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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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PREMISSAS TEÓRICAS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.
CHRISTIANO TAVEIRA1
1. Definição.
A noção de controle de constitucionalidade se encontra estreitamente ligada ao denominado
“Princípio da Supremacia da Constituição”. Desfrutando as normas constitucionais de uma
característica de superior hierarquia, nenhum ato jurídico ou mesmo nenhuma norma
infraconstitucional pode subsistir validamente se for incompatível com o texto constitucional.
Aproveitando-se do modelo piramidal idealizado por HANS KELSEN, é possível afirmar
que, situando-se a Constituição no vértice do ordenamento jurídico, toda a legislação
infraconstitucional, assim como toda a atividade interpretativa, deve se pautar em conformidade com
as normas prescritas na Lei Fundamental.
Discorrendo sobre a superioridade hierárquico-normativa da Constituição, afirma LUÍS
ROBERTO BARROSO que “a supremacia constitucional traduz-se em uma superlegalidade formal e
material. A superlegalidade formal identifica a Constituição como a fonte primária de produção
normativa, ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos normativos inferiores.
E a superlegalidade material subordina o conteúdo de toda a atividade normativa estatal à
conformidade com os princípios e regras da Constituição. A inobservância dessas prescrições formais
e materiais deflagra um mecanismo de proteção da Constituição, conhecido na sua matriz norte-
americana como judicial review, e batizado entre nós de controle de constitucionalidade”2.
2. Histórico do Controle de Constitucionalidade no Brasil.
A primeira Constituição brasileira, a Carta Outorgada de 1824, não possuía qualquer
previsão de um sistema controle de controle de constitucionalidade, consagrando, ainda que de forma
1 Procurador do Estado e Advogado no Rio de Janeiro. Assessor Chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado de
Cultura e da Secretaria de Estado de Defesa Civil. Mestre e Doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Professor de Direito Constitucional do Centro de Estudos Jurídicos 11 de Agosto (CEJ). Parecerista da
Revista de Direito Administrativo (RDA).
2 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 153.
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parcimoniosa, a chamada “Soberania do Parlamento”. Significa dizer, sob a inspiração do modelo
constitucional inglês e francês, não atribuía a nenhum órgão judicial a possibilidade de declaração de
invalidade de ato proveniente do Poder Legislativo. Como característica peculiar, a Carta imputava ao
Imperador a detenção de um Poder Moderador, responsável pela manutenção da harmonia e equilíbrio
entre os Poderes (artigo 98).
A primeira Constituição da República, promulgada em 1891, foi a primeira a introduzir, na
linha da jurisprudência norte-americana, a sistemática do controle difuso, em que qualquer juiz
singular tem o poder de declarar uma lei inconstitucional, modalidade que até hoje se encontra em
vigor.
A Constituição de 1934, mantendo o sistema difuso de controle de constitucionalidade,
pode ser destacada por três inovações na matéria: primeiramente, pela instituição de uma cláusula da
“Reserva de Plenário”, que exige o voto da maioria absoluta dos membros de um tribunal para fins de
declaração da inconstitucionalidade da norma (atualmente disposta no artigo 97 da Constituição de
1988); secundariamente, pela atribuição ao Senado Federal, da competência de suspender a execução,
no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional (semelhante à atual redação do artigo 52, inciso
X da Carta em vigor); terciariamente, pela criação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
Interventiva.
A Carta de 1937 – apelidada de “A Polaca”, por reproduzir texto do sistema constitucional
polonês de 1935 – instituidora da ditadura do “Estado Novo”, apesar de manter a modalidade difusa de
controle de constitucionalidade, ficou marcada por singular característica, qual seja, nos termos do
comando de seu artigo 96, “a possibilidade do Presidente da República, a seu juízo, no caso de
declaração de inconstitucionalidade de uma norma pelo Judiciário, submetê-la novamente ao exame do
Parlamento, que, por 2/3 dos votos dos seus membros, em cada uma das Câmaras, poderia tornar sem
efeito a decisão do Tribunal”.
Sob o pálio do movimento de redemocratização do país, a Constituição Federal de 1946,
veio a restaurar a tradicional sistemática do controle judicial de constitucionalidade. Enquanto esteve
em vigor, ressalta-se o teor da Emenda Constitucional de 16, de novembro de 1965, que introduziu a
Ação Direta de Inconstitucionalidade a ser proposta exclusivamente pelo Procurador Geral da
República. Ratificando a adoção de um sistema concentrado de constitucionalidade, estabeleceu
instituto similar no âmbito estadual.
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A Constituição de 1967 – e a Emenda nº 1 de 1969 -, manteve a mesma sistemática então
vigente, destacando-se pela previsão de mecanismo de controle de constitucionalidade de lei
municipal, em face da Constituição Estadual, para fins de intervenção do Estado no Município.
Por fim, a Constituição da República de 1988 pode ser marcada pela introdução de diversas
novidades no âmbito do controle de constitucionalidade:
(a) em primeiro lugar, ampliou o rol de legitimados para propositura de Ação Direta de
Inconstitucionalidade – ADI ou ADIN (artigo 103);
(b) em segundo lugar, estabeleceu, a partir da Emenda Constitucional nº 3 de 1993, a Ação
Declaratória de Constitucionalidade – ADC (ou ADCON);
(c) em terceiro lugar, previu expressamente a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental – ADPF, regulamentada pela Lei nº 9.882 de 1999;
(d) em quarto lugar, no plano estadual, possibilitou aos Estados a instituição da
Representação por Inconstitucionalidade de leis ou atos municipais e estaduais, em face da
Constituição Estadual;
(e) em quinto lugar, estabeleceu a possibilidade de controle das omissões legislativas, tanto
do ponto de vista incidental, através do Mandado de Injunção (previsto no inciso LXXI, do artigo 5º),
quanto do ponto de vista concentrado, mediante a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão -
ADIN por omissão -, prescrita no parágrafo 2º do artigo 103.
3. Natureza do Ato de Inconstitucionalidade.
Estabelecida a possibilidade de controle da legislação ordinária em face da Constituição,
chega-se a outra controvérsia no âmbito doutrinário, qual seja: uma vez declarada, pelo Poder
Judiciário, a inconstitucionalidade de uma norma, a respectiva decisão judicial produziria efeitos ex
tunc (retroativos) ou ex nunc (prospectivos)? Dois sistemas constitucionais elucidam a questão.
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Uma primeira concepção, caracterizada como “teoria ou tese da nulidade”, baseada no
sistema constitucional norte-americano, entende que a norma inconstitucional é nula desde o início (ab
initio). A decisão judicial de inconstitucionalidade teria natureza declaratória, logo, produziria efeitos
ex tunc, retroativos no tempo. Por esse ângulo, sendo o vício de inconstitucionalidade aferido no plano
da validade, a norma, apesar de existente, seria inválida e absolutamente ineficaz. Esta, em regra, a
posição adotada no modelo constitucional brasileiro.
Uma segunda concepção, idealizada por HANS KELSEN e própria do sistema
constitucional austríaco, defende a anulabilidade da norma declarada inconstitucional. Caracterizada
como “teoria ou tese da anulabilidade”, a decisão de inconstitucionalidade teria natureza constitutiva
(em verdade, seria constitutiva-negativa), logo, produziria efeitos prospectivos (ex nunc). Sendo o
vício de inconstitucionalidade aferido no plano da existência, o reconhecimento da ineficácia somente
passaria a ser efetivado a partir da decisão em diante.
No Brasil, a possibilidade de adoção dessa segunda teoria, que flexibiliza a tese da nulidade
absoluta da lei inconstitucional, veio a ser estampada no artigo 27 da Lei nº 9868 de 1999, que
disciplina o rito da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Declaratória de Constitucionalidade, in
verbis:
“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo
em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,
poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus
membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha
eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a
ser fixado.”
Importa sublinhar: o referido dispositivo prevê que o Supremo Tribunal Federal, por razões
de segurança jurídica ou excepcional interesse social, pode, mediante um quorum qualificado, modular
os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, fixando um prazo – não necessariamente ex nunc - para
o início da ineficácia da norma.
A ratio legis do dispositivo se fundamenta no fato de que, não sendo a ciência do direito
uma ciência exata, em determinados casos, a impossibilidade de um retorno à situação fática anterior
(retorno a um status quo ante) vem a permitir, em nome de uma proteção à confiança e ao princípio da
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segurança jurídica, um temperamento dos efeitos – em regra, ex tunc – da decisão que confirma a
invalidade de uma norma.
4. Tipologia da Inconstitucionalidade.
De maneira geral, ao se verificar a (in)constitucionalidade de uma norma, pode-se afirmar a
possibilidade de duas espécies de vício: a inconstitucionalidade pode ser FORMAL, quando a norma
padecer de um vício de forma; ou MATERIAL, quando padecer de um vício quanto à matéria.
No tocante ao primeiro caso, há três subespécies de inconstitucionalidade formal, quais
sejam:
(a) inconstitucionalidade formal objetiva – ocorre nas hipóteses de ofensa ao devido
processo legislativo. É o caso, por exemplo, de uma lei complementar vem a ser aprovada por um
quorum de maioria simples, em frontal violação ao artigo 69 da Constituição Federal, que exige, nesse
caso, um quorum de maioria absoluta. Ou, ainda, quando a aprovação de uma emenda constitucional
desrespeita o quorum qualificado previsto no artigo 60 da Constituição Federal, que exige o voto de
3/5 dos membros do Congresso Nacional, em dois turnos, nas duas Casas Legislativas.
(b) inconstitucionalidade formal subjetiva – ocorre nas hipóteses de mácula na fase de
iniciativa de elaboração da norma. Conforme se infere de uma leitura do artigo 61 da Constituição da
República, existem determinadas matérias de iniciativa legislativa reservada ao Presidente da
República (simetricamente, na esfera estadual e municipal, há também matérias de iniciativa exclusiva
do Chefe do Poder Executivo, no caso, o Governador de Estado e o Prefeito, respectivamente).
Assim, por exemplo, qualquer projeto de lei que disponha sobre a criação de cargos ou
funções na administração direta, ou que implique aumento de remuneração dos servidores públicos,
somente poderá ser apresentado mediante proposta do Chefe do Executivo, nos termos da alínea “a”,
do inciso II, do parágrafo 1º, do artigo 61 da Lei Maior. Situação semelhante ocorre na hipótese da
alínea “e”, que trata da iniciativa privativa do Presidente da República para a “criação e extinção de
Ministérios e órgãos da administração pública”.
Questão controvertida na doutrina e jurisprudência envolve a seguinte situação: um projeto
de lei – de iniciativa privativa do Presidente da República – proposto por parlamentar (Deputado
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Federal ou Senador), apesar de conter um vício de forma, pode ser convalidado pela posterior sanção
aposta pelo Chefe do Executivo? Em outras palavras, nos casos de inconstitucionalidade formal
subjetiva, a sanção presidencial sana o vício do projeto de lei? Vejamos.
Uma primeira corrente – minoritária (perfilhada, entre outros, por SEABRA FAGUNDES)
– sustenta que a sanção convalida o vício. Se havia uma faculdade ao Presidente da República de vetar
o projeto por evidente inconstitucionalidade formal e, ainda assim, este optou por sancioná-lo, a sua
aquiescência sana o vício inicial.
Uma segunda corrente – majoritária (seguida, entre tantos, por CAIO TÁCITO) – sustenta
que se a norma (ou o projeto) contém um vício de forma, ela é inconstitucional ab initio, de tal forma
que mesmo a sanção presidencial não teria o condão de convalidar o vício anterior. Sendo o ato
inconstitucional nulo de pleno direito, não poderia o mesmo ser sanado posteriormente, se revelando
perfeitamente possível, em momento futuro, o ajuizamento de ação de inconstitucionalidade nesse
sentido.
(c) inconstitucionalidade formal orgânica – ocorre na hipótese de usurpação de
competência legislativa para a elaboração da norma. Há de se considerar, nesse ponto, que
determinadas matérias são de competência legislativa privativa da União, nos termos do artigo 22 da
Constituição Federal. Assim, por exemplo, somente a lei federal pode, em princípio, versar sobre
direito civil, comercial, penal, processual, agrário, dentre outras matérias, sob pena de vício de forma.
Retomando a tipologia da inconstitucionalidade, essa pode se dar por uma AÇÃO, ou seja,
através de um ato comissivo, como a elaboração de uma norma inconstitucional; ou por uma
OMISSÃO, quando a ausência de uma lei regulamentadora de certo dispositivo constitucional
inviabilizar a fruição de determinado direito previsto na Constituição Federal. Dois institutos t6em
especial relevo, nesse passo: o Mandado de Injunção, disposto no inciso LXXI do artigo 5º, e a Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, prevista no parágrafo 2º do artigo 103 da Lei
Fundamental, in verbis:
“Art. 103. (..).
§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar
efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a
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adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão
administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”
O tema das chamadas “omissões inconstitucionais”, especialmente a ADIN por Omissão
será discutido linhas adiante.
Por fim, a inconstitucionalidade, tanto por omissão quanto por ação, pode ser TOTAL ou
PARCIAL, quando abranger a totalidade da norma (ou do projeto) levada à deliberação ou,
eventualmente, apenas parcela de sua redação.
5. Espécies de Controle de Constitucionalidade.
Apesar da intensa variedade - e peculiariedade - dos sistemas constitucionais existentes no
mundo, em relação ao Direito Comparado, podem ser ressaltados alguns principais mecanismos de
vital importância para a compreensão da sistemática adotada no Brasil. De maneira absolutamente
sintética, tem-se, entre tantos:
(a) o controle meramente político, em vigor na Inglaterra – de tradição costumeira (Direito
Consuetudinário) - e nos países do Common Law, caracterizados por Constituições flexíveis, onde
vigora a denominada “Soberania do Parlamento”. Possuindo a Casa Legislativa o batismo do voto
popular, não existe, em regra, no sistema constitucional inglês, um mecanismo de controle de
constitucionalidade a ser exercido pela via judicial (v., a respeito, a questão da suposta ilegitimidade
democrática da jurisdição constitucional, examinada em tópico anterior).
(b) a previsão expressa de um controle de constitucionalidade meramente preventivo – tal
como no modelo inglês, o sistema constitucional francês também é marcado, do ponto de vista
histórico, pela adoção rígida do princípio da Separação de Poderes. Na França, existia, até pouco
tempo, tão somente um controle preventivo de constitucionalidade, exercido por um órgão, de natureza
política, chamado “Conselho Constitucional”, a quem compete declarar a “conformidade” da lei em
relação à Constituição. Ou seja, no modelo francês, a partir do momento em que a lei passa a vigorar,
não mais possibilitar-se-ia a declaração de sua inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário, ante a
ausência de previsão de controle repressivo judicial.
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(c) modalidade de controle difuso de constitucionalidade – conforme já examinado em
momento anterior, a origem histórica do controle difuso, caracterizado pela possibilidade de qualquer
juiz singular invalidar um ato normativo incompatível com o texto constitucional, remonta ao célebre
caso Marbury versus Madison, julgado em 1803 pela Suprema Corte Americana. Esta, portanto, a
modalidade precípua adotada nos Estados Unidos da América.
(d) modalidade de controle concentrado de constitucionalidade – distintamente do controle
difuso, no controle concentrado - ou “por via de ação direta” – a tarefa de declaração de
inconstitucionalidade vem a ser diretamente atribuída exclusivamente a um órgão de cúpula
(comumente designado de “Tribunal Constitucional”), responsável pela guarda da Constituição. É o
que ocorre na grande maioria dos países europeus, a exemplo da Alemanha, Áustria, dentre outros.
(e) sistema eclético de controle de constitucionalidade – no Brasil, adota-se um sistema
misto (ou híbrido) de controle de constitucionalidade, assim denominado pela presença tanto de um
controle difuso, quanto de um controle concentrado judicial, exercido por órgão constitucional
(Supremo Tribunal Federal), nos termos do artigo 102 da Constituição da República.
6. Momentos de Exercício do Controle de Constitucionalidade.
Quanto ao momento de seu exercício, o controle de constitucionalidade de um ato
normativo pode ocorrer de forma preventiva ou prévia, ou seja, ao longo do processo de
aperfeiçoamento de um ato normativo (quando ainda consiste em mero projeto de lei); ou repressiva
ou posterior, quando já existente a norma (realizado sobre a lei).
O controle preventivo pode ser efetuado pelos três Poderes: Legislativo, Executivo e
Judiciário.
(a) Em primeiro plano, no tocante ao Poder Legislativo, o controle preventivo (também
denominado prévio ou a priori) vem a ser exercido pela COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E
JUSTIÇA – CCJ, existente em cada Casa Legislativa (v., a respeito das tarefas das Comissões, o teor
do artigo 58 da Constituição Federal).
Uma vez apresentado projeto de lei (PL) por qualquer parlamentar (ou, nos termos do
parágrafo 1º do artigo 61 da Constituição Federal, em se tratando de matérias reservadas à sua
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iniciativa privativa, pelo Chefe do Executivo), o mesmo deve ser encaminhado a uma Comissão – CCJ
- antes de ser submetido à votação em plenário, com o objetivo de verificação de eventual
incompatibilidade manifesta com o texto constitucional.
Não sendo constatada inconstitucionalidade cabal na proposição legislativa, procede-se,
antes de sua inclusão em pauta, a um processo de deliberação, isto é, passa-se a discutir o teor do
projeto (que pode vir a sofrer alguma alteração) para fins de posterior votação pelos parlamentares.
A CCJ realiza, portanto, um controle preventivo de constitucionalidade, sendo o primeiro
órgão – pertencente ao Poder Legislativo - a exercer um processo de “filtragem constitucional”.
(b) Uma vez aprovado o projeto em plenário (em se tratando de proposta de lei ordinária,
pela maioria simples dos membros da Casa Legislativa; ou, no caso de lei complementar, pela
respectiva maioria absoluta), segue-se o seu encaminhamento ao Chefe do Executivo, que se vê diante
de duas possibilidades: sancioná-lo ou vetá-lo (v. esquema abaixo).
PROJETO DE LEI CCJ PLENÁRIO Se o PL for EXECUTIVO
(verifica se o projeto é aprovado
manifestamente inconstitucional)
A aposição de sanção pelo Chefe do Executivo demonstra a sua concordância com o teor
do projeto. Dispõe, nesse sentido, o caput do artigo 66 da Constituição Federal que “a Casa na qual
tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo,
o sancionará”.
Da mesma forma, preceitua o parágrafo 3º do mesmo artigo 66 que, no caso de inércia do
Executivo, decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio importará na sanção do projeto (cuida-se, nessa
hipótese, da chamada “sanção tácita”, isto é, sanção pelo decurso do prazo).
Por outro lado, não concordando com o teor – integral ou parcial – da proposta legislativa,
pode o Chefe do Executivo, no prazo de quinze dias úteis, efetuar um veto, que comporta duas
espécies: por inconstitucionalidade ou por contrariedade ao interesse público. Prevê o artigo 66,
parágrafo 1º:
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§ 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte,
inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou
parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e
comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal
os motivos do veto.”
A situação descrita pode ser assim esquematizada:
EXECUTIVO SANCIONA O PL LEI
VETO POR INCONSTITUCIONALIDADE
POR SER CONTRÁRIO AO INTERESSE PÚBLICO
Pois bem. No que concerne ao Poder Executivo, o VETO POR
INCONSTITUCIONALIDADE consiste na segunda possibilidade de controle preventivo de
constitucionalidade do projeto de lei.
Questão controvertida diz respeito à natureza jurídica do veto. Em outros termos, indaga-se:
o veto pode ser controlado judicialmente? Pode-se estabelecer uma distinção entre o veto por
inconstitucionalidade e o veto por contrariedade ao interesse público? Vejamos.
Controvérsia das mais debatidas na esfera doutrinária diz respeito à questão da (in)
sindicabilidade do veto. Segundo a doutrina majoritária e a jurisprudência dominante do Supremo
tribunal Federal, o veto é um ato puramente político, logo, insuscetível de controle judicial.
Consistindo em decisão reservada à discricionariedade do Chefe do Executivo, não poderia um
membro do poder Judiciário analisar, através de ação judicial, a conveniência e a oportunidade do ato.
Este é o entendimento predominante na jurisprudência e ratificado pelo Supremo Tribunal Federal por
ocasião do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1, ajuizada pelo
Partido Comunista do Brasil em face de veto de projeto de lei aposto pelo então Prefeito do Município
do Rio de Janeiro.
Cabe assinalar, no entanto, existência de uma corrente doutrinária minoritária – perfilhada,
entre outros, por GILMAR FERREIRA MENDES e GUSTAVO BINENBOJM – que sustenta a
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necessidade de diferenciação entre as duas espécies de veto previstas em sede constitucional. Aduz-se
que na hipótese de o Chefe do Executivo vetar um projeto de lei por entendê-lo contrário ao interesse
público, assume ele um ônus político na tomada de tal decisão, configurando-se, portanto, um ato de
natureza estritamente política. Tal modalidade de veto seria, desta forma, insindicável judicialmente.
O mesmo, entretanto, não poderia ser afirmado quanto à outra modalidade. No caso de
aposição de veto por inconstitucionalidade – controle prévio feito pelo Executivo –, entende tal
concepção que a violação ao texto constitucional deveria ser cabalmente justificada, sob pena de burla
ao devido processo legislativo. Explica-se.
Quando o Chefe do Executivo veta um projeto de lei, esse ato somente pode ser rejeitado
pelo voto da maioria absoluta dos membros da Casa Legislativa. Dispõe, nesse ponto, o parágrafo 4º
do artigo 66 que:
“Art. 66.
(...)
§ 4º - O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar
de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos
Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.”
Ou seja, em se tratando, por exemplo, de aprovação de uma proposta de lei ordinária,
bastaria o voto da maioria simples dos parlamentares. Todavia, para a rejeição do veto – por
inconstitucionalidade – passaria a ser necessário o voto da respectiva maioria absoluta. Admitir-se, de
forma irrestrita e desmotivada, a aposição de veto em tal situação acabaria por transformar um quorum
constitucional de maioria simples em maioria absoluta, acarretando, assim, uma ofensa ao devido
processo legislativo.
Em resumo, ao contrário do veto por contrariedade ao interesse público, o veto por
inconstitucionalidade não ostentaria a natureza de ato meramente político, podendo, desta maneira, ser
passível de controle judicial. O remédio processual cabível à espécie seria o Mandado de Segurança.
(c) Tem-se, por fim, em terceiro plano, a possibilidade de controle preventivo de
constitucionalidade a ser exercido pelo Poder Judiciário, na hipótese de proposta legislativa
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manifestamente inconstitucional. Versando sobre as chamadas “cláusulas pétreas”, preconiza o
parágrafo 4º, do artigo 60 da Lei Fundamental:
“Art. 60.
(...)
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.”
A partir de uma interpretação gramatical do dispositivo, que expressamente prevê que
“(...) não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir (...)”, admite a
jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal a possibilidade de controle judicial – difuso
ou por via de exceção – do ato normativo em formação.
Tal como no exemplo da sindicabilidade do veto por inconstitucionalidade, o remédio
constitucionalmente adequado seria o Mandado de Segurança que, na hipótese, somente poderia ser
impetrado por membro do Legislativo. Um ponto, portanto, merece ser evidenciado: consoante a
jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, a observância do “devido processo
legislativo” somente confere legitimidade ad causam a parlamentares, de tal forma que não se revela
viável a apreciação de medida judicial, nessa situação, intentada por terceiro que não ostente a
condição de parlamentar.
Examinadas as três situações de controle preventivo, relacionados ao processo de formação
legislativo, passa-se a analisar os casos de controle repressivo de constitucionalidade.
Cumpre, a título preliminar, esclarecer que, em regra, o controle repressivo vem a ser
exercido pelos membros do Poder Judiciário. Excepcionalmente, contudo, têm-se as seguintes
hipóteses de controle posterior efetuado pelos demais Poderes:
(a) em relação ao Poder Legislativo, ressalta-se o comando contido no inciso V, do artigo
49 da Constituição Federal, que preceitua ser competência exclusiva do Congresso Nacional “sustar os
atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de
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delegação legislativa”. Importa sublinhar: competindo ao Chefe do Executivo expedir decretos e
regulamentos para execução das leis (v. artigo 84, inciso IV da CF), bem como elaborar, mediante
delegação do Congresso Nacional, leis delegadas (v. artigo 68 da CF), eventual exorbitância dos
limites constitucionalmente estabelecidos pode - e deve - ser controlado pelo Congresso Nacional.
(b) em relação ao Tribunal de Contas, órgão auxiliar do Poder Legislativo previsto nos
artigos 70 e seguintes da Constituição Federal, admite a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a
apreciação da constitucionalidade, em sede de controle difuso ou por via de exceção, de leis e atos do
Poder Público. Confira-se, a respeito, o teor do Verbete de Súmula 347 do Tribunal: “o Tribunal de
Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do
Poder Público”.
(c) em relação ao Poder Executivo, destaca-se, na esteira da doutrina e jurisprudência
amplamente majoritárias, a possibilidade do controle posterior de constitucionalidade das leis
reputadas manifestamente inconstitucionais. Vale dizer, em virtude do princípio da Supremacia da
Constituição, compete ao Executivo – da mesma forma que os demais Poderes – negar a execução de
ato normativo incompatível com a Lei Fundamental.
OBSERVAÇÃO: Questão controvertida encontrada na doutrina diz respeito ao seguinte tema: em se
tratando uma norma de um ato emanado do Legislativo e, desfrutando, pois, de uma presunção
relativa de validade, pode o Chefe do Executivo – ou outra autoridade administrativa – se negar a
cumprir uma lei que repute manifestamente inconstitucional? Existem, basicamente, duas concepções
acerca do assunto.
Uma primeira concepção - minoritária na doutrina - entende que, em virtude do princípio
da presunção de constitucionalidade, na qualidade de corolário da Separação de Poderes, não
poderia um membro de outro Poder (no caso, do Executivo) se recusar a aplicar uma norma até então
em vigor. Por esse prisma, admitir uma mera recusa infundada no cumprimento da lei acabaria por
gerar uma situação de anarquia, sendo certo que, passando o teor do projeto por um controle
preventivo de constitucionalidade, se houve promulgação da norma, é porque existe um indício de
validade.
Não bastasse, em se tratando de um inconformismo do Governador do Estado, poderia ele
perfeitamente ajuizar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI ou ADIN) contra o ato
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normativo (estadual ou federal), pleiteando, caso assim entendesse, uma medida liminar. Em se
tratando do Prefeito, poder-se-ia ajuizar uma Representação por Inconstitucionalidade (RI) em face
de uma lei municipal ou estadual, perante o Tribunal de Justiça do respectivo Estado.
Uma segunda concepção - amplamente majoritária (advogada, entre outros, por LUÍS
ROBERTO BARROSO e GUSTAVO BINENBOJM) - defende a possibilidade de o Chefe do Executivo
se recusar a cumprir uma lei manifestamente inconstitucional. Por esse ponto de vista, o papel de
zelar pelo texto constitucional não seria privativo do Poder Judiciário (a este caberia tão somente
dizer o direito com definitividade), sendo certo que, em uma “sociedade aberta”, outros agentes
poderiam exercer uma tarefa de interpretar a Constituição. Além disso, como visto acima, em se
tratando, por exemplo, de uma lei federal, o Prefeito não teria legitimidade para ajuizar uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI ou ADN), por não constar no rol taxativo do artigo 103 da Lei
Fundamental.
Existe, ainda, um segundo argumento, de ordem legal. Confira-se a redação do §2º, do
artigo 102 da Constituição Federal de 1988:
“Art. 102.
(...)
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias
de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”
Ora, segundo o texto, a decisão definitiva proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI e ADC), produz um efeito vinculante – isto é, que não pode ser
desrespeitado, sob pena de Reclamação a ser endereçada ao Supremo Tribunal Federal - em relação
aos órgãos da “administração pública direta e indireta”. Vale dizer, fazendo-se uma interpretação a
contrario sensu do dispositivo, antes de uma decisão definitiva nas referidas ações de
inconstitucionalidade, não haveria qualquer óbice à recusa em cumprir o ato normativo pelos
membros do Poder Executivo. Esta foi a posição adotada em diversos julgados do Supremo Tribunal
Federal.
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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Uma nota, porém, merece ser registrada. Ao exercer tal múnus, deve-se ter em conta o
caráter excepcional de tal atividade pelo Executivo. Em regra, toda norma goza de uma presunção de
validade. A recusa pelo seu cumprimento deve ocorrer somente nos casos de manifesta
inconstitucionalidade, sob pena de posterior responsabilização do agente público.
7. Modalidades de Controle de Constitucionalidade.
Analisou-se, até o presente momento, as formas de controle preventivo de
constitucionalidade e as hipóteses excepcionais de controle repressivo exercido pelos Poderes
Legislativo e Executivo. Passa-se, nessa quadra da exposição, a investigar de forma minuciosa o
funcionamento do controle jurisdicional dos atos normativos, isto é, das normas já em vigor.
No âmbito do Poder Judiciário, o controle de constitucionalidade pode se dar pela via
difusa (também chamada de “via de exceção”, incidental ou aberta) ou concentrada (chamada “via de
ação direta”, abstrata ou fechada).
DIFUSO/ INCIDENTAL/ VIA DE EXCEÇÃO
CONTROLE
CONCENTRADO/ VIA DE AÇÃO DIRETA
CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI). ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). REPRESENTAÇÃO POR
INCONSTITUCIONALIDADE (RI).
1. Controle Concentrado de Constitucionalidade.
Examinadas as premissas teóricas acerca do tema, adentra-se, nessa quadra da exposição,
no estudo do controle concentrado de constitucionalidade. Cabe, a título preliminar, estabelecer as
principais diferenças entre as duas modalidades de controle acima enumeradas, a saber:
(a) no controle difuso, a decisão de (in)constitucionalidade do ato normativo atacado
consiste em uma mera questão prévia (questão prejudicial) ao deslinde da causa. Vale dizer, o pedido
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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principal da ação, na via de exceção, não é a declaração de inconstitucionalidade da norma. No
controle concentrado, por outro lado, a declaração de (in)constitucionalidade não é uma questão
prejudicial, mas o pedido principal da ação ajuizada.
(b) No controle difuso, qualquer juiz singular pode, em primeira instância, declarar a
inconstitucionalidade do ato normativo. Já no controle concentrado, como o próprio nome sugere,
existirá um órgão de cúpula competente para o julgamento da ação proposta pela via direta.
O controle concentrado - ou por via de ação direta – engloba, de forma precípua, quatro
espécies de ação: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e a Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.
2. Ação Direta de Inconstitucionalidade.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade encontra previsão nos artigos 102 e 103 da
Constituição da República, competindo ao Supremo Tribunal Federal o seu processamento e
julgamento. Consoante a dicção da alínea “a”, do inciso I, do artigo 102:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal
ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal;”
Além da expressa previsão constitucional, onze anos após a promulgação da Constituição
Federal, a referida ação (bem como a Ação Declaratória de Constitucionalidade) veio a ser
disciplinada pela Lei nº 9868 de 1999.
O OBJETO principal da Ação Direta de Inconstitucionalidade é fulminar a presunção
relativa de constitucionalidade (já examinada em ponto oportuno) desfrutada por qualquer lei ou ato
normativo.
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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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A NATUREZA JURÍDICA da Ação Direta de Inconstitucionalidade – tal como os demais
instrumentos de controle concentrado - é de PROCESSO OBJETIVO, assim entendido como aquele
que não possui partes individualizadas. Possui uma natureza eminentemente abstrata (ao contrário do
controle pela via difusa, suscitado mediante um caso em concreto). Diversamente do controle difuso,
na ADIN não existe propriamente um Autor e um Réu. No pólo ativo da ação se encontra um
Requerente, que é um dos legitimados para o seu ajuizamento, e no pólo passivo, um Requerido,
composto pela Casa Legislativa da qual emanou o ato sob ataque (no caso de ato normativo estadual, a
Assembléia Estadual; e no caso de ato federal, em regra, o Congresso Nacional).
2.1. Consequências Processuais da Natureza de Processo Objetivo.
2.1.1. Legitimados para a Propositura da Ação.
O caput do art. 103 da Constituição da República de 1988 enumera o rol dos legitimados
para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Convém observar que, com a nova redação
conferida ao dispositivo após a edição da Emenda Constitucional nº 45 de 2004 (denominada de
“Reforma do Judiciário”), revogou-se o §4º do referido comando, equiparando os legitimados para o
ajuizamento de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e ADIN. Além disso, na esteira da
jurisprudência até então dominante no Supremo Tribunal Federal, incluiu-se expressamente a Mesa da
Câmara Legislativa e o Governador do Distrito Federal no elenco de legitimados ativos ad causam.
Confira-se, a respeito, o teor do dispositivo:
“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a
ação declaratória de constitucionalidade:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do
Distrito Federal;
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”
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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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Três observações, em especial, merecem ser ressaltadas nesse tópico.
Primeiramente, atenta-se para o fato de que o elenco do artigo 103 é TAXATIVO (ou
numerus clausus), ou seja, não se admite outro legitimado ativo para o ajuizamento da demanda fora
daqueles agentes em destaque.
Além disso, observa-se que, diversamente do idealizado em outros sistemas constitucionais,
a Carta Constitucional em vigor não contemplou qualquer possibilidade de o cidadão ajuizar uma
ADIN. Significa dizer, não há no ordenamento brasileiro uma “Ação Popular de
Inconstitucionalidade”. Nesse ponto, no caso de violação constitucional de direito pertencente a
determinado indivíduo, revela-se recomendável o oferecimento de REPRESENTAÇÃO ao Ministério
Público Federal, a fim de que, caso assim entenda, possa propor, através do Procurador-Geral da
República, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) ou Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC).
Por fim, e este o ponto mais importante, chama-se atenção para a existência de distinção
criada por construção doutrinária e jurisprudencial entre LEGITIMADOS UNIVERSAIS (previstos
nos incisos I ao III, e VI ao VIII), que podem ajuizar a ação independentemente da questão
constitucional versada no processo, e LEGITIMADOS ESPECIAIS (incisos IV, V e IX), que somente
poderiam intentar ADIN para temas pertinentes à sua área de atuação. Cuida-se, na espécie, do
requisito da PERTINÊNCIA TEMÁTICA.
QUESTÃO: O Governador de um determinado Estado pode ajuizar Ação Direta de
Inconstitucionalidade em face de uma lei ou ato normativo de outro Estado? Como visto, em princípio,
sendo o Governador de Estado um legitimado especial, só poderia ajuizar uma ADIN em face de uma
lei estadual de sua unidade federativa. Excepcionalmente, contudo, poderia o Chefe do Executivo
estadual ajuizar uma ADIN em face de lei de outro Estado, caso essa acarretasse consequências fático-
jurídicas que repercutissem em sua esfera de atuação ou de seus governados. Assim , por exemplo,
uma lei de outro Estado que desrespeitasse a alíquota mínima – prevista por Resolução - de
determinado tributo, de forma que viesse a prejudicar a economia dos demais Estados-Membros.
Haveria, nessa hipótese, pertinência temática.
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
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OBSERVAÇÃO: Há doutrinador (como é o caso de GILMAR FERREIRA MENDES) que sustenta
que o requisito da “pertinência temática” seria inconstitucional, haja vista a ausência de previsão neste
sentido no texto constitucional de 1988.
Ainda com relação ao rol de legitimados do artigo 103 da Lei Maior, algumas
considerações particulares devem ser efetuadas:
(a) quanto aos incisos IV e V, a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal e o
respectivo o Governador foram acrescentados expressamente pela Emenda Constitucional nº 45 de
2004.
QUESTÃO: Pode o Presidente da República ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade em face de
lei federal por ele sancionada? Da mesma forma, pode o Governador do Estado propor ADIN em face
de lei estadual por ele sancionada? Trata-se de questão controvertida em âmbito doutrinário. Uma
parcela da doutrina (em especial CAIO TÁCITO) sustenta que não haveria qualquer impedimento
legal ou constitucional para tanto, sendo preferível ao Chefe do Executivo consertar o erro do que
persistir no mesmo. Uma segunda corrente (liderada por SEABRA FAGUNDES) sustenta que a
sanção aposta pelo Presidente ou Governador convalida o “vício” de constitucionalidade, de tal forma
que deveria o Chefe do Executivo, em momento oportuno exercer um controle preventivo de
constitucionalidade através do veto. O Supremo Tribunal Federal já ratificou esse entendimento, sob o
fundamento de que haveria uma impossibilidade lógica de figurar o mesmo agente como Requerente
(que propõe a ação) e Requerido no mesmo feito.
(b) quanto ao inciso VI, cabe assinalar que, sob a égide da Carta Constitucional de 1967 –
1969, o Procurador-Geral da República era único ente legitimado para a propositura de Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Atualmente, além de consistir em “legitimado universal”, atua como “fiscal da
lei” (custus legis) em todos os feitos desta natureza, emitindo um parecer opinativo.
(c) quanto ao inciso VII, somente o Conselho FEDERAL da Ordem dos Advogados do
Brasil pode propor ADIN, o mesmo não ocorrendo quanto às Seccionais Estaduais.
(d) quanto ao inciso VIII, entende-se como partido político “com representação no
Congresso Nacional” a presença de ao menos um parlamentar – Deputado Federal ou Senador –
integrante do partido. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já registrou que a perda
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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superveniente do mandato – ou a troca de legenda partidária – não implica na perda de objeto de
eventual Ação Direta de Inconstitucionalidade já ajuizada, haja vista a natureza de processo objetivo,
ou seja, sem partes individualizadas.
(e) quanto ao inciso IX, estabelece a jurisprudência uma diferença entre “federação
sindical” – prevista no artigo 534 da Consolidação das Leis Trabalhista (CLT) – e, composta, no
mínimo, por cinco sindicatos de atividades idênticas, e “confederação sindical” – prevista no artigo
535 da CLT -, composta por, no mínimo, três federações do mesmo ramo, desde que em âmbito
nacional. O entendimento dominante do Supremo Tribunal Federal é o de que a federação sindical não
possui legitimidade ativa para ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
No que se refere ao conceito de “entidade de classe de âmbito nacional”, são exigido dois
requisitos cumulativos: homogeneidade, isto é, a entidade deve agrupar membros de uma mesma
categoria profissional (não é o caso, por exemplo, da União Nacional dos Estudantes – UNE); e
especialidade, ou seja, a entidade deve reunir componentes em, no mínimo, nove unidades federativas,
nas cinco regiões do Brasil.
2.1.2. Impossibilidade de Desistência.
A segunda consequência processual da natureza da Ação Direta de Inconstitucionalidade é
que, sendo um processo objetivo, uma vez proposta a ação, não se admite a posterior desistência, nos
termos do artigo 5º da Lei nº 9868 de 1999. Ou seja, como não existem propriamente partes subjetivas
individualizadas, uma vez suscitada a atuação do Supremo Tribunal Federal, deve o órgão se
pronunciar acerca da validade ou não do ato normativo atacado.
2.1.3. Impossibilidade de Intervenção de Terceiros.
De acordo com o artigo 7º da Lei nº 9868 de 1999, não se revela cabível, em sede de
controle concentrado de constitucionalidade, hipótese de intervenção de terceiros, tal como
preceituado na legislação processual civil (por exemplo, denunciação da lide, oposição, chamamento
ao processo, etc). O raciocínio a ser utilizado é o mesmo do descrito no item anterior. Nada obstante, o
parágrafo 2º do mesmo dispositivo faz uma ressalva expressa, em seus termos:
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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“Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta
de inconstitucionalidade.
(...)
§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade
dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o
prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou
entidades.”
Como se observa, o §2º do artigo 7º traz uma importante inovação no ordenamento
brasileiro: a possibilidade de manifestação de outros entes, que atuarão na qualidade de AMICUS
CURIAE (expressão que designa “amigo da corte”). O instituto tem como fundamento teórico o
conceito de “sociedade aberta dos interpretes da Constituição”, idealizado na doutrina germânica por
PETER HÄBERLE. Por esse ângulo, a tarefa de interpretar a Constituição não seria exclusiva do
Poder Judiciário, que seria um mero intérprete qualificado das leis. Ao revés, existiriam diversos atores
sociais capazes de exercer tal papel.
A lei exige a presença de dois pressupostos cumulativos para a admissão do amicus curiae:
representatividade dos postulantes, ou seja, deve se tratar de ente de especial significado e amplitude
com interesse na questão; e relevância da matéria, isto é, da questão constitucional versada nos
processo. Como preceituado acima, o despacho do Ministro Relator da ADIN – que admite ou não o
ingresso do ente - é irrecorrível, sendo certo que, na hipótese de deferimento do pedido, abre-se um
prazo para a entidade apresentar memoriais a favor da (in)constitucionalidade do ato normativo
questionado.
2.1.4. Contraditório. A atuação do Advogado Geral da União.
Não havendo, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, um Réu específico, não há
que se falar em “contestação” ou “peça de bloqueio” ao pedido inicial. Distribuída a peça inicial
(ajuizada por um “Requerente”), procede-se à solicitação de informações por parte da Casa Legislativa
da qual emanou a norma (“Requerido”). Ato contínuo, passa-se à oitiva do Advogado Geral da União
(AGU) e do Procurador Geral da República (PGR), que exercem papéis distintos: o primeiro deve,
obrigatoriamente, defender o ato impugnado, ao passo que o segundo pode opinar pela validade ou não
do ato normativo. Veja-se, a propósito, a redação do artigo 8º da Lei nº 9868 de 1999:
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
22
“Art. 8º. Decorrido o prazo das informações, serão ouvidos,
sucessivamente, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da
República, que deverão manifestar-se, cada qual, no prazo de quinze
dias”.
O Advogado Geral da União, em reforço ao princípio de presunção de constitucionalidade
das leis, exerce uma função de “curador de constitucionalidade” da norma, nos termos do parágrafo 3º
do artigo 103 da Constituição Federal:
“§3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a
inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,
previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto
impugnado.”
Na esfera da Constituição Federal, portanto, o contraditório na Ação Direta de
Inconstitucionalidade é formado pelo pedido vestibular e pela manifestação do Advogado Geral da
União. O mesmo não ocorre, contudo, em sede de representação por Inconstitucionalidade,
instrumento de controle concentrado de leis e atos normativos em desacordo com a Constituição
Estadual (v. §2º do artigo 125 da Constituição Federal). Nesse caso, nem sempre seria o Procurador
Geral do Estado (PGE) obrigado a defender a constitucionalidade da lei municipal ou estadual,
pautando-se a sua atuação em conformidade com o disposto na respectiva Carta Estadual (No Rio de
Janeiro, por exemplo, o PGE atua como um “fiscal da lei”, podendo, de acordo com a Constituição
Estadual, oficiar no feito tanto pela constitucionalidade, quanto pela inconstitucionalidade da norma).
2.1.5. Impossibilidade de Dilação Probatória.
Em regra, por se tratar de um processo objetivo, não se admite dilação probatória em sede
de Ação Direta de Inconstitucionalidade, aplicando-se aqui o mesmo raciocínio utilizado para o
Mandado de Segurança, remédio constitucional em que a prova deve estar pré-constituída. Contudo, o
§1º do artigo 9º da Lei nº 9868 de 1999 preceitua que, excepcionalmente, no caso de o Relator da ação
não conseguir julgar o feito com base em sua própria convicção, pode ele designar um perito ou expert
para emitir um parecer sobre o assunto e, além disso, pode marcar uma audiência pública para ouvir
depoimentos de pessoas com autoridade na matéria ventilada. Trata-se, portanto, de mais uma
expressão da “sociedade aberta dos interpretes da Constituição”. Confira-se, por oportuno:
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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“Art. 9o Vencidos os prazos do artigo anterior, o relator lançará o
relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento.
§ 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou
circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações
existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais,
designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a
questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de
pessoas com experiência e autoridade na matéria.”
2.1.6. Impossibilidade de Admissão de Ação Rescisória.
Competindo o julgamento e processamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ao
Supremo Tribunal Federal, consistindo esse em órgão de cúpula do Poder Judiciário no sistema
constitucional brasileiro, a decisão final (acórdão) proferida pelo Tribunal não é suscetível de recurso,
não podendo, da mesma forma, ser objeto de Ação Rescisória, instrumento previsto no artigo 485 do
Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 26 da Lei nº 9868 de 1999:
“Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a
inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em
ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos
declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória”.
2.1.7. Efeito Modulador da Decisão.
Ao julgar procedente o pedido em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, ou seja, ao
declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, resta examinar qual o termo inicial da
produção dos efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. A questão tangencia a
natureza do ato de inconstitucionalidade. O ordenamento brasileiro, como já visto, adotou a tese da
nulidade, de tal forma que era pacífico o entendimento de que a lei inconstitucional seria nula ab initio,
logo, os efeitos da decisão final em ADIN seriam ex tunc (retroativos). No entanto, com o advento da
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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Lei 9868 de 1999, introduziu-se, a partir da redação de seu artigo 27, uma mitigação a tal raciocínio.
Prevê o aludido dispositivo:
“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e
tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse
social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços
de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir
que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
momento que venha a ser fixado.”
Sob críticas intensas de parcela da doutrina publicista, que entende que o artigo em
comento permitiria uma violação à supremacia da Constituição (existe ADIN em face do próprio
dispositivo pendente de julgamento no STF), positivou-se uma possibilidade de, por razões de
excepcional interesse social, o Supremo Tribunal Federal fixar um novo marco temporal para o início
dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Cabe registrar: pode o Tribunal, por 2/3 dos votos de seus membros, conferir efeitos
prospectivos (ex nunc) à decisão. Pode, da mesma maneira, em nome do princípio da segurança
jurídica, modular os efeitos, a fim de que somente passem a ter início após outra data a ser fixada no
acórdão.
OBSERVAÇÃO: A norma constitucional “em trânsito para a inconstitucionalidade” – em decisão
incomum no âmbito da jurisprudência pátria, o Supremo tribunal Federal, analisando a
constitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 1060 de 1950, que institui o prazo em dobro, para
interposição de recurso, para as Defensorias Públicas, entendeu que, em princípio, não haveria suposta
violação ao princípio da isonomia previsto na Lei Fundamental. Assim sendo, decidiu, mediante
interessante voto da lavra do Ministro Moreira Alves que a norma em causa seria “constitucional
enquanto a Defensoria Pública, concretamente, não estiver organizada com a estrutura que lhe
possibilite atuar em posição de igualdade com o Ministério Público, tornando-se inconstitucional,
porém, quando essa circunstância de fato não mais se verificar”.
2.2. Hipóteses de (Não) Cabimento de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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O parâmetro de controle para verificação de constitucionalidade de um ato normativo, em
sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, é a CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Nos termos do
disposto na alínea “a”, do inciso I, do artigo 102 da Lei Fundamental, a ação é cabível para o
questionamento de lei ou ato normativo ESTADUAL ou FEDERAL que viole a Constituição Federal.
Esta, portanto, a regra geral. Importa analisar, no entanto, as respectivas hipóteses de exceção, ou seja,
em quais casos não se revelará cabível o ajuizamento da referida ação. Vejamos.
(a) Lei municipal – por uma interpretação gramatical do texto constitucional, constata-se
não ser cabível a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face de lei ou ato normativo
municipal. De acordo com o sistema constitucional brasileiro, essa somente poderia ser objeto de
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
Suscita-se, entretanto, uma questão controvertida: imagine-se uma lei municipal
eventualmente incompatível com a Constituição Estadual, que esteja sendo objeto de Representação
por Inconstitucionalidade (RI). Suponha-se, então, que o dispositivo (parâmetro de controle) da
Constituição Estadual seja idêntico ao previsto na Constituição Federal. Admitir-se o cabimento da RI,
nessa hipótese, seria permitir, de forma oblíqua, um controle de lei municipal em face da Constituição
Federal. Assim sendo, para uma primeira concepção, não seria possível tal controle de
constitucionalidade.
Esta, porém, não é a posição majoritária. No caso de dispositivos da Constituição Estadual
idênticos ao da Constituição Federal - chamados de “normas de reprodução obrigatória” -, entende o
Supremo Tribunal Federal, a partir de uma interpretação literal do texto constitucional, que não haveria
qualquer óbice ao processamento de Representação por Inconstitucionalidade ajuizada em face de
determinada lei municipal. O que importa, na espécie, é o parâmetro de controle de validade do ato
impugnado (Constituição Estadual ou Federal).
(b) Lei anterior à Constituição Federal – no que concerne à legislação ordinária anterior à
Carta Constitucional incompatível com o novo texto, subsistem dois posicionamentos conflitantes.
Primeiramente, uma corrente sustenta que o efeito da incompatibilidade é a inconstitucionalidade
superveniente, devendo eventual conflito ser resolvido no campo da validade. Nesse caso, seria cabíevl
a provocação de jurisdição concentrada. Uma segunda corrente, procedente da doutrina alemã e
espanhola, entende que o efeito da incompatibilidade seria a revogação, devendo o conflito ser
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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resolvido no campo da vigência. Esta a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal (pelo voto de
oito Ministros) no julgamento da ADIN nº 2 de 1992.
Cabe esclarecer: tendo sido ratificada, no sistema brasileiro, a tese da “Revogação
Automática”, não se afigura cabível o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face de
lei anterior à Constituição.
(c) Lei de vigência temporária - norma de vigência temporária é aquela que, desde a sua
edição, já possui um termo final para encerramento da produção de seus efeitos. Caso seja a norma
incompatível com a Constituição Federal, será perfeitamente possível o ajuizamento de Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Ocorre que, sob crítica intensa da doutrina constitucionalista, a jurisprudência
dominante do Supremo Tribunal Federal aduz que, no caso de lei de vigência temporária, o advento do
termo final do prazo implica em perda do objeto de eventual ADIN proposta no curso de sua vigência.
(d) Lei de conteúdo administrativo – Em regra, segundo a teoria geral do direito, entende-se
como norma um “comando geral e abstrato”, ou seja, um ato destinado a toda a coletividade. De forma
excepcional, contudo, há determinadas normas despidas do caráter de generalidade e abstração. São
atos que possuem um destinatário específico, denominados de “leis de conteúdo administrativo” ou de
“efeitos concretos”. Assim, por exemplo, uma lei que concede homenagem a determinado cidadão
seria uma lei de efeito concreto. Da mesma forma, também o seria uma lei que permite o uso de um
bem público a uma empresa particular. Esses atos normativos, de efeitos meramente individuais, não
são suscetíveis, de acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, de
propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
(e) Decreto regulamentar – Como se infere de uma leitura atenta do texto constitucional
brasileiro, existem duas espécies de decreto em nosso ordenamento. Em primeiro lugar, exerce o
decreto, de maneira geral, a tarefa de regulamentação de uma lei anterior que o preceda. Nesse passo,
dispõe o inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal competir ao Presidente da República “expedir
decretos para fiel execução das leis”. Trata-se, pois, do chamado “decreto regulamentar”. De outra
banda, subsiste, em segundo lugar, outra espécie de decreto prescrita pelo inciso VI do mesmo artigo
84, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 32 de 2001 (a mesma que criou a nova disciplina
das “medidas provisórias”): o denominado “decreto autônomo”, caracterizado por prescindir de lei
anterior, mas restrito a determinadas hipóteses específicas, como, por exemplo, a “organização da
administração pública”.
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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Pois bem. De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, o decreto
regulamentar não pode ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Sendo o parâmetro de
controle de validade de um ato o texto constitucional, somente pode ser objeto de ADIN a lei (ou ato
normativo) que antecede o decreto. Esse, por sua vez, encontra o seu fundamento de validade na
própria lei que vem a regulamentar, de tal forma que, caso a lei venha a ser declarada inconstitucional,
consequentemente o decreto também perderá a sua validade, por derivação. Trata-se, no âmbito
doutrinário, do fenômeno da “inconstitucionalidade por arrastamento”.
O mesmo raciocínio, entretanto, não vem a ser aplicado quanto ao decreto autônomo. Esse
é caracterizado por inovar a ordem jurídica, de tal forma que, havendo desconformidade do seu texto
ou sua forma com a Constituição Federal (no caso de exorbitância dos poderes regulamentares, por
exemplo), equiparar-se-á a um “ato normativo”, podendo, assim, vir a ser objeto de ajuizamento de
Ação Direta de Inconstitucionalidade.
2.3. Procedimento na Ação Direta de Inconstitucionalidade.
O procedimento na Ação Direta de Inconstitucionalidade se encontra disciplinado na Lei nº
9868 de 1999 e apresenta uma série de peculiaridades, a saber:
(a) Petição inicial – diferentemente do ocorrido nas vias ordinárias e no âmbito do controle
pela via difusa, por ocasião do julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Supremo
Tribunal Federal não se encontra vinculado ao fundamento jurídico suscitado na peça inicial, ou seja,
em se tratando de um processo objetivo, sem partes individualizadas, não existe impedimento para que
o(s) Ministro(s) adote como razões de decisão para a declaração de inconstitucionalidade outro
fundamento totalmente distinto do alegado pelo Requerente na peça vestibular. Trata-se, pois, de uma
mitigação ao “princípio da adstrição” adotado na esfera processual civil.
(b) Quorum para julgamento – em conformidade com o Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, é necessária a presença de oito Ministros para início da sessão de julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade, e a respectiva decisão final deve ser tomada pela maioria
absoluta dos membros do Tribunal.
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
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(c) Medida liminar - a Constituição Federal prevê expressamente a possibilidde de
concessão de provimento cautelar em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, conforme o
disposto no artigo 102, inciso I, alínea “p”:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de
inconstitucionalidade;”
(d) Decisão final – nos termos do parágrafo 2º do artigo 102 da Constituição Federal, a
decisão final proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade produz um efeito vinculante:
“§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações
declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e
efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário
e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual
e municipal”.
Convém, portanto, sublinhar que o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal
produz uma vinculação às decisões judiciais inferiores, de tal sorte que, apesar de desfrutarem os
magistrados de uma “independência funcional”, não poderá ser prolatada decisão em sentido
conflitante com a matéria já decidida pelo órgão de cúpula.
O descumprimento do efeito vinculante enseja a possibilidade de oferecimento de
RECLAMAÇÃO perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos da alínea “l”, do inciso I, do artigo
102 da Lei Fundamental.
3. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
3.1. Histórico.
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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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Outro instrumento de controle concentrado de suma importância no sistema constitucional
brasileiro consiste na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Desde a sua
promulgação, a Constituição Federal de 1988 já continha expressa previsão da ação no parágrafo 1º do
artigo 102, com a seguinte redação:
“Art. 102.
(...)
§ 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental,
decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal
Federal, na forma da lei.”
Tratando-se de instituto de contornos indefinidos à época da edição do texto constitucional,
conferiu o legislador ao espectro da legislação ordinária a regulamentação do referido dispositivo.
Cuidando-se, portanto, de norma de eficácia limitada, somente com o advento da Lei nº 9882 de 1999,
passou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental a possuir eficácia no ordenamento
jurídico nacional.
Ao ângulo do Direito Comparado, a origem do instituto se relaciona ao “recurso de
amparo” do direito espanhol, bem como ao “recurso constitucional” do direito germânico,
instrumentos de extrema relevância para a proteção de direitos fundamentais dos cidadãos em tais
países.
3.2. Legitimação.
Na doutrina estrangeira, o “recurso constitucional” inspirador da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental pode ser manejado por qualquer cidadão que tenha sofrido
lesão a direito fundamental. No Brasil, a ampla legitimação prevista no artigo 2º da Lei nº 9882 de
1999 foi frustrada em razão de veto presidencial ao dispositivo, que permitia a sua utilização por
qualquer pessoa.
Sob forte crítica da doutrina especializada (em especial por MANOEL GONÇALVES
FERREIRA FILHO), a legitimação para a propositura da ação ficou restrita aos mesmos entes
descritos no artigo 103 da Constituição Federal, que podem, ainda, ajuizar Ação Direta de
Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade.
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3.3. Conceito de Preceito Fundamental.
Preceitua o caput do artigo 1º da Lei nº 9882 de 1999 que:
“Art. 1o A arguição prevista no § 1
o do art. 102 da Constituição Federal
será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto
evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do
Poder Público.”
A despeito da expressa previsão do juízo competente para o processamento da ação
(Supremo Tribunal Federal), tanto a Constituição Federal quanto a legislação ordinária foram omissas
quanto ao alcance do termo “preceito fundamental”, cuja violação ensejaria o ajuizamento da
demanda. Com efeito, de forma proposital, a legislação transferiu ao Supremo Tribunal Federal a
responsabilidade de delimitar o alcance da ação que, em tese, possui um objeto mais restrito do que a
Direta de Inconstitucionalidade, que pode ser proposta em face de qualquer lei ou ato normativo –
estadual ou federal – incompatível com o texto constitucional.
O ponto principal da questão reside em definir se existe uma hierarquia – ao menos
valorativa – entre preceitos constitucionais e, por conseguinte, qual seriam os “preceitos fundamentais”
passíveis de arguição. De maneira superficial, pode-se afirmar que, conforme posição pacífica do
Supremo Tribunal Federal, não há na Constituição “direitos absolutos”, ou seja, não há que se
mencionar em uma hierarquia normativa entre os dispositivos constitucionais. Todavia, ao menos para
uma parcela da doutrina (em especial DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO), poder-se-ia
estabelecer uma hierarquia axiológica entre os princípios constitucionais.
Especificamente sobre o ponto em foco, existe razoável consenso na doutrina publicista que
o conceito de “preceito fundamental” abrangeria:
(a) os princípios fundamentais da República prescritos no artigo 1º da Constituição Federal
(soberania cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e
pluralismo político);
(b) os direitos fundamentais previstos ao longo do texto constitucional (v. artigo 5º e
seguintes da Constituição Federal);
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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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(c) os princípios constitucionais “sensíveis”, dispostos no inciso VII do artigo 34 da Lei
Fundamental:
“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal,
exceto para:
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos
estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos
de saúde.”
3.4. Objeto.
De acordo com a legislação regulamentadora, a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental pode ter um caráter preventivo ou repressivo. Quanto ao alcance da expressão “ato do
Poder Público” ensejador da violação a preceito fundamental, subdivide a doutrina em um conceito
stricto sensu (mais restritivo) ou lato sensu (mais amplo), sendo o segundo mais utilizado.
Nesse passo, entende a doutrina especializada (com destaque para ANDRÉ RAMOS
TAVARES) que dentro do conceito de “ato do Poder Público” estariam os atos do Poder Executivo
(inclusive o “veto”), do Legislativo (leis e atos normativos), do Judiciário (decisões judiciais), bem
como de outros entes (como, por exemplo, Ministério Público e Tribunal de Contas) que acarretassem
lesão a um preceito fundamental.
OBSERVAÇÃO: De acordo com a legislação, os atos de caráter privado seriam, em princípio,
insuscetíveis de controle via Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, uma vez que o
texto fala em “ato do Poder Público”, porém, parte da doutrina (em especial DANIEL SARMENTO)
entende que a expressão deve ser empregada em sentido amplo, abrangendo também atos de
particulares investidos de autoridade pública. Aplicar-se-ia aqui o mesmo raciocínio jurídico utilizado
para o cabimento do “mandado de segurança”.
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OBSERVAÇÃO 2: Com relação ao VETO, destacam-se duas Arguições julgadas pelo Supremo
Tribunal Federal, com distintas decisões. No julgamento da ADPF nº 1, ajuizada pelo Partido
Comunista do Brasil (PC do B) contra veto do Prefeito do Município do Rio de Janeiro, entendeu o
Tribunal pelo não cabimento da ação, sob o fundamento de que o veto teria natureza de “ato político”,
logo, insuscetível de controle judicial.
No segundo caso, julgado em 2004 (ADPF nº 45), o Tribunal, através de decisão
monocrática proferida pelo Ministro Celso de Mello, entendeu pela possibilidade de controle de veto
presidencial mediante Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Valendo-se de um
conceito lato da expressão “ato do Poder Público”, concluiu-se que, estando em cena a tarefa de
concretização de políticas públicas tangenciadoras do “mínimo existencial”, não haveria qualquer
impedimento legal ao seguimento da ação.
3.5. Natureza da arguição.
No que se refere à sua natureza, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
pode ser autônoma – como ocorre na esmagadora maioria dos casos – ou incidental, que pode proposta
mediante a presença dos seguintes requisitos: violação de preceito fundamental; relevante fundamento
da controvérsia constitucional; e ato resultante de lei ou ato normativo (v., a respeito, o inciso I, do
parágrafo único, do artigo 1º da Lei nº 9882 de 1999).
De forma diversa da Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de
Constitucionalidade, entretanto, admite-se o cabimento da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental para impugnação de LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL e LEIS ANTERIORES
À CONSTITUIÇÃO, consoante o disposto na legislação:
“Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimento de
preceito fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional
sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os
anteriores à Constituição;”
Questão controvertida debatida em sede doutrinária diz respeito à possibilidade da
ampliação da competência do Supremo Tribunal Federal, feita pela lei ordinária em tela.
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Para uma primeira corrente (defendida por ALEXANDRE DE MORAES), o artigo acima
transcrito seria inconstitucional, à medida em que alargaria, por meio de legislação infraconstitucional,
competência do STF enumerada de forma taxativa pela Constituição Federal, precisamente em seu
artigo 102. De outro viés, uma segunda corrente sustenta a possibilidade de a lei ampliar o alcance do
controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que foi o próprio legislador constituinte
originário que delegou integralmente ao legislador ordinário a definição do objeto da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental. Esta a posição perfilhada pela maioria da doutrina e
acolhida pelo Supremo Tribunal Federal.
OBSERVAÇÃO: o grande problema trazido pela Lei nº 9882 de 1999 é que, uma vez vetada a ampla
legitimação a qualquer cidadão, não conferiu a legislação legitimidade a nenhuma entidade municipal
(Prefeito, Mesa da Câmara, etc) para deflagrar a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental.
3.6. Procedimento. A Regra da Subsidiariedade.
O procedimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental segue o mesmo
trâmite da Ação Direta de Inconstitucionalidade: citação do Advogado-Geral da União; manifestação
do Procurador-Geral da República; possibilidade de concessão de liminar; e quorum (inclusive pela
constitucionalidade) semelhantes aos da Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de
Constitucionalidade.
Por outro lado, reveste-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de uma
particularidade: nos termos do artigo 4º, parágrafo 1º, da Lei nº 9882 de 1999, a ação somente se revela
cabível na hipótese de “não haver outro meio capaz de sanar a lesividade”:
“Art. 4o (...)
§ 1o Não será admitida arguição de descumprimento de preceito
fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a
lesividade.”
O dispositivo trata da denominada “regra da subsidiariedade”, que traduz a impossibilidade
de ajuizamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental quando viável a propositura
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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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de outra medida. Assim, por exemplo, com a finalidade de se declarar a inconstitucionalidade de ato
normativo federal, sendo cabível o ajuizamento de ADIN, não será admitida a ADPF.
Resta, no entanto, investigar qual o alcance da expressão tomada pela legislação. Nessa
linha, consoante a doutrina majoritária (em especial GILMAR FERREIRA MENDES), há de se adotar
uma interpretação relativa, de tal sorte que os outros “meios eficazes” diriam respeito tão-somente aos
demais instrumentos de controle de constitucionalidade, tal como ADIN e ADC. Não seria o caso,
portanto, de se cogitar o cabimento de outros remédios processuais ou constitucionais, como a
interposição de Recurso Extraordinário ou a impetração de Mandado de Segurança.
3.7. Efeitos da Decisão.
Tal como nos demais instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade, a
decisão final proferida em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental tem eficácia
erga omnes e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Público. Nos termos do artigo
10 da Lei nº 9882 de 1999:
“Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou
órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as
condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito
fundamental.
§ 1o O presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da
decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.
§ 2o Dentro do prazo de dez dias contado a partir do trânsito em julgado
da decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial do
Diário da Justiça e do Diário Oficial da União.
§ 3o A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante
relativamente aos demais órgãos do Poder Público.
O desrespeito à autoridade da decisão enseja a interposição de RECLAMAÇÃO perante o
Supremo Tribunal Federal. Confira-se, a respeito, o teor da alínea “l”, do inciso I, do artigo 102 da
Constituição da República:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
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(...)
l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da
autoridade de suas decisões;”
Finalizando, aplica-se também à decisão em Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental a possibilidade de “modulação dos efeitos temporais”, na forma do preceituado pelo
artigo 11 da lei 9882/99:
“Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo,
no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e
tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse
social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços
de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir
que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
momento que venha a ser fixado.”
4. Controle de Constitucionalidade no plano estadual.
4.1. Considerações preliminares.
A título preliminar, convém tecer breves considerações acerca da aplicação da cláusula de
Reserva de Plenário, disposta no artigo 97 da Constituição Federal. Em seus termos, “somente pelo
voto da maioria absoluta de seus membros, ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os
tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”
Uma observação se mostra importante nesse ponto: conforme lição clássica do controle
pela via difusa, qualquer juiz de primeiro grau pode, na primeira instância, declarar a
inconstitucionalidade de um ato normativo. Em segundo grau de jurisdição, no entanto, uma Câmara
(Cível ou Criminal) tem duas opções: caso entenda pela constitucionalidade da lei, pode perfeitamente
julgar o recurso interposto por uma das partes. Caso conclua pela existência de indícios de
inconstitucionalidade, faz-se mister a suspensão do feito e o encaminhamento dos autos judiciais ao
Órgão Especial do Tribunal de Justiça, a quem competirá o julgamento da Arguição de
Inconstitucionalidade. O raciocínio acima descrito se aplica simetricamente para atos normativos
municipais e estaduais.
- DIREITO CONSTITUCIONAL -
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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OBSERVAÇÃO: Parcela da doutrina publicista entende que as Turmas Recursais têm a faculdade de
não submeter a Arguição de Inconstitucionalidade à apreciação do Órgão Especial, pelo simples fato
de pertencerem à primeira instância da organização judiciária, apesar de exercerem o duplo grau de
jurisdição na esfera das causas de menor complexidade previstas na Lei nº 9099 de 1995 (Lei dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais).
Quanto à suspensão da execução da lei municipal declarada inconstitucional em face da
Constituição Estadual, certo é que, simetricamente à disposição da Constituição Federal (que atribui ao
Senado Federal a competência privativa para tal finalidade), algumas Cartas Estaduais atribuem à
Câmara Municipal ou, em outros casos, à Assembléia Legislativa a referida competência. No âmbito
do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, o inciso XVI do artigo 99 da Constituição preceitua que
“compete privativamente à Assembléia Legislativa suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
ou ato normativo estadual ou municipal declarado inconstitucional por decisão definitiva do Tribunal
de Justiça”.
4.2. A Representação por Inconstitucionalidade.
No que se refere ao controle concentrado de constitucionalidade no plano estadual, dispõe o
artigo 125, §2º da Constituição da República:
“Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios
estabelecidos nesta Constituição.
(...)
§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais
em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação
para agir a um único órgão.”
De forma similar à Ação Direta de Inconstitucionalidade, estabeleceu o texto constitucional
a possibilidade de instrumento análogo de controle concentrado de constitucionalidade na esfera
estadual. Cuida-se da REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE (RI), a ser instituída
por cada Estado-Membro em sua Constituição Estadual. Devido à capacidade de auto-organização,
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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
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cada Carta Estadual goza de autonomia, podendo estabelecer um rol próprio de legitimados para
propositura da ação, sendo vedado tão-somente a sua atribuição a um órgão exclusivo.
Tratando-se de processo de natureza objetiva, as mesmas consequências processuais
descritas anteriormente para a Ação Direta de Inconstitucionalidade são observadas em sede de
Representação por Inconstitucionalidade (exemplo: impossibilidade de desistência, intervenção de
terceiros, etc), de acordo com o “princípio da simetria”.
De forma distinta, todavia, cabe ressaltar que o parâmetro de controle para verificação de
validade de um ato normativo é a Constituição Estadual, podendo ser objeto de Representação por
Inconstitucionalidade as leis ou ato normativos municipais ou estaduais.
OBSERVAÇÃO: Veja-se, a propósito, que a legislação estadual, sob o prisma do controle
concentrado, pode ser objeto tanto de Representação por Inconstitucionalidade (quando violar o texto
constitucional estadual) quanto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (quando violar a Constituição
Federal).
A competência para o julgamento da ação é do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do
estado, sendo a decisão (acórdão) proferida em sede de Representação por Inconstitucionalidade
suscetível de Recurso Extraordinário com destino ao Supremo Tribunal Federal.
Por fim, cabe sublinhar um ponto importante. Conforme examinado, na Ação Direta de
Inconstitucionalidade, dispõe o parágrafo 3º do artigo 103 que o Advogado Geral da União deve ser
“citado” para defender o ato atacado:
“Art. 103.
(...)
§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a
inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,
previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto
impugnado.”
No plano estadual, contudo, cabe à Constituição do Estado definir sobre a existência ou não
de um “curador de constitucionalidade”. Apenas a título de ilustração, a Carta de São Paulo e Minas
Gerais atribuem ao Procurador Geral do Estado (PGE) tal tarefa. No Rio de Janeiro, por outro lado, o
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PGE atua como um mero “fiscal da lei”, podendo, consoante o disposto no parágrafo 3º do artigo 162
da Constituição do Estado, apresentar manifestação tanto pela constitucionalidade, quanto pela
inconstitucionalidade do ato normativo. Pode, além disso, atuar como Requerente, sendo um dos
legitimados para ajuizamento da ação.