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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n°129, 3/2021
(semana nº 3)
Procurador-Geral de Justiça
Mário Luiz Sarrubbo
Secretário Especial de Políticas Criminais
Arthur Pinto Lemos Junior
Assessores
Fernanda Narezi P. Rosa
Ricardo José G. de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
Valéria Scarance
Paulo José de Palma (descentralizado)
Artigo 28 e Conflito de Atribuições
Marcelo Sorrentino Neira
Roberto Barbosa Alves
Walfredo Cunha Campos
Analistas Jurídicos
Ana Karenina Saura Rodrigues
Victor Gabriel Tosetto
Boletim Criminal Comentado 129- Março-
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SUMÁRIO
ESTUDOS DO CAOCRIM.........................................................................................................................3
1-Tema: Apelação- tráfico de drogas - causa de diminuição de pena - art 41 da Lei de drogas - não
cabimento.............................................................................................................................................3
2- Tema: ANPP em crimes tributários...................................................................................................3
3- Tema: Agravo em execução penal. Decisão que, diante da pandemia da COVID-19, deferiu em
favor do agravado 60 horas fictas de prestação de serviços à comunidade, por analogia ao art. 126,
§ 4º, da LEP. Impossibilidade................................................................................................................4
STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM.......................................5
DIREITO PROCESSUAL PENAL:...............................................................................................................5
1-Tema: Sexta Turma reafirma invalidade de prova obtida pelo espelhamento de conversas via
WhatsApp Web.....................................................................................................................................5
DIREITO PENAL:.....................................................................................................................................8
1- Tema: Queixa-crime. Calúnia contra pessoa morta. Retratação cabal antes da sentença. Ato
unilateral. Extinção da punibilidade. Artigos 143 e 107, VI, do Código Penal.......................................8
2-Tema: Mantida regra que permite remuneração de presos em 3/4 do salário mínimo ..................9
MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP............................................................................................12
1-Tema: Acordo de não persecução penal proposto em audiência – não aceitação da defesa quanto
à condição de reparação do dano – inconformismo quanto à recusa em razão de prévia suspensão
condicional do processo – prosseguimento da ação penal.................................................................12
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ESTUDOS DO CAOCRIM
1-Tema: Modelo de Apelação- tráfico de drogas- causa de diminuição de pena- art 41 da Lei de
drogas- não cabimento
Dispõe o art. 41 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas):
Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o
processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação
total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a
dois terços.
Percebe-se, da simples leitura do dispositivo, que o reconhecimento da causa de diminuição de
pena nele previsto pressupõe que o indiciado/acusado, por sua colaboração voluntária com a
investigação policial e/ou processo criminal, conduza:
(i) à identificação dos demais coautores ou partícipes do crime; e,
(ii) à recuperação, total ou parcial, do produto do crime.
São cumulativos. Logo, faltando um deles, inviável a aplicação da minorante.
Compartilhamos, nesse estudo, o recurso interposto pelo colega Flávio Turessi, no qual explora
bem a tese acima.
Clique aqui
2- Tema: ANPP em crimes tributários
É sabido que uma das condições legais para o ANPP é a reparação do dano (art. 28-A, I, CPP).
No caso dos crimes tributários, questiona-se o alcance dessa condição, discussão que já existe em
sede de suspensão condicional do processo (art. 89, Lei 9.099/95).
É que a quitação do imposto tem como consequência a própria extinção da punibilidade. Diante
desse cenário, o TJ-SP verificou um “impedimento incoerente ao benefício do artigo 89 da Lei
9.099/95”, concluindo que, “afinal, a lógica evidencia que uma coisa não pode ser e não ser ao
mesmo tempo” (Habeas Corpus 2102385-65.2018.8.26.0000, j. 28/6/18).
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Entendemos legítimo condicionar o ajuste ao ressarcimento do valor principal, mas sem os
assessórios. A reparação global implica, por si só, na extinção da punibilidade, independentemente
do ANPP, podendo prejudicar, consequentemente, qualquer outra condição presente no termo.
Já a reparação do valor principal, diferentemente, não impede a persecução penal (que tem no
ANPP uma das formas de o Estado agir), podendo a Fazenda Pública, quanto aos assessórios,
analisando a conveniência e oportunidade da sua cobrança, ajuizar a competente execução fiscal.
Aliás, recomendamos que o promotor de Justiça faça constar do acordo uma cláusula ressaltando
que o ajuste não impede ou inibe outros legitimados a cobrarem valores não abrangidos pela
reparação do dano acordada.
Compartilhamos, nesse estudo, modelo de ANPP encaminhado pelo colega Luiz Henrique Dal Poz.
Clique aqui .
3- Tema: Agravo em execução penal. Decisão que, diante da pandemia da COVID-19, deferiu em
favor do agravado 60 horas fictas de prestação de serviços à comunidade, por analogia ao art.
126, § 4º, da LEP. Impossibilidade
Modelo de Agravo de Execução Penal - Clique aqui
TJSP- Agravo de Execução Penal nº 0017495-69.2020.8.26.0224
Agravo em execução penal. Decisão que, diante da pandemia da COVID-19, deferiu em favor do
agravado 60 horas fictas de prestação de serviços à comunidade, por analogia ao art. 126, § 4º, da
LEP. Impossibilidade. Ao reconhecer horas fictas de prestação de serviços à comunidade, a r.
decisão acaba por favorecer o sentenciado, indevidamente, com uma hipótese de perdão não
prevista no ordenamento vigente. O momentâneo impedimento provocado pela pandemia ao
cumprimento de penas restritivas de direitos, por parte do condenado, impede a sua conversão em
pena privativa de liberdade, desencadeando como consequência a sua suspensão temporária até
cessarem os motivos que a ensejaram. Violação à isonomia. Benefício afastado. Provimento do
agravo ministerial.
Clique aqui para ter acesso ao acórdão
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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM
DIREITO PROCESSUAL PENAL:
1- Tema: Sexta Turma reafirma invalidade de prova obtida pelo espelhamento de conversas via
WhatsApp Web
STJ- PUBLICADO EM NOTÍCIAS DO STJ
Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou entendimento já
firmado pelo colegiado para declarar que não podem ser usadas como provas as mensagens
obtidas por meio do print screen da tela da ferramenta WhatsApp Web.
No caso julgado, o recorrente e dois corréus foram denunciados por corrupção. Segundo os autos,
telas salvas com diálogos obtidos a partir do WhatsApp Web teriam sido entregues por um
denunciante anônimo aos investigadores.
No recurso, a defesa alegou constrangimento ilegal sob o argumento de que os prints das telas de
conversas, juntados à denúncia anônima, não têm autenticidade por não apresentarem a cadeia de
custódia da prova.
O relator, ministro Nefi Cordeiro, afirmou que não se verificou ilegalidade no inquérito policial,
pois, após a notícia anônima do crime, foi adotado um procedimento preliminar para apurar
indícios de conduta delitiva, antes de serem tomadas medidas mais drásticas, como a quebra do
sigilo telefônico dos acusados.
Sem vestígios
O magistrado esclareceu que as delações anônimas não foram os únicos elementos utilizados para
a instauração do procedimento investigatório, como demonstra o acórdão proferido no RHC
79.848.
Ele apontou ainda que o tribunal estadual não entendeu ter havido quebra da cadeia de custódia,
pois nenhum elemento probatório demonstrou adulteração das conversas espelhadas pelo
WhatsApp Web ou alteração na ordem cronológica dos diálogos.
No entanto, destacou o relator, a Sexta Turma tem precedente que considera inválida a prova
obtida pelo espelhamento de conversas via WhatsApp Web, porque a ferramenta permite o envio
de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas ou recentes, tenham elas sido enviadas
pelo usuário ou recebidas de algum contato, sendo que eventual exclusão não deixa vestígio no
aplicativo ou no computador (RHC 99.735).
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"As mensagens obtidas por meio do print screen da tela da ferramenta WhatsApp Web devem ser
consideradas provas ilícitas e, portanto, desentranhadas dos autos", afirmou.
Ao dar parcial provimento ao recurso, apenas para declarar nulas as mensagens obtidas por meio
do print screen da tela do WhatsApp Web, o ministro determinou o desentranhamento dessas
mensagens dos autos, mantendo as demais provas produzidas após as diligências prévias que a
polícia realizou em razão da notícia anônima.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
A Constituição Federal é expressa e inequívoca ao dispor que não são admitidas as provas obtidas
por meios ilícitos (art. 5º, inc. LVI, CF/88). O grande desafio, no campo da prova, consiste em
encontrar um ponto de equilíbrio entre, de um lado, o dispositivo constitucional que inadmite a
produção da prova ilícita e, de outro, a garantia a segurança do cidadão, sobretudo em face do
aumento da criminalidade organizada, que exige, para seu combate, meios eficazes, aptos a fazer
frente à sofisticação das organizações.
Nessa esteira, o STJ firmou a tese de que viola direitos e garantias fundamentais o exame pericial
realizado em aparelhos de telefone celular diretamente após a apreensão pela polícia, sem a prévia
autorização judicial (REsp 1.727.266/SC, j. 05/06/2018)
Disso decorre que a apreensão de um aparelho de telefone celular pode dar ensejo ao exame e à
obtenção de dados e mensagens armazenadas se a autoridade policial providenciar a devida
autorização judicial.
Ocorre que as diversas formas de comunicação que a tecnologia tem proporcionado podem levar a
situações inusitadas, que escapam ao sistema legal de produção de provas. Uma dessas situações,
envolvendo o próprio WhatsApp, foi recentemente apreciada pelo STJ, que concluiu pela ilicitude
da prova colhida.
No caso, a polícia investigava o crime de tráfico de drogas e, durante diligências, efetuou a
apreensão de um aparelho de telefone celular. A autoridade policial logo pediu autorização judicial
para que os investigadores pudessem acompanhar a troca de mensagens no WhatsApp por meio
do sistema “Web”, que permite a operação do aplicativo em um computador comum. A
autorização foi concedida e o aparelho celular foi devolvido ao investigado, que, sem ter
conhecimento do que ocorria, passou a ser monitorado e, em virtude das informações colhidas,
teve a prisão preventiva decretada.
Julgando recurso em habeas corpus, o STJ considerou a prova ilícita por falta de previsão legal.
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Segundo a ministra Laurita Vaz – relatora do recurso –, a medida decretada tem natureza híbrida,
um misto entre interceptação telefônica e quebra de sigilo de dados. Mas, considerando as
características próprias do sistema interceptado e as consequências advindas da hibridez, a
inexistência de disciplina legal impede que se admita este meio de prova.
Segundo o tribunal, não seria possível equiparar integralmente a medida à intercepção telefônica
porque o acesso ao aplicativo permite não somente a obtenção irrestrita de toda a comunicação
anterior como também possibilita que o agente público interfira na comunicação entre os usuários
– inclusive excluindo mensagens –, o que não é possível no monitoramento de conversas
telefônicas, que são apenas ouvidas e gravadas. Esta possibilidade de interferência e de
manipulação dificulta – quando não impossibilita – que o investigado exerça o contraditório sobre a
prova colhida e demonstre, por exemplo, que não se trata de algo integral e que determinados
trechos da comunicação foram retirados do contexto. Por isso, concluiu-se:
“Cumpre assinalar, portanto, que o caso dos autos difere da situação, com legalidade amplamente
reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em que, a exemplo de conversas mantidas por e-
mail, ocorre autorização judicial para a obtenção, sem espelhamento, de conversas já registradas
no aplicativo WhatsApp, com o propósito de periciar seu conteúdo”.
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DIREITO PENAL:
1- Tema: Queixa-crime. Calúnia contra pessoa morta. Retratação cabal antes da sentença. Ato
unilateral. Extinção da punibilidade. Artigos 143 e 107, VI, do Código Penal.
INFORMATIVO 687 STJ
A retratação da calúnia, feita antes da sentença, acarreta a extinção da punibilidade do agente
independente de aceitação do ofendido.
Informações do Inteiro Teor:
Consoante as diretrizes do Código Penal: "Art. 143. O querelado que, antes da sentença, se retrata
cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena. Parágrafo único. Nos casos em que o
querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a
retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a
ofensa".
A retratação, admitida nos crimes de calúnia e difamação, não é ato bilateral, ou seja, não
pressupõe aceitação da parte ofendida para surtir seus efeitos na seara penal, porque a lei não
exige isso. O Código, quando quis condicionar o ato extintivo da punibilidade à aceitação da outra
parte, o fez de forma expressa, como no caso do perdão ofertado pelo querelante depois de
instaurada a ação privada.
Como é sabido, não há como se fazer analogia in malam partem, contra o réu, para lhe impor
condição para causa extintiva da punibilidade que a Lei Penal não exigiu.
Na verdade, basta que a retratação seja cabal. Vale dizer: deve ser clara, completa, definitiva e
irrestrita, sem remanescer nenhuma dúvida ou ambiguidade quanto ao seu alcance, que é
justamente o de desdizer as palavras ofensivas à honra, retratando-se o ofensor do malfeito.
Ademais, em se tratando de ofensa irrogada por meios de comunicação - como no caso, que foi por
postagem em rede social na internet -, o parágrafo único do art. 143 do Código Penal dispõe que "a
retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa".
A norma penal, ao abrir ao ofendido a possibilidade de exigir que a retratação seja feita pelo
mesmo meio em que se praticou a ofensa, não transmudou a natureza do ato, que é
essencialmente unilateral. Apenas permitiu que o ofendido exerça uma faculdade.
Portanto, se o ofensor, desde logo, mesmo sem consultar o ofendido, já se utiliza do mesmo
veículo de comunicação para apresentar a retratação, não se afigura razoável desmerecê-la, porque
o ato já atingiu sua finalidade legal.
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Processo- APn 912/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, por unanimidade, julgado em
03/03/2021.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
Dispõe o art. 143 do CP que o querelado (ofensor) pode, antes da sentença, retratar-se da calúnia
ou difamação, ficando isento de pena.
Retratar-se, no entanto, não significa apenas negar ou confessar a prática da ofensa. É muito mais.
É escusar-se, retirando do mundo o que afirmou, demonstrando sincero arrependimento.
É essa uma causa de extinção da punibilidade, tornando o ofensor imune à pena (nada obsta a ação
cível).
A retratação, em regra, como bem destacou o julgado em comento, dispensa a concordância do
ofendido (ato unilateral).
Contudo, o art. 143 do CP foi alterado pela Lei 13.188/15, nele acrescentando parágrafo único,
anunciando que, nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação
utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos
mesmos meios em que se praticou a ofensa.
Nessa hipótese, portanto, entendemos que o ofendido deva ser ouvido para manifestar se deseja
(ou não) que a retratação se dê pelos mesmos meios em que foi praticado o crime.
2-Tema: Mantida regra que permite remuneração de presos em 3/4 do salário mínimo
STF- PUBLICADO EM NOTÍCIAS DO STF
Para a maioria do STF, o trabalho do preso apresenta peculiaridades, e a remuneração diferenciada
não viola os princípios da dignidade humana e da isonomia.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou recepcionado pela Constituição Federal
de 1988 dispositivo da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984 - LEP) que fixa o valor de 3/4 do
salário mínimo como remuneração mínima para o trabalho do preso. Na sessão virtual encerrada
em 26/2, a maioria dos ministros julgou improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 336, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Na ação, a PGR sustentava que o pagamento pelo trabalho realizado por preso em valor inferior ao
salário mínimo violaria os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana,
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além da garantia, a todos os trabalhadores urbanos e rurais, do direito ao salário mínimo (artigo 7º,
inciso IV, da Constituição Federal).
Situação peculiar
Prevaleceu, no julgamento, o voto do relator, ministro Luiz Fux, presidente do STF, que destacou
diversas razões que conferem legitimidade à política pública estabelecida pela lei. Segundo ele, o
trabalho do preso tem natureza e regime jurídico distintos da relação de emprego regida pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Além disso, as peculiaridades da situação do preso
constituem prováveis barreiras à sua inserção no mercado de trabalho.
Estímulo à contratação
Para o relator, é razoável que o legislador reduza o valor mínimo de remuneração pela sua mão-de-
obra, com o intuito de promover as chances da sua contratação. Essa medida, a seu ver, estimula
empregadores a escolher detentos em detrimento de indivíduos não inseridos no sistema
penitenciário e “deixa incólume a dignidade humana do preso contratado”.
Finalidades educativa e produtiva
Fux observou que, nos termos da LEP, o trabalho do condenado constitui um dever, que é
obrigatório na medida de suas aptidões e capacidades. Também salientou suas finalidades
educativa e produtiva, “em contraste com a liberdade para trabalhar e prover o seu sustento
garantida aos que não cumprem pena prisional”.
Ressarcimento ao Estado
Ainda segundo o presidente do STF, o salário mínimo, nos termos do artigo 7º, inciso IV, da
Constituição, visa satisfazer as necessidades vitais básicas do trabalhador e as de sua família com
moradia, alimentação, educação e saúde, entre outras. No caso do preso, porém, conforme
previsão da LEP, boa parte dessas necessidades já são atendidas pelo Estado.
Garantia não uniforme
Por fim, o ministro Luiz Fux observou que o STF já definiu que a Constituição não estendeu a
garantia de salário mínimo de maneira uniforme a toda e qualquer mão-de-obra. Ele citou o
julgamento do RE 570177, no qual o Plenário, por unanimidade, assentou que não há lesão aos
princípios da dignidade humana e da isonomia na fixação de soldo para o serviço militar obrigatório
inferior ao salário mínimo. Esse entendimento foi reproduzido na Súmula Vinculante 6.
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O voto do presidente do STF pela improcedência da ação foi acompanhado pelos ministros
Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques e Luís
Roberto Barroso.
Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes e as ministras Cármen Lúcia e Rosa
Weber. Primeiro a divergir, Fachin ressaltou que o sentido da proteção constitucional ao salário
mínimo foi estabelecer a retribuição mínima para todo e qualquer trabalhador.
COMENTÁRIOS DO CAOCRIM
O trabalho do preso deve ser remunerado adequadamente, imperativo reconhecido pelas Regras
Mínimas da ONU (atualizadas pelas Regras de Mandela, preceito 103.1).
No mesmo sentido, o artigo 39 do CP estabelece que o trabalho do preso será sempre remunerado
e que terá garantidos os benefícios da previdência social.
Apesar de o art. 29 da LEP anunciar que a remuneração não pode ser inferior a 3/4 do salário
mínimo, o PGR, na ADPF 338, sustentou que o estabelecimento de contrapartida monetária pelo
trabalho realizado por preso em valor inferior ao salário mínimo viola os princípios constitucionais
da isonomia e da dignidade da pessoa humana, além do disposto no artigo 7º, inciso IV, que
garante a todos os trabalhadores urbanos e rurais o direito ao salário mínimo. A tese não seduziu o
STF, como se percebe do julgado em comento.
Importante destacar que a realidade não consegue cumprir nem mesmo com valor anunciado no
art. 29.
A maioria dos presídios brasileiros não tem acesso a atividades laborais e, tampouco, recebem
remuneração. Segundo dados coletados no INFOPEN 2019, dos custodiados que trabalham, 44,6%
não recebe qualquer remuneração, 25,4% recebe remuneração inferior a 3/4 do salário-mínimo e
apenas 29,8% recebe o quanto estipulado neste artigo (ao menos 3/4 do salário-mínimo). No caso
das mulheres custodiadas, o quadro é ligeiramente melhor: somente 19,8% não recebe
remuneração pelas atividades laborais realizadas na unidade prisional.
O mais importante, no momento, antes mesmo de se pensar em majorar o valor da remuneração, é
assegurar que a Administração Penitenciária, garanta o cumprimento do mínimo estampado em lei
há mais de três décadas.
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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP
1-Tema: Acordo de não persecução penal proposto em audiência – não aceitação da defesa quanto à condição de reparação do dano – inconformismo quanto à recusa em razão de prévia suspensão condicional do processo – prosseguimento da ação penal
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 28-A, §14
Autos nº 00026xx-6x.2019.8.26.0050 – MM. Juízo da 18ª Vara Criminal da Capital
Réus: A.S.R., D.R.P. e É.V.S.C.
Assunto: acordo de não persecução penal proposto em audiência – não aceitação da defesa quanto à condição de reparação do dano – inconformismo quanto à recusa em razão de prévia suspensão condicional do processo – prosseguimento da ação penal
A.S.R. e D.R.P. foram denunciados como incursos no artigo 171, caput, do Código Penal, por
160 vezes, em continuidade; e É.V.S.C. foi dada como incursa no artigo 171, caput, do Código Penal,
por 3 vezes, também na forma continuada (fls. 1/5).
Consta da inicial que A. e D. obtiveram vantagem indevida no valor de R$ 147.877,94 em
detrimento da empresa “M. Shop Comercial Ltda.”, enquanto É. obteve vantagem de R$ 1.133,00
em desfavor do mesmo estabelecimento. Verte dos autos que A. trabalhava no serviço de
atendimento ao consumidor da empresa, setor em que também trabalhava a acusada É.. A.
registrava falsas reclamações contra a empresa e conseguia que a “M. Shop” lhe entregasse novos
produtos, que recebia em casa – com o concurso do marido, o réu D. – ou em outros endereços que
indicava. D. era responsável pela adulteração de planilhas a partir de informações privilegiadas
recebidas de A., alterando documentos para que a esposa reportasse à empresa balanços positivos
do setor pelo qual era responsável. É. também desviou bens da empresa, adulterando notas fiscais
de uma cliente e solicitando fraudulentamente a substituição de mercadorias, que lhe foram
entregues.
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A denúncia foi recebida (fls. 284), instaurando-se o devido processo legal.
As folhas de antecedentes e certidões relativas aos réus foram juntadas aos autos (fls.
301/305).
Em manifestação de fls. 283, o Ministério Público deixou de oferecer a suspensão
condicional do processo aos acusados, silenciando sobre a viabilidade do acordo de não persecução
penal.
Apresentando as respectivas respostas à acusação, os réus A. (fls. 316/341) e D. (fls.
343/373) postularam a manifestação do Ministério Público sobre o cabimento do acordo de não
persecução. O oferecimento de proposta foi recusado: para A., por falta de confissão da prática do
crime; para D., em razão de prévia concessão da suspensão condicional de processo (fls. 380/383).
A Defesa dos réus requereu o pronunciamento da Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 385/388),
pleito indeferido pelo Juízo (fls. 389). Contra a decisão, a Defesa dos réus manejou embargos de
declaração, nos quais sustentou, em síntese, que: (i) a confissão a ser exigida da ré A. deveria ter
sido tomada perante o Ministério Público; e (ii) a suspensão condicional pela qual beneficiado o réu
D. não pode impedir o acordo de não persecução, por ter sido anterior à lei que o instituiu (fls.
424/436). A decisão foi mantida pelo MM. Juízo de primeiro grau (fls. 439/442).
A acusada É. também postulou o pronunciamento do Ministério Público sobre o cabimento
do acordo de não persecução penal (fls. 405/406). O Ministério Público instou a Defesa a
manifestar interesse na confissão prévia da agente (fls. 409), que, então, requereu a designação de
audiência para a apresentação da proposta de acordo (fls. 414). O MM. Juízo não se pronunciou
sobre o pedido (fls. 415/416).
A Defesa de A. e D. impetrou habeas corpus perante o Egrégio Tribunal de Justiça de São
Paulo (fls. 484/520), requerendo, em síntese: (i) a rejeição da denúncia, por falta dos pressupostos
processuais; (ii) a declaração de insubsistência dos argumentos do Ministério Público para a recusa
ao acordo de não persecução. Aquela Colenda Corte, em acórdão de fls. 522/541, deu provimento
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liminar parcial à ordem para, suspendendo a audiência de instrução designada, permitir aos réus
novos requerimentos de celebração do acordo de não persecução.
Em audiência realizada no dia 22 de fevereiro de 2021, o Ministério Público se recusou a
propor acordo de não persecução ao réu D., considerando a existência de prévia suspensão
condicional de outro processo; e, em relação a A., ofereceu proposta com as condições de
reparação integral do dano (R$ 147.877,94) e prestação pecuniária no valor de R$ 2.000,00. A
acusada A. manifestou desacordo com a proposta, sustentando a impossibilidade de reparação do
dano. É. não compareceu e postulou nova audiência (fls. 547 e 554). D. e A. requereram a
manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça sobre as propostas de acordo de não persecução
penal (fls. 555/590).
Este o relatório.
É preciso sublinhar, de início, na esteira do Enunciado nº 21, PGJ – CGMP – Lei nº
13.964/19, que “a proposta de acordo de não persecução penal tem natureza de instrumento de
política criminal e sua avaliação é discricionária do Ministério Público no tocante à necessidade e
suficiência para a reprovação e prevenção do crime. Trata-se de prerrogativa institucional do
Ministério Público e não direito subjetivo do investigado” (grifo nosso).
Não poderia ser diferente, haja vista sua natureza jurídica similar à transação penal e à
suspensão condicional do processo.
Quanto a essas, inclusive, sedimentou-se de há muito na jurisprudência o entendimento de
que, uma vez negada a elaboração da proposta, cumpre aplicar o artigo 28, caput, do Código de
Processo Penal, a fim de que o órgão ministerial de revisão possa dar a palavra final.
De acordo com o art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu
a Lei nº 13.964/2019: “Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e
circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima
inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal,
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desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes
condições ajustadas cumulativa e alternativamente”.
O trecho em destaque evidencia o primeiro pressuposto jurídico para o cabimento do
instituto, qual seja, que não seja caso de arquivamento ou, a contrario sensu, que exista nos autos
da investigação penal (em sentido lato) prova da materialidade e indícios de autoria ou
participação.
O segundo pressuposto é a existência de confissão formal e circunstanciada da prática da
infração penal pelo agente.
Em seguida, o dispositivo enumera os requisitos materiais objetivos do instituto, a saber:
a) que não se trate de infração praticada com violência ou grave ameaça;
b) que a pena mínima cominada no tipo seja inferior a 4 (quatro) anos (consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis);
c) que não seja cabível a transação penal, nos termos da lei;
d) que não seja caso de crime praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
Há, ainda, requisitos materiais subjetivos, consistentes em:
a) que o investigado não seja reincidente;
b) inexistência de elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
c) que o investigado não tenha sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo;
d) que a celebração do acordo atenda ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.
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Há que se observar, por fim, como requisito formal ou procedimental, a formalização por
escrito do acordo, o qual deverá ser firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e
por seu defensor.
Cumpridas essas exigências, abre-se a possibilidade de ajustar, com o agente, a barganha
processual, mediante as seguintes condições, a serem ajustadas de maneira alternativa ou
cumulativa:
(i) reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo;
(ii) renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
(iii) prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução penal;
(iv) pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo juízo da execução penal, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito;
(v) cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.
Atendidos os requisitos legais e depois de celebrado, por escrito, o acordo, será ele
submetido à homologação judicial, a fim de que, com a chancela do Poder Judiciário, seja ele
devolvido ao Ministério Público e, na sequência, encaminhado ao juízo da execução penal (art. 28-
A, §6º).
No caso de inadimplemento, o qual deverá ser verificado no âmbito do juízo da execução,
assegurada a ampla defesa, o acordo será rescindido e encaminhado ao juízo de origem, para que o
membro do Ministério Público ofereça denúncia ou realize novas diligências, se necessário.
De acordo com a lei, o descumprimento poderá ser utilizado como justificativa para o não
oferecimento de suspensão condicional do processo (art. 28-A, §11).
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Cumprido integralmente, será declarada a extinção da punibilidade (art. 28-A, §13).
Conforme dispõe o art. 28-A, §14, do Código de Processo Penal, aplicado pelo MM. Juiz, no
caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo, poderá o investigado requerer
o envio do caso ao órgão superior de revisão, que é, no caso do Ministério Público estadual, o
Procurador-Geral de Justiça, a fim de sejam adotadas as seguintes providências:
(i) oferecer denúncia ou designar outro membro para oferecê-la;
(ii) complementar as investigações ou designar outro membro para complementá-la;
(iii) elaborar a proposta de acordo de não persecução, para apreciação do investigado.
Pois bem.
1. Em relação à acusada É., nada há a ser deliberado por ora. Afinal, pende ainda decisão
sobre o pedido de redesignação de audiência, na qual –se deferido o pleito – o Ministério Público
deverá se pronunciar a respeito do cabimento do acordo de não persecução penal.
2. Com a devida vênia da Ilustrada Defesa, os pedidos dos réus D. e A. não podem ser
acolhidos.
3. D. não faz jus à medida despenalizadora que pleiteia.
Embora o crime em apreço tenha pena mínima cominada inferior a quatro anos e não
tenha sido praticado mediante emprego de violência ou grave ameaça, o acordo se revela inviável
no caso concreto: as certidões juntadas aos autos, em especial a de fls. 301, revelam que o acusado
D. foi anteriormente processado por receptação, nos autos nº 0006503-28.2016.8.26.0050. Depois
de recebida a denúncia, o que ocorreu em 24 de janeiro de 2017, foi beneficiado com a suspensão
condicional do processo, homologada em 3 de março de 2017, tendo a punibilidade extinta em 7 de
setembro de 2019. E, ainda que tal circunstância não configure reincidência ou maus antecedentes,
constitui óbice à celebração do acordo, conforme art. 28-A, §2º, inciso III, do CPP.
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Argui a Defesa a irretroatividade da Lei nº 13.964/2019, neste ponto, porque constituiria
modificação in pejus, ao estabelecer condição antes inexistente. Mas a tese, com renovada vênia,
não pode ser admitida.
Primeiro, porque a afirmação constitui verdadeira armadilha dialética. É que o princípio da
legalidade, do qual decorre a irretroatividade, tem um alcance amplo, “já que deve proteger o
indivíduo contra sanções que não foram previsíveis antes da prática do fato” (CLAUS ROXIN,
Derecho Penal – Parte General, I, Madrid, Civitas, 1999, p. 164). Por isso mesmo, a proibição de
retroatividade é “uma garantia do cidadão, vinculada à segurança jurídica, de incalculável
transcendência ‘política’, pois se não fosse proibida a aplicação retroativa das leis (ex post facto),
aquele poderia ser surpreendido a posteriori com uma norma legal que, aplicada a fatos ocorridos
antes de sua entrada em vigor, burlaria o nullim crimen e tornaria inúteis os direitos e liberdades
individuais” (ANTONIO GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Derecho Penal – Introducción, Madrid,
Universidad Complutense, 2000, p. 343).
Sendo assim, não se pode confundir a criação de um âmbito de discricionariedade regrada,
rigorosamente admissível em nosso Direito Processual, com uma alteração in pejus de pressupostos
processuais ou condições da ação. Neste caso, o réu não poderia, de fato, ser alcançado; naquele,
trata-se de regular um círculo ou âmbito objetivo dentro do qual sejam eficazes os juízos de
oportunidade, como, por exemplo, exigir “que o prejudicado pelo delito seja satisfatoriamente
indenizado pelos danos e prejuízos que a conduta delitiva lhe tenha causado, ou que os
responsáveis pelo delito não sejam reincidentes” (ANDRÉS DE LA OLIVA SANTOS, Derecho Procesal
Penal, Madrid, CEURA, 1997, pp. 21-22). Em outras palavras, estabelecer requisitos para a
concessão do acordo de não persecução não é, neste sentido, mais do que um adequado sistema
de contrapeso ao poder de disposição da ação penal, incapaz de abalar, pela retroação, o princípio
da legalidade.
Por outro lado, a solução preconizada pelo acusado permitiria a aplicação fracionada da
reforma processual de 2019, conferindo eficácia ao caput do artigo 28-A do Código de Processo
Penal e negando-a ao § 2º, inciso III, do mesmo dispositivo.
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Mas a Suprema Corte, analisando a possibilidade de cindir a aplicação de novas leis de
caráter híbrido, isto é, com aspectos processuais e materiais, negou essa possibilidade. A conclusão
foi exarada por ocasião da alteração do art. 366 do CPP, que instituiu a suspensão do processo e da
prescrição da pretensão punitiva, quando o acusado, citado por edital, deixa de comparecer em
juízo e não constitui defensor (cf., entre outros, HC n.º 74.695, rel. ex-Min. CARLOS VELLOSO,
julgado em 11 de março de 1997; e, mais recentemente, RHC n.º 105.730, rel. ex-Min. TEORI
ZAVASCKI, julgado em 22 de abril de 2014). No mesmo sentido, o STJ aprovou a Súmula 501: “É
cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas
disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n.
6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis”.
Em síntese: não cabe objeção à recusa do acordo de não persecução penal ao acusado
DIEGO, que deve ser mantida por seus próprios fundamentos.
4. Por sua vez, A. também não faz jus ao benefício.
Comentando o art. 28-A, inciso I, do CPP, acrescentado pela Lei n. 13.964/19, os
professores ROGÉRIO SANCHES CUNHA e RONALDO BATISTA PINTO lecionam:
“Na linha de outros instrumentos despenalizadores, o ANPP prestigia a vítima, colocando a reparação do dano ou restituição do objeto do crime como condição para o ajuste. Certamente, haverá discussão quanto à possibilidade de o ajuste abranger (ou não) o dano moral. Para uma corrente, o dano moral, por guardar íntima relação com a dor e o sofrimento experimentado pela vítima, não encontraria, no processo penal, o locus adequado para debate. Para outros, com os quais concordamos, embora reconhecendo a dificuldade em se estabelecer o quantum, não afastam, de plano, essa possibilidade, dependendo sempre da cuidadosa análise do caso concreto, em especial, da gravidade do ilícito, da intensidade do sofrimento, da condição socioeconômica do ofendido e do ofensor, grau de culpa, etc., bem como a utilização dos parâmetros monetários estabelecidos pela jurisprudência para casos similares. Na seara da justiça consensual, tais dificuldades ficam quase que superadas, pois o valor a título de dano moral será discutido com a efetiva participação do ofensor.” (Código de Processo Penal e Lei de
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Execução Penal Comentados, São Paulo, Juspodivm, 4ª edição, p. 185).
Neste caso, a acusada não concordou com a reparação do dano causado pelo delito, não
sugeriu o pagamento de valor diverso, não propôs o parcelamento do débito e não considerou a
restituição dos bens amealhados, em tese, ilicitamente. Em suma, não fez uso da faculdade, que a
Lei lhe conferia, de transacionar com o Ministério Público.
Condição basilar para a celebração do acordo de não persecução penal em crimes
patrimoniais é a reparação do dano à vítima. E o Ministério Público não deve abrir mão dessa
condição, nem substituí-la por outra, que, a toda evidência, não atenderia ao que é necessário e
suficiente para prevenção e reprovação do ilícito cometido.
Diante do exposto, com fundamento no art. 28-A do Código de Processo Penal e nos arts.
1º e 4º, inciso I, ambos da Resolução nº 1.187/2020 – PGJ-CGMP, insiste-se na recusa de oferta do
acordo em relação aos réus A.S.R. e D.R.P., restituindo-se os autos ao juízo competente para o
prosseguimento da ação penal.
São Paulo, 9 de março de 2021.
Mário Luiz Sarrubbo Procurador-Geral de Justiça