capítulo 3. consumo e poupança1 capítulo 3. consumo e poupança 1 3.1. conceitos e factos 3.2....

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1 Capítulo 3. Consumo e Poupança 1 3.1. Conceitos e Factos 3.2. Escolha Intertemporal 3.3. Rendimento Permanente e Ciclo de Vida 3.4. Função Consumo 3.1 Conceitos e Factos Cada indivíduo ou família decide, em cada momento, como dividir o seu rendimento disponível entre consumo e poupança. Designamos por consumo a despesa em bens e serviços com vista à satisfação de necessidades e desejos. Estas podem ser necessidades básicas, como alimentação, vestuário e habitação; ou desejos associados ao consumo de bens de luxo, como férias num país exótico. A poupança é a diferença entre o rendimento disponível e a despesa em bens de consumo, sendo igual à variação da riqueza do indivíduo ou família. A decisão entre consumo e poupança é, em última análise, uma decisão entre consumo no presente e consumo no futuro. Conhecer as necessidades das pessoas ajuda-nos a compreender o seu comportamento em termos do consumo de bens e serviços. Abraham Maslow (1943) propôs uma teoria hierárquica com cinco níveis de necessidades: fisiológicas, de segurança, sociais, de auto- estima, e de realização pessoal. Quando uma pessoa satisfaz as suas necessidades de um nível básico, passa a procurar satisfazer as suas necessidades do nível imediatamente superior. O consumo permite satisfazer necessidades básicas, influencia as relações sociais, e chega a definir, em certa medida, a imagem e a própria identidade da pessoa. 1 Este texto de apoio (1E207 Macroeconomia II, FEP-UP, 2009-10) não dispensa a frequência das aulas e a consulta da bibliografia recomendada. Comentários e sugestões: João Correia da Silva ([email protected]).

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Page 1: Capítulo 3. Consumo e Poupança1 Capítulo 3. Consumo e Poupança 1 3.1. Conceitos e Factos 3.2. Escolha Intertemporal 3.3. Rendimento Permanente e Ciclo de Vida 3.4. Função Consumo

1

Capítulo 3. Consumo e Poupança1

3.1. Conceitos e Factos

3.2. Escolha Intertemporal

3.3. Rendimento Permanente e Ciclo de Vida

3.4. Função Consumo

3.1 Conceitos e Factos

Cada indivíduo ou família decide, em cada momento, como dividir o seu rendimento

disponível entre consumo e poupança. Designamos por consumo a despesa em bens e

serviços com vista à satisfação de necessidades e desejos. Estas podem ser necessidades

básicas, como alimentação, vestuário e habitação; ou desejos associados ao consumo de

bens de luxo, como férias num país exótico. A poupança é a diferença entre o rendimento

disponível e a despesa em bens de consumo, sendo igual à variação da riqueza do

indivíduo ou família. A decisão entre consumo e poupança é, em última análise, uma

decisão entre consumo no presente e consumo no futuro.

Conhecer as necessidades das pessoas ajuda-nos a compreender o seu comportamento em

termos do consumo de bens e serviços. Abraham Maslow (1943) propôs uma teoria

hierárquica com cinco níveis de necessidades: fisiológicas, de segurança, sociais, de auto-

estima, e de realização pessoal. Quando uma pessoa satisfaz as suas necessidades de um

nível básico, passa a procurar satisfazer as suas necessidades do nível imediatamente

superior. O consumo permite satisfazer necessidades básicas, influencia as relações

sociais, e chega a definir, em certa medida, a imagem e a própria identidade da pessoa.

1 Este texto de apoio (1E207 Macroeconomia II, FEP-UP, 2009-10) não dispensa a frequência das aulas e a consulta da bibliografia recomendada. Comentários e sugestões: João Correia da Silva ([email protected]).

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Em consequência do crescimento económico, o rendimento disponível e o consumo das

famílias portuguesas tem crescido ao longo dos anos. Comparando o consumo actual com

o que se observava em 1960, verificamos que a quantidade de bens materiais à disposição

das pessoas é hoje mais do que cinco vezes maior.

Rendimento e Consumo das Famílias (1960-2006)(milhões de euros, a preços de 2000)

0

20.000

40.000

60.000

80.000

100.000

120.000

140.000

1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

Produto Interno Bruto (a preços de mercado)

Rendimento disponível das famílias

Consumo das famílias

Figura 3.1: Rendimento e Consumo das Famílias (Portugal, 1960-2006).

Fontes: INE e “A Situação Social em Portugal” (ICS-UL).

Naturalmente, a evolução do consumo privado é semelhante à do rendimento disponível

das famílias (que, por sua vez, tem uma forte associação com a evolução do produto).

Nestes últimos 50 anos, a estrutura da despesa em bens de consumo alterou-se

significativamente. Aumentou a fracção dedicada à habitação, transportes, comunicações e

serviços em geral, tendo diminuído a importância relativa da despesa em bens alimentares,

e, em menor medida, em vestuário e calçado.

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Despesa das famílias(euros por agregado familiar, a preços constantes d e 1990)

01.0002.0003.0004.0005.0006.0007.0008.0009.000

1981 1990 1995

Outros

Educação e Cultura

Transportes

Saúde

Habitação

Vestuário

Alimentação

Figura 3.2a: Evolução do Consumo Privado, por objectivo (Portugal, 1981-1995).

Fonte: “A Situação Social em Portugal” (ICS-UL).

Decomposição do Consumo Privado (Portugal, 1955-199 4)

0%

20%

40%

60%

80%

100%

1955-59 1960-64 1965-69 1970-74 1975-79 1980-84 1985-89 1990-94

Serviços

Out. Bens Dur.

Automóveis Ligeiros

Out. Bens Não Dur.

Bens Energéticos

Vestuário e Calçado

Aliment., Beb. e Tab.

Figura 3.2b: Decomposição do Consumo Privado (Portugal, 1955-1994).

Fonte: Banco de Portugal - Séries Longas.

Decomposição do Consumo Privado em Portugal

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Outros

Restaurantes e Hotéis

Educação

Lazer e Cultura

Comunicações

Transportes

Saúde

Habitação

Vestuário e Calçado

Aliment., Beb. e Tab.

Figura 3.2c: Decomposição do Consumo Privado (Portugal, 1995-2006).

Fonte: INE.

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4

O consumo privado é a maior componente da despesa, representando cerca de 2/3 do

produto da economia.

Composição da Despesa em Portugal (PIBpm)(milhões de euros, a preços de 2000)

0

20.000

40.000

60.000

80.000

100.000

120.000

140.000

1978 1983 1988 1993 1998 2003 2008

C G I

X Z Y

Figura 3.3: Produto Interno Bruto pela óptica da Despesa (Portugal, 1978-2008).

Fontes: Banco de Portugal e INE.

Em 2006, os residentes em Portugal adquiriram cerca de 65% da produção interna (os

restantes 35% foram exportações), e importaram um volume de bens igual a 43% do

produto. A absorção totalizou 109% do produto, dividindo-se em consumo privado (66%

do PIB), consumo público (20%) e investimento (23%).

Absorção em Portugal, 2008(%PIB, base 2000)

Y-X=64% Y-X=64%

X=36% Z=47%

C=67%

G=20%

I=24%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

120%

Produto Origem Procura

Figura 3.4: Absorção por componente da Despesa (Portugal, 2008).

Fonte: INE.

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5

Nos últimos anos, o consumo final nacional (público e privado) foi superior ao rendimento

disponível líquido da nação. A poupança líquida da nação foi negativa.

Rendimento Disponível e Consumo da Nação(milhões de euros, a preços de 2000)

80.000

90.000

100.000

110.000

120.000

130.000

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Rend. Disp. Bruto da Nação

Rend. Disp. Líquido da Nação

Consumo Final Nacional

Figura 3.5: Rendimento Disponível da Nação e Consumo Final da Nação (Portugal).

Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

A poupança líquida das famílias portuguesas foi, no entanto, positiva. Entre 2000 e 2004,

o consumo privado ascendeu a 91% do rendimento disponível bruto das famílias, e a 97%

do rendimento disponível líquido das famílias.

Rendimento Disponível e Consumo das Famílias(milhões de euros, a preços de 2000)

65.000

70.000

75.000

80.000

85.000

90.000

2000 2001 2002 2003 2004

R. Disp. Bruto das Fam.

R. Disp. Líq. das Fam.

Consumo das Fam.

Figura 3.6: Rendimento Disponível das Famílias e Consumo das Famílias (Portugal).

Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

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Observa-se empiricamente que o consumo de bens duradouros é bastante sensível à

conjuntura económica, enquanto que o consumo de bens alimentares é muito estável.

Globalmente, o consumo privado é responsável por 2/3 da flutuação do produto, sendo,

portanto, medianamente volátil.

A relação macroeconómica entre consumo e rendimento disponível é um elemento central

da teoria keynesiana.

De acordo com a função consumo keynesiana, o consumo tem uma componente

autónoma, C0, e uma componente induzida, c·Yd, tendo a propensão marginal para o

consumo, c, um valor entre 0 e 1:

.0dYcCC ⋅+=

Figura 3.7: Função Consumo Keynesiana, e taxa de poupança correspondente.

Fonte: Gordon (2005), “Macroeconomics”, 10th ed., Addison-Wesley.

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7

Segundo esta formulação, um aumento unitário do rendimento induz um aumento do

consumo que é inferior à unidade (igual a c unidades). É de notar também que a taxa de

poupança vai diminuindo com a diminuição do rendimento disponível, sendo mesmo

negativa se o rendimento for inferior ao consumo autónomo. Nesse caso, além de

consumirem todo o seu rendimento, os agentes ainda consomem parte da sua riqueza.

Esta relação entre a taxa de poupança e o rendimento disponível observa-se

empiricamente numa análise cross-section. Famílias com rendimentos superiores tendem a

ter taxas de poupança mais elevadas.

Mas a análise das séries temporais do rendimento disponível e da poupança já não

confirma esta relação. O rendimento disponível aumentou muito nas últimas décadas,

enquanto que a taxa de poupança se manteve relativamente estável.

Consumo e Poupança das Famílias (1960-2006)(milhões de euros, a preços de 2000)

0

20.000

40.000

60.000

80.000

100.000

120.000

140.000

1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%PIBpm Ydisp

Cpriv Tx poup

Figura 3.8: Consumo e Poupança das Famílias (Portugal, 1960-2006).

Fontes: INE e “A Situação Social em Portugal” (ICS-UL).

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8

3.2 Escolha Intertemporal

Dada a sua restrição orçamental, cada indivíduo ou família deve escolher o fluxo de

consumo ao longo do tempo que maximiza o seu bem-estar. Em cada momento, ao

decidir um nível de consumo, C, o indivíduo ou família decide também, implicitamente, a

poupança e as possibilidades de consumo futuro.

Com o objectivo de compreender o comportamento macroeconómico do consumo e da

poupança, vamos estudar um modelo microeconómico simples, no qual o chamado agente

representativo decide como dividir o seu rendimento entre consumo presente, C1, e

consumo futuro, C2. A escolha recairá na combinação que maximize a utilidade do agente,

U(C1,C2), entre aquelas que não violam a sua restrição orçamental.

A taxa marginal de substituição de consumo futuro por consumo presente indica a

quantidade de consumo futuro que o agente está disposto a trocar por uma unidade de

consumo no presente, mantendo-se o seu nível de utilidade constante. Analiticamente, a

TMS é igual à razão entre as utilidades marginais.

2

121 UMg

UMgTMS =

As preferências do agente podem representar-se através de um mapa de indiferença. O

agente procurará situar-se numa curva de indiferença tão afastada da origem quanto

possível, dentro das suas possibilidades orçamentais. Graficamente, a taxa marginal de

substituição corresponde ao declive (em valor absoluto) da curva de indiferença.

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9

C1

1UU =2UU =3UU =

C2

C1

1UU =2UU =3UU =

C2

Figura 3.9: Curvas de indiferença.

O agente tem um rendimento disponível no presente (primeiro período), Y1d, e um

rendimento disponível no futuro (segundo período), Y2d. Se a sua despesa em consumo

presente for inferior ao seu rendimento presente, o agente torna-se credor, sendo a sua

poupança, S1 = Y1d – C1, recompensada por uma taxa de juro. Se o agente pretender fazer

uma despesa em bens de consumo superior ao seu rendimento presente, pode recorrer ao

crédito, tornando-se devedor (poupança negativa). Vamos assumir que a mesma taxa de

juro se aplica ao endividamento e à poupança.

Em economia distinguimos grandezas reais, que são expressas em unidades de bens, e

grandezas nominais, expressas em unidades monetárias. Os rendimentos Y1d e Y2

d são

grandezas reais, tal como a poupança S1 e os níveis de consumo C1 e C2. Podemos obter as

grandezas nominais correspondentes, multiplicando as grandezas reais pelos índices gerais

de preços, P1 e P2.

O preço dos bens no futuro é normalmente superior ao preço dos bens no presente,

fenómeno designado por inflação.

( ) 12 1 PP ⋅+= π

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10

A taxa de juro nominal, i, relaciona a poupança em unidades monetárias com o

rendimento futuro que esta proporciona, também em unidades monetárias. Poupar uma

unidade monetária proporciona um rendimento adicional no futuro igual a 1+i unidades

monetárias. A taxa de juro real, r, estabelece a mesma relação, mas considerando

quantidades de bens, ou poder de compra, em vez de unidades monetárias. Abdicar de

consumir uma unidade de bens no presente permite ao agente aumentar o seu consumo

futuro em 1+r unidades.

A partir da taxa de juro nominal e da taxa de inflação, podemos determinar a taxa de juro

real. Abdicar de uma unidade de consumo no presente é equivalente a poupar P1 unidades

monetárias. Essa poupança proporciona (1+i)·P1 unidades monetárias no futuro, que

permitem comprar (1+i)·P1/P2 unidades de bens de consumo. Ou seja, abdicar de uma

unidade de consumo no presente permite um aumento de consumo futuro igual a

(1+i)/(1+π) unidades.

π++=+

1

11

ir

Supondo que o agente consome toda a sua riqueza, não deixando qualquer herança, o seu

consumo futuro fica automaticamente determinado pela sua decisão presente. Podemos

escrever, de forma equivalente, a sua restrição orçamental em termos nominais ou em

termos reais.

( ) ( )( ) ( )

( ) ( ) ( ) ( )

( ) 122

122

1122

1121

22

1

2

11112222

1

1

1

111

1

1

SrYC

Si

YC

CYiYC

CYiYP

PC

P

P

CPYPiYPCP

d

d

dd

dd

dd

⋅++=⇔

⇔⋅+++=⇔

⇔−⋅++⋅+=⋅+⇔

⇔−⋅++⋅=⋅⇔

⇔⋅−⋅⋅++⋅=⋅

π

ππ

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11

Podemos, portanto, analisar o problema da repartição do rendimento disponível entre

consumo e poupança considerando apenas grandezas reais.

Manipulando a expressão anterior, obtemos a restrição orçamental intertemporal do

agente representativo. Pode interpretar-se como sendo a igualdade entre o valor

actualizado das despesas presentes e futuras em consumo, e o valor actualizado de todos

os seus rendimentos presentes e futuros, que é a riqueza, Ω.

( ) ( )( ) ( )

Ω=+

+=+

+⇔

⇔⋅++=⋅++⇔

⇔−⋅++=

dd

dd

dd

Yr

YCr

C

YrYCrC

CYrYC

2121

1212

1122

1

1

1

1

11

1

Graficamente, a restrição orçamental intertemporal do consumidor representa-se como

um segmento de recta com uma inclinação igual ao preço relativo do consumo presente

em termos de consumo futuro. Cada unidade adicional de consumo presente implica

abdicar de 1+r unidades de consumo no futuro, portanto, o preço (relativo) de uma

unidade de consumo no presente, em termos de unidades de consumo futuro, é 1+r .

C1

C2

Ω

Ω⋅+ )1( r

declive = – (1+r)

( ) ( ) 1221 111

1CrrCC

rC ⋅+−Ω⋅+=⇔Ω=

++

dY1

dY2

A

C1

C2

Ω

Ω⋅+ )1( r

C1

C2

Ω

Ω⋅+ )1( r

declive = – (1+r)

( ) ( ) 1221 111

1CrrCC

rC ⋅+−Ω⋅+=⇔Ω=

++

dY1

dY2

A

Figura 3.10: Restrição orçamental intertemporal.

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12

Se o agente escolher um ponto da recta orçamental situado acima do ponto A, escolhe

poupar parte do seu rendimento presente (C1<Y1d) para poder consumir mais no futuro

(C2>Y2d). O agente empresta a sua poupança nos mercados financeiros, tornando-se

credor. Este adiamento do consumo será recompensado no futuro, com juros.

Na parte da recta orçamental que se situa abaixo do ponto A, o agente consome mais do

que o seu rendimento no presente (C1>Y1d), tendo uma poupança negativa. Isso só é

possível através do recurso ao crédito. O agente torna-se devedor, e terá que saldar a sua

dívida no futuro, com juros.

A única combinação de consumo presente e futuro que não requer acesso aos mercados

financeiros corresponde ao ponto A, designado por ponto de autarcia (auto-suficiência).

C1

C2

dY1

dY2

Ω

Ω⋅+ )1( r

autarcia (C1=Y

1d)

1C1C

2C

2C

endividamento (C1>Y

1d)

poupança (C1<Y

1d)

C1

C2

dY1

dY2

Ω

Ω⋅+ )1( r

autarcia (C1=Y

1d)

1C1C

2C

2C

endividamento (C1>Y

1d)

poupança (C1<Y

1d)

Figura 3.11: Ponto de autarcia.

O agente pretende maximizar a sua utilidade, e portanto vai procurar situar-se numa curva

de indiferença tão afastada da origem quanto possível. No ponto óptimo são tangentes a

recta orçamental e a curva de indiferença.2 A escolha óptima determina-se através da

2 Desde que as curvas de indiferença sejam diferenciáveis, e que a solução seja interior (tanto o consumo presente como o futuro são estritamente positivos), e não de canto.

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13

igualdade entre a taxa marginal de substituição e o preço relativo entre consumo futuro e

consumo presente.

rUMg

UMgrTMS +=⇔+= 11

2

121

No caso representado na figura, a poupança óptima é positiva. O agente torna-se credor.

C1

C2

Ω

Ω⋅+ )1( r

1C

2C

ponto óptimo

maxU

dY2

dY1 C1

C2

Ω

Ω⋅+ )1( r

1C

2C

ponto óptimo

maxU

dY2

dY1

Figura 3.12: Escolha óptima.

Aumentos da riqueza do agente (de Y1d, Y2

d, ou a existência de alguma riqueza inicial, Ω0)

induzem, normalmente, aumentos tanto do consumo presente como do consumo futuro.

C1

C2

Ω

Ω⋅+ )1( r

1C

2C

novo óptimo

maxU

'2C

'1C 'Ω

dY2

dY1 C1

C2

Ω

Ω⋅+ )1( r

1C

2C

novo óptimo

maxU

'2C

'1C 'Ω

dY2

dY1

Figura 3.13: Efeito de um aumento da riqueza.

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14

O impacto de uma variação da taxa de juro pode ser decomposto num efeito de

substituição e num efeito rendimento.

Um aumento da taxa de juro torna o consumo presente mais caro relativamente ao

consumo futuro. O efeito de substituição, que consiste na substituição do bem que se

torna mais caro pelo bem que se torna mais barato, age no sentido da diminuição do

consumo presente (aumento da poupança).

C1

C2

1C

2C

maxU

'2C

'1C

mais poupança

subida da taxa de juro

C1

C2

1C

2C

maxU

'2C

'1C

mais poupança

subida da taxa de juro

C1

C2

1C

2C

menos poupança

maxU'2C

'1C

descida da taxa de juro

C1

C2

1C

2C

menos poupança

maxU'2C

'1C C1

C2

1C

2C

menos poupança

maxU'2C

'1C

descida da taxa de juro

Figura 3.14: Efeito substituição de uma variação da taxa de juro.

Um aumento da taxa de juro faz aumentar o benefício associado à poupança, tal como o

custo do endividamento. Os agentes credores são beneficiados, em prejuízo dos agentes

devedores. O efeito rendimento faz aumentar o consumo presente e futuro (diminui a

poupança) dos credores, e diminuir o consumo presente e futuro (aumenta a poupança)

dos devedores.

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15

C1

C2

1C

2C

melhoria do bem-estar

maxU

'2C

'1C C1

C2

1C

2C

diminuição do bem-estar

maxU

'2C

'1CdY1dY1

dY2

dY2

C1

C2

1C

2C

melhoria do bem-estar

maxU

'2C

'1C C1

C2

1C

2C

diminuição do bem-estar

maxU

'2C

'1CdY1dY1

dY2

dY2

Figura 3.15: Efeito de um aumento da taxa de juro (agente credor vs agente devedor).

Os quadros seguintes resumem o efeito de uma variação da taxa de juro no consumo e na

poupança dos agentes económicos. O efeito sobre a poupança é sempre o oposto do efeito

sobre o consumo presente.

aumento da taxa de juro efeito substituição efeito re ndimento efeito total

menos consumo presente mais consumo presente ambíguo

mais consumo futuro mais consumo futuro mais consumo futuro

menos consumo presente menos consumo presente menos consumo presente

mais consumo futuro menos consumo futuro ambíguo

diminuição da taxa de juro efeito substituição efeito rendimento efeito total

mais consumo presente menos consumo presente ambíguo

menos consumo futuro menos consumo futuro menos consumo futuro

mais consumo presente mais consumo presente mais consumo presente

menos consumo futuro mais consumo futuro ambíguo

CREDOR

DEVEDOR

CREDOR

DEVEDOR

Tabela 3.16: Efeito de uma variação da taxa de juro.

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3.3 Rendimento Permanente e Ciclo de Vida

Em geral, os indivíduos e as famílias gostam de manter um nível de consumo estável ao

longo do tempo. Com base nesta percepção, Friedman (1957) avançou com a hipótese do

rendimento permanente, enquanto que Modigliani e Brumberg (1954) propuseram a

hipótese do ciclo de vida.

Tanto a hipótese do rendimento permanente como a hipótese do ciclo de vida conciliam: o

comportamento das séries temporais do consumo e da taxa de poupança (segundo as

quais a taxa de poupança se tem mantido relativamente estável ao longo do tempo, ainda

que o rendimento disponível das famílias tenha aumentado muito significativamente); com

as observações cross-section (segundo as quais os agentes com maiores níveis de

rendimento apresentam taxas de poupança maiores).

3.3.1 A Hipótese do Rendimento Permanente

Segundo a hipótese do rendimento permanente, os agentes consomem, em cada

período, uma fracção daquele que supõem ser o seu nível de rendimento médio (o seu

rendimento permanente):3

Ptt YkC ⋅= .

Os indivíduos podem ter expectativas adaptativas relativamente ao seu nível de

rendimento permanente. Um rendimento diferente do esperado leva agente a rever as suas

3 Ao consumo em função do rendimento permanente pode chamar-se função consumo de longo prazo.

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expectativas relativamente ao rendimento médio futuro. A nova expectativa passa a ser

uma média entre a expectativa anterior e o rendimento obtido no período presente.

dt

Pt

Pt

dt

Pt

Pt YjYjYYjYY ⋅+⋅−=−⋅+= −−− 111 )1()(

O nível de consumo, segundo a hipótese do rendimento permanente, fica dado por:4

.)1( 1d

tP

ttP

tt YjkYjkCYkC ⋅⋅+⋅−⋅=⇔⋅= −

Verificamos que as propensões marginais para o consumo no curto prazo e no longo

prazo são diferentes. Um agente reage de forma diferente a uma variação temporária do

rendimento e a uma variação permanente do rendimento. No curto prazo, a PMC é igual a

k·j. No longo prazo, a PMC é igual a k:

.; jkY

CPMCk

Y

CPMC

dt

tCPP

t

tLP ⋅=

∆∆

==∆∆

=

Figura 3.17: Função consumo de curto prazo e de longo prazo.

4 Ao consumo em função do rendimento corrente (rendimento disponível do próprio período) pode chamar-se função consumo de curto prazo.

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A propensão marginal para o consumo associada ao rendimento permanente, k, é tanto

menor quanto maior for a volatilidade do rendimento, e quanto maior for a aversão dos

agentes às oscilações dos seus níveis de consumo.

A propensão marginal para o consumo associada ao rendimento corrente, k·j, é inferior,

pelo facto de parte das variações do rendimento corrente serem vistas pelo agente como

sendo temporárias. O consumo apenas depende do rendimento corrente na medida em que

alterações deste levam o agente a rever as suas expectativas relativamente ao seu

rendimento permanente.

O agente poupa totalmente a parte da variação do rendimento que vê como sendo

temporária. Isso faz com que o efeito sobre a poupança das variações do rendimento

corrente seja maior do que o das variações do rendimento permanente. Assim sendo, um

maior rendimento corrente está associado a uma maior taxa de poupança, o que está de

acordo com os dados empíricos do tipo cross-section referidos anteriormente:

.1;1 jkY

SPMSk

Y

SPMS

dt

tCPPLP ⋅−=

∆∆

=−=∆∆=

A taxa de poupança de longo prazo, medida como a fracção do rendimento permanente

que não é consumida, é constante e igual a 1-k. Não é surpreendente, portanto, a

estabilidade da taxa de poupança na análise de séries temporais:

( ) .11 kY

SsYkSYkC

PLPPP −==⇔⋅−=⇔⋅=

No curto prazo, a taxa de poupança aumenta com o rendimento corrente (o que está de

acordo com a análise cross-section):

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( )

( ) .0)1()1(1

)1(1)1(

211

11

>⋅−⋅=⇒⋅−⋅−⋅−==⇒

⇒⋅−⋅−⋅⋅−=⋅⋅−⋅−⋅−=−=

−−

−−

dt

Pt

dt

CPd

t

Pt

dt

tCP

Pt

dt

dt

Pt

dtt

dtt

Y

Yjk

dY

ds

Y

Yjkjk

Y

Ss

YjkYjkYjkYjkYCYS

3.3.2 A Hipótese do Ciclo de Vida

Segundo a hipótese do ciclo de vida, os agentes fazem previsões relativas a todos os seus

rendimentos futuros, planeando o seu consumo até ao final da vida de forma a que este

permaneça estável. Os agentes estimam, portanto, uma restrição orçamental

intertemporal .

Suponhamos que um indivíduo tem uma esperança de vida igual a L, e que planeia

reformar-se no momento R. Se esperar ter um fluxo de rendimentos constante, Y, até à

idade de reforma, o seu rendimento total esperado (disponível para consumo ao longo da

vida) é Y·R. Se tiver uma riqueza inicial igual a A, para poder manter o seu nível de

consumo ao longo de toda a sua vida, o indivíduo deverá fixar:

YL

R

L

ACRYALC ⋅+=⇔⋅+=⋅

Assim, durante o período em que trabalha, o agente vai poupando (acumula riqueza). A

evolução da riqueza é dada por A+(Y-C)·t, atingindo o valor máximo, A+(Y-C)·R, no

momento da reforma. A partir desse momento, o agente vai consumir a sua riqueza, que

vai diminuindo ao longo do tempo, sendo dada por A+(Y-C)·R – C·(t-R) = A+Y·R – C·t,

anulando-se no final da vida.

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Se o agente tiver uma riqueza inicial, A, então poderá sustentar um nível superior de

consumo. Poupará, assim, uma menor fatia do seu rendimento corrente. Antes da reforma,

a sua taxa de poupança é dada por:

LY

A

L

R

Y

C

Y

CYs −−=−=−= 11

Figura 3.18: Evolução do rendimento, consumo e activos ao longo da vida.

A propensão marginal para o consumo no longo prazo, ou seja, resultante de variações de

Y, que podemos interpretar como um rendimento permanente (apesar de cessar no

momento da reforma), é igual a R/L, em que R e L são o tempo de trabalho e o tempo de

vida que o indivíduo espera ter pela frente, respectivamente.

Como a poupança de um indivíduo depende da fase do ciclo de vida em que se encontra, a

taxa de poupança da economia depende da proporção de agentes em cada fase do ciclo de

vida. O envelhecimento populacional deverá ser acompanhado por uma redução da taxa de

poupança. Sendo a estrutura demográfica estável, é de esperar que a taxa de poupança se

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mantenha também estável, tal como verificado empiricamente na análise das séries

temporais da poupança.

O consumo depende dos activos detidos pelos agentes. Um “crash” (“boom”) no mercado

de acções provoca uma diminuição (aumento) do consumo. Segundo um estudo de

Modigliani, um acréscimo de 1 u.m. dos activos dos agentes faz aumentar o consumo em

0,06 u.m., o que significa que o rendimento corrente adicional é, na sua maior parte,

poupado, para depois ir sendo consumido ao longo de um período de 15 anos.

Em fases de expansão (recessão) da economia, a taxa de poupança deverá aumentar

(diminuir), porque um aumento temporário do rendimento é consumido ao longo de toda a

vida do indivíduo, e não apenas no presente. Taxas de poupança superiores tendem a estar

associadas, portanto, a rendimentos correntes superiores, o que está de acordo com a

análise empírica de dados cross-section.

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3.4 A Função Consumo

A análise do comportamento macroeconómico do consumo tem ganho em sofisticação e

em capacidade explicativa. Revemos, em seguida, alguns dos principais

desenvolvimentos.

3.4.1 Expectativas Racionais

O efeito das políticas económicas, depende, em geral, das expectativas que as pessoas têm

relativamente ao futuro, incluindo as expectativas acerca das próprias políticas. De acordo

com a hipótese das expectativas racionais, os agentes formam as suas expectativas

utilizando toda a informação e todo o conhecimento existente acerca da conjuntura

económica, da estrutura da economia, e das intenções dos outros agentes económicos,

incluindo os decisores políticos.

Se as pessoas conseguissem antecipar perfeitamente o seu fluxo de rendimentos futuro

(antevisão perfeita), deveriam apresentar um nível de consumo constante ao longo do seu

ciclo de vida. As políticas de estímulo da procura, não deveriam, portanto, ter efeito, dado

que já teriam sido antecipadas pelos agentes e incorporadas nos seus planos. Uma

diminuição da taxa de imposto, por exemplo, só deverá fazer aumentar o consumo se não

tiver sido antecipada pelos agentes económicos.

As expectativas racionais não implicam a antevisão perfeita. Perante um lançamento de

moeda ao ar, um agente racional sabe que a probabilidade de sair cara é 50%, mas não tem

a capacidade de adivinhar o resultado.

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3.4.2 Bens de Consumo Duradouro

Mais do que manter uma despesa estável em bens de consumo, o que os agentes

pretendem é manter um estilo e um nível de vida estáveis. Nesse sentido, têm vantagem

em adquirir bens de consumo duradouro nos períodos em que o rendimento corrente é

superior.

Este efeito age no sentido da diminuição da taxa de poupança nas fases de expansão

económica, ao contrário das previsões efectuadas a partir das hipóteses do rendimento

permanente e do ciclo de vida.

As despesas de consumo de bens e serviços duradouros são fortemente pró-cíclicas. A

conciliação deste facto com as teorias de Friedman e de Modigliani pode conseguir-se,

vendo estas despesas em bens de consumo duradouro como uma espécie de poupança,

dado que estes bens têm algum valor de troca (constituem, de certa forma, riqueza), e

proporcionam utilidade num período prolongado.

3.4.3 Restrições de Liquidez

Frequentemente, as pessoas têm dificuldades em obter um empréstimo, mesmo que o seu

rendimento futuro (esperado) seja suficiente para o pagar, com juros. A existência de

restrições de liquidez, sob a forma de taxas de juro elevadas ou limites ao montante do

empréstimo, não foi contemplada quando analisámos as hipóteses do rendimento

permanente e do ciclo de vida.

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Considere, por exemplo, um jovem à procura de emprego que pretende contrair um

empréstimo para poder consumir mais no presente. Pode acontecer que não consiga obter

financiamento. Se, por acaso, tiver um rendimento extraordinário nesse período, deverá

consumir todo esse rendimento adicional no curto prazo, apresentando uma propensão

marginal para o consumo próxima de 1, e uma taxa de poupança próxima de 0.

Uma pessoa sujeita a uma restrição de liquidez activa apresenta, normalmente, uma

propensão marginal para o consumo muito elevada.

3.4.5 Incerteza e Heranças

A maior parte das pessoas não consome toda a sua riqueza, deixando a restante aos seus

descendentes. O horizonte temporal para as decisões de consumo e poupança pode ir,

assim, para além do tempo de vida, por motivos associados a heranças e ao bem-estar dos

descendentes e próximos da pessoa.

A incerteza relativa ao momento da morte também leva as pessoas a não consumir toda a

sua riqueza, por precaução. Em resultado desta precaução, acabam por deixar uma herança

involuntária.

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3.4.6 Conclusão

A função consumo keynesiana postula um relação linear entre o consumo e o rendimento

disponível. Verifica-se empiricamente que o consumo depende também da riqueza dos

agentes, o que é sustentado teoricamente pela hipótese do ciclo de vida, e, de forma

indirecta, pela hipótese do rendimento permanente.

Definindo riqueza como a soma do valor dos activos actuais com o valor esperado do

fluxo de rendimentos futuros, percebemos que as decisões relativas ao consumo e à

poupança dependem de forma crucial das expectativas das pessoas relativamente aos seus

rendimentos futuros, ou seja, do clima de confiança.

A taxa de juro tem um impacto negativo sobre o consumo, que se torna mais caro

relativamente ao consumo futuro, apesar de os agentes credores verem a sua riqueza

aumentar.

As conclusões deste capítulo encontram-se condensadas na seguinte função consumo:

),,,( 0 rYYCC ed Ω= , com 0>∂∂

dY

C, 0

0

>Ω∂∂C

, 0>∂∂

eY

C e 0<

∂∂

r

C.