carta aos editores - scielo.br

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Sr. Editor, Elevada incidência de transtornos psiquiátricos é comumente observada em pacientes neurológicos, principalmente transtornos somatoformes, fóbicos e depressivos. 1 Recentemente, Carson et al 2-3 demonstraram que cerca de um terço dos pacientes encami- nhados para serviço ambulatorial de neurologia apresentava sin- tomas clínicos inexplicáveis em termos orgânicos. Esses pacien- tes apresentavam síndromes ansiosas e depressivas em uma pro- porção significativamente maior (70%) que os indivíduos com sintomas neurológicos secundários à condição orgânica (32%). Durante o primeiro semestre de 2001, examinamos 54 paci- entes (sexo masculino/feminino: 16/38; idade média ± erro padrão: 36,4 ± 2,1 anos) encaminhados para o ambulatório de neurologia do Hospital das Clínicas da UFMG por médicos de unidades assistenciais da periferia de Belo Horizonte pelo siste- ma de referência do Sistema Único de Saúde. A avaliação clíni- ca incluía entrevista semi-estruturada com questões do Mini International Neuropsychiatric Inventory 4 para a identificação de síndromes depressivas conforme o DSM-IV e para a categorização da organicidade dos sintomas. 2 Dez pacientes (18,5%) foram considerados como apresentan- do sintomas clínicos inexplicáveis em termos fisiopatológicos (Ta- bela). Não foram observadas diferenças estatisticamente signifi- cativas em termos de composição etária e de sexo entre o grupo de pacientes com sintomas inexplicáveis e os demais pacientes. A presença de dores difusas pelo corpo foi o problema clínico mais comum nos pacientes com sintomas inexplicáveis, sendo relatada em oito casos. Síndromes dolorosas específicas foram observadas em 19 dos 44 pacientes restantes, principalmente sob a forma de cefaléia. Epilepsia foi o segundo diagnóstico mais freqüente nesses pacientes (13 casos). Síndromes depressivas foram mais comumente diagnosticadas no grupo de pacientes com sintomas inexplicáveis (5/10, contra 7/44 no grupo de pa- cientes restantes, p<0,05, teste de Fisher). Apesar das limitações deste estudo, que incluem pequena amostra de casos e o emprego de entrevista clínica semi- estruturada para o diagnóstico psiquiátrico, nossos resultados confirmam os dados da literatura que mostram elevada freqüên- cia de síndromes depressivas em pacientes neurológicos com sintomas somáticos inexplicáveis. 2-3 Entre esses sintomas desta- cam-se claramente as síndromes dolorosas. 2 Ressalta-se que esses pacientes tendem a transitar por várias especialidades médicas recebendo diferentes diagnósticos. 5 Nesse sentido, há uma superposição considerável entre os pacientes com o diagnóstico de fibromialgia, síndrome de fadiga crônica, disfunção têmporo-mandibular e cefaléia tensional. 5 A aborda- gem desses pacientes é muitas vezes difícil, sendo necessário considerar tratamento antidepressivo e suporte psicoterápico. O trabalho de Carson et al também demonstrou que a maior parte dos pacientes com sintomas inexplicáveis permanece com o quadro clínico inalterado oito meses após a consulta com o neu- rologista, 3 reforçando a necessidade de intervenções terapêuti- cas específicas nesses casos. Antônio Lúcio T Antônio Lúcio T Antônio Lúcio T Antônio Lúcio T Antônio Lúcio Teixeira- eixeira- eixeira- eixeira- eixeira-Jr Jr Jr Jr Jr Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais Carta aos editores Sintomas clínico-neurológicos inexplicáveis podem indicar síndromes depressivas 16 F Dores difusas 21 M Dores difusas 26 F Dores difusas, tremores Epilepsia 33 F Dores difusas, fadiga 40 F Dores difusas, tremores, fadiga Distimia 47 F Dores difusas Hipertensão Depressão maior 52 M Déficit de memória Depressão menor 52 F Dores difusas, fraqueza Hipertensão Depressão menor 60 F Déficit de memória Hipertensão 66 F Dores difusas, fraqueza Hipertensão Depressão maior Tabela – Características clínicas dos pacientes com sintomas neurológicos inexplicáveis Idade Sexo Sintomas Comorbidades Diagnóstico (anos) clínicas psiquiátrico Rev Bras Psiquiatr 2004;26(4):277-9 277

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Page 1: Carta aos editores - scielo.br

Sr. Editor,Elevada incidência de transtornos psiquiátricos é comumente

observada em pacientes neurológicos, principalmente transtornossomatoformes, fóbicos e depressivos.1 Recentemente, Carson etal2-3 demonstraram que cerca de um terço dos pacientes encami-nhados para serviço ambulatorial de neurologia apresentava sin-tomas clínicos inexplicáveis em termos orgânicos. Esses pacien-tes apresentavam síndromes ansiosas e depressivas em uma pro-porção significativamente maior (70%) que os indivíduos comsintomas neurológicos secundários à condição orgânica (32%).

Durante o primeiro semestre de 2001, examinamos 54 paci-entes (sexo masculino/feminino: 16/38; idade média ± erropadrão: 36,4 ± 2,1 anos) encaminhados para o ambulatório deneurologia do Hospital das Clínicas da UFMG por médicos deunidades assistenciais da periferia de Belo Horizonte pelo siste-ma de referência do Sistema Único de Saúde. A avaliação clíni-ca incluía entrevista semi-estruturada com questões do MiniInternational Neuropsychiatric Inventory4 para a identificaçãode síndromes depressivas conforme o DSM-IV e para acategorização da organicidade dos sintomas.2

Dez pacientes (18,5%) foram considerados como apresentan-do sintomas clínicos inexplicáveis em termos fisiopatológicos (Ta-bela). Não foram observadas diferenças estatisticamente signifi-cativas em termos de composição etária e de sexo entre o grupode pacientes com sintomas inexplicáveis e os demais pacientes.A presença de dores difusas pelo corpo foi o problema clínico

mais comum nos pacientes com sintomas inexplicáveis, sendorelatada em oito casos. Síndromes dolorosas específicas foramobservadas em 19 dos 44 pacientes restantes, principalmentesob a forma de cefaléia. Epilepsia foi o segundo diagnóstico maisfreqüente nesses pacientes (13 casos). Síndromes depressivasforam mais comumente diagnosticadas no grupo de pacientescom sintomas inexplicáveis (5/10, contra 7/44 no grupo de pa-cientes restantes, p<0,05, teste de Fisher).

Apesar das limitações deste estudo, que incluem pequenaamostra de casos e o emprego de entrevista clínica semi-estruturada para o diagnóstico psiquiátrico, nossos resultadosconfirmam os dados da literatura que mostram elevada freqüên-cia de síndromes depressivas em pacientes neurológicos comsintomas somáticos inexplicáveis.2-3 Entre esses sintomas desta-cam-se claramente as síndromes dolorosas.2

Ressalta-se que esses pacientes tendem a transitar por váriasespecialidades médicas recebendo diferentes diagnósticos.5 Nessesentido, há uma superposição considerável entre os pacientescom o diagnóstico de fibromialgia, síndrome de fadiga crônica,disfunção têmporo-mandibular e cefaléia tensional.5 A aborda-gem desses pacientes é muitas vezes difícil, sendo necessárioconsiderar tratamento antidepressivo e suporte psicoterápico. Otrabalho de Carson et al também demonstrou que a maior partedos pacientes com sintomas inexplicáveis permanece com oquadro clínico inalterado oito meses após a consulta com o neu-rologista,3 reforçando a necessidade de intervenções terapêuti-cas específicas nesses casos.

Antônio Lúcio TAntônio Lúcio TAntônio Lúcio TAntônio Lúcio TAntônio Lúcio Teixeira-eixeira-eixeira-eixeira-eixeira-JrJrJrJrJrDepartamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da

Universidade Federal de Minas Gerais e Serviço de Neurologia doHospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais

Carta aos editores

Sintomas clínico-neurológicosinexplicáveis podem indicarsíndromes depressivas

16 F Dores difusas

21 M Dores difusas

26 F Dores difusas, tremores Epilepsia

33 F Dores difusas, fadiga

40 F Dores difusas, tremores, fadiga Distimia

47 F Dores difusas Hipertensão Depressão maior

52 M Déficit de memória Depressão menor

52 F Dores difusas, fraqueza Hipertensão Depressão menor

60 F Déficit de memória Hipertensão

66 F Dores difusas, fraqueza Hipertensão Depressão maior

Tabela – Características clínicas dos pacientes com sintomas neurológicos inexplicáveis

Idade Sexo Sintomas Comorbidades Diagnóstico(anos) clínicas psiquiátrico

Rev Bras Psiquiatr 2004;26(4):277-9

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ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

1. Fink P, Hansen MS, Sondergaard L, Frydenberg M. Mental illness innew neurological patients. J Neurol Neurosurg Psychiatry.2003;74(6):817-9.2. Carson AJ, Ringbauer B, Stone J, McKenzie L, Warlow C, Sharpe M.Do medically unexplained symptoms matter? A prospective cohort studyof 300 new referrals to neurology outpatient clinics. J Neurol NeurosurgPsychiatry. 2000;68(2):207-10.3. Carson AJ, Best S, Postma K, Stone J, Warlow C, Sharpe M. Theoutcome of neurology outpatients with medically unexplained symptons:a prospective cohort study. J Neurol Neurosurg Psychiatry.2003;74(7):897-900.4. Amorim P. Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI): vali-dação de entrevista breve para diagnóstico de transtornos mentais. RevBras Psiquiatr. 2000;22(3):106-15.5. Aaron LA, Buchwald D. A review of the evidence for overlap amongunexplained clinical conditions. Ann Intern Med. 2001;134(9 Pt 2):868-81. Review.

O arquivo disponível sofreu correções conforme ERRATA publicada no Volume 27 Número 1 da revista.

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