim,

“(...) ao trocar-se o produto acabado por dinheiro ou por trabalho,ou por outros bens, além do que pode ser suficiente para pagar opreço dos materiais e salários dos trabalhadores, deverá resultaralgo para pagar os lucros do empresário pelo seu trabalho e pelorisco que ele assume ao empreender esse negócio. Nesse caso, ovalor que os trabalhadores acrescentam aos materiais desdobra-se,pois, em duas partes ou componentes, sendo que a primeira pagaos salários dos trabalhadores, e a outra, os lucros do empresário,por todo o capital e os salários que ele adianta no negócio” (Smith,198, p. 50).

Nesse caso, nota-se que Smith, ao refutar a origem do lucro no processode trocas de mercadorias, destaca um aspecto fundamental da economiacapitalista, ou seja, que a quantidade de trabalho que o trabalhador deve despenderno processo de produção das mercadorias precisa ser maior que aquelaquantidade necessária para o pagamento dos salários e dos meios de produçãoutilizados, porque ela necessita pagar também os lucros do empresário. Comisso, conclui que a origem do lucro está na dedução feita pelo capitalista sobreo salário do trabalhador.

13 Marx (1987) diz que um dos méritos de Smith consiste em ter, pelo menos, percebido que,relativamente à troca entre capital e trabalho, na lei do valor existia uma grande lacuna; embo-ra não estivesse em situação de explicá-la, ele vê que essa lei é de fato abolida no seuresultado.

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Após realizar esse percurso teórico, é surpreendente a meia-volta que oautor dá ao afirmar que

“(...) o preço ou valor de troca de todas as mercadorias que constituema renda anual completa de um país é decomposto ou em saláriospelo trabalho, ou como lucros do capital investido, ou como renda daterra. Assim, salários, lucro e renda da terra são as três fontesoriginais de toda a receita ou renda, e de todo o valor de troca”(Smith, 1988, p. 53).

Qual a origem dessa incoerência? Ela está na manutenção da igualdadeentre o valor do trabalho e o valor do produto do trabalho para uma sociedadecapitalista, pois esse princípio só era válido para as sociedades compostas porprodutores independentes.

Desse modo, Smith compromete suas formulações sobre a origem dolucro e também sobre a renda da terra, além de aprofundar a confusão quandoafirma que trabalho, capital e terra são, ao mesmo tempo, fonte da renda e dovalor. Com isso, segundo Belluzo (1998), a teoria do valor-trabalho, na formaque Smith a propôs, acaba se reduzindo a uma ingênua e inaceitável teoria docusto de produção, ao não cumprir a promessa de determinar, simultaneamente,o valor das mercadorias e a participação dos agentes produtivos no valor criado.

Assim, se, por um lado, Smith percebe que a questão-chave do sistemade produção capitalista está na troca entre o trabalho objetivo nos produtos e otrabalho vivo, antecipando, inclusive, os traços centrais que uma teoria do valor--trabalho deveria conter no capitalismo — os quais somente seriam desenvolvidosno âmbito do pensamento marxista —, por outro lado, não consegue desenvolveruma teoria em que o valor das mercadorias dependa da quantidade de trabalho14

nelas contidas. Daí a razão de sua persistência no princípio do trabalhocomandado, que, se serve para ressaltar o caráter do processo de acumulaçãodo capital, não se traduz em uma fundamentação teórica adequada do valor,conforme se verá a seguir na discussão sobre Princípios de Economia Políticae de Tributação.

Nessa obra, Ricardo desenvolve uma formulação mais completa dasrelações de troca, dando uma conotação mais rigorosa ao princípio do traba-lho contido — exposto e abandonado por Smith —, afirmando que esse prin-cípio pode ser aplicado, tanto em uma sociedade mercantil simples como emuma sociedade capitalista, pois o fato de que parte do trabalho não volta para

14 Segundo Bianchi (1981), em Smith, a aplicação do princípio da quantidade de trabalho às leiscapitalistas da troca configura-se como princípio do “trabalho dominado”, o que comporta queo elemento determinante dos valores seja o “valor do trabalho”. Precisamente sobre essaformulação é que incidirá grande parte da crítica ricardiana.

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quem produziu a mercadoria não altera nada, porque o valor dessa mercadoria édeterminado pelo tempo de trabalho necessário à sua produção.

No entanto, é preciso deixar claro, desde logo, que, para o autor, “valor” sereduz ao problema da “medida de valor”, ficando intrínseco o caráter meramenteinstrumental do trabalho na teoria do valor ricardiana. É por essa razão que, aosustentar a hipótese do trabalho contido, ele acaba burlando o princípio elementarde qualquer teoria do valor: o princípio da troca de equivalentes15, sobretudo nointercâmbio entre capital e trabalho. Esse fato, segundo Belluzzo (1998), signi-fica um retorno de Ricardo pela porta dos fundos do erro de Smith, e a razãodisso está na forma pela qual o trabalho é conduzido à posição de medida devalor em substituição ao trigo.

Esse “retorno pela porta dos fundos”, na verdade, diz respeito à postura deRicardo em relação à intuição de Smith sobre o segredo da acumulação e dodesenvolvimento capitalista, ou seja, sobre a origem da mais-valia tal como elase produz na relação entre capital e força de trabalho e se realiza através dosmecanismos da troca. Esse problema, já presente na obra de Smith, sequer éreposto por Ricardo. Assim, em função da insensibilidade ricardiana relativa-mente ao problema da troca capitalista direta com trabalho vivo, sua análisenão consegue transpor os obstáculos deixados em aberto pela teoria smithiana16,ficando limitada à constatação de um fato sem dar maiores explicações sobre“por que e como” o mesmo ocorre.

Entretanto, a despeito das lacunas teóricas que debilitam a própria teoriado valor, o mérito de Ricardo consiste em não ter caído na mesma armadilha deSmith, que afirmava que lucros, salários e renda fundiária eram fontes de todariqueza e de todo o valor. Ricardo, ao contrário, ao derivar as relações de trocadas condições de produção, impede a formulação de princípios teóricos queatribuam ao momento de distribuição da riqueza a função de criação de valor.Além disso, como já foi dito anteriormente, ele esclarece que a diferença entrevalor do trabalho e valor do produto do trabalho influi sobre a distribuição doproduto e não sobre o seu valor.

Porém as dificuldades da teoria ricardiana do valor-trabalho expressam--se com maior intensidade quando Ricardo desenvolve seus princípios sobre aorigem e a natureza do excedente, que Marx chamou de mais-valia, porque

15 Na verdade, Ricardo percebe que a quantidade de mercadorias que o trabalhador adquire soba forma de salários é menor que o produto de seu trabalho, mas não aprofunda a discussãosobre os motivos que levam à existência dessa troca desigual.

16 Essa questão só seria resolvida posteriormente por Marx, quando ele esclarece que não é otrabalho na sua forma objetivada em produto ou em salário que é contraposto ao capital, mas,sim, a força de trabalho vivo que se troca com o capital, segundo quantidades de trabalhonecessárias à sua reprodução.

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caracteriza a especificidade do modo de produção capitalista. Em Smith, otrabalho produtivo — entendido como o trabalho que, ao mesmo tempo, reproduzo próprio valor e deixa um excedente que vai se decompor nos lucros doscapitalistas e na renda — é a base da riqueza. Já Ricardo, procurando funda-mentar uma teoria do valor que fosse capaz de explicar o processo de acumu-lação capitalista, retoma a análise smithiana e, de forma análoga, concebe adiferença entre o valor do produto e o valor do salário como um “excedente”,sem desenvolver adequadamente a questão. Por um lado, não concebe esseexcedente como mais-trabalho, conforme havia intuído Smith (daí seu limiteem compreender a problemática smithiana em toda a sua extensão), e, poroutro, ao não compreender satisfatoriamente a origem e a natureza dessenovo valor criado pelo operário além do necessário para cobrir o salário, tendea identificar esse valor como o lucro do capitalista.17

Essa noção de lucro como excedente só seria possível mediante asupressão do princípio da equivalência no momento crucial da troca entrecapital e trabalho. Decorre daí que, tanto o valor do trabalho como o lucroenquanto rendimento do capital seriam explicados a despeito da teoria do valor.

“O fato de esse excedente sobre o consumo necessário ser medidopela quantidade de trabalho gasto em sua produção não altera ostermos do problema, pois da mesma forma que o trabalho é incluído,de um lado e de outro, nas equações de troca, apenas por suaqualidade técnica de insumo indispensável para a atividade produtivaem geral, também o lucro aparece como um excedente derivado deinexplicadas virtudes técnicas abrigadas por algum dos elementosdo processo produtivo. Atribuí-las à terra, ao trabalho, aos instrumentosde produção, ou a todos eles conjuntamente, é uma questão depreferência e não de teoria.” (Belluzzo, 1998, p. 52).

Assim,“(...) as carências teóricas da análise ricardiana do valor, que podemser consideradas, por um lado, como a identificação da formacapitalista do trabalho com toda a forma social do trabalho, e, poroutro, a assunção da categoria do trabalho, em relação ao capital,unicamente na sua forma objetivada e sem consideração do papelque a capacidade laboral humana como força viva desempenha noprocesso de produção, impedem essa teoria do valor-trabalho desuperar as dificuldades no momento em que tenta explicar a dinâmica

17 Somente Marx faz uma formulação completa sobre a origem do excedente como mais-valia,que, coerentemente com tal origem, não se refere a todo o capital empregado, mas apenas àparte do capital que se transforma em salários.

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global da relação entre trabalho e capital no processo de produção”(Bianchi, 1981, p. 67).

Em síntese, pode-se dizer que a teoria ricardiana do valor-trabalho, ape-sar de identificar o erro da teoria smithiana, perdeu a chance de se ligar, deforma coesa, à complexa dinâmica das relações sociais capitalistas, em parti-cular à origem do excedente. Além disso, essa teoria tem um caráter analíticoessencialmente instrumental, como demonstram a discussão sobre a origemdo valor em termos puramente físicos e o próprio objetivo teórico geral deRicardo, que consistia em estudar a distribuição do produto bruto entre asclasses sociais.

3 - A teoria marxista do valor-trabalho

Os autores "clássicos", ao tomarem o trabalho como base do valor, nãodistinguiram a dupla função desempenhada pelo mesmo no modo de produçãocapitalista, ou seja, a de ser origem e essência do valor e a de ser trabalho--mercadoria.

Com Marx, o conceito clássico do valor-trabalho sofre uma reformulaçãodefinitiva, pois o autor mostra o equívoco dos precursores ao desvendar quenão é o trabalho que é trocado por outra mercadoria, mas a “capacidade detrabalho” (trabalho em potência ou trabalho ainda a realizar). Com essa desco-berta de Marx e com o fim da oposição simples do trabalho ao capital, semqualquer especificação, abriu-se o caminho para a explicação do valor a partirdo valor de troca das mercadorias baseado na quantidade de trabalho necessárioà produção das mesmas, ou, de outra forma, a troca entre trabalho objetivado(morto) e trabalho vivo, que o próprio Smith já havia detectado.

Entretanto, segundo Belluzzo (1998), a investigação marxista parte deuma pergunta muito diferente. Enquanto a indagação clássica se prende aoconceito abstrato de valor, Marx simplesmente se pergunta em que condições oproduto do trabalho humano assume a forma-valor. Parte, portanto, do princípiode que o homem é quem produz sua própria existência, sendo o trabalho oúnico meio de fazê-lo. Assim, o objetivo da investigação marxista não é o valor,mas a mercadoria, considerada essencial para desvendar os mecanismos defuncionamento da sociedade capitalista.

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3.1 - Os fundamentos da crítica marxista à teoria do valor clássica

Marx qualifica o debate mostrando que não é o trabalho (na sua forma deproduto, conforme anunciado pelos "clássicos") que está em contraposição aocapital, mas, sim, a força de trabalho, que é trocada com o capital por um valorcapaz de garantir a própria reprodução dessa força de trabalho e produzir novosprodutos.

Deve-se recordar que Marx inicia sua obra diferenciando valor de uso evalor de troca para, em seguida, distinguir o próprio trabalho (trabalho concretoe trabalho abstrato). Os valores de uso só se realizam com a utilização ou oconsumo e constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja aforma social dela, além de serem, ao mesmo tempo, os veículos materiais dovalor de troca. Já o valor de troca revela-se na relação quantitativa em que setrocam valores de uso de espécies diferentes, relação esta que muda constante-mente no tempo e no espaço. Assim, como valores de uso, as mercadorias sãode qualidades diferentes e, como valores de troca, só podem diferir na quan-tidade.18

Para Marx, não só a mercadoria — forma particular em que se apresentamos produtos do trabalho no capitalismo — é a unidade de valor de uso e devalor, mas essa unidade é fundada na oposição dos dois pólos que a compõem.Decorre daí que a correta distinção desses dois pólos é decisiva para acompreensão das relações de produção capitalista, uma vez que os valores deuso, enquanto produtos do trabalho de produtores privados, não são úteissocialmente, porque não satisfazem diferentes necessidades da sociedade deforma imediata. Isso só ocorre através da troca, momento em que esses valoresde uso sofrem uma primeira metamorfose, pois despem-se de sua veste materiale tornam-se, enquanto mercadorias, iguais a qualquer outro bem de uso,assumindo idêntica qualidade de valores de troca e diferindo uns dos outrosapenas quantitativamente. Assim,

“(...) ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, tambémdesaparece o caráter útil dos trabalhos neles corporificados, desvane-cendo-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto; elasnão mais se distinguem umas das outras, mas reduzem-se a umaúnica espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato. Então essesprodutos passam a representar apenas a força de trabalho humana, o

18 Segundo Bianchi (1981), para Marx, a análise da mercadoria como existência molecular docapital revela uma dupla realidade: por um lado, a mercadoria é sempre unidade de valor deuso e valor de troca, e, por outro, o trabalho, no processo de produção capitalista, é unidadede trabalho útil e trabalho abstrato, de produção técnica e de valorização do capital.

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trabalho que se armazenou neles. Portanto, um bem só possui valorporque nele está materializado o trabalho humano abstrato” (Marx,1975, p. 44-45).19

É a partir desse ponto que começa a sobressair a falta de conexão entrea teoria clássica e a teoria marxista, sobretudo nas formulações de Ricardo,uma vez que esse autor não distingue o trabalho individual do trabalho social enem o trabalho concreto do trabalho abstrato, o que reduz a discussão do valora quantidades físicas de trabalho contido. Com isso, perde-se a essência,segundo a visão marxista, de demonstrar como se forma o valor, como o trabalhoindividual se transmuta em social e como esses fatos ajudam a elucidar osfenômenos econômicos. Assim, a crítica marxista vai no sentido de mostrarque os autores "clássicos" ficaram presos à simples determinação da grandezado valor, ao não considerarem o trabalho como resultado de um processo quevai do individual até o social. Desse modo, segundo Bianchi (1981), não sepode sequer falar em trabalho contido como fundamento das trocas de mercado-rias quando esse trabalho não for reconduzido à categoria de trabalho abstrato,o qual cria, de fato, a homogeneidade qualitativa das mercadorias e, por issomesmo, permite a formação do valor de troca em seu aspecto quantitativo.

O duplo caráter do trabalho é o ponto central que diferencia Marx dosautores anteriores. Para ele, o trabalho humano que assume valor de troca nassociedades capitalistas é um trabalho social igualado, porém não como umdado natural, mas como resultado histórico advindo das relações sociais deprodução. Dessa forma, Marx chega ao conceito de trabalho abstrato, distin-guindo o trabalho humano como elemento natural da produção e como elementodo capital. Mais precisamente, chega à definição desse tipo de trabalho porquefaz as mediações teóricas entre o trabalho humano, como fator natural daprodução, e o trabalho na sua forma histórica, como produto e elemento docapital.

3.2 - A mutação do trabalho: o "pulo do gato" de Marx

Como se viu anteriormente, o trabalho era considerado pelos "clássicos"simplesmente como uma unidade física imediata, sendo visto, inclusive, comoalgo indiferente às mercadorias. Marx, ao contrário, faz a crítica da economiaclássica tentando compreender o significado do valor a partir das leis gerais dosistema capitalista. Decorre daí que o objeto de estudo de Marx não é o valor,mas a mercadoria, porque nela se encontra o resultado (produto) do trabalho

19 Isso mostra que a sociabilidade no modo de produção capitalista não é um dado, mas oresultado de relações sociais contraditórias. Logo, essa sociabilidade afirma-se como umprocesso de metamorfoses antagônicas entre o individual e o social.

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humano. Dessa formulação, o autor tira uma primeira conclusão importante: otrabalho não é valor, mas, sim, o seu fundamento.

Segundo Belluzzo (1998), a mercadoria é analisada sob a ótica de umasociedade composta por produtores e bens que são produzidos para a troca.Nesse caso, para cada produtor, seu produto aparece apenas e tão-somentecomo fruto de seu trabalho e como utilidade para os outros, do mesmo modoque suas necessidades são supridas pelo produto do trabalho dos outros. Amercadoria, entretanto, é útil, primeiramente, para satisfazer as necessidadespessoais (valor de uso), mas também pode ser trocada por outras mercadorias(valor de troca) em determinadas proporções. Porém as proporções em que asmercadorias são trocadas não são determinadas pela quantidade de trabalhogasta por um trabalhador de forma isolada, tendo em vista que os diferentestipos de mercadorias são produto do trabalho de diversas pessoas que vivemem várias partes do mundo. E é através da troca que todas as mercadorias sereduzem a um padrão monetário único, processo este que permite definir o valortambém como um conceito qualitativo, uma vez que ele expressa uma relaçãosocial de produção que contém uma variedade de formas, as quais dependemdas condições sociais e históricas da sociedade.

Para Marx (1975), o caráter misterioso que o produto do trabalho apresentaao assumir a forma de mercadoria provém dessa própria forma, porque aigualdade dos trabalhos humanos fica disfarçada sob a forma de igualdade dosprodutos como valores. A mercadoria é misteriosa porque encobre caracterís-ticas sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como caracte-rísticas materiais, porque oculta a relação social entre os trabalhos individuaise o trabalho geral. Esse fato foi denominado como sendo o fetichismo damercadoria, o qual decorre do caráter social próprio do trabalho que produzmercadorias.20

Isso significa, de acordo com Belluzzo (1998), que a produção para a trocatransforma cada produtor individual num órgão do trabalho social, onde o tra-balho de cada um se dissolve no trabalho social e, a partir daí, vira a substânciado valor. Nesse caso, o trabalho concreto (aquele que cria valor de uso) é colo-cado em uma posição subordinada, tornando-se um instrumento do trabalho

20 A teoria marxista do “fetichismo das mercadorias” consiste em considerar que, por trás dasrelações entre coisas, existem relações humanas. Assim, o fetichismo da mercadoria consi-dera a intercambialidade das mercadorias como sendo uma propriedade interna e natural daspróprias mercadorias. Com isso, Marx mostra que, além de as relações humanas seremencobertas por relações entre coisas, as relações sociais de produção assumem, inevitavel-mente, a forma de coisas e não podem se expressar senão através dessas coisas.

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social, cuja sociabilidade resulta do processo de troca, em que a mercadoria,como produto desse trabalho social, se exprime como valor.21

Como as trocas não são determinadas pela quantidade de trabalho gastapor um produtor individualmente, tendo em vista que essa quantidade é apenasuma fração (parte) do trabalho de todos que é consumido pela sociedade,Marx mostra que o valor de troca das mercadorias não é definido pelo esforçoisolado de cada produtor, mas, sim, pelo conjunto de produtores. Isso significa,de algum modo, que a produção para a troca transforma o trabalho individualem um componente do trabalho social. Dessa maneira, pode-se dizer que atroca transforma os diferentes tipos de trabalho em equivalentes, sendo queessa transformação é determinada pelo tempo de trabalho socialmente neces-sário (trabalho gasto, em média, pela sociedade para produzir as mercadorias)e exprime uma relação entre os diversos tipos de trabalho. Porém essa médianão advém da produtividade individual, mas da produtividade média da sociedade,que é encontrada no mercado através dos movimentos de oferta e de procuradas mercadorias.

A partir daí, Marx desvenda a forma e as condições em que o trabalho éconduzido à posição de valor. Nesse momento, surge a questão central dateoria do valor marxista, ou seja, a distinção entre os tipos de trabalho (concre-to e abstrato), pois, da mesma forma que a mercadoria — que possui valor deuso e valor de troca —, o trabalho materializado nas mercadorias também temum duplo caráter: “(...) quando se expressa como valor, não possui mais asmesmas características que lhe pertencem como gerador de valores de uso”(Marx, 1975, p. 48). Porém ambos os tipos de trabalhos são um e o mesmotrabalho incorporado na mercadoria.

Observando que o elemento comum em todas as coisas é o trabalhohumano, Marx diz que o trabalho se decompõe, durante o processo de trocas,em duas categorias: (a) o trabalho individual vira trabalho social (trabalho detodos e que é representado pelo desprendimento de energia); (b) o trabalhoconcreto (trabalho que diferencia os trabalhadores pela destreza e habilidade)transforma-se em trabalho abstrato (surge através da troca e representa aigualação social das diferentes formas de trabalho), isto porque, na troca, osvalores de uso concretos e as formas concretas de trabalho são inteiramenteabstraídas. Com isso, Marx conclui que a transformação do trabalho individualem trabalho social (aspecto quantitativo) revela o aspecto qualitativo do processoconcreto para o abstrato.

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21 Marx diz que “(...) todo trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana de trabalho, nosentido fisiológico e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstrato, cria o valordas mercadorias. Todo trabalho, por outro lado, é dispêndio de força humana de trabalho,sob uma forma especial para um determinado fim e, nessa qualidade de trabalho útil econcreto, produz valores de uso” (Marx, 1975, p. 54).

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Para Marx,"(...) os homens não estabelecem relações entre os produtos de seutrabalho como valores, por considerá-los simples aparência materialdo trabalho humano de igual natureza. Ao contrário. Ao igualar, napermuta, como valores, seus diferentes produtos, igualam seustrabalhos diferentes, de acordo com sua qualidade comum de trabalhohumano. Fazem isso sem o saber (...)"; e dessa forma, "(...) o valortransforma cada produto do trabalho humano num hieroglifo social,que os homens procuram decifrar seu significado" (Marx, 1975, p.82-83).

4 - Considerações finais

A preocupação básica deste ensaio esteve centrada na busca dos pres-supostos teóricos necessários para compreender adequadamente as formula-ções da “escola clássica” sobre a teoria do valor-trabalho, confrontando-as comas formulações teóricas marxistas, no sentido de esclarecer as principais diver-gências entre as duas escolas de pensamento, ao mesmo tempo em que seprocurou afirmar a existência de uma teoria do valor na obra de Marx.

A análise desenvolvida permite afirmar com clareza e segurança que aobra de Marx, no que diz respeito ao valor, significa uma nova teoria, comparati-vamente às formulações dos economistas "clássicos" que o precederam. Nessesentido, tende-se a endossar as posições de Bianchi (1981), quando diz que ateoria marxista do valor representa a mais elevada explicação sobre valor--trabalho, o que lhe confere um destaque especial, que significa uma interrupçãocom as formulações do passado e a construção de um ponto de vista totalmen-te diferente daquele que o precedeu.

Dentre os vários aspectos que justificam essa posição, destacam-se:a) na análise clássica, a troca era concebida sempre como uma troca de

trabalho por outra mercadoria. Com isso, na determinação do valor,apareciam também os elementos do próprio capital, os quais acabavampor assumir um papel autônomo contraposto ao trabalho. Em Marx,essa contraposição do trabalho ao capital desaparece, uma vez queapenas o trabalho é o elemento portador de valor, ou seja, somente otrabalho humano vivo tem a capacidade de criar valor, isto porque, nateoria marxista, o problema da medida do valor e da causa do valor é omesmo;

b) na análise clássica, é o trabalho em forma de produto que está sendotrocado ou contraposto ao capital. Já na perspectiva da teoria marxista,essa troca possui características particulares que não estão presentes

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na troca genérica de mercadoria por mercadoria. Isto porque Marxdiferencia trabalho de “força de trabalho” ou “capacidade de trabalho”;

c) na teoria clássica, não se percebe nenhuma distinção entre o trabalhoindividual (privado) e o trabalho social. Ao contrário, não há naquelearcabouço teórico nenhuma referência às relações sociais de produçãoque estavam escondidas e que acabavam alienando o trabalho. EmMarx, o elemento decisivo é o trabalho social, tendo em vista que ovalor da força de trabalho corresponde ao tempo de trabalho socialmentenecessário à sua reprodução, sendo justamente o trabalho social totalo responsável pela geração da massa de valor que é repartida entre ocapital e o trabalho;

d) os "clássicos", particularmente Ricardo, ficaram presos à idéia de seencontrar uma unidade que pudesse determinar a grandeza física dovalor. Marx, ao contrário, demonstra, com a sua teoria, que o aspectoqualitativo é o mais importante, uma vez que a medida da grandeza dovalor em sua obra é dada pela unidade temporal do trabalho socialmentenecessário (por isso, já reduzido à igualdade com os outros trabalhos)para a sua reprodução;

e) Marx também se diferencia dos clássicos no âmbito filosófico, sobretudoda concepção smithiana, que é caudatária da tradição utilitarista inglesa.Marx, ao contrário, é inteiramente hostil ao princípio do interesse,dizendo que a divisão do trabalho se articula no âmbito das relaçõessociais de produção. Com isso, o “homem econômico” smithiano nadatem a ver com o princípio marxista da sociabilidade.

Em síntese, pode-se dizer que, através da teoria do valor, Marx desvendouos mecanismos e os segredos do funcionamento da sociedade capitalista, aopôr a descoberto a complexa rede de relações sociais que eram estabelecidase que davam sustentação ao processo de expropriação entre as classes, oqual subordinava o trabalho ao capital. Assim,

“(...) a redução de todo o trabalho a trabalho abstrato, portanto, amera capacidade de trabalhar, é que permite ao capital prolongarquantitativamente o tempo de trabalho além do socialmente necessáriopara a reprodução da força de trabalho. É o fato de sugar trabalho vivocomo mero tempo de trabalho que confere ao capital a possibilidadede obter uma mais-valia durante o processo produtivo que, por issomesmo, deixa de ser uma simples relação entre input e output emtermos físicos, para se revelar como processo de valorização” (Belluzzo,1998, p. 105).

No entanto, esse processo de valorização do capital é, ao mesmo tempo,um processo de desvalorização do trabalho, não somente porque o capitalismodesqualifica sistematicamente a força de trabalho, ao dispensar as habilidades

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do trabalhador, mas também porque o emprego crescente das máquinas torna asua presença cada vez mais dispensável. Dessa forma, segundo Belluzzo (1998),o capital é a própria contradição em processo, na medida em que a mesma leique o compele a uma valorização progressiva acaba determinando umestreitamento da base sobre a qual se apóia esse processo de valorização, ouseja, o trabalho vivo.

Referências

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1 - A revista Ensaios FEE é uma publicação semestral da Fundação de Economia eEstatística Siegfried Emanuel Heuser e tem por objetivo a divulgação de artigosde caráter tecnocientífico da área de economia e demais ciências sociais.

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9 - As referências bibliográficas devem conter o nome completo do autor, o título daobra, o local e a data de publicação, o nome do editor e o número de páginas,enquadrando-se em uma das situações a seguir referidas:

a) Livros – POCHMANN, Márcio (2001). O emprego na globalização. A nova internacionalização do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo Editorial, 151 p.

CASTRO, Antônio B. de, SOUZA, Francisco E. P. de (1985). A econo- mia brasileira em marcha forçada, 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 217p.

b) Capítulo ou artigo de livro – MIRANDA, José Carlos da Rocha (1997). Dinâmi- ca financeira e política macroeconômica. In: TA- VARES, M. C.; FIORI, J. L., orgs. Poder e dinhei- ro: uma economia política da globalização. Petró- polis: Vozes, p. 243-275.

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c) Periódicos – CONJUNTURA ECONÔMICA (2000). Rio de Janeiro: FGV, n. 12, dez.

d) Artigos de periódicos – BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello (1997). O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados “glo- balizados”. Economia e Sociedade, Campinas: UNI- CAMP/IE, n. 4, p. 11-20.

PARTICIPAÇÃO do Brasil nos investimentos diretos mundiais (1997). Carta da SOBEET. São Paulo, v. 1, n. 4, set./out.

e) Artigos de jornais – SALGUEIRO, Sônia (2000). Autopeças brasileiras conquis- tam mercado externo. Gazeta Mercantil, São Paulo, p. A- -4, 6-8 mar.

PARTICIPAÇÃO de salários no PIB cai para 38% (1997). Folha de São Paulo, São Paulo, 12 dez., p. 2-5.

f) Informação ou texto obtidos pela internet – BNDES (2000). O IED no Brasil e no mundo: principais tendências. Si- nopse Econômica. Disponível em: http://bndes.gov.br/sinopse/poleco.htm Acesso em: 21 mar.

10 - As tabelas e gráficos devem ser numerados e apresentar título e fonte completos; os gráficos devem ser gerados no MS-Excel e vir acompanhados das respectivas tabelas.

11 - Os artigos encaminhados à revista Ensaios FEE serão submetidos à apreciação do Conselho de Redação, sendo os autores informados da aceitação ou recusa de seus trabalhos.

12 - Em se tratando de artigos aprovados, o Conselho de Redação reserva-se o di- reito de introduzir as modificações editoriais que julgar convenientes.

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Supervisão: Valesca Casa Nova Nonnig. Secretária: Luz Da Alva Moura da Silveira.RevisãoCoordenação: Roselane Vial.Revisores: Breno Camargo Serafini, Elisabeth Kurtz Marques, Rosa Maria Gomes da Fonseca,Sidonia Therezinha Hahn Calvete e Susana Kerschner.EditoriaCoordenação: Ezequiel Dias de Oliveira.Composição, diagramação e arte final: Alexander Gurgel, Cirei Pereira da Silveira, Denize MariaMaciel, Ieda Koch Leal, Jairo dos Santos Raymundo e Rejane Maria Lopes dos Santos.Conferência: Elisabeth Alende Lopes, Lenoir Buss e Rejane Schimitt Hübner.Impressão: Cassiano Osvaldo Machado Vargas, Luiz Carlos da Silva e Mauro Marcelino da Silva.

EDITORAÇÃO

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