cacofonias

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Cacofonias de um tom só Acolho o que me faz calar Nada como a sensação de estar suspenso De não ter coisa alguma a dizer De sentir o pensamento atônito Nem claro nem obscuro Parado Aprecio o que arranca de minha boca As palavras Calam como a noite cala o dia E deixam atrás de si o silêncio Silêncio que emana de minhas entranhas Mudas Todavia prenhes de som Então pouco importa se me calo ou falo Os versos caem deitam rolam Dos reversos que me assolam Nem ausência Nem presença Nem amor Nem indiferença E se nada há para ser dito Mal dito ou bem dito seja Ausência de compromisso mais ampla Não há Como ficar ou partir Quando cala o horizonte Fictício de si Concretamente subi pelas entranhas De mim mesmo Carreguei um peso de vergar os sonhos Dos meus olhos enxerguei a vida E que enigma Que só se enxerga mesmo da altura do olhar Da vida afora é que se chega a si De si mesmo adentro superfícies de outrora

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Page 1: Cacofonias

Cacofonias de um tom só

Acolho o que me faz calarNada como a sensação de estar suspensoDe não ter coisa alguma a dizerDe sentir o pensamento atônitoNem claro nem obscuroParado

Aprecio o que arranca de minha bocaAs palavrasCalam como a noite cala o diaE deixam atrás de si o silêncioSilêncio que emana de minhas entranhasMudasTodavia prenhes de som

Então pouco importa se me calo ou faloOs versos caem deitam rolamDos reversos que me assolamNem ausênciaNem presençaNem amorNem indiferença

E se nada há para ser ditoMal dito ou bem dito sejaAusência de compromisso mais amplaNão háComo ficar ou partirQuando cala o horizonteFictício de si

Concretamente subi pelas entranhasDe mim mesmo Carreguei um peso de vergar os sonhosDos meus olhos enxerguei a vidaE que enigma Que só se enxerga mesmo da altura do olharDa vida afora é que se chega a siDe si mesmo adentro superfícies de outrora

Não há sensatez que suporteA ausência de um leito acolhedorOu a falta de um muro onde baterNão há ficção que resistaÀ ausência de esperança

Não háNão há mais quê fazer

Page 2: Cacofonias

Não haverá históriaSempre mal contadaSe não há onde pisarNada resta sem estradaPor definição sempre incerta

Reflexos flutuantes de mimRastros fulgurantes de um traçoEscondido n’algum lugarOiço tudo que se passaCom ouvidos de padre em confessionárioPrego lúcidas imagens plausíveisQue se esvaem sem dizer adeus

Bombas de efeito moralCaem como penitências de um céu longínquoImoral dos bons costumesSigo entrementes e não perco o fatoQue me veste sem agasalhar

Repartido em partes bem miúdasResto como um ao fim do jogoMas como?

Porque não me caloMesmo nada havendo a dizerE se é possível falarQuando nada há por dizerEntão eu falo mesmo calando

E calo quase falandoAquilo que deveria dizer

Entre tanto sobra uma réstiaDe silêncio e sombrasFaz-se a alma humanaEm tão pouca luz

...Silêncio...

Essa brevidade do nadaDa ausência do nadaCiente da ausência do nadaÉ tudo enquanto nadaNa atmosfera vaga do tempoNo oceano flácido das verdadesNos entremeios das causas e efeitos

Page 3: Cacofonias

O que vive é silêncio em estado luminosoLíquidoCéreo e quenteQual estátua em constante ebulição

De repenteAngústia!

Cala-te ó silêncio febrilQue me seja devolvido o juízoOu de qualquer parte uma canção menos solúvelQue me retorne algum prumoOu sumoD’algum fruto proibidoBebo Enquanto o tempo passaQue me seja ajustada a hora

Há horas que é preciso gritarHá dias que tenho fomeEmbora não pare de comerÀ tamanha sedeÁgua não bastaSonho Esperança SuspiroAlegria Desespero Leveza

Bebo tanto quanto possoDevagarSorvendo cada sonhoComo fosse uma alegria raraQue os desesperados amamMas não esperam alcançarPela qual os esperançosos suspiramPor suporem jamais chegarOnde de fato já estão

IndigestãoAssim que a leveza escapaEscapa o privilégio de calarE temos então algo a dizer

E sempre há algo a dizerInsignificante brilhanteIrrisório irritanteIndeciso hipnóticoErudito simplórioBesta inteligenteSempre para conforto de nossa imperfeição

Page 4: Cacofonias

E como que pedindo desculpas por chegar atrasadoNa ânsia pelo silêncioNão cesso de fazer barulho

Mas ainda insisto encontrarO coração hipotético da vidaNuma não menos hipotéticaExpedição desenfreadaAo profundo de mimAdmitoÉ cada vez mais turvoO caminhoEstreita a vistaOu é pequena a vontade de caminhar?

Réquiem de uma esperançaDe um bem que jamais foi vistoRelíquias se multiplicamMas sem alma não me alcançamE advém o sono

Arrepios na raiz da vontadeFazem do desespero harmoniaEnquanto a melodia restaEsperançosa transpiraMonotonia

Rodrigo Barros Gewehr