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CADERNO DE HANDOUTS
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São Paulo, 23 de outubro de 2013.
Em uma época em que muitos reclamam da falta de valor do saber e das profissões a ele ligadas, torna-se mais importante do que nunca
que cada qual possa inventar sua “pedra filosofal”, aquela que, segundo os antigos, funcionava como uma metáfora de transformação: da mente
povoada pelas insignificâncias (metal banal) para a mente habitada pela sabedoria (ouro).
Em busca desta transmudação, ao longo do ano percorremos dois caminhos paralelos. Do ponto de vista intelectual, estudamos “A escritura
e a diferença” de Jacques Derrida (São Paulo: Perspectiva, 2011). Para não abrir mão da poïesis, lemos dois volumes de Patrick Ruthfuss: “O nome
do vento: A crônica do matador do rei. Primeiro dia” (São Paulo: Arqueiro, 2009) e “O temor do sábio: A crônica do matador do rei. Segundo dia”
(São Paulo: Arqueiro, 2011). Cabalisticamente, sete grandes interrogações dão o fio condutor para os dois dias de debate:
1) Em que medida é possível aprender ou ensinar, para além de qualquer teoria, a forma do mundo?
2) De que maneira as relações no interior da Universidade impactam a produção do conhecimento?
3) Os poderes e hierarquias existentes no contexto universitário se modificam a partir de uma leitura mais acurada das obras lidas?
4) A modificação dos referidos poderes e hierarquias tem alguma correlação com a quantidade ou qualidade da produção intelectual?
5) É preciso desconstruir uma obra e os seus pressupostos para inaugurar uma criação?
6) Quando, durante a realização de uma pesquisa, é necessário considerar a intuição juntamente com o raciocínio?
7) O quanto, das construções e das desconstruções feitas, pode ser recuperado por meio do estudo da produção de quem o fez?
Você é muito bem-vindo nesses dois dias de jornada, durante os quais desejamos construir respostas criativas, responsáveis e, acima de
tudo, factíveis, para estas interrogações. Se, como se lê no excerto a seguir, Rothfuss criou um mundo de ficção no qual o futuro da Universidade
se anunciava sombrio, nesta versão do Workshop desejamos recuperar uma mágica que, talvez, nunca tenha existido.
Há muito tempo [...] homens e mulheres vinham para a Universidade estudar a forma do mundo. [...] Os nomeadores caminhavam
por estas ruas como pequenos deuses. Faziam coisas terríveis, maravilhosas, e todos os outros os invejavam. [...] Um alquimista sem
nenhuma capacidade de denominar era visto como algo lamentável, não mais respeitado que um cozinheiro [...] Todos vinham
aprender os nomes das coisas [...] Mas não se pode ensinar denominação por meio de regras ou memorização. Ensinar alguém a ser
nomeador é como ensiná-lo a se apaixonar. É um caso perdido. Não pode ser feito. (Patrick ROTHFUSS, 2011, p. 315)
Cordialmente,
Claudia Rosa Riolfi
Valdir Heitor Barzotto
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Quarta-feira, 23 de outubro
08h00 – 08h30: Abertura oficial
08h30 – 10h30: Mesa 1: Da compreensão à Dezescrita: leitura e desconstrução de mitos
Quando crianças, raramente pensamos no futuro. Essa inocência nos deixa livres para nos divertirmos como poucos
adultos conseguem. O dia em que nos inquietamos com o futuro é aquele em que deixamos a infância para trás.
(ROTHFUSS, 2009, p. 84)
Ivelina Petrova – Universidade de Veliko Tarnovo, Bulgária
Karin Ferreira Borges – Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Valdir Heitor Barzotto – Universidade de São Paulo (USP)
Nathaly Galhardo – Universidade de São Paulo (USP)
Lucas Nascimento – Universidade de São Paulo (USP)
10h30 – 12h30: Mesa 2: Do narrar-se ao inscrever um nome próprio no texto
– Essa é só a parte menor. A verdade é mais profunda. É... – Bast atrapalhou-se por um momento. – É como se todo
mundo contasse uma história sobre si mesmo dentro da própria cabeça. Sempre. O tempo todo. Essa história faz o
sujeito ser quem é. Nós nos construímos a partir dessa história. (ROTHFUSS, 2009, p. 643)
Ignacio Pineda – Universidade Nacional Autônoma do México – Acatlán, México
Lucas Martinho Tavares – Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Mariana Ribeiro – Universidade de São Paulo (USP)
Mical de Melo Marcelino – Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
12h30 – 14h30: Almoço
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14h30 – 16h30: Mesa 3: Do determinismo à liberdade de escolha
A rapidez e a exatidão de minhas respostas os impressionaram. Alguns esconderam a admiração, outros a estamparam
abertamente no rosto. A verdade é que eu precisava impressioná-los. Por minhas conversas anteriores com Ben, sabia
que era necessário ter dinheiro ou inteligência para ingressar na Universidade. Quanto mais se tinha de um, menos se
precisava do outro. (ROTHFUSS, 2009, p. 224)
Jelena Filipovic – Universidade de Belgrado, Sérvia
Sebastião Carlos Santos e Silva – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Andressa Cristina Coutinho Barboza – Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Andreza Roberta Rocha – Prefeitura Municipal de São Paulo e Faculdade Sudoeste Paulistano (Fasup)
Ernesto Sérgio Bertoldo – Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
16h30 – 18h30: Mesa 4: Das malandragens aos malabarismos nas relações com o saber
Por isso eu estava trapaceando. Infiltrara-me no Cavus por uma entrada nos fundos, fazendo papel de mensageiro.
Depois tinha aberto duas fechaduras e passado mais de uma hora assistindo a entrevistas de outros estudantes. Ouvira
centenas de perguntas e milhares de respostas. (ROTHFUSS, 2009, p. 224)
Mauro Dujmović – Universidade de Pula – Pula, Croácia
Tamires de Almeida Santana – Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Rafael Barreto do Prado – Universidade de São Paulo (USP)
José Antônio Vieira – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Milan Puh – Universidade de São Paulo (USP)
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Quinta-feira, 24 de outubro
08h00 – 10h00: Mesa 5: Da escrita paralisada às pessoas em movimento
Essa é uma excelente pergunta! A resposta é que cada um de nós tem duas mentes: a mente desperta e a mente
adormecida. Nossa mente desperta é a que pensa, fala e raciocina. Mas a mente adormecida é a mais poderosa. Enxerga
fundo no cerne das coisas. É a parte de nós que sonha. Ela se lembra de tudo. Dá-nos intuição. A mente desperta não
entende a natureza dos homens. A mente adormecida, sim. Já sabe muitas coisas que a mente desperta não sabe.
(ROTHFUSS, 2009, p. 602)
Ancelmo Schörner – Universidade do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO)
Almi Costa dos Santos Junior – Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Renata de Oliveira Costa – Universidade de São Paulo (USP)
Suelen Gregatti da Igreja – Universidade de São Paulo (USP)
Jobi Espasiani – Universidade de São Paulo (USP)
10h00 – 12h00: Mesa 6: Da formatação em série à formação artesanal
- Os nomes são a forma do mundo, e o homem capaz de falá-los está a caminho do poder. Nos primórdios, o Arcanum
era uma pequena coleção de homens que compreendiam coisas. Homens que sabiam nomes poderosos. Lecionavam
para uns poucos estudantes, devagar, incentivando-os cuidadosamente em direção ao poder e à sabedoria. E à magia.
A magia verdadeira – ressaltou. Olhou em volta para os prédios e os estudantes que circulavam. – Naqueles tempos o
Arcanum era um destilado forte. Agora é um vinho aguado. (ROTHFUSS, 2009, p. 601)
Emma Adriana De la Rosa Alzate – Universidade Nacional do Ocidente – Cali, Colômbia
Joseane Bonaldo – Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)
Emari Andrade – Universidade de São Paulo (USP)
Kelly Gomes de Oliveira – Faculdade Campo Limpo Paulista (FACCAMP)
Valceli Ferreira de Carvalho – E. E. Prof. Alcyr Oliveira Porciúncula e Colégio Albert Sabin
12h00 – 14h00: Almoço
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14h00 – 16h00: Mesa 7: Do texto parasitado à leitura e à escrita
A formação no Arcanum fazia coisas estranhas com a mente dos estudantes. A mais notável dessas coisas pouco naturais
era a capacidade de fazer o que a maioria das pessoas chama de mágica e que nós chamávamos de simpatia, siglística,
alquimia, denominação e similares. Algumas mentes se habituavam facilmente a isso, outras tinham dificuldades. As
piores dentre estas enlouqueciam e acabavam no Refúgio. Mas a maioria não se estilhaçava ao ser submetida à tensão
do Arcanum, apenas rachava um pouquinho. Às vezes, essas rachaduras transpareciam em pequenos detalhes, como
tiques nervosos ou gagueira. Noutras, os alunos ouviam vozes, ficavam esquecidos, cegos ou mudos... Às vezes, era só
por uma hora ou por um dia. Outras vezes era para sempre. (ROTHFUSS, 2011, p. 297-298)
Vinicio de Macedo Santos – Universidade de São Paulo (USP)
Adenilton da Silva Rocha– Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Enio Sugiyama Junior – Universidade Federal do Estado da Bahia (UFBA)
Marcelo Roberto Dias – Universidade de São Paulo (USP)
Nereida Viana Dourado – Universidade de São Paulo (USP) e Instituto Federal do Maranhão (IFMA)
16h00 – 18h00: Mesa 8: Da desconstrução de um eu à criação de um si
Há uma brincadeira que as crianças experimentam fazer de vez em quando. A gente abre os braços e vai girando sem
parar, vendo o mundo se transformar num borrão. Primeiro fica desorientada, mas, se continuar girando por tempo
suficiente, o mundo se dissolve e a gente para de se sentir tonta, girando com o mundo transformado num borrão ao
redor. Depois a pessoa para e o mundo gira, retomando aos poucos a forma regular. A tonteira atinge o sujeito feito um
relâmpago e tudo cambaleia e se move. O mundo se inclina ao redor dele. (ROTHFUSS, 2009, p. 594)
Isabelle Duarte Simões Marques – Universidade de Coimbra – Coimbra, Portugal
Bianca Aline Diniz de Almeida – Universidade do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO)
Ana Carolina Barros Silva – Universidade de São Paulo (USP)
Maristela Silva de Freitas – Universidade de São Paulo (USP)
Claudia Rosa Riolfi – Universidade de São Paulo (USP)
18h00 – Encerramento
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DA COMPREENSÃO À DEZESCRITA: LEITURA E DESCONSTRUÇÃO DE MITOS
23/10, às 08h30
Quando crianças, raramente pensamos no futuro. Essa inocência nos deixa
livres para nos divertirmos como poucos adultos conseguem. O dia em que
nos inquietamos com o futuro é aquele em que deixamos a infância para
trás. (ROTHFUSS, 2009, p. 84)
Ivelina Petrova – Universidade de Veliko Tarnovo, Bulgária
Karin Ferreira Borges – Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Valdir Heitor Barzotto – Universidade de São Paulo (USP)
Nathaly Galhardo – Universidade de São Paulo (USP)
Lucas Nascimento – Universidade de São Paulo (USP)
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A LEITURA COMO PRESENTE E A INFÂNCIA DE SUA
ESCRITA
Valdir Heitor BARZOTTO
Questão de pesquisa: Partindo do pressuposto de que compreensão
de texto, discordância e produção são patamares que permitem definir
a leitura como prática indissociável da desconstrução de mitos,
interroga-se: como estudar e ensinar o percurso que vai da
compreensão de um texto à dezescrita, quando não se tem controle a
respeito do patamar pelo qual o leitor entra no texto, nem se conhece
a priori seus pontos de parada ou de retorno?
Objetivo: Reconhecer pontos de parada na leitura e na escrita,
diferenciando momentos de estagnação diante de mitos da construção
de patamares que dão suporte a passos seguintes.
Hipóteses de trabalho: 1) Para compreender um texto, é necessário
enfrentar dois mitos: o da própria competência, admitindo que não
sabe, e o de que o trabalho resume-se a um castigo, assumindo-o como
seu, e 2) É importante sinalizar pontos de solidez de uma leitura, onde
se possam ancorar a rocha de cada um a fim de estabelecer novos
desafios.
Material de análise: Trechos de trabalho acadêmico que ilustram as
diferenças na produção em diferentes aproximações dos dados.
Dado do trabalho Excertos de diferentes etapas
da aproximação ao dado
Pequenos inquietos
Transtorno do déficit de
atenção pode comprometer o
desempenho escolar
“Qualquer ruído ou
mínimo movimento dispersam a
atenção das crianças com esse
problema- e, não à toa, elas
enfrentam mais dificuldades em
sala de aula. Esse foi um dos
pontos abordados no último
congresso internacional sobre o
assunto, no Rio de Janeiro.
Como saída para a
inquietação, os pesquisadores
apontam algumas técnicas
simples, como colocar o aluno na
primeira fileira e torna-lo
auxiliar do professor. A convite
da Associação Brasileira de
Déficit de Atenção, o
neuropsicólogo holandês Joseph
Sergeant, um dos principais
pesquisadores do tema, veio ao
Brasil para participar do evento.
Qual é a melhor maneira
de lidar com esses meninos e
1ª. Aproximação: O título e o
subtítulo fazem duas
afirmações: que os pequenos
são inquietos e que o TDAH,
subentendido que a doença
exista, compromete o
desempenho escolar.
2ª. Aproximação: O título e o
subtítulo fazem duas
afirmações: que os pequenos
são inquietos e que há o TDAH.
Através do uso do modalizador
“pode” indica a possibilidade de
o transtorno afetar o
desempenho escolar. A palavra
“desempenho” remete ao
mundo coorporativo.
3ª. Aproximação: O título
“Pequenos inquietos” é
constituído de dois
qualificativos. O primeiro
pode-se considerar que é um
tratamento carinhoso, que
também pode ser destinado a
crianças. O segundo contém
alguns traços que podem ser
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meninas? São grandes as chances
de eles serem punidos por seu
comportamento. No entanto,
pesquisas mostram que a
recompensa funciona muito
melhor na busca por um
comportamento apropriado.
Deve-se, portanto, demonstrar
reconhecimento por todas as
atitudes positivas.”
(Revista Saúde- 01/09/2009)
apontados como negativos, mas
que em menor intensidade do
que bagunceiro, por exemplo.
O subtítulo, no entanto, inicia
com a palavra transtorno cujos
traços de significado, por serem
evidentemente negativos,
direcionam a compreensão de
inquieto para o que pode ter de
mais negativo. A palavra
transtorno está na expressão
“transtorno do déficit de
atenção” que é praticamente o
nome da suposta doença
bastante conhecida da
população em geral,
principalmente pais e
professores.
Considerações finais: Quem se dispõe a ensinar, a ler e a escrever,
não tem a mesma sorte de Sísifo, que conhecia o percurso de sua pedra
e sabia que ela começaria a descer quando estivesse no ponto mais
alto da montanha. Diferentemente de Sísifo, não sabemos a partir de
que ponto nossa pedra vai estagnar ou começar a voltar. Então, resta-
nos defender que nossas leituras possam ser exibidas como ilustração
do presente do texto, preferencialmente divertido e dessacralizante.
Assim, cada ponto exibido pode ser considerado o mais alto a que
chegamos, em cuja solidez podemos ancorar a nossa pedra e assumir
novos desafios.
Referências Bibliográficas
CAMUS, A. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2004.
DERRIDA, J. A Escritura e a Diferença. Tradução brasileira de
Maria Beatriz Marques Nizza da Silva, Pedro Leite Lopes e Pérola de
Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 2011.
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ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS NOS TEXTOS MIDIÁTICOS
SOBRE O TDAH
Nathaly Dironze GALHARDO [email protected]
Questão de pesquisa: Em que medida textos sobre o TDAH
veiculados pela mídia, mais do que descrever um problema de saúde,
delineiam produtos, oferecido ao público apoiados em diferentes
eixos argumentativos?
Hipótese: O TDAH, no discurso, tornou- se “produto” cuja suposta
existência dá lugar a estratégias argumentativas para angariar
pacientes/ consumidores.
Objetivo: Compreender quais são os eixos argumentativos em torno
do TDAH e os recursos neles utilizados com vistas a contribuir para
uma leitura mais autônoma dos textos veiculados pela mídia por parte
de pais e professores.
Material de análise: Parte de 4 matérias publicadas em revistas da
Editora Abril
Excerto 1: “Na sala de aula ele é o “pestinha”: arranca os brinquedos dos colegas,
anda de um lado para outro, não fica mais de dois minutos sentado no mesmo lugar.
Nunca termina as tarefas solicitadas e sai da sala várias vezes sem pedir licença. Em
algumas ocasiões, chega a ser agressivo. Esse comportamento, geralmente
confundido com indisciplina, é característico de um distúrbio de atenção que atinge
cerca de 5% das crianças e adolescentes de todo o mundo: a hiperatividade.
Conhecer os sintomas e aprender a lidar com esse problema é uma obrigação de
qualquer professor que não queira causar danos a seus alunos. Afinal, a demora em
diagnosticar o caso pode trazer consequências sérias para o desenvolvimento da
criança. “
Excerto 2: “Nos primeiros anos, a criança é incapaz de permanecer muito tempo
em uma única atividade. Sua atenção é curta e ela tem necessidade de movimento.
É o que os especialistas chama de “hiperatividade de desenvolvimento”, e não
implica nenhum problema. À medida que o sistema nervoso central amadurece,
gradativamente os pequenos melhoram a capacidade de concentração e conseguem
se dedicar a tarefas mais longas. Esse processo pode se estender até 6 ou 7 anos,
mas cada um tem seu ritmo. “
Excerto 3: “Trabalhar 12 horas seguidas, encarar a academia e ainda esticar para
a balada, sempre com um sorriso no rosto, é tarefa para super-homens. Ou para
supermedicamentos. O uso de drogas legais que estimulam a concentração,
espantam o sono e aumentam a memória vem crescendo em todo o mundo. Já há
especialistas que dizem que seu uso em alguns anos será tão comum quanto uma
xícara de café no meio do expediente. Somente nos EUA, segundo a revista
Scientific American, as prescrições de Ritalina - usada por adultos em busca de
concentração- cresceram 12% ao ano em 5 anos.
Excerto 4: “A situação é mesmo esquisita para se assumir publicamente. Por isso,
a psicóloga paulista S. T., de 40 anos, não quis dar o nome ao explicar a própria
ansiedade: “Às vezes, dá vontade de interromper o xixi porque está demorando para
acabar.” Outra impaciente que também tem lá seus ímpetos de atropelar a rotina é a
diretora de marketing Adriana Silvestre, paulistana de 29 anos, que, de tanto correr
para todos os lados, ganhou o apelido “go, go, go” (“vai, vai, vai” em português) no
trabalho. Para entendê-la mesmo, só a economista Christine Dambry, outra
paulistana de 37 anos, capaz de se exercitar na bicicleta ergométrica do condomínio
onde mora, enquanto fala pelo celular, assiste à TV e lê um livro.
Data da publicação Título Revista Enfoque
01/05/2000 Indisciplinado ou hiperativo? Nova Escola Educacional
01/09/2008 Meu filho é hiperativo ou agitado? Cláudia Família
01/09/2009 Elas te deixam ligadão Superinteressante Especial Medicação
01/02/2001 Hiperativas Uma Social
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Considerações finais: As considerações feitas sobre a leitura neste
trabalho vão ao encontro do significado do neologismo Dezescrita
que nomeia uma modalidade de leitura e de escrita na qual, na
produção intelectual, seu autor não se limita a obedecer,
irrefletidamente, a direção interpretativa presente nos textos que
tomou como objeto de estudo. Verificamos quais são as estratégias
discursivas utilizadas nos textos das 4 posições relativas ao TDAH,
consideramos que uma leitura que Dezescreva pode identificá-las e
perceber que se tratam de mecanismos para angariar e engajar adeptos
a cada uma delas.
Referências bibliográficas
BARZOTTO, V. (Org.) Estado de Leitura. Campinas, São Paulo:
Mercado de Letras, 1999.
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LEITURA, OBJETO E ESCRITA SENSORIAL
Lucas DO NASCIMENTO [email protected]
Questões de pesquisas: 1) Quando privilegiar a intuição em
detrimento do raciocínio na pesquisa? 2) Como produzir e diferenciar
uma escrita acadêmica daquela que só seduz?
Objetivo: Identificar o endereçamento dos conceitos “sujeito” e
“sentidos” na correlação: objeto-descrição-análise por meio do estudo
de uma cena fílmica (cf. figura 1) analisada em artigo acadêmico da
USP realizado na área de Análise do Discurso.
Hipótese de trabalho: A escrita sensorial nomeia uma etapa da
dezescrita, aquela em que se descreve o objeto, em certa medida,
apontando-o e analisando-o pouco, pois o que se tem ainda não é do
campo da interpretação.
Material de análise: Quadro 1 – Corpus: Artigo acadêmico da USP
REVISTA
ARTIGO ANO DE
PUBLI-
CAÇÃO
OBJETO TEORIA
Revista
Estudos
Linguísticos
A1 – Revista EL
[V40, N3, pp.
1362-1375]
2011 Filmes AD – Dubois,
Pêcheux,
Althusser
Figura 1 – Carole sofre com a tensão sexual entre ela e o síndico em Repulsa ao
Sexo
Quadro 2 – Sequências discursivas da F1
TEORIA
a) o sujeito inscreve significados eivados de historicidade, tanto na posição de
autor quanto na de leitor. (XXX, 2011, p. 1363)
b) os sentidos das palavras não são transparentes nem literais em relação aos
significantes, embora o sujeito tenha essa ilusão, pois os sentidos não existem em
si mesmos, visto que são determinados pelas posições ocupadas no processo
sócio-histórico, o palco da (re)produção das palavras no qual o sujeito está
intrinsecamente ligado para fazer circular seus dizeres. (XXX, 2011, p. 1.364)
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ANÁLISES DOS AUTORES
No recorte entre 1h18min55s e 1h29min15s de Repulsa ao Sexo, a manicure
Carole (Deneuve) é interrompida, durante sua sombria estadia sozinha no
apartamento após a viagem da irmã, pelo síndico do prédio (Patrick Wymark),
que veio cobrar o aluguel. Ao longo desse recorte, detectamos vários efeitos de
sentido que remetem à formação imaginária patriarcalista que ronda o
personagem masculino. Desde sua chegada, o síndico representa uma voz de
autoridade e fala de um lugar de poder, visto que ameaça chamar a polícia caso
a hóspede não lhe atenda imediatamente. Sem sucesso, ele abre a porta do recinto
(mesmo sem manifestação ou autorização de Carole) e se queixa da “barricada”
que a moradora formou na porta tentando bloquear a entrada de visitantes
indesejados. Nesse ponto, cabe ressaltar, a palavra barricada dita pelo sujeito-
homem remonta aos sentidos sobre a “guerra dos sexos” e faz circular em
Repulsa ao Sexo um embate pelos sentidos legitimados que não era falado no
cinema das décadas anteriores, sobretudo em Hollywood. (XXX, 2011, p. 1369)
Considerações finais 1) A descrição e a análise exigem saber ser nomeador na escrita
acadêmica e saber instaurar a diferença, com dosagem entre intuição
e raciocínio (em predominância), para que o nível da compreensão
seja acessado por qualquer leitor.
2) A intuição deve ser considerada como “diferença” quando o
pesquisador se encontrar em desafios e impasses como: o esforço de
pensar, em momento de bloqueio ou de quebra de escrita, as
dificuldades da criação no pensamento, o conflito, a tensão, a
oposição, a analogia, o deslocamento, a ruptura, a contra-
argumentação.
3) Para a escrita alcançar cientificidade, o que precisa ser feito é:
estabelecer relações teóricas entre o objeto e a análise, em que o
endereçamento da teoria contemple exigências do objeto de estudo,
considerando características olhadas, lidas, compreendidas,
produzidas e discordadas do objeto empírico. Isso é distante do que
temos visto como escrita do artigo em análise.
4) A escrita acadêmica tem requerido contribuições em que se denote
para pesquisa a rigorosidade na relação objeto-teoria-análise para
além do senso comum; para além da escrita sensorial, vivificante
apenas até o apontamento da descrição; para além da escrita que só
seduz, titubeando leitores contentes com a masturbação, apenas; para
além da fase embrionária, que sofre aborto já imaginável; talvez para
aquém da engenharia particular dos sábios, mas para aquela escrita
humana que possibilite a compreensão do traquejo do trabalho em
zonas de limites não só de leitura como também de dezescrita.
Referências bibliográficas
DELEUZE, G. Diferença e Repetição. Tradução brasileira de Luiz
Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
DERRIDA, J. A Escritura e a Diferença. Tradução brasileira de
Maria Beatriz Marques Nizza da Silva, Pedro Leite Lopes e Pérola de
Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 2011.
FOUCAULT, M. Les mots et les choses – une archéologie des
Sciences Humaines. Paris: Éditions Gallimard, 1966.
PÊCHEUX, M. L’énoncé: enchássement, articulation et dé-liaison.
Actes du Colloque Matérialités discursives. Université Paris X –
Nanterre, 24-26 avril 1980. In: CONEIN, Bernard. et al. (Orgs).
Matérialités discursives. Lille: Presses Universitaires de Lille, 1981.
p. 143-148.
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DO NARRAR-SE AO INSCREVER UM NOME PRÓPRIO NO TEXTO 23/10, às 10h30
– Essa é só a parte menor. A verdade é mais profunda. É... – Bast
atrapalhou-se por um momento. – É como se todo mundo contasse uma
história sobre si mesmo dentro da própria cabeça. Sempre. O tempo todo.
Essa história faz o sujeito ser quem é. Nós nos construímos a partir dessa
história. (ROTHFUSS, 2009, p. 643)
Ignacio Pineda – Universidade Nacional Autônoma do México – Acatlán, México
Lucas Martinho Tavares – Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Mariana Ribeiro – Universidade de São Paulo (USP)
Mical de Melo Marcelino – Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
14
PARA NÃO APONTAR O DEDO: A CONSTITUIÇÃO DE UM
OBJETO DE PESQUISA
Mariana Aparecida de Oliveira RIBEIRO [email protected]
“O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e
para mencioná-las se precisava apontar com o dedo”
(MARQUEZ,1967, p.07)
Questão de pesquisa: Como um objeto de pesquisa se constitui por
meio de uma análise de dados?
Objetivo: Verificar se e como teoria e objeto, mutuamente,
constituem-se por meio da escrita de uma análise de dados de um texto
acadêmico.
Hipóteses de trabalho: Partimos de duas hipóteses:
1) É por meio da análise de dados que um objeto de pesquisa se
constitui; e
2) A constituição de um objeto de pesquisa é correlata à inscrição
de um nome próprio.
Material de análise: Trecho recortado da análise dos dados da versão
final da tese de uma informante da área de linguagem.
Excerto 1: Dado analisado pela informante em sua tese
01 (DP1) ARMANDO: [...] como outro dia eu falei com a
professora/ ela
02 perguntou/ por que a gente aprende inglês?/ né e eu respondi
que
03 era por causa do problema econômico/ que se faz negócio no
mundo em inglês né/ e mas que
04 inglês tinha uma coisa mais que fari...cultural atrás dela né/ que
faria as
05 pessoas se atraírem pra ele/ e a R (nome da professora
ministrante) tirou a
06 minha ilusão/ ela falou: “não/ essa é tua visão romântica/ é
dinheiro/ é negócio/
07 é isso/ é hegemônico por causa disso”/ realmente eu acabei
concluindo/ EU
08 tenho uma visão romântica de certas coisas e//
15
Excerto 2: Trecho da análise de dados feita pela informante
01 Observe-se o efeito de sentido que o não da professora
ministrante provoca
02 na enunciação. Não se tratou de um “não” qualquer. Ele serviu
para colocar um ponto no
03 discurso infindável de Armando, que procurava mil
justificativas para a importância de
04 se aprender inglês na educação básica, como alguém que
queria se convencer e
05 convencer outros. Mediante a nomeação e a síntese do lirismo
que perpassava o
06 discurso de Armando (essa é tua visão romântica), ele foi capaz
de se dar conta de que
07 a língua serve à hegemonia cultural e econômica e não é um
instrumento neutro e
08 utilitário de comunicação. Parece ser possível dizer que, nessa
intervenção, pode ter
09 ocorrido uma demanda para que o sujeito emprestasse
consequência ao que diz,
10 conforme o ponto de vista da psicanálise.
11 De modo semelhante, por meio de uma questão que teve o
objetivo de
12 desestabilizar o sentido do significante “bom”, suspendê-lo por
um momento para que o
13 participante pudesse se reposicionar diante dele, a professora
ministrante “tirou a
14 ilusão” de que só existe um sentido, um jeito, um modo único
de ser “bom” professor.
15 Percebe-se, portanto, que, algumas vezes, ilusões têm que ser
“tiradas” para que
16 haja alguma chance de o sujeito se implicar de forma mais
responsável e subjetiva na
17 posição que ocupa. São esses possíveis pontos de quebra, se e
como eles poderiam gerar
18 deslocamentos, que mobilizaram este momento da análise.
Considerações finais: Uma teoria pode ter diversas finalidades em
um texto acadêmico, sobretudo, pode servir para legitimar a si própria,
uma análise, uma produção. Porém, quando uma teoria tem apenas a
finalidade de legitimar a si mesma, ela funciona como uma narrativa,
que se conta a alguém para que se possa ser inserido na cultura.
Diferentemente deste uso, é aquele no qual uma teoria funciona como
“instrumento” para construir um objeto de pesquisa por meio de uma
análise de dados. Constituir um objeto é correlato a desfazer imagens,
narrativas e saberes, que fazem e fazemos de nós mesmos, e inscrever
um nome próprio.
Referência bibliográfica
BACHELARD, G. A formação do espírito científico. Contribuição
para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto,
1996.
16
DO UNIVERSAL AO SINGULAR: MANEJOS E TORÇÕES
NA FORMAÇÃO DO PESQUISADOR
Mical de Melo MARCELINO [email protected]
Questão de pesquisa: Como um orientador pode trabalhar para levar
seu aluno a transcender o cumprimento burocrático de um TCC e para
obter conquistas consequentes para si e para a comunidade acadêmica
onde está inserido.
Objetivos: 1) Investigar a possível correlação entre a natureza das
intervenções efetuadas pelo orientador em versões de trabalho de
conclusão de um curso (TCC) de Licenciatura e o nível de
engajamento subjetivo do aluno que o redige; e 2) Compreender como
o manejo realizado pelo professor na orientação de uma escrita
acadêmica produz torções (na acepção encontrada na Topologia
Lacaniana) que podem aproximar um sujeito da própria história que o
faz ser quem é.
Hipótese de trabalho: Acreditamos que o caminho da pesquisa seja
producente no sentido de construir um lugar, a partir do qual seja
possível produzir um trabalho duplamente consequente: do ponto de
vista do conhecimento já produzido a respeito do tema investigado no
TCC e do ponto de vista das transformações na vida pessoal de quem
o redigiu e que podem ser correlacionadas com a investigação.
Investimos na ideia de que para que esse trabalho consequente se
instale é preciso dezescrever o que se observa na superfície e que se
relaciona com o universal do conhecimento (como um conjunto de
saberes estabilizados e aceitos em uma comunidade científica) em
busca do que de se relacione ao próprio sujeito, em uma espécie de
torção que pode ser manejada por aquele responsável por orientar os
primeiros passos de um pesquisador em formação.
Considerações finais: Por meio de intervenções análogas ao que
Lacan chamou de inversões dialéticas (na prática clínica), um
professor pode conduzir o aluno a uma construção comprometida com
seu próprio desejo. Trata-se de dezescrever projeções imaginárias, no
sentido de reconhecer qual é o verdadeiro objeto do afeto que mobiliza
alguém a escrever, bem como levar o aluno a reconhecer a sua parte
(responsabilidade) sobre aquilo que escreve sobre determinado
objeto, assim como atribuir-lhe um valor real.
Referências bibliográficas
FREUD, S. (1901-1905) Um caso de histeria. Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade e outros trabalhos. In: ______ Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. V.
7, Rio de Janeiro: Imago, 1996.
LACAN, J. Intervenção sobre a transferência. 1951. In: Escritos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. p. 214-225.
17
Material de análise
Excerto 1: Fragmento do pré-projeto do TCC, informante 1. 1. A história mostra que ao longo do tempo a educação é fortemente
2. marcada por este padrão capitalista, onde a escola não se adapta
ao aluno, mas
3. sim o aluno que deve se adequar a ela e caso ele não se adapte a
estes
4. parâmetros de “normalidade” eles são negados e excluídos do
ensino regular
5. Nesta sociedade tecnológica e industrializada saber ler e escrever
são
6. atos indispensáveis para um individuo, porém, para muitos que
não tiveram
7. direito ao acesso â leitura e à escrita ou que foram “expulsos” da
escola a
8. incapacidade de escrita é um grande obstáculo para se exercer seu
papel
9. enquanto cidadão.
10. No entanto a Constituição de 1988 já garante o direito a
escolarização de
11. todo cidadão no artigo 205:“A educação, direito de todos e dever
do
12. estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da
13. sociedade visando pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo
para o
14. exercício da cidadania e sua qualificação para o mundo do
trabalho.”
15. Ainda que na constituição haja garantias deste direito sabemos
que na
16. realidade o que acontece é algo completamente diferente, onde
grande parte
17. destes excluídos parou de estudar prematuramente ou nem mesmo
começou
18. Saber ler e escrever por si só, porém, não é suficiente para a
formação de
19. pessoas criticas e que consequentemente tenham participação
significativa em
20. seu contexto social.
21. Estes modelos excludentes são vistos a olho nu não só na
sociedade, mas
22. também dentro da escola, por isso buscaremos entender como o
letramento e os
23. atos inclusivos podem juntos se constituir e se esta relação se
encontra presente
24. em um dos principais documentos elaborado pelas Nações Unidas
que é a
25. Declaração de Salamanca - Sobre Princípios, Políticas e Praticas
na Área das
26. Necessidades Educativas Especiais.
Excerto 2: Fragmento de TCC da versão final, informante 1.
A leitura no livro didático: investigações sobre o letramento
(...)
Objetivo
Analisar algumas atividades de leitura propostas por livros didáticos,
que se dizem filiados a ideia de letramento, investigando em que
medida essa perspectiva se encontra, de fato, contemplada nestas
atividades.
18
DO DETERMINISMO À LIBERDADE DE ESCOLHA 23/10, às 14h30
A rapidez e a exatidão de minhas respostas os impressionaram. Alguns
esconderam a admiração, outros a estamparam abertamente no rosto. A
verdade é que eu precisava impressioná-los. Por minhas conversas
anteriores com Ben, sabia que era necessário ter dinheiro ou inteligência
para ingressar na Universidade. Quanto mais se tinha de um, menos se
precisava do outro. (ROTHFUSS, 2009, p. 224)
Jelena Filipovic – Universidade de Belgrado – Belgrado, Sérvia
Sebastião Carlos Santos e Silva – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Andressa Cristina Coutinho Barboza – Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Andreza Roberta Rocha – Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) e Faculdade Sudoeste Paulistano (Fasup)
Ernesto Sérgio Bertoldo – Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
19
COMPROMISSO FORMATIVO E ESCRITA SINGULAR
Andressa Cristina Coutinho BARBOZA
Questão de pesquisa: Como a dezescrita pode comparecer em textos
burocráticos, como relatórios de estágio?
Objetivo: Investigar índices da identificação simbólica na escrita de
sujeitos inseridos no discurso universitário.
Hipótese de trabalho: As múltiplas acepções de dezescrita podem
ser observadas no processo de elaboração de um relatório de estágio
que privilegie a identificação simbólica.
Material de análise
Excerto 1: TMA- Considerações Finais – Estágio 1
1. Em relação às atividades realizadas ainda acredito que planejar
2. trabalhar em sala de aula através da música pode ser um bom
3. método, pois um bom professor não deve se prender apenas à
4. forma tradicional de ensino. A apresentação de vídeos também,
5. acredito ser uma boa estratégia pois os alunos na maior parte
6. dos casos gostam muito.
7. Em relação a ser analisado considero ser de suma importância
8. tanto por terceiros quanto por si próprio quando o que se está e
9. jogo é sua formação como profissional. No caso do Estágio
10. principalmente. Já tenho em mente novas formas de abordar
11. alunos, novos meios para melhorar meu próprio comportamento
12. dentro de uma sala de aula.
13. Acredito que nós almejantes à professores devemos seguir o que
14. diz Paulo Freire a respeito da importância de ensinar a partir do
15. ser professor, focando numa linguagem clara, acessível e
16. objetiva pois só assim poderemos fazer refletir nos alunos o
17. objetivo real de determinado ensinamento. E como o próprio
18. autor deixa claro, é necessário fazermos uma reflexão sobre a
19. formação docente e a prática educativa.
Excerto 2: TMA - Considerações Finais – Estágio 4
1. O estágio como se percebe, é peça fundamental na formação de
2. um profissional. É através dele que o “aluno” se prepara para a
3. prática profissional. Sendo assim, estagiar é aprender, é
4. vivenciar, é se preparar, é, acima de tudo, ampliar
5. conhecimentos e firmar a opção escolhida.
6. As competências que adquirimos durante o curso de formação
7. são essenciais na definição do tipo de profissionais que nos
8. tornaremos, pois as disciplinas cursadas estão presentes o tempo
9. todo na realidade prática da sala de aula, nos ajudando de
10. sobremaneira a perceber o outro (aluno).. É importante ressaltar
11. entretanto que estes saberes que adquirimos embora sejam tão
12. essenciais, devem ser agregados a outros saberes. O “ser
13. professor” consiste numa constante formação, pois além da
14. teoria, é necessária a improvisação e a criação de estratégias que
15. dependerão das diversas situações que serão encontradas no
16. ambiente escolar.
17. Constatei a importância de ver o professor não como alguém que
18. “transmite conteúdos”, mas sim como um proporcionador de
20
19. possibilidades, alguém que através da troca constante com seus
20. alunos propiciará o seu próprio crescimento. Uma aprendizagem
21. contínua na qual ambos – professor e aluno – aprendem, pensam
22. e aprendem a aprender.
23. Por fim, gostaria de ressaltar que considerei meu processo de
24. formação imensamente produtivo. Aprendi muito, cresci e tenho
25. orgulho em dizer: sou hoje uma profissional – uma professora!.
26. Quando assumir uma turma, pensarei antes de tudo em como
27. “conquistar” meus alunos. Reconheço a importância de respeitar
28. o contexto social em que eles vivem e respeitar ainda a
29. liberdade de expressão de pensamento.
30. Gostaria mais uma vez de retratar minha gratidão por toda a
31. bagagem de aprendizagem que me foi disponibilizada. Hoje
32. tenho a consciência de que ainda é preciso saber muito mais,
33. porque o saber nunca se esgota, quanto mais aprendemos, mais
34. percebemos o quanto há a aprender.
Considerações finais: Conclui-se que a responsabilidade pelo que é
enunciado em relatórios de estágio esteja estritamente relacionada ao
desejo, do aluno de licenciatura, de sustentar sua escolha profissional,
por meio de sua implicação com a formação que recebe na
universidade.
Referências bibliográficas
BARBOZA, A.; SOARES Jr, V. O discurso comum na escrita de
relatórios, 2013 (no prelo).
BOTTEGA, R. M. D. O perfil do acadêmico de Letras presente nos
relatórios de estágio. Trama, v. 4, n. 7, p. 215-224, set/2008.
FAIRCHILD, T. O professor no espelho: refletindo sobre a leitura de
um relatório de estágio na graduação em Letras. Rev. Bras.
Linguística Aplicada [online], v. 10, n. 1, p. 271-288, 2010.
RIOLFI, C. R. Ensinar a escrever: considerações obre a especificidade
do trabalho da escrita. Leitura: teoria e prática, n. 40. Revista da
Associação de Leitura do Brasil. Campinas: UNICAMP, 2003.
_____. Lições da coragem: o inferno da escrita. In: BARZOTTO, V.;
RIOLFI, Claudia (Orgs.). O inferno da escrita: produção escrita e
psicanálise. Campinas: Mercado das Letras, 2011. p. 11-32.
GRIGOLETTO, M. Lições do modelo: a escrita que engessa e a que
mobiliza. In: BARZOTTO, V.; RIOLFI, Claudia (Orgs.). O inferno
da escrita: produção escrita e psicanálise. Campinas: Mercado das
Letras, 2011. p. 91-106.
21
ALFABETIZAÇÃO: DESCONSTRUIR IMAGENS PARA
CONSTRUIR A DEZESCRITA
Andreza Roberta ROCHA [email protected]
Questão de pesquisa: De que modo a consideração do conceito de
dezescrita pode colaborar para o processo de ensino de língua escrita
em um contexto no qual a professora apresenta dificuldades em
relação ao ensino; e o aluno, em relação à aprendizagem?
Objetivo: Elencar alguns dos elementos que favorecem ou
obstacularizam a ascensão do sujeito à leitura e à escrita,
relacionando-os aos conceitos de latência (FREUD, 1926) e de
formações imaginárias (OSAKABE, 1979).
Hipótese de trabalho: O momento em que um professor decide
renunciar às presunções referentes ao seu próprio modo de ensinar e
também à figura do aluno pode caracterizar-se como uma
oportunidade para que se crie um trabalho efetivo de ensino-
aprendizagem.
Material de análise: Reproduções de trechos de diário de campo,
produzido em 2013.
Dia 24/4: Luan veio logo cedo para a minha sala, trazido pela
professora responsável pela turma onde está matriculado, conforme
combinei com ela ontem. Expliquei porque ele ficaria comigo. Passei
lição para o dia seguinte.
Dia 25/4: Descobri quase no fim do dia que Luan veio para minha
turma porque desviou da ordem da professora dele, disse para ela que
ia em um outro lugar da escola e veio para minha sala. “Minha mãe
gostou daquela lição que você passou.”
Dia 10/6: Luan amou o livro Dodó.
Dia 11/6: Luan veio de novo logo cedo. Trabalhei o alfabeto, o nome
completo... Quando esgotei as cartas na manga, perguntei: “O que
você quer fazer, ficar quieto para eu dar atenção aos outros, voltar para
sua turma. Quer que eu te dê uma das atividades dessa turma?” Ele
respondeu: “Eu quero um livro.”
Dia 13/6: Luan furioso: “Professora, eu não bato nesse menino porque
sou mais velho.”
Dia 24/7: Marquei bobeira: Expliquei para o Luan que comigo não há
alternativa, ou ele faz atividade ou faz atividade. Não há bagunça que
me deixe irritada. O único jeito de sair da sala é se ele bater em
alguém. Claro que não deu cinco minutos e ele mostrou que ouviu e
entendeu o que disse, batendo em uma criança. Falei para ele ir
embora da sala. Mas da próxima vou mudar: o lance é dizer que aqui
é pra trabalhar, se ele não quiser [trabalhar], não tem como ficar.
22
Dia 15/8: Quando olhei para ver onde o Luan estava, vi que ele estava
realizando com a aluna X a atividade que havia passado para ele:
estava ensinando a menina a colocar as letras móveis em ordem
alfabética.
Dia 20/8: Luan pede para fazer o que não deixo ninguém da turma
fazer. Escrever na lousa. Disse: “Posso fazer um negócio pra você na
lousa?” Resolvi deixar. Ele foi e registrou o nome da seguinte forma
Luan (um desenho de coração), Cirilo (um desenho de coração). Disse
que ele ainda precisava por seu último nome. E na maior boa vontade
ele perguntou como era, procurando na atividade anterior como ele
deveria escrever “Silva.”
Considerações finais: 1) Para o advento de um trabalho efetivo de
alfabetização, faz-se necessário uma mudança de foco, qual seja, a de
deslocar a atenção das particularidades dos sujeitos envolvidos (aluno
e professoras) para a natureza do objeto de ensino-aprendizagem, a
Língua Portuguesa enquanto sistema linguístico; 2) a disposição do
aluno para compreender as regras do sistema linguístico traz como
consequência o desenvolvimento de uma capacidade maior de
autorregulação de sua parte quanto às atitudes que podem favorecer
ou atrapalhar o processo de ensino-aprendizagem.
Referências bibliográficas
FREUD, S. Inibições, sintomas e ansiedade. In: ______. Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
OSAKABE, H. Argumentação e discurso político. São Paulo:
Kairós, 1979.
23
DA ESCRITA ENCARCERADA À ALQUIMIA DA ESCRITA
Ernesto S. BERTOLDO [email protected]
Questão de pesquisa: Qual o papel da escrita, em aulas de Língua
Portuguesa, em uma escola de um Centro Sócio-educativo para
menores infratores?
Objetivos: (1) descrever o modo que caracteriza o trabalho com a
escrita, vivenciado pelos alunos, na escola do Centro Sócio-educativo,
a partir do material de trabalho específico usado em aulas de Língua
Portuguesa; (2) analisar os textos produzidos pelos alunos, a partir do
que foi observado no objetivo 1, procurando problematizar em que
medida os alunos sofrem os efeitos dessa dinâmica de trabalho com a
escrita nas aulas de Língua Portuguesa e, em que medida, essa ordem
proposta na escola poderia ser subvertida.
Hipótese: Apesar de os alunos experimentarem uma relação com a
escrita que prima pela realização de tarefas escolares, é possível
encontrar textos produzidos por eles que indicam algum tipo de
subversão à ordem imposta que rompe com uma relação meramente
escolar com a escrita, marcando-a subjetivamente.
Material de análise: Texto produzido por um aluno do ensino
fundamental da escola do Centro Sócio-educativo, cenário da
pesquisa, a partir da seguinte instrução:
Escreva uma história de terror. A quem você pretende assustar? Sua
história pode começar assim: “Uma manhã, ao despertar de sonhos e
inquietudes, Gregor Samsa acordou transformado num gigantesco
inseto...” ou “Eu estava andando pela floresta escura quando de
repente ouvi passos atrás de mim ... “ou comece a história de qualquer
outra maneira. Você escolhe.
Texto analisado
Estava passando pela rua de baixo da minha casa qua derrepente a
ROTAN passo logo em seguida foi a GEPAR nem dei muita idéia mais
fiquei com aquilo na cabesa o por que passo os dois me olhando até
pensei que ia me para mais eu fui pra casa e relevei tudo aquilo. Logo
mais a noite alguém bate no portão eu abro quando eu olho era umas
20 ou até mais viatura da policia quando eu mesmo vi aconteceu eu
tava no cseu nessa merda que eles chama de um lugar que você vai
melhorar que vai te educa mais pra mim ta mais para o inferno !!!
Considerações finais: Os resultados da análise indicam que nos
momentos em que os adolescentes romperam com o que deles era
esperado, a tarefa escolar, eles se inscreveram, passaram a falar de um
outro lugar, dizendo algo de si em seus textos. A escrita, assim, pode
abrir espaço na escola para que algo da singularidade do aluno seja
exercido, passando da escrita encarcerada à alquimia da escrita. Os
resultados dessa pesquisa servirão de subsidio para que os professores
de Língua Portuguesa possam repensar o papel da escrita em suas
aulas.
24
Referências bibliográficas
AUTHIER-REVUZ, J. Palavras Incertas – As não-coincidências
do dizer. Campinas: Editora da Unicamp, 1998.
BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral I. Campinas:
Pontes, 1995.
_____. Problemas de Linguística Geral II. Campinas: Pontes, 1989.
LACAN, J. O Seminário – Livro 11 - Os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1998.
RIOLFI, C. Ensinar a escrever: considerações sobre a especificidade
do trabalho da escrita. Leitura: Teoria e Prática - Associação de
Leitura do Brasil. V. 21, n. 340, Campinas, 2003.
_____. e MAGALHÃES, M. Modalizações nas posições subjetivas
durante o ato de escrever. Estilos da Clínica, v. XIII, n. 24, p. 98-121,
USP, São Paulo, 2008.
25
DAS MALANDRAGENS AOS MALABARISMOS NAS RELAÇÕES COM O SABER 23/10, às 16h30
Por isso eu estava trapaceando. Infiltrara-me no Cavus por uma entrada nos
fundos, fazendo papel de mensageiro. Depois tinha aberto duas fechaduras
e passado mais de duas horas assistindo a entrevistas de outros estudantes.
Ouvira centenas de perguntas e milhares de respostas. (ROTHFUSS, 2009,
p. 224)
Mauro Dujmović – Universidade de Pula – Pula, Croácia
Tamires de Almeida Santana – Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Rafael Barreto do Prado – Universidade de São Paulo (USP) José Antônio Vieira – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Milan Puh – Universidade de São Paulo (USP)
26
O MALANDRO NA PRAÇA: UMA TENTATIVA DE
LEITURA SINTOMAL
Rafael Barreto do PRADO [email protected]
Questão de pesquisa: Em que medida podemos descrever
mecanismos de transmissão de ideias/conceitos e entender tal
transmissão como produção ou reprodução, como malabarismos
textuais ou malandragem?
Objetivo: Depreender a imagem de malandro trabalhada nos textos
analisados, à medida que tentamos efetivar um protocolo de leitura.
Hipótese de trabalho: Efetivar protocolos de leitura (Derrida e
Althusser) possibilita um olhar regressivo, no sentido de recuperar a
fonte de um texto; e um olhar progressivo, no sentido de se ler um
texto por meio de sua própria retícula, buscando as ausências e as
presenças, como em um balanço, além do visível e do invisível no que
o texto viu.
Material de análise
MR (p.45): A caracterização da sociedade brasileira através da
malandragem assenta igualmente na “dialética da ordem e da
desordem”, mais precisamente na generalização que a faz passar da
condição de modo de ser de uma classe social para a de modo de ser
nacional, consumando o que é “a operação de base da ideologia”
(4). Esta generalização liga-se à caracterização do romance, que é seu
ponto de partida e apoio. (...).
PS (p.147): A transformação de um modo de ser de classe em modo
de ser nacional é a operação de base da ideologia. Com a
particularidade, no caso, de que não se trata de generalizar a ideologia
da classe dominante, como é hábito, mas a de uma classe oprimida.
Com efeito, o A. identifica a dialética de ordem e desordem como
um modo de ser popular. Mais adiante ele a generaliza para o país,
sublinha os inconvenientes de racismo e fanatismo religioso que
ela nos poupou (...).
DM (p.31): Nas Memórias, o segundo estrato é constituído pela
dialética da ordem e da desordem, que manifesta concretamente as
relações humanas no plano do livro, do qual forma o sistema de
referência. (...) é devido à formalização estética de circunstâncias de
caráter social profundamente significativas, como modos de
existências que por isso contribuem para atingir essencialmente
os leitores. Esta afirmativa só pode ser esclarecida pela descrição do
sistema de relações dos personagens, que mostra: (1) a construção, na
sociedade descrita pelo livro, de uma ordem comunicando-se com
uma desordem que a cerca de todos os lados; (2) a sua
correspondência profunda, muito mais que documentária, a certos
aspectos assumidos pela relação entre a ordem e a desordem na
sociedade brasileira da primeira metade do século XIX.
27
Considerações finais: A malandragem aparece como traço essencial
que caracteriza, a partir de uma classe social, toda a nação; seria ainda
uma forma compensatória em uma sociedade de capitalismo atrasado,
que nos pouparia de puritanismo do capitalismo desenvolvido. Tal
ideia proposta no texto de Candido confirma-se no de Schwarz,
relativizando a amplitude dessa oposição e localizando-a maiormente
em âmbito cultural. Já Goto, aderindo às ideias do primeiro,
acrescenta a caracterização do segundo, procurando ampliar a análise,
com maior foco em seu tempo, a fim de apresentar um malandro
menos entusiasmante.
Referências bibliográficas
ALTHUSSER, L. De O Capital à Filosofia de Marx. In: _______;
RANCIÈRE, J.; MACHEREY, P. Ler o Capital. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1979.
CANDIDO, A. Dialética da malandragem. In: ______. O discurso e
a cidade. São Paulo, Rio de Janeiro: Duas Cidades, Ouro sobre Azul,
2004.
GOTO, R. Malandragem Revisitada. Campinas: Pontes, 1988.
SCHWARZ, R. Pressupostos, salvo engano, de ‘Dialética da
Malandragem’. In: Esboço de figura: homenagem a Antonio
Candido. Vários autores. São Paulo: Duas Cidades, 1979.
28
DOS MALABARISMOS ÀS MALANDRAGENS: UMA
ANÁLISE DA ESCRITA DE MONOGRAFIAS
José Antônio VIEIRA [email protected]
Questão de pesquisa: Como a malandragem se materializa na escrita
acadêmica?
Objetivo: Analisar os mecanismos textuais que apontam para modos
de escrita constituídos por “malandragens”.
Hipótese de trabalho: Não há correlação entre a validação de uma
produção acadêmica por uma comunidade científica e uma escrita de
si.
Material de análise: Resumo quantitativo do uso de citações de
autores em dois textos monográficos
Observações Monografia
01
Monografia
02
Nº de páginas totais 37 47
Nº de páginas do capítulo dedicado
à resenha teórica
08 11
Nº de páginas do capítulo dedicado
à análise de dados
15 18
Nº de citações totais 50 122
Nº de citações de um mesmo autor
(mais utilizado)
30 33 - 33
Média de citações por página 03 02
Nº de citações na
apresentação/introdução
04 13
Nº de citações do capítulo dedicado
à resenha teórica
28 50
Nº de citações do capítulo dedicado
à análise de dados
22 49
Nº de citações nas considerações
finais
0 11
Excerto 1 – ALUNO 01
(Retirado das considerações teóricas da monografia 01)
01 É no momento em que o derrotado para o senado está se significando
que se pode perceber
02 o funcionamento do silêncio fundante. O vencido na disputa do senado
se significa no silêncio
03 pelas falhas da língua.
04 Se ao contrário disso funcionasse como ausência de palavras, seria
considerar a língua como
05 completa, sem falhas. O silêncio está na própria palavra em que os
sentidos se significam mais do
06 que aquilo que foi dito.
07 Já a política do silêncio se constitui em: o silêncio constitutivo e o
silêncio local. O silêncio
08 constitutivo está em relação ao que é preciso não dizer para poder
dizer (Orlandi, 1997: 76). O
09 silêncio local está relacionado à censura: É o da interdição do dizer
(Orlandi, 1997: 75). De
10 acordo com Orlandi, compreendemos a política do silêncio a partir
do eixo horizontal, ou seja,
11 na formulação dos sentidos.
29
12 Na política do silêncio é permitido dizer determinada coisa em vez
daquilo que não é permitido
13 se significar. Ou então, se diz tal coisa no lugar daquilo que é proibido
dizer. É colocada em
14 questão a liberdade do sujeito em dizer certas coisas dentro de uma
regra imposto pela política.
15 É com base nisso que Orlandi trabalha o silenciamento:
16 A diferença entre o silêncio fundador e a política do silêncio é que a
política do silêncio
17 produz um recorte entre o que se diz e o que não se diz, enquanto o
silêncio fundador não
18 estabelece nenhuma divisão: ele significa em (por) si mesmo.
(ORLANDI, 1997: 75).
Considerações finais: Percebemos um modo de escrita que aponta
para procedimentos como a repetição de discursos de outros autores
sem conceituação e articulação entre os conceitos apresentados. Estes
procedimentos configuram-se como formas de materialização de
malandragens na escrita acadêmica, inserindo aquele que escreve em
uma comunidade científica ou grupos de estudos e pesquisa.
Como Kvothe, na passagem do texto literário que serve de epígrafe a
esta mesa, aquele que esteve próximo de pares ou membros de grupos
de estudos, participando de projetos de iniciação científica, pode ouvir
(atrás da porta) uma maior quantidade de discursos teóricos (o que
pode ser evidenciado pela maior quantidade de citações) e ter seu
trabalho validado de forma bastante positiva pela comunidade na qual
se inseriu.
Referências bibliográficas
AUTHIER-REVUZ, J. Entre a transparência e a opacidade: um
estudo enunciativo do sentido. Tradução de Leci Borges Barbisan e
Valdir do Nascimento Flores Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
DERRIDA, J. A Escritura e a Diferença. São Paulo: Editora
Perspectiva, 4. ed. Tradução de Maria Beatriz Marques Nizza da
Silva, Pedro Lopes e Pérola de Carvalho. São Paulo-SP: Perspectiva,
2011.
30
PROCURANDO MALANDROS, SENTENCIANDO
CULPADOS – ANÁLISE DE DOCUMENTOS OFICIAIS
SOBRE PLÁGIO
Milan PUH [email protected]
Questão de pesquisa: Quais são os procedimentos linguísticos
utilizados em documentos oficiais para sustentar a ideia de plágio
acadêmico como um processo que pressupõe malandragem por parte
dos membros da comunidade universitária?
Objetivos: Compreender e decompor os significados elaborados, a
partir do conhecimento (não)científico sobre o tema para possibilitar
melhor discernimento do conceito de plágio, dos atores e processos
envolvidos.
Hipótese de trabalho: O discurso oficial sobre plágio preocupa-se
mais com a “culpabilização” e a “readequação” dos alunos, sujeitos
transgressores, do que com o funcionamento do sistema que favorece
esse tipo de comportamento.
Material de análise: Pensando na epígrafe desta mesa, pretendemos
analisar o discurso oficial sobre o plágio, baseado essencialmente no
campo da legalidade, visando a mostrar como procura construir
discursivamente, através de modalização, a imagem do aluno
plagiador como malandro, que precisa ser identificado, julgado e
reeducado para não cometer os mesmos erros.
Considerações finais: Afirmamos que os discursos oficiais sobre o
plágio acadêmico focam principalmente na questão da (i)legalidade
do ato realizado pelos universitários transgressores considerados
malandros, uma vez que agem contra as regras do sistema, procurando
“burlar” as leis pré-estabelecidas. Assim, os discursos oficiais
oferecem respostas que pressupõem um trabalho investigativo para
que os transgressores sejam adequadamente punidos e reeducados de
acordo com as normas e regras oficiais. Essa visão do plágio modifica
a relação dos alunos e da instituição com o saber, ao culpabilizar um
membro do sistema e o resultado, sem se preocupar em analisar o
sistema e os processos que levaram à não-produção do conhecimento.
Referências bibliográficas
BARROS, D. L. P. de. Sintaxe narrativa. In: OLIVEIRA, A. C,
LANDOWSKI, E. Do inteligível ao sensível. Em torno da obra de
Algirdas Julien Greimas. São Paulo: Educ, 1995. p. 81-97.
BARZOTTO, V. Apresentação oral. XVIII Workshop Produção
Escrita e Psicanálise. São Paulo: Faculdade de Educação, 2012.
CANDIDO, A. Dialética da malandragem (Caracterização das
Memórias de um sargento de milícias). Revista do Instituto de
Estudos Brasileiros, n. 8. USP, p. 67-89, 1970.
FONTANILLE, J., ZILBERBERG, C. Tension et signification.
Bruxelas: Mardaga, 1998.
POTTIER, B. Théorie et analyse en linguistique. Paris: Hachette,
1992.
VAN DIJK, T. Specialized Discourse and Knowledge: A case study
of the discourse of modern genetics. Campinas: Cad.Est.Ling (44),
Jan./Jun., 2003, p. 21-55.
31
DA ESCRITA PARALISADA ÀS PESSOAS EM MOVIMENTO 23/10, às 08h00
Essa é uma excelente pergunta! A resposta é que cada um de nós tem duas
mentes: a mente desperta e a mente adormecida. Nossa mente desperta é a
que pensa, fala e raciocina. Mas a mente adormecida é a mais poderosa.
Enxerga fundo no cerne das coisas. É a parte de nós que sonha. Ela se
lembra de tudo. Dá-nos intuição. A mente desperta não entende a natureza
dos homens. A mente adormecida, sim. Já sabe muitas coisas que a mente
desperta não sabe. (ROTHFUSS, 2009, p. 602)
Ancelmo Schörner – Universidade do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO)
Almi Costa dos Santos Junior – Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Renata de Oliveira Costa – Universidade de São Paulo (USP)
Suelen Gregatti da Igreja – Universidade de São Paulo (USP)
Jobi Espasiani – Universidade de São Paulo (USP)
32
ESCRITORES CRIATIVOS: A MENTE ADORMECIDA E A
DEZESCRITA
Renata COSTA [email protected]
– E então, como foi que ele fez? – perguntou. Como ele
soube calcular num segundo o que sete membros
brilhantes do Arcanum não conseguiram descobrir em
um quarto de hora? Será que ele sabe mais geometria
do que Feila? Seus números são mais rápidos que os do
Uresh? Porventura devemos trazê-lo de volta e
transformá-lo num Re’lar? (ROTHFUSS, 2009, p. 124)
Questão de pesquisa: É possível encontrar, em textos de crianças,
características de uma escrita criativa?
Objetivo: Evidenciar em que medida as produções textuais infantis
revelam um uso criativo da escrita.
Hipótese de trabalho: A criança está aprendendo o tempo todo,
assim, os modelos nos quais se pauta estão em toda a parte e não
apenas na escola. Sobretudo, nos anos iniciais da escolarização,
percebe-se que o pequeno aprendiz não tem medo de experimentar.
Por isso, acreditamos que, ao escrever, a criança se comporta como o
Escritor Criativo, descrito por Freud (1907/ 1979).
Material de análise: Manuscritos, produzidos em contexto escolar,
em resposta a atividades nas quais estava pressuposto persuadir o
interlocutor.
Excerto 1
1. SÃO PAULO 12 DE
NOVENBRO DE 2009
2. OI QUELI
3. O VITOR PODE IR NA
MINHA
4. FESTA VITOR VANMO IR LA
NA FESTA
5. CALMA QUE EU VO FALAR
PRA MINHA MÃE
6. MÃE VO NA FESTA TA TA
VITOR VANMO
7. IR COMER BOLO E DOLY
8. THAU GUILHERME
9. DA
10 SILVA
Manuscrito produzido em 12 de novembro de 2009, pelo informante Guilherme.
Excerto 2
1. São Paulo 12 de novembro
2. de 2009
3. querida Viviane e querido Almir
4. tudo Bem com vecês eu
5. quero muito que a Vivian
6. se ela fose Para o meu Aniver
7. sario vai tem Brinquedos,
8. Pisinas, brincadeiras, docês,
9. parques, Pemios, daças, Piadas,
10 eu levo e trago vocês deixa
11 ela ir eu vou comvitar todas
12 as meninas ela e a minha
13 melhor Amiga
14 tchau
15 Bejos Maria Eduarda
Manuscrito produzido em 12 de novembro de 2009, pelo informante Guilherme
33
Excerto 3
1. São Paulo, 13 de setebro
2. prezado Sr. Eugenio
3. A quadra está precisado de
uma
4. reforma a trave da quadra da
5. caino o muro podiate cair
6. podi até cair na gente tem
muito
7. mato a grati da caino te
8. bicho morto faz esse favor
para
9. gente e gostaremos que você
arru
10. a quadra. [está] muito feia não
é so
11. Bom para nosprare não se falar
12. que [você] não sabe ser
diretor.
13. De Ludmila
14. abraços
Manuscrito produzido em 13 de setembro de 2011, pela informante Ludmila.
Referências bibliográficas
FREUD, S. A interpretação dos sonhos – v. II. In: ______. Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1979.
Excerto 4
1 Vamos Se prevenir contra a
Dengue
2. A Dengue causa varios
problemas que pode matar
3. Os Sintomas São dor de
cabeça e manchas
4. No corpo e muinta febre alta
Isso gente não
5. É brincadeira é um assunto
serio
6. Então pessoal vamos lutar
contra a dengue
7. Deixe os potes de plantas
senpre com areia linpa a caixa
dagua
8. Vire as garrafas de água e não
deixe acumular água no Panel
9. Os problemas são serios Então
vai ficar parado Dengue
10. Se você agir podemos evitar.
Manuscrito produzido em 4 abril de 2001, pela informante Bianca A.
______. A interpretação dos sonhos (Segunda parte) e Sobre os
sonhos – v. V. In: ______. Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
1979.
______. Escritores criativos e devaneios. In: ______. Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1979.
34
DE UMA ESCRITA ANGUSTIANTE À ANGÚSTIA POR
ESCREVER
Suelen IGREJA [email protected]
Questão de pesquisa: Quais os efeitos das intervenções da
orientadora na produção escrita de uma mestranda, que estão
correlacionadas à instauração do trabalho de escrita (RIOLFI, 2003)?
Objetivo geral: Analisar de que modo a instauração do trabalho de
escrita pode permitir àquele que escreve lidar com a angústia
(LACAN, 1962-1963) na escrita.
Objetivos específicos: a) Investigar como, no processo de orientação,
os tipos de intervenção do orientador, tomado aqui enquanto uma
alteridade, podem auxiliar o aluno a realizar um trabalho de escrita
(RIOLFI, 2003); e b) Correlacionar as possíveis relações entre as
marcas que a aluna faz, por meio de comentários ou grifos, no próprio
texto, e aquelas realizadas pela orientadora, em especial aquelas nas
quais atua como agente do real (RIOLFI; ANDRADE, 2009).
Hipótese de trabalho: Aquele que se dispõe a escrever depara-se, em
diferentes momentos, com seu não saber, seja no traçado das primeiras
palavras de um texto, seja em sua reescrita. Tendo isso em vista, nossa
hipótese é de que, ao longo da formação de um pesquisador, ao ser
confrontado com os efeitos de sentido do que escreveu, abra-se a
possibilidade de uma mudança de posição, de modo a mobilizar uma
angústia por escrever que leve em consideração um possível leitor.
Material de análise: Versões de texto produzidas por Louise ao
longo do processo de escrita de sua dissertação de mestrado em
educação. Trata-se de um total de 265 manuscritos, dos quais cerca de
30% receberam intervenções de sua orientadora, Jacqueline.
Excerto 3
Intervenções de Jacqueline em
versões de texto de Louise
Intervenções de Louise nas versões
do próprio texto
01
02
03
04
05
06
NÃO ESQUECE DE FAZER O
PARAGRAFÃO DE
TRANSIÇÃO, AQUELE QUE
RETOMA O CAPÍTULO
PRECEDENTE E RESUME O
QUE VAI TER NESSE.
Assim, no capítulo
um...DESCREVER CADA
CAPÍTULO
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15
Começarei pelas operações
realizadas nos textos de Bridget
Jones. Esclareço ainda que, em
termos quantitativos não
explicou, as operações
realizadas pelo orientador eram,
predominantemente, para cortar
os excessos (...)
Lido o texto, a mestranda enviou para
seu orientador uma versão do capítulo
já constando uma resenha do texto. No
que se segue, faço um recorte da
resenha. (EXPLICAR MELHOR O
EXEMPLO E SUAS
CONSEQUENCIAS, VER
ANOTACOES DA DANI E MINHAS
NO CADERNO)
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23
Trabalhar com a noção de que o
sujeito Este apanhado geral a
respeito do conceito de pulsão, .
CONCLUI A SESSÃO,
MOSTRANDO PQ A NOÇÃO
DE PULSÃO NOS AFASTA
DA CONSIDERAÇÃO DE UM
CORPO BIOLÓGICO.
No narcisismo, o sujeito não sabe
administrar aquilo que ele é e investir
no outro. Se ele entende, está
resolvido o problema.
COLOCAR UM EXCERTO
BIZARRO
35
Excerto 1: Introdução com intervenção de Jacqueline Excerto 2: Introdução reescrita por Louise
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Visando a dar uma idéia introdutória geral do funcionamento pulsional, construí o
Quadro XYZ, que se segue.
PULSÃO
ORIFÍCIO REALIZAÇÃO
DIRETA
REALIZAÇÃO
EM RETORNO
AO INDIVÍDUO
EXCLUI
COLUNA,
TÔ SEM
PACIÊNCIA
escópica olhos Olhar x Ser olhado por x
invocante Ouvido Escutar x Ser escutado por
x
Oral boca Sugar x Ser sugado por x
Anal anus Defecar x Ser defecado por
x
De morte pele Destruir x Ser destruído por
x
Quadro HDSACO: INVENTA NOME SACO
A PARTIR DAQUI, FICOU ÁGUA TURBULENTA, NÃO CONSIGO
REESCREVER POR QUE NÃO ENTENDI MUITO BEM O NEXO. TENTA
REESCREVER.
Veremos, no que segue, como o funcionamento pulsional se relaciona diretamente com
a produção escrita de um sujeito.
Como exemplo, seria a atitude um sujeito que, ao imprimir um texto a ser entregue para
seu orientador, não enxerga os possíveis erros de digitação ou a formatação estranha,
tendo variação de letra, recuo de parágrafos etc. Este “não enxergar” ocorre porque o
sujeito, ao invés de olhar, prefere ser olhado.
Na primeira coluna, estão nomeadas as cinco pulsões e, na segunda, os respectivos orifícios
onde elas se inscrevem no corpo. A terceira coluna, por sua vez, apresenta o destino direto de
cada uma das pulsões. Já a quarta, o modo de realização quando o destino da pulsão retorna ao
próprio indivíduo.
Como meu interesse é verificar como o funcionamento pulsional se relaciona diretamente com
os modos por meio dos quais alguém escreve, tentarei exemplificar os destinos da pulsão com
situações que envolvem a escrita de um texto.
1) A reversão ao seu oposto – trata-se de um modo de defesa que afeta a finalidade da pulsão.
Tanto pode significar uma mudança da atividade para a passividade, como também uma
reversão de seu conteúdo. Por exemplo, o orientador solicita ao seu aluno que revise o texto
antes de enviar para ele ler. O aluno, ao invés de trabalhar e olhar atentamente para o texto,
deixa de fazer a atividade, delegando ao outro o trabalho necessário.
2) Retorno em direção ao seu próprio (self) do indivíduo: – trata-se de um modo de defesa cuja
essência processo é a mudança do objeto, sem alterar a finalidade da pulsão. Por exemplo,
quando aquele que escreve ao invés de lançar o olhar sobre os demais trabalhos produzidos em
sua área, altera o objeto a ser olhado e passa a somente olhar para si mesmo.
3) Repressão – processo que procura encontrar resistências para tornar inoperante a energia da
pulsão. Atinge tanto a finalidade quanto o objeto da pulsão. A repressão impede o sujeito de
satisfazer as pulsões, de modo que algo que causaria prazer é transformado em desprazer. Por
exemplo, quando alguém transforma em um desprazer tão grande a escrita de um texto que o
abandona sem terminá-lo, perde o cd com a versão mais elaborada do texto, etc.
4) Sublimação – a sublimação, por fim, é um outro possível destino para a pulsão. Ocorre
quando um sujeito consegue satisfazer a pulsão, tem o mesmo prazer obtido pelos modos
diretos, mas de maneira dessexualizada. Na direção contrária a do recalcamento, um dos modos
possíveis de sublimar a pulsão é por meio da transformação da energia sexual da pulsão em
obra. Neste sentido, escrever uma dissertação de mestrado pode consistir em um modo de gozo
indireto e, conseqüentemente, tratar-se de uma forma de um sujeito lidar com as vicissitudes
pulsionais.
Referências bibliográficas
LACAN, J. O Seminário. Livro 10. A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
RIOLFI, C. R. Ensinar a escrever: considerações sobre a especificidade do trabalho da escrita. Leitura. Teoria & Prática. Revista da Associação de Leitura do
Brasil. Campinas, v. 40, jan/jul, p. 47-51, 2003.
36
ENTRE O COMENTÁRIO E O SILÊNCIO
INSTITUCIONALIZADO
Jobi Espasiani [email protected]
Questão de pesquisa: Como a escrita de leis e projetos elaborados
pelo poder público pode determinar o lugar que tais ou quais grupos
sociais ocupam na cultura?
Objetivo: Depreender, pela leitura de documentos oficiais, como essa
escrita é moldada pela percepção que seus signatários têm do público
ao qual o documento é endereçado.
Hipótese de trabalho: As elaborações culturais não manifestadas nos
códigos aceitos pelos grupos hegemônicos ou são expropriadas, ou
são desconsideradas.
Material de análise
Excerto 1: Programa Mais Cultura nas Escolas
01 Mais Cultura nas Escolas é o resultado da parceria MinC e MEC para
promover o encontro de iniciativas culturais e escolas públicas de todo
o Brasil, democratizar o acesso à cultura e ampliar o repertório cultural
de estudantes, professores e comunidades escolares do ensino básico.
02 Artistas, mestres das culturas populares, cinemas, pontos de cultura,
museus, bibliotecas, arte educadores e outras iniciativas culturais agora
podem elaborar Planos de Atividade Cultural em diálogo com projetos
pedagógicos e com os eixos temáticos do Mais Cultura nas Escolas.
03 As atividades serão desenvolvidas dentro ou fora da escola por no
mínimo 6 (seis) meses, valendo-se das mais diversas linguagens
artísticas (música, teatro, audiovisual, literatura, circo, dança, contação
de histórias, artes visuais, etc.) e manifestações da cultura (rádio,
internet, jornal, culinária, mitologia, vestuário, mestre e saberes
populares, etc.).
Excerto 2: LDEB
1. Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais.
2. Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
3. Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do
ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em
cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da
sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (Redação dada pela
Lei nº 12.796, de 2013)
4. § 2o O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais,
constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da
educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos
alunos. (Redação dada pela Lei nº 12.287, de 2010)
5. Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino
médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de
2008).(A) -1
6. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da
população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o
estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos
indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o
índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas
37
contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história
do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).
7. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos
povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de
literatura e história brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de
2008).
8. Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da
formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais
das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo. (Redação dada pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)
9. I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado
da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação
da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de
comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania; (A) -1
LDB - EDUCAÇÃO SUPERIOR
10. I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico
e do pensamento reflexivo;
11. III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando
o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da
cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio
em que vive;
12. IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e
técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber
através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
13. V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e
profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os
conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual
sistematizadora do conhecimento de cada geração.
14. VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando
à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da
pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.
Considerações finais: Os documentos estudados levam-nos a crer
que a escrita de Leis ou de Programas Oficiais, que são tidos como
progressistas, poderia, ao invés de simplesmente reproduzir
percepções já cristalizadas a respeito dos distintos grupos que
compõem a sociedade, marcar sua presença por uma escrita que
revelasse um real avanço nos modos de compreender a cultura e, em
especial, em relação aos modos como determinadas parcelas da
população a engendram.
Temos uma escrita paralisada que nos impele a pensar que tenha sido
fruto não de discussão coletiva, marcada por possíveis dissensos
ideológicos - pelos quais tenha havido debate, conflito, conquista.
Temos, nesse sentido, uma escrita marcada pelo uso vago de palavras-
chaves que sugere apenas a continuidade da ordem em troca de
alguma concessão.
Referências bibliográficas
DERRIDA, J. A Escritura e a Diferença. São Paulo: Editora
Perspectiva, 4. Ed. Tradução de Maria Beatriz Marques Nizza da
Silva, Pedro Lopes e Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva,
2011.
GREIMAS, A. J. Semântica Estrutural. Tradução de Haquira
Osakabe e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, Ed. Da Universidade
de São Paulo, 1973.
GINZBURG, C. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as ideias de um
moleiro perseguido pela Inquisição. Trad. Maria Betânia Amoroso.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
38
DA FORMATAÇÃO EM SÉRIE À FORMAÇÃO ARTESANAL 24/10, às 10h00
Os nomes são a forma do mundo, e o homem capaz de falá-los está a
caminho do poder. Nos primórdios, o Arcanum era uma pequena coleção
de homens que compreendiam coisas. Homens que sabiam nomes
poderosos. Lecionavam para uns poucos estudantes, devagar, incentivando-
os cuidadosamente em direção ao poder e à sabedoria. E à magia. A magia
verdadeira – ressaltou. Olhou em volta para os prédios e os estudantes que
circulavam. – Naqueles tempos o Arcanum era um destilado forte. Agora é
um vinho aguado. (ROTHFUSS, 2009, p. 601)
Emma Adriana De la Rosa Alzate – Universidade Nacional do Ocidente – Cali, Colômbia
Joseane Bonaldo – Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)
Emari Andrade – Universidade de São Paulo (USP)
Kelly Gomes de Oliveira – Faculdade Campo Limpo Paulista (FACCAMP)
Valceli Ferreira de Carvalho – E. E. Prof. Alcyr Oliveira Porciúncula e Colégio Albert Sabin
39
EFEITOS DA FORMAÇÃO ARTESANAL NO TEXTO
ACADÊMICO
Emari ANDRADE [email protected]
Questão de pesquisa: Tomando-se: a) o arcanum como a universidade;
b) o vinho aguado como a “formatação” de um modo de escrever; e c)
a formação artesanal como aquela em que, deliberadamente, alguém
mais experiente investe em ações para alterar a qualidade da relação do
aluno com o saber; perguntamos: Quais princípios regem uma formação
artesanal, em nível de pós-graduação, e quais seus efeitos na relação
que o aluno estabelece com o saber e com a escrita?
Objetivos: a) estabelecer princípios que regem a ação de quem faz uma
formação artesanal, a partir das intervenções feitas por um orientador
nos textos de seus alunos; e b) discutir os efeitos desse tipo de formação
nos textos dos alunos e na produção do conhecimento da comunidade
científica.
Hipótese de trabalho: Um dos princípios da formação artesanal é o
orientador, ao ler as versões produzidas por suas alunas, dezescrever
esses textos, dispondo-se a desconstruir e a multiplicar o que foi lido ou
interpretado no trabalho, para tornar possível a construção de uma outra
elaboração.
Material de análise: Duas versões do capítulo de considerações finais
de uma dissertação de mestrado.
Considerações finais: A universidade, ao propiciar a formação do que
Bachelard (1996) nomeou como “espírito científico”, pode ser um
“destilado forte” e um lócus privilegiado de transmissão de saber para
as novas gerações. Sem ajuda de alguém que auxilie o aluno nessa
relação com o saber, vemos propagarem-se produções que se
aproximam do “vinho aguado”, aquelas em que há muitas palavras, mas
pouco exercício de descrição e análise de dados e nomeação de um
objeto de pesquisa.
A partir da análise de dois manuscritos retirados do corpus da
informante Bridget, podemos traçar os seguintes princípios da formação
artesanal que regeram a ação do orientador: 1) age deliberadamente no
um a um; 2) investe em uma leitura que dezescreve a produção do aluno;
3) exige quebra narcísica por parte do aluno; 4) não se melindra frente
às possíveis reações do aluno; 5) não aceita qualquer produto como
escrita; 6) causa surpresa; e 7) incentiva as elaborações do aluno.
40
Versões Cotejadas
MANUSCRITO 421* – BRIDGET JONES
Formulação da aluna e intervenção do orientador
1 Por meio da análise, na qual mobilizei as contribuições da [...], pude
perceber a existência de características que tipo de característica? Complete
a frase, ficou vago. O fim da frase não deu não, cortei. (parágrafo 2)
2 Assim sendo, uma das primeiras conclusões que pude construir por meio do
presente trabalho apontou para a necessidade de estabelecer uma
diferenciação mais precisa dentre os textos queXYZ. Por este motivo, já no
capítulo não sei o que, explicitei estar trabalhando com a seguinte
diferenciação: a) [...] ou seja, HBC; e b) [...], ou seja, HWX.
3 Por sua vez, como se viu no capítulo não sei o que, na categoria [...].
4 [depois de definir as duas categorias de análise do corpus] ACHO QUE
VOCÊ DEVE RETOMAR ONDE É QUE TEM UM EXEMPLO DE
CADA UM, FAZENDO UMA PEQUENA PARÁFRASE.
5 Comenta um pouco o quadro acima
6 REESCREVE EM PORTUGUÊS ESTE PARÁGRAFO.
7 Nessa etapa do estudo PUTA QUEO PARIU: O QUE VC ESTÁ
CHAMANDO DE “ETAPA DE ESTUDO”???
FALA DE QUAL CAPÍTULO??? POR QUE OS QUESTIONAMENTOS
SEAPRESENTARAM. ENFIM... LEMBRA QUE VC ESCREVE PARA
ALGUÉM ALÉM DO SEU UMBIGO LER..., novos. E QUAIS FORAM
OS VELHOS? EU LI E NÃO VI NEM MENÇÃO A ESTE RESPEITO...
8 TÁ CERTO, MAS TÁ CONFUSO. REESCREVE
9 Em relação à substituição progressiva. Você não estava falando deste
assunto. Recupera em que capítulo estava.de textos do tipo [...] passei a
dedicar-me na elaboração de alguma hipótese que desse conta desse fato A
SANTA PODERIA CONTAR QUE FATO? e de suas possíveis relações
com o modelo de professora ideal.
10 Tais questionamentos eu desisto! Posso saber o q vc chama de
“questionamentos?” caracterizaram-se como desdobramentos das perguntas
que nortearam o presente estudo, as quais recupero a seguir???:
* Versão composta por 8 páginas, 32 parágrafos, com espaçamento entre as linhas de
1/5. Texto formatado de acordo com as normas da instituição, inclusive com epígrafe,
notas de rodapé e exemplos do corpus de pesquisa da informante.
Efeitos das intervenções MANUSCRITO 440*– VERSÃO FINAL
01 Para realizar a empresa a que me propus, dediquei-me à análise de
02 um corpus composto por quarenta e oito exemplares da [...]
03 no período de 2001 a 2004. Uma leitura atenciosa desses
04 textos revelou características, no interior de suas composições, que
05 me levaram a criar uma outra categoria, a de [...],
06 na qual foi possível identificar a existência de duas subcategorias:
07 uma, composta por [...] nos quais um professor/leitor da revista
08 [...] narrava uma experiência de ensino e outra composta por
09 relatos contidos em uma dada matéria, na qual desempenhavam a
10 função de argumentos para a sustentação da tese nela defendida.
*Parágrafo18º das “considerações finais”. A versão é composta por 8 páginas, 32
parágrafos, com espaçamento entre as linhas de 1/5. Texto formatado de acordo com
as normas da instituição, inclusive com epígrafe, notas de rodapé e exemplos do
corpus de pesquisa da informante.
Referências bibliográficas
BACHELARD, G. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1996.
RIOLFI, Claudia Rosa. O sujeito e o conhecimento: o não-lugar entre o
universal e o singular. In: AGUSTINI, C.; BERTOLDO, E. (Orgs.).
Linguagem e Enunciação: subjetividade-singularidade em perspectivas.
Uberlândia (MG), Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 2011,
p. 85-103.
41
COLOCAR PALAVRAS NO PAPEL OU NOMEAR?
Kelly Gomes de OLIVEIRA [email protected]
Questão de pesquisa: Como se dá a apropriação e a articulação de
conceitos teóricos por parte de um jovem aluno pesquisador?
Objetivos: 1) estabelecer a diferença entre colocar palavras no papel e
nomear; e 2) analisar relatórios de iniciação científica de uma
informante de modo a mostrar como ocorre uma mudança da sua
relação com um conjunto de conhecimentos de uma determinada área.
Hipótese de trabalho: Um dos efeitos da formação artesanal é ensinar
um aluno em formação a nomear, ou seja, usar conceitos teóricos de
forma articulada com a leitura e análise dos dados.
Relações propostas:
Arcanum: o espaço de desenvolvimento desse jovem, a universidade;
Nomes: conceitos teóricos;
Nomeação: apreender os conhecimentos teóricos de se inserir em uma
determinada comunidade científica;
Vinho aguado: a repetição de nomes, sem que se articule com o conceito
em função da análise de dados;
Destilado forte: usar conceitos teóricos de forma articulada com a
leitura e análise dos dados.
Contexto de produção dos recortes:
Jovem pesquisadora, Juliette (bacharelado em Letras)
Nível: iniciação científica (IC)
Período analisado: 2007 a 2009
Material de análise: versões final da primeira IC e parcial da terceira
IC de uma mesma informante.
Considerações finais: Houve uma mudança de foco por parte da jovem
pesquisadora: na IC1, as palavras eram inseridas como tábuas
salvadoras quando não se conseguia nomear os dados; na IC3, ela
passou a olhar para o dado a fim de entender do que se tratava o objeto
e se havia alguma possível relação desses dados com um conceito que
lhe era caro. Ao voltar a ter o olhar de busca, Juliette, a jovem em
formação, fixou-se demoradamente em observar seu objeto de pesquisa,
tentando dar conta de seus contornos, por meio de questões como:
quantas versões existiam? Quais vinham primeiro? Por quê? O que as
diferenciava ou aproximava? Foi estar nessa busca, de entender as
propriedades do objeto com que trabalhava, que provocou a diminuição
do uso reiterado dos termos, conceitos, no trabalho.
Referência bibliográfica
DERRIDA, J. A escrita e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 2011.
42
Excertos 1 e 2: Relatório Final de IC1 (Versão 17 de17 versões deste
relatório, arquivo 40 de 115 arquivos relativos à IC1 (Março/2007,
escrito em 6 meses)
Nº de
Ocorrências
expressão
“senso comum” Pág. Trecho
4 13 Na escrita dentro do ensino superior, quando
se faz algo de novo, é preciso tomar muito
cuidado para que não se fale sozinho. Diz-se
isto, pois não basta criar algo, sendo
necessário tomar o cuidado de organizar as
ideias de tal forma que se demonstre que o
que se está publicando, apesar de fugir às
expectativas do interlocutor, é possível de
ser sustentado. Para que se atinja tal efeito,
faz-se essencial a busca de argumentações
muito concretas, capazes de permitir a
aceitação de quebra do senso comum.
5 13 Quanto aos jornais, verifica-se que, mesmo
que se esteja transmitindo uma notícia nova,
e que poderia ser chocante, o que ocorre é
uma busca de transmitir as informações de
modo a não quebrar as expectativas do
leitor. Para tal, percebe-se que, em alguns
casos, a opinião do jornal (a qual tangeo
senso comum) pode ser claramente
declarada ou, em outros casos, pode ser
velada.
Excertos 3 e 4: Relatório Parcial de IC3 (Versão 23 de 23 versões,
arquivo 90 de 99 relativos à IC3 (Março/2009, escrito em 1 mês)
Nº de
ocorrências
expressão
“marcas” Pág Trecho
5 - 6 8 A partir destas considerações, entende-se que
interessa à autora a identificação de marcas
gráficas, tais como rasuras e anotações que
indiciem o processo de criação literária. Assim,
Grésillon (op.cit.) compara o estudo das versões
de manuscritos de um mesmo sujeito a uma
espécie de pré-história da produção de um texto,
que forma o traço visível de um mecanismo criativo (p.12), traço este entendido como marca
de um processo de revisita ao texto escrito.
7 16-
7
A partir de uma breve análise do Quadro B é
possível perceber que houve uma cópia por parte
da informante no que se refere à descrição a
respeito do “trabalho de escrita” realizada pelo
Autor 5. A informante fez uma breve introdução
ao conceito e, em seguida, o copiou do texto do
Autor 5 sem uso de marcas gráficas que
indicassem uma citação, como seria o caso do uso
de aspas, havendo apenas uma referência quanto
à origem daquelas informações: “(cf. Autor 5,
2003)”. Isso aponta para o fato de haver, neste
momento inicial de escrita, um “colamento” à
palavra do outro.
43
UM VINHO AGUADO: A ESCRITA QUE NÃO NOMEIA
Valceli Ferreira de CARVALHO [email protected]
Questão de pesquisa: Qual é a relação que o jovem concluinte do
Ensino Médio estabelece com o legado cultural e com os conteúdos
trabalhados ao longo de sua formação escolar?
Objetivo: Analisar em que medida a concepção de escrita (forma e
conteúdo) que se trabalha no Ensino Médio e a relação que o aluno
estabelece com essa aprendizagem podem subsidiar o jovem com o
intuito de alcançar uma produção que seja aceita em ingresso na
universidade.
Hipótese:A supervalorização da forma durante os anos escolares
sobrepõe-se ao conteúdo, o que resulta, na maioria dos casos, em uma
produção que atende em parte às formalidades da língua, porém não
dá a ver articulação de conteúdo. O aluno implica-se maiormente no
trabalho da estrutura linguística e textual, deixando em segundo plano
o legado cultural.
Material de análise: Proposta UEA 2009: Infância, infâncias
Produzida em 04/05/13
(Sem título)
1
2
3
Por natureza, todo ser humano necessita de um propósito e de
uma utilidade. É já na infância e na adolescência, com o
afloramento dos hormônios, que dúvidas existenciais e
4
5
6
conflitos a respeito agravam-se. Eles, todavia, podem variar de
acordo com a situação a que os indivíduos estão submetidos.
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
Na segunda década do século XX, o mundo presenciou uma
série de lutas contra regimes ditatoriais, dentre os quais ganha
forte destaque o movimento hippie. Tais revoltas foram
lideradas por jovens que acreditavam em fazer a diferença para
as gerações futuras e que, então, lutavam por mudanças, já nos
anos 2000, são presenciadas manifestações e discussões
polêmicas em redes sociais por parte de adolescentes, ao passo
que os índices de prostituição elevam-se a um ritmo
exponencial.
17
18
19
20
21
22
Assim, tais conflitos, por serem inerentes ao homem, surgirão
inevitavelmente, revelando-se das mais diversas formas
possíveis. Seja na tentativa de alcance de ideais superiores,
com a organização de monumentais shows para multidões,
seja por necessidade ou por, simplesmente, diversão.
23
24
25
26
27
As épocas iniciais da vida, marcadas por idealizações de
inocência e despreocupação, na prática, fogem delas. De
acordo com o nível sócio-econômico, com a convivência
familiar e com a atenção do Estado, crianças podem manifestar
suas particularidades de maneiras extremamente distintas.
28
29
30
31
32
33
34
É necessário, portanto, mostrar perspectivas a esses jovens,
que só será atingido com investimentos em educação. Apenas
com a ampliação dos horizontes desses futuros cidadãos é que
eles poderão crer na possibilidade de transformações na
sociedade e que são parte disso, dando-lhes propósitos
humanitários em detrimento dos individualistas que certos
contextos lhes impõem.
44
Considerações finais: No que diz respeito à forma, é possível validar
o texto em análise, uma vez que demonstra atenção à norma padrão
da língua e adequado uso dos conectivos, além de remeter à coletânea,
contudo, essas características não garantem unidade textual. A
generalização do tema, apresentado em cada parágrafo como um
subtema, segmenta o texto, denunciando falta de implicação do autor
em seu processo de escrita.
Nesse sentido, o texto dá a ver a preocupação de nosso informante
com a forma, estrutura textual e linguística, em detrimento do
conteúdo. Indicamos, assim, que esse é um texto que se caracteriza
maiormente como vinho aguado, já que há um modo de escrever que
despessoaliza o sujeito produtor.
Referências bibliográficas
PÉCORA, A. Problemas de Redação. 5.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1999.
RIOLFI, C. R. Ensinar a escrever: considerações obre a especificidade
do trabalho da escrita. Leitura: teoria e prática, n. 40. Revista da
Associação de Leitura do Brasil. Campinas: UNICAMP, 2003.
RUIZ, E. Como se corrige redação na escola. Campinas, SP:
Mercado das letras, 2003.
45
DO TEXTO PARASITADO À LEITURA E À ESCRITA 24/10, às 14h00
A formação no Arcanum fazia coisas estranhas com a mente dos estudantes.
A mais notável dessas coisas pouco naturais era a capacidade de fazer o que
a maioria das pessoas chama de mágica e que nós chamávamos de simpatia,
siglística, alquimia, denominação e similares. Algumas mentes se
habituavam facilmente a isso, outras tinham dificuldades. As piores dentre
estas enlouqueciam e acabavam no Refúgio. Mas a maioria não se estilhaçava
ao ser submetida à tensão do Arcanum, apenas rachava um pouquinho. Às
vezes, essas rachaduras transpareciam em pequenos detalhes, como tiques
nervosos ou gagueira. Noutras, os alunos ouviam vozes, ficavam esquecidos,
cegos ou mudos... Às vezes, era só por uma hora ou por um dia. Outras vezes
era para sempre. (ROTHFUSS, 2011, p. 297-298)
Vinicio de Macedo Santos – Universidade de São Paulo (USP)
Adenilton da Silva Rocha – Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Enio Sugiyama Junior – Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Marcelo Roberto Dias – Universidade de São Paulo (USP)
Nereida Viana Dourado – Universidade de São Paulo (USP) e Instituto Federal do Maranhão (IFMA)
46
OBSTÁCULOS AO PROCESSO DE DEZESCRITA: O QUE
ACONTECE NAS REPETIÇÕES?
Enio SUGIYAMA JR
Questão de pesquisa: Quais perturbações podem ser percebidas em
trabalhos acadêmicos que reproduzem ideias de grande circulação?
Objetivo: Estudar as formas de apropriação de ideias de grande
circulação em trabalhos acadêmicos que versam sobre o ensino de
língua portuguesa.
Hipótese de trabalho: As repetições das ideias de grande circulação
nos trabalhos acadêmicos sobre ensino de língua portuguesa colocam-
se como perturbações nas práticas de leitura e de escrita que indiciam
diferentes obstáculos no processo de produção do conhecimento.
Material de análise: Dissertações e Teses que versam sobre o ensino
de língua portuguesa.
Excerto 1: Perturbações entre o relato e o posicionamento do autor
Apesar de minha formação no curso de Letras ser fortemente
influenciada pelas ciências da linguagem, ao longo dos meus
primeiros anos de profissão, julgava que, para o aluno regidir um bom
texto, era imprescindível o domínio da gramática normativa, assim, o
meu equívoco foi o de reduzir o ensino da escrita à aprendizagem de
categorias gramaticais.
O amadurecimento profissional e o contato com propostas de ensino
fundamentadas em teorias linguísticas, fizeram-me enxergar que
priorizava o ensino de gramática, embora quotidianamente não
notasse a assimilação desses conteúdos nas redações solicitadas aos
meus alunos
Trabalho 1, p. 18
Excerto 2: Perturbações entre o referencial teórico e a escrita
O retorno à sala de aula pública possibilitou-me a aplicação dos
trabalhos em uma 3ª série do Ensino Médio que resultou no corpus
analisado na Dissertação de Mestrado (...). O foco foi a inserção dos
alunos no processo de letramento, observando as relações de
pertinência com o mundo e do qual as pessoas sofrem influências
sejam pessoais, culturais e/ou linguísticas.
Trabalho 2, p. 24
Excerto 3: Perturbações entre o escopo da pesquisa e as afirmações
sobre a realidade
A mudança de postura diante do ensino de Língua Portuguesa mostra-
se, no entanto, difícil e lenta. Profissionais da sala de aula sentem-se
presos a métodos aprendidos com seus professores que por sua vez
aprenderam com os deles e, assim, sucessivamente, passa-se adiante
essa herança do ensino da língua.
Salvo exceções, ainda verificamos dificuldade por parte do professor,
em assumir a nova postura diante do ensino da língua escrita e oral,
apesar de sugestões dos PCNs, como as seguintes:
Trabalho 3, p. 170
47
Considerações finais: As perturbações encontradas nos trabalhos
acadêmicos que versam sobre o ensino de língua portuguesa indiciam
posicionamentos dos autores diante do embate entre as leituras
realizadas e o trabalho de escrita de seus textos. Essas perturbações,
em especial, a repetição de ideias de grande circulação, podem ser
consideradas obstáculos aos movimentos de Dezescrita porque
reforçam as representações já aceitas em determinadas comunidades
de leitura ao invés de ressignificá-las.
Referências bibliográficas
BARZOTTO, V. H. Leitura e Produção de Textos: Limites e relações
intersubjetivas. In: CALIL, E. (Org.). Trilhas da Escrita: autoria
leitura e ensino. São Paulo: Editora Cortez, 2005.
______. A expressão da modalidade Linguística e a análise de textos
acadêmicos. In: Abordagens metodológicas em estudos
discursivos. São Paulo: Paulistana, 2010.
CHARTIER, R. História Cultural. Trad. Maria Manuela Gallardo
Lisboa: Difel, 1990.
48
UMA CIÊNCIA SEM MORAL?
Marcelo DIAS [email protected]
Questão de pesquisa: Que tipo de perturbações discursos alheios à
prática da ciência poderiam causar na produção de conhecimento,
quando impostas à prática científica?
Objetivo: Discutir proposições de discursos voltados às adequações
éticas sobre perspectivas de produção científica.
Hipótese de trabalho: Entendendo perturbação como um impasse na
escrita, que obriga o autor a se posicionar, reafirmando ou
confrontando leituras dentro de seu trabalho, temos como hipótese
que práticas de pesquisa sem caráter científico podem privar a escrita
de perturbações que constituiriam perspectivas de autoria do
pesquisador.
Considerações finais: Além de possibilitar compreender e conceber
o mundo de modo racional e lógico, permitindo o avanço da sociedade
como um todo, é na ciência que se pode constituir ambientes
favoráveis à formação de novos pesquisadores. Portanto, garantir seu
rigor e compromisso com a produção de conhecimento, são condições
inexoráveis para uma ciência de qualidade.
Material de análise:
a) Concepção de ciência
Texto 1 Texto 2 Texto 3
Além disso, por
comprometer a
fidedignidade pública da
própria ciência, mina sua
própria razão de ser:
constituir-se como um
instrumento eficaz para a
ampliação do
conhecimento humano e a
orientação racional das
ações humanas, em suas
mais variadas dimensões.
Antes disso, porém, cabe
uma observação
terminológica. Empregarei
aqui a palavra “ciência” e
seus cognatos em sentido
bastante amplo. Para dispor
de um termo
suficientemente geral para
meus propósitos, polêmicas
epistemológicas à parte,
chamarei de ciência todo
corpo racionalmente
sistematizado e justificado
de conhecimentos, obtido
por meio do emprego
metódico de observação,
experimentação e raciocínio
(...)
Entende-se aqui por
atividade científica toda
atividade que vise
diretamente à concepção e
realização de pesquisas
científicas, à comunicação
de seus resultados, à
interação científica entre
pesquisadores e à
orientação ou supervisão de
processos de formação de
pesquisadores. Entende-se
aqui por pesquisa científica
toda investigação original
que vise a contribuir para a
constituição de uma ciência.
Entende-se por ciência todo
corpo racionalmente
sistematizado e justificado
de conhecimentos, obtido
por meio do emprego
metódico da observação,
experimentação e
raciocínio. Essa definição
ampla aplica-se às
chamadas Ciências Exatas,
Naturais e Humanas, bem
como às disciplinas
tecnológicas e àquelas
ordinariamente incluídas
entre as chamadas
Humanidades.
49
b) Ética científica
Texto 1 Texto 2 Texto 3
Essas normas definem a
integridade ética das
atividades científicas e
podem ser deduzidas de
um princípio fundamental:
todo cientista deve exercer
sua profissão da maneira
mais apropriada para que
daí resulte a melhor
contribuição para o
avanço da ciência.
(...)
Por outro lado, a ética
profissional do cientista
inclui um conjunto de
deveres derivados de
valores éticos
especificamente científicos,
isto é, valores que se
impõem ao cientista em
virtude de seu compromisso
com a própria finalidade de
sua profissão: a construção
coletiva da ciência como um
patrimônio coletivo. O
princípio desse campo
particular da ética
profissional é: ao exercer
suas atividades científicas,
um pesquisador deve
sempre visar a contribuir
para a construção coletiva
da ciência como um
patrimônio coletivo, deve
abster-se de agir,
intencionalmente ou por
negligência, de modo a
impedir ou prejudicar o
trabalho coletivo de
construção da ciência e a
apropriação coletiva de seus
resultados.
Estas diretrizes repousam
sobre o princípio geral de
que todo cientista é
eticamente responsável pelo
avanço da ciência. Na
concepção, proposição e
realização de pesquisas, na
comunicação de seus
resultados e nas relações de
cooperação e tutoria com
outros pesquisadores, o
cientista deve conduzir-se
com honestidade intelectual,
objetividade e
imparcialidade, veracidade,
justiça e responsabilidade.
Referências bibliográficas
DERRIDA, J. A escrita e a diferença. São Paulo: Perspectiva,
2011.
c) Formação do pesquisador
Texto 1 Texto 2 Texto 3 Como estipulado em seu
Código de Boas Práticas
Científicas, a FAPESP
requer, das instituições em
que se realizam pesquisas
por ela apoiadas, que
mantenham órgãos
especialmente
encarregados de: promover
regularmente atividades
educativas concernentes
aos valores e competências
pertinentes à integridade
ética da pesquisa, como
cursos, eventos e
programas de treinamento
de pesquisadores em
formação;
No que concerne às regras
relativas à reprodução da
comunidade científica, o
conceito chave é o
de tutoria. Pesquisadores
em formação aprendem a
fazer pesquisa científica
fazendo pesquisas
científicas sob a orientação
ou supervisão de
pesquisadores já
qualificados e experientes,
muitas vezes integrados nas
equipes de pesquisa em que
esses pesquisadores
desempenham funções de
direção. Enquanto
instrumento de reprodução
da comunidade cientifica,
pressupõe-se que a tutoria
seja sempre exercida em
benefício da formação do
tutelado como pesquisador
independente
2.6.1. Ao aceitar a função de
tutor formal (orientador ou
supervisor) de um
pesquisador em formação, o
pesquisador deve estar
seguro de que dispõe de
competência científica,
tempo e quaisquer outras
condições que sejam
necessárias para o bom
desempenho dessa função.
Ao desempenhá-la, seu
interesse em proporcionar
ao tutelado a melhor
formação científica deve
prevalecer sobre interesses
de outra natureza, ainda que
legítimos.
2.6.2. Durante o período da
tutela, os tutores são
corresponsáveis pela
qualidade científica e ética
das atividades de pesquisa
de seus tutelados, bem
como
dos relatos de seus
resultados.
2.6.3. Além de oferecer a
seus tutelados orientação e
treinamento científicos
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo:
Perspectiva, 2010.
TUGENDHAT, E. Lições sobre Ética. Petrópolis: Vozes, 1997.
50
O QUE SE DIZ QUANDO SE FALA EM LINGUÍSTICA E
ENSINO
Nereida Viana DOURADO [email protected]
Questão de pesquisa: Que áreas de saber têm se constituído na
articulação entre linguística e ensino?
Objetivo: Analisar o que se tem sido dito sobre a linguagem quando
se fala em seu ensino na pós-graduação em Educação.
Hipótese: Os programas de pós-graduação orientam para a produção
de um conhecimento que se volta, sobretudo, para a ratificação de
conceitos ligados à linguística ou para a descrição de processos de
ensino-aprendizagem.
Material de análise: Ementas de cursos de pós-graduação (linhas de
pesquisa e grupos de estudo) que articulam linguística e ensino.
E1: Educação em Linguagem (pós em Educação): Estudo da linguagem
em suas múltiplas dimensões, em contextos educativos diversos e em
diferentes níveis de escolarização, visando à compreensão dos processos de
ensino e aprendizagem fundados em quatro pontos essenciais: a)
Linguagem oral; b) Linguagem escrita; c) Leitura, compreensão e
interpretação de textos; d) Conhecimentos lingüísticos.
E2: Linguagem e Educação (pós em Educação): Desenvolve estudos e
pesquisas sobre as muitas dimensões do ensino da língua materna,
literaturas e línguas estrangeiras. Conduz investigações referentes à arte, aos
processos de comunicação social e tecnológicas em suas múltiplas relações
com a escola. Realiza também pesquisas sobre formação de professores.
E3: Educação e Linguagens (pós em Educação): Estuda questões
relacionadas com o processo de ensino-aprendizagem das linguagens oral,
escrita, visual e matemática na educação formal e não formal. Os objetos
privilegiados de investigação são linguagem e cultura, alfabetização,
ensino-aprendizagem da linguagem oral, da linguagem visual e das artes,
educação bilíngüe, práticas de leitura e de escrita, linguagem matemática e
suas concepções epistemológicas e novas linguagens comunicacionais na
sociedade.
Considerações finais: Se os nomes das linhas de pesquisa chamam
atenção pela semelhança, as ementas se destacam pelas diferenças.
Refletindo sobre isso, volta-se o interesse não apenas para o que está
no centro, apenas para o mesmo, que se repete e que é verificável
empiricamente, mas também para o periférico, o diferente, a
diferência, que contribui para a significação do universo pesquisado,
tomando-se como marco zero a identificação dos modos de
construção e a estrutura das produções, encampando tanto o que é dito
como aquilo que não é: os silenciamentos que marcam o interdiscurso,
a ideologia e as próprias formações discursivas.
Referências bibliográficas
AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Entre a transparência e a
opacidade: um estudo enunciativo do sentido. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2004.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002.
PÊCHEUX, Michel. Discurso: estrutura ou acontecimento.
Campinas: Pontes, 1990.
51
DA DESCONSTRUÇÃO DE UM EU À CRIAÇÃO DE UM SI 24/10, às 16h00
Há uma brincadeira que as crianças experimentam fazer de vez em quando.
A gente abre os braços e vai girando sem parar, vendo o mundo se
transformar num borrão. Primeiro fica desorientada, mas, se continuar
girando por tempo suficiente, o mundo se dissolve e a gente para de se sentir
tonta, girando com o mundo transformado num borrão ao redor. Depois a
pessoa para e o mundo gira, retomando aos poucos a forma regular. A
tonteira atinge o sujeito feito um relâmpago e tudo cambaleia e se move. O
mundo se inclina ao redor dele. (ROTHFUSS, 2009, p. 594)
Isabelle Duarte Simões Marques – Universidade de Coimbra, Portugal
Bianca Aline Diniz de Almeida – Universidade do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO)
Ana Carolina Barros Silva – Universidade de São Paulo (USP)
Maristela Silva de Freitas – Universidade de São Paulo (USP)
Claudia Rosa Riolfi – Universidade de São Paulo (USP)
52
MIMETISMO E INVENÇÃO: PERCURSOS DE
TRANSMISSÃO DE UM SABER
Ana Carolina Barros SILVA [email protected]
Questão de pesquisa: É possível estabelecer uma correlação entre as
posições subjetivas de quem escreve ou de quem lê e a maior ou
menor possibilidade de transmitir um saber?
Objetivos: Analisar as marcas que evidenciam os posicionamentos
subjetivos utilizados por: 1) Um autor, em seu texto, que podem
dificultar e os que podem propiciar a transmissão de um saber; e; 2)
Um leitor, em seu texto, que elucidem a apropriação singular ou não
do saber.
Hipótese de trabalho:
Aposta-se que:
1) A presença da reinvenção e do estilo singular em textos escritos
pode ser facilitadora das transmissão dos saberes nele veiculados.
2) A transmissão de saberes veiculados em textos pode ser dificultada
pelo mimetismo e pela reprodução por parte de quem escreve.
Filiações: A transmissão da psicanálise só será possível enquanto
cada um puder se engajar nos próprios riscos, riscos de que outros
possam recolocar seus fundamentos em questão (LÉVY, 2004).
A transmissão de um saber tem maiores chances na medida em que se
empreende um processo que Jacques Derrida denominou de
desconstrução. Ao desconstruir o discurso antecedente, podem surgir
possibilidades de criação.
Considerações finais: Transmitir psicanálise, ou qualquer outro
saber, passa pelo risco do autor em colocar de si naquilo que escreve
e do leitor em apropriar-se com singularidade daquilo que lê. Ao
privilegiar a singularidade na escrita, cria-se um espaço propício para
que a transmissão se dê, bem como possíveis inovações e atualizações
da teoria transmitida. Como na narrativa de Kvothe, ao brincar de
rodar e ver o mundo se transformar em um borrão, abre-se a
oportunidade de, ao parar, o mundo continuar girando, mas, desta vez,
um giro mais singular, um movimento que pode, ao girar, incorporar
elementos de inovação.
Referências bibliográficas
FORBES, J. As quatro posições subjetivas na produção do saber
psicanalítico. Clínica e Pesquisa em Psicanálise. 01 jan. de 1996.
LACAN, J. (1979). Intervenção de encerramento do Congresso da École
Freudienne de Paris sobre “A transmissão”, publicada em Lettres de l’École
freudienne, 1979, n. 25, v. II, p. 219-20.
______. (1998). A psicanálise e seu ensino. In: Escritos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar.
LÉVY, R. O desejo contrariado. Rio de Janeiro: Companhia de Freud,
2004.
RIOLFI, C. R.; MAGALHÃES, M. M. M. Modalizações nas posições
subjetivas durante o ato de escrever. Estilos clin, Jun. 2008, v. 13, n. 24, p.
98-121.
53
Sigmund Freud (autor) Jacques Lacan (leitor de Sigmund Freud)
Maria José G. Salum (leitora de Sigmund
Freud)
Texto Os criminosos por sentimento de culpa Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia A psicanálise e o crime
Ano 1915 1950 2009
Página 285 1ª citação: 131 / 2ª citação: 138 / 3ª citação: 150 1ª citação: 24 / 2ª citação: 25
Linha 15 15 / 15 / 36 09 / 22
Trecho “O constante resultado do labor psicanalítico foi
de que esse obscuro sentimento de culpa que vem
do complexo de Édipo, é uma reação aos dois
grandes intentos criminosos, matar o pai e ter
relações sexuais com a mãe. Comparados a esses
dois, os crimes perpetrados para fixar o sentimento
de culpa constituíam, certamente, um alívio para
os atormentados. É preciso lembrarmos, neste
ponto, que o parricídio e o incesto com a mãe são
os dois maiores crimes humanos, os únicos
perseguidos e abominados como tais nas
sociedades primitivas. E também como outras
investigações nos aproximaram da hipótese de que
a humanidade adquiriu sua consciência, que agora
surge como inata força psíquica, através do
complexo de Édipo.”
“Esses efeitos, dos quais ela descobriu o sentido, ela os designou
audaciosamente pelo sentimento que lhes é correpondente na vivência: a
culpa. Nada poderia manifestar melhor a importância da revolução freudiana
do que o uso técnico ou vulgar, implícito ou rigoroso, confesso ou sub-
reptício, que é feito em psicologia dessa verdadeira categoria onipresente
desde então, de tão desconhecida que era – nada, a não ser os estranhos
esforços de alguns para reduzi-la a formas “genéticas” ou “objetivas”,
trazendo a garantia de um experimentalismo “behaviorista” que há muito se
haveria calado, caso se abstivesse de ler nos fatos humanos as significações
que os especificam como tais. E mais, a primeira situação, cuja noção ainda
somos devedores à iniciativa freudiana por tê-la introduzido em psicologia
para que ela ali obtivesse, no correr do tempo, o mais prodigioso sucesso –
primeira situação, dizemos, não como confronto abstrato esboçando uma
relação, mas como crise dramática que se resolve como estrutura - , é
justamente a do crime em suas duas formas mais abominadas, o Incesto e o
Parricídio, cuja sombra engendra toda a patogênese do Édipo. (…) Assim
veio à luz a concepção de supereu.”
“O fato é que a persistência imaginária dos bons e maus objetos primordiais,
em comportamentos de fuga que podem colocar o adulto em conflito com
suas responsabilidades, levaria o supereu a ser concebido como uma
instância psicológica que, no homem, tem uma significação genérica.”
“Pela confissão que recebemos do neurótico ou do perverso sobre o gozo
inefável que eles obtêm ao se perderem na imagem fascinante, podemos
avaliar o poder de um hedonismo que nos introduzirá nas relações ambíguas
da realidade com o prazer.”
“É curioso que Freud tenha apostado num
pacto para lidar com a violência. Em toda a
sua obra, vemos a importância do crime e da
culpa decorrente dele como fator de laço
social. A teoria do recalque – pedra angular
da psicanálise, nas palavras de seu fundador
– é decorrente de um crime, o edipiano. O
complexo de Édipo foi o mito concebido por
Freud para tentar formalizar a dimensão
estrutural da violência, isto é, a pulsão. Para
Freud, os dois crimes primordiais –
parricídio e incesto – deram origem à própria
civilização humana.”
“Freud formulou o mito do parricídio para
explicar a existência do sentimento de culpa
que, para ele, fundamentava o laço social.
Ou seja, para a psicanálise, é possível
estabelecer um laço social desde que se
apresente a marca do Édipo, quer dizer, que
o sujeito se coloque diante do Outro como
culpado.”
Posições
Subjetivas
Autor conceitual Leitor que agencia sua singularidade a ponto de expressá-la em uma
metáfora criativa
Leitor que administra sua escrita a partir do
cotejamento das demandas que lhe foram
dirigidas e de uma ética própria
54
OS GIROS DO TRABALHO DE UM PROFESSOR
Maristela FREITAS [email protected]
Questão de pesquisa: Que criações podem ocorrer quando um
professor se propõe a estudar suas interações com seus alunos e passa
a aceitar o efeito desconstrutivista destas interações sobre o seu
próprio trabalho?
Objetivo: Discutir o percurso inicial da carreira de uma professora do
primeiro ciclo do Ensino Fundamental (que também atua como
pesquisadora das próprias interações em sala de aula); analisando: a)
suas diferentes escolhas; e b) seus posicionamentos durante esta
trajetória.
Hipótese de trabalho: A pesquisa acadêmica aliada ao trabalho
pedagógico pode contribuir para a desconstrução do trabalho (e) do
professor na sala de aula. Considerando o alerta de Calkins (1989)
para o fato de que um professor não pode esperar do aluno aquilo que
ele mesmo não demonstra, perseguimos a hipótese de que a criação
no trabalho do aluno depende de um constante refazer da prática
pedagógica do professor.
Material de análise: Transcrições das interações estabelecidas entre
professor e alunos na sala de aula nos momentos de produção de texto,
a fim de cotejar diferentes propostas e seus resultados.
Quadro 1
Professora: - Pronto, agora nós vamos fazer uma produção escrita.
Uma redação. Nessa folhinha que o A. está entregando para vocês,
coloquem o nome e a série. Não há um limite máximo ou mínimo
de linhas, escrevam o quanto quiser. A proposta é que vocês
produzam uma história cujo protagonista, isto é, o personagem
principal seja um super-herói inventado por vocês.
O aluno A. terminou de entregar as folhas e os alunos
começaram a escrever. Passados alguns minutos, uma aluna
perguntou:
S: - Precisa ter cabeçalho, professora?
Professora: - Não, não precisa. Só seu nome.
Outras perguntas:
L: - Prô, quantos linhas eu quiser?
Professora: - É, você que sabe.
B: - Tem que ter título?
Professora: - De preferência.
B: - Tipo assim, qualquer título?
Professora: - Que tenha a ver com a história.
55
Quadro 2
Professora: - A proposta é: eu vou ler para vocês um conto que se
chama “A assembleia dos ratos”. E esse conto não tem um fim
definido. (Pausa) Então, vocês vão ter que imaginar um fim para
esse conto e continuar a história, certo? A partir de onde parou.
Leitura do texto.
Professora: - Então, vamos lá! A proposta agora é vocês
continuarem esse conto a partir do ponto em que parei. Tudo bem?
Maria: - Professora?
Professora: - Oi Ma.
Maria: - A gente não vai fazer quem nem a gente fez a outra
produção?
Professora: - Ah! A primeira produção que vocês fizeram sobre a
“A assembleia dos ratos”? Pode fazer sim. Aquela produção foi
uma produção para a sala inteira. Foi uma primeira ideia que a gente
teve.
Léo: - Mas pode copiar alguma coisa?
Professora: - Copiar não. A outra redação não está aqui, como é que
você vai copiar? O que você pode fazer é tentar lembrar o que
estava escrito e tentar reproduzir. (Virando-se para a Diana). Tudo
bem, Diana, alguma dúvida? (Pausa) Vocês podem colocar nomes
nos personagens, caracterizá-los fisicamente e podem escrever
também quantas linhas vocês quiserem!
Considerações finais: Neste estudo, foi possível perceber que o
trabalho de pesquisa exercido pela professora mostra-se como um
grande aliado à produção criativa e engajada na sala de aula. Ao
analisar o percurso inicial da carreira da nossa informante,
observamos que o compromisso assumido por ela com a
Universidade, enquanto aluna de graduação, repercute no seu trabalho
pedagógico. Por meio da análise das interações na sala de aula,
podemos perceber que muitos são os giros possíveis de acontecer no
trabalho de um professor. No entanto, é possível fazer com que os
borrões visualizados durante esses giros sejam instrumento de
compreensão dos avanços e das habilidades que precisam ser
desenvolvidas ou revisadas.
Referências bibliográficas
CALKINS, Lucy McCormick. A arte de ensinar a escrever: o
desenvolvimento do discurso escrito. Porto Alegre: Artes Médicas,
1989.
GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
LAJOLO, M. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, Regina
(Org.). Leitura em crise na escola. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1993.
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INCLINAR-SE FEITO RELÂMPAGO
Claudia RIOLFI [email protected]
Questão de pesquisa: Como, ao longo de um percurso de formação,
uma pessoa desconstrói o texto que a tece para, a partir da percepção
de sua inexistência, poder se autorizar a inaugurar a radicalização da
divisão subjetiva que funda a autoria?
Objetivo: Colocar o conceito de desconstrução a serviço de uma
reflexão que, ao incluir o corpo da pessoa que aprende a ler e a
escrever, aponta para a “vontade de poder” mencionada por Derrida,
mostrando que ela pode, pedagogicamente, ser transformada em uma
“força ativa”, nas palavras de Nietzsche.
Material de análise: Textos concluídos e versões de textos
produzidos por Juliette, desde a iniciação científica até o início de seu
doutoramento (2007-2013).
Aforismos norteadores:
a) A linguística saussureana considera a língua como um sistema
de pura diferença;
b) Cada elemento desse sistema é esvaziado, só ganhando sentido
no jogo combinatório;
c) O falante, ao tentar se utilizar desse sistema, injeta libido nos
elementos isolados;
d) Como as pulsões são parciais e acéfalas, ao ser falada, uma
língua perde boa parte da sua lógica;
e) Como método de leitura, o desconstrucionismo de Derrida
propõe mostrar que não existe fora texto;
f) Assim como, para Saussure, o sujeito falante não conta, para
Derrida, a pessoa que aprende a ler e escrever não tem
qualquer relevância;
g) Para os educadores, interessados no ensino da leitura e da
escrita, há que se pensar modos de fazer com que, no nada,
brotem os frutos das forças ativas.
TEMPOS DA ELABORAÇÃO INTELECTUAL:
1) Entrar no jogo:
1 Título:
2 Aluno:
3 O presente trabalho toma como objeto....(explicitar o tema). Sua pergunta de
pesquisa mais
4 ampla... (escrever com ponto de interrogação). Esta empreitada se justifica uma vez
que (colocar lacuna
5 teórica e justificativas étnicas e pragmáticas).
6 Seu objetivo geral é (completar, iniciando com verbo no infinitivo), desdobrando-
se, por sua vez,
7 nos seguintes objetivos específicos: [...]
2007, orientações para a confecção do primeiro projeto.
2) Desorientar-se:
O presente projeto tem como pano de fundo uma ambição a longo prazo:
a compreensão de como ocorrem a leitura e a escrita no ensino superior. Como
um primeiro passo nesta direção, realizou-se um desvio. Tomou-se o texto
argumentativo como objeto de análise, uma vez que esta modalidade de texto é a
que mais ocorre no nível de ensino a ser estudado. Especificamente, partiu-se de
um veículo de ampla circulação social entre universitários: o jornal Folha Online.
2007, primeiro relatório final apresentado.
57
3) Girar por tempo suficiente:
Esse trabalho, no qual realizei um exercício de leitura de textos
argumentativos, é o desdobramento de uma pesquisa preliminar na qual analisei
as diferenças e semelhanças na argumentação em dois suportes midiáticos: jornal
on-line (Folha Online) e impresso (Folha de São Paulo) (JULIETTE, 2007).
2008, segundo relatório final apresentado.
4) Se fazer fulminar:
A fundamentação científica do projeto se ancora, em primeiro lugar, na
proposta de Authier-Revuz, para quem [...] Embora essa proposta se apresente no
projeto destituída de seu peso teórico e epistemológico e, por isso, se restrinja a
suas diretrizes metodológicas, penso que ela daria uma certa viabilidade ao
projeto, possibilitando o levantamento de questões outras pertinentes ao objetivo.
[...] Contudo, além dessa proposta, a candidata, na seção 1.1, em que deveria
justificar seus objetivos e seu projeto como um todo, se refere a dois outros
autores cujos trabalhos deverão ter um papel em sua reflexão e na consecução do
projeto. [...]
2009, parecer emitido pela FAPESP (mestrado, grifos meus)
5) Fazer o mundo se inclinar:
INTRODUÇÃO (Problemática + justificativa + estado da arte + descrição do
corpus)
A presente pesquisa visa a estudar quais os efeitos das intervenções do orientador
nas versões de texto que lhe são dadas à apreciação, na escrita de um jovem
pesquisador. Para tanto, toma como objeto de análise versões de textos
produzidas por uma informante, nomeada Louise a fim de manter sua identidade
preservada, ao longo do período em que escreveu sua dissertação de mestrado
(2006-2008).
2011, boneco da dissertação submetido à orientadora (mestrado).
(Trecho grifado está realçado em amarelo no documento original)
6) Siderar-se, maravilhado:
Juliettte: Sniff, desculpe ter deixado tanta coisa passar [...]...
Jaqueline: Oie! Exausta, to com preguiça de ir dormir!!!!!
Juliettte: kkkkkkk Posso aproveitar sua preguiça de ir dormir?
Jaqueline: claro
Juliettte: OBAAAAAA. Seguinte: estou aqui pensando no que tudo o que li do
Lacan esses dias teria a ver com a minha tese e, mais especificamente, com o
processo de escrita da Louise [...].
22 de setembro de 2013 00:28, doutoramento
Ferramenta de bate-papo do Facebook
Considerações finais: Quem abre mão dos preconceitos de seu “eu”
inclina-se, feito relâmpago, e, com sorte, fende a neblina do seu
mundo.
Referências bibliográficas
DERRIDA, Jacques. A Escritura e a Diferença. São Paulo: Perspectiva, 2011.
FERRY, Luc. Aprender a viver. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
LACAN, Jacques. (1975-1976). O Seminário. Livro XXXIII. O Sinthoma. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2007.
NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
OLIVEIRA, KELLY GOMES. A leitura do outro e a modalidade linguística: Impactos no
percurso de formação de um jovem pesquisador. Dissertação de Mestrado. Faculdade de
Educação. Universidade de São Paulo, 2013.
RIOLFI, Claudia Rosa. A língua espraiada. Responsabilidade subjetiva na formação de
professores. Universidade de São Paulo: Tese de Livre Docência (ainda não defendida), 2013.
RUTHFUSS, Patrick. O nome do vento. A crônica do matador do rei. Primeiro dia. São
Paulo: Arqueiro, 2009.