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Anais 2º Simpósio de Geotecnologias no Pantanal, Corumbá, 7-11 novembro 2009, Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p.140-149. 140 Calcretes: indicação de paleoambientes no leque do Aquidauana na borda sudeste da bacia do Pantanal Matogrossense Edna Maria Facincani 1 Edson Pereira de Souza 1 Vitor Matheus Bacani 1 Francisco Sérgio Bernardes Ladeira 2 1 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS Rua Oscar Trindade de Barros, 740, Serraria 79.200-000 - Aquidauana – MS, Brasil {edna_facincani, grylinho}@hotmail.com 2 Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP Rua João Pandiá Calógeras, 51, Cidade Universitária 13.083-870, Campinas - SP [email protected] Resumo. O Pantanal é uma bacia sedimentar tectonicamente ativa, e em função disso, buscou-se investigar as características geomorfológicas, geológicas e paleohidrológicas do Leque Fluvial do Rio Aquidauana na Borda Sudeste do Pantanal Matogrossenseste. A dinâmica sedimentar no leque do Rio Aquidauana é fortemente influenciada pelo regime de cheias e estiagens ou relação Planalto-Depressão. Durante a cheia, o rio principal inunda suas planícies e os antigos canais abandonados tornam-se ativos, ao mesmo tempo em que o nível freático sobe, fazendo com que grande parte do leque fique inundada, originando a típica paisagem do Pantanal. Por isso, o objetivo desta pesquisa foi destacar as condições paleohidrológicas do Leque do Aquidauana nos depósitos pleistocênicos no trecho da Cachoeira do Campo até a Fazenda Boa Vista. Para esta pesquisa conceitos, métodos, técnicas e procedimentos de caráter multidisciplinar, sobretudo relativos à Geomorfologia e Geologia Sedimentar (origem e evolução dos depósitos do Quaternário), foram empregados. E observou-se na área de estudo que compreende o trecho da Cachoeira do Campo até a Fazenda Boa Vista, o Rio Aquidauana está confinado na sua parte superior do leque, num cinturão de meandros em sedimentos de lobos antigos e limitados por terraços marginais e depósitos holocênicos. E assim, concluiu-se que Os paleossolos na área de Aquidauana indicam antigas condições de planície, com drenagem deficiente, com deposição de argilas, predominantemente expansivas, e associadas a esta deposição um ambiente árido a semi-árido. Palavras-chave: Calcretes, Bacia Sedimentar, Leque do Aquidauana e Pantanal Matogrossense.

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Anais 2º Simpósio de Geotecnologias no Pantanal, Corumbá, 7-11 novembro 2009,

Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p.140-149.

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Calcretes: indicação de paleoambientes no leque do Aquidauana na borda sudeste da bacia do Pantanal Matogrossense

Edna Maria Facincani 1

Edson Pereira de Souza 1

Vitor Matheus Bacani 1

Francisco Sérgio Bernardes Ladeira 2

1 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS

Rua Oscar Trindade de Barros, 740, Serraria

79.200-000 - Aquidauana – MS, Brasil

{edna_facincani, grylinho}@hotmail.com

2 Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

Rua João Pandiá Calógeras, 51, Cidade Universitária

13.083-870, Campinas - SP

[email protected] Resumo. O Pantanal é uma bacia sedimentar tectonicamente ativa, e em função disso, buscou-se investigar as

características geomorfológicas, geológicas e paleohidrológicas do Leque Fluvial do Rio Aquidauana na Borda

Sudeste do Pantanal Matogrossenseste. A dinâmica sedimentar no leque do Rio Aquidauana é fortemente

influenciada pelo regime de cheias e estiagens ou relação Planalto-Depressão. Durante a cheia, o rio principal

inunda suas planícies e os antigos canais abandonados tornam-se ativos, ao mesmo tempo em que o nível

freático sobe, fazendo com que grande parte do leque fique inundada, originando a típica paisagem do Pantanal.

Por isso, o objetivo desta pesquisa foi destacar as condições paleohidrológicas do Leque do Aquidauana nos

depósitos pleistocênicos no trecho da Cachoeira do Campo até a Fazenda Boa Vista. Para esta pesquisa

conceitos, métodos, técnicas e procedimentos de caráter multidisciplinar, sobretudo relativos à Geomorfologia e

Geologia Sedimentar (origem e evolução dos depósitos do Quaternário), foram empregados. E observou-se na

área de estudo que compreende o trecho da Cachoeira do Campo até a Fazenda Boa Vista, o Rio Aquidauana

está confinado na sua parte superior do leque, num cinturão de meandros em sedimentos de lobos antigos e

limitados por terraços marginais e depósitos holocênicos. E assim, concluiu-se que Os paleossolos na área de

Aquidauana indicam antigas condições de planície, com drenagem deficiente, com deposição de argilas,

predominantemente expansivas, e associadas a esta deposição um ambiente árido a semi-árido.

Palavras-chave: Calcretes, Bacia Sedimentar, Leque do Aquidauana e Pantanal Matogrossense.

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Abstract. The Pantanal is a tectonically active sedimentary basin, and on this basis, we attempted to investigate

the geomorphological characteristics, geological and paleohidrológicas the Fan River River Edge Aquidauana in

southeastern Pantanal. The sediment dynamics in the range of Aquidauana river is strongly influenced by the

regime of floods and droughts or relationship-Plateau Depression. During the flood, the main river flood plains

and their old abandoned channels become active at the same time the water level rises, causing much of the

range be flooded, resulting in the typical landscape of the Pantanal. Therefore, the objective of this research was

to highlight the conditions of the Fan paleohidrológicas Aquidauana Pleistocene deposits in the stretch of

Cachoeira do Campo to Fazenda Boa Vista. For this research concepts, methods, techniques and procedures

multidisciplinary, especially concerning Geomorphology and Sedimentary Geology (origin and evolution of the

Quaternary deposits), were employed. And it was observed in the study area that comprises the stretch of

Cachoeira do Campo to Fazenda Boa Vista, Aquidauana river is confined in its upper range, a belt meandering

of wolves in ancient sediments and limited by marginal terraces and deposits Holocene. And so, it was

concluded that the area Palaeossols Aquidauana indicate plain old conditions, with poor drainage, with

deposition of clays, predominantly expansive and deposition associated with this environment semi-arid to arid.

Key-words: Calcrete, Sedimentary Basin, Fan Aquidauana and the Pantanal.

1. Introdução

A bacia sedimentar do Pantanal é uma área subsidente de idade cenozóica, situada na região

Centro-Oeste do Brasil. Localizada entre os paralelos 15º e 20º S e os meridianos 55º e 59º W,

com maior área nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, mas adentrando terras do

Paraguai e da Bolívia. Embutida em uma grande feição geomorfológica denominada Bacia do

Alto Paraguai (BAP). Possui forma elíptica alongada na direção norte-sul e eixo maior de

cerca de 200 km. O poço mais profundo perfurado atingiu aproximadamente 400 metros,

terminando dentro da Formação Pantanal e conseqüentemente não atingindo o embasamento

(Assine, 2003).

A dinâmica sedimentar no leque do Rio Aquidauana é fortemente influenciada pelo

regime de cheias e estiagens ou relação Planalto-Depressão. Durante a cheia, o rio principal

inunda suas planícies e os antigos canais abandonados tornam-se ativos, ao mesmo tempo em

que o nível freático sobe, fazendo com que grande parte do leque fique inundada, originando a

típica paisagem do Pantanal. O preenchimento sedimentar da bacia do Pantanal vem sendo

realizado por um trato de sistemas aluviais, sendo o rio Paraguai a drenagem principal,

coletora das águas de diversos leques aluviais (Assine, 2003).

Dentre os vários tipos de sistemas deposicionais, os que receberam menos esforços para

sua caracterização e compreensão foram os megaleques aluviais úmidos, comuns em várias

regiões tropicais e subtropicais. Não existem modelos de condições paleohidrológicas de uso

generalizado e vários aspectos de sua evolução são ainda pouco compreendidos, de forma que

os resultados deste estudo poderão contribuir muito para o conhecimento da dinâmica

deposicional e geomorfológica do Cenozóico dessa Região. Porém devem-se ressaltar os

trabalhos de Assine, (2003), Facincani et. al (2006), Facincani (2007), Facincani et. al

(2007a) e Facincani et.al (2007b); por se tratarem de trabalhos pioneiros abordando a temática

na região e por estes depósitos estarem sendo descritos atualmente.

Zani (2008) evidencia que para ocorrer acúmulo de sedimentos são necessárias algumas

condições ambientais. Primeiramente deve haver espaço de acomodação disponível. Este

conceito define o volume potencial que pode ser preenchido por sedimentos e é criado através

de movimentos tectônicos ou mudanças nas condições hidráulicas do sistema. Suprimento

sedimentar e agentes com capacidade para o transporte também são indispensáveis. Portanto,

a sedimentação em forma de leque ocorre quando há a expansão de um fluxo previamente

confinado para um local de menor gradiente, com espaço de acomodação disponível.

O leque fluvial do Rio Aquidauana foi recentemente delimitado por Facincani (2007),

onde foram identificados depósitos possivelmente pleistocênicos e holocênicos. Esses

sedimentos serão descritos de forma a retratar as condições paleogeográficas da Bacia

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Sedimentar do Pantanal Mato Grossense na sua borda Sudeste, resultando na análise de uma

série de características, paleohidrológicas e sedimentológicas.

A evolução da porção Sudeste da Bacia do Pantanal é ainda muito pouco compreendida,

principalmente nas adjacências da cidade de Aquidauana (MS), onde existe um contraste

geológico e geomorfológico marcante entre a Planície do Pantanal e o Planalto de Maracajú-

Campo Grande, buscando compreender a origem e evolução da sedimentação ocorrida na

bacia do Pantanal, desde o final do pleistocêno até os dias atuais, no vale entrincheirado

(Figura 1) do Rio Aquidauana no trecho compreendido entre a Cachoeira do Campo à

Fazenda Boa Vista de aproximadamente 75 km (Figura 2).

Figura 1. Mapa de localização da área de estudo – Vale Entrincheirado (retângulo vermelho)

Assine, (2003).

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Figura 2. A) Recorte da área de estudo, extraída do Google Earth retratando o trecho:

Cachoeira do Campo à Fazenda Boa vista; B) Cachoeira do Campo e C) Fazenda Boa Vista.

2. Objetivo

Este trabalho visa contribuir com os conhecimentos lito-estratigráficos e sedimentológicos

sobre a Formação Pantanal, tendo por objetivo destacar as condições paleohidrológicas do

Leque do Aquidauana nos depósitos pleistocênicos no trecho da Cachoeira do Campo até a

Fazenda Boa Vista. Sendo assim especificou-se o objetivo geral em 3 situações: a)

Caracterizar os sedimentos nos terraços marginais do médio curso do Rio Aquidauana; b)

Descrever as condições paleohidrológicas dos depósitos pleistocênicos; e, c) Compreender os

mecanismos de sedimentação do final do Pleistocêno até os dias atuais.

3. Material e Métodos

No desenvolvimento desta pesquisa diversos conceitos, métodos, técnicas e procedimentos de

caráter multidisciplinar, sobretudo relativos à Geomorfologia e Geologia Sedimentar (origem

e evolução dos depósitos do Quaternário), foram empregados. Para atingir os objetivos

propostos, foram utilizados os procedimentos metodológicos:

Analisaram-se trabalhos pertinentes ao tema, apresentados em forma de livros, artigos,

teses, relatórios e materiais cartográficos. Os materiais utilizados foram: a) Projeto

RADAMBRASIL - Cartas SF 21-X-A e SE 21-Z-C. Ministério da Minas e Energia –

Departamento Nacional de Produção Nacional. 1:250.000. 1976; b) Cartas temáticas do Plano

de Conservação da Bacia do Alto Paraguai -PCBAP, Escala 1:500.000 (MMA-

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SEMADES/MS). 1997; c) Mapas Temáticos do Atlas Multirreferencial do Mato Grosso do

Sul (MS), Escala 1:500.000 (SEPLAN, 1989); d) Mapa Geológico do Brasil. 1: 5.000.000.

CPRM. 2001 Carta Geológica do Brasil ao Milionésimo, Folhas Corumbá-SE.21 e Campo

Grande SF.21, CPRM, escala 1:1.000.000. 2004; e) CPRM – Geologia e recursos naturais do

Estado de Mato Grosso do Sul. Escala 1:1.000.000, 2006; e, f) Imagem Mosaico NASA

GeoCover Landsat TM, 1987/1993, composição 7R4G2B).

Utilizou-se processamento digital de imagens orbitais e operações de geoprocessamento,

buscando melhor visualização, localização e caracterização dos terraços marginais

evidenciados, principalmente, nas adjacências da cidade de Aquidauana e fazendas Anhumas

e Boa Vista, onde estão posicionadas as melhores exposições de terraços marginais de idade

pleistocênica.

Realizaram-se trabalhos de campo (outubro de 2007 até julho de 2009 “período da seca”),

feitos de barco com o apoio da Policia Militar Ambiental (PMA), e foram descritos

afloramentos dos depósitos pleistocênicos com indicação de variação paleohidrológica de

paleocanais. Os trabalhos de escritório consistiram na elaboração de mapas de localização e

descrição dos terraços marginais, baseadas nas condições paleohidrológicas dos ambientes de

sedimentação. Na elaboração de mapas, figuras e imagens utilizaram-se os programas: Global

Mapper, Google Earth Corel Draw versão X3 e Auto Cad 2007.

4. Resultados e Discussão

O leque do Rio Aquidauana apresenta uma geometria triangular, com ápice a SE e

espraiamento no sentido NW. Seu limite Norte é definido pela planície fluvial do rio Negro,

que margeia a borda Sul do megaleque do Rio Taquari (Figura 3). O lobo distributário atual

do Aquidauana é sítio ativo de sedimentação holocênica, constituída por terras baixas,

freqüentemente inundáveis. Esta paisagem é marcada por unidade geomorfológica que faz

parte do sistema de leque fluvial (Facincani, 2007).

Figura 3. Modelo digital de terreno (MDT), destacando o Leque do Aquidauana, a Serra de

Maracajú-Campo Grande, caracterizada pela sua retilineidade, o leque do Taboco, a Sul a

Serra da Bodoquena e a Norte pelo megaleque do Taquari.

Com o aumento substancial de água no sistema, com o advento de climas úmidos pode

ocasionar, por outro lado, soerguimento do nível de base, caso lagos perenes forem formados

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nas depressões para onde os leques progradam. Neste caso, pode haver elevação geral do

nível de base e agradação nos vales entrincheirados, dando origem a planícies fluviais

meandrantes dentro do vale entrincheirado.

Mudanças climáticas afetam o grau de intemperismo, a disponibilidade em água e a taxa

de erosão na bacia de drenagem (área-fonte). Mudança de um clima árido para um clima

úmido promove aumento de energia hidráulica nos canais e rebaixando do nível de base,

provocando erosão do leque primário, aprofundamento do talvegue do rio alimentador e a

formação de vales entrincheirados. Com isso, o leque primário é abandonado, ficando sujeito

a processos erosivos, e os sedimentos carreados pelo rio dão origem a leques secundários a

jusante do ponto de intersecção (Figura 4).

Figura 4. Entrincheiramento e formação de leques secundários: A) Compartimentos: Escarpa

vale entrincheirado e lobos abandonados e ativos. B) vista em perfil (baseado em Heward

(1978) e C) vista em mapa Denny (1967).

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Na área de estudo que compreende o trecho da Cachoeira do Campo até a Fazenda Boa

Vista, o Rio Aquidauana esta confinado na sua parte superior do leque, num cinturão de

meandros em sedimentos de lobos antigos e limitados por terraços marginais e depósitos

holocênicos.

O primeiro ponto de observação situa-se a aproximadamente 1h e 30min de barco da

cidade de Aquidauana, na margem direita do rio Aquidauana. A seqüência esquemática dos

horizontes encontra-se organizada na Figura 5A. Os horizontes superficiais apresentam

textura arenosa e destacada presença de ferro (coloração avermelhada). Na porção inferior

desse “pacote arenoso” destaca-se a ocorrência de Canga laterítica junto a um mosqueamento

vermelho-amarelo. Uma possível explicação para o posicionamento desse material na porção

inferior do horizonte refere-se ao abaixamento do nível fluviométrico do rio Aquidauana.

Todo horizonte arenoso avermelhado foi formado sob condições de clima úmido, indicando

uma boa drenagem.

O horizonte subjacente é o correspondente ao horizonte vértico, onde a textura é argilosa

(com presença de argilas expansivas) e destaca-se a presença de calcrete na porção mais

inferior do perfil, que tem como limite o atual leito encaixado do rio Aquidauana,

caracterizando um Vertissolo Cálcico (Calcic Vertisol – Soil Taxonomy). As condições de

ocorrência de Vertissolos Cálcicos indicam condições áridas/semi áridas no passado. No

Vertissolo há grande quantidade de marcas de bioturbação indicando intensa atividade

biológica, conforme mostra a Figura 5B.

Figura 5. A: Organização esquemática dos horizontes do ponto 1 (Fazenda Boa Vista –

0617374/7759694 UTM, 162m de altitude) e B: Identificação do Processo de Bioturbação.

As marcas de bioturbação e a situação de recobrimento do horizonte vértico, indicam

tratar-se de um paleossolo, que foi posteriormente recoberto pelo horizonte arenoso durante

um período mais úmido. Além da presença do ferro e do carbonato de cálcio, ocorrem

manchas interdigitadas de manganês (Figura 6A). O perfil observado no ponto 1, é

classificado como Neossolo Quartzarênico com associação de Vertissolo Cálcico. Observando

a uma maior distância, nota-se um mergulho das camadas para oeste. Verifica-se também uma

relação entre a ocorrência deste horizonte arenoso avermelhado com as porções mais elevadas

do relevo. A Figura 6B, a aproximadamente 50 metros do ponto 1, indica a transição entre o

horizonte arenoso avermelhado para o arenoso mais claro. Contudo, ainda nesse horizonte

mais claro, ocorre da mesma forma a presença de calcretes. De modo geral, a presença desse

perfil mais arenoso caracteriza as porções mais elevadas do relevo.

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Figura 6. A: Mancha escurecida, indicando a presença de Manganês e B: Relação do relevo

com a presença do horizonte arenoso avermelhado.

O segundo ponto, perfil 2, indica um horizonte superficial com a presença de ferricrete

(material rico em ferro) seguido por um horizonte vértico marcado pela pronunciada estrutura

gerada pelas argilas expansivas que se alterna com um horizonte arenítico (com extratificação

cruzada de médio porte) de origem fluvial. Na porção mais inferior deste perfil, o horizonte

vértico apresenta calcretes, seguido por um paleocanal fluvial (Figura 7A). O material

presente neste paleocanal (Figura 7B) apresenta tamanhos muito variados, indicando um

paleoclima mais seco, porém torrencial. Nota-se ainda a presença de antigos lobos associados

a leques fluviais. Na porção superior do solo, notam-se pequenas elevações no relevo, muito

provavelmente “Gilgai”, processo gerado pela atividade de expansão da argila em Vertissolos.

Figura 7. A: Organização Esquemática do ponto 2 (Fazenda Anhumas 0615811/7749883

UTM, 129m de altitude) e B: Paleocanal fluvial.

São comuns as concentrações de CaCO3, formando horizontes endurecidos (calcretes),

rizoconcreções e grande abundância de nódulos, especialmente de tipo septário. (Figuras 8A e B)

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Figura 8. A: Septária encontrada na superfície do solo e B: Bioturbação no calcrete do perfil

3, indicando também um paleossolo.

Destaca-se que neste ponto não há a ocorrência de um Neossolo Quartzarênico recobrindo

o Vertissolo.

5. Conclusões

Os paleossolos podem ser importantes ferramentas para a interpretação paleoambiental do

Pantanal, especialmente por apresentarem perfis ainda bem preservados, comuns em bacias de

sedimentação em formação.

Os paleossolos na área de Aquidauana indicam antigas condições de planície, com

drenagem deficiente, com deposição de argilas, predominantemente expansivas, e associadas

a esta deposição um ambiente árido a semi-árido, que possibilitou a formação de horizontes

ricos em CaCO3, associados aos Vertissolos presentes no local, formando assim os

denominados Calcic Vertisols na classificação americana de solos.

Em alguns pontos da área estes Vertissolos foram recobertos por materiais arenosos onde

houve o desenvolvimento de Neosolos Quartzarênicos, que ao contrário da condição anterior

desenvolveram-se em condições de drenagem livre.

6. Referências

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Docência. Instituto de Geociências e Exatas, Departamento de Geologia Sedimentar. UNESP.Rio Claro. 2003. p.

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