carlota boto - emílio (artigo)

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207 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.1, p. 207-225, jan./abr. 2010 A invenção do Emílio como conjectura: opção metodológica da escrita de Rousseau Carlota Boto Universidade de São Paulo Resumo O presente trabalho tem por propósito refletir sobre o pensamento pedagógico de Rousseau. Para isso, a análise centra-se na leitura da obra Emílio ou da educação publicada em 1762. O texto procura cotejar a leitura do Emílio com a análise de comentadores, de modo a proceder à revisão bibliográfica sobre o tema. A hipótese aqui defendida é a de que Emílio não é apenas um livro sobre educação. Rousseau enfatiza, no texto, sua preocupação quanto ao estabelecimento da caracterização do “ser” da criança. Nesse sen- tido, ele queria procurar, na infância de maneira geral, vestígios do homem em estado de natureza. Ao fazer isso, estabelece uma periodização da vida e do aprendizado. Denunciando o descaso de sua época relativamente à figura da criança, crítico do modelo educacional veiculado pelos colégios religiosos de seu tempo, Rousseau descreve a condição da criança, ao mesmo tempo em que inventa um menino imaginário, que deveria ser educado de acordo com os critérios da natureza. A educação do menino Emílio pode ser compreendida como um libelo contra o severo tratamento oferecido às crianças de verdade — tanto nas famílias quanto nos colégios. Segundo o filósofo, não se era capaz de “ver” a criança. Sendo assim, a escrita Emílio não tem a finalidade de estabelecer prescrições pedagógicas, pois Rousseau cria o menino apartado da sociedade. O objetivo ali era outro: o autor pretendia identificar na criança sua essência. A figura do Emílio era, assim, um método para operar o pensamento. Palavras-chave Educação — Emílio — Rousseau — Filosofia da educação — Iluminismo. Correspondência: Carlota Boto Al. Franca, 260, apto 102 01422-000 – São Paulo – SP E-mail: [email protected]

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207Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.1, p. 207-225, jan./abr. 2010

A invenção do Emílio como conjectura: opçãometodológica da escrita de Rousseau

Carlota BotoUniversidade de São Paulo

Resumo

O presente trabalho tem por propósito refletir sobre o pensamentopedagógico de Rousseau. Para isso, a análise centra-se na leitura daobra Emílio ou da educação publicada em 1762. O texto procuracotejar a leitura do Emílio com a análise de comentadores, demodo a proceder à revisão bibliográfica sobre o tema. A hipóteseaqui defendida é a de que Emílio não é apenas um livro sobreeducação. Rousseau enfatiza, no texto, sua preocupação quanto aoestabelecimento da caracterização do “ser” da criança. Nesse sen-tido, ele queria procurar, na infância de maneira geral, vestígios dohomem em estado de natureza. Ao fazer isso, estabelece umaperiodização da vida e do aprendizado. Denunciando o descaso desua época relativamente à figura da criança, crítico do modeloeducacional veiculado pelos colégios religiosos de seu tempo,Rousseau descreve a condição da criança, ao mesmo tempo emque inventa um menino imaginário, que deveria ser educado deacordo com os critérios da natureza. A educação do menino Emíliopode ser compreendida como um libelo contra o severo tratamentooferecido às crianças de verdade — tanto nas famílias quanto noscolégios. Segundo o filósofo, não se era capaz de “ver” a criança.Sendo assim, a escrita Emílio não tem a finalidade de estabelecerprescrições pedagógicas, pois Rousseau cria o menino apartado dasociedade. O objetivo ali era outro: o autor pretendia identificar nacriança sua essência. A figura do Emílio era, assim, um métodopara operar o pensamento.

Palavras-chave

Educação — Emílio — Rousseau — Filosofia da educação — Iluminismo.

Correspondência:Carlota BotoAl. Franca, 260, apto 10201422-000 – São Paulo – SPE-mail: [email protected]

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Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.1, p. 207-225, jan./abr. 2010208

The invention of the Émile as conjecture:methodological choice of Rousseau’s writing

Carlota BotoUniversidade de São Paulo

Abstract

The present work aims at a reflection on Rousseau’s pedagogicalthinking. To such end, the analysis is centered on the reading of hisÉmile: or treatise on education published in 1762. The article seeks tocontrast the Émile with the analyses of commentators, so as toproceed to a literature review on the subject. The hypothesis putforward here is that the Émile is more than just a book abouteducation. Rousseau emphasizes in his text his concern withestablishing a characterization of the child’s “being”. In this sense hewas trying to find in childhood in general vestiges of the man in astate of Nature. In so doing, he establishes a periodization of life andof learning. Denouncing the neglect displayed by his epoch withregard to the child, and critical of the educational model propagatedby the religious schools of that time, Rousseau describes thecondition of the child, whilst inventing an imaginary boy that wassupposed to be educated according to Nature’s criteria. Émile’seducation can be understood as a libel against the harshness of thetreatment dispensed to real children – both inside their families andat school. According to the philosopher people were incapable of“seeing” the child. Therefore, the writing of the Émile does not intendto establish pedagogical prescriptions, since Rousseau has the boyeducated away from society. The objective here is a different one: theauthor wanted to identify in the child his essence. The figure of Émileis, thus, a method to operate the thought.

Keywords

Education — Émile — Rousseau — Philosophy of education —Enlightenment.

Contact:Carlota BotoAl. Franca, 260, apto 10201422-000 – São Paulo – SPE-mail: [email protected]

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Não mostreis nunca à criança nada que elanão possa ver. Enquanto a humanidadequase lhe é estranha, não podendo elevá-laao estado adulto, abaixai para ela o ho-mem à condição de criança. (Rousseau,1979, p. 197)

Em uma de suas cartas, Rousseau (2005b)disse que seus principais livros são o “primeirodiscurso, aquele sobre a desigualdade e o trata-do de educação, obras inseparáveis e que perfa-zem juntas um mesmo todo” (p. 25).

Como se deve ler o Emílio? Essa pergun-ta tem, ao longo dos tempos, atormentado osintérpretes. Seria o Emílio um tratado de edu-cação ou de política? Para a maioria de seuscomentadores, trata-se de um livro que enun-cia a necessidade da época de renovar osparâmetros do ensino e da pedagogia. Paraoutros, trata-se de um trabalho eminentemen-te político. Nesse sentido, Yves Vargas (1995)advoga o seguinte:

Emílio ou da educação seria um livro depolítica natural e não de educação. Ele nãose propõe a educar uma criança no seio dasociedade, mas a construir uma nova soci-edade no âmbito do desenvolvimento deum homem. (p. 28)

Para Roque Spencer Maciel de Barros(1971), o objetivo do Emílio seria, sobretudo,moral. Sendo assim, a ética de Rousseau teriainspirado sua pedagogia e seu pensamentopolítico. Ele compreende que:

[...] o objetivo do Emílio é precisamente o deformar o sábio. [...] sabedoria é moralidade, éautodomínio, é capacidade de ‘ouvir a voz daconsciência no silêncio das paixões’. (p. 71)

É possível, todavia, ler o Emílio como umensaio, cujo principal objeto é a busca de com-preensão do “ser” da criança — de sua essência.O presente trabalho tem por propósito refletirsobre o pensamento pedagógico do Rousseau,

escritor da obra Emílio ou da educaçãopublicada em 1762. A hipótese aqui defendidaé a de que Emílio não é apenas um livro sobreeducação. Rousseau procura, no Emílio, compre-ender a própria acepção de criança. Nesse sen-tido, ele queria procurar, na infância de maneirageral, vestígios do homem em estado de natu-reza. Ao fazer isso, estabelece periodização davida e do aprendizado. Denunciando o des-caso de sua época relativamente à figura da cri-ança, crítico do modelo educacional veiculadopelos colégios religiosos de seu tempo,Rousseau descreve a condição da criança, aomesmo tempo em que inventa um menino ima-ginário, que deveria ser educado de acordocom os critérios da natureza. A educação domenino Emílio pode ser compreendida comoum libelo contra o severo tratamento oferecidoàs crianças de verdade — tanto nas famíliasquanto nos colégios. Segundo o filósofo, nãose era capaz de “ver” a criança.

Para Rousseau, há no interior da infânciaalgo que lhe será específico — diferente do adulto.Maurice Cranston (1991) — acerca do tema —demonstra como Rousseau opera para dividir avida do pupilo Emílio em diferentes períodos:“cada um correspondendo aos estágios da evo-lução da raça humana tal como ele teria traçadono Discurso sobre a desigualdade” (p. 176).

Revisitar as ideias pedagógicas de Rousseaudo Emílio requererá, sob qualquer hipótese, refle-tir sobre a concepção dele acerca do estado de na-tureza, já que a constituição da criança é análogaao mesmo conceito. Os atributos da criança são,para o autor, aqueles supostamente constitutivosdo homem no estado de natureza. Cranston (1991)compreende que Rousseau deseja estabelecer pa-ralelo entre a bondade natural do estado de natu-reza e a pureza original da criança, embora “nãohaja moralidade em suas ações; governada peloamor de si, que ainda não se transformou emamor-próprio” (p. 176).

Como bem ilustra Maria das Graças deSouza (2001), “o pacto situa-se num registronormativo, fora do tempo histórico” (p. 91). Deacordo com a hipótese aqui desenvolvida, a

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infância e a juventude de seu aluno inventado– assim como sua tese sobre o estado de na-tureza e também como a suposição do pactosocial – será uma conjectura necessária paracompreender o ser da criança e, ao fazer isso,será também capaz de olhar para a condiçãohumana de um modo diferente.

Cabe, para tanto, lembrar que o estado denatureza é uma construção lógica, que operaclaramente nas conjecturas rousseaunianas.Como diz Victor Goldschmidt (1983), a produ-ção teórica sobre o direito natural não supõerecurso à história. O postulado da existência deum direito da natureza é uma exigência lógicae não de um dado histórico, factual. Pode-seainda constatar uma “tendência de Rousseau adiluir os limites entre o que convencionamoschamar realidade e o que consideramos ficção”(Prado, 2007, p. 141). Cassirer (2003) diz queRousseau não está sozinho nisso:

[...] conhecimento histórico não interessaaos teóricos do Estado-contrato. O proble-ma deles é analítico e não histórico. Elescompreendem o termo ‘origem’ num senti-do lógico e não cronológico. O que elesprocuram não é o começo, mas o ‘princípiodo Estado — sua raison d’être. (p. 207)

A educação do Emílio também pode serlida assim. Não se trata de apregoar uma formade ensinar ou um método para educar. Trata-sede arquitetar uma narrativa para dar a ver aconstituição dos “primeiros princípios” da infân-cia — “para compreendermos uma coisa devemoscomeçar por definir a sua natureza e essência”(Cassirer, 2003, p. 207), a partir de conjecturas.

Nesse sentido, o Emílio trairia seu título:seria um tratado sobre a infância – mais do que“da educação”. Rousseau ali mostrava outra faceda criança – aquela que, segundo ele, sua épo-ca não sabia ver. Ao inventar seu Emílio, ele cri-aria mais uma dentre suas categorias operatórias.

O autor pretende conferir universalidadeà representação da figura infantil. A criança, norelato rousseauniano, é um ser constituído por

uma única e invariável estrutura interna, pornatureza — ou seja, por definição. Não há cir-cunscrição histórica ou geográfica que possaalterar a perspectiva. A criança relatada porRousseau é compreendida como um dadoimanente, que pode ser compreendido de an-temão como se fosse uma essência. Retirar acriança da história foi, também, para o autordo Emílio, um recurso estratégico para compre-ender as feições do homem de natureza (Bar-ros, 1971) — ele também uma essência.

Como o homem em estado de natureza, ainfância rousseauniana — descrita por fases da vidainterpretadas à luz de características hipotéticas –será uma conjectura. Ou seja: o “menino Emílio”integra um relato lógico e explicativo do desenvol-vimento das pessoas em seu primeiro quartel devida. A infância tem etapas, articuladas umas àsoutras, cada uma com características peculiares:“após uma idade pré-racional, uma idade da razãosensitiva e, finalmente, a idade da razão intelectu-al” (p. 38). Nesse sentido, parece a Rousseau fun-damental compreender as formas de ser criança emcada uma dessas etapas constitutivas da vida. Seupropósito não é “ensinar à criança muitas coisas esim não deixar entrar em seu cérebro senão ideiasjustas e claras. Que não saiba nada, pouco meimporta, conquanto que não se engane”(Rousseau, 1979, p. 179). O relato da traje-tória de Emílio percorre propositalmente asdiferentes fases do desenvolvimento infantil.O educador tenta entender os movimentos daalma do Emílio: “durante a primeira infância, otempo era longo — só procurávamos perdê-lo,de medo de mal o empregar. Agora é o contrá-rio e não temos mais bastante para fazer tudoque seria útil” (p. 180). O fundamento da edu-cação do Emílio será, então, o contínuo proces-so de oferecer ao menino — não os própriosalicerces das ciências — mas “a inclinação paraas amar e métodos para as aprender” (p. 180).Não se permite à criança-Emílio o contato comos preconceitos que circulam na vida social,porque “a razão e o juízo chegam lentamente,os preconceitos acorrem em multidão; é destesque cumpre preservá-lo (p. 180)”.

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Maria Constança Pissarra (2005) identi-fica Emílio como “um personagem de ficçãoque representa o indivíduo (ou indivíduos) queconseguiu manter-se mais ou menos à margemda sociedade corrompida” (p. 57). Assim comoo estado de natureza é um ponto de referên-cia que só agirá mediante diálogo com o esta-do civil, a infância constitui condição necessá-ria para apreender o homem. Por isso mesmo,educar teria como pressuposto a observaçãoacerca da natureza infantil, respeitadas as eta-pas de seu desenvolvimento.

A infância é, para Rousseau, uma catego-ria escolhida meticulosamente para operar opensamento sobre a condição humana. Nessesentido, o Emílio será lido aqui como um tra-tado descritivo da interpretação rousseaunianaacerca das fases do desenvolvimento infantil ejuvenil. Todo debate em torno dos procedimen-tos educativos do menino Emílio subordinam-se, mediante essa perspectiva, a uma clara hi-pótese a respeito do processo de maturaçãohumana, estruturado por etapas, que precisari-am ser compreendidas. Sem elas, a educação,no limite, não será, para Rousseau, possível. OEmílio, mais do que um compêndio de pedago-gia, pode ser lido, então, como um texto sobreas idades da vida.

O Emílio como narrativa

característica da moderna

acepção de infância

Emílio é publicado em 1762, mesmo anoda divulgação do Contrato Social. O tema quemove a criação do Emílio é a condição da infân-cia: ideia-força que dirige o pensamento deRousseau.

O menino Emílio é um modelo metodo-lógico para Rousseau descrever as feições infan-tis. O texto denuncia explicitamente o descaso daépoca perante o tema da infância. O Emílio jánasce, portanto, como obra consagrada a decifrarum simbólico silêncio que incomodava o autor:a criança. Surge, pois, como um dos principais re-latos fundadores da modernidade educativa: “a

narrativa é feita pelo preceptor na primeira pes-soa do singular, como uma obra de ficção”(Streck, 2004, p. 38). Por isso, Rousseau (1979)dirá que deu a si próprio um “aluno imaginário”.Para ele, essa invenção do Emílio foi um “méto-do útil” (p. 27).

Chateau (s.d.) sublinha que a narrativa doEmílio — embora Rousseau não explicite, comofará no Contrato Social, sua opção por estabele-cer princípios a priori — ancora os pressupostosde seu relato em “situações imaginárias” (p. 197).Como se sabe, publicados ambos em 1762, oparalelo entre Emílio e o Contrato Social é bastan-te recorrente entre os comentadores. Bréhier(2000), por exemplo, observa que ambos os livrossão diretamente entrelaçados, reportando-se a ce-nários diversos de um mesmo problema teórico:

Emílio, aluno de Rousseau, deve viver nasociedade; mas deverá encontrar um siste-ma de educação tal que preserve toda suainocência e as virtudes do estado de natu-reza, toda bondade inata do homem. Domesmo modo, os homens devem se associ-ar: mas precisarão encontrar uma forma deassociação que conserve para os indivíduosa igualdade e a liberdade que eles tinhamna natureza. (p. 421)

Jolibert (1987) recorda que Rousseau ca-racteriza a infância como o tempo da dependên-cia. Por ser assim, tratava-se de, paulatinamente,preparar a criança para inseri-la, aos poucos, nomundo. Isso supõe trabalhar modos de socializa-ção e critérios de moralização. Por causa disso —assinala também Jolibert — havia dimensão políticano tão alardeado “romance educativo que é oEmílio” (p. 75). Nele estava em jogo o tema daliberdade, mas no sentido público – muito mais doque “uma simples querela de método pedagógicoou de processos educativos” (p. 75). Se a criançaé definida primordialmente por sua dependência,haverá um trajeto rumo a sua autonomia. Os cin-co livros que compõem o Emílio tratam disso.

Já no prefácio do Emílio, Rousseau de-nuncia: a importância do tema que elegeu

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decorreria do desconhecimento de sua épocaacerca da figura humana da criança. A primei-ra aproximação do objeto de estudo acontece-ria, então, como tentativa de reconhecimentodesse território inóspito. Sem identificar osmodos de agir, de sentir e de pensar das crian-ças pequenas, os contemporâneos atuavam emrelação à infância como se diante de adultosestivessem. A educação, por causa disso, nãopoderia dar certo. Rousseau (1979) alerta:

[...] nunca sabemos colocar-nos no lugardas crianças; não penetramos em suasideias, emprestamos-lhes as nossas; e, se-guindo sempre nossos próprios raciocínios,com cadeias de verdade, só enchemos suascabeças de extravagâncias e erros. (p. 178)

Para tratar da formação da criança,Rousseau assume o lugar de sua criação: inventao Emílio como modo de operar o pensamento,que teria a intenção de esquadrinhar, do pontode vista teórico, o substrato do “ser”— criança.O autor, no relato, acompanha o menino quecriou — Emílio – do nascimento aos vinte e cin-co anos. Destaca que seu personagem não éuma “criança ordinária” (p. 27) pela atuaçãocontinuada do preceptor na formação do meninoe pelas condições especiais que cercam seu de-senvolvimento. Trata-se, pelo contrário, de um“aluno imaginário” (Marques, 2005a, p. 12),talhado — a propósito — para ser discípulo. Nessesentido, Rousseau (1979) inventa

[...] a idade, a saúde, os conhecimentos etodos os talentos convenientes para traba-lhar na sua educação, conduzi-la desde omomento de seu nascimento até aquele emque, homem feito, não terá mais necessida-de de outro guia senão ele próprio. (p. 27)

Rousseau (1979) trabalha a acepção deinfância à luz de alguns postulados:

1) Por procurar evidenciar os efeitos do des-conhecimento do tema, ele demonstra que,

ao olhar para a criança – sem ser capaz de re-conhecer suas características constitutivas – oadulto as desconhece. Ignorando-as, só conse-gue ver na criança o adulto que ainda nãoestá lá. Assim, a infância não é sequer “obser-vada”. Com ideias falsas pela incompreensão,extraviamo-nos do próprio objeto que sequerchegamos a olhar — diz ele.

2) “O homem que mais vive não é aquele queconta maior número de anos e sim o que maissente a vida” (p. 16). Será, portanto, necessá-rio encontrar um modo de agir com as crian-ças que não seja para elas um tormento.

3) É preciso estudar com atenção os sinais e aslinguagens com que a criança se expressa. Seráimportante, nesse sentido, diferenciar quais ma-nifestações infantis são derivadas da natureza equais já são fruto da opinião — e da sociedade.

4) Além disso, o estudo da infância inscreve-se em um pressuposto caro ao autor: a natu-reza pura e a sociedade desfigurada. O queresta de natural no homem social seria, porsua vez, a lógica do desenvolvimento de suatemporalidade, dos ciclos de sua vida: “nasce-mos fracos, precisamos de força; nascemosdesprovidos de tudo, temos necessidade deassistência; nascemos estúpidos, precisamosde juízo” (p. 10) e, por isso, educar será pro-ver. Entretanto, será fundamental que, ao edu-car, não se desfigure a face original da natu-reza humana, até porque a educação – doponto de vista rousseauniano — é uma dinâ-mica que possui tripla origem: a da natureza,a das coisas e a dos homens.

5) Vive-se aprisionado pelas limitações soci-ais: ao nascer, o bebê será envolvido em umcueiro; quando cresce, ficará acorrentado àsinstituições; e ao morrer, fecham-no no cai-xão. A repressão dos corpos limita a alma, e acriança é forçada a esforços civilizatórios inú-teis e precoces que apenas atrasarão seu de-senvolvimento: “a inação, o constrangimento

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em que mantêm os membros da criança, nãopodem senão perturbar a circulação do san-gue, dos humores, impedir a criança de sefortalecer, de crescer e alterar sua constitui-ção” (p. 17).

6) “A verdadeira educação consiste menos empreceitos do que em exercícios” (p. 16). Atéporque viver é agir e, na ação, devemos —antes de qualquer coisa — “fazer uso dos nos-sos órgãos, de nossos sentidos, de nossas fa-culdades, de todas as partes de nós mesmosque nos dão o sentimento de nossa existên-cia” (p. 16). Isso significa que será necessárioestudar aquilo que a natureza nos permite ser.Estudar a criança é, também, nesse sentido,perscrutar a natureza humana.

7) Existe uma mobilidade constitutiva das“coisas humanas” — dirá Rousseau. O ser hu-mano não nasce arraigado a um solo único. Aeducação deverá preparar o aluno para travarcontato com um mundo maior do que “seuquarto”, maior do que sua cidade, maior doque seu país. Só assim, ele aprenderá — quan-do adulto — “suportar os golpes da sorte eenfrentar a opulência e a miséria, a viver, senecessário, nos gelos da Islândia ou no ro-chedo escaldante de Malta” (p. 16). A educa-ção natural preparará Emílio para todas as si-tuações, circunstâncias e condições humanas.

O modo como se desenvolvia a educaçãodas elites culturais da Europa em meados doséculo XVIII traduzia-se por uma cultura distin-tiva, que destacava a importância das pessoasem virtude do lugar social e profissional queelas ocupavam. Rousseau (1979) diz que “vo-cação é o estado de homem” (p. 15). Apenasisso. Pouco importa a futura carreira a ser se-guida e pouco importa também o desejo dospais — “viver é o ofício que lhe quero ensinar.Saindo de minhas mãos, ele não será, concor-do, nem magistrado, nem soldado, nem padre;será primeiramente um homem” (p. 15). É im-portante observar que, como assinala José Os-

car de Almeida Marques (2005b), a educaçãodo Emílio não é descontextualizada: “o Emílioé educado de um modo que não é o melhor‘em si’, mas apenas o melhor dadas as circuns-tâncias” (p. 263). O livro demonstra a necessi-dade de o curso da educação interagir com osdados da natureza1, até porque, sob quaisquercircunstâncias, em graus variados, deve-se dei-xar a natureza agir no desenvolvimento da cri-ança. Rousseau (1979) periodiza diferentes eta-pas da maturação infantil, identificando nelas oque lhes seria específico. Então, interpreta ocrescimento da criança, demarcando fases.Sobre o tema, o filósofo adverte seus contem-porâneos acerca da inadequação dos modos deensinar e de educar de seu tempo:

Nossa mania pedante de educar é sempre ade ensinar às crianças o que aprenderiammuito melhor sozinhas e esquecer o quesomente nós lhes poderíamos ensinar. Have-rá coisa mais tola do que o cuidado que to-mamos para ensinar-lhes a andar, como setivéssemos visto alguém que, por negligên-cia de sua ama, não soubesse andar quandogrande? E, ao contrário, quanta gente ve-mos andando mal porque lhe ensinaram mala andar? Emílio não terá nem barretinhosprotetores, nem carrinhos, nem andadeiras;logo que souber pôr um pé na frente dooutro, só o sustentarão nos caminhos calça-dos e por eles só passarão às pressas. Aoinvés de deixá-lo mofar no ar viciado de umquarto, levá-lo-ão diariamente a um prado.Que aí corra, se debata, caia cem vezes por

1. “Se há uma distinção em relação ao animal é porque o homem é livree perfectível. Ou seja, pode interromper o automatismo e aperfeiçoar o seuequipamento sensorial, desenvolvendo, a partir do seu exercício e bomuso, novas faculdades: a imaginação, a memória, a razão. Entre as sensa-ções e a razão, com efeito, não há solução de continuidade. Não é, justa-mente, do ‘uso bem regrado’ dos outros sentidos que ‘resulta’ esse ‘sextosentido’ também chamado de Razão, como nos ensina o Emílio? Perfeita-mente ‘empirista’ em relação à questão, Rousseau concebe as ideias comoresultando da complexificação das sensações [...]. No estado primitivo essacapacidade de aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, a‘perfectibilidade’, ainda não atua e essas faculdades, na falta de ocasiãopara se exercerem, encontram-se em estado puramente virtual. Como sealtera essa constituição primitiva a partir e em consequência da introduçãodos indivíduos em sua nova órbita?” (Salinas Fortes, 1997, p. 63).

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dia: tanto melhor. Aprenderá mais cedo alevantar-se. (p. 59-60)

É importante lembrar que, à época, a par-tir dos sete anos de idade, a pessoa deixava deser considerada criança. Dos sete até os doze outreze anos, vive-se a puerilidade, etapa que nãoera compreendida como uma segunda fase da in-fância. Não se chamavam crianças aquelas quehouvessem completado sete anos. Essa era a ida-de da vida prevista para indicar o término doperíodo infantil. O próprio termo infans — do la-tim — identificaria o ser incapaz de falar. Aossete anos, a fala é fluente do ponto de vista daarticulação e do repertório. Daí a suposição deque a infância abarcaria apenas os primeiros seteanos de vida (Postman, 1999; Ariès, 1981). A in-fância, com Rousseau, esticada para depois dossete anos, tornava-se uma construção lógica. Arepercussão que Emílio teve em seu tempo, bemcomo as apropriações posteriores das ideias pe-dagógicas de Rousseau, contribuíram sobrema-neira para modificar os modos de se perceber ede se lidar com a figura infantil. A infância,como etapa do desenvolvimento humano, seriaexpandida — em parte, por efeito da recepçãodas ideias rousseaunianas.

Ao agir, a natureza infantil, aos poucos —e quase imperceptivelmente —, seria transforma-da. Por meio da educação, o adulto interviria di-retamente. Havia de se formar o sujeito moral.Nesse sentido, modelar a plasticidade da almainfantil era um suposto do qual não se poderiafugir. Perfectível, o ser humano é maleável epassível de educação. Havia, na formação doEmílio, um novo sentimento de infância (Ariès,1981), mas também uma nova forma de com-preender a ideia de natureza. Tratava-se — comodiz Cassirer (1999) — de um novo ideal ético:

Rousseau tornou-se o despertador da consci-ência moral antes de se tornar o estimuladorde um novo sentimento da natureza; a reno-vação gerada por ele foi entendida sobretudocomo uma transformação interior, uma refor-ma da mentalidade. (p. 91)

Rousseau enfatiza a necessidade de fazerinteragir a acepção de infans com a ideia depuer como se apregoasse uma puerícia infantil,considerando, pois, a etapa da puerícia comouma segunda fase da infância — que supunhadever ser prolongada. Tal período integra, ain-da, a condição infantil — é uma parte dela. Nessafase, não existiria conhecimento do mal. Nãopossuindo, fundamentalmente, discernimento —ou a faculdade de distinguir o bem do mal —, ascrianças não terão sentimentos de vergonha e depudor. No fundo, a criança é aqui resquício dohomem natural. Este, como sublinha LourivalGomes Machado (1968),

[...] delineia-se como o homem profundo,presente em todos os estágios da evolução,ou melhor, em todas as situações sociais,puro e simples na sua essência específica,sempre reagindo às consultas ao sentidointerior. (p. 113)

Se o adulto traz para a criança referênciasque ela não poderá apreender — porque seu está-gio de desenvolvimento ainda não o permite —, eleantecipará indevidamente o próprio contato de seualuno com o vício e com o mal. Rousseau (1979)adverte os contemporâneos:

O pudor só nasce com o conhecimento domal: e como as crianças que não o têm nemo poderiam ter, teriam o sentimento que deleresulta? Dar-lhes lições de pudor e de hones-tidade, é ensinar-lhes que há coisas vergo-nhosas e desonestas, é dar-lhes um desejosecreto de conhecer essas coisas. Cedo outarde elas o saberão e a primeira fagulha quetoca a imaginação acelera necessariamente aefervescência dos sentidos. Quem quer queenrubesça já é culpado; a verdadeira inocên-cia não tem vergonha de nada. (p. 238)

Cada idade terá uma lógica interna, cujasemântica — pensa Rousseau (1979) — precisaser decifrada. Pelas palavras de Rousseau (1979),“de início, têm as crianças, por assim dizer, uma

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gramática de sua idade, cuja sintaxe tem regrasmais gerais do que a nossa” (p. 53). Na verda-de – alerta o autor2:

[...] as palavras infans e puer não são sinô-nimas. A primeira acha-se compreendida naoutra e significa que não pode falar. [...]Mas eu continuo a empregar essa palavrano sentido de nossa língua, até a idade emque ela tem outros nomes. (p. 58)

Rousseau estica o conceito de infânciade sua época e, fazendo isso, o transforma.

Cada etapa da vida terá seu ritmo, e seráprejudicial o desenvolvimento precoce da fala oumesmo do conhecimento do mundo. Tal ante-cipação atenta contra a natureza e provoca oefeito inverso daquele pretendido. Por isso mes-mo, relativamente aos erros verbais, Rousseau(1979) diz:

[...] é um pedantismo insuportável e um cui-dado dos mais supérfluos insistir em corrigirnas crianças todos esses pequenos erros con-tra os usos, erros de que não deixam de secorrigir elas próprias com o tempo. (p. 53)

Ancorado pela metáfora da naturezacomo recurso instrumental para iluminar a con-dição de criança, Rousseau (1979) declara olugar que confere ao ato educativo:

Amanham-se as plantas pela cultura e os ho-mens pela educação. [...] Deplora-se o estadoda infância; não se vê que a raça humana te-ria perecido se o homem não começasse sen-do criança. Nascemos fracos, precisamos deforça; nascemos desprovidos de tudo, temosnecessidade de assistência; nascemos estúpi-dos, temos necessidade de juízo. Tudo o quenão temos ao nascer, e de que precisamosadultos, é-nos dado pela educação. (p. 10)

Daí a justificativa (para lidar com a forma-ção moral e intelectual) daquilo que Rousseau(1979) nomeia educação negativa:

A educação primeira deve, portanto, serpuramente negativa. Ela consiste, não emensinar a virtude ou a verdade, mas empreservar o coração do vício e o espírito doerro. Se pudésseis conduzir vosso aluno sãoe robusto até a idade de doze anos, semque ele soubesse distinguir sua mão direitade sua mão esquerda, logo às vossas pri-meiras lições os olhos de seu entendimentose abririam para a razão. Sem preconceitos,sem hábitos, nada teria ele em si que pu-desse contrariar o resultado de vossos cui-dados. Logo ele se tornaria, em vossasmãos, o mais sensato dos homens; e, co-meçando por nada fazer, tereis feito umprodígio de educação. (p. 80)

O homem recebeu da natureza órgãos efaculdades, cujo uso dependerá, entretanto,daquilo que a educação fizer deles. Retomandopremissas que lançara no segundo Discurso so-bre a origem e fundamentos da desigualdadeentre os homens, o filósofo discorre sobre ainsociabilidade do homem de natureza, a insu-ficiência do amor de si, a vida em liberdade e apotência da perfectibilidade. Quando pensa nasituação da infância, Rousseau propositalmenteaproxima os atributos da criança daqueles per-tencentes ao homem no estado de natureza.

O Emílio não poderia, sendo assim, tor-nar-se virtuoso no decurso de sua educação(Barros, 1971). Era necessário amadurecer eformar-se. Ele tinha, porém, o dom da piedade,característica do homem natural: o reconheci-mento de si no outro.

A primeira educação da criança serácentrada no trabalho com a linguagem, demodo que a verbalização progressivamentesubstitua as linguagens estampadas pelas per-cepções e pelos sentidos de maneira geral.

2. “Num mundo oral não há um conceito muito preciso de adulto e, por-tanto, menos ainda de criança. Esta é a razão pela qual, em todas as fontes,descobre-se que, na Idade Média, a infância terminava aos sete anos. Porque sete? Porque é nesta idade que as crianças dominam a palavra. Elaspodem dizer e compreender o que os adultos dizem e compreendem. Po-dem conhecer todos os segredos da língua, que são os únicos segredos queprecisam conhecer” (Postman, 1999, p. 28).

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Rousseau (1979) defende que se deve respei-tar os ritmos de aprendizado; as etapas da vidaem que o sujeito estará apto para receber esseou aquele conhecimento; e finalmente umapreocupação quanto a modos de agir e deproceder no ensino, tanto no que toca aosconteúdos quanto nos aspectos concernentesàs formas de ensinar. Rousseau manifesta, ain-da, seu repúdio ao costume de mimar as crian-ças, hábito comumente adotado pelas famíliasem relação a filhos pequenos — e que os im-pedia de experimentar a vida.

O conhecimento da dor — o aprendizadodo sofrimento — seria algo importante para sertrabalhado no processo de formação humana.No entanto, haveria de se buscar algum refina-mento nos procedimentos adotados, de modoque a educação e o ensino dos homens nãoprejudicassem a ação pedagógica da natureza:

O único indivíduo que faz o que quer éaquele que não tem necessidade, para fazê-lo, de pôr os braços de outro na ponta dosseus; do que se depreende que o maior detodos os bens não é a autoridade, mas a li-berdade. O homem realmente livre só quer oque pode e faz o que lhe apraz. Eis minhamáxima fundamental. Trata-se apenas deaplicá-la à infância, e todas as regras daeducação vão dela decorrer. A sociedade fezo homem mais fraco, não somente lhe tiran-do o direito que tinha sobre suas própriasforças, como também as tornando insufici-entes. Eis porque seus desejos se multipli-cam com sua fraqueza e eis o que faz a fra-queza da infância, comparada com a idadedo homem. Se o homem é um ser forte e acriança um ser fraco, não é porque o pri-meiro tenha mais força absoluta que o se-gundo, mas é porque o primeiro pode natu-ralmente bastar-se a si mesmo e o outro não.O homem deve, portanto, ter mais vontadese a criança mais fantasias, palavra com quequero dizer todos os desejos que não sãonecessidades reais, que só podemos conten-tar com o auxílio de outrem. (p. 67)

O excerto acima traz intrinsecamente anoção da autonomia da vontade moral comoelemento distintivo da condição humana. Seriaessa também a marca que expõe a similitudeentre a visão rousseauniana de moral e a pers-pectiva ética kantiana. Nesse sentido, para Kant(1995) como para Rousseau (1979), pode-sedizer que liberdade quer dizer habilidade para

[...] agir como se deve. A liberdade só temsentido caso obedeçamos à lei, mas a uma leià qual assentimos livremente por reconhecer-mos sua racionalidade. (Cassirer, 1999, p. 25)

A liberdade, em Rousseau como em Kant,suporia o que Rousseau (1983a) qualifica por“poder de querer”: a possibilidade de “desviar-se da regra que lhe é prescrita” (p. 243)3; afaculdade de escolher entre “concordar e resis-tir” (p. 243); e a consciência de ser capaz defazer isso. Kant (1995) exprimirá isso, posterior-mente, na famosa inscrição de seu imperativocategórico: “age como se a máxima da tua açãose devesse tornar, pela tua vontade, em lei uni-versal da natureza” (p. 58).

Durkheim (2008) interpreta que, de acordocom o traçado político da obra rousseauniana, paraexistir justiça na vida civil, será necessária a exis-tência de algo exterior aos indivíduos. Esse algocorresponde — segundo ele — ao ser social: “queage como árbitro e determina o direito” (p. 108).Por tal razão — continua o autor —, haverá umatranscendência da moral sobre os fatos:

[...] a moral não deriva analiticamente dosfatos. Para que as relações de fato se tor-nem morais, elas devem ser consagradaspor uma autoridade que não pertença aosfatos. A ordem moral deve ser somada aeles sinteticamente. (p. 108)

Ora, a criança Emílio não pode trazerconsigo essa faculdade moral, característica da

3. Kant (1995) diz, no mesmo sentido: “temos de poder querer que umamáxima da nossa ação se transforme em lei universal: é este o cânone peloqual a julgamos moralmente em geral” (p. 62).

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sociedade adulta. No entanto, será precisoformá-la, inclusive para que o Emílio venha a setornar um sujeito apto para a autonomia damoral. Observa Cassirer (1999) que, sob tal pon-to de vista, a educação não será ainda o mo-mento da liberdade. Diz ele que:

[...] o papel da educação natural é o de evi-tar a criação de um pequeno tirano ou deum pequeno escravo. Devemos permitir quea criança encontre por si mesma os limitesde suas próprias capacidades; devemos ar-gumentar com ela apenas quando for sufici-entemente adulta para raciocinar – esta é aúnica forma de se criar o homem natural. Ateoria política de Rousseau — a teria da so-ciedade natural — persiste nesse tema. Oshomens, tais como são hoje em dia, não es-tão aptos à liberdade. Eles devem ser torna-dos aptos, e devem criar por si mesmos umEstado que assim os tornará. (p. 25)

Rousseau (1983a) confere uma acepçãomuito particular ao termo liberdade. É como sehouvesse duas liberdades: a do homem adultoe a da criança; sendo essa última similar aocampo dos desejos, reduzida àquele “querer ounão querer” (p. 244) que existia na primeiraetapa do homem no estado de natureza. Se aliberdade da criança é apenas desejo, pode-sedizer que a liberdade do homem adulto é es-colha; escolha responsável. Como bem consi-dera Maurice Cranston (1991):

Embora ele coloque o Emílio inteiramentenas mãos do tutor, Rousseau insiste que otutor precisa respeitar a liberdade do pupilo[...]. Isso não quer dizer que Emílio seráautorizado a fazer o que ele bem quiser.Emílio não poderá saber que ele é coman-dado pelo tutor. De fato ele será; mas nãorealizará isso; porque a arte do tutor con-siste em guiá-lo sem que isso transpareça.Dissimulação e estratagemas tortuosos to-mam um lugar significativo no método pe-dagógico de Rousseau. (p. 178)

Ao inventar Emílio, Rousseau (1979) de-safia — pela conjectura — todos os modelos deensino existentes: dos colégios à preceptoria do-méstica. Emílio não será ensinado no ambientefamiliar — até por ser órfão e não conviverátampouco com o opressivo modelo da educaçãocoletiva dos colégios. Assim como a ideia de ‘es-tado de natureza’, com a qual Rousseau operaráseu pensamento político, o autor não pretendetornar Emílio um ser histórico: trata-se de umconceito metodológico ou, nas palavras de seucriador, “um modelo a ser proposto” (p. 28) — umideal regulador. Esse ideal não é, contudo, postu-lado a partir do universo simbólico da aristocracia:Emílio será um menino comum, filho do povo...

Há somente uma ciência a ensinar às cri-anças: é a dos deveres do homem. [...] Deresto, eu chamo governante, de preferênciaa preceptor, o mestre dessa ciência porquese trata menos para ele de instruir que deconduzir. Ele não deve dar preceitos, devefazer com que os encontrem. Se é precisoescolher com tanto cuidado o governante,é-lhe também permitido escolher seu alu-no, principalmente quando se trata de ummodelo a ser proposto. Essa escolha nãopode cair nem no gênio nem no caráter dacriança, que só se conhece no fim da tarefae que eu adoto antes de nascer. Se pudesseescolher, só tomaria um espírito comum, talqual suponho meu aluno. Só se tem neces-sidade de educar os homens comuns; so-mente sua educação deve servir de exemploà de seus semelhantes. (p. 28-29)

O preceptor — sugestivamente nomeadogovernante — deverá dirigir a vida do menino edo jovem Emílio mediante critérios outros quenão aqueles ditados pelos padrões pedagógicosda época. O preceptor apresenta-se ao discípulocomo educador e como exemplo. Nesse sentido— como indica Arlei de Espíndola (2007) —,Emílio, “cuja existência é apenas simbólica, deveráficar sob a tutela do seu mestre [...] visto que suatarefa reside mais em conduzir o discípulo do que

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em dar lições teóricas” (p. 70). Antes de tudo,observa-se que, para Rousseau, a formação éticasobreleva-se em relação ao preparo intelectual.Trata-se de formar o homem, especialmente paraque ele possa cumprir, quando já formado, seusdeveres em relação à sociedade.

Há uma desigualdade matricial entre mes-tre e discípulo, assimetria constitutiva da relaçãopedagógica. Tal desigualdade é que faz com que“o governante adquira todos os direitos sobreEmílio até que meta que se pretende atingir sejaalcançada” (p. 70). Maria de Fátima SimõesFrancisco (1999) assinala, sobre a relação mes-tre e discípulo expressa no Emílio, o firmamentode um contrato pedagógico, ancorado na pró-pria diferença entre as partes constitutivas domesmo acordo. Assim, diz a autora:

O contrato pedagógico está fundado na dife-rença básica que existe entre as duas partescontratantes. Uma, o mestre, sendo superiorem forças, conhecimento e experiências, eoutra, o aluno (uma criança ou adolescente),sendo inferior, naqueles mesmos aspectos.Está fundado também no fato de que esseúltimo, em diferentes graus segundo a faixaetária, precisa da condução pelo primeiro emseu processo de desenvolvimento, isto é, daaquisição de forças, conhecimentos e expe-riências. A primeira e central cláusula dessecontrato será, então, a de que na relação pe-dagógica um deve conduzir, isto é, coman-dar e o outro deve ser conduzido, isto é,obedecer. (p. 105)

Trata-se de “um contrato estabelecidode antemão” (Rousseau, 1979, p. 30), medianteo qual, de alguma forma, o educador assume aresponsabilidade da educação como se impu-sesse a si próprio “um dever que a naturezanão lhe impôs” (p. 30). O educador do Emíliotem como meta a formação de um adulto cons-ciente de sua relação com a natureza, consigomesmo e com os outros. Todavia, não seráapenas pela racionalidade que a conduçãopedagógica entre mestre e discípulo acontecerá.

Há afeto no percurso da formação domenino/aluno, até porque, como recordaCranston (1991), “Emílio não deverá saber queele é comandado por seu tutor” (p. 178). Nãose dará faculdade de escolha à criança. No en-tanto, ela acreditará que escolhe. Isso não querdizer que o tutor do Emílio fosse desonestocom seu discípulo. A criança simplesmente nãoestaria preparada para tomar ciência de todasas facetas de sua educação. Era preciso, emalguma medida, iludi-la sobre a ideia de liber-dade, ‘brincar’ de liberdade. Enquanto o Emíliocrê ser livre, ele terá disponibilidade de espíri-to para atender à orientação de seu tutor. Eleestará aberto para aprender. O aprendizado que‘parece’ ser ‘construído’ por ele é mais atraen-te. E desse recurso, seu educador se valerá.

A educação deveria — segundo Rousseau(1979) — trafegar na fronteira entre o progres-so das forças das crianças agindo em seu desen-volvimento de maneira inversamente proporcio-nal à sua decrescente dependência. Ele critica ofato de os parâmetros educativos existentes àépoca preocuparem-se quase exclusivamentecom a preparação da criança para sua vidaadulta, como se o momento presente não exis-tisse — ou como se sua existência de criançanão correspondesse exatamente ao que se con-siderava ser vida.

Contrário, portanto, ao excesso de prote-ção e ao excesso de rigor que, nos dois polos,restringiam a educação das crianças de seu tem-po, Rousseau (1979) não apenas problematiza otema da liberdade da criança: ele principalmentedenuncia que os primeiros anos de vida não se-riam tão felizes quanto, por vezes, desejamossupor. Tal denúncia teve certamente lugar histó-rico de inequívoca grandeza, em virtude, inclu-sive, do supracitado impacto que a leitura doEmílio tivera na Europa desde seu lançamento.Para o autor, “é preciso considerar o homem nohomem e a criança na criança” (p. 62).

O desenvolvimento do menino Emílionão é apartado dos ritmos da natureza: seja anatureza exterior, seja à natureza da própriacriança. Emílio será criado nos prados.

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Tornai vosso aluno atento aos fenômenosda natureza, muito breve o tornareis curio-sos. Mas, para alimentar sua curiosidade,não vos apresseis nunca em satisfazê-la[...]. Quereis ensinar-lhe a geografia e idesprocurar globos, esferas, mapas: quantaestória! Por que todas essas representa-ções? Por que não começais mostrando-lheo próprio objeto a fim de que ele saiba, aomenos, de que lhe falais? (p. 175)

A segunda etapa da infância correspondeà tomada de consciência da criança sobre simesma, especialmente da relação entre seusdesejos e forças. O caminho da educação su-porá contribuir para “diminuir o excesso dosdesejos sobre as faculdades e a pôr em perfei-ta igualdade o poder e a vontade” (p. 62).Cassirer (1999) considera que a principal mo-tivação do Emílio é – para Rousseau – a de-marcação do território da aprendizagem para aformação da vontade e do caráter e, nessesentido, o educador “não deverá poupá-lo desofrimento, esforço ou privação” (p. 61), quan-do estes evidentemente forem recursos pedago-gicamente necessários.

A felicidade humana não está – segun-do Rousseau (1979) — na fruição dos desejos,mas na capacidade para adiar a satisfação. Ohomem fraco é dominado por seus instintos edesejos. A força estará exatamente em sobrepu-jar tais manifestações da natureza. Diz ele queo meio mais seguro para tornar um meninodesgraçado é “acostumá-lo a tudo conseguir;pois, crescendo incessantemente seus desejoscom a facilidade de satisfazê-los, mais cedo oumais tarde, a impossibilidade de atendê-lo vosforçará à recusa” (p. 71). E, na verdade, a re-cusa, em tal situação, exatamente por não serhabitual, “dará mais aborrecimento do que aprópria privação do que ele deseja” (p. 71).

O tratado pedagógico de Rousseau traz àtona, como se viu, o tema da vontade e a decor-rente necessidade de condução da criança à luzde um posterior uso autônomo dessa vontade.Dizer que a natureza quer que as crianças sejam

crianças não quer dizer que devemos fazer asvontades delas. Isso seria desrespeitar a ordemnatural: com o fraco mandando no forte. Ou,nas palavras de Rousseau (1979):

Voltemos à regra primitiva. A natureza fezas crianças para serem amadas e socorri-das; fê-las porventura para serem obedeci-das e temidas? Deu-lhes ela um ar impo-nente, um olhar severo, uma voz rude eameaçadora para serem terrificantes? Com-preendo que o rugido de um leão apavoreos animais e que tremam ao verem suajuba terrível. Mas se algum dia se viu umespetáculo indecente, odioso, risível, é umcorpo de magistrados com o chefe à testa,em traje de gala, prosternado diante deuma criança enfaixada, com quem fala emtermos pomposos, e que grita e baba comoresposta. (p. 72)

A formação ética seria o fim último dodesenvolvimento do menino Emílio. O alunoserá tratado de acordo com sua idade. Há umaidade em que não são necessárias nem úteis asrazões das coisas. No entanto, mesmo quandoo aluno não compreende as coisas, ele sente ereconhece a autoridade e a ascendência domestre sobre as matérias de seu estudo, bemcomo sobre os valores morais. Isso é formativo.Faz parte do aprendizado do não:

[...] que todas as vossas recusas sejam ir-revogáveis; que nenhuma importunidadevos abale; que o não seja um muro debronze, contra o qual a criança não teráprecisado esgotar cinco ou seis vezes suasforças, que não tentará derrubar. (p. 77)

Rousseau (1979) interpela o modelopedagógico vigente em seu tempo. Ele cria,com o Emílio, essa figura do discípulo inven-tado, de cuja educação, como preceptor, elecuidará. A ideia – como vimos – é a de proverformação integral ao menino imaginário duran-te os primeiros vinte e cinco anos de sua vida:

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“quanto eles se vêm como devendo passar avida juntos, importa-lhes fazerem-se amarmutuamente e por isso mesmo se tornam carosum a outro” (p. 30).

A educação do Emílio prevê a possibili-dade da interiorização individual dos sentidosde justiça. Emílio seria, ao final de seu processopedagógico, homem moral e sujeito civil.

Maria de Fátima Simões Francisco (2009)discorre sobre as duas faces do Emílio — a um sótempo formando o homem da natureza e o su-jeito da cidadania. Ao dialogar com tal perspec-tiva, a autora — a meu ver — assinala uma dadaacepção de história passível de ser lida no Emílio.

A grande pergunta que coloca então o tratadoé: será que começando por formar o homemnatural e seguindo a marcha da natureza sere-mos por ela conduzidos ao ponto de formartambém o cidadão? Será que a natureza querque o homem seja também um ser social? Teráela previsto isso? Será que a própria naturezajá traz dentro de si a resolução da contradi-ção homem-sociedade, ou, ao menos, as pré-condições para isso? Se assim for, então pode-mos ter a esperança de construir uma históriadiferente daquela apresentada no Discurso,uma em que o homem possa se tornar ser so-cial sem alienar e deixar para trás as vantagensdo estado de natureza — igualdade, liberdade,individualidade. (p. 61)

Continuando pelas palavras da mesmaautora:

Entretanto, mais do que tudo, o que se pre-tende é dar solução à contradição do ho-mem, isto é, formá-lo não homem naturalou cidadão e sim, homem natural e cidadão.O Emílio quer-se tanto um tratado de educa-ção doméstica, quanto de educação pública.O tratamento desses dois planos do indiví-duo e, sobretudo, sua convivência pacífica,democrática – tal como na República queesse futuro cidadão habitará – é a finalidadeprincipal da escritura do Emílio. (p. 61)

Não se poderá cobrar responsabilidademoral das ações de um menino pequeno: “des-provido de qualquer moralidade em suas ações,nada pode ele fazer que seja moralmente mal eque mereça castigo ou admoestação” (Rousseau,1979, p. 78). Se praticou o mal, foi sem querer:ou porque não percebeu ou porque foi mal ori-entado: “uma criança quer desmantelar tudo oque vê — parte, quebra tudo o que pode alcan-çar; pega um passarinho como pegaria uma pe-dra e o estrangula sem saber o que está fazendo”(p. 48). Do ponto de vista de Rousseau, assimcomo não tem a virtude do homem adulto, acriança também não tem a marca do seu vício.Tal qual o homem de natureza, ela terá apenas oamor de si — “única paixão natural” (p. 78). Porisso mesmo, não é sujeita aos movimentos dohomem civil: “não existe perversidade original nocoração humano; não se encontra neste nenhumsó vício que não se possa dizer como e por ondeentrou” (p. 78).

Nessa primeira etapa da vida, não exis-tiria malícia. Isso não quer dizer que a criançatenha virtude. Quando se espera da criançaatitude de franca generosidade — por exemplo— invariavelmente se sairá frustrado. Exatamen-te como os homens em estado de natureza, ascrianças só são espontaneamente generosas emduas situações: “dar o que não lhes serve denada, ou dar o que têm certeza de que lhesirão devolver” (p. 93).

As práticas de civilidade imperantes naépoca eram indicadoras da hipocrisia, e “umavez desencadeado o processo de civilização, adecadência dos costumes, a corrupção das ins-tituições e o enfraquecimento da nação são maisou menos irreversíveis” (Souza, 2001, p. 72). De-nunciando especialmente o que acreditava ser aprática de educação das famílias ricas, Rousseau(1979) dirá que ali a criança é preparada paraser “polidamente dominadora”:

Quando não se tem pressa em instruir, nãose tem pressa em exigir e aguarda-se o tem-po necessário para só exigir oportunamente.Então a criança se forma na medida em

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que não se estraga. Nas quando um precep-tor desastrado, não sabendo como fazê-lo, aobriga a cada instante a prometer isto ouaquilo, sem distinção, sem escolha, sem me-dida, a criança aborrecida, sobrecarregada detodas as suas promessas, as negligencia, asesquece, as desdenha enfim, e, encarando-ascomo fórmulas vãs, se diverte com as fazer eas violar. Quereis que seja fiel a sua palavra,sede discreto em a exigir. (p. 90)

Dever-se-ia evitar tanto o excesso de ri-gor quanto a demasiada indulgência. Rousseau(1979) manifesta preocupação relativamente aoexcesso de mimos especialmente dos pais; quepoderão tornar-se escravizados pelas vontadesde seus filhos. Não se deverá mal acostumar omenino a tudo conseguir, senão “primeiramen-te ele desejará vossa bengala; depois irá querervosso relógio; a seguir o pássaro voando; maistarde a estrela brilhando; e desejará tudo o quevir” (p. 71). Não adianta também mentir: “umsorriso, uma piscadela, um gesto involuntário,dizem-lhes tudo que lhes procuram não dizer;basta-lhes, para aprendê-lo, verem que lhesquiseram esconder” (p. 238).

Mal acostumada a tudo conseguir, osdesejos da criança apenas se multiplicarão, e dealgum modo ela se acreditará

[...] dona do universo; encarará todos oshomens como escravos: e quando, enfim,formos forçados a recusar-lhe alguma coi-sa, ela, acreditando tudo ser possível quan-do manda, tomará a recusa por um ato derebelião. (p. 71)

Além disso, crescerá na criança assim ha-bituada, toda a vez que for contrariada, o senti-mento do ódio e do ressentimento. A ideia deliberdade das crianças, na obra rousseauniana,deverá ser, em virtude disso, vista com algum cui-dado. Emílio não é livre para proceder a escolhassignificativas, mesmo que o tutor o faça crer queele escolhe. Haveria um gradual aprendizado dese fazer escolhas. O tutor privará a criança de

todo supérfluo com o fito de que ela bem possacompreender que as coisas não se curvarão na-turalmente à sua vontade:

A fraqueza e o desejo de dominar reunidos sóengendram loucura e miséria. De duas criançasassim mimadas, uma bate na mesa e a outraquer chicotear o mar; muito terão que bater echicotear antes de viverem satisfeitas. Se essasideias de domínio e tiraestender-se e multipli-car-se? Acostumadas a verem tudo dobrar-sediante de sua vontade, que surpresa não terãoao entrarem na sociedade e sentirem que tudolhes resiste, e se acharem esmagadas pelo pesode um universo que pensavam movimentar àvontade! Suas atitudes insolentes, sua vaidadepueril, só lhes outorgam mortificações, des-prezos, zombarias; bebem as afrontas comoágua; experiências cruéis logo lhe ensinamque não conhecem nem sua condição socialnem suas forças; não podendo tudo, acreditamnada poderem. Tantos obstáculos imprevistosas desanimam, tanto desprezo as avilta: tor-nam-se covardes, tímidas, rastejantes e tantomais baixo caem de si mesmas quanto maisalto se tinham erguido. Voltemos à regra pri-mitiva. A natureza fez as crianças para seremamadas e socorridas; fê-las porventura paraserem obedecidas e temidas? (p. 72)

O preceptor será — no esquema deRousseau — o grande responsável pela educaçãodo Emílio —, entendido, como vimos, como aqueleque governa a educação e o desenvolvimento domenino. Contrário às práticas de emulaçãoimperantes nos colégios de seu tempo, o autoracredita que, mediante interação pautada pelaconfiança, a criança reconhece a ascendência deseu preceptor sobre ela. Assim obedecerá a direçãode seu educador como se efetivamente seguissesua própria vontade. Mais do que isso, Rousseaucompreende ser salutar o fato de o aluno ser le-vado a crer que a condução que recebe provémda própria natureza. O excerto abaixo indica expli-citamente que a educação do menino Emílio estána contramão das práticas de emulação e de riva-

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lidade que pautavam os métodos e os princípiosdos colégios jesuíticos daquele tempo (Snyders,1965). Só faz sentido – diz Rousseau (1979) –ensinar à criança aquilo em que ela vê sentido. Portal razão:

Pensando naquilo que lhe pode ser útil noutraidade, não lhe faleis senão do que ela vêcomo útil desde já. Nunca façais compara-ções com outras crianças, nada de rivais,nada de concorrentes mesmo na corrida, logoque começar a raciocinar; prefiro cem vezesque não aprenda nada a que aprenda so-mente através da inveja ou da vaidade. Mastomarei nota todos os anos dos progressosque tiver realizado; compará-los-ei: crescestee melhoraste tanto! Eis o fosso que saltavas,o fardo que carregavas; eis a distância a quelançavas uma pedra, a distância que percorri-as de um fôlego etc.; vejamos agora o quefarás. Assim a incentivo sem a tornar invejosade ninguém. Ela quererá superar-se. Devo-oquerer; não vejo inconveniente em que sejaêmulo de si mesma. (p. 197)

Do ponto de vista da formação dos cos-tumes, falar a verdade será mais recomendáveldo que inventar uma desculpa qualquer paranão satisfazer ao desejo do aluno: “não temmais é uma resposta contra a qual nunca umacriança se rebelou, a menos que acreditasse seruma mentira” (p. 77). A criança deverá, nocontato com o educador, sentir que as decisõessão justas, como se elas houvessem sido, inclu-sive, compartilhadas livremente entre ambos:

Não lhe deixeis sequer imaginar que preten-deis ter alguma autoridade sobre ele. Que elesaiba apenas que é fraco e que sois forte; que,em virtude de sua posição e da vossa, ele seacha necessariamente à vossa mercê; que ele osaiba que o aprenda, que o sinta; que sintadesde cedo sobre sua cabeça altiva o jugoque a natureza impõe ao homem, o pesadojugo da necessidade, ao qual deve dobrar-setodo ser feito; que veja essa necessidade nas

coisas, nunca no capricho dos homens;que o freio que o segure seja a força e nãoa autoridade. (p. 76-77)

Rousseau (2005a) situa como principalintervalo da vida humana a etapa que vai doszero aos doze anos. Ele — como vimos —encompridou a infância, prolongando-aconceitualmente. Nesse período, entre o nasci-mento e os doze anos, a criança age medianteo estímulo da sensibilidade. A partir das percep-ções que despertam sua experiência de vida, elacompreende o mundo à luz da recorrência aossentidos. Daí ser esse o período no qual Emíliodeverá ser dirigido pela ‘educação negativa’. Emsua Carta a Christophe de Beaumont, Rousseau(2005) daria precisão a esse conceito da edu-cação negativa:

Denomino educação positiva aquele que pre-tende formar o espírito antes da idade e dar àcriança um conhecimento dos deveres do ho-mem. Chamo educação negativa aquela queprocura aperfeiçoar os órgãos, instrumentosde nosso conhecimento, antes de nos dar es-ses próprios conhecimentos e nos prepararpara a razão pelo exercício dos sentidos. Aeducação negativa não é ociosa, ao contrário.Não produz virtudes, mas evita os vícios; nãoensina a verdade, mas protege do erro. Elaprepara a criança para tudo o que pode con-duzi-la à verdade, quando estiver em condi-ções de entendê-la, e ao bem, quando estiverem condições de amá-lo. (p. 57)

Na lógica de tal modelo educativo, nãoexistirão lições verbais. Vale novamente recor-dar que o interlocutor de Rousseau (1979)nessa matéria são os colégios religiosos (espe-cialmente os jesuítas) em seu verbalismo4. Ne-les — diziam à época:

4. “Não deis a vosso aluno nenhuma espécie de lição verbal; só da expe-riência ele as deve receber; não lhe inflijas nenhuma espécie de castigo,pois ele não sabe o que seja cometer uma falta; e não lhes façais nuncapedir perdão, porquanto não pode ofender-vos” (Rousseau, 1979, p. 78).

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[...] o discípulo só olha o mestre como amarca e o flagelo de sua infância; o mestresó olha o discípulo como um fardo pesadode que aspira desembaraçar-se o mais de-pressa possível. (p. 30)

Sob tal modelo pedagógico recusado porRousseau, não haverá afeição entre professores ealunos, entre mestres e estudantes: “sonhamambos como se libertarem um do outro” (p. 30).O Emílio, nesse sentido, ganha significado tantoa partir da história e de seu contexto quanto daanálise interna de seu discurso. Do ponto de vistado que podemos caracterizar como história dasideias pedagógicas, a compreensão lógica dotexto rousseauniano será enriquecida por referên-cias históricas acerca de práticas educativas cor-riqueiras nos colégios do século XVIII europeu.

Rousseau (1979) sublinha que, antes daidade da razão, a criança não recebe ideias e simimagens. Tais imagens podem chegar ao espíri-to sozinhas, mas as ideias jamais virão desacom-panhadas: “quando imaginamos, não fazemossenão ver; quando concebemos, comparamos”(p. 98). O raciocínio infantil não ocorre a partirda mente, mas é fruto da ação dos sentidos. Mes-mo assim — observa Rousseau —, a educação deseu tempo praticamente desdenhava a ação dossentidos, convocando precipitadamente a razão.

Qualquer que seja o estudo, sem a ideia dascoisas representadas, os sinais representan-tes nada são. Circunscrevemos, portanto, àcriança esses sinais, sem nunca fazer comque compreenda as coisas que representam.Pensando ensinar-lhe a descrição da terra,não lhe ensinamos senão a conhecer mapas;ensinamos-lhe nomes de cidades, de países,de rios, que ela não concebe existirem senãono papel onde lhe mostram. Lembro-me deter visto algures uma geografia que começa-va assim: ‘que é o mundo? Um globo depapelão’. Eis precisamente a geografia dascrianças. Ponho como fato real, que depoisde dois anos de geografia e de cosmografia,não há uma só criança de dez anos que, de

acordo com as regras concebidas, saiba ir deParis a Saint-Denis. Ponho como fato real quenenhuma, de acordo com uma planta do jar-dim de seu pai, possa seguir-lhe as veredassem se perder. [...] Ouço dizer que convémocupar as crianças em estudos em que só pre-cisem de olhos: poderia ser, se houvesse algumestudo em que só de olhos se precisasse; masnão conheço nenhum. (p. 100-101)

O tema da educação é mobilizado pelodiscurso de Rousseau à luz de novas referênci-as, pelas quais se buscará decifrar a naturezaconstitutiva do organismo e da alma da crian-ça. Ao perceber como a criança é, poder-se-áentender como ela aprende. Nesse sentido, oEmílio aborda a pedagogia, exatamente porperscrutar os modos de ser criança.

O estado adulto se abaixa para se elevarao nível da criança:

A humanidade tem seu lugar na ordem dascoisas; a infância tem o seu na ordem davida humana; é preciso considerar o ho-mem no homem e a criança na criança.Ensinar a cada um seu lugar e nele fixá-lo,ordenar as paixões humanas segundo aconstituição do homem é tudo que pode-mos fazer para seu bem-estar. O resto de-pende de causas estranhas a nós e que nãoestão em nosso poder. (p. 62)

Considerações finais

No Emílio, Rousseau propõe-se aprotagonizar o relato de um aluno imaginário —de quem ele próprio (convertido agora em tutor)será o único mestre, guia e pedagogo da crian-ça que inventou. Esse aluno, criado à medida dasintaxe de seu pensamento sobre a infância, serádirigido pelo mesmo educador/preceptor duran-te mais de duas décadas. Entre os homens, então,terá apenas um único mestre. Aos poucos, omenino será subtraído de sua naturalidade, masaos poucos, por etapas — não abruptamente.Rousseau indica — na redação do Emílio — que

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224 .Carlota BOTO. A invenção do Emilio como conjectura:...

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crescer pode ser alguma coisa que não exija tantador. Será, entretanto, fundamental que, nessadireção, o educador saiba decifrar indícios expres-sos nas diferentes linguagens com que as crian-ças se manifestam. Dos choros aos gestos; dobalbucio à fala; das reinações da primeira infân-cia às inquietações da juventude; da amizade aoamor — tudo isso constitui uma gramática interi-or ao ser em desenvolvimento. É preciso saber in-terpretar. Prestar atenção às formas de agir e dese expressar das crianças torna-se, pois, movi-mento imprescindível para conseguir bem educaras diferentes etapas da infância.

Ao discorrer sobre uma criança inventa-da, Rousseau também denuncia o que compre-ende como vícios da sociedade adulta. Por umlado, o grande feito de sua obra pedagógicafoi, nesse sentido, duplo: reconhecer a condi-ção da criança, esmiuçá-la para decifrá-la. Naoutra margem, Rousseau trabalhou o tema dainfância como pretexto para rever o homem emestado de natureza (Barros, 1971). A criançaseria o diagrama que, aos poucos, constituirá asfeições do adulto: do sujeito racional, mas prin-cipalmente do sujeito ético — capaz de, nessacondição, aprimorar a face humana.

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Recebido em 31.07.09

Aprovado em 15.03.09

Carlota Boto é professora de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da USP e autora do livro A escola do homemnovo: entre o Iluminismo e a Revolução Francesa.

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