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CAO-Crim
Boletim Criminal Comentado – n° 41
Subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais
Mário Luiz Sarrubbo
Coordenador do CAO Criminal
Arthur Pinto Lemos Junior
Assessores
Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira
Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal
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ESTUDOS DO CAOCRIM ............................................................................................................................3
Tema: Recurso de ofício no CPP (art. 574). Constitucionalidade. Condição exigida por lei ............. 3
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ..........................................5
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1- Tema: Busca e apreensão - Nulidade- Ausência de lacre em todo o material apreendido- Prejuízo
não demonstrado - Presunção de validade dos atos praticados por funcionários
públicos ............... 5
2- Tema: Tribunal do Júri- Decisão manifestamente contrária à provas dos autos- Afastamento da
qualificadora pelo Tribunal de origem ........................................................................................... 6
DIREITO PENAL:
1- Tema: STJ - a unificação de penas não enseja a alteração da data-base para concessão de novos
benefícios na execução penal ........................................................................................................ 8
2- Tema: Dosimetria da pena. Condenação anterior transitada em julgado. Personalidade do
Agente. Valoração negativa. Fundamentação
inidônea .............................................................................12
3- Tema: Associação para o tráfico de drogas- Livramento
condicional ........................................... 13
STF/STJ: Notícias de interesse institucional .......................................................................................... 15
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ESTUDOS DO CAOCRIM
1-Tema: Recurso de ofício no CPP (art. 574). Constitucionalidade. Condição exigida por lei.
Parte da doutrina critica a classificação do recurso em voluntário e de ofício, entendendo que é
impossível falar-se em recurso de ofício, já que o recurso depende sempre da vontade da parte
prejudicada, não tendo o juiz qualquer interesse em impugnar sua própria decisão.
Ademais, recurso pressupõe sucumbência e o juiz que recorre de sua própria decisão o faz por uma
imposição legal, jamais por ter sido atingido pelo decisum. Essa doutrina prefere denominar a
necessidade de se submeter a decisão a uma nova apreciação como condição de eficácia da
sentença, verdadeira condição necessária à preclusão ou trânsito em julgado da decisão (nesse
sentido, Vicente Greco Filho, Manual de Processo Penal p. 349; Ada, Magalhães e Scarance, Recursos
no processo penal, p. 35).
Com o advento da Constituição de 1988, que em seu art. 129, inc. I, conferiu ao Ministério Público a
titularidade privativa da ação penal pública, se chegou a discutir sobre a permanência em vigor dos
dispositivos que exigem o reexame necessário (nesse sentido, RT 677/374). Entendeu-se que, se a
ação penal é exclusiva do parquet e se o recurso nada mais é do que um desdobramento do direito
de ação, verdadeira prorrogação da fase de conhecimento, cabe somente a esse órgão a iniciativa de
recorrer ou não. Ademais, ao recorrer de ofício, o juiz estaria dando indevido impulso ao processo,
em atividade deferida apenas ao Ministério Público, afrontando, com isso, o sistema acusatório,
definitivamente implantado com a Constituição. Vale observar, ainda, que o recurso de ofício já
mereceu previsão constitucional, como se depreende do art. 101, parágrafo único, da Constituição
de 1937. A atual, porém, não faz qualquer referência a ele.
A crítica, embora reavivada a partir da Constituição de 1988, não é nova e foi apontada por Alfredo
Buzaid, em monografia escrita há mais de 50 anos, que, embora mais focada no processo civil, assim
concluiu: “Existindo, atualmente, no seio da organização judiciária do País, órgãos especializados e
suficientemente aptos para promoverem a defesa do fisco, dos menores, interditos e ausentes, não
há necessidade de se manter um recurso que João Monteiro, com muita razão, crismou com a
denominação de extravagância judiciária. Convém, portanto, a jure constituendo, extirpá-lo do
Código como um remédio de energia terapêutica negativa ... E isto porque, nem histórica nem
cientificamente, se justifica sua manutenção no sistema do direito processual vigente” (Da apelação
ex officio, pp. 57 e 58, apud José Frederico Marques, Estudos de direito processual penal, p. 261).
Não é, porém, o entendimento que prevaleceu, já que a iniciativa do juiz se restringe a determinar a
subida dos autos ao Tribunal por força de imposição legal, sem que esteja, a rigor, recorrendo de sua
decisão, mas apenas submetendo-a, para que tenha eficácia, a uma condição exigida pela lei.
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É o interesse público que recomenda, dependendo da matéria, seja a decisão submetida a um
reexame pela instância superior, sendo que essa cautela do legislador jamais pode ser entendida
como capaz de atentar contra o monopólio da ação penal pública conferida ao parquet. Nesse
sentido o posicionamento do STF, reafirmando a permanência do recurso de ofício (Informativo nº
25, de 10.4.1996).
Não viola o princípio do contraditório
“O recurso de ofício ou necessário é providência imposta por lei para o reexame das decisões
judiciais previstas no art. 574, incs. I e II, do Código de Processo Penal, pelos órgãos jurisdicionais
superiores, para que se aperfeiçoe o trânsito em julgado da sentença. Inteligência da Súmula n.º 423,
da Suprema Corte: ‘Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se
considera interposto ex lege.’ A remessa oficial não fere o princípio do contraditório e tão-pouco a
alteração do julgado por ela produzida ocasiona prejuízo ao réu, porquanto devolve a causa
integralmente ao Tribunal revisor, não havendo, pois, falar em julgamento extra petita, bem como
em reformatio in pejus na sua alteração pela instância superior, pois nada que se decidiu se faz
precluso. Precedentes desta Corte e do STF” (STJ – RHC n° 17143-SC, Rel. Laurita Vaz, j. 28.11.2007,
DJ 17.12.2007, p. 223).
Não foi revogado pela atual Constituição
“O impropriamente denominado “recurso ex-offício” não foi revogado pelo art. 129, I, da
Constituição, que atribui ao Ministério Público a função de promover, privativamente, a ação penal,
e, por extensão, a de recorrer nas mesmas ações. A pesquisa da natureza jurídica do que se contém
sob a expressão “recurso ex-offício” revela que se trata, na verdade, de decisão que o legislador
submete a duplo grau de jurisdição, e não de recurso no sentido próprio e técnico” (STF – RHC n°
74714-PI, Rel. Mauricio Corrêa, j. 24.06.1993, DJ 22.08.1997, p. 38761).
*Este estudo foi provocado pelo Procurador de Justiça, Dr. Sérgio Neves Coelho.
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1- Tema: Busca e apreensão - Nulidade- Ausência de lacre em todo o material apreendido- Prejuízo
não demonstrado - Presunção de validade dos atos praticados por funcionários públicos.
STJ- RHC 59.414/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
27/06/2017, DJe 03/08/2017
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. RECORRENTE DENUNCIADO POR CRIMES DE
QUADRILHA, CORRUPÇÃO ATIVA, FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO,
DESCAMINHO, EVASÃO DE DIVISAS E LAVAGEM DE DINHEIRO. BUSCA E APREENSÃO. NULIDADE.
AUSÊNCIA DE LACRE EM TODO O MATERIAL APREENDIDO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO.
PRESUNÇÃO DE VALIDADE DOS ATOS PRATICADOS POR FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS. QUESTÃO QUE
ENVOLVE APROFUNDADO EXAME DE PROVAS. EXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS A EMBASAR A
DENÚNCIA. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.
1. É assente na jurisprudência desta Corte e do STF que a demonstração do prejuízo é essencial à
alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta. Art. 263 do CPP. (RHC 110.623/DF, 2ª. T., Rel.
Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJ 26/3/2012 e o AgRg no AREsp. 699.468/PR, 6ª T., Rel. Min.
ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, DJe 24/5/2017 e HC 275.203/SP, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, 5ª T., DJe
15/3/2017).
2. Não há falar em nulidade se a busca e apreensão obedeceu fielmente ao disposto no art. 240 e
seguintes do Código de Processo Penal. A ausência de lacre em todos os documentos e bens - que
ocorreu em razão da grande quantidade de material apreendido - não torna automaticamente
ilegítima a prova obtida a partir da medida, a ensejar a nulidade da ação penal, mormente quando
afirmado pelo MM.
Juiz e pelo Tribunal a quo que a prova coletada na referida busca e apreensão foi uma das utilizadas
para embasar a denúncia, mas não foi a única.
3. Compete a defesa infirmar a presunção de validade e legitimidade dos atos praticados por agentes
públicos, demonstrando de forma concreta o descumprimento das formalidades legais e essenciais, e
especificamente no caso concreto, que o material apreendido e eventualmente não lacrado foi
corrompido ou adulterado, de forma a causar prejuízo a defesa e modificar o conteúdo da prova
colhida.
4. Não alegado ou apontado real prejuízo, nem sequer afirmada a nulidade da decisão que
determinou a busca e apreensão ou o descumprimento dos ditames do art. 240 e seguintes do
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Código de Processo Penal, bem assim que os documentos ou bens apreendidos foram efetivamente
corrompidos, limitando-se a defesa a inferir/deduzir que a ausência de lacre em todo o material
colhido era suficiente para transformar a prova em ilegítima e a nulidade em absoluta.
5. É inviável, no âmbito do habeas corpus, a apreciação de questões que demandam o revolvimento
aprofundado de material fático-probatório.
6. Recurso Ordinário desprovido.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
É lição sempre presente na doutrina que, para que seja declarada uma determinada nulidade, é
preciso a demonstração do prejuízo sofrido pela parte interessada, em decorrência da omissão, nos
termos do dispositivo em exame. É a aplicação do brocardo francês denominado pas de nullité sans
grief. Assim, se o ato foi praticado em desconformidade com a lei, mas, a despeito disso, não
acarretou qualquer prejuízo, ele é válido. Isso em se tratando de nulidade relativa. A preterição da
forma, portanto, não é causa, por si só, do reconhecimento da nulidade, desde que o ato tenha
atingido seu objetivo.
Tratando-se, porém, de nulidade absoluta, alerta a mesma doutrina ser desnecessária a
demonstração do prejuízo, pois ele é presumido.
Os Tribunais Superiores, contudo, vêm assentando que a demonstração de prejuízo, a teor do art.
563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que “o âmbito
normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende
as nulidades absolutas”.
2- Tema: Tribunal do Júri- Decisão manifestamente contrária à provas dos autos- Afastamento da
qualificadora pelo Tribunal de origem
STJ- RECURSO ESPECIAL Nº 1.794.885 - SP (2019/0034986-8)
Ementa
PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO
MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVAS DOS AUTOS. AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS PELO
TRIBUNAL DE ORIGEM. PLEITO MINISTERIAL. NULIDADE. OFENSA À SOBERANIA DOS VEREDICTOS.
SÚMULA 568/STJ. RECURSO PROVIDO
Esta jurisprudência foi incluída a pedido do Setor de Recursos Criminais Extraordinários e Especiais.
Clique aqui para ter acesso ao inteiro teor da decisão
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
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O Tribunal de Justiça, reconhecendo que a decisão dos jurados contrariou a prova dos autos,
determina a realização de um novo julgamento (§ 3º, do art. 593). Não pode o Tribunal, portanto, ao
apreciar a apelação, condenar ou absolver, ainda que parcialmente, sob pena de ferir o princípio da
soberania do júri.
Essa conclusão deriva de garantia constitucional, mais precisamente, artigo 5º., inciso XXXVIII, alínea
"c" (soberania dos veredictos no Tribunal do Júri).
O Tribunal de Justiça, em sede de recurso de apelação, ao modificar a opção feita pelos jurados,
retirando as qualificadoras reconhecidas e redimensionando a pena aplicada, viola, obviamente, o
dispositivo constitucional acima destacado.
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DIREITO PENAL:
1- Tema: STJ - a unificação de penas não enseja a alteração da data-base para concessão de novos
benefícios na execução penal.
DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ no dia 27/03/2019
Em sessão do plenário virtual ocorrida no período de 12/12/2018 a 18/12/2018, a Terceira Seção do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), de forma unânime, afetou dois recursos especiais para julgamento
sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.006) e, com base em jurisprudência consolidada na corte,
fixou tese no sentido de que a unificação de penas não enseja a alteração da data-base para
concessão de novos benefícios na execução penal.
Como a questão jurídica já estava pacificada nos colegiados de direito penal, a seção estabeleceu a
tese na mesma assentada em que se decidiu pela submissão da matéria ao rito dos repetitivos.
Assim, tanto a afetação quanto a fixação da tese foram decididas na mesma sessão virtual,
representando maior celeridade e racionalidade aos trabalhos da corte
O procedimento, inédito no STJ, segue modelo já adotado no Supremo Tribunal Federal (STF):
havendo jurisprudência consolidada, é possível a reafirmação do entendimento no mesmo prazo que
o plenário virtual tem para decidir sobre a presença ou ausência de repercussão geral.
A Terceira Seção já havia consolidado o entendimento sobre a definição da data-base no caso da
unificação de penas ao julgar o REsp 1.557.461, em março de 2018. Todavia, a fixação da tese no
âmbito do sistema de recursos repetitivos permitirá maior segurança jurídica, estabilidade e
coerência à jurisprudência do STJ, conforme estabelecido pelos artigos 926 e 927 do CPC/2015.
Os recursos especiais foram admitidos como representativos da controvérsia pelo primeiro vice-
presidente do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) ante a identificação de posicionamentos
conflitantes entre juízes e órgãos fracionários da Justiça paranaense. No STJ, o Ministério Público
Federal opinou pela afetação dos recursos ao rito dos repetitivos, destacando que, embora a questão
sobre a unificação de penas já tenha sido decidida pela Terceira Seção, o STJ ainda teria que se
manifestar em diversos outros processos sobre o mesmo tema.
Aspectos práticos
O presidente da Comissão Gestora de Precedentes do STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
destacou os reflexos práticos na gestão de processos em andamento nos juízos e tribunais do país
em que discutida a mesma questão submetida à reafirmação de jurisprudência no plenário virtual da
Terceira Seção.
O primeiro é o referente à divulgação qualificada da posição da corte sobre determinada questão
jurídica, que passará a ser catalogada com uma numeração correspondente ao tema repetitivo e terá
destaque em pesquisas de jurisprudência da corte. Por outro lado, ele ressaltou a possibilidade de
resolução mais célere dos processos, pois juízes e tribunais deverão observar a tese fixada pelo STJ
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nos casos em tramitação, e eventuais recursos especiais interpostos contra as decisões dos tribunais,
em regra, não serão encaminhados ao STJ em atenção aos incisos I e II e do parágrafo 2º do artigo
1.030 do CPC.
O ministro Sanseverino destacou, por fim, o reflexo dessa metodologia de julgamento no
desestímulo ao ajuizamento de novas demandas processuais, bem como a desistência daquelas em
tramitação, tendo em vista ser fato notório que a ausência de critérios objetivos para a identificação
de qual é a posição dos tribunais com relação a determinado tema incita a litigiosidade processual.
Título executivo
A relatoria dos recursos repetitivos coube ao ministro Rogerio Schietti Cruz, que também foi o relator
do REsp 1.557.461. Em um dos casos analisados sob o rito dos repetitivos, o Ministério Público do
Paraná contestava acórdão do TJPR que afastou a data do trânsito em julgado da última condenação
como marco para a concessão de novos benefícios e, por consequência, fixou como termo inicial a
data da última prisão.
Segundo o MP, a data do último delito não poderia ser considerada como início da execução penal,
tendo em vista que a sentença penal condenatória apenas se torna título executivo finalizado
quando transitar definitivamente em julgado.
O ministro Schietti destacou que, antes da tese mais recente fixada pela seção, os colegiados de
direito penal possuíam o entendimento pacificado de que, sobrevindo condenação definitiva do
apenado por fato anterior ou posterior ao início da execução penal, a contagem do prazo para
concessão de benefícios era interrompida para a realização de novo cálculo. Além disso, as turmas
entendiam que o marco para a concessão de futuros benefícios deveria ser a data do trânsito em
julgado da última sentença condenatória.
Com base nos artigos 111 e 118 da Lei de Execução Penal, Schietti apontou que, diante da
superveniência do trânsito em julgado de sentença condenatória, caso o somatório de pena obtido
não permita a preservação do regime de cumprimento da pena, o novo regime será determinado por
meio do resultado da soma e, consequentemente, o sentenciado estará sujeito à regressão.
Sem respaldo legal
No entanto, o relator explicou que a alteração da data-base para concessão de novos benefícios
executórios, em razão da unificação das penas, não encontra embasamento legal. Segundo o
ministro, a desconsideração do período de cumprimento de pena desde a última prisão ou desde a
última infração disciplinar – seja por delito ocorrido antes do início da execução da pena, seja por
delito praticado depois e já apontado como falta disciplinar grave – configura excesso de execução.
Além disso, de acordo com o relator, a alteração da data-base em razão da superveniência do
trânsito em julgado da sentença condenatória, além de não ter embasamento legal, implica
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conjuntura incongruente, “na qual o condenado que já havia progredido é forçado a cumprir lapso
superior àquele em que permaneceu em regime mais gravoso para que novamente progrida”.
Efeitos
Segundo Schietti, caso o crime cometido no curso da execução penal tenha sido registrado como
infração disciplinar, seus efeitos já terão repercutido no âmbito do cumprimento da pena, tendo em
vista jurisprudência do STJ no sentido de que a prática de falta grave interrompe a data-base para
concessão de novos benefícios executórios, à exceção do livramento condicional, da comutação de
penas e do indulto.
“É forçoso registrar que mesmo o delito cometido no curso da execução da pena, caso tenha sido
registrado como infração disciplinar, já repercutiu seus efeitos, de modo que a superveniência do
trânsito em julgado da sentença condenatória não representa, em verdade, novo evento, ou seja,
também não poderia servir de parâmetro para análise do mérito do apenado”, concluiu o ministro ao
fixar a tese repetitiva.
Leia o acórdão.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Até há algum tempo, o STJ seguia a orientação ainda adotada pelo STF, segundo a qual, uma vez
unificada a pena, não há sentido na manutenção do marco inicial para a concessão de futuros
benefícios da execução, como a progressão de regime e o livramento condicional. Com isso,
sobrevindo condenação definitiva e unificadas as penas, interrompe-se a contagem de prazo para a
concessão de benefícios:
“(…) 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se fixou no sentido de que
“a superveniência de nova condenação definitiva no curso da execução criminal sempre altera a
data-base para concessão de benefícios, ainda que o crime tenha sido cometido antes do início de
cumprimento da pena. A data do trânsito em julgado da nova condenação é o termo inicial de
contagem para concessão de benefícios, que passa a ser calculado a partir do somatório das penas
que restam a ser cumpridas” (HC 101.023, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de
26/3/2010). 3. In casu, o recorrente, em sede de execução da pena privativa de liberdade, sofreu
nova condenação, a qual resultou na soma das penas com interrupção do lapso temporal para
contagem do prazo para aquisição de benefícios, dentre eles a progressão de regime. (…)” (RHC
135.826 AgR/MG, j. 26/05/2017)
Embora não haja previsão legal expressa a respeito da interrupção do prazo, o STF considera que a
interpretação conjunta dos artigos 111, parágrafo único e 118, inc. II, da LEP leva à conclusão de que
reiniciar a contagem é a solução mais adequada. Nas palavras do ministro Ricardo Lewandowski, “se
a legislação prevê a possibilidade de regressão de regime, quando a unificação das penas resultar na
necessidade de sua alteração, resta evidente que a data-base também deve ser alterada, uma vez
que seria ilógico regredir o regime do sentenciado sem se alterar o termo inicial para concessão de
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benefícios, pois chegar-se-ia à situação absurda de, ao mesmo tempo em que se reconhece a
necessidade de regressão em razão de condenação superveniente, esta não surtiria efeito pelo fato
de o preso já ter direito à progressão” (HC 101.023/RS).
Ocorre que, no julgamento do recurso especial 1.557.461/SC, proferido em 22 de fevereiro de 2018,
a Terceira Seção do STJ firmou orientação divergente, que contraria inclusive o que vinham
decidindo ambas as turmas que compõem aquele colegiado.
O fundamento primário para a mudança de orientação foi a ausência de disposição legal que
determine a interrupção do prazo.
Segundo observou o ministro Rogério Schietti Cruz, impor a interrupção do prazo para a concessão
de benefícios ofende a legalidade e pode levar a situações de injustiça. Ofende-se a legalidade
porque, como já destacado, a Lei de Execução Penal não contempla a interrupção, e inferir que a
contagem de tempo para benefícios é consectário puro e simples da regressão não é razoável. Além
disso, apontou o ministro, há situações em que o condenado pode ser prejudicado duas vezes, como
no caso em que o crime cuja condenação gerou a unificação das penas tenha sido cometido durante
a própria execução.
Com efeito, a prática de crime doloso durante a execução caracteriza falta grave, que, nos termos da
súmula 534 do STJ, interrompe o prazo para a progressão de regime. E, segundo a orientação do
próprio STJ, basta, para isso, a notícia da prática do crime, dispensando-se que se aguarde o trânsito
em julgado. Logo, o condenado que praticasse crime doloso durante a execução poderia ter o prazo
de progressão interrompido no momento da prática do crime e também depois, quando a pena
decorrente desse novo crime fosse unificada com o restante da pena que já estava sendo cumprida.
Haveria, portanto, indevido bis in idem.
Também se considerou o fato de que a unificação decorrente de crime cometido anteriormente à
execução penal em curso tem ainda menos razão para interromper o prazo para a concessão de
benefícios, pois se trata de fato que não tem nenhuma relação com o período em que o condenado
se submetia à execução da pena, cujos benefícios são regidos sobretudo pelo princípio do
merecimento. Se o agente não praticou o fato criminoso enquanto cumpria a pena, não há razão
para que a nova condenação prejudique a avaliação de seu merecimento para obter benefícios.
Concluiu-se o julgamento com destaque para o fato de “que a unificação de nova condenação
definitiva já possui o condão de recrudescer o quantum de pena restante a ser cumprido pelo
reeducando; logo, a alteração da data-base para concessão de novos benefícios, a despeito da
ausência de previsão legal, configura excesso de execução, com base apenas em argumentos
extrajurídicos. O período de cumprimento de pena desde a última prisão ou desde a última infração
disciplinar não pode ser desconsiderado, seja por delito ocorrido antes do início da execução da
pena, seja por crime praticado depois e já apontado como falta grave”.
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2- Tema: Dosimetria da pena. Condenação anterior transitada em julgado. Personalidade do
Agente. Valoração negativa. Fundamentação inidônea.
INFORMATIVO 643 STJ - SEXTA TURMA
A existência de condenações definitivas anteriores não se presta a fundamentar a exasperação da
pena-base como personalidade voltada para o crime.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR:
Inicialmente, cumpre salientar que o legislador estabeleceu, no caput do art. 59 do Código Penal,
oito vetores a serem considerados na primeira fase de aplicação da reprimenda, quais sejam: a
culpabilidade; os antecedentes; a conduta social; a personalidade do agente; os motivos; as
circunstâncias; as consequências do crime e o comportamento da vítima. O objetivo foi prever
circunstâncias diversas e com regramentos próprios a serem valoradas pelo julgador – na mesma
fase de dosimetria – de acordo com a situação fática posta em análise. Referidos vetores, portanto,
não se confundem. A consideração desfavorável da personalidade do agente, nesse sentido, deve ser
aferida a partir do seu modo de agir, podendo-se avaliar a insensibilidade acentuada, a maldade, a
desonestidade e a perversidade demonstrada e utilizada pelo criminoso na consecução do delito. Sua
aferição somente é possível se existirem, nos autos, elementos suficientes e que efetivamente
possam levar o julgador a uma conclusão segura sobre a questão. Nesses termos, a Sexta Turma, em
recente julgado – cuja ratio decidendi é perfeitamente aplicável no presente caso –, considerou que
"a valoração negativa da vetorial conduta social com base em condenações definitivas por fatos
anteriores é ilegal, pois estas se prestariam ao sopesamento negativo da circunstância judicial
relativa aos antecedentes" (HC 457.039/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em
18/10/2018, DJe 07/11/2018). Vê-se, pois, que não há justificativa para se aplicar o referido
entendimento para o vetor da conduta social e desprezá-lo no que tange à personalidade, haja vista
que, reitere-se, a razão de decidir é a mesma. No mesmo sentido, a Quinta Turma deste Tribunal
Superior consolidou o entendimento de que "condenações transitadas em julgado não constituem
fundamento idôneo para análise desfavorável da personalidade ou da conduta social do agente".
Ademais, corroborando com a tese ora defendida, o legislador conferiu ao julgador maior
discricionaridade – mesmo que ainda vinculada aos parâmetros legais – ao não prever, no art. 59 do
Código Penal, um quantum mínimo ou máximo para a exasperação da pena-base. De fato, cabe à
prudência do (da) Magistrado (a) fixar, com a devida fundamentação e dentro de parâmetros
razoáveis e proporcionais, o patamar que entender mais adequado e justo ao caso concreto. Nessa
perspectiva, com o permissivo da lei, é legítimo que o (a) Magistrado (a), na hipótese de haver mais
de uma condenação transitada em julgado em desfavor do Réu, eleve a pena, por exemplo, acima do
patamar de 1/6 (um sexto), já que a existência de múltiplas sentenças penais definitivas denotam
que seus antecedentes lhe são mais desfavoráveis. Respeita-se, concomitantemente, o princípio da
legalidade e da individualização da reprimenda.
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PROCESSO: HC 472.654-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, por unanimidade, julgado em 21/02/2019, DJe
11/03/2019
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
A vida do agente, anterior ao crime, deve ser considerada pelo magistrado na fixação da pena. Na
fase do art. 59 do CP, destaca-se a circunstância judicial “antecedentes do agente”, que podem ser
bons ou maus.
O conceito de maus antecedentes abrange não apenas as condenações definitivas por fatos
anteriores cujo trânsito em julgado ocorreu antes da prática do delito em apuração, mas também
aquelas transitadas em julgado no curso da respectiva ação penal, além das condenações transitadas
em julgado há mais de cinco anos, as quais também não induzem reincidência, mas servem
como maus antecedentes (STJ – HC 185.894/MG – Sexta Turma – Nefi Cordeiro – Dje 05/02/2016).
O mesmo artigo (59 do CP) anuncia a circunstância judicial “personalidade do agente”. Por esse
ângulo, a investigação da personalidade do agente responde à averiguação de sua índole, seu perfil
moral e psicológico, que determinam ou influenciam seu comportamento social. Cuida-se, em suma,
do retrato psíquico do delinquente.
De maneira precisa, pontuou o Superior Tribunal de Justiça que: “A circunstância judicial referente à
‘personalidade do agente’ não pode ser valorada de forma imprecisa ou objetivamente desamparada
porquanto, através de considerações vagas e insuscetíveis de controle, a sua utilização acarretaria a
ampla e inadequada incidência do Direito Penal do Autor.”
Nucci elenca algumas características que são aferidas quando da apreciação da individualidade
consciente, tais como: agressividade, preguiça, frieza emocional, emotividade, passividade, maldade,
bondade (NUCCI, 2006, p. 231).
De forma copiosa, vem decidindo o STJ que a existência de condenações definitivas anteriores não se
presta a fundamentar a exasperação da pena-base como personalidade voltada para o crime.
3- Tema: Associação para o tráfico de drogas- Livramento condicional
STJ- HC 467.215/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe
31/10/2018
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL.
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS (ART. 35, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06). CRIME NÃO
CONSIDERADO HEDIONDO OU EQUIPARADO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REQUISITO OBJETIVO.
CUMPRIMENTO DE 2/3 (DOIS TERÇOS) DA PENA. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. HABEAS CORPUS
NÃO CONHECIDO
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I - A Terceira Seção desta Corte, nos termos do entendimento firmado pela Primeira Turma do col.
Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em
substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração,
ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar
constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - A jurisprudência desta Corte Superior entende que o crime de associação para o tráfico de
entorpecentes (art. 35, caput, da Lei n. 11.343/06) não é considerado hediondo ou equiparado, por
não constar no rol dos arts. 1º e 2º, da Lei n. 8.072/90.
III - Em razão do Princípio da Especialidade, para a concessão do livramento condicional ao delito de
associação para o tráfico, exige-se o cumprimento de 2/3 (dois terços) da pena, requisito objetivo
previsto no parágrafo único do art. 44 da Lei n. 11.343/06.
Precedentes.
Habeas corpus não conhecido.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
O art. 44 da Lei de Drogas prevê consequências típicas de um crime hediondo (aliás, até mais
rigorosas) para os delitos previstos nos arts. 33, caput e § 1.º, e 34 a 37 da Lei.
Por conta desta peculiar maneira de redigir a norma restritiva, temos doutrina ensinando que
passam a ser equiparados a hediondo não apenas o tráfico de drogas e maquinários (arts. 33, caput,
§ 1º, 34 e 36), mas todos os demais tipos incriminadores referidos no art. 44, incluindo, portanto, a
associação para o tráfico (art. 35).
A jurisprudência dos Tribunais Superiores discorda. A equiparação a crime hediondo tem gênese
constitucional, não podendo o legislador ordinário suplantar o rol taxativo apresentado pelo
constituinte.
Em suma, apesar de sofrer praticamente todos os consectários de um crime hediondo (salvo as
restrições da progressão), não podem ser a ele equiparado os delitos dos arts. 34, 35 e 37, pois neles
não ocorre tráfico de drogas propriamente dito (ficando abrangidos somente os arts. 33, caput, § 1º
e 36).
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STF/STJ: Notícias de interesse institucional
Notícias STF
26 de março de 2019
1- Negados HCs de acusados de integrarem organização criminosa especializada em roubo de cargas
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2- 2ª Turma restabelece sentença que rejeitou submissão de acusados ao Tribunal do Júri
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27 de março de 2019
3- Mantida prisão de acusado de matar duas pessoas em atropelamento ocorrido em rodovia de SP
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Notícias STJ
27 de março de 2019
4- Mantido novo júri para acusado de ordenar assassinato de juiz de Mato Grosso
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