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Caderno Temático 1 TANIA MARA TRENTIN SCREMIN CADERNO TEMÁTICO GESTÃO DO CONHECIMENTO NA SALA DE AULA: LIMITES E POSSIBILIDADES Coletânea de Textos PONTA GROSSA

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Caderno Temático 1

TANIA MARA TRENTIN SCREMIN

CADERNO TEMÁTICO GESTÃO DO CONHECIMENTO NA SALA DE AULA: LIMITES E

POSSIBILIDADES

Coletânea de Textos

PONTA GROSSA

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 2

2008

GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇÃO – SUED DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS – DPPE PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE ORGANIZADORA

Professora Especialista Tânia Mara Trentin Scremin

ORIENTADORA

Professora Mestre Marjorie Bitencourt Emílio Mendes

TEXTOS Professora Especialista Tânia Mara Trentim Scremin

REVISÃO DE TEXTOS Professora Especialista Dicléa Teixeira Godoy

DIAGRAMAÇÃO CAPA E ARTE – FINALIZAÇÃO Professora Hágna Rigoni

Caderno Temático 3

“A gente pode morar numa casa mais ou menos

Numa rua mais ou menos,

Dormir numa cama mais ou menos

Comer uma comida mais ou menos...

A gente pode olhar em volta e sentir

Que tudo está mais ou menos,

Tudo bem.

O que a gente não pode mesmo, de jeito nenhum,

É amar mais ou menos,

Ser amigo mais ou menos, acreditar mais ou menos...

Senão a gente corre o risco de se tornar

Uma pessoa mais ou menos.

Acrescento, por minha conta em risco:

Nós, docentes, nas condições atuais

Não podemos, de jeito algum,

Ensinar tudo, e muito menos,

Ensinar tudo mais ou menos.”

Tânia Zaguri

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 4

Aos leitores deste caderno temático, professores em exercício ou em formação, que conhecem como eu as alegrias e as dificuldades do trabalho de ensinar.

Caderno Temático 5

SUMÁRIO

MENSAGEM INICIAL DEDICATÓRIA APRESENTAÇÃO PREFÁCIO

1 ESCOLA: O FAZER PEDAGÓGICO ...................................................... 10

2 O ENSINO E SUAS RELAÇÕES NO COTIDIANO ESCOLAR .............. 14

3 A AULA: NÚCLEO DA ATIVIDADE DA ESCOLA ................................... 18

4 PROFESSOR: DISCURSOS E EXPECTATIVAS................................... 22

5 ALUNO: A VIVÊNCIA COLETIVA NA ESCOLA ..................................... 29

6 GESTÃO DO CONHECIMENTO NA SALA DE AULA ............................ 35

7

LIMITES E POSSIBILIDADES DA AÇÃO PEDAGÓGICA 40

POSFÁCIO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 6

APRESENTAÇÃO Como professora de Didática e Prática de Ensino da Rede Pública do

Estado do Paraná, em constante aprimoramento profissional, principalmente através

de pesquisas sobre os fundamentos teóricos e práticos do trabalho pedagógico na

sala de aula, observo que é histórico o processo de ensino centrado no professor,

valorizando assim, apenas o conhecimento. Na sala de aula, o ensino ganhou

autonomia em relação à aprendizagem, criando seus próprios métodos. Atualmente

faz-se necessário estabelecer a unidade entre ensino e aprendizagem.

Sendo a aprendizagem um projeto social é fundamental destacar a

importância das interações e procedimentos de ensino, bem como focar as ações

nos gestores do processo, o professor e o aluno.

É necessário ir além dos paradigmas que têm insistido na idéia do professor

reflexivo para instalar efetivamente um processo em que os diversos profissionais da

área, tanto individual quanto coletivamente possam vivenciar processos de

discussão e de reflexão a respeito dos diversos aspectos que dão os contornos

atuais dessa profissão. Esses processos podem e devem se instaurar o mais cedo

possível, de preferência nos próprios Cursos de Formação Inicial, embora se possa

admitir que grande parte do que se precisa saber para o exercício da docência só

será de fato elaborado durante o próprio exercício profissional.

Aprender e ensinar só são possíveis pela intervenção e interação com o

mundo objetivo, marcado pela atividade humana, pela mediação do outro, onde

segundo VYGOTSKY, os sujeitos se apropriam das categorias conceituais. São,

portanto, atividades que se desenvolvem por meio de uma relação de cumplicidade.

No caso da relação com o saber, ela é ao mesmo tempo, relação consigo próprio,

com o outro e com o mundo, na medida em que esse saber e essa relação ajudam a

constituir a identidade do sujeito, a sua particularidade diante dos outros sujeitos e

também permitem organizar, pôr em ordem e interpretar o mundo circundante.

A escola pode ser um lugar em que a proposição de sentidos e de

significados seja possível. Ela pode ser, mas ela não vai se tornar assim, através de

nenhuma força natural ou tendência histórica irreversível. As ações dos agentes

Caderno Temático 7

sociais envolvidos nas relações pedagógicas, o professor e o aluno, é que

construirão os significados particulares de cada situação escolar específica.

Este Caderno Temático sob o título de - Gestão do Conhecimento na Sala

de Aula: limites e possibilidades -, indicado para alunos e professores dos Cursos de

Formação de Docentes para a Educação Básica, apresenta textos que buscam

promover reflexões sobre os entraves existentes no interior da escola e, mais

precisamente, na sala de aula, referentes ao processo de ensino e aprendizagem,

bem como os protagonistas de direito e de fato: professor e aluno.

Tania Mara Trentin Scremin.

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 8

PREFÁCIO É histórico o discurso de que o professor como um profissional

especializado, por meio do seu longo aprendizado e da sua experiência, é capaz de

dominar seu ofício e de realizá-lo com competência. Assim, o professor é visto como

alguém que conhece e domina sua profissão.

A partir do século XVII, o ensino é pensado como uma profissão. Essa

profissão, no entanto, acabou sendo definida como tendo uma natureza muito

diferente das demais, já que ela envolve um conjunto de objetivos e de atributos de

seus praticantes que a aproximam da idéia de missão. Parte dessa confusão ou

mistura de significados parece derivar das origens da escola no mundo ocidental,

ligadas aos estabelecimentos religiosos, tais como o templo, o mosteiro, o convento,

o que acabou deixando a marca permanente de associação entre magistério e

sacerdócio. Essa associação tem sido discutida e, em alguma medida, amenizada

no processo de constituição da profissão docente, ao longo dos anos.

Através deste caderno temático, busca-se resgatar o sentido e o significado

do ato de ensinar e os seus componentes: a aula, o ensino, a aprendizagem, o

professor, o aluno, as situações didáticas e o conhecimento no espaço da sala de

aula.

Inicialmente, buscou-se subsídios para esclarecer as relações e implicações

que envolvem a idéia de ensinar.

Para entender as diversas configurações com que essas questões de ensino

aparecem deve-se concentrar toda atenção no núcleo da atividade da escola que é

a aula.

Na seqüência, serão analisados os aspectos que tratam da identidade

profissional do professor como um espaço de construção das maneiras de ser e de

estar na profissão.

O texto sobre o aluno retrata que o mesmo só pode ser compreendido a

partir da noção de transitoriedade que vai da situação de “paciente”, daquele que

recebe a ação do trabalho institucional e pedagógico da escola, até a situação de

“agente”, aquele que durante o processo da aprendizagem e com base nele,

Caderno Temático 9

conquista sua liberdade por meio da aquisição de um conjunto de instrumentos,

valores, modos de agir, pensar e se relacionar com o mundo, com a sociedade e

com as pessoas.

Também será discutido o espaço da sala de aula como uma célula que

representa o todo da escola: o currículo, o projeto da área e o planejamento da

disciplina.

Finalizando, o texto propõe a análise de algumas possibilidades no trabalho

pedagógico apesar dos limites impostos pelo próprio sistema escolar.

Assim, é fundamental discutir a sala de aula, como um espaço de

investigação de tudo o que se passa no processo de ensino-aprendizagem: os

sujeitos envolvidos, as relações de poder, as experiências vividas, o objeto do

conhecimento oferecido, a metodologia e as formas de avaliação.

Tania Mara Trentin Scremin.

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 10

ESCOLA: O FAZER PEDAGÓGICO

Caderno Temático 11

ESCOLA: O FAZER PEDAGÓGICO Tânia T. Scremin

Entende-se por fazer pedagógico o

trabalho realizado pelos profissionais que

atuam na escola, manifestado no processo

de transmissão, apropriação e produção do

conhecimento.

Segundo LIBÂNEO “ o trabalho

sempre esteve presente na escola, já que

esta se constitui o pólo do trabalho intelectual

por excelência, o que nos leva afirmar que os professores e alunos trabalham. Os

primeiros, na transmissão dos conhecimentos acumulados historicamente e os

últimos na apropriação destes conhecimentos. Juntos, professor e aluno constroem

a produção de novos conhecimentos” (1990, p.45).

Constata-se que o trabalho escolar é marcado pelo fazer. Em toda escola,

os professores e alunos estão sempre ocupados com seus afazeres... fragmentados.

Basta observar o interior da escola que verifica-se algumas realidades: professores

que dominam conteúdos escolares, mas não conseguem socializar com os alunos;

outros são democráticos, acessíveis, mas não detém o saber escolar necessário

para ensinar; outros sabem como fazer, mas se isolam por não serem democráticos,

tornando frágil o processo pedagógico .

Falar em competência significa falar em saber fazer bem o dever. Apesar

das diferenças entre as diversas concepções de educação e de escolas presentes

entre nós, elas sem dúvida concordam em definir desse modo, a competência.

A competência está ligada a várias tendências educacionais; faz parte do

discurso da maior parte dos professores, onde todos se colocam como competentes,

mas na prática, a competência profissional ainda não se efetivou.

MELLO (1992), diz que a competência profissional envolve várias

características as quais são importantes indicar. Em primeiro lugar, o domínio

adequado do saber escolar a ser transmitido, juntamente com a habilidade de

organizar e transmitir esse saber, de modo a garantir que ele seja efetivamente

apropriado pelo aluno. Em segundo lugar, uma visão relativamente integrada e

articulada dos aspectos relevantes mais imediatos de sua própria prática, ou seja,

um entendimento das múltiplas relações entre ao vários aspectos da escola, desde a

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 12

organização dos períodos de aulas, passando por critérios de matrícula e

agrupamentos de classes, até o currículo e os métodos de ensino. Em terceiro, uma

compreensão das relações entre o preparo técnico que recebeu, a organização da

escola e os resultados de sua ação. Em quarto lugar uma compreensão mais ampla

das relações entre escola e a sociedade, que passa necessariamente pelas

questões de suas condições de trabalho e de remuneração .

MELLO (1992) ajuda a esclarecer a ampla dimensão que envolve a

competência do professor. O professor deve possuir o saber, ter conhecimento

sobre o que ensina, por que ensina e para quem ensina. Deve ter objetivos

educacionais bem definidos, tais como que homem e sociedade pretende

transformar. Deve, também, conhecer os meios, as estratégias necessárias e

adequadas para atingir seus objetivos. Necessita também de coerência entre o que

fala e o que pratica.

Tentando vislumbrar este novo fazer pedagógico que inicia pela superação

do fazer individual e descomprometido emergindo da reflexão sobre a prática, e

tendo como ponto de chegada uma escola pública de qualidade para a maioria da

população, surge uma polêmica causadora de conflitos no interior da escola, ora

acusando o trabalho pedagógico de tecnicista, ora de politicista que conduzem ao

risco de um certo romantismo, onde confundem o saber bem ou fazer bem, com

conhecer o bem ou fazer o bem.

SAVIANI (1991), denuncia o romantismo no interior da escola, quando cita a

fase romântica da defesa do compromisso político em educação. Nessa fase, os

elementos da luta contra a concepção técnico-pedagógica restrita e supostamente

apolítica se dilataram morbidamente por causa do contraste e da polêmica. É

necessário passar à fase clássica, encontrando nos fins a atingir, a fonte para a

elaboração das formas adequadas de realizá-los. Ora, a identificação dos fins

implica imediatamente competência política e mediatamente competência técnica. A

elaboração dos métodos para atingi-los implica por sua vez, imediatamente

competência técnica e mediatamente competência política. Logo, sem competência

técnica e política não é possível sair da fase romântica.

Com a observação de SAVIANI fica nítida em alguns casos, a situação do

fazer pedagógico atual. Existe muito professor preocupado em fazer sem levar em

conta o saber bem ou fazer bem.

Caderno Temático 13

Isto explica a situação do professor “bonzinho” que mantém um ótimo

relacionamento com seus alunos, mas não ensina os conteúdos necessários e

significativos; o pedagogo que ora passa a mão na cabeça do aluno, protegendo-o

das exigências do professor e em outro momento faz “quase tudo” para o professor.

Neste enfoque, o fazer da escola tem sido prejudicado pela falta de reflexão e

romantismo acentuado na sua ação.

Cabe ao professor articular a competência, a técnica e a política existente no

seu trabalho docente para transformar a escola que temos em escola que queremos.

Esse resgate de competências se faz necessário porque sabemos que um

profissional qualificado e comprometido, atuando em um sistema de educação

organizado e dentro de um contexto de liberdade e consciência crítica, contribuirá

para a qualidade na educação e a conquista da cidadania dos usuários da escola.

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 14

O ENSINO E SUAS RELAÇÕES NO COTIDIANO ESCOLAR

Caderno Temático 15

O ENSINO E SUAS RELAÇÕES NO COTIDIANO ESCOLAR Tânia T. Scremin

O processo didático, espaço-tempo em

que se dão as relações diretas e imediatas do

ensinar, aprender, pesquisar e avaliar, não

existe em si mesmo e por si, mas na

correlação, na dinâmica interna da sala de aula,

seu lugar social, pois não são dimensões

isoladas e estanques, não apenas coexistem,

mas se interpenetram. Portanto, nenhuma

delas pode ser relegada a segundo plano. Cada uma precisa ser compreendida,

analisada e valorizada para que se organizem na unidade do processo didático.

Ensino com compromisso Não se pode compreender o ensino atendendo apenas aos fatores visíveis

da sala de aula, pois segundo CONTRERAS “ o ensino é um jogo de práticas

aninhadas, onde fatores históricos, culturais, sociais, institucionais e trabalhos

tomam parte, junto com os individuais” ( 2002, p.75)

O que impulsiona o ensino é, por um lado, a contradição entre as atividades

teóricas e práticas resultantes dos processos de ensinar e, de outro, o nível de

conhecimento mediante a aprendizagem do aluno. O objetivo maior do ensino passa

a ser a construção do conhecimento contando com o envolvimento do aluno. O

resultado do ensino é dar resposta a uma outra necessidade: a do aluno que procura

aprender. O professor aparece como protagonista responsável pelo ensino, onde

orienta, coordena, estabelece uma relação pedagógica com o aluno, mediada pelo

conhecimento.

O professor na relação com os alunos, proporciona-lhes o encontro com a

realidade, levando em consideração a experiência e os saberes que já possuem,

procurando articulá-los a novos saberes e práticas. Ensino é também um ato

interpessoal, intencional e flexível, conectado a seu contexto social mais amplo. O

ensino não existe por si mesmo, mas na relação com a pesquisa e a aprendizagem.

Desse modo percebe-se que ensinar envolve uma interação profunda entre

professores e alunos. Trata-se de um processo dinâmico e interdependente. É um

processo relacional que comporta a interação dialética do ensinar e aprender.

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 16

A intencionalidade educativa está presente no processo de ensino, sendo

indicadora das concepções de quem a propõe. Nesse sentido, LA TORRE afirma

que ensinar significa mais que transmitir conhecimentos, significa desenvolver as

potencialidades de uma pessoa.Ensinar é intercambiar, confrontar, debater idéias e

mediante estas atividades o sujeito transcende seus conhecimentos adquiridos,

gerando novas estruturas mentais:aprende ( 1993, p.58)

Nesta perspectiva chamamos a atenção para três características básicas do

ensino:apreensão da realidade, ensino como processo articulado à aprendizagem e

ensino como prática social.

A primeira característica é que o ensino exige a apreensão da realidade.

Não se pensa o ensino desconectado de um contexto social mais amplo. A esse

respeito RIOS “ afirma que tratar o fenômeno do ensino como uma totalidade

concreta, buscar suas determinações, pensá-lo em conexão com outras práticas

sociais é o que se procura fazer, do ponto de vista de uma concepção crítica do

trabalho pedagógico” ( 2001, p..55).

Analisar e revisar o processo de ensino à luz do contexto social, às

mudanças ocorridas na instituição educativa e às condições objetivas do exercício

profissional, é uma tarefa do professor. Essas mudanças exercem uma influência no

planejamento e no desenvolvimento do processo pedagógico.

A segunda se baseia na idéia do ensino como processo que se articula à

aprendizagem. É uma ação consecutiva de aprendizagem.

A terceira característica diz respeito à visão de ensino como prática social

específica que determina o desenvolvimento social e cognitivo dos alunos, sujeitos

de aprendizagem. O ensino como prática social é uma atividade profissional

complexa que exige, preparo, compromisso e responsabilidade do professor para

instrumentar política e tecnicamente o aluno, ajudando-o a constituir-se como sujeito

social.

Os objetivos do ensino visam melhorar os resultados de aprendizagem dos

alunos e elevar a qualidade de sua formação. Para tanto, os professores devem ter

conhecimento de como os estudantes aprendem e sob quais condições a

aprendizagem é encaminhada para o sucesso. Uma preocupação essencial é a que

diz respeito à heterogeneidade de estudantes na sala de aula, os quais tem diversos

interesses, diversas motivações, capacidades e expectativas. A tarefa-chave do

professor é garantir a organicidade e coerência ao processo de ensinar e aprender.

Caderno Temático 17

Dizer que o professor ensina algo que os alunos devem aprender e que

muitas vezes, de fato aprendem, não implica assumir que ensinar seja igual apenas

a transmitir um conhecimento, este pensado como um conjunto de proposições a

respeito de determinado assunto, tema ou fato. Também não implica admitir que o

professor só ensina os alunos a fazer alguma coisa, como se imagina em certas

versões das pedagogias renovadas. Ensinar é um termo de grande alcance, que

pode recobrir diversos significados e produzir diferentes resultados naqueles que

aprendem, conforme insiste PASSMORE que “ os meios que permitem saber se

alguém é um bom professor não consiste em verificar se escreve com clareza no

quadro, se mantém a disciplina ou se sabe utilizar o mais recente apoio visual, mas

se os alunos aprendem o que lhes tenta ensinar”.( 2001, p. 65)

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 18

A AULA: NÚCLEO DA ATIVIDADE NA ESCOLA

Caderno Temático 19

A AULA: NÚCLEO DA ATIVIDADE NA ESCOLA

Tânia T. Scremin.

Se algum estudante do século XVIII ou XIX pudesse

ser transportado numa viagem pelo tempo até os dias de

hoje e, por acaso, caísse numa sala de aula, ele se

encontraria no que lhe pareceria um ambiente familiar.

Alguns detalhes poderiam parecer diferentes, mas muitos

seriam reconhecidos: uma sala retangular, com cadeiras e

mesas, um quadro negro à frente um adulto controlando e

supervisionando as atividades, várias crianças ou jovens, todos mais ou menos da

mesma idade, cumprindo algumas tarefas, instrumentos e suportes para receber a

escrita (antes, giz e pequenas lousas de ardósia e o grande quadro-negro; mais

recentemente, lápis, canetas, cadernos e folhas de papel), livros e, eventualmente,

outros instrumentos que poderiam ser percebidos com alguma facilidade como

sendo escolares – mapas, quadros, ilustrações, etc.

CORDEIRO ,nos diz que “ hoje, o que chamamos de escola ou sistema

escolar é algo muito semelhante no mundo todo. Pensando num dos termos da

moda, poderíamos dizer que a escola de massas é uma das primeiras instituições

verdadeiramente globais do mundo moderno. Algumas semelhanças, como a forma

da sala de aula, a presença de um professor e vários alunos, o agrupamento por

idade e por grau de conhecimento” ( 2007, p.15).

Voltando o pensamento para a escola pública atual, ou escola de massas,

como é citada por alguns autores , questiona-se de que forma as atividades de

ensino podem cumprir sua intenção inicial que é a de produzir aprendizagem

significativa para todos os seus alunos?

Inicialmente é preciso que se admita que há algo relevante para se ensinar e

que deve ser aprendido pelos alunos. Mas, é preciso que também na organização

do ensino fique indicada a possibilidade de que o aluno aprenda o conteúdo

proposto.

Acontece que, se o ensino é uma atividade diretamente ligada ao conteúdo

que é ensinado, há, no entanto, um conjunto de problemas e de questões comuns

que envolvem quase todos os tipos de ensino, em especial o que se pratica nas

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 20

escola, e que não dependem exclusivamente do conteúdo daquilo que se ensina;

como, por exemplo, os fatores que envolvem os agentes de ensino e da

aprendizagem; o professor e alunos; a relação pedagógica no sentido mais amplo;

os problemas da disciplina e da indisciplina; as dificuldades ligadas à avaliação dos

resultados da aprendizagem.

Para entender as diversas configurações com que essas questões do ensino

aparecem, devemos concentrar nossa atenção nesse núcleo da atividade que é a

aula.

A aula é o lugar da concretização do ensino. É o momento em que o

professor executa os procedimentos preparados anteriormente. Supostamente, um

planejamento bem realizado, deveria garantir o sucesso e a eficiência desse

empreendimento. No entanto, todos sabemos que não é bem assim. A nossa

experiência com alunos já nos fez perceber que uma aula é uma atividade que se

realiza sob risco permanente: um acontecimento imprevisto, uma “gracinha”, uma

pergunta tendenciosa de uma aluno, ou qualquer outro acontecimento pode fazer

uma aula não dar certo.

De acordo com CORDEIRO “ para entender as diferenças de expectativas

com que os alunos vêem para a escola e também os diferentes níveis de resultados

efetivos que se consegue em termos da aprendizagem dos alunos, num primeiro

momento o professor deve deter-se de modo mais demorado na aula. O que

acontece ali? O que é proposto e o que se consegue fazer efetivamente?” (2007,

p.37).

Acredita-se que na sala de aula, as atividades físicas ou mentais devem

permitir a interpretação da realidade e a construção de significados, tanto para o

aluno quanto para o professor, permitindo novas possibilidades de ação, de (re)

construção de conhecimento. Nesse processo de interação com o objeto do

conhecimento, o aluno e o professor, como sujeitos, constroem novas

representações.

Com esta conotação, a concepção de ensino e de aprendizagem devem ser

concebidas como um ato de confronto, de perspectivas inacabadas, que provoca a

passagem de um lugar para o outro, ou seja, o aluno e o professor poderão entender

que o conhecimento resulta do trabalho coletivo e historicamente construído.

Portanto, o conhecimento pode ser revisto, enriquecido, questionado, transformado

pelas múltiplas relações estabelecidas na sala de aula.

Caderno Temático 21

O espaço da sala de aula é uma célula que representa o todo da escola: o

currículo, o projeto da área de ensino e o planejamento da disciplina. As aulas são

múltiplas e expressam diferentes compreensões da pedagogia.

Percebe-se que é fundamental discutir o espaço da sala de aula como um

espaço de investigação de tudo o que se passa no processo de ensino e

aprendizagem: os sujeitos envolvidos, as relações de poder, as experiências vividas,

o objeto de conhecimento oferecido, a metodologia, as formas de avaliação, os

sinais que emergem. Para tal, é necessário haver troca entre professor e aluno. Sem

trocas não há como criar, investigar, crescer e produzir conhecimento. O professor e

o aluno devem construir juntos a experiência de aprender. A pedagogia dialética

condiciona o contexto da sala de aula, na qual eles vivenciam o fenômeno

educativo.

A sala de aula é um espaço privilegiado, pois pode igualar o discurso do

professor e do aluno, traduzindo-se em uma proposta educacional que compreende

a dinâmica da igualdade, pois é na relação professor-aluno que se estabelece a

oportunidade para a construção do processo de ensino e aprendizagem.

ABREU E MASETTO citam que “ é o modo de agir do professor em sala de

aula, mais que suas características de personalidade que colabora para uma

adequada aprendizagem dos alunos. O modo de agir do professor em sala de aula

fundamenta-se numa determinada concepção do papel do professor, que por sua

vez reflete valores e padrões da sociedade” (1990, p.147).

Realmente, na atuação do professor estão em jogo valores ligados aos

próprios conteúdos escolares e valores referentes às questões sociais que

permeiam toda a ação educativa. Assim, na aula, o professor precisa estar atento às

interferências pois ele se posiciona e incentiva atitudes, influencia as relações de

respeito e a construção de auto-estima dos alunos, ou não.

Portanto, a sala de aula não é apenas um local para transmitir conteúdos

teóricos, é também, local de aprendizado de valores e comportamentos, de

aquisição de uma mentalidade científica, lógica e participativa que poderá possibilitar

ao aluno, bem orientado, interpretar e transformar a sociedade e a natureza em um

benefício do bem estar coletivo pessoal.

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 22

PROFESSOR: DISCURSOS E EXPECTATIVAS

Caderno Temático 23

PROFESSOR: DISCURSO E EXPECTATIVAS Tânia T. Scremin

Em sã consciência, será que alguém poderia

condenar um profissional, de qualquer área, por ficar

desmotivado trabalhando numa situação ao menos

próxima à que vive hoje o professor brasileiro? E

ainda assim, a motivação é grande, verdadeiro

milagre, face às barreiras e dificuldades que

enfrentam. Muitos estão adoecendo da/na profissão,

a chamada síndrome de Burnout. Há, sim,

professores deprimidos, há os descrentes, há os que migram para outras profissões,

enfim, há o que é natural que haja em tal situação. Mas, por incrível que pareça, há

ainda muitos motivados e prontos a assumir mais e mais tarefas educacionais. São

esses os que lotam auditórios, participando de cursos, seminários e congressos para

discutir problemas, inventar hipóteses, tentar soluções, trocar experiências, bem ou

mal sucedidas.

O professor na verdade é um herói, o grande herói brasileiro anônimo,

movido por uma espécie de convicção interior, que o domina e faz continuar

tentando, tentando, tentando. Sem essa abençoada compulsão, o que seria do

sistema educacional brasileiro?

Questionando a profissão docente Tal como aparece hoje, a profissão docente exibe, mesmo aos olhos do

observador comum, sinais evidentes de precariedade, visíveis pela simples

comparação com datas passadas. Atualmente, os usuários da escola vivem

nostalgias, que em geral valorizam mais o que já passou (a minha escola, a minha

professora),onde não é difícil constatar a perda de prestígio, de poder aquisitivo, de

condições de vida e sobretudo de respeito e satisfação no exercício do magistério.

Todas as vezes que se lastima o declínio da profissão docente acaba-se por voltar,

em última instância, ao fator econômico, que se encontra na base do processo de

decadência do magistério, aliado a outros fatores a ele agregados. Há 30 ou 40 anos

atrás, o salário do professor representava garantia de vida digna para o profissional

celibatário, ou uma ajuda considerável no orçamento familiar dos casados. Mas, já

naquela época, havia um contingente de normalistas que não sonhavam se tornar

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 24

professoras, embora estivessem num curso de preparação para o magistério. Eram

as moças mais modernas, como mostra o estudo clássico de JOLY GOUVEIA

(1970).

Um estudo de SCHAFFEL (1999), feito muito tempo depois, mas

focalizando professoras formadas nas décadas de 30, 40, 50 e 60 do século XX, traz

revelações interessantes a respeito das profissionais do magistério. Como o estudo

foi feito a partir de entrevistas, a pesquisadora pôde sentir, no contato com as

entrevistadas, a importância atribuída por todas, sem exceção, ao exercício do

magistério, para o qual se declaravam muito bem preparadas. A instituição

responsável por esse preparo era o Instituto de Educação do Rio de Janeiro,

entidade de grande prestígio na cidade, então capital do País, única via de

preparação de professoras, cuja entrada era protegida por severa seleção. Talvez

essa seleção estrita tenha sido um dos fatores que contribuíram para o sucesso do

curso, o qual levaria um contingente de jovens estudantes a se sentirem muito bem

preparadas e seguras para o desempenho da profissão docente.

Outro fator, assinalado por MEDIANO (1988), em estudo realizado sobre o

próprio Instituto de Educação, embora em período bem posterior, é a especificidade

e a exclusividade da Instituição do Curso Normal com a preparação do professor

para o ensino fundamental. Talvez o antigo Curso Normal que tão bons serviços

prestou à formação de professores em nosso País, soubesse lidar com o binômio

teoria-prática e com o componente técnico dessa formação de uma forma bem-

sucedida, o que ainda não se conseguiu fazer nos Cursos de Licenciaturas, nem

mesmo nos de Pedagogia.

De que profissão se está falando quando trata do magistério? Hoje, sua

preparação pode ser feita em diferentes instituições formadoras, até mesmo em

níveis de ensino diferentes. Assim, convivem agora os cursos oferecidos pelas

Universidades, como os de Pedagogia e de Licenciatura, o Curso Normal Superior,

dentro dos Institutos Superiores de Educação, e ainda o antigo Curso Normal, em

nível médio. Essa é apenas uma das dificuldades que se levantam quando tentamos

entender o magistério como uma profissão.

O contato com a vasta literatura sobre o tema permite ao mesmo tempo,

perceber características mais ou menos consensuais entre os especialistas no

assunto, quando se trata de conceituar uma profissão, mas também certos traços

quase incompatíveis, ao tentarmos aplicar esse conceito ao magistério. Entre os

Caderno Temático 25

vários estudiosos, destaca-se BOURDONCLE (1991 e 1993), com dois artigos que,

numa visão ao mesmo tempo histórica e sociológica, desvelam o panorama no qual

vem se desenvolvendo o grupo ocupacional dedicado ao magistério, ao longo dos

tempos. O autor traz à tona as dificuldades de conceituação do que seja uma

profissão e procura identificar os atributos essenciais comuns a todas as profissões:

a) uma profunda base de conhecimentos gerais e sistematizados; b) o interesse

geral acima dos próprios interesses; c) um código de ética controlando a profissão

pelos próprios pares; d) honorários como contraprestação de um serviço e não a

manifestação de um interesse pecuniário.

Identidade profissional Quanto à identidade profissional dos professores, parece-nos que ela vem

sofrendo, como a dos outros grupos ocupacionais, fortes repercussões das

transformações ocorridas no mercado. Mas, além dessas repercussões, que atingem

a todos, dentro do magistério a questão da identidade sempre sofreu as injunções

decorrentes de uma certa fragilidade, própria de um grupo cuja função não aparece

tão específica aos olhos da sociedade, especialmente no caso dos professores do

ensino elementar, a ponto de levar certos adultos a pensarem que qualquer um

deles pode exerce-la. O grande número de pessoas que a exercem com diferentes

qualificações, também concorre para essa fragilidade, assim como o crescente

número de mulheres o que alguns autores, consideram um traço das ocupações

mais fracas, ou no máximo, semi-profissões. E a lista das fragilidades da profissão

docente não para por aí. Pode-se também enumerar a entrada e saída da profissão,

sem o controle dos seus próprios pares, a falta de um código de ética próprio; a falta

de organizações profissionais fortes, inclusive sindicatos, o que deixa os nossos

professores em situação ainda mais frágil; e também, sem querer esgotar a lista, a

constatação de que a identidade categorial dos professores nunca foi bem

valorizada, isto é, nunca chegou a ser uma categoria comparável à de outros grupos

ocupacionais. E isso não apenas no Brasil.

O trabalho docente hoje Segundo LUDKE e BOING (2004), na dimensão pedagógica, encontramos

múltiplas repercussões das novas tecnologias sobre o trabalho docente. A

informática educativa vem se estruturando como mais um setor na organização

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 26

escolar, gerando, ao contrário das empresas em aumento de postos de trabalho. De

estratégia de implementação das novas tecnologias, por intermédio de um grupo

especialmente preocupado com a informática que estuda e aplica ferramentas

computacionais à educação, a informática educativa está se colocando cada vez

mais como um apêndice ao trabalho dos professores. Competências que seriam

desejáveis que todos os professores dominassem, em ambientes informatizados,

ficam restritas a um grupo especializado .

Além da informática educativa, tentaremos agrupar os principais temas que

envolvem os desafios da docência nos dias atuais: competências, profissionalidade,

profissionalização e saber docente.

Competências Existe um consenso entre alguns autores quanto à polissemia do termo

competência, com duas vertentes principais, uma francesa e outra norte-americana.

O problema surge quando procura-se identificar na realidade brasileira em que

acepção o conceito vem sendo empregado.A idéia de competência, como mostra

ROPÉ (1997) tem sua origem na psicologia social norte-americana. Mas, a

taxonomia de BLOOM (1999), segue um caminho próprio dentro do território francês,

à medida que veio sendo adaptada, sucessivamente pelas correntes

psicopedagógica, lingüística, didática e gerencial.

A evolução do apelo à noção de competência é mostrada por ISAMBERT –

JAMATI (1997.p.106), em estudo que realizou especificamente sobre uma revista,

chegando a elementos que hoje combinam com o uso mais comum do termo. Entre

eles ressalta de modo especial uma aquisição particular que não se vincula,

necessariamente, a condições específicas de formação na escola ou de experiência

no trabalho.

Destacamos ainda o enfoque de FREITAS (2003) que chama a atenção para

o afastamento dos professores de seu coletivo profissional, pelo fato de as

competências seguirem uma lógica de responsabilização individualizante.

A dimensão política que sustenta o conceito de competência, abordado pelo

discurso gerencial, mostra-se frágil ao não reconhecer o dinamismo das construções

sociais, presentes nas relações entre indivíduo e empresa. Daí a necessidade de

refutar a pedagogia das competências pois suas bases pertencem ao sistema

neoliberal, contrárias à escola democrática necessária para a população brasileira.

Caderno Temático 27

Profissionalidade O texto de BOURDONCLE(1991), cita que a profissionalidade, termo de

origem italiana, foi introduzido no Brasil, pela via francesa. Está associado às

instabilidades e ambigüidades que envolvem o trabalho em tempos neoliberais, e

geralmente vem colocado como uma evolução da idéia de qualificação.

A profissionalidade, emerge num contexto caracterizado por estruturas

descentralizadas, pequenas unidades de produção de serviços, flexibilidade da

empresa, desvinculação dos saberes de seus métiers tradicionais, interdependência

de funções dentro da mesma empresa, desenvolvimento de interações,

personalização, redução do número de trabalhadores e aumento dos seus níveis de

qualificação, iniciativa pessoal e polivalência, recuo do movimento sindical e pressão

sobre os salários pelo medo do desemprego.

Profissionalização Os professores, como grupo profissional, têm uma história específica,

conforme mostra NÓVOA (1995). Ele fala do caso português, mas muito do que diz

serve para o Brasil, uma vez que o nosso desenvolvimento escolar seguiu a matriz

da metrópole portuguesa. Antes, o modelo de professor era o religioso, envolvendo

a docência numa aura de vocação e sacerdócio, mesmo em se tratando de

professores leigos. A estatização foi um passo rumo à profissionalização, porque

significou o rompimento dessa relação vocacional. No entanto, segundo Nóvoa, o

processo de estatização não foi capaz de levar adiante a construção normatizadora

da profissão, como têm as profissões liberais atuais. A explicação do autor para

esse fato se dá pela imposição, na estatização, de instituições mediadoras da

regulamentação docente.As políticas públicas educacionais sempre exerceram um

controle reconhecido sobre o exercício formal da docência, e os docentes sofrem o

processo de funcionalização. Esta falta de autonomia do professorado coloca em

dúvida a existência de uma profissão docente. Quando muito, podemos falar de um

processo de profissionalização. Também não se pode falar de profissionalização

docente sem se referir ao estabelecimento de ensino. Existe uma íntima revelação

entre o estabelecimento de ensino e a profissionalização docente. A escola é

praticamente o único espaço onde o professor é considerado profissional ou onde

dele se exige, pelo menos um comportamento profissional.

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 28

Saber docente Tratando do aspecto estratégico e da desvalorização do saber docente,

conclui-se que essa relação é, no mínimo, ambígua. Ao mesmo tempo em que se

evidencia a importância do saber docente na sociedade da informação, percebe se

que a profissão de professor não mantém o mesmo prestígio social. Primeiro, por

uma divisão do trabalho na qual os professores universitários foram assumindo a

pesquisa e professores da escola básica, a formação. Segundo, por causa da

relação moderna entre saber e formação, deslocando o foco dos saberes em si para

procedimentos de transmissão desses saberes. Terceiro, o aparecimento das

Ciências da Educação, fazendo com que a Pedagogia passasse a se subdividir em

muitas especialidades. Quarto, pelo fato de as instituições escolares serem tratadas

como uma questão pública. Finalmente, a desconfiança dos diversos grupos sociais

com relação aos saberes transmitido pela escola, por avaliarem que estes têm

pouca aplicabilidade na sociedade atual.

Os discursos e as expectativas recaem sobre o professor como se este

fosse o salvador da pátria, mas, na prática, não são dadas a esse profissional as

condições necessárias de responder adequadamente ao que se espera dele.

Caderno Temático 29

ALUNO: A VIVÊNCIA COLETIVA NA ESCOLA

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 30

ALUNO: A VIVÊNCIA COLETIVA NA ESCOLA Tânia T. Scremin

Se o professor constitui sua

identidade, tanto a profissional quanto

a pessoal, com base na sua relação

com a escola, o mesmo acontece com

a criança e o jovem na sociedade

moderna.

A experiência mais duradoura

e mais comunitária, por assim dizer,

que tem marcado a vida de quase

todos nos tempos recentes é a da passagem e da vivência coletiva na escola.

Isso pode ser percebido com bastante clareza quando são selecionadas nas

obras literárias aquelas que se ocupam de expor as memórias de autores e autoras.

Percebe-se, em grande parte delas, que as referências ao período da infância

costumam ser fortemente marcadas pelas lembranças dos tempos de escolas. Neste

sentido, ser criança e ser jovem é, em larga medida, ser estudante, ser aluno.

A escola e a infância Para CORDEIRO (2007), a infância é uma criação da sociedade sujeita a

mudar sempre que surgem transformações sociais mais amplas. O apogeu da

infância tradicional durou aproximadamente de 1850 a 1950. Durante este período,

protegidas dos perigos do mundo adulto, as crianças foram retiradas das fábricas e

colocadas em escolas. À medida que o protótipo da família moderna se desenvolveu

no final do século XIX, o comportamento apropriado dos pais para com os filhos se

consolidou em torno de noções de carinho e responsabilidade do adulto para com o

bem-estar das crianças.

Como parte dessa responsabilidade, os adultos assumiram algumas

obrigações em relação às crianças e aos jovens. Como pais, foram obrigados a

mandar os filhos para a escola. Como cidadãos e dirigentes políticos, obrigaram-se

a construir escolas e providenciar recursos financeiros, meios materiais e pessoal

capacitado para oferecer instrução a ser ministrada nessa escola obrigatória, agora

Caderno Temático 31

pensada como um direito social básico. A infância e a juventude passaram a ser

levadas em conta nos cálculos políticos e econômicos utilizados pelos Estados

Nacionais. E, nesses cálculos, crianças e jovens começaram a contar, em primeiro

lugar, como alunos.

De acordo com CORDEIRO , “ a escola passou a funcionar, do ponto de

vista do Estado, como um lugar estratégico para implantação de diversas políticas

públicas já que nelas as crianças estão presentes, torna-se mais fácil chegar até

elas e até suas famílias por meio de ações sociais e de assistência que utilizem as

diversas estruturas físicas e administrativas das escolas “(2007, p.74).

Mais recentemente, a escola passou a funcionar como veículo de diversas

políticas públicas de suplementação alimentar, complementação de renda,

distribuição dos mais diversos benefícios sociais. Não se trata de desvio das funções

originais, porque a escola pública obrigatória foi projetada já com esse propósito de

agência, ao mesmo tempo de instrução, educação e moralização dos hábitos e

costumes sociais. O acréscimo recente de funções veio apenas completar esse

projeto inicial.

Com a criação da escola pública obrigatória, passa a haver uma

identificação entre ser criança ou jovem e ser aluno. Essa é uma situação que dura

um período relativamente longo.

O padrão da infância como idade da despreocupação e da ausência de

responsabilidade apenas se podia concretizar nas classes mais abastadas. Mesmo

nas classes médias, o ingresso das crianças ou jovens nas atividades produtivas

sempre foi visto como importante mecanismo formativo e socializador, na medida em

que se pensava que o trabalho poderia desenvolver os bons hábitos ligados às

noções de esforço, dedicação, abnegação, sacrifício, sempre vistos como virtudes

importantes para o futuro adulto e trabalhador.

Pouco a pouco se foi abandonando a representação do trabalho como lugar

adequado para a formação e a socialização das crianças. A escolarização

obrigatória funciona, nesse sentido, como um mecanismo importante, para sua

concretização. No entanto, foi necessário ressignificar padrões de cuidado da

infância e o das classes mais abastadas, considerado o único modo legítimo de

tratar as crianças. Em todos os países que foram criando sistemas escolares,

diversas medidas políticas, sociais e jurídicas foram tomadas para atrair as crianças

para a escola, para mantê-las ali pelo maior tempo possível e mesmo para refutar as

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 32

práticas alternativas que insistiam em permitir o ingresso precoce das crianças no

mercado de trabalho.

Com isso, condena-se o trabalho infantil e começa-se a perceber as crianças

que perambulam nas ruas como potencialmente perigosas ou necessitadas de

proteção.

Pode-se perceber, portanto, que embora a escolarização obrigatória tenha

alterado diversos aspectos da infância ela não produziu resultados homogêneos que

pudessem ser generalizados para todos os setores sociais. De um lado, temos os

filhos das elites econômicas e de parte das classes médias, que ingressaram

tardiamente no mercado de trabalho e que ocuparam o seu tempo com diversas

atividades, ligadas em termos muito amplos à educação e formação. De outro,

temos os filhos das classes populares que, embora freqüentem hoje a escola,

realizam no restante do dia diversas atividades econômicas mais ou menos

informais.

O ideal do trabalho como princípio formador e socializador ainda continuam

tendo grande valor simbólico e a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Brasileira contempla isso quando estabelece a figura do aprendiz.

Por que não conseguimos chegar até os alunos? É preciso reconhecer o aparecimento de um novo modelo de estudante,

para quem a experiência da escolarização já deixou de ser a principal maneira de

construção da sua identidade e das representações de criança e de jovem.

Progressivamente, o currículo, compreendido enquanto todo o conjunto de

atividades e de experiências formadoras tende a se desvincular da escola, passando

esse papel a se exercido predominantemente pelos conteúdos veiculados na

indústria cultural, principalmente, a televisão e internet. Como as novas gerações

estão se formando num momento em que se perdeu o sentido de continuidade entre

passado, presente e futuro, ou seja, o próprio sentido da história, se ocupando

apenas com o presente, o diálogo com as gerações anteriores da qual provêm os

próprios professores torna-se, no mínimo, tenso.

Os 50 minutos de uma aula podem parecer excessivamente monótonos para

quem foi programado desde muito cedo para se mover num outro ritmo e numa

outra percepção de tempo. A escola continua operando com a temporalidade do

Caderno Temático 33

momento anterior e, diante das dificuldades encontradas, tenta se adaptar ou

seduzir os alunos, acenando com algumas modificações superficiais que tornem o

currículo escolar mais atraente ou interessante.

A escola e a socialização do aluno

A passagem pela escola foi durante muito tempo, para a grande maioria das

crianças, a principal e mais importante experiência de socialização, mas na

sociedade atual, outras instâncias sociais contribuem com grande força para essa

socialização.

Admitindo-se que exista hoje uma outra instância, muito poderosa dessa

socialização, a qual se constitui e opera no universo da cultura da mídia, a escola

continua tendo bastante peso, embora ela tenha que ser ponderada juntamente com

esses outros espaços e instituições, onde se acrescenta a própria família.

Na escola, a maioria dos alunos se encontra com colegas de mesma idade e

de condições físicas emocionais e intelectuais muito mais próximas, tanto no espaço

do recreio, do pátio e da quadra de esportes, quanto na própria classe, durante os

intervalos, oficiais ou inventados pelos alunos, diante dos ritmos diferenciados de

realização das tarefas escolas.

É nessa instância da socialização entre os iguais, que se constituem e onde

se afirmam aspectos importantes da construção da personalidade de cada um dos

alunos.

Do ponto de vista dos alunos, a escola possui uma dimensão afetiva e

relacional que é percebida por eles, muitas vezes e em diversos momentos, com o

mais relevante e significativo do que aquilo que a escola formalmente se propõe a

cumprir em termos do ensino e da aprendizagem de um conjunto de saberes

propriamente escolares. Do ponto de vista da escola e dos professores, seria

importante levar issi em consideração.

CORDEIRO afirma que “ as soluções para diversos problemas enfrentados

hoje nas escolas e que são entendidos como exclusivamente pedagógicas,

pudessem ser mais claramente percebidas se fossem levadas em consideração

esses aspectos sociais e se fosse aproveitado esse ímpeto ou essa vontade que

move os alunos para a escola, para além das obrigações impostas pelos pais e das

cobranças dos demais adultos” (2007, p.84).

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 34

Ser aluno, portanto, só pode ser compreendido a partir da noção de

transitoriedade que vai da situação de “paciente” daquele que percebe a ação do

trabalho institucional e pedagógico da escola, até a situação de “agente”, aquele que

durante o processo da aprendizagem e com base nele, conquista sua liberdade por

meio da aquisição de um conjunto de instrumentos, modos de agir, valores, pensar e

se relacionar com o mundo, com a sociedade, com as pessoas.

Compreender o aluno por meio desta perspectiva da transição, de uma

situação que se transforma continuamente, pode ajudar os professores a rever seus

juízos e atenuar a rigidez das suas classificações: aluno bom, mau, forte, fraco, pois

conforme PATTO, “ rever os juízos sobre os alunos também pode conduzir os

professores a serem mais flexíveis nas cobranças que eles acabam impondo a si

próprios.”(1991,p.98)

Isso não deve implicar, obviamente, rebaixar a qualidade do trabalho. Mas

pode e deve atenuar o tipo de exigências impostas por um tipo de perfeccionismo

que costuma caracterizar a profissão docente e que resulta nos fortes sentimentos

de culpa que nos têm marcado nos últimos tempos .

Caderno Temático 35

GESTÃO DO CONHECIMENTO NA SALA DE AULA

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 36

GESTÃO DO CONHECIMENTO NA SALA DE AULA Tânia T. Scremin

SAVIANI (1995) passa um recado aos

professores para que se empenhem no domínio de

formas que possam garantir às camadas populares

o ingresso na cultura letrada, vale dizer, a

apropriação dos conhecimentos sistematizados. E,

no interior das escolas, lembrem-se sempre de que

o papel próprio dos professores será provê-las de

uma organização tal que cada criança, cada

educando, em especial aquele das camadas

trabalhadoras, não veja frustrada a sua aspiração de assimilar os conhecimentos

metódicos, incorporando-os como instrumento irreversível a partir do qual será

possível conferir uma nova qualidade às lutas no seio da sociedade.

A partir dos anos 90, as Políticas Públicas Educacionais, afirmam de forma

explícita, a importância de garantir aos cidadãos uma igualdade de oportunidades

face à educação. Esta preocupação tem sido atendida progressivamente através de

diferentes medidas tomadas e que tentam contribuir para que tenha lugar uma

igualdade de acesso à escola.

De fato, muitas crianças, adolescentes e jovens entram e permanecem, pelo

menos algum tempo, na escola. É também indiscutível que os grupos socioculturais

de origem desses alunos são muito mais diversificados. No entanto, através de

pesquisas na realidade escolar percebe-se que essa igualdade de acesso que a

escola de pública tenta oferecer não é geralmente acompanhada de uma igualdade

de sucesso dos alunos que a freqüentam. As pesquisas revelam ainda, que o

sucesso acontece de modo desigual, nos diferentes grupos socioculturais que

constituem a população escolar. Quem tem mais sucesso na escola são, sobretudo

os alunos da classe média e classe alta, face às oportunidades de acesso à

múltiplas formas de conhecimento.

A escola oferece habitualmente, um tipo único de processo de ensino,

embora a população escolar seja bem heterogênea quanto às origens sociais,

étnicas, culturais. A escola constrói-se e funciona habitualmente para o aluno ideal.

A presença da participação de grupos com comportamentos diferentes é por vezes

Caderno Temático 37

perturbadora de seu funcionamento. A distância entre as propostas, as exigências

da escola e o tipo e nível de saberes e interesses dos alunos é demasiada grande.

As linguagens e os interesses divergem. Assim, se poderá em parte explicar o

pesado insucesso que acontece na escola ,pública ou particular, no meio urbano ou

rural.

No entanto cada um destes grupos de crianças são detentores de saberes

específicos e se posicionam, face aos problemas do cotidiano de uma maneira

própria. Não pode, portanto deixar de se pensar como será enriquecedor para todos

que o “diferente”, em vez de ser considerado estranho ou ignorante, seja tido como

alguém que tem muito a desvendar para o grupo, tem uma contribuição própria no

processo educativo.

No momento em que o professor passa a conhecer os seus alunos e se dá

conta de suas diversidades poderá desenvolver propostas flexíveis e variadas de

ensino e, é na gestão destas propostas na sala de aula, que o conhecimento

necessário e significativo se faz presente no processo de ensino e aprendizagem.

Os gestores do processo Na sala de aula, as atividades físicas ou mentais devem permitir a

interpretação da realidade e a construção de significados, tanto para o aluno quanto

para o professor, permitindo novas possibilidades de ação, de apropriação de

conhecimento. Nesse processo de interação com o objeto do conhecimento, o aluno

e o professor, constroem novas representações. É nessa relação que o professor e

aluno estabelecem a oportunidade para construção do processo de ensino e

aprendizagem.

Na atuação do professor sempre estão em jogo valores, tanto ligados aos

próprios conteúdos escolares, quanto referentes às questões sociais que permeiam

toda ação educativa.

O professor precisa estar atento às interferências, pois ele se posiciona e

incentiva atitudes, influencia as relações de respeito e a construção de auto-estima

dos alunos.

MOURA (2001), ao falar da gestão do conhecimento pedagógico, enfatiza,

entre outros aspectos, o processo de tomada de decisões pelo professor sobre: que

conteúdo trabalhar? Com qual objetivo? De que forma? Com quais recursos? Em

que tempo? Para qual aluno? Para que tipo de sociedade?

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 38

Ao enfatizar o processo de tomada de decisões, MOURA destaca de modo

especial, a figura do professor, profissional que administra grande parte dessas

decisões.

Ser um professor mediador não pode significar ser um observador passivo

dos fatos que se desenrolam na sala de aula. Mediar é essencialmente decidir,

dirigir, intervir, avaliar, reconduzir, desencadear ações de apoio ao aluno para que a

aprendizagem efetivamente aconteça.

É preciso conhecer a realidade para planejar e tomar decisões quanto às

estratégias de trabalho, pois o professor é quem, em última instância, decide os

aspectos a serem desenvolvidos na classe, especificando quanto tempo dedicará a

uma determinada matéria, que tópicos vai ensinar, a quem os ensina, quando e

quanto tempo conceder-lhe-á e com que qualidade serão aprendidos .

Assim sendo, na gestão do conhecimento na sala de aula, poderá constatar-

se que:

- Uma adequada gestão da heterogeneidade constituída através do

posicionamento do professor e também da organização de turmas poderá contribuir

para um maior sucesso escolar dos diferentes tipos de alunos e uma maior

aproximação do que se designa por escola democrática;

- Numa escola em que esta gestão não é feita, em que a diversidade não é

valorizada, sobrevivem com mais facilidade os alunos que pela sua origem

sociocultural, estão naturalmente mais próximos dos saberes, valore e das normas

que vigoram na escola;

-Se a educação escolar tem como objetivo fundamental promover de forma

intencional, o desenvolvimento de certas capacidades e a apropriação de

determinados conteúdos da cultura, necessários para que os alunos possam ser

membros ativos, em seu âmbito sociocultural de referência, o professor deve

conseguir o difícil equilíbrio de oferecer uma resposta educativa, tanto compreensiva

quanto diversificada posicionando uma cultura comum a todos os alunos, que evite a

discriminação e a desigualdade de oportunidades e, ao mesmo tempo, que respeite

suas características e suas necessidades individuais;

- As dimensões do processo de ensino e aprendizagem através da dimensão

lingüística mediadora do diálogo na sala de aula, a dimensão pessoal estabelecendo

vínculos afetivo e relacional entre professor e alunos e a dimensão cognitiva com

Caderno Temático 39

base na relação triática, isto é, numa relação entre professor, aluno e conhecimento,

dinamizam as principais ferramentas da gestão do conhecimento na sala de aula;

-A gestão do conhecimento poderá contribuir para uma educação escolar de

qualidade para todos pois redimensiona o papel dos professores e exige uma

formação profissional muito superior à atual, que não atende mais às reais

necessidades dos usuários do sistema educativo. É relevante o papel dos

professores para a formação dos alunos e, consequentemente, é urgente uma

formação adequada ao exercício profissional e condições necessárias para um

trabalho educativo eficaz;

- Não se trata de responsabilizar pessoalmente os professores pela

insuficiência das aprendizagens dos alunos, mas de considerar que muitas

evidências vêm revelando que a formação de que dispõem não tem sido suficiente

para gestar o conhecimento imprescindível para que crianças e jovens não só

conquistem sucesso escolar, mas, principalmente, capacidade pessoal que lhes

permita plena participação social num mundo cada vez mais exigente sob todos os

aspectos. Além de uma formação inicial consistente, é preciso proporcionar aos

professores oportunidades de formação continuada: promover seu desenvolvimento

profissional e também intervir em suas reais condições de trabalho;

- Uma boa formação profissional, inicial e continuada, aliada a um contexto

institucional que favoreça o espírito de equipe, o trabalho em colaboração, a

construção coletiva, o exercício responsável de autonomia profissional e adequadas

condições de trabalho, são ingredientes sem os quais não se alcançará a qualidade

pretendida na educação. São, na verdade, direitos dos profissionais da educação,

principalmente se a meta for a qualidade real. E devem ser objeto de sua luta se a

meta da categoria for a conquista de níveis superiores de profissionalização, não

apenas o salário e as condições de trabalho , que são reivindicações históricas ,

mas, também, as demais condições que permitam aos educadores não só oferecer

um ensino que de fato promova a aprendizagem, mas, também, intervir nos destinos

da educação e da profissão.

Estas considerações poderão contribuir para fundamentar reflexões sobre as

decisões referentes a organização do trabalho na sala de aula, reconhecendo que

poderão ter efeitos muito importantes no significado e nos resultados de todo o

processo pedagógico.

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 40

LIMITES E POSSIBILIDADES DA AÇÃO PEDAGÓGICA

Caderno Temático 41

LIMITES E POSSIBILIDADES DA AÇÃO PEDAGÓGICA Tânia T. Scremin

“Há que se valorizar a escola pública,

guardá-la no coração e defendê-la de

quaisquer ataques que possa vir a sofrer. Ela

é uma instituição que temos procurado, com

muito esforço construir, e que precisamos

preservar, atualizar e aperfeiçoar. Ainda que

não mude o mundo, a escola pode ajudar o

estudante a melhor entender como o mundo opera, o que é condição indispensável

para se operar neste mundo”.ANTONIO FLÁVIO BARBOSA MOREIRA

A escola pública é um dos lugares privilegiados onde as crianças e jovens

podem ampliar os seus saberes, em face da complexidade da sociedade

contemporânea, e assim tornarem-se capazes de exercerem a sua condição de

cidadãos, num país marcado por profundas desigualdades sociais.

Nesse propósito, o professor, enquanto gestor do conhecimento, deve

colocar sua competência técnica e pedagógica a serviço do coletivo da escola,

zelando pela aprendizagem de todos os seus alunos pois disso depende a educação

brasileira.

Assim, a formação de professores destaca-se como um tema crucial e, sem

dúvida, uma das mais importantes dentre as políticas públicas para a educação, pois

os desafios colocados à escola exigem do trabalho educativo outro patamar

profissional, muito superior ao hoje existente.

Faz-se necessário analisar as possibilidades dos limites no Curso de

Formação de Professores, com a finalidade de alterar a situação hoje vivida, no

interior das escolas e, principalmente, nas salas de aula.

Constata-se algumas positividades que apontam também alternativas e

desafios, presentes nas Diretrizes Curriculares dos Cursos Formadores de

Professores, quais sejam:

a) A realidade educativa em que o professor atua é complexa, mutável, frequentemente conflituosa, e apresenta problemas que não são facilmente categorizáveis e nem sempre possibilitam soluções a priori.

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 42

Nesse sentido, o êxito profissional do professor depende de sua capacidade

de manejar a complexidade da ação educativa e resolver problemas, por meio de

uma interação inteligente e criativa.

Toda essa complexidade da atuação de professor diz respeito mais

especificamente ao seu trabalho como docente. No entanto, existe ainda sua

atuação como membro da equipe pedagógica, sua participação no projeto educativo

da escola e na comunidade educacional. Isso implica uma ação compartilhada e um

trabalho coletivo dentro da própria escola e com diferentes escolas, o que significa

participar de eventos, estabelecer intercâmbios, registrar, sistematizar, ser produtor

de conhecimento. Portanto, sua ação demanda trabalho coletivo, cooperativo,

envolvendo diálogo com a comunidade.

b) Ao buscar explicitar a natureza da atuação pedagógica para construir caminhos para a formação de professores no que diz respeito aos níveis de conhecimentos, muitos estudiosos citam que esses conhecimentos nas ações são inconscientes e mecânicos.

É necessário que o professor, ao confrontar suas idéias, teorias e crenças

com a prática imediata, atue com sensibilidade, esteja flexível e aberto para

compreender e tomar decisões afinadas com sua intencionalidade e com o que

percebe de seus alunos e da situação educativa. A esse processo chama-se

reflexão na ação. Essa reflexão na ação é parte essencial do trabalho do professor e

não substitui a análise que se pode realizar a posteriori sobre as características e

processos da ação desenvolvida, a chamada reflexão sobre a ação de competência.

c) A formação na perspectiva dos professores os levam a aprender um discurso que não modifica sua atuação junto aos alunos.

Uma verdadeira construção de competência profissional exige experiência

de atuação aliada à reflexão sistemática.

Trazida para o processo de formação de professores, a perspectiva de

competência permite realizar a formação prática sem ater-se aos limites do

tecnicismo, de modo que o professor aprenda a criar e recriar sua prática,

apropriando-se de teorias, métodos, técnicas e recursos didáticos desenvolvidos por

outros educadores, sem submeter-se a um receituário, nem à mera aplicação de

teorias ou de um repertório de ações prévias e externamente programadas por

outros. O desenvolvimento da competência profissional permite ao professor uma

relação de autonomia no trabalho, criando propostas de intervenção pedagógica,

Caderno Temático 43

lançando mãos de recursos e conhecimentos pessoais e disponíveis no contexto,

integrando saberes, sensibilidade e intencionalidade para responder a situações

reais, complexas, diferenciadas. Em síntese, favorece uma verdadeira apropriação

dos saberes já produzidos pela comunidade educativa para elaborar respostas

originais.

d) a formação continuada e o desenvolvimento profissional é algo eventual, apenas um instrumento destinado a suprir deficiências de uma formação inicial malfeita ou de baixa qualidade.

Ainda que a formação inicial seja um importante e insubstituível meio de

elevar o nível e de transformar a competência dos futuros professores, essa

possibilidade tem limites. O corpo de professores demora no mínimo vinte anos para

se renovar. Os novos professores dirigem-se ao que encontram estabelecido, ao

invés de atuarem como elementos transformadores, até como recurso para não

serem rejeitados. A enorme disparidade entre o que pensa e faz um professor recém

formado e a cultura que encontra na escola, além da defasagem inevitável de

conhecimentos profissionais, faz com que ele muitas vezes desista de suas

convicções e adote uma postura de descrédito e se renda à prática estabelecida.

Para diminuir essa distância, faz-se necessário que a formação continuada se

orientem para os mesmos objetivos gerais e constituam um sistema integrado de

desenvolvimento profissional. Atuando-se nas duas frentes de modo convergente,

criar-se-ão as condições para que, tanto os novos professores quanto grande parte

dos professores em exercício tenham perspectivas e conhecimentos comuns.

e) Os formadores de professores em suas diferentes inserções profissionais, em escolas de nível médio, em institutos superiores e universidades, nas secretarias de educação e nas próprias escolas do sistema educacional, muitas vezes não estão inseridos em um processo de desenvolvimento profissional contínuo.

Na verdade o trabalho dos formadores referenda-se em situações

educacionais distintas: o processo de formação de professores e a realidade em que

esses vão atuar.

Assim, os formadores precisam não apenas compreender as questões da

formação de professores como também conhecer e dominar questões das salas de

aula e escolas de educação básica nas quais trabalham ou trabalharão os

professores.

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 44

A competência do formador passa fundamentalmente pela capacidade de

analisar o trabalho dos professores com vistas a uma constante revisão e

desvelamento das crenças subjacentes às ações dos professores, de modo a intervir

com sucesso no desenvolvimento da competência profissional.

O trabalho de formação requer para os formadores espaços de interlocução

nos quais possam analisar a própria prática de formação, a de outros formadores, e

também as atividades dos professores.

No caso dos formadores que atuam nas escolas de formação inicial, a

vigência de um projeto educativo da escola viabiliza a existência desse espaço e a

utilização do tempo de trabalho dos profissionais para desenvolvimento curricular,

planejamento e atualização. Os professores das escolas de formação precisam de

atualização, discussão, planejamento, avaliação e replanejamento do trabalho de

formação que desenvolvem e o tempo destinado a isso deve estar previsto em sua

jornada regular de trabalho.

Finalizando, tudo parece indicar, portanto, que uma boa formação

profissional, aliada a um contexto institucional que favoreça o espírito de equipe, o

trabalho em colaboração, a construção coletiva, o exercício responsável de

autonomia profissional e adequadas condições de trabalho, são ingredientes sem os

quais não se alcançará a qualidade pretendida na educação. São, na verdade,

direitos dos profissionais da educação, principalmente se a meta for a qualidade real

que poderá levar à gestão do conhecimento na sala de aula, seus limites e

possibilidades.

Caderno Temático 45

POSFÁCIO

O professor deve ser o intelectual orgânico das classes populares, um

profissional que compreende a natureza do trabalho coletivo na escola e que

percebe a necessidade de pensar a educação neste processo de contradição:

contra-hegemônico, que toma por base as condições concretas e articula a

educação às relações sociais , democráticas e emancipadoras. É um profissional

que deve pensar o papel da escola historicamente e deve mediar as relações

pedagógicas: aluno, currículo, metodologia, processo de avaliação, processo de

ensino/aprendizagem e organização curricular. Deve fazer, contudo, à luz de uma

concepção de educação voltada a um projeto de sociedade não excludente não

alienador, não reacionário ou conservador- um projeto de educação coletivo,

democrático e comprometido com o acesso das classes populares ao conhecimento

sistematizado. A função do professor, portanto, se delineia na ação intencional que

orienta a prática docente à luz de uma concepção de educação progressista.

Concepção esta voltada para a emancipação das classes populares , comprometida

com a formação cultural, com a difusão do conhecimento vivo e com um projeto de

sociedade de fato democrático.

Segundo FRANCO, “sempre imaginamos que uma política educacional

pública deve expressar os anseios da comunidade a que se destinam, suas

diretrizes e propostas, assim como imaginamos que uma política pública deve estar

atenta e oferecer respostas às necessidades geridas e construídas na práxis

histórica dos sujeitos que convivem em suas dimensões; no caso, das políticas

educacionais, referimo-nos aos educadores/as que militam nas diversas esferas por

onde a educação transita. Pressupomos ainda que uma política educacional, num

estado de direito democrático, deva buscar canais de diálogo com os que estarão

implicados, direta ou indiretamente, com as conseqüentes normatizações de suas

legislações. Acreditamos, eu e milhares de educadores, que as intencionalidades de

uma política, fundamentalmente a educacional, devem ser explícitas e dialogantes;

devem ser expressas claramente e devem se reger por princípios e valores que

fundamentam tais intencionalidades. Enfim, imaginamos que políticas devem se

pautar em pressupostos e expressar valores que justifiquem as escolhas e

procedimentos tomados. Se não forem explícitos, tais pressupostos deixam de ser

Gestão do conhecimento na sala de aula: limites e possibilidades 46

justificantes e passam a ser oportunistas, pois mudam de valor quando a situação se

altera”. (1996, p.72)

Hoje, mais do que sempre, há um desafio para as bases da formação dos

professores que devem possuir ferramentas teóricas e práticas necessárias que

permitam aos alunos navegar pelas diversas realidades da educação. Um caminho

que lhes permita colocar, em seu horizonte profissional, o projeto da escola e

sociedades que acreditam e para os quais orientam sua atuação e compromisso,

mediante o agir de forma criativa e transformadora na escola de educação básica,

com suas contradições, limitações e possibilidades.

Tânia T. Scremin

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TEXTO 1

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