c ap tu lo 8 t eoria esp ectrald e op erad ores lin eares...

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Capítulo 8 Teoria espectral de operadores lineares limitados A teoria espectral é um dos ramos principais da análise funcional moderna e suas aplicações. Essencialmente consiste no inverso de certos operadores, nas suas propriedades e relação com os operadores originais. Como vimos no Capítulo 5, os operadores inversos surgem naturalmente na resolução de equações, sistemas de equações lineares, equações diferenciais, integrais, etc. A teoria espectral de operadores também ajuda a compreender os próprios operadores, como veremos mais adiante. Vamos começar com a teoria espectral de operadores em dimensão finita, a qual é essencialmente a teoria dos valores próprios de matrizes. Neste capítulo vamos excluir o espaço vectorial trivial {0} e admitiremos que todos os espaços vectoriais são complexos, isto é, o corpo subjacente é C. 8.1 Teoria espectral em espaços de dimensão finita Seja X um espaço normado de dimensão finita n e T : X X um operador linear. Então T pode ser representado por uma matriz n × n, a qual, depende da escolha de uma base em X. Veremos que a teoria espectral de T reduz-se à teoria dos valores próprios da matriz associada a T . Assim, vamos investigar em primeiro lugar valores próprios e conceitos relacionados com matrizes n × n. Seja A = (a ij ) n i, j=1 uma matriz n × n real ou complexa. Os conceitos de valor próprio, vector próprio estão relacionados pela equação Ax = λ x, λ C. (8.1) 179

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Capítulo 8

Teoria espectral de operadores

lineares limitados

A teoria espectral é um dos ramos principais da análise funcional moderna e suasaplicações. Essencialmente consiste no inverso de certos operadores, nas suaspropriedades e relação com os operadores originais. Como vimos no Capítulo 5,os operadores inversos surgem naturalmente na resolução de equações, sistemasde equações lineares, equações diferenciais, integrais, etc. A teoria espectral deoperadores também ajuda a compreender os próprios operadores, como veremosmais adiante.

Vamos começar com a teoria espectral de operadores em dimensão finita, aqual é essencialmente a teoria dos valores próprios de matrizes. Neste capítulovamos excluir o espaço vectorial trivial {0} e admitiremos que todos os espaçosvectoriais são complexos, isto é, o corpo subjacente é C.

8.1 Teoria espectral em espaços de dimensão finita

Seja X um espaço normado de dimensão finita n e T : X ! X um operador linear.Então T pode ser representado por uma matriz n " n, a qual, depende da escolhade uma base em X. Veremos que a teoria espectral de T reduz-se à teoria dosvalores próprios da matriz associada a T . Assim, vamos investigar em primeirolugar valores próprios e conceitos relacionados com matrizes n " n.

Seja A = (ai j)ni, j=1 uma matriz n " n real ou complexa. Os conceitos de valorpróprio, vector próprio estão relacionados pela equação

Ax = !x, ! # C. (8.1)

179

A equação (8.1) pode escrever-se na forma matricial

!

"""""""""""""#

a11x1 + a12x2 + . . . + a1nxna21x1 + a22x2 + . . . + a2nxn. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

an1x1 + an2x2 + . . . + annxn

$

%%%%%%%%%%%%%&

=

!

"""""""""""""""#

!x1!x2...

!xn

$

%%%%%%%%%%%%%%%&

ou ainda na forma de sistema de n equações a n incógnitas'

(((((()

((((((*

(a11 $ !)x1 + a12x2 + . . . + a1nxn = 0a21x1 + (a22 $ !)x2 + . . . + a2nxn = 0. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

an1x1 + an2x2 + . . . + (ann $ !)xn = 0.

Se denotarmos o operador identidade em X por I, então (8.1) escreve-se

(A $ !I)x = 0. (8.2)

Recordemos os seguintes factos da álgebra linear:

1. A equação (8.2) tem uma solução x ! 0 se e só se o determinante da matrizA$!I é igual a zero, isto é, det(A$!I) = 0. Isto dá a equação característicade A

det(A $ !I) =

++++++++++++

a11 $ ! a12 . . . a1na21 a22 $ ! . . . a2n...

......

...

an1 an2 . . . ann $ !

++++++++++++

= 0.

det(A $ !I) é chamado determinante característico de A. Desenvolvendoobtemos um polinómio em ! de grau n, chamado polinómio característicode A.

2. Por outro lado, se det(A $ !I) ! 0, então a equação (8.2) tem apenas asolução trivial x = 0.

3. De acordo com o teorema fundamental da álgebra, um polinómio de grau ntem pelo menos uma raiz complexa e não mais do que n raízes diferentes.

Definição 8.1 Seja A = (ai j)ni, j=1 uma matriz real ou complexa n " n dada. Consi-deremos a equação

Ax = !x, ! # C. (8.3)

180

1. Um número ! # C tal que a equação (8.3) tem solução não trivial x ! 0chama-se valor próprio de A. O vector x ! 0 correspondente chama-sevector próprio associado ao valor próprio ! # C.

(a) Dado um valor próprio ! de A, o conjunto E(!) := {x # X| Ax = !x}forma um subespaço vectorial de X o qual se chama subespaço própriode A correspondente ao valor próprio !.

2. O conjunto "(A) de todos os valores próprios de A é chamado o espectrode A.

3. O complemento #(A) := C\"(A) em C é chamado conjunto resolvente de A.

Do que foi dito, concluímos que a matriz A tem pelo menos um valor própriocomplexo e não mais do que n valores próprios diferentes.

Por exemplo, a matriz A =,5142

-

tem por vectores próprios x1 =,41

-

e x2 =,1$1

-

os quais correspondem aos valores próprios !1 = 6 e !2 = 1, respectivamente.Vamos agora aplicar estas noções a operadores T # B(X), onde X é um espaço

normado de dimensão n < %. Seja e = {e1, . . . , en} uma base arbitrária de X eTe = (ai j)%i, j=1 a matriz associada ao operador T relativamente à base e. Então osvalores próprios da matriz Te são chamados os valores próprios do operador T oconjunto "(Te) o espectro de T e #(Te) o conjunto resolvente de T . Assim defi-nido, podemos pensar que o conjunto dos valores próprios, e o conjunto resolventedependem da base escolhida. Temos, no entanto, a seguinte proposição.

Proposição 8.2 Seja T # B(X) um operador linear definido num espaço normadode dimensão finita. Então todas as matrizes representando o operador T nasdiferentes bases têm os mesmos valores próprios.

Podemos combinar os resultados anteriores para mostrar que um operador T #B(X) possui pelo menos um valor próprio.

Proposição 8.3 Todo o operador linear definido num espaço normado complexode dimensão finita X ! {0} possui pelo menos um valor próprio.

A conclusão da proposição anterior não é verdadeira no caso dos espaços dedimensão infinita, ver Exemplo 8.12 mais à frente.

Exemplo 8.4 Mostre que os valores próprios de uma matriz A de Hermite 2 " 2são reais. Prove que o mesmo resultado é verdadeiro para uma matriz Hermiteanan " n qualquer.

181

Prova. Uma matriz A diz-se de Hermite se e só se A = A&. Assim se A =,acbd

-

,então

A =

.

a bc d

/

=

.

a cb d

/

= A&.

Portanto, temos a = a, d = d, pelo que a, d # R. Temos ainda b = c, por isso amatriz A pode escrever-se como

A =

.

a bb d

/

.

Assim, o polinómio característico de A é dado pelo desenvolvimento de det(A $!I) = 0, ou seja,

(a $ !)(d $ !) $ |b|2 = 0

' !2 $ (a + d)! + ad $ |b|2 = 0 = 0.

As raízes são

!± =(a + d) ±

0

(a + d)2 $ 4(ad $ |b|2)2

=a + d

2±12

0

(a $ d)2 + 4|b|2,

como (a $ d)2 + 4|b|2 > 0, então as raízes !± # R.No caso geral, procedemos do seguinte modo

Ax = !x' x&Ax = x&!x' ! =x&Ax

x&x,

onde x&x é real e se N denotar x&Ax, então

N = N& = x&Ax&= x&A&x = N,

assim, N é real e, portanto ! é real.

Exercícios

Exercício 8.1 Encontre os valores e vectores próprios da matriz A =,a$b

ba

-

, a, b #R e b ! 0.

182

Exercício 8.2 Mostre que os valores próprios de uma matriz A anti-Hermiteana(isto é, AT = $A) são imaginários puros ou zero.

Exercício 8.3 Mostre que os valores próprios de uma matriz A unitária (isto é,A& = A$1) têm todos valor absoluto 1.

8.2 Teoria espectral dos operadores lineares limita-

dos

Nesta secção vamos considerar espaços normados de dimensão arbitrária. A teoriados operadores lineares limitados nos espaços de dimensão infinita é bem maiscomplicada quando comparada com a mesma em dimensão finita.

Seja T : D(T ) ! X um operador linear, onde D(T ) ( X e T!, ! # C o operador

T! := T $ !I,

onde I é o operador identidade em D(T ).

Definição 8.5 (Operador resolvente) Se o operador T! possui inverso, denotadopor R!(T ), isto é, se existe

R!(T ) := T$1! = (T $ !I)$1,

então R!(T ) é chamado operador resolvente de T . É claro que se R!(T ) existe eleé linear.

Observação 8.6 O nome “resolvente” é apropriado, visto que R!(T ) serve pararesolver a equação T!x = y. De facto, se R!(T ) existe, então x = R!(T )y é soluçãoda equação T!x = y. Por outro lado, a investigação das propriedades do operadorR!(T ) desempenham um papel relevante para compreender o próprio operador T .

Definição 8.7 (Valor próprio) Seja T : D(T ) ! X um operador linear comD(T ) ( X. Um número complexo ! chama-se valor próprio do T se existe x ! 0em X tal que

T!x = (T $ !I)x = 0.

O vector x ! 0 chama-se vector próprio de T associado ao valor próprio !.

Note que se ! # C é um valor próprio de T , então R!(T ) não existe, poisN(T!) ! {0}.

183

Definição 8.8 (Valor regular) Seja T : D(T ) ! X um operador linear comD(T ) ( X. Um número complexo ! chama-se valor regular de T se

(R1) o operador R!(T ) existe e, portanto é um operador linear.

(R2) O operador R!(T ) é limitado.

(R3) O operador R!(T ) está definido num conjunto M denso em X, isto é, M = X.

O conjunto #(T ) de todos os valores regulares ! # C do operador T chama-seconjunto resolvente de T .

Definição 8.9 (Espectro) O complemento "(T ) = C\#(T ) no plano complexochama-se espectro de T e ! # "(T ) diz-se um valor espectral de T . Pode provar-se que o espectro "(T ) é a união disjunta dos seguintes conjuntos

"(T ) = "d(T ))"c(T ))"r(T ),

onde:

"d(T ): é o espectro discreto de T , isto é, é o conjunto dos ! # C tais que R!(T )não existe. Portanto, se ! # "p(T ), então ! é um valor próprio de T .

"c(T ): é o espectro contínuo de T , isto é, é o conjunto dos ! # C tais que ooperador R!(T ) existe e satisfaz a condição 3. da Definição 8.8 mas nãosatisfaz a condição 2. da Definição 8.8, ou seja R!(T ) é ilimitado.

"r(T ): é o espectro residual de T , isto é, é o conjunto dos ! # C tais que R!(T )existe e não satisfaz a condição 3. da Definição 8.8, ou seja, o domínio deR!(T ) não é denso em X. Neste caso R!(T ) pode ou não ser limitado.

Podemos resumir as Definições 8.8 e 8.9 no seguinte quadro

(R1) (R2) (R3) ! pertence a:

Sim* * *

#(T )NãoSim "d(T )Não

*

Sim* *

"c(T )Não

*

Sim*

"r(T )Não

*

184

Em dimensão finita, isto é, dim X < %, o conjunto "d(T ) ! + e "c(T ) ="r(T ) = +. Mas em dimensão infinita, isto é, dimX = % pode acontecer que"d(T ) = + no entanto o operador tem valores espectrais. O próximo exemploapresenta um operador com esta propriedade, isto é, T possui valores espectraisque não são valores próprios.

Exemplo 8.10 Seja X = $2(C) e T : $2(C)! $2(C) definido por

Tz := (0, z1, z2, . . .).

Então ,T, = 1, R0(T ) existe e ! = 0 é um valor espectral de T mas ! = 0 não éum valor próprio de T .

Prova. É fácil verificar que ,T, = 1, pois

|Tz|2 =%1

n=1

|zn|2 = |z|2 - |Tz| = |z|,

de onde resulta ,T, = 1. Por outro lado, R0(T ) = T$10 = (T $ 0I)$1 = T$1

existe. De facto, o inverso do operador de deslocamento direito é o operador dedeslocamento esquerdo, sendo este definido em R(T ), isto é, D(R0(T )) = R(T ).Assim, se w = (0,w1,w2, . . .) # R(T ), então

R0(T )w = (w2,w3, . . .)

e R0(T ) é um operador limitado; de facto, temos ,R0(T ), = 1. É claro que nodomínio D(R0(T )) temos T . R0(T ) = I e também R0(T ) . T = I. Mas ! = 0 nãoé um valor próprio de T , pois

Tz = 0z' (0, z1, z2, . . .) = 0- z1 = z2 = . . . = 0,

logo z = 0 e, assim, ! = 0 não é valor próprio de T . Para ver que ! = 0 é um valorespectral de T basta ter em atenção o facto de D(R0(T )) não ser denso em $2(C),pois

D(R0(T )) =2

z # $2(C)| z1 = 03

e, por exemplo, o vector (1, 0, . . .) não pertence ao conjunto gerado por D(R0(T )).Assim, ! = 0 " #(T ) pelo que ! = 0 # "(T ) ou seja, ! = 0 é um valor espectralde T em "r(T ).

185

De seguida vamos analisar com mais pormenor o problema da existência devalores próprios de operadores auto-adjuntos limitados. Seja H é um espaço deHilbert complexo e T # B(H) um operador auto-adjunto, isto é,

(T x, y) = (x, Ty), /x, y # H .

Ou seja, T 0 = T e temos ainda que ,T 0, = ,T,. Por outro lado se T é auto-adjunto, então (T x, x) é real, visto que H é complexo e, inversamente, se (T x, x)é real, então T é auto-adjunto, ver Teorema 7.15.

Teorema 8.11 Seja T # B(H) um operador auto-adjunto emH . Então:

1. Todos os valores próprios de T (se existirem!) são reais.

2. Os vectores próprios correspondentes a valores próprios distintos são or-togonais.

3. Se ! é um valor próprio de T , então |!| 1 ,T,.

Prova. 1. Seja ! um valor próprio qualquer de T e x o vector próprio correspon-dente. Então x ! 0 e T x = !x. Como T é auto-adjunto, temos

!(x, x) = (!x, x) = (T x, x) = (x, T x) = (x, !x) = !(x, x).

Como (x, x) = |x|2 ! 0 por x ! 0, então dividindo por (x, x) obtemos ! = !.Portanto, ! é real.

2. Sejam !,µ dois valores próprios de T distintos e x, y os vectores próprioscorrespondentes. Então T x = !x e Ty = µy. Visto que T é auto-adjunto, temos

!(x, y) = (!x, y) = (T x, y) = (x, Ty) = (x, µy) = µ(x, y).

Como por hipótese ! ! µ, então temos (! $ µ)(x, y) = 0, de onde resulta que(x, y) = 0. Logo x 2 y.

3. Tendo em conta a desigualdade

|!x| = |!||x| = |T x| 1 ,T, |x|

e o facto de x ! 0, então |!| 1 ,T,.

Um operador auto-adjunto pode não ter valores próprios, como mostra o se-guinte exemplo.

186

Exemplo 8.12 SejaH = L2([0, 1]) e T # B(H) definido por

T : L2([0, 1])! L2([0, 1]), x 3! (T x)(t) := tx(t).

Então T é linear limitado auto-adjunto sem valores próprios e "(T ) = "c(T ) =[0, 1].

Prova. É claro que T é linear limitado e auto-adjunto, pois, para quaisquer x, y #L2([0, 1]) temos

(T x, y) =4 1

0(T x)(t)y(t)dt =

4 1

0tx(t)y(t)dt =

4 1

0x(t)ty(t)dt = (x, Ty).

De onde resulta T 0 = T , isto é, T é auto-adjunto.Vamos provar que T não tem valores próprios. Temos

(T!x)(t) = ((T $ !I)x)(t) = (t $ !)x(t).

1. Suponhamos que ! # [0, 1], então (T!x)(t) = 0 implica x(t) = 0 para t ! !,logo x = 0, o elemento nulo em L2([0, 1]). Assim, T! é invertível e, destemodo, ! # [0, 1] não pode ser valor próprio de T . O inverso T$1! é dado por

(T$1! x)(t) = (t $ !)$1x(t). (8.4)

É claro que T$1! não é limitado quando ! # [0, 1] (quando t = !, (T$1! x)(t) =%!); como D(T$1! ) é denso em L2([0, 1]), então concluímos que [0, 1] ("c(T ).

2. Para ! # R\[0, 1] o operador T! também é injectivo e o seu inverso (dado por(8.4)) é limitado sendo o seu domínio denso em L2([0, 1]). Logo R\[0, 1] (#(T ). Em resumo

#(T ) = R\[0, 1]"(T ) = "c = [0, 1]

"p(T ) = "r(T ) = +.

187

Teorema 8.13 Seja T # B(H) um operador linear limitado auto-adjunto no es-paço de Hilbert complexoH . Então

,T, = sup|x|=1|(T x, x)|.

Prova. Pela desigualdade de Cauchy-Schwarz temos

sup|x|=1|(T x, x)| 1 sup

|x|=1|T x||x| 1 sup

|x|=1|T x| = ,T, .

Vamos mostrar a desigualdade contrária. Podemos supor que T x ! 0 com|x| = 1, pois, caso contrário se T x = 0 para todos x com |x| = 1, então

,T, = sup|x|=1|T x| = 0- T = 0

e a desigualdade ,T, 1 sup|x|=1 |(T x, x)| é verdadeira neste caso. Assim, T x ! 0com |x| = 1. Definimos

v :=0

|T x|x, w :=1*|T x|

T x.

Notemos, desde já que |v|2 = |w|2 = |T x| e para y1 = v + w, y2 = v $ w temos

(Ty1, y1) $ (Ty2, y2) = 2[(Tv,w) + (Tw, v)]

= 2((T x, T x) + (T 2x, x))

= 4|T x|2. (8.5)

Por outro lado, para qualquer y ! 0 e z = |y|$1y' y = |y|z, então

|(Ty, y)| = |y|2|(Tz, z)| 1 |y|2 sup|z|=1|(Tz, z)| = K|y|2.

Pela desigualdade triangular temos

|(Ty1, y1) $ (Ty2, y2)| 1 |(Ty1, y1)| + |(Ty2, y2)|1 sup

|z|=1|(Tz, z)|(|y1|2 + |y2|2)

= 2K(|v|2 + |w|2)= 4K|T x|. (8.6)

188

Portanto, de (8.5) e (8.6) resulta

4|T x|2 1 4K|T x| ' |T x| 1 K.

Tomando o supremo sobre todos os x com norma 1 obtemos a desigualdade dese-jada, isto é, ,T, 1 K = sup|x|=1 |(T x, x)|.

Teorema 8.14 O espectro residual"r(T ) de um operador T # B(H) auto-adjuntoé vazio.

Prova. Suponhamos, com vista a um absurdo, que existe ! # "r(T ). Assim, R!(T )existe mas D(R!(T )) não é denso em H . Se denotarmos L := D(R!(T )), então Hpode decompor-se como

H = L 4 L2.

Existe y # H tal que y ! 0 e y 2 D(R!(T )) = L, ou seja y # L2. ComoD(R!(T )) = R(T!), então

(T!x, y) = 0, /x # H .

Como T é auto-adjunto, então (x, T!y) = 0, /x # H . Escolhendo x = T!y resulta|T!y|2 = 0, ou seja,

T!y = 0' Ty = !y.

Como y ! 0, isto mostra que ! é um valor próprio de T , logo ! não pode ser umelemento em "r(T ), absurdo. Assim, "r(T ) = +.

Exemplo 8.15 Considere o espaço de Hilbert $2(C), e o operador T # B($2(C))definido por

Tz =5

z1,z22, . . . ,

znn, . . .6

.

Mostre que T é auto-adjunto e compacto. Calcule o espectro de T .

Prova. Vamosmostrar que T é auto-adjunto. De facto, para quaisquer z,w # $2(C)temos

(Tz,w) =%1

n=1

znnwn =

%1

n=1

zn1nwn = (z, Tw).

Como por definição (Tz,w) = (z, T 0w), então

(z, T 0w) = (z, Tw)' (z, (T 0 $ T )w) = 0, /z # $2(C).

189

Escolhendo z = (T 0 $ T )w, obtemos |(T 0 $ T )w|2 = 0, /w # $2(C). Portanto,as propriedades de norma implicam que (T 0 $ T )w = 0, /w # $2(C), ou sejaT 0 $ T = 0 e, portanto, T 0 = T . Deste modo T é auto-adjunto.

Pelo Exemplo 7.25 o operador T é compacto. Assim, do Teorema 8.14 resulta deimediato que, o espectro residual de T "r(T ) é vazio, isto é, "r(T ) = +. Temos,pois

"(T ) = "d(T ))"c(T ).

Relativamente ao espectro discreto, isto é, o conjunto formado pelos valores pró-prios de T , temos

Tz = !z'5

z1,z22, . . . ,

znn, . . .6

= (!z1, !z2, . . . , !zn, . . .),

de onde resulta que ! #2

1, 12 ,13 , . . .

1n , . . .3

. Portanto, "d(T ) =2

1, 12 ,13 , . . .

1n , . . .3

.Falta identificar o conjunto do espectro contínuo, isto é, o conjunto "c(T ) dos va-lores ! tais que T$1! existe mas não é limitado. Para tal, vamos calcular o operadorinverso T$1! := (T $ !I)$1. Sejam z,w # $2(C) dados, então

T!z = w' z = T$1! w.

Assim,T!z = w' (T $ !I)z = w

'5

z1 $ !z1,z22$ !z2, . . . ,

znn$ !zn, . . .

6

= (w1,w2, . . . ,wn, . . .),

de onde resulta que

z1 =w11 $ !

,

z2 =2w21 $ 2!

,

.........

zn =nwn

1 $ n!.........

O operador inverso T$1! é dado por

T$1! w =

.

w11 $ !

,2w21 $ 2!

, . . . ,nwn

1 $ n!, . . .

/

.

190

É claro que para ! "2

1, 12 ,13 , . . .

1n , . . .3

, o operador está bem definido e D(T$1! ) =$2(C), de onde resulta que D(T$1! ) é denso em $

2(C). Vamos, agora estudar T$1!quanto à sua limitação:

|T$1! w|2 =%1

n=1

+++++

nwn

1 $ n!

+++++

2

=

%1

n=1

+++++

n1 $ n!

+++++

2

|wn|2.

Para ! = 0 e w = en = (0, . . . 0, 1, 0, . . .) (1 na posição n), então

|T$1! en| = n,

lodo, passando ao supremo sobre todos os en, n # N, concluímos que T$1! não élimitado. Isto prova que ! = 0 # "c(T ), pois, T0 é auto-adjunto ("r(T ) = +). Poroutro lado, se ! ! 0, então como a sucessão n

1$!n é crescente com limite $1!, então

obtemos

|T$1! w| 11|!||w|,

e, deste modo, temos777T$1!777 1 1

|!| , isto é, T$1! é limitado. Portanto,

"(T ) =

8

1,12,13, . . .

1n, . . .

9

) {0} .

Exercícios

Exercício 8.4 Seja H = $2(C) o espaço de Hilbert das sucessões complexas dequadrado somável. Consideremos o operador T definido por

T : $2(C)! $2(C), x 3! Tz :=5

0, z1,z22, . . . ,

znn, . . .6

.

Encontre o espectro do operador T .

Exercício 8.5 Seja X = C([0, 1]) o espaço de Banach de todas as funções contí-nuas no intervalo [0, 1] e T : X ! X definida por

(T x)(t) = %(t)x(t), % # C([0, 1]).

Calcule o espectro de T .

191

Exercício 8.6 Seja T : X ! X um operador linear limitado num espaço de Ba-nach X tal que ,T, < |!|. Mostre que ! pertence ao conjunto resolvente de T , istoé, ! # #(T ). Conclua que "(T ) # D,T ,(C), onde D,T ,(C) é o disco com centro naorigem e raio ,T,, isto é,

D,T ,(C) := {z # C | |z| 1 ,T,} .

Exercício 8.7 Sendo X um espaço de Banach, encontre os seguintes objectos parao operador I: "(I), R!(I),

Exercício 8.8 Seja X = C([0, 1]) o espaço de Banach e T # B(X2) o operadordefinido por

(T x)(t) =

.

$1 et + 2et 1

/ .

x1(t)x2(t)

/

.

Calcule o espectro de T . Calcule o operador R!(T ) para ! ! "(T ).

Exercício 8.9 Sejam !1, . . .!n valores próprios de uma n " n-matriz A e p umpolinómio de grau n, isto é,

p(t) =n1

k=1

%ktk.

Mostre que p(! j), j = 1, . . . , n são valores próprios da matriz p(A).

Exercício 8.10 Seja X = L2([$1, 1]) e T o operador definido por

T : L2([$1, 1])! L2([$1, 1]), x 3! (T x)(t) := 11[0,1](t)x(t).

Calcule o espectro de T .

Exercício 8.11 Seja T : $1(C) ! $1(C) o operador definido por

Tz = (z2, z3, . . .).

1. Calcule a norma de T e o operador adjunto T 0.

2. Identifique os conjuntos "(T ) e #(T ).

Exercício 8.12 Sejam !1, !2 dois valores regulares de um operador T # B(X).Mostre que

192

1. A seguinte identidade é verdadeira

R!1 (T ) $ R!2(T ) = (!1 $ !2)R!1 (T )R!2 (T ).

2. Os operadores R!1 (T ) e R!2(T ) comutam, isto é

[R!1 (T ),R!2(T )] = R!1(T )R!2 (T ) $ R!2(T )R!1 (T ) = 0.

3. A aplicação#(T ) 5 ! 3! R!(T ) # B(X)

é contínua.

Exercício 8.13 Mostre que se T # B(X), então a aplicação

#(T ) 5 ! 3! R!(T ) # B(X)

tem derivada em qualquer ponto de ! # #(T ).

8.3 Teorema espectral

Já vimos que os valores próprios de um operador auto-adjunto limitado T é real,cf. Teorema 8.3. Mas podemos mesmo mostrar que todo o espectro de T é real.

Teorema 8.16 Seja T : H ! H um operador linear auto-adjunto limitado noespaço de Hilbert complexoH .

1. Então um número ! pertence ao conjunto resolvente #(T ) se e só se existeuma constante c > 0 tal que, para todo x # H , temos

|T!x| 6 c|x|, T! := T $ !I.

2. O espectro "(T ) de T é real.

Prova. 1. Vamos somente mostrar a condição necessária. Se ! # #(T ), entãoR!(T ) = T$1! : H ! H existe e é limitado. Assim, a norma de R!(T ) é, digamos,,R!(T ), = k, onde k > 0. É claro que R!(T )T! = I e, portanto, para qualquerx # H temos

|x| = |R!(T )T!x| 1 ,R!(T ), |T!x| = k|T!x|.

193

Deste modo, |T!x| 6 c|x|, onde c = 1/k.

2. Suponhamos, que ! = %+&i, & ! 0 com vista a provar que ! # #(T ); implicandoque "(T ) ( R. Como T é auto-adjunto, então para qualquer x ! 0 emH , (T x, x),(x, x) são reais. Por outro lado, temos

(T!x, x) = (T x, x) $ !(x, x),

pelo que(T!x, x) $ (T!x, x) = (! $ !)(x, x) = 2i&|x|2.

O lado esquerdo é igual a $2iIm(T!x, x). Portanto, dividindo por 2, tomando ovalor absoluto e usando a desigualdade de Cauchy-Schwarz, obtemos

|&||x|2 = |Im(T!x, x)| 1 |(T!x, x)| 1 |T!x||x|.

Dividindo por |x| ! 0 resulta que

|T!x| 6 |&||x|, |&| > 0

e, pela alínea anterior, ! # #(T ). Concluímos, pois, que se ! # "(T ), então ! éreal.

Teorema 8.17 (Espectro) O espectro "(T ) de um operador T : H $! H limi-tado auto-adjunto está contido dentro do intervalo [m,M] do eixo real, onde

m := inf|x|=1(T x, x), M := sup

|x|=1(T x, x).

Prova. Já sabemos pelo Teorema 8.16-2. que o espectro "(t) é real. Vamos mos-trar que se ! = M + ', ' > 0, então ! pertence ao conjunto resolvente #(T ). Sejax ! 0 e definimos v := |x|$1x de onde resulta x = |x|v. Assim,

(T x, x) = |x|2(Tv, v)1 |x|2 sup

|v|=1(Tv, v)

= (x, x)M.

Daqui resulta $(T x, x) 6 $(x, x)M e, pela desigualdade de Cauchy-Schwarzobtemos

|T!x||x| 6 $(T!x, x)= $(T x, x) + !(x, x)6 ($M + !)(x, x)= c|x|2, c := $M + ! = ' > 0.

194

Portanto, dividindo por |x| obtemos a desigualdade

|T!x| 6 c|x|

pelo que ! # #(T ) pelo Teorema 8.16-1. Para ! < m a idea da prova é a mesma.

O teorema seguinte mostra que se ,T, = (T x0, x0) para algum x0 # H com|x0| = 1, então pelo menos um dos números ,T, ou $ ,T, é um valor próprio deT .

Teorema 8.18 Seja T # B(H) um operador auto-adjunto emH .

1. Se existe um vector x0 # H com |x0| = 1 e

µ := sup|x|=1|(T x, x)| = (T x0, x0),

então µ é um valor próprio de T com vector próprio correspondente x0.

2. Se existe um vector y0 # H com |y0| = 1 e

! := inf|x|=1|(T x, x)| = (Ty0, y0),

então ! é um valor próprio de T com vector próprio correspondente y0.

Prova. Sem prova.

O teorema anterior dá uma condição necessária para existir um valor própriode um operador auto-adjunto T , mas não dá a condição suficiente, isto é, quando éque (T x, x) tem um máximo ou mínimo no conjunto {x # H| |x| = 1}. O próximoteorema responde a esta questão.

Teorema 8.19 Seja T # B(H) um operador auto-adjunto e compacto. Então pelomenos um dos valores ,T, ou $ ,T, é um valor próprio de T .

Prova. Se T = 0, então ! = 0 é um valor próprio de T , pois T x = !x para qualquerx ! 0. É claro que |!| = ,T,. Assim, suponhamos que T ! 0 e |!| = ,T, ! 0.Do Teorema 8.13 e definição de supremo, resulta a existência de uma sucessão(xn)%n=1 ( H com |xn| = 1 tal que

limn!|(T xn, xn)|! ,T, . (8.7)

195

Como T é compacto, então a sucessão (T xn)%n=1 possui uma subsucessão (Tyk)%k=1

convergente. Por sua vez, a sucessão de números reais ((Tyk, yk))%n=1 possui umasubsucessão ((Tzl, zl))%l=1 convergente para um número real ! # R com |!| 1 ,T,.Vamos provar que

liml!%

zl = (, e liml!%

Tzl = !(.

Como (Tyk)%k=1 é convergente, então a subsucessão (Tzl)%l=1 também é convergente,

digamosliml!%

Tzl = ).

Assim, basta mostrar queliml!%|Tzl $ !zl| = 0. (8.8)

Temos

|Tzl $ !zl|2 = |Tzl|2 $ !(Tzl, zl) $ !(zl, Tzl) + !2

= |Tzl|2 $ 2!(Tzl, zl) + !2

! |)|2 $ !2.

Temos ainda |Tzl| 1 ,T, = |!| o que implica |)| 1 |!|. Daqui resulta a igualdade(8.8). Por outro lado, de

liml!%

Tzl = )

resulta a existência de um elemento ( # H com |(| = 1 tal que liml!% zl = (.Como T # B(H), então

liml!%

Tzl = T(.

Agora a igualdade (8.8) implica que T( = !(, isto é, ! é um valor próprio de T .

Corolário 8.20 Se T # B(H) é auto-adjunto e compacto, então

max|x|=1|(T x, x)|

existe e,T, = max

|x|=1|(T x, x)|.

196

Prova. Pelo Teorema 8.19, ,T, é um valor próprio de T . Seja x o vector própriocorrespondente a ,T, tal que |x| = 1. Temos,

(T x, x) = (,T, x, x) = ,T, |x|2 = ,T, ,

logo |(T x, x)| = ,T,. Assim,

sup|y|=1|(Ty, y)| = ,T, = |(T x, x)| = max

|y|=1|(Ty, y)|.

Observação 8.21 Se T # B(H) é um operador auto-adjunto compacto, então acomponente do espectro "d(T ) ! + e ainda "d(T ) ( R, pois os valores própriossão reais.

Num espaço euclidiano de dimensão finita, dado qualquer operador linearauto-adjunto, existe uma base ortonormada na qual a matriz associada ao opera-dor é diagonal. Vamos estabelecer este resultado para os operadores auto-adjuntocompactos definidos num espaço de HilbertH . Antes disso, analisamos o caso dedimensão finita.

SejaH = Cn e T um operador linear auto-adjunto emH . Então T é limitado epodemos escolher uma base na qual T seja representado por uma matriz diagonal.O espectro de T consiste nos valores próprios da matriz de T , os quais são reais.Suponhamos que a matriz de T tem n valores próprios distintos !1 < !2 < . . . <!n. Então os vectores próprios associados x1, x2, . . . , xn formam uma base de H ,por estes serem ortogonais. Assim, qualquer x # H pode representar-se como

x =n1

i=1

%ixi. =n1

i=1

(x, xi)xi =n1

i=1

x! xixi. (8.9)

Aplicando T a x e usando o facto de xi ser um vector próprio de T , com valorpróprio !i, obtemos

T x =n1

i=1

!i(x, xi)xi. (8.10)

Embora T possa actuar de uma forma complicada em x, em cada parcela da soma(8.9) a sua acção é simples. Isto mostra a vantagem de usar os vectores próprioscomo base. Podemos ainda escrever a soma (8.10) de uma formamais conveniente

197

com vista à sua generalização a espaços de Hilbert com dimensão infinita. Paracada vector próprio !i associamos o subespaço próprio E(!i) definido por

E(!i) = {x # H| T x = !ix}.A projecção ortogonal Pi := P!i sobre E(!i) é definida da seguinte forma

Pi : H $! E(!i), x 3! Pi(x) := %ixi.

Pi está bem definida, de facto para cada x # H , Pi(x) # E(!i), visto queT (Pi(x)) = %iT xi = !i%i xi = !iPi(x).

Portanto, a igualdade (8.9) pode escrever-se como

x =n1

i=1

Pix =- I =n1

i=1

Pi

e a igualdade (8.10) dá lugar a

T x =n1

i=1

!iPix =- T =n1

i=1

Pi. (8.11)

Isto é a representação de T em termos de projecções e dos valores próprios. Poroutras palavras, o espectro de T é utilizado para obter a representação de T , dadaem (8.11), em termos de operadores simples como são as projecções Pi.

Teorema 8.22 (Espectral) Seja T # B(H) um operador auto-adjunto e com-pacto. Então

1. Existe um sistema ortogonal (en)%n=1 de vectores próprios de T com valorespróprios correspondentes (!n)%n=1 tal que para qualquer x # H temos

T x =%1

n=1

!n(x, en)en.

Se (!n)%n=1 é uma sucessão infinita, então !n ! 0, n!%.

2. Inversamente, se (en)%n=1 é um sistema ortogonal em H e (!n)%n=1 é uma su-cessão de números reais finita ou infinita tal que !n ! 0, então o operadorT definido por

T x :=%1

n=1

!n(x, en)en

é linear auto-adjunto e compacto.

Prova. Sem prova.

198

Exercícios

Exercício 8.14 Seja T um operador compacto auto-adjunto emH cuja represen-tação espectral é dada por (8.11). Mostre que

1. Para qualquer k # N temos

Tk =

n1

i=1

!ki Pi.

2. Para qualquer z # #(T ) e x # H , temos

T$1z x =n1

i=1

(!i $ z)$1Pix.

Exercício 8.15 Um subespaço X ( H diz-se invariante sob a acção de um opera-dor T # B(H) se T (X) ( X, isto é, T x # X, para qualquer x # X.

1. Mostre que o subespaço próprio E(!) do operador T associado a ! é invari-ante.

2. Mostre que se X ( H é um subespaço invariante do operador T # B(H),então X2 é um subespaço invariante de T 0.

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