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Revista Brasileira de Educação v. 13 n. 38 maio/ago. 2008 239 1Introdução A formação contínua de professores teve forte incremento, em Portugal, no contexto das reformas educativas iniciadas nos anos de 1980, em conse- quência dos financiamentos avultados provenientes da União Europeia e de uma lógica de oferta e procura induzida por um enquadramento legal que estabeleceu a ligação entre a formação e a progressão na carreira. Entre outros normativos legais, salientam-se a publi- cação da Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986 (lei n. 46/86), do Ordenamento Jurídico da Formação Inicial e Contínua de Professores e Educadores de Infância (decreto-lei n. 344/89), do Estatuto da Car- reira Docente (decreto-lei n. 139-A/90) e do próprio Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores e Educadores (decreto-lei n. 249/92), tendo este último instituído mecanismos de acreditação e creditação das acções de formação articulados directamente com a * Foi mantida a ortografia de Portugal. progressão na carreira dos professores. Para estes, a frequência de acções de formação e a obtenção dos créditos correspondentes passaram a constituir uma condição obrigatória para a progressão na carreira e, como tal, conduziram a um aumento exponencial da oferta e da procura, numa lógica predominantemente individual e instrumental (Ferreira, 1998). Esse enquadramento jurídico-administrativo conduziu ao aparecimento de novas entidades forma- doras a partir de 1993, nomeadamente os centros de formação de associações de escolas e os centros de formação de associações de professores. Contudo, já antes eram visíveis preocupações com a formação contínua, especialmente a seguir ao 25 de abril de 1974, num contexto de mobilização associativa e sindical e também das próprias escolas. Na década de 1980, diversas entidades promoveram acções de formação contínua em modalidades não formais, sem vinculação à progressão na carreira, mas obtendo adesão voluntária dos professores. Destaca-se o papel das instituições de ensino superior, dos sindicatos e de outras associações profissionais e dos serviços centrais e regionais do Ministério da Educação, que intervie- Reformas educativas, formação e subjectividades dos professores * Fernando Ilídio Ferreira Universidade do Minho, Instituto de Estudos da Criança

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  • Reformas educativas, formao e subjectividades dos professores

    Revista Brasileira de Educao v. 13 n. 38 maio/ago. 2008 239

    1Introduo

    A formao contnua de professores teve forte incremento, em Portugal, no contexto das reformas educativas iniciadas nos anos de 1980, em conse-quncia dos financiamentos avultados provenientes da Unio Europeia e de uma lgica de oferta e procura induzida por um enquadramento legal que estabeleceu a ligao entre a formao e a progresso na carreira. Entre outros normativos legais, salientam-se a publi-cao da Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986 (lei n. 46/86), do Ordenamento Jurdico da Formao Inicial e Contnua de Professores e Educadores de Infncia (decreto-lei n. 344/89), do Estatuto da Car-reira Docente (decreto-lei n. 139-A/90) e do prprio Regime Jurdico da Formao Contnua de Professores e Educadores (decreto-lei n. 249/92), tendo este ltimo institudo mecanismos de acreditao e creditao das aces de formao articulados directamente com a

    * Foi mantida a ortografia de Portugal.

    progresso na carreira dos professores. Para estes, a frequncia de aces de formao e a obteno dos crditos correspondentes passaram a constituir uma condio obrigatria para a progresso na carreira e, como tal, conduziram a um aumento exponencial da oferta e da procura, numa lgica predominantemente individual e instrumental (Ferreira, 1998).

    Esse enquadramento jurdico-administrativo conduziu ao aparecimento de novas entidades forma-doras a partir de 1993, nomeadamente os centros de formao de associaes de escolas e os centros de formao de associaes de professores. Contudo, j antes eram visveis preocupaes com a formao contnua, especialmente a seguir ao 25 de abril de 1974, num contexto de mobilizao associativa e sindical e tambm das prprias escolas. Na dcada de 1980, diversas entidades promoveram aces de formao contnua em modalidades no formais, sem vinculao progresso na carreira, mas obtendo adeso voluntria dos professores. Destaca-se o papel das instituies de ensino superior, dos sindicatos e de outras associaes profissionais e dos servios centrais e regionais do Ministrio da Educao, que intervie-

    Reformas educativas, formao e subjectividades dos professores*

    Fernando Ildio FerreiraUniversidade do Minho, Instituto de Estudos da Criana

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    ram principalmente no mbito do ensino primrio. Da parte desses ltimos, as aces de formao eram realizadas de forma directa ou por meio de programas nacionais, como o Programa Interministerial de Pro-moo do Sucesso Educativo (PIPSE). Por sua vez, os sindicatos e associaes profissionais e pedaggicas assumiam nesse perodo um importante papel de mo-bilizao dos professores para aces de informao e sensibilizao, com um carcter de dinamizao pedaggica e laboral.

    Na altura em que foi institudo o sistema formal de formao contnua, era mesmo no interior do as-sociativismo sindical e profissional que se verificava maior apetncia para a organizao de aces de formao, em modalidades de encontros, jornadas, seminrios, conferncias e outros; esse campo de interveno era percebido por seus promotores como uma forma de crescimento e afirmao das prprias estruturas sindicais e associativas junto dos professores e da opinio pblica em geral. Em grande medida, as iniciativas de formao contnua que eram levadas a efeito pelas diversas entidades assumiam carcter de actualizao dos professores, eram de frequncia vo-luntria, tinham carcter pontual e de curta durao e eram realizadas frequentemente na forma de jornadas pedaggicas no incio de cada ano lectivo.

    Como se disse, foi com o enquadramento normativo-legal dos anos de 1980/1990 e com os fi-nanciamentos provenientes da Unio Europeia concre-tamente no mbito do Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal (PRODEP) que a formao contnua adquiriu os contornos que tem actualmente, obtendo forte incremento em termos quantitativos. Todavia, neste artigo defende-se que esse incremento no teve equivalente na transformao das concepes e prticas de formao, gerando at lgicas contrrias aos pressupostos participativos e emancipatrios da educao de adultos. Apesar de tratar-se de um campo de formao profissional de adultos, a formao con-tnua desenvolveu-se predominantemente imagem do modelo formal de escolarizao e com influncias de lgicas de racionalizao das reformas educativas. Nas primeiras seces do artigo abordam-se essas l-

    gicas, salientando-se seus efeitos nas subjectividades dos professores. Seguidamente, abordam-se algumas concepes alternativas, encarando a formao cont-nua de professores numa perspectiva de educao de adultos e supondo, assim, outro tipo de relao dos professores com a formao e entre esta e os contextos e situaes reais de trabalho.

    As reformas educativas e os seus efeitos nas subjectividades dos professores

    As tentativas de resposta s profundas transfor-maes e crise dos sistemas educativos emergentes nos anos de 1960/1970 assentaram, num primeiro momento, na utilizao pelo Estado de instrumentos de macroplanificao, do tipo das grandes reformas educativas. Tendo verificado o esgotamento desse modelo, num segundo momento o Estado deu primazia a mecanismos de microrregulao, apelando respon-sabilidade da sociedade civil e procura de solues locais para os problemas cada vez mais complexos e difceis de resolver escala nacional. nesse perodo que se confrontam diferentes propostas e orientaes, por vezes de compatibilizao problemtica, ao nvel das polticas e da aco educativas, como o caso da democratizao, da modernizao e do neoliberalismo (Lima & Afonso, 2002). No nosso pas, por exemplo, em nenhum dos momentos referidos o Estado aban-donou a lgica de reforma de pendor centralista e bu-rocrtico, orientada para a racionalizao e o controlo, embora tenha transposto para o campo da educao e formao, sobretudo no plano retrico, uma racionali-dade produtiva e competitiva, de inspirao neoliberal. Focalizada essencialmente nos resultados, do que exemplo o interesse pelos rankings das escolas, essa racionalidade tem-se ancorado em noes como efic-cia, eficincia, qualidade etc., as quais passaram a fazer parte do discurso poltico no apenas em referncia ao sector empresarial mas tambm a outros sectores da aco pblica, incluindo a educao e a formao.

    Com efeito, a partir da dcada de 1980, as ideias de descentralizao, participao e autonomia e os inerentes apelos aos dinamismos locais surgiram em

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    resposta s crticas ao centralismo e burocratizao do Estado, reproduo das desigualdades e a outras crticas que durante os anos de 1960/1970 tiveram como alvo as instituies em geral e em particular a escola. O local o espao local, os actores locais, as iniciativas locais tornou-se o horizonte privilegiado do discurso e das polticas educativas (Ferreira, 2005). Porm, a to proclamada devoluo de poderes ao local no se traduziu de forma linear, como entendido e sugerido frequentemente, num reforo do princpio da comunidade em detrimento dos princpios do Estado e do mercado. O mesmo fenmeno abriu caminho propagao de polticas neoliberais, ora de modo mais explcito nalguns pases, ora de um modo mais difuso noutros.

    Embora a visibilidade das polticas neoliberais no seja a mesma em todos os pases, necessrio ter em conta que essa difuso no se verifica apenas em termos de polticas concretas; ela manifesta-se igualmente no plano das subjectividades e dos valo-res. Assim, os valores empresariais e mercantis da produtividade, da competio e do lucro invadiram no apenas o sector econmico como tambm outros domnios da organizao social. O prprio sector da administrao pblica foi influenciado por esses va-lores, difundindo-se a ideia de que ele ineficiente e que a lgica de mercado e o modelo de funcionamento da empresa constituem a chave da sua modernizao e eficcia.

    No campo educativo, a lgica neoliberal tem sido caracterizada por um conjunto de ideias que fazem apelo eficincia, eficcia, excelncia, qualidade, escolha da escola pelos pais etc., re-velando uma focalizao das polticas educativas, de-signadamente das polticas de autonomia e gesto local da escola, nos direitos do consumidor mais do que nos direitos do cidado (Whitty, 1996). Considerando, no entanto, que no campo da educao e das polticas sociais em geral as foras de mercado continuam a ser mediadas pelo Estado, alguns autores sustentam que, nesse caso, no se pode falar num mercado pro-priamente dito, mas num quase-mercado. Segundo Geoff Whitty, essas polticas de quase-mercado no

    constituem uma privatizao do sistema educativo num sentido estritamente econmico; todavia, elas requerem que as instituies do sector pblico operem similarmente s instituies do sector privado.

    Os analistas sociais tm-se pronunciado de diferentes modos sobre esses fenmenos, tendo em conta a maior ou menor intensidade com que a lgica neoliberal se tem manifestado, tratando-se de pases centrais, perifricos ou semiperifricos, como o caso de Portugal. Entre ns, e tomando como referncia o perodo que vai de meados da dcada de 1980 a meados da dcada de 1990, Lima e Afonso (2002) sustentam que os vectores da democratizao, da modernizao e do neoliberalismo se manifestaram de modo particular, considerando que as reformas neoliberais tiveram uma expresso hbrida, mitigada ou at, em alguns casos, em contra-ciclo, distinguindo-se, em muitos aspectos, da agenda emergente no contexto internacional.

    Num estudo sobre as polticas educativas em Portugal, Almerindo Afonso (1998) concluiu que, apesar de se encontrarem vectores do gerencialismo neoliberal ao nvel mais geral da definio das polticas pblicas, eles no se traduziram de forma to clara em termos de orientaes concretas para a gesto das escolas. Considera, por isso, que no possvel falar, no caso do nosso pas, de uma valorizao mais do que retrica da ideologia do mercado no domnio da educa-o pblica, tratando-se, pois, de um neoliberalismo educacional mitigado. No mesmo sentido, Manuel Sarmento (1999) sustenta que algumas das medidas mais marcantes das polticas neoliberais do mundo anglosaxnico no tm expresso visvel no caso portugus seno em termos simblicos. Argumenta, alis, que o que mais especfico no nosso pas a existncia de um tempo em contra-ciclo, corres-pondente ao processo escolar ps-25 de abril, consi-derando que esse perodo foi marcado por fenmenos aparentemente contraditrios: a expanso da escola bsica norteada pelos princpios da democratizao e da igualdade de oportunidades, embora ocorra num momento em que noutros pases se verificava j uma contraco do financiamento dos sistemas educativos e se afirmava, em nvel global, a ideologia neoliberal.

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    No entanto, outros analistas tm vindo chamar a ateno para o facto de que os valores neoliberais circulam hoje escala mundial, entre os sectores econmico, social, poltico e cultural, para o que muito contribui a grande mobilidade das pessoas e da informao, assegurada predominantemente pelas tecnologias da informao e comunicao, as revistas e livros, as conferncias e encontros, as asso-ciaes profissionais e cientficas, os especialistas e as organizaes internacionais. Ora, esses elementos fazem parte de uma circulao internacional de ideias sobre prticas apropriadas e interpretaes da mudana escolar (Popkewitz, 2000, p. 48). Por meio de isomorfismos, como explica John Meyer (2000), a sociedade global fornece modelos que influenciam bastante os sistemas educativos nacionais. E, se existe uma cultura educacional global e um emergente siste-ma educativo global, eles no podem ser concebidos como resultado apenas de uma espcie de aproxima-o de prticas. H certamente uma influncia global generalizada, mas esta no decorre do domnio de uns pases sobre outros; resulta, sobretudo, do facto de o sistema educativo globalizado envolver uma densa estrutura de associaes e profisses educacionais, e de outros sistemas de prestgio, chamando a ateno para histrias educacionais de sucesso.

    As reformas neoliberais correspondem, assim, a um fenmeno de alcance global, que, no obstante as especificidades contextuais, se propaga por meio de um esprito gestionrio (Ogien, 1995). Ainda que a lgica neoliberal no tenha atingido a mesma expresso em todos os pases, no podem ser ignora-dos seus efeitos profundos, sobretudo no plano dos valores e das subjectividades, na medida em que ela se manifesta quer por um neoliberalismo doutrin-rio como mais o caso da Gr-Bretanha , quer por um neoliberalismo gestionrio como o caso de outros pases da Europa (Jobert, 1994). H que levar em conta, portanto, as formas de penetrao difusa da orientao neoliberal e sua difuso subterrnea escala local, pois, como sustentam Ball e Van Zanten (1998), o processo nacional de elaborao de polticas um processo de bricolage e, nesse sentido, as reformas e

    as polticas neoliberais, sejam elas entendidas como manifestaes objectivas ou como tecnologias de circulao e difuso de ideias e de valores e de impreg-nao das subjectividades dos professores e de outros actores educativos, devem ser compreendidas como o produto de mltiplas influncias e interdependncias (Ball, 1994).

    De acordo com Stephen Ball (2002), as tecnolo-gias polticas de reforma educacional no so apenas veculos para a mudana tcnica e estrutural; so tambm mecanismos que contribuem para a mudana das subjectividades, das identidades e dos valores. Sob a aparncia de liberdade que criada pela retrica da devoluo de poderes ao local, da flexibilidade e autonomia, emergem novas formas de controlo que pe-netram as subjectividades dos professores. Por exem-plo, as tecnologias polticas de reforma educativa, das quais o autor destaca o mercado, o gerencialismo e, particularmente, a performatividade, pem em causa a colegialidade e a autenticidade dos professores. A nova cultura da performatividade competitiva gera sentimentos de culpa, incerteza e insegurana onto-lgica: estarei a trabalhar bem?, estarei a trabalhar o suficiente?, estarei a trabalhar no sentido certo?, ser isto que querem que eu faa?. Ora, essa insegu-rana tende a gerar uma fantasia encenada para ser vista e avaliada; o espectculo e a opacidade tendem a sobrepor-se transparncia e autenticidade.

    Nosso pas, como se disse, tem caractersticas especficas, mas isso no significa que seja imune a essas influncias globais. O que acontece que, entre ns, as ideias de produtividade e competitividade, de inspirao empresarial e mercantil, se tm manifestado de modo peculiar, surgindo mistura com polticas e prticas que se mantm fortemente centralizadas e burocrticas. Isto , poder-se-ia pensar que a criao de centros de formao de associao de escolas, de territrios educativos de interveno prioritria, de agrupamentos de escolas etc., no quadro das polticas ditas de descentralizao, territorializao e autono-mia, conduziriam ao fim do centralismo burocrtico; no entanto, o que se tem observado sobretudo uma contradio entre os discursos difundidos por especia-

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    listas da educao e por lderes polticos e administra-tivos imbudos de uma retrica de descentralizao, territorializao, contratualizao, autonomia, flexibi-lidade etc. e as prticas centralizadas e burocrticas que no deixaram nunca de estar presentes, sendo hoje visveis tambm no plano local. que essas prticas, enquanto fenmeno estrutural e cultural, no dizem respeito apenas ao Estado e administrao central e ao tipo de relaes que esses actores mantm com os actores locais, sejam o municpio, os agrupamentos de escolas, os centros de formao ou outros. Em grande medida, so os prprios actores locais que promovem hoje objectivos e mobilizam recursos e metodologias que no diferem, no essencial, dos utilizados escala nacional-estatal, constatando-se mesmo, em alguns casos, que o centralismo burocrtico se reproduz escala local com maior afinco do que foi ou utilizado escala nacional.

    A formao de professores e o papel das instituies de ensino superior

    A formao de professores est intimamente relacionada a um fenmeno que alguns autores tm designado como universitarizao ou academizao da formao, decorrente da passagem da formao de professores para as universidades e outras insti-tuies de ensino superior. Joo Formosinho (2002) considera que esse fenmeno introduziu benefcios, designadamente uma fundamentao terica mais slida da aco educativa; a valorizao do estatuto da profisso docente; mais investigao em vrios domnios das cincias da educao; mais investigao sobre o ensino, os professores e as escolas; o alarga-mento de perspectivas profissionais dos professores; a emergncia de projectos de investigao e interven-o e uma maior aproximao das universidades e dos seus docentes e investigadores s realidades dos outros nveis de ensino. No entanto, salienta que o fenmeno de academizao da formao gerou outros efeitos, associados s caractersticas institucionais e organizacionais da universidade tradicional: dizem respeito compartimentao disciplinar, fragmen-

    tao feudal do poder centrada em territrios de base disciplinar, ao individualismo competitivo que resiste a uma coordenao docente, sendo, ento, incongruen-tes com o prprio discurso acadmico corrente, que advoga, relativamente formao de professores e actividade educativa nas escolas, o trabalho em equipa, a coordenao docente e a colegialidade, a interdis-ciplinaridade e a integrao curricular, a integrao comunitria da escola etc.

    necessrio sublinhar que a academizao da formao ocorre por essa via institucional e organi-zacional mas tambm pelo contacto dos professores de outros nveis de ensino com a cultura universi-tria. Em resultado dos programas de formao de que participam, os professores tendem a reproduzir discursos teoricamente elaborados, mas que, em vez de contriburem para a reflexo sobre as prprias prticas, tendem a gerar efeitos de sua ocultao. Em contrapartida, no que concerne investigao, os acadmicos tm incidido seus estudos principalmente sobre as polticas, as prticas e os contextos dos outros nveis de ensino, mantendo ausentes anlise e reflexo crtica sobre suas prprias prticas e sobre a cultura universitria em que se inserem.

    Ademais, sem vinculao aos contextos e situa-es reais de trabalho, a prpria teoria tende a ser con-fundida com retrica. O discurso acadmico, tal como outros discursos que proliferam no campo educativo, tende a gerar uma inflao retrica que, em vez de estimular o desenvolvimento de prticas profissionais reflexivas, pode estar a acentuar a referida azfama de mudana nas escolas. A esse respeito, a anlise de Antnio Nvoa (1999) sobre a situao actual dos professores bastante elucidativa: observa-se um ex-cesso ao nvel da retrica poltica e dos mass-media, das linguagens dos especialistas internacionais, do dis-curso cientfico educacional, das vozes individuais dos professores e, simultaneamente, uma pobreza ao nvel das polticas educativas, dos programas da for-mao de professores, das prticas pedaggicas e das prticas associativas docentes. O perodo recente tem sido marcado, como diz, pelo excesso de discursos, pela pobreza das prticas e por um pensamento que

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    se projecta num excesso de futuro como forma de justificar um dfice de presente. Consequentemente, a mudana tende a ser encarada como um mero jogo nominalista, como se no houvesse outra mudana para alm da alterao dos nomes.

    Em vez de contrariar esse entendimento da mudana, as instituies de formao de professores podem estar a acentu-lo, se no promoverem um pensamento reflexivo, crtico e comprometido com os contextos de aco concreta. Isso implica uma mudan-a de atitude das instituies de ensino superior, dos acadmicos e investigadores relativamente s formas de apoio s escolas. Rui Canrio (2002) sublinha que a maior parte dos processos de inovao e reforma dos ltimos 30 anos foram da iniciativa central e desenvol-veram-se numa lgica estreita de tutela, concebendo o papel da administrao fundamentalmente como um processo de ensinar as escolas e os professores a serem inovadores e criativos.

    Esse autor defende, no entanto, que a maior exi-gncia que se coloca s entidades que pretendem rea-lizar um apoio externo crtico s escolas a adopo de uma atitude de grande humildade, de modo que se possa aprender com elas. Desse modo, no se trata de ensinar as escolas a serem criativas e inovadoras, mas de realizar com elas um processo de aprendizagem a partir do que elas produzem. Mas para que isso seja possvel, conclui Rui Canrio, necessrio criar condies para dar a palavra s escolas e aprender a escut-las.

    Concepes da formao contnua de professores como educao de adultos

    Como se referiu anteriormente, o sistema formal de formao contnua de professores que vigora entre ns fruto de um longo processo de discusso poltica, sindical e acadmica e de produo legislativa. Houve um factor que norteou todo o processo: o entendimento da formao contnua como condio obrigatria para a progresso na carreira. Embora nem toda a formao tenha passado a realizar-se no mbito desse sistema formal e a obedecer a essa ligao to estreita entre formao e carreira, ela introduziu novas linguagens,

    prticas e subjectividades e uma clara orientao para a racionalizao e formalizao dos processos organi-zacionais e pedaggicos. Isso porque o sistema formal institudo exigiu a definio de um enquadramento jurdico, o qual recorreu a um conjunto de noes administrativo-formais tais como crditos, creditao e acreditao; reas, modalidades e nveis; avaliao e certificao; competncias e estatutos; direitos e deveres; coordenao e inspeco; verbas, receitas, financiamento e outros.

    Do ponto de vista organizacional, vrios constran-gimentos decorrem dessa ligao da formao cont-nua progresso na carreira e do sistema obrigatrio e industrializado que essa ligao gerou. Mas decorrem igualmente do pressuposto tecnocrtico da diviso so-cial do trabalho da formao: de um lado os gestores, decisores, planificadores e formadores; do outro, os formandos que frequentam as aces de formao. Isto : de um lado os que definem prioridades, neces-sidades, cursos e programas de formao; do outro, os carenciados da formao. Ora, essas lgicas esto de tal modo enraizadas que so defendidas no apenas por quem as concebe ao nvel do sistema como tambm pelos prprios actores locais, incluindo os professores formandos. Alm disso, tendem a sobrepor-se ou a confundir-se, na prtica, com o prprio conceito de formao contnua, em resultado da proliferao da-quelas noes administrativo-formais e da linguagem bancria e contabilstica utilizada.

    Essas lgicas tm implicaes pedaggicas na formao, na medida em que os professores tendem a ser encarados como formandos-alunos e no como adultos e profissionais sujeitos e autores da sua prpria formao. Estabelecendo, por um lado, a separao entre funes de concepo e de execuo e, por outro lado, a separao entre espaos e tempos da forma-o e espaos e tempos do trabalho, no propiciam a autoformao e a aprendizagem colectiva entre pares, em modalidades de interformao e ecoformao. igualmente essa separao que est na origem da ter-minologia do dar e receber formao, muito utili-zada pelos agentes da formao. Mesmo as designadas novas formas de organizao do trabalho e novas

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    modalidades de formao, que apelam a uma maior flexibilidade e autonomia e supem maior articulao entre trabalho e formao, esto imbudas de uma l-gica individual-instrumental, pois a oferta e a procura de aces de formao contnua tornou-se instrumental em relao s carreiras individuais dos professores, tornando assim difcil a contextualizao da formao nas escolas e nos seus projectos. Em grande medida, as novas modalidades de organizao do trabalho e da formao filiam-se ao modelo da competncia e da carteira de competncias, baseado numa lgica de acumulao, por conta prpria, de um capital os crditos de formao, acumulveis ou capitalizveis. Ora, ao assentar na ideia de carncia e de inade-quao dos trabalhadores as funes que realizam, essa lgica mobiliza o discurso da importncia e da necessidade da formao como condio de aquisio de competncias tcnicas para a melhoria do desempe-nho individual e do aumento da produtividade. Porm, ao acentuar a dimenso tcnica e individual, ignora na mesma medida a dimenso relacional e colectiva das situaes de trabalho e dos processos de formao, sendo essas, afinal, aquelas que mais caracterizam a actividade socioeducativa: o trabalho em equipas de alunos e professores; a interformao, ou formao entre pares; as parcerias entre professores e outros actores educativos locais.

    Subordinado a uma lgica individual e instrumen-tal e ao formalismo que decorrem da ligao progres-so na carreira, o sistema de formao contnua no tem sido propcio, em suma, ao desenvolvimento de processos colectivos de aprendizagem referenciados aos contextos vivenciais. No entanto, as abordagens que mais tm contribudo para a problematizao do campo da formao profissional contnua e para a enunciao de alternativas racionalizao e instru-mentalidade que o tm caracterizado tm provindo de reflexes que relevam sobretudo as dimenses formativas dos contextos e das situaes de trabalho (Correia, 1996). A seguir enunciaremos algumas dessas alternativas que, embora acentuando diferen-tes aspectos, propem em comum uma concepo da formao contnua como educao de adultos.

    Por exemplo, a possibilidade de o campo da for-mao integrar o informal e o relacionar com o formal, explorando as sinergias entre educao formal, no formal e informal (Pain, 1990, p. 227) constitui uma dimenso central desse debate alternativo. A valoriza-o da informalidade permite ultrapassar as preocupa-es quase exclusivas com o ensino, os programas e os contedos conceitos associados racionalidade escolar que tem dominado o campo da formao de adultos e orientar os processos formativos com base na aprendizagem e na experincia.

    Ao integrar os saberes experienciais do ofcio, as dimenses informais constituem-se como uma condio de passagem de uma concepo de formao como mero programa formal para uma concepo de formao como dispositivo. O conceito de dispositivo de formao remete para uma dimenso de temporali-dade, em que se privilegia a longa durao, e para uma dimenso de territorialidade, em que se sobrepem um espao-trabalho e um espao-formao (Canrio, 1994). Essa concepo mais fluida da formao, en-tendida mais como bricolage do que como engenharia, pode constituir uma possibilidade de superao da concepo burocrtico-industrial arreigada ao campo da formao dos adultos e, em particular, ao actual sistema de formao contnua de professores.

    Essas conceptualizaes procuram aproximar e interpelar a formao e a aco, tradicionalmente dissociadas por uma concepo que separa os tempos e os espaos de transmisso e aquisio de saberes a formao dos tempos e espaos da sua aplicao o trabalho , sendo este encarado como o campo da mera aplicao desses saberes. O reconhecimento da importncia do informal permite considerar as formas no intencionais da formao, as dimenses formativas da organizao e da aco, os efeitos formativos do quotidiano (Pain, 1990). Assim, ao permitir analisar as faces ocultas da formao (Dominic, 1990, p. 11), essas abordagens do um contributo impor-tante para a deslocao do objecto praxeolgico da formao, passando de uma concepo da formao de adultos trabalhada semelhana do modelo escolar para uma concepo trabalhada como dinmica de

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    formatividade (Correia, 1992). Tal deslocao impli-ca, todavia, uma mudana de registo. Implica passar de uma lgica de sistema e de programa, que separa os lugares e os tempos da cidadania, do trabalho e da formao, para uma lgica de dispositivo de formao e de dinmica de formatividade, que une esses tempos e lugares num processo nico e permanente.

    Essas abordagens valorizam essencialmente as dimenses da autoformao e da interformao; da ecoformao e da co-formao (Pineau, 1989). Pondo em destaque as dimenses da experincia e da biografia dos sujeitos em formao, procuram deslocar o registo da oferta e do consumo acrtico e instrumental da formao para um registo de produo reflexiva e emancipatria de formao. Dentro dessa abordagem biogrfica, podem referir-se os trabalhos de Nvoa e Finger (1988), Pineau e Jobert (1989), Josso (1990) e Dominic (1990). Nessa mesma perspectiva, acentuando a concepo da formao de adultos como formao experiencial, podem referir-se ainda outros trabalhos de Courtois e Pineau (1991) e de Jarvis (1995). Essas conceptualizaes incorporam uma vi-so mais fluida dos processos formativos, cujo modo de apropriao a prpria aco colectiva, por meio da implicao e da impregnao (Pain, 1990, p. 161). Assim, a formao entendida como um processo apropriativo de oportunidades educativas, vividas no quotidiano (Canrio, 1994, p. 32).

    Conferindo centralidade aos fenmenos incons-cientes e do imaginrio, a abordagem psicanaltica d tambm um contributo importante para a superao da lgica racional-formal, que incorpora apenas os aspectos materiais e intencionais. Essa abordagem introduz no campo da formao uma conceptualizao que sublinha sobretudo a importncia do simbolismo do dispositivo analtico, considerando esse simbolismo to ou mais importante que a materialidade do formador. Os trabalhos de Natanson (1994) e de Alin (1996) so exemplos da pertinncia da incorporao dessas dimen-ses simblicas e subjectivas na formao. Christian Alin considera que a escuta das subjectividades uma componente essencial dos processos formativos, pelo facto de muitos de ns, professores, formadores, cuja

    actividade dizer, falar, no nos entendermos, no nos escutarmos. Tanto mais que, como afirma Madeline Natanson, os indivduos em formao tm o direito de queixarem-se e desabafarem, pelo que a formao constitui um dispositivo de libertao dessas angstias e do stress profissional que marcam fortemente a acti-vidade dos professores na actualidade.

    Nesta breve anlise da literatura no se pretende definir categorias exaustivas. Isso no seria possvel num campo de grande transversalidade como a formao. As abordagens que tm sido produzidas em torno dessa problemtica relacionam vrias di-menses, como a formao, o emprego, o trabalho, a socializao e identidades profissionais. No entanto, h nfases diferentes, como j foi salientado. o caso das conceptualizaes que enfatizam as potencialidades da aprendizagem realizada atravs da organizao e pela prpria organizao (Barroso, 1997; Bolvar, 1997). O projecto e as situaes participativas de trabalho so as que proporcionam mais oportunidades de formao. Mas, como lembra Joo Barroso (1997, p. 75),

    [...] para que seja possvel pr em prtica modalidades de formao que permitam aos trabalhadores aprenderem

    atravs da organizao e das suas situaes de trabalho,

    preciso que a prpria organizao aprenda a valorizar a

    experincia dos trabalhadores e a criar condies para que

    eles participem na tomada de deciso.

    O conceito de aprendizagem organizacional procura, assim, traduzir a ideia de que a formao e a mudana se operam pela organizao, no se tratando, portanto, de mudar pessoas supostamente carentes, mas as organizaes e os seus problemas, valorizando-se os saberes experienciais e os contextos e processos colectivos de trabalho.

    Outras conceptualizaes tm incidido sobretudo nas questes pedaggicas da formao. Como consi-dera Silva, a educao de adultos pode radicar a sua mais distintiva contribuio [s questes educativas e sociais] numa afirmao de mtodo, em sentido am-plo o modo de formao dirigido autonomia e participao dos sujeitos em formao (Silva, 1990,

  • Reformas educativas, formao e subjectividades dos professores

    Revista Brasileira de Educao v. 13 n. 38 maio/ago. 2008 247

    p. 97). Assim, importa reflectir sobre as prticas de formao de adultos e sobre os mtodos utilizados. De acordo com Ferry (1987), podemos definir trs modelos de prticas de formao: o modelo centrado nas aquisies, o modelo centrado nos processos e o modelo centrado na anlise.

    O modelo centrado nas aquisies pressupe que a prtica a mera aplicao da formao (teoria); o modelo centrado nos processos valoriza essencial-mente as experincias dos indivduos em formao, situando a teorizao ao nvel da formalizao das prticas; o modelo centrado na anlise considera que os indivduos se formam por um trabalho sobre si mesmos, articulando teoria e prtica. Com efeito, a prtica por si s no formadora; ela pode tornar-se objecto de anlise, de reflexo e compreenso com a ajuda de um referencial terico. Por sua vez, Lesne (1984) define trs modos de trabalho pedaggico. O tipo transmissivo de orientao normativa as-senta numa relao pedaggica hierarquizada entre formador e formando, sendo a pessoa em formao considerada essencialmente objecto de socializao; o tipo incitativo de orientao pessoal valoriza as dimenses interpessoais e individuais e assenta em relaes pedaggicas horizontais, sendo a pessoa sujeito da sua prpria formao e socializao; o tipo apropriativo centrado na insero social do in-divduo assenta no exerccio democrtico do poder pelas pessoas em formao e tem como objectivo desenvolver a capacidade de agirem de forma que modifiquem as prprias condies sociais, pedaggi-cas e organizacionais da sua actividade. Nesse ltimo caso, a pessoa em formao considerada agente de socializao, com capacidade para transformar-se e transformar a sociedade em que vive.

    Podemos referir, finalmente, um conjunto de abordagens que procuram alargar a problemtica da formao de adultos s dimenses sociais e comunit-rias, que inter-relacionam os temas da formao com o desenvolvimento social (Silva, 1990; Melo, 1994; Amaro, 1994), com as redes (Castran, 1988) e as parcerias (Mrini, 1996; Zay, 1994); que transformam a relao entre a escola e a comunidade no elemento

    mediador da formao (DEspiney & Canrio, 1994); que defendem perspectivas inter/multiculturais na for-mao de professores (Stoer, 1992; Corteso & Stoer, 1997). Ainda nessas concepes sociocomunitrias da formao, incluem-se os trabalhos de Zeichner (1993) e de Liston e Zeichner (1993), que salientam a formao centrada na escola e na comunidade. Em-bora incidindo principalmente no campo da formao inicial de professores, esses trabalhos do contributos importantes para a formao contnua, chamando a ateno para as questes comunitrias da formao e para a necessidade de ela ter em conta as condies sociais em que se realiza a aco educativa. A for-mao pode contribuir, assim, para a participao comunitria (Freire, 1996) e para a construo da cidadania democrtica (Lima, 1996), numa linha em que a formao dos adultos e a formao contnua de professores, de um modo particular se articula intimamente com as problemticas da justia social, da diversidade cultural, da organizao democrtica da escola, da participao e da cidadania das crianas e dos jovens questes que se colocam hoje com grande intensidade na actividade educativa.

    Concluso

    Nas ltimas trs dcadas, as escolas e os profes-sores tm estado envolvidos num ambiente de reforma permanente. Os temas das reformas educativas a formao contnua obrigatria para progresso na car-reira, a autonomia e gesto da escola, a reorganizao curricular etc. tm gerado, no seio dos professores, a ideia de que as mudanas lhes so exteriores ou de que lhes compete apenas o papel de actores secundrios. Tem-se difundido, igualmente, a ideia de que as mu-danas da educao e da escola passam essencialmente pela gesto, gerando-se, em consequncia, a iluso de que se trata de fenmenos da exclusiva responsabili-dade dos administradores e gestores, em relao aos quais os professores que trabalham quotidianamente com os alunos so, ou sentem-se, alheios.

    A ideia de que as boas prticas so as prticas de gesto povoa hoje o imaginrio docente. Mesmo

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    Fernando Ildio Ferreira

    Revista Brasileira de Educao v. 13 n. 38 maio/ago. 2008

    falando-se muito em autonomia, a vertente gestion-ria que tem estado no centro das preocupaes das es-colas e dos agrupamentos de escolas, designadamente com a instalao de rgos, a realizao de reunies e a elaborao de documentos escritos. Ora, as lgicas das reformas educativas e a ideia a elas associada de que a essncia da actividade educativa a gesto, ten-dencialmente vinculada a uma concepo burocrtica, tm produzido diversos efeitos ao nvel das subjecti-vidades dos professores. Um dos principais efeitos , como se disse, gerar ou acentuar o sentimento de que as mudanas na esfera da aco pedaggica lhes so exteriores. O ambiente de reforma permanente em que as escolas tm estado mergulhadas tem sido, assim, mais favorvel emergncia de um pensamento fata-lista e resignado do que aco autnoma e reflexiva. A retrica da eficincia, da eficcia, da qualidade, da excelncia etc. apelativa, criando nas escolas e entre os professores uma azfama de mudana, mas no lhes deixando tempo para a reflexo sobre o que necessrio realmente mudar. Como sustenta J. A. Correia (2000), a escola atarefada perde, desse modo, sua capacidade de formular perguntas e definir problemticas; e, ao mesmo tempo que afirma ter-se libertado do peso da burocracia estatal para se tornar gil, leve e flexvel, parece tambm se ter libertado do peso das suas convices e dos seus princpios. Trata-se, como diz Correia, de um excesso de activismo in-controlado e conformado e um dfice de reflexividade e inconformidade.

    Com as polticas ditas de descentralizao, au-tonomia e gesto local da escola, os responsveis do Ministrio da Educao passaram a dispor de mais tempo livre para invadir as escolas com as suas propostas de inovao, criando nos contextos da aco local um verdadeiro corrupio. Os professores tm sido obrigados a elaborar o projecto educativo de escola, o projecto curricular de escola, o pro-jecto curricular de turma e outros, mas em grande medida assumindo essa obrigao como um trabalho administrativo de elaborao de documentos escritos exigidos pela administrao e pela inspeco. Nesse contexto das reformas educativas, o projecto trans-

    formou-se numa espcie de palavra mgica. Porm, como sustenta criticamente Nicolas-Le Strat (1996), a forma-projecto pretende domesticar o futuro, multi-plicando os momentos em que a vida se subordina ao cerimonial da formalizao projectiva, em detrimento de outros princpios de aco, designadamente dos que se desenvolvem de modo menos linear, intencional e estratgico e que no se sujeitam imediatamente aos imperativos da racionalidade instrumental. A perma-nente intencionalidade do projecto, principalmente quando ele entendido numa lgica burocrtica, como um mero documento escrito, retira experincia de cada um a aventura, a deriva, as hesitaes e as trans-gresses que configuram a autenticidade.

    Com efeito, os aspectos formais e morfolgicos de composio dos rgos de gesto das escolas e agrupa-mentos de escolas, das reunies, dos documentos que tm de elaborar, quer no nvel da escola e do agrupa-mento quer individualmente, invadiram as preocupaes dos professores, em detrimento dos assuntos respeitan-tes s actividades, aos saberes e s aprendizagens dos alunos. O clima de reforma permanente no tem sido, portanto, favorvel reflexo, experimentao e descoberta de alternativas pedaggicas, na medida em que a azfama de mudana e o alvoroo projecto-crtico que envolvem as escolas e os professores tm gerado uma mentalidade expectante e uma lgica de sobrevivncia que se traduz numa maior preocupao com a encenao, o aparato e o faz-de-conta do que com os processos educativos concretos. Tal clima no tem deixado tempo para a reflexo sobre questes que possam fazer a prpria agenda educativa das escolas e dos actores locais. Estes andam cada vez mais atarefa-dos, desinteressando-se ou vendo-se impossibilitados, muitas vezes, de exercer uma atitude reflexiva e crtica sobre os constrangimentos e as oportunidades da sua aco profissional. Os temas do momento das refor-mas educativas tendem a ser encarados numa lgica cumulativa (mais disciplinas, mais documentos, mais reunies etc.) e numa lgica de exterioridade relati-vamente aos processos de mudana, e no como uma possibilidade de transformao do trabalho quotidiano que desenvolvem com os alunos.

  • Reformas educativas, formao e subjectividades dos professores

    Revista Brasileira de Educao v. 13 n. 38 maio/ago. 2008 249

    Em suma, as ideias de descentralizao e de mo-dernizao que tm pautado o discurso em torno das reformas educativas impregnaram as subjectividades dos professores, misturando-se com uma mentalidade centralista e burocrtica que se mantm fortemente enraizada. Ora, essa mistura tem causado uma esp-cie de esquizofrenia organizacional e profissional: a ideia de mudana surge associada aos valores da produtividade, competitividade, qualidade etc., mas os professores, os gestores escolares e outros actores educativos continuam a agir em moldes centralistas e burocrticos. Nesse cenrio, tem-se difundido a cren-a de que as boas prticas dos professores assim como a sua produtividade e competitividade, ou, por outras palavras, o seu desempenho so aferidas a partir da qualidade dos documentos que elaboram, como os referidos anteriormente, e no tanto a partir do trabalho que desenvolvem quotidianamente com os alunos. , no entanto, pelo questionamento e pela superao dessas lgicas instaladas, concebendo a formao contnua de professores como educao de adultos e, como tal, assente em princpios par-ticipativos, democrticos e emancipatrios, na sua dupla dimenso individual e colectiva, que podem ser resgatados o sentido e a utilidade da formao para a aco educativa.

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    FERNANDO ILDIO FERREIRA, doutor em estudos da criana pela Universidade do Minho, professor do Instituto de

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    Criana, da Universidade do Minho (Unidade de I&D da Fundao para a Cincia e Tecnologia). Publicaes recentes: O local em educao: animao, gesto e parceria (Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2005); em co-autoria com FORMOSINHO, Joo;

    FERNANDES, Antnio Sousa; MACHADO, Joaquim. Administra-

    o da educao. Lgicas burocrticas e lgicas de mediao (Porto: Asa, 2005); Modos de governo da educao: polticas, actores e conexes. Administrao educacional (Revista do Frum Portugus de Administrao Educacional, n. 6, p. 19-27, 2006); em co-autoria com OLIVEIRA, Joaquim Marques. Escola e polticas educativas:

    lugares incertos da criana e da cidadania. (Perspectiva Revista do Centro de Cincias da Educao, Florianpolis: Universidade

    Federal de Santa Catarina, v. 25, n. 1, p. 127-148, jan./jun. 2007). Projectos de investigao em curso: TISSNTE Project Teacher induction: supporting the supporters of novice teachers in Europe

    (www.tissnte.eu). E-mail: [email protected]

    Recebido em outubro de 2007

    Aprovado em janeiro de 2008

  • Resumos/Abstracts/Resumens

    408 Revista Brasileira de Educao v. 13 n. 38 maio/ago. 2008

    chileno, rigorosamente enfocado en el cuestionario del modelo educacional vigente considerado por muchos analistas como altamente mercantilizado y segmentado tiene caractersticas de vanguardia y de fina sintona poltica con la realidad social y educacional del pas, lo que puede acabar por imponer evidencias, vencer o convencer los resistentes, pasando a orientar polticas de disminucin de las desigualdades.Palabras clave: reforma educacional chilena; rebelin de los pinginos.

    Armando Loureiro

    As organizaes no-governamentais de desenvolvimento local e a sua prtica educativa de adultos: uma anlise no norte de PortugalEste artigo d conta de uma investi-gao realizada junto a organizaes no-governamentais de desenvolvimen-to local com actividades de educao de adultos, no norte de Portugal. Nele problematiza-se a relao terica que v a educao de adultos como factor de desenvolvimento local. Os dados mostram que, no caso investigado, apesar de tais organizaes realizarem aces de educao de adultos variadas e frequentes, a forma como elas esto a ser postas em prtica comprometer a relao causal antes enunciada.Palavras-chave: educao de adultos; desenvolvimento local; organizaes no-governamentais

    Non-governmental local development organizations and their educative practice with adults: an analysis of their activities in the north of PortugalThis article is based on an investigation carried out among non-governmental local development organizations devoted to adult education in the north of Portugal. In it, we question the theoretical relation

    which considers adult education as a factor of local development. The data show that in the case under study, although these organizations carry out varied and frequent activities of adult education, the way in which they are put into practice will compromise the previously enunciated causal relationship.Key words: adult education; local development; non-governmental organizations

    Las organizaciones no gubernamentales de desarrollo local y su prctica educativa de adultos: un anlisis en el norte de PortugalEste artculo trata de una investigacin realizada junto a organizaciones no gubernamentales de desarrollo local con actividades de educacin de adultos, en el norte de Portugal. En l se trata el problema de la relacin terica que ve la educacin de adultos como un factor de desarrollo local. Los datos muestran que, en el caso investigado, a pesar de que tales organizaciones realicen acciones de educacin de adultos variadas y frecuentes, la forma como ellas estn siendo puestas en prctica comprometer la relacin causal antes enunciada.Palabras clave: educacin de adultos; desarrollo local; organizaciones no gubernamentales

    Fernando Ildio Ferreira

    Reformas educativas, formao e subjectividades dos professoresNo contexto das reformas educativas iniciadas em Portugal nos anos de 1980, a formao contnua de professores teve forte incremento, associado a financia-mentos avultados da Unio Europia e a uma lgica de oferta e procura induzida por um enquadramento legal que esta-beleceu uma ligao entre a formao e a progresso na carreira. Neste artigo, defende-se que esse incremento no

    teve equivalente na transformao das concepes e prticas de formao, gerando at lgicas contrrias aos prin-cpios participativos e emancipatrios da educao de adultos. A formao desenvolveu-se predominantemente imagem do modelo formal e acadmico da escolarizao e com influncias de polticas de racionalizao das refor-mas educativas. Nas primeiras seces do artigo, abordam-se essas lgicas, salientando-se seus efeitos nas subjec-tividades dos professores. Em seguida, abordam-se concepes alternativas, considerando a formao contnua numa perspectiva de educao de adultos e pressupondo, assim, outro tipo de rela-o dos professores com a formao.Palavras-chave: reformas educativas; formao de professores; subjectivi-dades

    Educational reforms, training and teacher subjectivitiesIn the context of the educational reforms initiated in Portugal in the 1980s, the in-service training of teachers experienced a significant increase, associated both with strong financial backing from the European Union and a logic of supply and demand induced by a legal framework which established a link between training and career progression. This article defends the position that this increase found no equivalence in the transformation of conceptions and practices of training, and even generated an opposing logic to the participatory and emancipatory principles of adult education. Teacher training has predominantly developed as a reflection of the formal and academic model of schooling and influenced by policies of rationalization of educational reforms. In the first sections of this article, the effects of these logics on teacher subjectivities are analysed. Later, alternative conceptions of training are dealt with, considering in-service teacher training

  • Resumos/Abstracts/Resumens

    Revista Brasileira de Educao v. 13 n. 38 maio/ago. 2008 409

    in a perspective of adult education and presupposing, in this way, a different relationship between teachers and training.Key words: educational reforms; teacher training; subjectivitiesReformas educativas, formacin y subjetividades de los profesoresEn el contexto de las reformas educativas iniciadas en Portugal en los aos de 1980, la formacin continua de profesores tuvo un fuerte incremento, asociado a financiamientos de gran porte de la Unin Europea y a una lgica de oferta y procura inducida por un encuadramiento legal que estableci una unin entre la formacin y la progresin en la carrera. En este artculo, se defiende que ese incremento no tuvo equivalente en la transformacin de las concepciones y prcticas de formacin, generando lgicas hasta contrarias a los principios participativos y de emancipacin de la educacin de adultos. La formacin se desarroll predominantemente a la imagen del modelo formal y acadmico de la escolarizacin y con influencias de polticas de racionalizacin de las reformas educativas. En las primeras secciones del artculo, se abordan esas lgicas, acentundose sus defectos en las subjetividades de los profesores. En seguida, se abordan concepciones alternativas, considerando la formacin continua en una perspectiva de educacin de adultos y previendo, as, otro tipo de relacin de los profesores con la formacin.Palabras clave: reformas educativas; formacin de profesores; subjetividades

    Eliana Borges Correia de Albuquerque, Artur Gomes de Morais e Andra Tereza Brito Ferreira

    As prticas cotidianas de alfabetizao: o que fazem as professoras?

    Este trabalho buscou analisar como as prticas de alfabetizao se tm carac-terizado atualmente, tomando como eixo de investigao a fabricao do cotidiano escolar por professoras do 1 ano do primeiro ciclo da prefeitura da cidade do Recife. No campo terico, apoiamo-nos em dois modelos distintos que analisam a dinmica da construo/produo dos saberes escolares: o da transposio didtica e o da construo dos saberes da ao. Para registrar como as professoras estavam transpondo as mudanas didticas relacionadas alfabetizao para suas prticas de en-sino e como fabricavam suas prticas pedaggicas cotidianas, utilizamos a observao de aulas como procedimento metodolgico. As prticas das profes-soras quanto ao ensino do sistema de escrita alfabtico foram classificadas em dois tipos: sistemtica e assistemtica. Os dados analisados reforam nosso en-tendimento de que na dinmica da sala de aula que as professoras recriam as orientaes oficiais e acadmicas.Palavras-chave: alfabetizao; cotidia-no escolar; prtica de professores

    The daily practices of literacy: what do teachers do?The present study sought to analyse the current traits of literacy practice performed by first grade teachers in public schools in Recife, Brazil. With regard to theoretical considerations, we were inspired by two different models which analyse the dynamics of the production/construction of school knowledge: studies on didactic transposition and those on the construction of the knowledge of action. In order to register how teachers were transposing didactic changes related to literacy into their teaching practice and to understand how they fabricated their everyday teaching practices, we employed classroom observation techniques. Practices related to teaching the alphabetic writing system were