cabelo de bombril - ethos publicitário, consumo e estereótipo

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    67Revista Novos Olhares - Vol.2 N.1

    Resumo: Em junho de 2012, um conjunto de manifestações foram divulgadas noFacebook , contrárias à veiculação do logo de uma peça publicitária lançada pelaempresa Bombril. A peça em questão era baseada na silhueta de uma mulher de

    cabelos crespos, o que levou a associações negavas imediatas, por uma parcelade usuários/consumidores, entre o cabelo de origem africana e a palha de aço.O presente argo visa propor uma reexão a respeito da construção do ethos publicitário a parr do estereópo como estratégia de representação, recorrendoa pressupostos teóricos que fundamentam as discussões a respeito do ethos enunciavo, do consumo e da representação identária em novos contextos detecnologia e sociabilidade.

    Palavras-chave: Cibercultura; estereópo; idendade; publicidade; sites de redessociais.

    Abstract: In June 2012, a series of wroth manifestaons were posted on Facebook,contrary to the placement of the logo of an adversement launched by thecompany Bombril. The piece in queson was based on the silhouee of a womanwith curly hair, which led to immediate negave associaons, for a poron ofusers / consumers, between the hair of African origin and the product. This arcleaims to propose a reecon on the construcon of ethos on adversing fromthe stereotype as a strategy of representaon, using the theorecal assumponsthat underlie the discussions about the ethos enunciave, consumpon andrepresentaon of identy in new contexts of technology and sociability.

    Keywords:  Cyberculture; stereotype; identy; adversing; social networkingsites.

    Introdução

    Em junho de 2012, a Bombril, responsável pela fabricação, dentre outros produtos,da palha de aço que leva o mesmo nome, lançou, em conjunto com a gravadoraSony Music Brasil, um quadro musical no programa Raul Gil, veiculado pela redeSBT. O quadro, intulado “Mulheres que Brilham”, nos moldes de um show decalouros, era voltado para a escolha “da melhor cantora do Brasil”, um concursode talentos entre candidatas ainda desconhecidas da grande mídia. A marca daatração era representada, inicialmente, pela silhueta de uma mulher de perlcujos cabelos crespos emolduravam o nome do quadro e a marca patrocinadora(ver gura 1). Após a sua veiculação, uma série de protestos começou a serdivulgada através de pers de indivíduos e mensagens comparlhadas no sitede rede social Facebook , pouco demorando até que o repúdio à imagem da

    Fernanda Ariane Silva CarreraDoutoranda em Comunicação pelaUniversidade Federal Fluminense (UFF).

    Mestre em Comunicação e CulturaContemporâneas pela UniversidadeFederal da Bahia (UFBA). Especialistaem Gramáca e Texto pela UniversidadeSalvador (UNIFACS). Graduada emComunicação com habilitação emPublicidade e Propaganda pelaUniversidade Católica do Salvador(UCSAL).

    Luciana Xavier de OliveiraDoutoranda em Comunicação pela

    Universidade Federal Fluminense (UFF).Mestre em Comunicação e CulturaContemporâneas pela UniversidadeFederal da Bahia (UFBA). Graduada emJornalismo pela Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ).

    “Cabelo de Bombril”?

    Ethos  publicitário,

    consumo e estereótipo em

    sites de redes sociais

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    peça chegasse à página da Bombril neste site. Nela, os usuários/consumidorespassaram a se manifestar contrariamente à manutenção da peça publicitária noprograma televisivo.

    O fato supracitado é um exemplo que corrobora a necessidade de se repensaros limites comunicacionais dos espaços interacionais contemporâneos. Os novosdisposivos de sociabilidade, mais precisamente representados pelo ciberespaçoe os ambientes dos sites de redes sociais, fazem emergir a importância de seentender as prácas socioculturais a parr de um diferenciado ponto deparda conceitual, no qual o ciberespaço ganha uma onipresença constuída,quesonando os limites representavos dados ao que antes signicaria real ouvirtual. Dentro dessa perspecva, todas as prácas culturais sofrem esmulosdestes novos modos de ser e fazer, construindo desvios iniciais que modicamtodo o curso da sua evolução.

    Figura 1: Marca proposta pela Bombril para representar o quadro no programa Raul Gil.

    Sendo umas destas prácas, a publicidade, portanto, uma vez que funcionacomo um “diagnósco psicossocial” (PINTO, 1997: 35), não ca imune àsvariações signicantes ocorridas no domínio do social, assimilando para o seudiscurso as novas dinâmicas culturais que surgem. “O enunciador dos discursospublicitários – empresa anunciante – apoia-se sobre diferentes discursosanteriores, autorizados pela tradição sociocultural e legimadores do próprio

    discurso publicitário em questão” (ATEM, 2009: 9). Apoiando-se sobre discursosanteriores, consequentemente, tende a reforçar atudes já socializadas, em umaconstante negociação entre o ango estabelecido e o novo que se vê em contextosdiferenciados.

    O estereópo, por exemplo, estratégia de representação por muito tempoulizada pela publicidade como forma de idencação, revela como há ainda atensão entre prácas constuídas e os novos anseios sociais. Para Bhabha (1998),o estereópo é uma pré-construção ou uma montagem ingênua da diferençaque autoriza a discriminação. Isto é, o estereópo é uma representação xa daalteridade que transforma sujeito em objeto imaginário, a parr de imagens

    disntas que lhe permitem postular equivalências, semelhanças, idencaçõesentre aquela subjevidade e objetos do mundo ao seu redor.

    Os estereópos desempenham um papel importante na mídia televisiva, poisfacilitam a transmissão de informação ao espectador, ao facilitar a assimilação damensagem. Para tanto, os personagens e imagens são elaborados de forma pouco

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    complexa e sem muita densidade, enquanto simplicação de crenças que acabampor reproduzir um pensamento reicado sobre grupos sociais, favorecendoa expressão de uma realidade sedimentada em estereópos e preconceitos(BATISTA; LEITE, 2011: 92).

    Dessa forma, a associação comparava entre a textura da  palha de aço  e ocabelo afrodescendente, nesse caso, integra um certo repertório de discursosentendidos como racistas que fazem parte do codiano brasileiro, mas que já

    sofre quesonamentos signicavos dentro de um contexto de resistência evalorização da diferença identária. Assim, sabe-se que a ideia do cabelo deorigem negra como algo “duro”, “dicil”, “disforme”, “embaraçado”, “ruim”,dentre outros adjevos, circula no seio social e também infere em conotaçõesnegavas, que podem ser lidas, portanto, e reinterpretadas em uma associaçãopretendida entre essa ideia e a imagem apresentada no logo da peça publicitáriaem questão. No entanto, o penteado chamado, corriqueiramente, de “afro” ou“black”, é instrumento estéco apropriado para a armação posiva de imagenssimbólicas na armação do “ser negro”, a parr de processos de autovalorização,representação e reconhecimento. O eslo de penteado black power, nessecontexto, seria aquele ulizado por avistas negros sul-africanos, americanos e

    brasileiros nos anos 60 e 70 (GOMES, 2006). O movimento Black Power acionou nasdécadas de 1960/70 uma redenição dos signos de beleza, no qual os penteados“afro” (“naturais”) se tornariam uma forma de construção da autoesma, amorpróprio e autoconhecimento (TROTTA; SANTOS, 2012).

    Assim, admindo o consumo e a sua exposição como agentes de transformaçãodos indivíduos em “primeiro e acima de tudo acumuladores de sensações;são colecionadores de coisas  apenas num sendo secundário e derivavo”(BAUMAN, 1999: 91), a sua negação e repúdio também revela uma estratégia deidencação a grupos sociais especícos. Dessa forma, tanto os indivíduos quantoa publicidade obedecem aos ditames da representação do seu ethos (PALÁCIOS,2004), que recorre a essas materializações signicantes para que a sua existência

    aconteça de forma sasfatória. A publicidade constrói a sua imagem de si a parrdo reconhecimento da alteridade do consumidor – como estratégia persuasiva

     –, e o indivíduo, quando nega o consumo de um produto, expõe os atributosidentários pelos quais deseja ser representado.

    Dessa forma, reconhecendo o consumo como carregado de signicação social,sendo subsídio para a interação entre os atores – uma vez que comunica imagense constrói o alicerce para o gerenciamento das subjevidades –, este argo buscaentender de que forma os novos contextos socioculturais contemporâneos sãofundamentais para a compreensão das expectavas sociais, mais especicamentede valorização dos processos de idencação, e das novas prácas publicitárias,

    que se apresentam mais diretamente conectadas a este consumidor. Para isso,recorre a pressupostos teóricos que fundamentam as discussões a respeito doethos enunciavo, do consumo e da representação identária em novos contextosde tecnologia e sociabilidade.

    Ethos publicitário e estereópo em novos contextos interacionais

    O processo de signicação construído pela publicidade não é e nunca foi alheioaos acontecimentos socioculturais do contexto da sua representação. Funcionandocomo espelho dos sistemas de referência culturais e, adicionalmente, comofornecedor de imagens hiperbolizadas que ajudam a estruturar a vida social(PINTO, 1997), a publicidade é, a todo o tempo, esmulada pelas expectavas

    e mudanças ocorridas no âmbito dos indivíduos que compõem o seu público-alvo. Sendo assim, desde o seu surgimento, a enunciação dialógica, na qual oconsumidor funciona como fonte e desno dos discursos, é o que tenciona oslimites simbólicos do fazer publicitário, quesonando o que seria do plano daapropriação daquilo que compõe a sociabilidade de uma época ou o que poderiaser uma suposta sugestão ideológica.

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    Discurso fundamentalmente persuasivo, portanto, a publicidade não negao caráter racional do indivíduo consumidor, mas elege como prioritário oenvolvimento emovo deste com a marca/produto, mostrando que o “poder depersuasão de um discurso consiste em parte em levar o leitor a se idencar coma movimentação de um corpo invesdo de valores socialmente especicados”(MAINGUENEAU, 2000: 99). Assim, a idencação é um dos fatores primordiaispara esta adesão emocional do público, construindo uma empaa funcionalsignicavamente importante para uma possível consumação da compra.

    Dessa forma, estar atento aos pressupostos sociais da sua conjuntura espaço-temporal é um dos ditames essenciais da publicidade, uma vez que vem destespressupostos a garana da sua ecácia retórica. Como práca cultural, assim, odiscurso publicitário visa ao desao de reer tanto os enunciados estabelecidose repedos connuamente no seio social quanto aqueles que constuem o idealimaginário de uma época.

    Toda a produção cultural se baseia em represen¬tações colevas que circulamna sociedade e que, de alguma forma, estão relacionadas ao imaginário de uma

    época. Sob esse viés da interdiscursividade, todo discurso é compreendidocomo resultado de um movimento de arculação de outros discursos quelhe são anteriores, discursos sociais atravessa¬dos por dizeres colevamenteinstuídos (LYSARDO-DIAS, 2007: 28).

    O estereópo, portanto, serviu por muito tempo à publicidade como subsídiopara a construção de um modelo de interlocutor que representaria este conjuntode expectavas de todo um grupo social. Propondo uma fusão entre o “tu”intradiscursivo e o “tu” daquele a quem o anúncio se dirige, a tentava consisteem conduzir o consumidor a seguir as suas instruções e, claro, a efevamentecomprar o produto. No entanto, mais do que isso, “ao propor esta troca, o anúnciodiz-nos quem somos e como somos, ou seja, xa os contornos da nossa própria

    idendade” (PINTO, 1997: 31-32).

    Talvez seja esse o ponto-chave para o entendimento do conito vivenciadohoje pela publicidade diante das prácas que se tornaram os pressupostos dasua avidade. No contexto da cibercultura, é cada vez mais complicado proporcontornos xos para a construção da subjevidade, uma vez que a cada dia camais explícito o caráter nômade, situado, múlplo e descentrado da idendadehumana. Isto é, “os processos culturais e comunicacionais propiciados pelosambientes do ciberespaço tornam evidente, colocam a nu a mulplicidadeidentária do sujeito” (SANTAELLA, 2007: 93).

    Tendo em vista, portanto, que

    a legibilidade e a ecácia argumentava da página publicitária dependemdo reconhecimento do sis¬tema de estereopia que ela uliza; é a parrdo reconhecimento que uma série de efeitos de sendo serão percebidos eatuarão junto ao público alvo (LYSARDO-DIAS, 2007: 26)

    é fundamental notar de que forma os indivíduos reconhecem a si mesmo, evitandoparr de determinados pressupostos que alguma vez deniram caracteríscas degênero, classe social ou raça/etnia.

    O ethos publicitário, assim, por tanto tempo refém do estereópo como suamatéria-prima, deve se ver agora muito mais dinâmico, múlplo, reetor dessahibridização da idendade dos indivíduos contemporâneos. No momento emque produz a sua imagem de acordo com uma suposta idencação do outro –que nesse caso é o consumidor –, a publicidade precisa apresentar os elementos

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    necessários para que este outro legime a sua fala e permaneça sendo audiênciada sua enunciação. Isto é, quando “se deixa apreender também como uma voze um corpo” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004: 220), ela traz consigo toda agama de pistas sociais que fazem parte da representação que escolheu para si.

    Dentro dessa perspecva, no ato da comunicação, a publicidade como enunciadorbusca mostrar ao seu interlocutor os traços de caráter que a ela trazem boaimpressão, e é esse conjunto de idealizações imagécas que constui o seu ethos.

    Assim, como arma Roland Barthes: “o orador enuncia uma informação, e aomesmo tempo diz: eu sou isto, eu não sou aquilo” (BARTHES, 1966: 212), ou seja,“é na qualidade de fonte da enunciação que ele se vê revesdo de determinadascaracteríscas que, por ação reexa, tornam essa enunciação aceitável ou não”(DUCROT, 1987: 201). Essas caracteríscas, por sua vez, se constuem a parrde referências culturais que circulam no seio social e abastecem os grupos decomponentes classicatórios.

    Ethos implica, com efeito, uma disciplina do corpo, apreendido por intermédiode um comportamento global. O caráter e a corporalidade do ador provêm deum conjunto difuso de representações sociais valorizadas ou desvalorizadas,

    sobre as quais se apoia a enunciação e que, por sua vez, pode conrmá-las oumodicá-las (PALÁCIOS, 2004: 164).

    Cabelo, idendade e polícas do corpo

    Enquanto referências culturais, o corpo e o cabelo podem ser tomados comoexpressões visíveis da alocação dos sujeitos nos diferentes polos sociais e raciais(GOMES, 2006). O cabelo, então, passa a ser compreendido como um indíciomarcante de procedência étnica, e um dos principais elementos biopológicosna constuição individual no interior das culturas, carregando um “bancode símbolos” (SANSONE, 2004), que diz respeito a um complexo sistema delinguagem. No caso, o cabelo “afro”, e outros pos de penteados, “assumem

    para o africano e os afrodescendentes a importância de resgatar, pela estéca,memórias ancestrais, memórias próximas, familiares e codianas" (LODY, 2004:65), como sinais diacrícos corporicados que remetem à ascendência africana,numa idencação visual e comportamental associada a atudes de ações dereação, resistência e denúncia contra o preconceito (GOMES, 2006: 128). Aomesmo tempo, a despeito de toda a carga simbólica e ideológica depositadasobre o cabelo negro, entendemos que o cabelo em si assume um papel decisivosobre congurações identárias variadas, para além da aparência. Assim apontaKobena Mercer:

    Como parte das diferentes formas de aparência codiana, as formas comomoldamos e eslizamos o cabelo podem ser vistas tanto como expressõesindividuais do self quanto como corporicações das normas, das convenções edas expectavas da sociedade. (MERCER, 1987: 34 - tradução nossa1).

    No caso especíco do Brasil, o cabelo também retém em si aquilo que éconsiderado mais disnvo na população afrodescendente, e sua posividade earmação residiria, pois, no destaque de uma textura mais próxima ao natural.Nas discussões em torno da questão racial, o apelo à naturalidade do corponegro trata de uma construção ideológica, portanto, de uma críca às relações depoder. E os pardários dessa concepção acreditam que, por meio da polizaçãoda consciência racial, poderão chamar a atenção para a importância da negritude

    e de ações reivindicatórias, que tenderão a diminuir as distâncias sociais a elesimpostas. O que não deixa de ser uma leitura ideológica de uma idendade negraconstruída, pautada em referências identárias africanas recriadas no contextobrasileiro. Uma estratégia que se relaciona a uma demanda por reconhecimentode uma autoimagem construída posivamente, em um contexto de segregaçãoétnico-racial e social.

    1 As part of our modes of appearancein the everyday world, the ways weshape and style hair may be seen asboth individual expressions of the selfand as embodiments of society's norms,convenons and expectaons.

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    Assim, é importante observar qual efeito este po de símbolo e referênciaassume, diante de um público consumidor mais geral, e também diante de umsegmento mais especíco. Pois mesmo termos que são aceitáveis podem trazerconotações negavas, dependendo do contexto em consideração, dos efeitosgerados a parr de suas correlações e assimilações, e das respostas inferidas eproduzidas a parr de possíveis estereópos e outras imagens preconceituosas.Ou seja,

    o preconceito depende não só do que está armazenado na memória/mentedo indivíduo, mas também da possibilidade de associar essa categorizaçãocom crenças pessoais de teor negavo ou pejoravo, relavas ao grupo emdestaque, o que caracteriza o estereópo negavo.(BATISTA; COSTA, 2011:121).

    Neste contexto, pois, existe a expectava da sociedade brasileira, que refuta oracismo abertamente, e rejeita também termos e aparições que, mesmo não sendoexplicitamente racistas, possibilitem a lembrança e o reforço de estereópos jáarmazenados. Quando se apoia sobre a noção da imagem do negro a parr de

    representações socialmente desvalorizadas pelo próprio público que se desejaangir, a publicidade constrói o seu ethos de forma equivocada. Sob o argumentoda valorização da idendade negra e brasileira, segundo o próprio discurso daempresa, debruçou-se sobre um emaranhado de simbologias sociais pejoravas,contradizendo de maneira signicava aquilo que objevava parecer. Negligenciara conotação da palha de aço comumente associada ao cabelo afrodescendenteseria, desse modo, uma forma de negar a sua própria parcipação como agentede construção ideológica, esquecer as implicações valoravas dessa associaçãoe esquecer o seu próprio papel de espelho da realidade sociocultural. E, porm, contradizer-se exemplicando o seu discurso a parr de uma imagemestereopada negavamente é colocar-se espacial e temporalmente deslocada,representando uma imagem de si e do outro baseada no equívoco.

    A despeito da discussão acerca do preconceito inerente à produção dosestereópos, reconhecer que a contemporaneidade evidencia novos ambientesde exposição do eu, revelando a resistência do indivíduo ao enquadramentoestanque, é um passo importante inclusive para a manutenção da estratégiapersuasiva publicitária. Sendo assim, percebe-se a necessidade de compreensãodessa nova conjuntura, na qual um dos fatores fundamentais é a “emergênciade vozes e discursos anteriormente reprimidos pela edição da informação pelosmass media” (LEMOS, 2003: 19).

    A imagem de si pelo consumo e a negação do ethos da Bombril

    Do ponto de vista do indivíduo-consumidor, pode-se armar que as relações deconsumo atualmente passam por complexas redes de signicação, nas quais o atode consumir não necessariamente deve ser visto como o ato de adquirir o produto.Possuir é interagir, é expor uma relação com a marca, é mostrá-la como elementofundamental e construtor da sua idendade. Isto é, a posse, no ambiente dossites de redes sociais – especicamente no Facebook , como se pretende aqui –, érepresentada pela existência da página da marca no seu perl (quando o usuáriocurte a página de uma empresa, esta ca evidenciada como suas preferências eajuda a construir referenciais identários importantes para as interações que aliacontecem).

    Sendo assim, esta posse, carregada de signicação social, é subsídio para ainteração entre os atores, uma vez que comunica imagens e constrói o alicerce parao gerenciamento das subjevidades. Ou seja, mesmo em contextos diferenciados,é inegável que o objeto de consumo seja a parte visível da cultura, aquele queajuda a situar as marcações sociais no tempo e no espaço.

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    Dentro do tempo e do espaço disponíveis, o indivíduo usa o consumo para dizeralguma coisa sobre si mesmo, sua família, sua localidade, seja na cidade ou nocampo, nas férias ou em casa. A espécie de armações que ele faz depende daespécie de universo que habita, armavo ou desaador, talvez compevo,mas não necessariamente (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004: 116).

    Desse modo, até mesmo o quesonamento dos valores imbricados no objetoserve também como forma de construção identária a parr da sua reapropriação.

    Isto é, o indivíduo, a parr da sua representação e da interação com o outro, “éalguém que reage à sua comunidade e, em sua reação a ela (...), ele a modica”(MEAD, 1972: 214). Sendo assim, os sujeitos muitas vezes buscam a sua posiçãosocial a parr da críca a uma situação vigente e, consequentemente, a parr dacriação de outra que transforme a estrutura dos sendos. Desse modo, a negaçãode uma marca ou da imagem que esta construiu para si mesma é também umaforma de disnção, uma vez que se vale do mesmo sistema, mas o subjeviza,não pelo desconhecimento, mas pelo desejo da questão desaadora.

    Dentro dessa perspecva, exigir uma retratação da Bombril na página da empresano Facebook  é uma forma de construir o seu próprio ethos a parr da não entrada

    no jogo pretendido pela empresa, deslegimando o discurso da marca e armandoo seu lugar dentro do universo das representações identárias. “É necessário queo outro entre no jogo pretendido pelo usuário para que seja possível o exercíciodas caracteríscas e das prácas comportamentais escolhidas” (RIBEIRO, 2003:94).

    Além disso, ulizar o Facebook  como canal para o diálogo com a Bombril é ummodo de mostrar-se como indivíduo engajado nas discussões que se aproximamdos seus interesses a parr do uso de tecnologias, de certa forma, inovadoras.“Em suma, a comunicação mediada demonstra muitas qualidades novas, masconnua a apresentar e reforçar forças culturais que inuenciam as mensagensem todos os contextos” (BAYM, 2012: 71 - tradução nossa2). Em outras palavras,os indivíduos usuários de sites de redes sociais, imbuídos de um conhecimento arespeito do seu poder como produtores de conteúdo, reconhecem a possibilidadede visibilidade das suas manifestações nestes ambientes, ultrapassando, inclusive,os limites dos resultados da sua ação para outros contextos comunicacionais.

    De certa forma impotentes, por muito tempo, diante de uma imagemestereopada de si – aquela apresentada pelos meios de comunicação e pelapublicidade –, os sujeitos agora reivindicam o poder sobre a representação desi mesmos, em ambientes (como os sites de redes sociais) que possibilitam aprodução e circulação de enunciados próprios, construídos e emidos sem anecessidade de um suposto porta-voz. Desse modo, através das novas linguagens

    das atuais tecnologias de comunicação, reivindica-se a autonomia de ser e servisto, reconhecido como se deseja, detentor da responsabilidade sobre a produçãoda imagem de si mesmo. “Sob o império das subjevidades alterdirigidas, o quese é deve ser visto – e cada um é aquilo que mostra de si” (SIBÍLIA, 2008: 235).

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    2

     “In sum, mediated communicaondemonstrates many new qualies, butconnues to display and reinforce thebroader cultural forces that inuencesmessages in all contexts”.

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    “Cabelo de Bombril”? Ethos publicitário, consumo e estereópo em sites de redes sociais