capítulo vii líquidos e soluções...capítulo vii – líquidos e soluções 284 dispersos. os...

34
Capítulo VII Líquidos e Soluções

Upload: others

Post on 21-Mar-2021

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

Page 2: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo
Page 3: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

283

7.1. Conceitos Gerais 7.1.1. Sistemas Dispersos

Imaginemos um sistema de duas ou mais fases, sendo uma contínua e as demais formadas por porções separadas, distribuídas uniformemente no seio da primeira. Tal sistema é chamado dispersão. Um exemplo multifásico do mesmo é o sangue, tendo como fase contínua, ou dispersante, a água plasmática, e como dispersos uma infinidade de elementos cujas unidades morfológicas apresentam dimensões que variam desde o nível de moléculas pequenas até o dos elementos figurados (figura 7.1).

Figura 7.1 Água plasmática.

Quando as partículas dispersas têm diâmetros compreendidos entre 10-7 a 10-4 cm, a dispersão é chamada coloidal; quando os diâmetros são maiores do que o limite superior supracitado temos as dispersões grosseiras; e quando os diâmetros são menores que o limite inferior temos as soluções verdadeiras ou, simplesmente, soluções. Do exposto, podemos inferir que o sangue é uma dispersão complexa ou mista.

A classificação das dispersões, quanto ao tamanho das partículas dispersas, não é efetuada de forma arbitrária, mas está intimamente relacionada ao comportamento físico-químico das mesmas. As propriedades ópticas, a cinética das partículas, os fenômenos de superfície, tais como adsorção e/ou formação de camadas elétricas na interface dispersante-disperso, a permeabilidade através de membranas e a velocidade de sedimentação, quando sujeitas a ação de efeitos centrífugos, são exemplos de condições relacionadas ao tamanho das partículas dispersas; e a diversidade de comportamento está nitidamente relacionada aos limites apresentados acima para o diâmetro das mesmas.

O critério utilizado para caracterizar uma solução, conquanto correto do ponto de vista prático (partículas com diâmetros inferiores a 10-7 cm), não é isento de críticas, as quais residem no conceito de fase. "Fase é uma região de um sistema de composição química uniforme e propriedades físicas uniformes." Para individualizarmos uma tal região surge intrinsecamente em nossa mente a noção de superfície de contato ou fronteira entre duas fases. Num sistema em que todos os componentes têm dimensões moleculares pequenas torna-se difícil definir o que seja fronteira entre os componentes ou, até mesmo, definir qual seja o elemento dispersante. O conceito de fase contínua perde a sua razão de ser quando ao reduzirmos o nosso campo de observação, através da ampliação do objeto de estudo, nos deparamos com um imenso vazio de matéria, o único elemento realmente contínuo para um estudo destas proporções. Conseqüentemente, uma solução verdadeira não é verdadeiramente uma dispersão. Trata-se, na realidade, de uma "mistura monofásica ou homogênea de espécies químicas dispersas em uma escala molecular"; não existe dispersante e sim apenas

Page 4: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

284

dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo o que se chama mistura micro-heterogênea. Está claro que a distinção entre solução verdadeira e dispersão coloidal não é nítida, havendo sistemas de partículas dispersas com dimensões limítrofes (da ordem de 10-7 cm) e, portanto, de difícil caracterização.

É costume chamar o constituinte presente em maior quantidade numa solução, de solvente; e aos demais, de solutos. Nestas condições, o solvente não deve ser encarado como um dispersante mas sim como o disperso predominante. Este critério é totalmente arbitrário pois não há nada, além da quantidade, que os distinga. Nem sempre seguiremos esta regra. 7.1.2. Concentração das Soluções

Um sistema homogêneo (solução) em equilíbrio fica bem definido após o conhecimento das nsq substâncias químicas que o constituem (análise química qualitativa), da pressão e temperatura (variáveis físicas quantitativas) e da quantidade de cada um de seus componentes (análise química quantitativa). Estas quantidades em geral são expressas em relação à quantidade de solução; outras vezes utiliza-se como referência a quantidade de um de seus constituintes que poderá então ser chamado solvente e em geral é o disperso predominante. Tais frações quantitativas são chamadas concentração.

Concentração é um termo genérico. Por si só não é uma entidade físico-química bem definida, faltando para tanto caracterizá-la dimensionalmente através da escolha das grandezas representativas das quantidades das substâncias químicas em questão. Por vezes é adimensional, representando, por exemplo, a relação entre a massa de soluto e a massa da solução; outras vezes é expressa em massa por volume; ou através de inúmeras outras maneiras. A escolha dimensional obedece a critérios baseados puramente na conveniência particular ao estudo que se pretenda efetuar. E esta conveniência particular em geral apóia-se no estabelecimento de equações simplificadas para expressar os princípios e leis do estudo em questão; ou então na maleabilidade operacional destas equações. Convém-nos adotar grandezas intimamente relacionadas ao número de moléculas das substâncias em estudo.

O número de moléculas de uma substância química presente num dado volume de solução, satisfaz parcialmente as necessidades de nosso estudo e poderia eventualmente ser utilizado como a concentração escolhida. Na prática sua utilidade é limitada por motivos de ordem operacional, a menos que se trabalhe com volumes de referência muito pequenos; a unidade de massa, em tal sistema, deveria ser da ordem da massa das moléculas constituintes, pois em unidades convencionais (grama por exemplo) trabalharíamos com números extremamente pequenos. Torna-se necessário então utilizarmos alguns artifícios para contornar o problema, criando-se um sistema de unidades a eliminar estes inconvenientes.

A massa molecular é expressa freqüentemente em "unidade atômica de massa" (u). A unidade atômica de massa é "a massa igual a um doze avos da massa do átomo do isótopo estável do carbono com maior abundância relativa (98,9%)". A relação entre a massa maC deste átomo em unidades atômicas de massa pela mesma massa em gramas, nos fornece o fator de conversão No de gramas para unidades atômicas de massa: maC(u) / maC(g) = 12u / maC(g) = 6.02 × 1023 u/g = No u/g (1)

Page 5: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

285

No é o chamado número de Avogadro. Chamaremos de mol a "um conjunto qualquer que contenha o número de Avogadro em unidades elementares". Exercício: 1) Com os dados acima apresentados, calcule a massa, em gramas, de um mol de átomos de carbono. 2) Calcule a massa, em gramas, de um mol de moléculas cuja massa molecular seja igual a 32u.

Estamos vivenciando uma situação a clamar pela caracterização de uma

"família de grandezas", a significar um "número de conjuntos de unidades elementares". Estas grandezas serão utilizadas com grande freqüência na definição de estado de sistemas, ao lado de outras propriedades fundamentais como comprimento, massa, tempo e temperatura. Elas devem ter um valor numérico (quanto? = número puro), uma dimensão (o quê? = conjunto de moléculas, ou de átomos, ou de outras unidades elementares) e uma unidade "elementar" (a caracterizar quantos elementos compõem cada conjunto considerado unitário). Exemplos: a) 1 mol de fótons, também chamado 1 einstein, tem valor numérico igual a "1", dimensão a relacionar-se a "conjunto de fótons" e unidade igual a "mol". Portanto, um mol de fótons é igual a 1 conjunto de No fótons. b) 1 milimol de moléculas = 1 conjunto de No/1000 moléculas. c) 5 átomos = 5 conjuntos de 1 átomo.

Em nosso estudo, a grandeza que utilizaremos com maior freqüência tem como unidade elementar a molécula e o conjunto mais utilizado é o mol. É costume chamá-la "número de moles", devendo-se lembrar no entanto que o mol é apenas uma de suas unidades e subentendendo-se que as partículas elementares são moléculas. Utilizaremos os seguintes símbolos:

n para a grandeza;

N para a dimensão; e

mol (ou submúltiplos) para a unidade. Um mol de determinada substância química contém, por definição, No

moléculas da mesma. A massa de um mol de uma substância química em gramas é chamada "molécula-grama" (M) e seu valor é obtido pelo produto de No pela massa da molécula (mm) em gramas: M = Nomm(g) (2) E a massa de n moles de uma substância química é, em gramas: m = nM (3) O valor de M depende apenas da massa da molécula da substância química considerada (mm), visto No ser constante. Atribuindo-se o valor 12u para maC(u), dado em (1), e substituindo-se No em (2) pelo seu valor em (1)

u

g

gm

u12N

aC

o

temos:

g12m

mg

m

m12M

aC

m

aC

m (4)

mostrando que M representa o número de vezes que a molécula de uma substância química qualquer pesa mais do que um doze avos do peso do átomo de 12C (a relação

Page 6: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

286

entre massas é numericamente igual à relação entre pesos). O valor numérico de M é freqüentemente chamado peso molecular (PM), podendo-se dizer que a molécula-grama é o peso molecular expresso em gramas.

Para a concentração das soluções utilizaremos com maior freqüência a concentração molar e a fração molar. A concentração molar (C) de uma substância em solução é uma relação entre o número de moles da substância (n) e o volume da solução (V):

V

nC (5)

Sua dimensão é NL-3. A unidade mais utilizada é o mol por litro, também conhecida por molaridade M da solução; solução 1 molar (1M) é a que contém 1mol por litro (1 mol/l). Outras unidades úteis: 1 mol/L = 103 mmol/L = 0.1 mol/100mL = 6.02×1023 moléculas/L (6)

A fração molar x de uma substância em solução é a relação entre o número de moles da mesma (n) e o número total de moles da solução (nt):

tn

nx (7)

É uma grandeza adimensional e portanto sem unidades ou com unidades heterogêneas (por exemplo, moléculas / mol). Freqüentemente é expressa em porcentagem. Exemplo: fração molar = 0.5 ou 50%. A conversão de x em c pode ser obtida igualando-se n de (5) e (7):

V

xnCouxnCV t

t (8)

7.1.3. Definição de Estado de um Sistema

Um sistema físico-químico é a parte do universo cujas propriedades físico-químicas estão sob investigação. Um sistema tem um estado definido quando cada uma das suas propriedades têm um valor definido. A solução constituída pelas substâncias A e B dispersas em um solvente S (figura 2) estará definida com o conhecimento do número de moles de A, B e S, da pressão e da temperatura. As demais propriedades e variáveis de estado têm um valor definido, podendo ser obtidas (vide tabela 1 abaixo) através de equações matemáticas de definição das variáveis e/ou de relações empíricas bem conhecidas entre as propriedades de estado (estudos anteriores) e/ou de tabelas especializadas fornecendo estas relações.

Figura 7.2 Representação pictória de um sistema homogêneo constituído pelas substâncias A e B dispersas num solvente S.

Page 7: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

287

Dados: 1- Constituintes do sistema (figura 1): A, B e S 2- Numero de moles de A, B e S: nA, nB, nS 3- Pressão e temperatura Calcular: CA, CB, CS e V (C = concentração molar). V = VA + VB + VS (*) Conhecendo-se os constituintes do sistema (1), pode-se obter através de tabelas especializadas suas respectivas densidades (d) para a pressão e temperatura desejadas (3). E como d = m/V: Tabela 7.1 Cálculo das demais variáveis de um sistema conhecendo-se o número de moles das substâncias constituintes do mesmo.

Volumes Concentrações

A

AA

d

mV

A

AAA

d

MnV

V

nC A

A .

B

BB

d

mV

B

BBB

d

MnV

V

nC B

B .

S

SS

d

mV

S

SSS

d

MnV

V

nC S

S .

(*) VA e VB geralmente são desprezíveis

Ao invés do número de moles, o sistema da figura 2 poderia ser definido

através das concentrações molares; neste caso, conhecendo-se a concentração molar de nSQ-1 substâncias, a concentração molar da substância restante será igual ao número de moles da mesma necessário para completar a unidade de volume da solução. A descrição completa do sistema requer, no entanto, a especificação do volume total do mesmo, assim como a natureza química da substância restante (tabela 7.2 - abaixo). Em cada caso, o número de variáveis químicas independentes é igual ao número de substâncias químicas nSQ. Dados: 1- Constituintes do sistema (figura 1): A, B e S 2- Concentrações molares: CA e CB

3- Volume do sistema: V 4- Pressão e temperatura Calcular: nA, nB, nS e CS Tabela 7.2 Cálculo das demais variáveis de um sistema conhecendo as concentrações molares de nSQ-1 constituintes e o volume total.

nA = cAV A

AAA

d

MnV

VS = V (VA + VB)

Page 8: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

288

nB = cBV B

BBB

d

MnV

S

SSS

M

Vdn

V

nC S

S .

VA e VB geralmente são desprezíveis.

É possível, em certos casos, descrever completamente a composição de uma solução através dos caracteres (natureza e concentração, por exemplo) de apenas algumas das substâncias químicas que a constituem. O número de variáveis químicas independentes é então menor do que nSQ e esta discordância deve-se a restrições impostas por fenômenos naturais regidos por leis físico-químicas ou por situações particulares, em que impõe-se a obediência a certos princípios. Torna-se necessário introduzir o conceito de "componentes independentes" ou simplesmente "componentes" de um sistema.

Componentes independentes ou simplesmente componentes de um sistema são os compostos químicos cujos caracteres devem ser especificados a fim de descrever qualitativa e quantitativamente a composição de um sistema homogêneo.

Para o sistema da figura 7.2 o número de componentes é igual ao número de substâncias químicas (nC = nSQ). No estudo dos equilíbrios químicos verificaremos

condições em que nC nSQ. 7.1.4. Intervalo Matemático. Funções

"Domínio" de uma variável é o conjunto de valores que ela pode tomar. Exemplo: o domínio de m (m = massa de um sistema) pode ser pensado como igual ao conjunto do produto dos números naturais pela unidade elementar de massa. Diz-se que uma variável y é função de x se a cada valor do domínio de x corresponder pelo menos um valor do domínio de y. Neste caso, e para explicitar a dependência, escrevemos y = ƒ(x), ou y = g(x), ou y = F(x), ou y = G(x)... simbolizando a função. Exemplos: 1. A massa de uma substância química A é função do número de moléculas (ou

conjuntos de moléculas da mesma). Logo, mA = ƒ(nA). Uma função pode ser expressa analiticamente, graficamente, ou através de tabelas e nomogramas. A relação entre massa e número de moles para uma dada substância química (mA = MAnA) é uma expressão analítica. A cada valor de nA corresponde um único valor de mA e, portanto, a função é unívoca.

2. O peso molecular (PM) de uma substância química qualquer é função da massa molecular (mm), ou seja, PM = f(mm). Podemos escrever esta função sob a forma PM = kmm, em que k é uma constante igual a 12/maC (vide eq. 1-4 e definição de PM).

3. A massa molecular (mm) de uma substância química natural é função de sua fórmula química (FQ) ou mm = g(FQ). O domínio de FQ está limitado pelo universo químico e o valor de mm, ou seja, g(FQ), poderia ser obtido, por exemplo, através de uma tabela especializada que fizesse a correspondência biunívoca entre mm e FQ.

4. Se PM = ƒ(mm) e mm = g(FQ), segue-se que PM = ƒ[g(FQ)] ou PM = F(FQ). O peso molecular de uma substância química natural é função de sua fórmula química.

5. A massa m de uma substância química qualquer é função do número de moles e também da molécula-grama (ou peso molecular): m = ƒ(n, M). A equação (1-3) nos

Page 9: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

289

fornece a função m = nM. A cada par (n, M) corresponde um único valor de m e portanto a função é unívoca. O exemplo 1 é um caso particular em que fixamos M através da escolha da substância química A. A massa mA é função de uma variável, enquanto m é função de duas variáveis.

7.2. Soluções Gasosas

As soluções gasosas são aquelas em que o disperso em maior quantidade é um gás. Estudaremos neste tópico apenas as soluções gasosas em que todos os seus constituintes são gases; e chamaremos estas soluções de misturas de gases visto que quase sempre tais misturas constituem sistemas homogêneos ou monofásicos. Como exceção a esta regra temos misturas de gases situadas num campo de força gravitacional, particularmente quando a altura é grande o bastante para que não se possa desprezar este efeito; assim, a fração molar dos gases da atmosfera é função da altitude e, portanto, a atmosfera não constitui uma solução.

As propriedades de estado mais utilizadas para descrever as misturas de gases são em número de nC + 4 e estão representadas na tabela 7.3; nC é o número de componentes independentes e neste capítulo será sempre igual ao número de substâncias químicas nSQ. Tabela 7.3. Propriedades de Estado (P.E.) utilizadas no estudo dos gases.

P.E.

Quantitativas ou mensuráveis n.° = 4

Extensivas: massa e volume

Intensivas: pressão e temperatura

Qualitativas ou não mensuráveis n.° = nC

Componentes do sistema

As equações empíricas que correlacionam as propriedades de estado constituem as expressões matemáticas das leis gerais dos gases ou equações de estado do sistema considerado. Iniciaremos o estudo para situações em que o número de componentes é igual a um, generalizando-o a seguir para as misturas de gases propriamente ditas. 7.3. Soluções Líquidas

Soluções líquidas são aquelas em que o disperso presente em maior quantidade é um líquido. Os outros dispersos podem ser sólidos, gases, vapores ou mesmo outros líquidos. As quantidades relativas dos dispersos podem, em teoria, assumir proporções as mais diversas. Na prática isto nem sempre é possível, pois dependendo das substâncias consideradas, a miscibilidade em certas condições não é total. Conseqüentemente, uma ou mais substâncias em maior ou menor grau se separa da solução, constituindo outras fases. Consideraremos inicialmente apenas soluções binárias, constituídas por duas substâncias totalmente miscíveis (miscíveis em todas as proporções) e das quais uma seja líquida. A partir desse estudo, e sempre que possível, estenderemos as considerações para soluções mais complexas.

Page 10: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

290

7.3.1. Liquefação e Vaporização

Antes de entrarmos propriamente no estudo das soluções líquidas, vejamos alguns conceitos fundamentais, de grande importância para o estabelecimento de relações úteis, e que situam-se exatamente na fronteira entre o estudo que ora iniciamos e o que terminamos de apresentar.

Numa transformação isotérmica tipo Boyle, verificamos nos itens precedentes que os gases reais comportam-se de forma diferente do gás ideal. Estudamos diferenças intrínsecas ao estado gasoso. Outras diferenças existem as quais estão relacionadas a transformações de estado. O gás ideal somente "existe" no estado gasoso. O gás real, pelas mesmas razões que o afastam do comportamento ideal, pode em determinadas condições transformar-se em líquido ou sólido.

Construindo-se gráficos representativos de transformações tipo Boyle (figura 19), chama a atenção que, para o gás real, existe uma temperatura Tc abaixo da qual a contração isotérmica, a partir de um volume V1, atinge um ponto Bi (i = 1, 2, 3, ...) onde uma nova contração volumétrica, até um ponto Di, não se acompanha de variação da pressão. A partir de Di a pressão se eleva abruptamente para a mínima diminuição de volume.

Figura 7.3. Isotermas do gás ideal (a) e do gás real (g).

Se efetuarmos a experiência descrita, verificaremos que em Bi inicia-se a liquefação e entre este ponto e Di temos uma mistura de duas fases, líquido e gás, de uma mesma substância química. A partir de Di o gás original estará completamente liquefeito (figura 7.4).

Figura 7.4. Liquefação a temperatura constante

Page 11: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

291

Figura 7.5. Diagrama de fases pressão-volume.

Acima de Tc, a substância química considerada somente existe na forma de gás. Abaixo de Tc podemos considerar três regiões (figura 7.5) conforme exista líquido, gás, ou uma mistura dos dois. Tc é a chamada temperatura crítica e seu valor depende da substância química considerada. É costume chamar vapor ao gás com temperatura abaixo da temperatura crítica.

A experiência inversa, iniciando-se num ponto Ei da figura 3 e promovendo-se a expansão isotérmica do líquido, nos leva ao conceito de vaporização. Se efetuarmos a medida da pressão do sistema através de um manômetro (figura 7.6), verificaremos que durante a vaporização ela não varia. Dependendo da temperatura considerada na qual a experiência é realizada (lembrar que T permanece constante) e também da natureza do líquido, a pressão na qual coexistem líquido e vapor assume valores os mais diversos, chegando mesmo em alguns casos, a atingir níveis próximos a zero. Esta pressão, dependente apenas da temperatura e da substância química, quando no estado puro, e é chamada pressão de vapor do líquido considerado.

A importância da pressão de vapor ficará cada vez mais patente à medida em que formos evoluindo no estudo das soluções líquidas.

Figura 7.6 Vaporização a temperatura constante 7.3.2. Líquidos Voláteis

Na realidade todos os líquidos são voláteis. No entanto, para líquidos que apresentam pressão de vapor muito baixa, a vaporização chega a ser praticamente nula em expansões volumétricas rotineiras, como aquela apresentada na figura 22. Nestes casos a fase gasosa não difere muito do vácuo ideal, o que está de acordo com o fato de a pressão ser próxima a zero.

O conceito de líquido volátil, como é utilizado na prática, é um conceito

Page 12: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

292

comparativo, ou seja, um líquido é volátil, em relação a outro, quando o grau de vaporização do segundo for desprezível em relação ao do primeiro, para condições experimentais semelhantes.

Para estudos nos quais as propriedades físicas intensivas não se distanciam muito das condições ambientais, podemos dizer que líquido volátil é aquele que tem pressão de vapor não desprezível em relação à pressão atmosférica, à temperatura ambiente.

O mercúrio é um líquido praticamente não volátil e este fato tem sido aproveitado para a medida da pressão de vapor de líquidos voláteis. O vácuo formado por uma coluna de mercúrio superior a 76 cm de altura, vaporiza um líquido volátil adicionado da forma mostrada na figura 7.7, até que a pressão da câmara acima do mercúrio atinja o valor da pressão de vapor do líquido considerado.

Figura 7.7 Determinação da pressão de vapor

A partir deste momento inicia-se a formação de uma camada líquida. Neste momento podemos efetuar a leitura da altura da coluna de mercúrio (h) e calcular a pressão de vapor através da fórmula

P = ho h cm Hg em que ho representa a altura inicial da coluna de mercúrio, ou a pressão atmosférica local em cm de Hg. 7.3.3. Significado Físico da Pressão de Vapor

Se um gás real qualquer estiver em condições de pressão muito reduzida, próxima a zero, seu comportamento será praticamente igual ao do gás ideal na mesma pressão e temperatura. O volume ocupado pelas moléculas é praticamente nulo em relação ao volume ocupado por todo o gás; e a distância entre as moléculas é tão grande que podemos seguramente dizer que as forças de atração intermoleculares (forças de van der Waals) não afetam o comportamento do gás. As moléculas se movem com liberdade total e com uma energia cinética média intimamente relacionada à temperatura do gás.

À medida que reduzimos o volume do gás, mantendo a temperatura constante, as moléculas vão se tornando cada vez mais próximas. Macroscopicamente isto se reflete num aumento da pressão. Nestas condições, as forças de van der Waals vão se tornando cada vez mais intensas e as moléculas vão perdendo sua individualidade e

Page 13: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

293

apresentando um movimento que, embora ainda desordenado, obedece as condições impostas pelas leis das probabilidades; e para uma molécula qualquer, o mais provável é, qualquer que seja a sua trajetória, defrontar-se e interagir com outras moléculas. Modifica-se assim a sua trajetória original e a molécula parte para novos confrontos, cada vez mais freqüentes à medida em que o volume total do gás diminui.

A um certo momento, a energia cinética molecular, responsável pelo movimento desordenado das moléculas, torna-se insuficiente para que estas escapem à ação de suas vizinhas; as forças de van der Waals atingem um valor elevado o bastante para que a tendência à fuga iguale a tendência à aproximação. Alguns grupos de moléculas se condensam, passando a constituir a fase líquida. A contração de volume torna-se agora isobárica, pois os grupos de moléculas que se condensam vão compensando a diminuição total de volume. Enquanto houver vapor em condições de se condensar, o número de moléculas por unidade de volume em cada uma das fases não se altera e, conseqüentemente, a pressão permanece constante. Deixando de existir o vapor, a pressão volta a ser novamente função do volume. Justifica-se então o termo pressão de vapor.

Figura 7.8. influência da temperatura sobre a pressão.

A pressão de vapor de um sistema constituído por uma substância pura representa, para a fase gasosa, uma medida da tendência à aproximação (energia de interação) a qual, nestas condições, iguala a tendência à fuga (energia cinética). Compreende-se então a sua dependência à temperatura mostrada na figura 7.8. Quanto maior for a temperatura, maior será a tendência à fuga e mais próximas deverão estar as moléculas para que o equilíbrio se processe. Conseqüentemente, maior será a pressão de vapor.

Para sistemas situados acima da temperatura crítica, a condensação (redução brusca de volume) não ocorre. A energia cinética molecular nestas condições é de tal ordem que o equilíbrio fuga-aproximação se estabelece quando o sistema já se encontra condensado. O limite entre gás e líquido não é nítido e a pressão em que tal fenômeno se processa não é macroscopicamente detectável. Embora o significado físico do processo permaneça, sua importância cai a um nível secundário. Um sistema próximo destas condições é chamado fluido.

Na fase líquida as moléculas também estão sujeitas a "tendências conflitantes": a tendência ao escape e retorno à fase gasosa; e a tendência à permanência em grupo, provocada pelas forças de coesão de van der Waals. Durante a vaporização a pressão de vapor representa a pressão na qual as moléculas iniciam o escape de sua estrutura condensada para constituir a fase gasosa. A pressão de vapor é, portanto, considerada,

Page 14: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

294

no estudo dos líquidos, como uma medida da tendência que uma determinada espécie química tem de escapar para a fase de vapor.

O equilíbrio estabelecido entre a fase de vapor e a fase líquida é a condição em que o número de moléculas que escapam para a fase de vapor é igual ao número de moléculas que se condensam no intervalo de tempo considerado. 7.3.4. Solução de Gás em Líquido

Figura 7.9 Para explicação vide texto.

Consideremos um sistema de volume constante ao qual, após ter sido criado

vácuo, adicionou-se um líquido volátil 1 em quantidade 1 suficiente para que se constituíssem duas fases: líquido e vapor (figura 7.9). Nestas condições, a pressão será a pressão de vapor da substância pura 1 na temperatura da experiência. Mantendo-se a temperatura constante, adicionemos progressivamente 2i moles de um gás 2 ao sistema e estudemo-lo em i condições (i = 1, 2, 3, ...).

À medida em que o número de moléculas do gás 2 aumenta, sua pressão parcial, medida por um manômetro seletivo Ms, também aumentará. Nestas condições, cada vez maior será a probabilidade de uma molécula de 2 se chocar com a fase líquida e/ou penetrar na mesma. Portanto, uma fração do gás 2 diluir-se-á no líquido 1.

O fenômeno inverso também começa a se processar: o escape das moléculas de gás 2 da fase líquida. Numa situação i de equilíbrio, o número de moléculas de 2 que se diluem no líquido 1 na unidade de tempo é igual ao número de moléculas de 2 que escapam da fase líquida. E a concentração do gás no líquido dependerá apenas da pressão parcial do mesmo, para uma temperatura constante. Para as moléculas que se diluem, o significado físico do processo é bastante semelhante ao da condensação, pois embora não exista o agrupamento espontâneo, assim que elas penetram no sistema condensado (fase líquida), ficam sujeitas a forças de coesão bastante intensas. E a tendência ao escape iguala a tendência à permanência na fase líquida. A pressão parcial do gás 2 representa uma medida da tendência ao escape das moléculas de 2 da fase líquida para a fase gasosa. Para gases com a temperatura abaixo da temperatura crítica, esta nada mais é senão a pressão de vapor da substância considerada na fase líquida. Quando T > Tc, esta pressão é chamada simplesmente pressão parcial do gás na fase líquida.

Page 15: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

295

Figura 7.10 Pressão parcial de um gás dissolvido em função da fração molar.

[É importante que se perceba que estamos aqui expandindo o conceito até agora apresentado como pressão de vapor. Como veremos abaixo, a pressão de vapor na fase líquida, enquanto mistura, não é a mesma pressão de vapor da substância pura, se bem que possamos pensar nesta última como um limite da primeira, para a mistura "tendendo" à substância pura.] Se a fração molar do gás 2 na solução líquida for dosada para cada uma das i situações, teremos determinado experimentalmente a dependência de x2 sobre p2. Com esses dados podemos construir o gráfico da função p2 = f(x2) ou de sua inversa, e o primeiro é mostrado na figura 7.10. À medida em que p2 aumenta, mais moléculas se dissolvem na fase líquida. A um certo momento, o número de moléculas de 1 vai se tornando desprezível em relação ao número de moléculas de 2. Nestas condições a fração molar do gás 2 torna-se praticamente igual a 1.0 (ou 100%). Se o gás 2 for um vapor teremos, neste caso, um sistema de duas fases constituídas praticamente por uma única substância pura. A pressão do sistema será então a pressão de vapor p2° da substância pura. A partir deste momento, a pressão do sistema não mais se altera até que o mesmo se transforme totalmente em fase líquida. Se T for maior do que Tc, o momento em que n1 torna-se desprezível coincidirá com a unificação das fases. 7.4 Intervalo Matemático. Diferenciais

Figura 7.11 Diferenciais.

A curva que exprime a função P = f(x) no intervalo entre x=0 e x=1, admite para

um ponto C qualquer uma única reta tangente à mesma (figura 7.11). Através de C

Page 16: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

296

podemos traçar uma paralela ao eixo de x, a qual forma com a tangente um ângulo . Estas duas retas determinam infinitos segmentos de reta dpi perpendiculares ao eixo de x. Cada um dos dpi é chamado diferencial de p no ponto C. Para cada dpi exixte um dxi, chamado diferencial de x em C (vide figura 7.11), de tal forma que:

tgdx

dP

i

i (9)

A relação dP/dx é chamada coeficiente angular ou inclinação da reta tangente à função P = f(x) no ponto C.

A escolha de uma das diferenciais (dP ou dx) pode ser arbitrária; a outra, no entanto, assume um valor dependente dessa escolha. O estudo das diferenciais somente faz sentido quando elas são definidas duas a duas, respeitando a equação (9). Ao admitirmos o valor de uma delas, estaremos implicitamente admitindo o valor da outra.

Figura 7.12. Para explicação, vide texto.

Se em algum trecho a função P = f(x) for contínua e linear, a relação entre as diferenciais será constante para qualquer de seus pontos e igual à inclinação da reta que contém o segmento considerado (figura 7.12).

O encontro desta linearidade pode ser ocasional, freqüente ou, mesmo, sempre presente, à medida em que fixamos algumas condições experimentais; e dependendo da relevância do achado, pode se constituir em uma lei natural. Para exprimirmos esta lei em equação matemática, podemos analisar o significado físico das constantes a e b da equação da reta (no caso, P = ax + b); ou então escolher diferenciais convenientes que possam estar relacionadas às propriedades que obedecem à lei considerada.

Podemos então admitir, para um ponto Co, as diferenciais dP = P = P Po e dx = x = x - xo, em que Po e xo são os valores das propriedades em Co e P e x num outro ponto C qualquer do segmento em estudo. A lei pode ser então expressa da seguinte forma:

dx

dP

x

P

xx

PP

0

0 ou xdx

dPP (10)

em que dP/dx é uma constante, em geral dependente das condições experimentais (por exemplo, das substâncias 1 e 2 consideradas no item anterior) e é igual ao coeficiente angular do segmento estudado.

Page 17: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

297

7.5. Lei de Henry

Figura 7.13 Lei de Henry

A experiência do item 7.3.4, se efetuada para gases diversos, revelará um fato de extrema importância para o estudo da biofísica e bioquímica: Qualquer que seja o gás ou vapor estudado, nas vizinhanças de Pg = 0 (ou xg = 0) a função Pg = f(xg) é praticamente linear, o que está representado na figura 7.13 para três hipotéticos gases. pg é a pressão parcial do gás considerado e xg é a sua fração molar na fase líquida.

Essa vizinhança corresponde a soluções diluídas do gás considerado. O coeficiente angular varia de um gás para outro e também com a natureza do solvente considerado. Como o segmento de reta encontrado experimentalmente nestes casos passa pela origem, podemos escolher este ponto como o Co visto no item anterior (figura 7.12) e dar o tratamento matemático aí apresentado (equação 10):

0gg0gg xxdxg

dPgPP

Como Pgo = 0 e xgo = 0, substituindo-se estes valores e atribuindo-se à constante dpg/dxg o valor Kg, a equação se simplifica em: pg = Kgxg (11) a qual é a expressão matemática da lei de Henry (1803), válida para soluções diluídas, cujo enunciado diz: "A solubilidade de um gás em um líquido é diretamente proporcional a sua pressão parcial."

A lei de Henry é válida também para soluções com vários gases como solutos, deste que todos estejam em concentrações diluídas. Kg depende da natureza do gás e do solvente, bem como da temperatura.

A lei de Henry é também uma lei aproximada e com campo de aplicação restrito. Seu significado real é melhor expresso pela equação:

g

g

g

0PK

x

P

g

im (12)

A pressão parcial abaixo da qual podemos considerar, na prática, o limite

satisfeito (p 0) e denominar a solução como diluída, utilizando então a expressão (11), depende das finalidades do estudo e do limite de confiabilidade das dosagens de

Page 18: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

298

Pg e xg. O rigor matemático deve ser reservado para a conceituação de leis e propriedades. O bom senso e a teoria dos erros nos indicam quando ele pode ser deixado de lado. O inverso de Kg é chamado fator ou coeficiente de solubilidade de gases em líquidos e representa a fração molar do gás para a pressão unitária:

g

g

g PK

1x

Quando Pg = 1 g

N

g K/1x . Outros tipos de concentrações, além de xg, podem ser

utilizadas com finalidades semelhantes, fornecendo coeficientes de solubilidade dimensionalmente diferentes de 1/Kg. 7.6. Lei de Raoult

A lei de Henry aplica-se a soluções diluídas, sendo útil no estudo das substâncias presentes em baixa concentração, comumente chamadas solutos. Seu caráter é mais geral que o adotado, sendo válida para qualquer solução diluída, fazendo-se a ressalva que, por ser uma lei com campo de aplicação restrito, o termo diluído não pode ser bem definido e para soluções diferentes, pode assumir conotações diferentes.

Figura 7.14 Lei de Raoult

Uma solução é diluída quando todos os seus constituintes estão em concentração diluída, menos um, o solvente. Se efetuarmos o estudo da pressão de

vapor P1 de um líquido 1 volátil ao qual chamaremos solvente a partir de seu

estado puro, adicionando-se gradativamente 2i moles de uma substância qualquer 2, verificaremos que à medida em que a fração molar do solvente vai diminuindo, sua pressão de vapor decresce até tender a zero, quando x1 torna-se desprezível (figura 7.14). Um fato que é sempre observado é que na região em que a solução é considerada

diluída (x1 1, ou seja, próximo a Co na figura 7.14) a função P1 = ƒ(x1) é linear. Esta é exatamente a região em que a lei de Henry é válida para os solutos e seria interessante obtermos alguma relação para o solvente. Para esta região a equação (10) é válida na seguinte forma:

xdx

dPP

Page 19: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

299

Escolhendo-se para Co (conforme visto no item 7.4) o ponto em que x1 = 1 e, portanto, p1 = p°1, a relação entre p1 e x1 para qualquer outro ponto C pertencente ao trecho linear será dada por:

1xdx

dPPP 1

i1

i1011 (13)

Outro dado de observação experimental é que a reta que contém o segmento linear da função (ou mais rigorosamente, a tangente à função no ponto Co), passa pela origem do sistema. Conseqüentemente, se escolhermos dP1i = P°1, dx1i será igual a 1 (vide figura 30). Substituindo-se estes valores na equação (13) temos:

P1 P°1 = P°1 (x1 1) (14) e simplificando a equação: P1 = P°1 x1 (15) e esta é a expressão da lei de Raoult (1886) que diz: ."A pressão de vapor do solvente de uma solução diluída é igual à pressão de vapor do solvente puro, multiplicada pela fração molar do solvente na solução"

Se quisermos relacionar o abaixamento da pressão de vapor com a fração molar

do soluto, podemos utilizar a expressão (14), lembrando que (1 - x1) = x2. Portanto: p°1 - p1 = p°1 x2 e havendo mais de um soluto:

n

2ii

011

01 xPPP p°1

7.7. Solução Ideal

Vimos em 7.6 que o gás ideal é aquele que obedece as leis gerais dos gases, o que implica na ausência de forças de atração intermoleculares. Para um líquido esta obediência não faz sentido. Um líquido deixa de ser líquido à medida em que teorizamos tal situação, passando a se constituir num gás ideal condensado; e os dados obtidos em nada contribuiriam para o estudo de soluções reais. As soluções líquidas distanciam-se bastante deste tipo de idealidade; e as forças de coesão, além de estarem sempre presentes, representam uma característica importante das mesmas.

É possível estabelecer um critério de idealidade para soluções baseado justamente no caráter das forças de van der Waals. Num líquido puro, a igualdade entre as moléculas permite-nos admitir uma uniformidade entre as forças de coesão. Diluindo-se uma substância qualquer neste líquido, passamos a encontrar três tipos diferentes de interações moleculares:

soluto-soluto soluto-solvente solvente-solvente

Se as forças intermoleculares forem iguais, independentemente das substâncias

químicas que interagem, chamaremos a solução de ideal. Vimos em 7.3.2 que para um líquido puro em contato com seu vapor, a

tendência ao escape, medida pela pressão de vapor, iguala a tendência à permanência

Page 20: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

300

em grupo, provocada pelas forças de van der Waals. Numa solução real (vide 7.3.4) a tendência ao escape da fase líquida de um de seus componentes diminui à medida que diminui o número de suas moléculas (figuras 7.10 e 7.14); esta dependência, no entanto, é complexa, traduzindo-se em funções P = f(x) de difícil equacionamento,

exceto para os limites x 0 e x 1, em que tornam-se válidas, respectivamente, as leis de Henry e de Raoult (figura 7.15a).

Figura 31. P = f(x). (a) Solução real. (b) Solução ideal.

Numa solução ideal a homogeneidade entre as moléculas faz com que o escape de uma delas para a fase gasosa seja independente da natureza das espécies químicas situadas em sua vizinhança. Aumentando-se ou diminuindo-se a concentração de uma determinada substância, a incidência de escape estará relacionada apenas a esta alteração no número de moléculas. E a tendência ao escape através de uma superfície fronteira líquido-gás, para uma dada espécie química, será diretamente proporcional à porcentagem de moléculas, desta espécie química, presentes nas vizinhanças desta superfície e em condições potenciais de escapar para a fase gasosa. Logo, a pressão de vapor será proporcional à fração molar, ou P = kx. Quando x for igual a 1 teremos o líquido puro e, portanto, p será igual à pressão de vapor p° e igual a k. Logo, k = p° (pois k é constante) e podemos escrever: P = P°x (16) a qual nada mais é senão a lei de Raoult, válida agora para qualquer valor de x (figura 7.15b). Como utilizamos o raciocínio para uma substância qualquer, a conclusão estende-se a todos os componentes da solução ideal. É costume definir a solução ideal como aquela que obedece a lei de Raoult para quaisquer concentrações de seus componentes.

Comparando-se os gráficos a e b da figura 7.15, nota-se que para a solução ideal as leis de Henry e de Raoult tornam-se coincidentes e, portanto, Kg (equação 11) iguala-se a p° (equação 15 ou 16).

Page 21: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

301

7.8. Equilíbrio líquido-vapor 7.8.1. Estudo do equilíbrio líquido-vapor 7.8.1.1. Terminologia e representação

Antes de iniciar o estudo específico da termodinâmica do equilíbrio líquido-

vapor, especifiquemos a terminologia envolvida em sua descrição e sua representação gráfica.

Consideremos inicialmente um sistema formado por dois componentes que coexistam em fases líquida e vapor. Esse sistema tem dois graus de liberdade, ou seja, são necessárias duas variáveis para determinar completamente seu estado.

É muito difícil representar graficamente uma propriedade como função de outras duas (por exemplo, pressão de equilíbrio em função de temperatura e composição do líquido); mais difícil ainda seria representar simultaneamente duas propriedades (pressão e composição do vapor) em função de outras duas. Por isso, dados de equilíbrio líquido-vapor são usualmente apresentados em condições de pressão constante ou de temperatura constante; além de uma razão gráfica, há também uma razão prática: dados são obtidos em uma dessas condições. É costume apresentar as curvas de temperatura ou pressão de equilíbrio como função da composição, e não o contrário: dessa maneira, podem-se representar simultaneamente os dados de composição de líquido e de vapor.

Na Figura a seguir encontram-se as curvas de equilíbrio líquido-vapor para o sistema n-hexano / n-nonano a 298,15 K. Esse diagrama de fases possui três regiõesdistintas: a região líquida (superior), vapor (inferior) e de equilíbrio (intermediária). Um sistema que se encontre na região de equilíbrio se separará em fases cujas composições são dadas por pontos sobre as curvas de equilíbrio.

A fronteira da região líquida é chamada de curva de bolha, porque um líquido levado a uma condição sobre ela começará a evaporar – formando bolhas, portanto. A fronteira da região de vapor, por motivo análogo, é chamada de curva de orvalho.

Figura 7.32 Diagrama de fases do sistema n-hexano (1) – n-nonano a 298,15K.

________________________________________

1 Os dados experimentais e as curvas de bolha e orvalho foram obtidos da coleção de dados do DECHEMA, exceto para o sistema n-hexano e n-nonano, cujo diagrama foi calculado com auxílio da lei de Raoult.

Page 22: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

302

As seguintes informações podem ser obtidas do gráfico:

Pressão de saturação dos componentes puros. A pressão de saturação do n-hexano puro corresponde ao valor da pressão de equilíbrio para x1=1.0; do n-nonano, a x1=0,0.

Composição e pressão de fases em equilíbrio. Para uma determinada composição de líquido, é possível encontrar a composição do vapor que estará em equilíbrio com ele e a pressão em que isso acontece. Basta localizar o ponto correspondente na curva de bolha; nesse caso, determina-se a pressão por inspeção direta. A composição do vapor é obtida considerando que o sistema deve estar à mesma pressão, mas sobre a curva de orvalho. Por exemplo, a figura seguinte mostra como se calcula a pressão de equilíbrio

para uma fase líquida tal que x1=0,6.

Figura 7.33 Leitura da pressão de saturação, dada a composição da fase líquida.

Esse procedimento fornece um valor de pressão de saturação de aproximadamente 0,13 atm. Feito analiticamente, esse cálculo é conhecido como cálculo da pressão de bolha.

A maneira de obter do gráfico a pressão de saturação para uma dada composição da fase vapor (pressão de orvalho) é análoga – apenas se deve lembrar que a leitura deve ser feita a partir da curva inferior. Para uma mistura de mesma composição, a pressão de saturação de uma fase vapor seria de aproximadamente 0,045 atm.

Finalmente, pode-se obter também a composição em equilíbrio a partir do mesmo gráfico. Isso pode ser feito lembrando que, na situação de equilíbrio, as duas fases estarão à mesma pressão. Assim, a composição do vapor em equilíbrio com uma fase em que x1=0,6 será de y1=0,94 (Figura 7.34).

Nota-se que a fase vapor é mais rica no componente mais volátil. Essa será a regra geral – exceções ocorrerão na formação de azeótropos.

Page 23: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

303

Figura 7.34 Leitura da composição da fase vapor, dada a composição da fase líquida.

Quando uma mistura atinge a região intermediária, de equilíbrio líquido-vapor, ela se separará em duas fases, cuja composição estará sempre sobre as curvas de bolha e de orvalho. Por exemplo, uma mistura líquida cuja composição seja de x1=0,6 e que atinja a pressão de 0,07 atm a 298,15 K se separará em duas fases, uma fase vapor cuja composição será de y1=0,8, e uma fase líquida cuja composição será de x1=0,28. Esse é um exemplo de uma separação flash.

Figura 7.35 Cálculo de composições em equilíbrio.

A linha que une as duas composições em equilíbrio é denominada de linha de amarração (do inglês tie-line). Em diagramas como os anteriormente apresentados, a linha de amarração corresponde à condição de mesma pressão.

Uma observação importante é que qualquer que seja a composição da fase inicial, desde que esteja em uma linha de amarração que una a composição da fase líquida e da fase vapor àquela pressão, a composição das fases resultantes será a mesma.

O que ocorre, em cada caso, é que a quantidade de cada fase em equilíbrio é diferente conforme a composição inicial – as quantidades relativas de cada fase podem ser obtidas pela aplicação de uma regra da alavanca.

Page 24: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

304

Da mesma forma que dados podem ser obtidos mantendo a temperatura constante, também podem ser obtidos (e apresentados) mantendo a pressão constante.

Nesse caso, a curva tem a forma “inversa” à de pressão constante. Na Figura a seguir, apresentam-se os dados de temperatura de saturação para o mesmo sistema a 1,0 atm.

Figura 7.36 Diagrama de fases do sistema n-hexano (1) – n-nonano a 1,0 atm.

Diagramas desse tipo são comuns na análise de colunas de destilação. Cálculos de temperatura de orvalho e temperatura de bolha podem ser feitos de maneira similar, apenas atentando a quais variáveis são conhecidas e quais variáveis devem ser determinadas. Note-se que a região de altas temperaturas, correspondente à parte superior do gráfico, refere-se à fase vapor.

7.8.1.2. Particularidades – comportamento ideal

Em sistemas a baixas pressões duas simplificações são bastante importantes:

A fase vapor pode ser considerada ideal. Excetuando-se alguns poucos componentes que se associam fortemente em fase vapor (como o ácido acético e o ácido fluorídrico), em geral pode-se considerar que a fase vapor é uma mistura de gases ideais para pressões inferiores 5,0 atm.

As propriedades da fase líquida dependem muito pouco da pressão. Também nessa situação pode-se considerar que a fase líquida é praticamente independente da pressão. Uma dependência considerável ocorre somente em sistemas a altas pressões ou próximos de condições críticas. Esses dois fatos permitem que se estabeleçam algumas relações úteis, válidas

para misturas ideais em fase líquida. Por exemplo, sabe-se que em uma mistura ideal, valerá:

PT,fxP,T,f L

i

L

i ixˆ (17)

ou seja, existe uma proporcionalidade entre a fugacidade do componente e a fração desse mesmo componente na mistura. Em uma situação de equilíbrio vale também a igualdade da fugacidade:

yP,T,fxP,T,f V

i

L

iˆˆ (18)

Page 25: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

305

Como a fase vapor é formada por um gás ideal:

PyyP,T,f iL

iˆ (19)

Resta descobrir o valor da fugacidade do composto puro, para estabelecer a relação entre as duas fases. Para isso, considera-se a situação de equilíbrio, em que a fugacidade da fase vapor será igual à pressão de saturação, ou seja:

TPPT,f sat

i

sat

i

L

i (20)

Considerando que a fugacidade da fase líquida não se altere com a pressão, têm-se:

TPxxP,T,f satii

Li

ˆ (21)

Igualando a fugacidade da fase líquida à da fase vapor, tem-se para a situação de equilíbrio:

PyTPx isat

ii (22)

Essa é a chamada lei de Raoult. Deve-se notar que ela não é uma lei, como as leis da Termodinâmica – é uma simplificação válida em alguns poucos casos especiais, baixas pressões e fase líquida ideal. Apesar de todas as considerações feitas, ela é muito útil no estudo do equilíbrio líquido-vapor de sistemas formados por hidrocarbonetos – veja-se, como exemplo, a comparação seguinte de dados experimentais e das curvas geradas pela lei de Raoult para o sistema n-hexano e n-heptano.

Figura 7.37 Comparação entre dados experimentais e lei de Raoult para a mistura n-hexano – n-heptano a 303,15 K. 7.8.1.3. Particularidades – formação de azeótropos O comportamento ideal não é regra, mas exceção. Muitos sistemas apresentam um grande desvio da idealidade, tanto no que diz respeito à fase líquida (devido a diferentes interações moleculares) quanto à fase vapor. Nesse caso, o diagrama de fases à temperatura constante tem forma distinta daquela fornecida pela lei de Raoult, que pôde ser vista nas Figuras anteriores. ______________________ 2 A existência de azeótropos liga-se à não-idealidade da fase líquida e à diferença entre as pressões (ou temperaturas) de saturação das substâncias puras. Eventualmente, um pequeno desvio da idealidade em conjunto com uma pequena diferença entre as condições de saturação também pode levar à formação de um azeótropo.

Page 26: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

306

Quando a curva de pressão de bolha encontra-se acima da reta que une os valores de pressão de saturação dos componentes puros (que é suposta pela lei de Raoult), têm-se os chamados desvios positivos da idealidade. Esses desvios usualmente se relacionam à ocorrência de interações mais fracas na mistura que aquelas que existem entre os componentes puros. Também pode ocorrer o contrário: pela formação de ligações mais fortes ocorrem os desvios negativos da idealidade.

Em casos extremos, pode haver a formação de azeótropos, estados em que coexistem fase líquida e vapor de mesma composição2. Um ponto de azeótropo corresponde também a um ponto máximo ou mínimo nas curvas de pressão e temperatura de saturação anteriormente apresentadas.

O caso mais comum são os chamados azeótropos de mínima temperatura. Nesse caso, a pressão de equilíbrio atinge valores superiores à pressão de saturação do líquido mais volátil. Esses sistemas são caracterizados por um ponto de máximo na curva de equilíbrio à temperatura constante, e um equivalente ponto de mínimo na curva de equilíbrio à pressão constante.

Nas Figuras 7.38 e 7.39 apresenta-se o diagrama de equilíbrio da mistura etanol – n-hexano, um exemplo típico desse tipo de sistema.

Figura 7.38 Dados de equilíbrio do sistema etanol (1) – n-hexano a 333,15K.

Figura 7.39 Dados de equilíbrio do sistema etanol (1) / n-hexano a 1,0 atm.

Page 27: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

307

Casos mais raros, mas nem por isso pouco importantes, são os chamados azeótropos de máxima temperatura. Nesse caso, os desvios negativos da idealidade levam a valores de pressão de equilíbrio inferiores à pressão de saturação do componente menos volátil. Esses sistemas são caracterizados por um ponto de mínimo na curva de equilíbrio à temperatura constante, e um equivalente ponto de máximo na curva de equilíbrio à pressão constante.

Figura 7.40 Dados do sistema água (1) – ácido fórmico a 313,15K.

Figura 7.41 Dados do sistema água (1) – ácido fórmico a 0,1 atm. 7.8.1.4. Particularidades – componentes supercríticos

Uma outra situação extrema ocorre na presença de componentes supercríticos – ou seja, em situações em que o composto puro não pode coexistir em fases líquida e vapor. Um exemplo desse tipo de sistema é apresentado na Figura 7.42.

Page 28: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

308

Figura 7.42 Dados do sistema metano (1) – n-butano a 294 K.

O fato de um composto não poder existir puro em equilíbrio não quer dizer que

ele não possa se distribuir entre uma fase líquida e uma fase vapor. O que ocorre é que a curva de equilíbrio não compreende toda a faixa de composições: para sistemas muito ricos no componente supercrítico, não há transição de fases por aumento de pressão.

Nota-se que são atingidas pressões de equilíbrio bastante altas, muito maiores que a pressão crítica do metano (45,4 atm). Pode-se perceber também que mesmo para concentrações baixas de metano na fase líquida, ele é o principal constituinte da fase vapor.

Em sistemas em que se atinjam pressões tão altas não se pode desprezar a não idealidade da fase vapor. Um comportamento interessante pode ser notado para concentrações de metano maiores que o ponto crítico: uma elevação de pressão leva a uma condensação, mas posteriormente à vaporização de todo o condensado. Esse comportamento é chamado de comportamento retrógrado. 7.8.1.5. Extensões

Uma das conseqüências da lei de Raoult é a sugestão de que deve ser possível calcular a fugacidade da fase líquida – e, portanto, resolver problemas de equilíbrio de fases – sem que seja necessário conhecer informações volumétricas precisas da fase líquida. A principal dificuldade das definições anteriores, todas baseadas na diferença entre uma propriedade e o valor da propriedade para um gás ideal (funções de afastamento) é que, embora as relações estabelecidas sejam exatas, para fases líquidas muitas vezes essa diferença é bastante grande. Assim, desvios pequenos no cálculo de uma propriedade na fase líquida podem “desaparecer” no cálculo de funções de afastamento, embora tenham significado e sejam eventualmente importantes. Pode-se notar, pela lei de Raoult, que é possível escrever as propriedades da fase líquida sem se preocupar com a fase vapor. Para uma fase líquida ideal isso já foi feito, para fases líquidas não-ideais isso pode ser feito.

Page 29: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

309

7.9. Efeito da temperatura

A variação do coeficiente de fugacidade com a temperatura é dada pela equação:

2

ii

xP,RT

P,T,VxP,T,H

T

fln GIi

ˆ (22)

A análise do efeito da temperatura não é tão direta quanto no caso da pressão. Escrevendo expressões para as fases vapor e líquida, tem-se:

2

L2

V2

xP,2,12

V2

RT

xP,T,HxP,T,H

Hx

fln

T

ˆ (23)

Nota-se que a variação da solubilidade depende da diferença de entalpia entre o composto puro no estado gasoso e o composto em mistura na fase líquida. Em geral, sem o conhecimento das características do sistema não é possível dizer de que maneira a solubilidade variará. Deve-se notar que “regras práticas” – como a de que a solubilidade de um gás diminui com o aumento da temperatura (normalmente a entalpia na fase vapor é maior que a entalpia parcial no líquido, o que leva a que o segundo membro da equação acima seja negativo) – não são indistintamente válidas, e um exame detalhado é necessário antes de se chegar a qualquer conclusão de maneira definitiva. 7.10. Propriedades Coligativas

É bastante óbvio, por tudo que foi visto até agora, que a presença de solutos altera as propriedades do solvente. Em alguns casos, essa alteração pode ser facilmente equacionada e permite que se obtenham informações sobre o sistema possíveis de serem usadas em outros cálculos: são as chamadas propriedades coligativas1, que têm não somente uma importância prática muito grande, mas também uma importância histórica considerável. 7.10.1. Abaixamento do ponto de fusão

Seja um determinado solvente (1) cuja temperatura de fusão é Tf1. Qual é o efeito na temperatura de fusão da adição de um soluto (2) a esse solvente? Para esse cálculo, consideramos a expressão da solubilidade ideal de um composto em solução:

fi

fi1fus

1T

1

T

1

R

THΔxln (24)

No caso específico, o interesse recai sobre o limite em que o solvente está bastante concentrado. Duas outras simplificações são comumente feitas, considerando-se que haja pouco soluto dissolvido. Pode-se aproximar o logaritmo por uma série de Taylor truncada no primeiro termo:

ln x1 x1 1 = x2 (25) __________________________ 1 Nome derivado do termo latino para “coleção,” pois no limite de diluição infinita essas propriedades dependem somente da quantidade de soluto adicionado, não de sua natureza.

Page 30: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

310

e pode-se aproximar a diferença dos inversos das temperaturas por:

2fi

fi

fi

fi

fi T

TT

TT

TT

T

1

T

1 (26)

Dessa maneira, pode-se escrever para a diferença de temperaturas de fusão do solvente puro e do solvente após a dissolução do soluto:

2

fi1fus

2fi

fifi2fi

fi1fus

2 xTHΔ

RTΔTTT

RT

THΔx- (27)

em que Tf1 = T Tf1. Portanto, é possível relacionar diretamente o abaixamento na temperatura de fusão à concentração do soluto. Note-se que esse abaixamento, dentro das hipóteses adotadas, não depende da natureza do soluto nem de suas interações com o solvente; vale lembrar, entretanto, que essa independência ocorre somente dentro de certos limites. 7.10.2. Elevação da temperatura de saturação por adição de um soluto não volátil

Consideremos agora o caso em que ao solvente (1) se adiciona um soluto (2) não-volátil, e se deseja saber qual a temperatura em que se estabelecerá o equilíbrio líquido-vapor, mantida constante a pressão.

Na situação de equilíbrio, lembrando que por hipótese o soluto adicionado não é volátil:

PT,fxP,T,f V

1

L

1 (28)

Lembrando da definição de atividade:

PT,fPT,fa V

1

L

11 (29)

Novamente, no cálculo da atividade temos como estado de referência um líquido hipotético. Em outros termos:

RT

PT,μPT,μ

PT,f

PT,flnaln

L1

V1

L1

V1

1 (30)

O raciocínio para o cálculo da diferença de potenciais químicos é semelhante ao apresentado anteriormente para o cálculo da temperatura de fusão – apenas modifica-se o fenômeno. Os passos do cálculo são os seguintes: mudança da temperatura do líquido puro até a temperatura de saturação, vaporização do líquido puro, mudança da temperatura de volta às condições do sistema. O resultado final do cálculo será:

dTRT

CCdTCC

RT

1

T

1

T

1

R

THΔaln

T

T

LP

VP

T

T

LP

VP

fi

fi1vap

1

fifi

(31)

em que Ts1 é a temperatura de saturação do solvente puro. Essa expressão é análoga àquela obtida no caso do equilíbrio sólido-líquido,

quando se considerava que a mistura líquida estava em equilíbrio com o sólido puro, e simplificações semelhantes podem ser feitas. Desde que o soluto esteja em pequena quantidade, a atividade do solvente será igual a sua fração em quantidade de matéria, e desde que a diferença de temperaturas seja pequena, pode-se considerar a diferença

CPV CPL independente da temperatura. Além disso, na equação acima, o termo em

vapH(Ts1) é muito maior que os outros. Com isso, a expressão acima se reduz a:

Page 31: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

311

fi

fi1vap

1T

1

T

1

R

THΔxln (32)

Considerando a hipótese de que o soluto esteja em baixa concentração:

2

fi1vap

2fi

fifi2fi

fi1vap

2 xTHΔ

RTΔTTT

RT

THΔx- (33)

em que Ts1 = T Ts1. Portanto, também nesse caso o efeito do soluto no solvente independe de qual seja o soluto. 7.10.3. Pressão osmótica

Denomina-se osmose a passagem de um solvente por uma membrana impermeável ao soluto. Consideremos um sistema em que coexistam, separados por uma membrana, o solvente puro em equilíbrio com uma mistura de solvente e soluto, como na figura seguinte:

Figura 7.43 Célula de equilíbrio osmótico.

As condições de equilíbrio são a igualdade do potencial químico do solvente e a igualdade das temperaturas. Não se pode invocar o critério de igualdade de pressões, uma vez que as fases são separadas por uma membrana estática (imóvel). Uma análise preliminar permite inferir que a pressão no compartimento que contém a mistura deve ser maior: em uma mesma condição de temperatura e pressão, o potencial químico do solvente é maior no solvente puro que na mistura, e para equilibrar o sistema, uma pressão maior seria requerida no compartimento da mistura.

Consideremos que o solvente puro está a uma pressão P, e a célula com a

solução, a uma pressão P+ . A condição de equilíbrio para o solvente pode ser escrita:

x,PT,fPT,f V

1

L

1ˆ (34)

Usando a definição de atividade:

PT,faPT,f L11

L1 (35)

Extraindo logaritmos e reconhecendo a relação entre fugacidade e potencial químico:

dPVRT

1

RT

PT,μPT,μaln

P

P

1

L1

V1

1 (36)

Considerando que o volume do solvente líquido seja insensível à pressão:

RT

Valn 1

1 (38)

Para uma solução bastante diluída, podem ser feitas as mesmas aproximações anteriores, chegando-se a:

Page 32: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

312

2

1

xV

RT (37)

A pressão osmótica é, em geral, bastante grande mesmo para concentrações muito pequenas de soluto – o que poderíamos esperar, pois sabemos que a influência da pressão nas propriedades de uma solução líquida afastada do ponto crítico é pequena.

Por ser uma propriedade de fácil mensuração, cujo efeito é mais pronunciado do que o de outras (como a elevação da temperatura de ebulição), ela é bastante utilizada na determinação de propriedades do soluto, como a massa molecular. Nesse

caso, determinando-se e conhecendo-se a massa de soluto dissolvida, pode-se calcular x2 e, por extensão, M2. 7.10.3. Estratégia geral para a resolução de problemas de equilíbrio de fases

Problemas de resolução do equilíbrio de fases podem ser muito mais complexos que aqueles aqui apresentados e envolver muitos compostos distribuídos em várias fases e sujeitos a diversas restrições. Embora situações muito complexas exijam a utilização de algoritmos eficientes e robustos (e necessariamente uma resolução computacional), para casos mais simples uma seqüência lógica de procedimentos pode ser adotada:

Identifique quais fases podem estar presentes.

Identifique as possíveis restrições ao equilíbrio existentes – por exemplo, a presença de membranas semipermeáveis ou a existência de compostos que não se distribuem em todas as fases.

Sistematize as informações conhecidas sobre o sistema. Considere não somente as informações apresentadas como tais, mas também as informações tácitas – como, no caso do ELL, o fato de que a pressão tem pouca influência sobre as propriedades das fases em equilíbrio.

Escreva as relações de equilíbrio e obtenha o número de graus de liberdade. Verifique se o número de incógnitas e de equações restritivas é o mesmo.

Resolva o problema de equilíbrio usando algoritmos apropriados. Verifique se todas as hipóteses foram satisfeitas e se o resultado tem significado físico.

A obtenção de soluções triviais, como o cálculo de composições iguais para

duas fases líquidas em equilíbrio, pode ser indício de problemas numéricos (devidos às estimativas iniciais) ou de mau dimensionamento do problema. Caso sejam obtidas, procure verificar se podem ser contornadas alterando a estimativa inicial de solução; caso se mantenham, reconsidere sua estimativa sobre o número de fases presentes.

Não se esqueça de verificar sempre o sentido físico das informações obtidas, e compará-las, quando possível, a dados experimentais confiáveis. 7.10.4. Presença de sais

A presença de eletrólitos é um complicador no cálculo de equilíbrio de fases. O principal problema é que moléculas ionizadas interagem por meio de um potencial coulômbico, que decai com o quadrado da distância, enquanto outras forças intermoleculares decaem muito mais rapidamente (distância à quinta potência, ou ainda mais acentuadamente). Por essa razão, expressões para a atividade de compostos em solução salina tem várias particularidades.

Para soluções bastante diluídas vale a equação de Debye-Hückel:

Page 33: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

313

Ib1

I2Am

1000

Maln

1,5

γi1

1 (38)

em que I é a força iônica, dada por:

2i

ii vm

2

1I (39)

Nas expressões acima, mi é a molalidade de cada espécie iônica i (concentração de

soluto expressa em mol de soluto por kg de solvente), i é a carga correspondente, b é

uma constante igual a 1,2 kg1/2mol-1/2 e A é uma constante que depende do solvente e suas condições e vale 0,3914 kg1/2mol-1/2 para água a 25°C. A equação de Debye-Hückel é uma equação exata no limite de infinita diluição do sal. Para a modelagem de

soluções mais concentradas, que resultem em forças iônicas maiores que 0,01 mol kg-1, é necessário usar modelos mais sofisticados. 7.10.5. Procedimento geral de cálculo de propriedades coligativas

Na obtenção das propriedades coligativas, desenvolveu-se para cada uma das propriedades uma expressão em separado, por meio de uma metodologia mais ou menos comum. Um procedimento mais geral para a obtenção dessas expressões envolve a expansão das expressões do potencial químico em série de Taylor em torno da condição equilíbrio entre duas fases do solvente puro. Como exemplo, consideremos o caso do abaixamento do ponto de fusão. Na temperatura de fusão, estarão em equilíbrio o líquido e o sólido puros:

fiS1fi

L1 TμTμ (40)

Ao adicionarmos o soluto ao solvente líquido, mantida a condição de equilíbrio, o potencial químico do solvente em fase líquida variará com a temperatura e com a concentração do solvente. Expandindo em série de Taylor em torno do solvente puro na temperatura de fusão:

1xT

μTT

T

μTμxT,μ 1

1xTT

L1

fi

1xTT

L1

fiL1

L1

2fi2fi

ˆˆˆ (41 )

em que os termos de ordem mais alta são desprezados. O potencial químico do solvente em fase sólida variará somente com a temperatura:

fi

TT

S1

fiS1

S1 TT

T

μTμTμ

fi

ˆˆ (42)

Para que o equilíbrio se mantenha, é necessário que:

TμxT,μ S1

L1

ˆ (43)

A derivada do potencial químico com respeito à temperatura é igual à entropia; a derivada do potencial químico com respeito à concentração pode ser dada por:

1

L1

L11

L1

1

L1

x

a

a

RT

x

alnRT

x

μ (44)

No limite em que 1L11 xa1,x (pois o estado de referência do solvente é o próprio

composto puro), de maneira que:

Page 34: Capítulo VII Líquidos e Soluções...Capítulo VII – Líquidos e Soluções 284 dispersos. Os sistemas coloidais já se aproximam bastante de uma dispersão verdadeira, constituindo

Capítulo VII – Líquidos e Soluções

314

fi

1xTT

L1 RT

T

μ

2fi

ˆ (45)

Substituindo as expressões acima:

1xRT 1fififiL1fifi

S1 T-TTST-TTS (46)

ou, simplificando:

2

fi1fus

fi

fi xTSΔ

RTΔT (47)

Como fi1fusfifi1fus TSΔTTHΔ , segue-se diretamente que:

2

fi1fus

2fi

fi xTHΔ

RTΔT (48)

que é a mesma expressão obtida anteriormente, apenas apresentada por meio de uma argumentação mais consistente. Raciocínios semelhantes podem ser realizados para a elevação na temperatura de saturação e também para o cálculo da pressão osmótica. Nesse último caso, como o potencial do solvente deve-se manter constante:

1xx

μ

P

μPμx,Pμ 1

1xP

L1

1xP

L1L

1L1

2fi2fi1

ˆˆˆ (49)

da qual se segue diretamente a expressão para a pressão osmótica (equação 37). Esse tipo de raciocínio será a base para a abordagem diferencial, que será vista na próxima aula.