busca em ônibus rodoviário - dissertação
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A BUSCA EM ÔNIBUS RODOVIÁRIO é uma ação policial complexa e necessária, diante dos crimes perpetrados por transporte em ônibus rodoviário, o que enseja aprofundado estudo nos campos teórico-legal e prático, para uma possível uniformização de procedimento, considerando-se, ainda, a consequente limitação de direitos individuais verificada nesse ato. Justifica-se o estudo em função das suas particularidades, observada a presença de grande quantidade de bagagens, do espaço a ser revistado e pelo maior número de pessoas envolvidas na condição de sujeitos passivos que fazem uso em comum do meio de transporte; igualmente, pelo fato de que o ônibus rodoviário cobre grandes distâncias e faz ligações intermunicipais, interestaduais e mesmo internacionais, sendo utilizado por pessoas diversas, para várias finalidades. O trabalho analisa a evolução do transporte coletivo de passageiros e o seu uso criminoso, a competência da Polícia Militar para agir na prevenção e repressão aos crimes a ele relacionados, além do papel das agências reguladoras. Foca os aspectos legais, partindo da análise da busca pessoal ao longo do tempo, do seu conceito e de suas possíveis classificações pelos critérios: da natureza jurídica do ato; da restrição de direitos individuais; da abrangência em relação ao sujeito passivo; da tangibilidade corporal. A abordagem teórica, enriquecida por exemplos práticos em relatos de ocorrências recentes, torna possível responder questionamentos comuns sobre os sujeitos passivos da busca em situações que envolvem a pessoa e o veículo por ela utilizado, bem como, sobre os contornos de eventuais hipóteses de abusos de autoridade. O objetivo do estudo é propor um procedimento operacional padrão para minimização das possibilidades de erros, em uma gestão voltada à qualidade, ao mesmo tempo em que se proporciona maior segurança aos profissionais responsáveis pela intervenção policial. Os dados foram obtidos por meio de pesquisas bibliográficas e documentais, bem como de entrevistas em pesquisa de campo.TRANSCRIPT
ADILSON LUÍS FRANCO NASSARO
BBUUSSCCAA EEMM ÔÔNNIIBBUUSS RROODDOOVVIIÁÁRRIIOO
São Paulo
2008
BUSCA EM ÔNIBUS RODOVIÁRIO
Dissertação apresentada ao Centro de Altos Estudos de Segurança, “Cel PM Nelson
Freire Terra” (CAES), no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO), da Polícia
Militar do Estado de São Paulo, em 2008, para obtenção do título de Mestre em
Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública.
ADILSON LUÍS FRANCO NASSARO
São Paulo
2008
DDeeddiiccaattóórriiaa
Para a pequena Mariana, minha filha.
Porque não se busca sozinho a felicidade.
AAggrraaddeecciimmeennttooss
A Deus, por mais esta oportunidade de
realização.
Ao Ten Cel PM Hélio Verza Filho, pelas
orientações precisas, lastreadas em sua rica
experiência profissional.
Ao Ten Cel PM Carlos Alberto Paffetti Fantini e ao
Maj PM Benedito Roberto Meira pelo apoio e incentivo.
Aos demais Oficiais, Praças e Funcionários Civis
do 2º BPRv, especialmente aos meus comandados da
3ª Cia (Assis/SP), pelo suporte nas pesquisas e na
elaboração desta obra.
Aos integrantes do CAES, digna casa de ensino,
Instrutores e Professores, pelos conhecimentos
adquiridos em tão proveitoso período de estudos.
“Andemos pelo tempo que é perdido,
Buscando nosso mar desconhecido!”
Paulo Bomfim
(Do Soneto XXV, Transfiguração).
RREESSUUMMOO
A BUSCA EM ÔNIBUS RODOVIÁRIO é uma ação policial complexa e necessária, diante dos crimes perpetrados por transporte em ônibus rodoviário, o que enseja aprofundado estudo nos campos teórico-legal e prático, para uma possível uniformização de procedimento, considerando-se, ainda, a consequente limitação de direitos individuais verificada nesse ato. Justifica-se o estudo em função das suas particularidades, observada a presença de grande quantidade de bagagens, do espaço a ser revistado e pelo maior número de pessoas envolvidas na condição de sujeitos passivos que fazem uso em comum do meio de transporte; igualmente, pelo fato de que o ônibus rodoviário cobre grandes distâncias e faz ligações intermunicipais, interestaduais e mesmo internacionais, sendo utilizado por pessoas diversas, para várias finalidades. O trabalho analisa a evolução do transporte coletivo de passageiros e o seu uso criminoso, a competência da Polícia Militar para agir na prevenção e repressão aos crimes a ele relacionados, além do papel das agências reguladoras. Foca os aspectos legais, partindo da análise da busca pessoal ao longo do tempo, do seu conceito e de suas possíveis classificações pelos critérios: da natureza jurídica do ato; da restrição de direitos individuais; da abrangência em relação ao sujeito passivo; da tangibilidade corporal. A abordagem teórica, enriquecida por exemplos práticos em relatos de ocorrências recentes, torna possível responder questionamentos comuns sobre os sujeitos passivos da busca em situações que envolvem a pessoa e o veículo por ela utilizado, bem como, sobre os contornos de eventuais hipóteses de abusos de autoridade. O objetivo do estudo é propor um procedimento operacional padrão para minimização das possibilidades de erros, em uma gestão voltada à qualidade, ao mesmo tempo em que se proporciona maior segurança aos profissionais responsáveis pela intervenção policial. Os dados foram obtidos por meio de pesquisas bibliográficas e documentais, bem como de entrevistas em pesquisa de campo.
AABBSSTTRRAACCTT
The SEARCH IN ROAD BUS is a complex and necessary police action, ahead of the criminal behaviors perpetrated in the collective transport of passengers, it tries deepened study in the theoretician-legal and practical fields, to also make possible a uniform procedure, considering itself the consequent limitation of individual rights verified in this act. It is justified by the search particularity, observed the presence of great amount of space and the biggest number of involved people in the condition of passive citizens that in common make use of the road bus; also, the road bus cross large distances and make inter-city, interstate and exactly international link, being used for people of origins and varied destinations, as the purpose of the trip. The study analyzes the evolution of the collective transport and its use for the practical criminal, the ability of the Brazil’s Police to act in the prevention and repression to the related crimes it, beyond the paper of the regulating agencies. Show the legal aspects, leaving analysis of the body search through out the time, in human history, of its concept and its possible classifications by: the legal nature of the act; the necessary restriction of individual rights; the search size (in relation to the passive citizen); the corporal touch. The theoretical boarding, enriched for practical examples in stories of recent occurrences, becomes possible to answer common questionings of the passive citizens in situations that involve the person and the vehicle for used it, as well as, on the contours of eventual hypotheses of authority abuse. Consider an operational procedure standard of search in road bus is the objective of this study, for minimize of the errors possibilities, in the intention of a management directed to the quality, at the same time where if it provides to greater security to the responsible professionals for the police intervention. The data had been gotten by means of bibliographical research and register, as well as of interviews in field research.
LLIISSTTAA DDEE AABBRREEVVIIAATTUURRAASS EE SSIIGGLLAASS
AA Agência de Área
AI Auto de Infração
Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Bol G PM Boletim Geral da Polícia Militar
BOp
Base Operacional
BPAmb Batalhão de Polícia Ambiental
BPChq Batalhão de Polícia de Choque
BPM/I Batalhão de Polícia Militar do Interior
BPM/M Batalhão de Polícia Militar Metropolitano
BPRv Batalhão de Polícia Rodoviária
BR Brasil
Btl Batalhão
CAES Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores
Cap PM Capitão de Polícia Militar
Cb PM Cabo de Polícia Militar
Cel PM Coronel de Polícia Militar
Cia Companhia
Cmt Comandante
Cmt Int Comandante Interino
CPAmb Comando de Policiamento Ambiental
CPChq Comando de Policiamento de Choque
CPI Comando de Policiamento do Interior
CPP Código de Processo Penal
CPRv Comando de Policiamento Rodoviário
CSM/AM Centro de Suprimento e Manutenção de Armamentos
CTB Código de Trânsito Brasileiro
DP Delegacia de Polícia
DPRF Delegacia de Polícia Rodoviária Federal
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EM Estado-Maior
EPI Equipamento de Proteção Individual
Kg Quilograma
Km Quilômetro
LCP Lei das Contravenções Penais
M-13-PM Manual de Padronização de Procedimentos Policiais-Militares
Maj PM Major de Polícia Militar
OPM Organização Policial-Militar
Pel Pelotão
PM Polícia Militar
PMDF Polícia Militar do Distrito Federal
PMESP Polícia Militar do Estado de São Paulo
PMGO Polícia Militar de Goiás
PMMG Polícia Militar de Minas Gerais
PMMS Polícia Militar do Mato-Grosso do Sul
PMPR Polícia Militar do Paraná
POP Procedimento Operacional Padrão
PRF Policia Rodoviária Federal
RA Relatório de Aperfeiçoamento
Res Reserva
RCC Revista de Cavidades Corporais
Scmt Subcomandante
Sd PM Soldado de Polícia Militar
Seç de Adm Seção de Administração
Sgt PM Sargento de Polícia Militar
Sinarm Sistema Nacional de Armas
Sisnad Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
SISUPA Sistema de Supervisão e Padronização Operacional
Subten PM Subtenente da Polícia Militar
SP São Paulo
SSP Secretaria de Segurança Pública
Ten Cel PM Tenente Coronel de Polícia Militar
Ten PM Tenente de Polícia Militar
TOR Tático Ostensivo Rodoviário
VDM Volume Diário Médio
Vtr Viatura
SSUUMMÁÁRRIIOO
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 11
1 O TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS E A SUA
UTILIZAÇÃO PARA A PRÁTICA CRIMINOSA .................................... 14
1.1 Evolução do transporte rodoviário de passageiros ......................................... 14
1.2 Definição e características do ônibus rodoviário ............................................. 17
1.3 Panorama atual do transporte rodoviário de passageiros e a missão das
agências reguladoras...................................................................................... 20
1.4 Principais infrações penais e modos de ação criminosa relacionados aos
ônibus rodoviários ........................................................................................... 24
1.4.1 Transporte de drogas ................................................................................... 26
1.4.2 Transporte de armas de fogo, acessórios e munições ................................. 30
1.4.3 Transporte de objetos variados de contrabando e de descaminho .............. 33
1.4.4 Transporte de medicamentos ....................................................................... 34
2 AÇÕES POLICIAIS DESENVOLVIDAS NAS RODOVIAS ............. 38
2.1 Da competência da Polícia Militar para atuar nas rodovias estaduais ............ 38
2.2 Atuação contra a criminalidade nas rodovias ................................................. 41
2.2.1 Infrações penais de menor potencial ofensivo .............................................. 45
2.3 Fiscalização em ônibus rodoviário .................................................................. 47
2.3.1 Uso de cão farejador .................................................................................... 55
2.4 Ação de outros órgãos policiais ...................................................................... 56
2.5 Padronização de procedimentos operacionais na Polícia Militar .................... 61
3 ASPECTOS LEGAIS DA BUSCA VEICULAR DE
CARACTERÍSTICA COMPLEXA .......................................................... 65
3.1 Contexto histórico ........................................................................................... 66
3.2 Definição de busca pessoal ............................................................................ 73
Introdução 10
3.3 Critérios e classificações ................................................................................ 77
3.3.1 Natureza jurídica........................................................................................... 78
3.3.2 Nível de restrição de direitos individuais ....................................................... 86
3.3.3 Abrangência em relação ao sujeito passivo ................................................. 88
3.3.4 Tangibilidade corporal .................................................................................. 90
3.4 Complexidade do procedimento de busca em ônibus rodoviário .................... 94
3.4.1 Busca preventiva ou processual ................................................................... 95
3.4.2 Busca preliminar ou minuciosa ..................................................................... 96
3.4.3 Busca individual ou coletiva .......................................................................... 97
3.4.4 Busca direta ou indireta ................................................................................ 98
3.5 Sujeitos passivos da busca pessoal ............................................................... 99
3.5.1 Busca pessoal em menor ........................................................................... 100
3.5.2 Busca pessoal em mulher .......................................................................... 100
3.5.3 Busca pessoal em autoridades diversas .................................................... 104
3.6 Hipóteses de abuso de autoridade ............................................................... 104
4 PROPOSTA .................................................................................. 110
4.1 Planejamento da ação e seleção de ônibus ................................................. 110
4.2 A busca propriamente dita ............................................................................ 113
4.2.1 Atividades críticas ....................................................................................... 120
4.3 Encaminhamento de ocorrências com apreensão ........................................ 122
4.3.1 Com a identificação do responsável pelo transporte .................................. 123
4.3.2 Sem a identificação do responsável pelo transporte .................................. 126
4.3.3 Competência para atos de polícia judiciária e o local para depósito do
material apreendido .................................................................................... 127
5 CONCLUSÃO ............................................................................... 131
Introdução 11
IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO
Na década de 1960, ocorreu a definitiva implantação e desenvolvimento
da indústria automobilística no Brasil. Verificou-se, nessa fase, uma nova realidade
com a priorização do transporte rodoviário de pessoas e de mercadorias em
contraponto ao transporte ferroviário. Os governos investiram na abertura de
rodovias e na pavimentação de alguns trechos já existentes. Com a crescente
demanda, muitas rodovias foram duplicadas e outras já necessitam de duplicação.
O constante crescimento da frota de veículos, a ampliação da malha
viária ligando pólos regionais e o aumento do poder aquisitivo da classe média são
fatores que contribuíram para expandir, acentuadamente, o volume de tráfego nas
rodovias. Soma-se a isso o grande número de pessoas que viajam para outros
países da América do Sul para fazer compras de mercadorias e revendê-las em
território nacional. Consequência lógica desses fatores é a evolução criminal nas
rodovias.
A fim de alcançar os seus objetivos, a cada dia os traficantes
aprimoram as técnicas para as práticas delituosas, sempre buscando lacunas na
atuação dos órgãos de fiscalização fazendária, de fiscalização de transportes e na
movimentação dos órgãos de polícia de segurança.
O presente trabalho tem por pressuposto a necessidade de preparar e
aprimorar o efetivo policial na condução de procedimentos para a busca, partindo da
identificação de rotas, modos de operação e forma de agir dos criminosos envolvidos
no tráfico, no contrabando, no descaminho, nos crimes contra o patrimônio e outros,
que se utilizam de ônibus rodoviários para esse fim.
Introdução 12
Além da proposta prática, o estudo analisa a fundamentação legal dos
atos de prevenção e repressão, objetivando propiciar maior segurança no
desenvolvimento das ações policiais. Nesse contexto, nota-se que as características
próprias da busca em ônibus rodoviário que impõe restrições de direitos individuais
em prol da segurança da coletividade, induzem questionamentos sobre a sua
possibilidade legal e, portanto, exigem aprofundado estudo quanto ao aspecto da
fundamentação da ação policial, hoje não disponível para imediata consulta.
A importância do tema é justificada no fato de que compete à Polícia
Militar a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, atuando em quaisquer
localidades do Estado, respeitada a competência dos órgãos policiais federais.
Também, na constatação de que os autores de muitos crimes fazem uso
primordialmente das rodovias estaduais para os seus propósitos ilícitos; prova disso
é que as rodovias têm sido palco de significativas apreensões, como resultado da
intervenção do policiamento rodoviário em buscas voltadas a ônibus, mesmo sem
uma sistematização do conhecimento e uma uniformização de procedimento.
A partir da experiência dos últimos cinco anos de trabalho na área do
2º Batalhão de Polícia Rodoviária (2º BPRv), Unidade de localização geográfica
estratégica por englobar as divisas com o Mato Grosso do Sul e norte do Paraná,
vislumbrou-se que um procedimento padrão específico pode constituir um importante
instrumento no campo da busca em ônibus rodoviário, para a redução do índice de
erros de condutas e, consequentemente, para o aumento da eficiência nas ações
policiais.
Desse modo, pretende-se viabilizar a difusão dos conhecimentos
sistematizados e consolidados na área do policiamento rodoviário, que pode ser
igualmente aplicável ao policiamento de área, quando da abordagem em ônibus com
características rodoviárias na respectiva área de atuação, nesse caso, quando não
circulando nas rodovias estaduais. Em razão disso, propõe-se um Procedimento
Operacional Padrão (sob o título: “Busca em ônibus rodoviário”), visando à
localização de drogas e de armas, entre outros objetos de ilícito.
Introdução 13
Destaca-se que os criminosos que se utilizam dos ônibus para
transporte ilícito se organizam e aperfeiçoam, constantemente, o seu modo de
operação. Essa adaptação da prática criminosa envolve a utilização de rotas
alternativas em ônibus de linhas regulares, ou fretados, que passarão por áreas
onde a fiscalização ainda não foi suficientemente desenvolvida. Portanto, espera-se
que a consolidação de doutrina aplicável à busca em ônibus rodoviário propicie a
transmissão do conhecimento e da experiência colhida nos últimos anos, no âmbito
do policiamento rodoviário.
Por fim, a segurança no desenvolvimento da ação policial será
também alcançada pelo conhecimento da sua fundamentação legal, preservando-se
a imagem da Instituição e propiciando resposta adequada a eventuais indagações
decorrentes da necessária intervenção em prol da segurança da coletividade. Assim,
pretende-se igualmente contribuir com os estudos voltados à fundamentação jurídica
dos atos de polícia de segurança, no campo das buscas veiculares.
11 OO TTRRAANNSSPPOORRTTEE RROODDOOVVIIÁÁRRIIOO DDEE
PPAASSSSAAGGEEIIRROOSS EE AA SSUUAA UUTTIILLIIZZAAÇÇÃÃOO
PPAARRAA AA PPRRÁÁTTIICCAA CCRRIIMMIINNOOSSAA
Não é exagero afirmar que, desde que surgiram os primeiros veículos
automotores, há mais de duzentos anos, apareceram também condutas criminosas
ligadas de alguma forma ao automóvel e às suas engenhosas variações.
Obviamente, o crime ocorre onde está o homem e a condição de se encontrar em
movimento é uma circunstância que permite o seu envolvimento em infrações penais
relacionadas ao transporte.
Assim, convém verificar um breve retrospecto da evolução dos veículos
e das rodovias para introdução das modalidades criminosas hoje mais comuns
envolvendo veículos de transporte coletivo rodoviário. Também, é oportuno verificar
o conceito de ônibus rodoviário e a missão das atuais agências reguladoras, junto ao
panorama do transporte rodoviário de passageiros, para posicionar o procedimento
de busca na área da prevenção e da repressão ao crime.
11..11 EEvvoolluuççããoo ddoo ttrraannssppoorrttee rrooddoovviiáárriioo ddee ppaassssaaggeeiirrooss
No contexto histórico, Jurandir Gaidukas observa que o automóvel,
surgido em 1777 ainda como uma máquina extremamente limitada, incorporou
importantes recursos ao longo do tempo:
Claro que a invenção de um francês chamado Nicholas Cugnot estava longe de ser a máquina que hoje nós conhecemos. O motor a vapor precisava ser reativado a cada 100 metros. Mas isso não impediu que o carro de Cugnot atingisse a velocidade de 5 quilômetros horários. Na época isso era um espanto. No século 19, e até a primeira década do século 20, a grande meta era fazer um veículo que pelo menos funcionasse. Em 1885, o alemão Gottlieb Daimler inventou um motor revolucionário: o diesel. Dez anos depois, Henry Ford inventou o seu primeiro carro. Daí em diante, a indústria automobilística não parou mais. E, com isso, muitas transformações ocorreram e ainda serão necessárias para que a quantia cada vez maior desse brilhante
Capítulo
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 15
invento possa se incorporar às paisagens das cidades e das rodovias1.
Durante a evolução do veículo automotor, em suas diversas fases,
surgiram modelos variados destinados ao transporte coletivo. Os primeiros que
operaram no Brasil, assim como os demais modelos convencionais, eram
importados, como relata Waldemar Corrêa Stiel:
O primeiro auto–ônibus de que se tem notícia no Brasil chegou do Nordeste brasileiro. Foi um veículo da marca francesa Panhard – Levassor, importado em 1900 pela Companhia de Transporte de Goiânia, que era a mais importante cidade de Pernambuco, depois de Recife. Destinava-se o referido veículo ao transporte de passageiros entre Goiânia e Recife pela histórica estrada de rodagem, por onde transitaram várias personalidades, como André de Negreiros, na era colonial, Henry Koster, Luiz do Rego, Frei Caneca e o imperador D. Pedro II. Em 23 de março de 1903, esse veículo, com lotação de doze passageiros, fazia uma viagem, saindo de Goiânia e chegando até Olinda, onde havia almoço. De Olinda até Recife levava mais uma hora. Não durou muito, pois uma viagem total, que teria setenta quilômetros, levava cerca de nove horas com o ônibus puxado a cavalo2.
No que toca ao uso dos veículos automotores nas estradas do Estado
de São Paulo, um fato histórico recentemente completou 100 anos, qual seja, a
primeira viagem considerada rodoviária, de São Paulo a Santos, em 17 de abril de
1908. Um breve e oportuno relato publicado na imprensa paulista descreve o
importante feito da época:
Assim que chegou a São Paulo, o conde francês Brassier de Lesdain anunciou que iria tentar viajar até Santos de carro. Mas outro grupo antecipou a viagem, aproveitando que Lesdain precisava de consertos, por causa do desgaste sofrido entre Rio de Janeiro e São Paulo (viagem que conseguira concluir em 13 de abril de 1908). Quatro dias após a chegada do francês à capital, os irmãos Paulo Prado e Antonio Prado Júnior (filhos do então Prefeito de São Paulo e amigos de Washington Luís), o major Bento Canavarro, o engenheiro Clóvis Glicério, dois mecânicos e um repórter do ‘Estado’ Mário Sérgio Cardin deixam o Parque Antártica, às 6h30, a bordo de
1 GAIDUKAS, Jurandir. Padronização dos procedimentos operacionais do PM Rodoviário na fiscalização e no policiamento ostensivo de trânsito, em face do novo CTB e do programa de concessões de rodovias. Monografia apresentada no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais. São Paulo: Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar do Estado de São Paulo, 2002, p. 15. 2 STIEL, Waldemar Corrêa. Ônibus: uma história do transporte coletivo e do desenvolvimento urbano no Brasil. São Paulo: Comdesenho Estúdio e Editora, 2001, disponível em: <http://www.milbus.com.br/revista_portal/revista_cont.asp?48>. Acesso em: 02 abr. 2008.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 16
dois carros: um Motobloc, de 30 cv, e um Sizaire et Naudin (12 cv) de propriedade de Glicério. Rumo à Estrada do Vergueiro, o antigo caminho das carruagens, Paulo Prado desistiu da viagem, poucas horas depois de entrar na mata fechada, fazendo meia-volta ainda no alto da Serra do Mar. Apenas o Motobloc concluiu a viagem, levando Antonio Prado Júnior, Glicério, Canavarro e Cardim. O veículo chegou em Cubatão às 17h30 do dia 17 de abril. Poucas horas depois, estavam em Santos. A primeira viagem de carro de São Paulo durou 37 horas3.
A utilização acentuada de veículos nas ligações entre municípios de
São Paulo acompanhou o desenvolvimento das estradas, a partir da década de
1940, primeiramente na ligação com o litoral e, na sequência, avançando no sentido
do interior do Estado, conforme registros históricos do próprio Departamento de
Estradas de Rodagem (DER):
Com a primeira pista da Via Anchieta inaugurada em 1947 e a segunda em 1953, observou-se o marco de avanço técnico-administrativo na história do desenvolvimento rodoviário tanto em nível nacional quanto do Estado de São Paulo. No final dos anos 20 já era evidente a necessidade de se implantar uma ligação rodoviária entre a capital e o Porto de Santos. A história da Via Anhanguera possui similaridades intrínsecas a da Via Anchieta. A partir de um estudo para melhorias na Estrada São Paulo-Campinas, foi decidido o desenvolvimento de um projeto para construção de uma rodovia inteiramente nova. O primeiro trecho São Paulo-Jundiaí com uma pista ficou disponível para o trânsito de veículos em abril de 1948 e a segunda pista em junho de 19534.
Também o início da fabricação de carrocerias no Brasil para montagem
de veículos de transporte coletivo, mantendo-se o chassi e o motor importados, foi
decisivo no crescimento da utilização de ônibus nas rodovias, em processo de
expansão acentuada a partir da década de 1950 em São Paulo:
A General Motors lançou no Brasil, em 1950, o GM Coach com carroceria feita em sua fábrica de São Caetano do Sul, no ABC Paulista. O chassi e o motor vinham importados da matriz americana. No dia 11 de dezembro, a empresa fez uma apresentação da maquete e a festa terminou com uma encomenda de 300 unidades do novo ODC-210, anunciada como o "Coach Brasileiro". Tinha dois modelos: rodoviário e urbano.
3 ESCANHOLA, Michel. De São Paulo a Santos: 37 horas, em abril de 1908. O Estado de São Paulo, caderno Cidades/Metrópole, 14 abr. 2008, p. C6. 4 Diretoria de planejamento do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) do Estado de São Paulo. Memória do transporte rodoviário. Disponível em: <http://www.der.sp.gov.br /institucional/memoria. aspx>. Acesso em: 02 abr. 2008.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 17
Em outubro, a GM apresentou o modelo MackUp, protótipo do ODC-210, e em dezembro o MackUp para 70 passageiros (42 sentados). Tinha 10,25m de comprimento, com motor diesel 4,71 na traseira, sob o último banco; 147 cv. e 2000 rpm. Freios a ar e um câmbio de 4 velocidades, que para engatar a ré exigia que fosse apertado um botão, a seguir, engatar a primeira marcha e depois a segunda. Ao fim deste procedimento o veículo estava em ré. As empresas Pássaro Marrom e Cometa os tiveram em suas linhas estaduais5.
Nas décadas seguintes o transporte rodoviário cresceu vigorosamente
no Estado de São Paulo, acompanhando o avanço da malha rodoviária que atingia
os mais distantes rincões no sentido oeste, juntamente com o crescimento da frota
de veículos em circulação, como consequência do estabelecimento da indústria
automobilística no país. Nesse contexto, os ônibus marcaram definitivamente o
cenário das rodovias, transportando passageiros, suas bagagens e seus sonhos por
todo o país.
Como praticamente tudo passou a circular pelas rodovias, condutas
criminosas também surgiram com intensidade, entre elas, as relacionadas ao
transporte de objetos de ilícito em ônibus rodoviário.
11..22 DDeeffiinniiççããoo ee ccaarraacctteerrííssttiiccaass ddoo ôônniibbuuss rrooddoovviiáárriioo
Para delimitação da abordagem do estudo, observa-se a definição de
“ônibus” trazida no anexo 1 (Dos Conceitos e Definições), do Código de Trânsito
Brasileiro, qual seja:
ÔNIBUS - veículo automotor de transporte coletivo com capacidade para mais de vinte passageiros, ainda que, em virtude de adaptações com vista à maior comodidade destes, transporte número menor6.
Ainda, para diferenciar os tipos de ônibus existentes, busca-se apoio no
texto legal que aprovou o Regulamento dos Serviços Rodoviários Intermunicipais de
Transporte Coletivo de Passageiros, serviço regular no Estado de São Paulo.
Trata-se do Decreto nº 29.913, de 12 de maio de 1989, que em seu artigo 13,
5 Ibid., p. 17. 6 Lei Federal n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997. Anexo 1 (Dos Conceitos e Definições).
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 18
parágrafos 3º a 8º, estabeleceu as características dos chamados “ônibus
rodoviários” em oposição aos suburbanos e os de auto-lotação. Pela sua
importância, esses dispositivos merecem transcrição integral, pois esclarecem a
distinção entre os tipos de transporte coletivo e os diferentes tipos de ônibus
utilizados para esse fim:
Parágrafo 3º - Os serviços de transporte coletivo classificam-se em:
1 - rodoviário convencional;
2 - rodoviário especial;
3 - rodoviário leito;
4 - suburbano convencional e
5 - auto-lotação.
Parágrafo 4º - O serviço rodoviário convencional é aquele que se
reveste das seguintes características:
1 - as passagens são adquiridas com antecedência à realização das
viagens, proporcionando reserva de lugares;
2 - a origem e o destino das viagens se processam em terminais
rodoviários e, na falta destes, em agências de vendas de passagens,
ambos dotados de requisitos mínimos de capacidade, segurança,
higiene e conforto;
3 - utiliza ônibus tipo rodoviário convencional, com especificação
própria, identificado, entre outros, por apresentar poltronas
individuais, reclináveis, estofadas e numeradas; bagageiros externos
e porta-embrulhos internos destinados ao acondicionamento dos
volumes que acompanham os passageiros e ao transporte de
encomendas;
4 - não permite o transporte de passageiros em pé;
5 - proporciona viagens em geral expressas com número reduzido de
paradas, adstritas aos pontos de apoio;
6 - utiliza rodovias inseridas em regiões predominantemente não
conurbadas proporcionando viagens em velocidades relativamente
uniformes.
Parágrafo 5º - O serviço rodoviário especial é aquele que além das
características mencionadas no parágrafo 4º deste artigo, dispõem
seus ônibus de equipamentos ou atributos adicionais, a serem
definidos segundo o padrão do serviço e tipo de percurso, com tarifa
diferenciada.
Parágrafo 6º - O serviço rodoviário leito é aquele que apresenta as
mesmas características do serviço rodoviário convencional,
diferenciando-se deste por dispor de poltronas leito e de gabinete
sanitário.
Parágrafo 7º - O serviço suburbano convencional é aquele que
apresenta as seguintes características:
1 - as passagens são, em geral, cobradas no interior dos ônibus,
durante a realização das viagens que, por sua vez, poderão ser
registradas em dispositivos controladores do número de passageiros;
2 - a origem, as paradas intermediárias e o destino relativo às
viagens, processam-se, geralmente, em abrigos de passageiros
convencionais;
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 19
3 - utiliza ônibus tipo urbano convencional, com especificação própria, identificado, entre outros, por apresentar poltronas fixas, sem numeração; por dispor no mínimo de duas portas, uma dianteira e outra traseira, destinadas à entrada e saída de passageiros e por não possuírem bagageiros nem porta-pacote; 4 - permite o transporte de passageiros em pé com taxa de ocupação pré-fixada; 5 - utiliza vias inseridas predominantemente em regiões com densidade demográficas significativas e que, devido a frequentes paradas, proporcionam viagens com velocidade média inferior àquelas realizadas no serviço rodoviário. Parágrafo 8º - O serviço de auto-lotação apresenta as mesmas características mencionadas no serviço rodoviário convencional, diferenciando-se, substancialmente, deste quanto aos veículos que são de quatro rodas, cinco a doze lugares, excluído o do condutor, não propiciando a circulação de passageiros no seu interior.
Assim, a expressão “ônibus rodoviário” deve ser interpretada como:
veículo automotor de transporte coletivo com capacidade para mais de vinte
passageiros, ainda que, em virtude de adaptações com vista à maior comodidade
destes, transporte número menor, e utilizado para o transporte rodoviário
convencional, especial ou leito. Exclui-se dessa definição, portanto, os micro-ônibus,
os ônibus suburbanos e os de auto-lotação.
Entre as características do ônibus rodoviário se encontram: existência
de poltronas individuais, reclináveis, estofadas e numeradas; existência de
bagageiro (para bagagens maiores) e porta-embrulhos (lado interno) destinados ao
acondicionamento dos volumes que acompanham os passageiros e ao transporte de
encomendas; existência de apenas uma porta; proibição do transporte de
passageiros em pé; cumprimento de viagens em geral expressas com número
reduzido de paradas, adstritas aos pontos de apoio.
Além dos denominados ônibus rodoviários, de linhas regulares,
interessa para a pesquisa os ônibus que circulam sob o regime de fretamento,
possuindo as mesmas características físicas daqueles. São três as modalidades de
fretamento, conforme art. 2º, da Resolução n.º 1.166, de 05 de outubro de 2005, da
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT): o chamado “turístico”, que é
praticado por transportadoras ou empresas de turismo com finalidade turística; o
fretamento “eventual”; e o “contínuo”. As definições dessas modalidades são
encontradas nos artigos 16 e 22 da mesma Resolução, ex vi:
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 20
Art. 16. Fretamento contínuo é o serviço prestado por empresas detentoras do Certificado de Registro para Fretamento – CRF, com contrato firmado entre a transportadora e seu cliente e a quantidade de viagens estabelecida, destinado exclusivamente a: I - pessoas jurídicas para o transporte de seus empregados; II - instituições de ensino ou agremiações estudantis, legalmente constituídas, para o transporte de seus alunos, professores ou associados; e III - entidades do poder público. Art. 22. Fretamento turístico e fretamento eventual é o serviço prestado por empresas detentoras de Certificado de Registro para Fretamento – CRF, em circuito fechado, em caráter ocasional, com relação de passageiros transportados e emissão de nota fiscal, por viagem, com prévia autorização da ANTT7.
Os ônibus rodoviários selecionados para buscas, com finalidade de
prevenção e repressão aos crimes relacionados ao transporte de objetos de ilícito,
possuem características físicas e de circulação uniformes. Tal circunstância permite
uma padronização de procedimento com vistas à verificação dos passageiros, de
suas bagagens de mão e de suas bagagens de maior volume, estas em regra
acondicionadas no bagageiro.
11..33 PPaannoorraammaa aattuuaall ddoo ttrraannssppoorrttee rrooddoovviiáárriioo ddee
ppaassssaaggeeiirrooss ee aa mmiissssããoo ddaass aaggêênncciiaass rreegguullaaddoorraass
Para efeito de regulamentação e de fiscalização, o transporte de
passageiros hoje é tratado nas três esferas de governo da seguinte forma: as
prefeituras municipais cuidam do transporte urbano, dentro da cidade; os governos
estaduais respondem pelas linhas intermunicipais dentro de cada Estado, que ligam
municípios de um mesmo Estado; o Governo Federal zela pelo transporte
interestadual e internacional de passageiros, ou seja, o transporte de um Estado
para outro ou que transpõe fronteiras terrestres com outros países.
7 Resolução n.º 1.166, de 05 de outubro de 2005, da ANTT, que dispõe sobre a regulamentação da prestação do serviço de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, sob o regime de fretamento.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 21
Convém analisar as atribuições legais das atuais Agências
Reguladoras, para que seja possível compreender a diferença entre uma
fiscalização voltada à verificação do cumprimento das normas próprias de
transporte, de competência do respectivo órgão regulador e a fiscalização quanto ao
cumprimento das normas de trânsito e, finalmente, as buscas de interesse
propriamente policial. Essas duas últimas são aplicadas aos ônibus rodoviários,
tanto quanto a qualquer outro veículo em circulação.
A ANTT foi criada pela Lei Federal nº. 10.233/01 e desenvolve ações
de regulação e de fiscalização em caráter permanente, objetivando a adequação das
rotinas e procedimentos e buscando a melhoria dos serviços e a redução dos custos
aos usuários do transporte rodoviário de passageiros, quer no transporte regular,
quer no de fretamento contínuo, eventual ou turístico. E quando se trata de
transporte interestadual de passageiros no Brasil, os números impressionam,
conforme diagnóstico apresentado pela própria Agência:
O transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, no Brasil, é um serviço público essencial, responsável por uma movimentação superior a 140 milhões de usuários/ano. A ANTT é o órgão competente pela outorga de permissão e de autorização, para a operação desses serviços, por meio de Sociedades Empresariais legalmente constituídas para tal fim. O grau de importância desse serviço pode ser medido quando se observa que o transporte rodoviário por ônibus é a principal modalidade na movimentação coletiva de usuários, nas viagens de âmbito interestadual e internacional. O serviço interestadual, em especial, é responsável por quase 95% do total dos deslocamentos realizados no País. Sua participação na economia brasileira é expressiva, assumindo um faturamento anual superior a R$ 2,5 bilhões na prestação dos serviços regulares prestados pelas empresas permissionárias, onde são utilizados 13.400 ônibus. Para um País com uma malha rodoviária de aproximadamente 1,8 milhões de quilômetros, sendo 146 mil asfaltados (rodovias federais e estaduais), a existência de um sólido sistema de transporte rodoviário de passageiros é vital8.
Já no âmbito do Estado de São Paulo, foi criada a Agência Reguladora
de Serviços Públicos Delegados de Transporte (ARTESP), pela Lei Complementar
nº. 914, de 14 de janeiro de 2002. O órgão foi instituído como autarquia de regime
especial, dotada de autonomia orçamentária, financeira, técnica, funcional,
8 Agência Nacional de Transportes Terrestres. O Transporte Interestadual de Passageiros. Disponível em: <http://www.antt.gov.br/passageiro/apresentacaopas.asp>. Acesso em: 06 abr. 2008.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 22
administrativa e poder de polícia, com a finalidade de regulamentar e fiscalizar todas
as modalidades de serviços públicos de transporte autorizados, permitidos ou
concedidos a entidades de direito privado, no âmbito da Secretaria de Estado dos
Transportes, pelo decreto 46.708 de 22 de abril de 2002. Quanto às suas missões,
destaca-se que:
A ARTESP veio suceder, em suas funções, à Comissão de Monitoramento das Concessões e Permissões de Serviços Públicos, que fora criada em caráter temporário pelo Governo do Estado de São Paulo pelo decreto nº 43.011, de 03 de abril de 1998, para acompanhar e fiscalizar os serviços delegados de transportes. A instituição da ARTESP veio dar caráter definitivo à exigência da Lei Estadual de Concessões e Permissões de Serviços Públicos (lei nº. 7.835, de 08 de maio de 1992), com o objetivo de regular e fiscalizar o Programa de Concessões Rodoviárias, implementado pelo Governo do Estado de São Paulo a partir de 02 de março de 1998, assim como os serviços permissionados de transporte intermunicipal de passageiros e todos os serviços de transporte que eventualmente venham a ser delegados no futuro9.
O Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal no Estado de São
Paulo, área de atuação da ARTESP, é formado por uma rede de ligações que
atende os 648 municípios de seu território. É operado pela iniciativa privada sob os
regimes denominados Regulares e de Fretamento, que possuem diferenças
significativas previstas no Decreto nº 29.913, de 12 de maio de 1989, conforme
segue:
O Serviço Regular, cuja operação é realizada de forma continuada de acordo com um plano operacional definido, é efetuado em duas modalidades: Rodoviário, cujo serviço é prestado com veículos de uma única porta para embarque e desembarque de passageiros, poltronas individuais, bagageiro externo, proibição de viagens com passageiros em pé, ligações de terminais a terminais, sendo que as compras de passagens podem ser antecipadas. Suburbano é efetuado com veículos com portas distintas para o embarque e desembarque de passageiros, sendo a cobrança de passagens efetuada no interior do veículo, com paradas efetuadas ao longo do trajeto. Permitem o transporte de passageiros em pé. Esse sistema é operado por 134 empresas em 1164 linhas com uma frota de 5.190 veículos que transportam cerca de 173,7 milhões de passageiros por ano, percorrendo 462,2 milhões de quilômetros. O Serviço de Fretamento é caracterizado pela utilização de ônibus ou micro ônibus de característica rodoviária e pela cobrança da viagem a um determinado grupo de passageiros mediante contrato.
9 Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte. Histórico. Disponível em: <http://www.artesp.sp.gov.br/agencia/agencia_historico.asp>. Acesso em: 06 abr. 2008.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 23
Esse serviço é operado por 517 empresas cuja frota cadastrada é de aproximadamente 10.000 veículos (grifos nossos)10.
Em paralelo ao sistema de transporte coletivo realizado regularmente
pela iniciativa privada, como serviço de interesse público e regulado pela ARTESP
no Estado de São Paulo, surgem empresas clandestinas que vendem passagens
pela metade do preço e se autodenominam agências de “transporte alternativo”.
Esse serviço totalmente irregular insiste em desafiar a fiscalização, conforme recente
matéria divulgada na imprensa paulista:
Pelo menos seis “agências de turismo” clandestinas em São Paulo oferecem bilhetes de viagem para quase todas as regiões do Brasil pela metade do valor cobrado por empresas regulares. A Subprefeitura da Moóca investiga 18 na região, além de ter fechado outras 12 em 2007. A Agência de Transporte do Estado de São Paulo apreendeu, em 2007, 663 ônibus clandestinos. Neste ano, foram 75. Em duas agências no Brás (Alfredo Tur e Júnior Turismo) e na Raimundo Turismo, que funciona num salão de cabeleireiro na Rua Helvetia, no centro, os atendentes admitiram o transporte clandestino. “A gente prefere dizer alternativo”, segundo uma atendente do Alfredo Tur. Resposta igual a das outras agências. A reportagem encontrou ainda três motoristas autônomos com coletivos próprios. Um deles partiu na terça-feira da Praça Princesa Isabel rumo ao Nordeste. “Se a fiscalização parar, a gente dá um jeito”. O dono do ônibus irregular flagrado na estrada é multado em R$ 4.000,00” 11.
Quanto à competência, nota-se que esta se dá em função da ligação
entre regiões realizada pela linha e não pelas rodovias utilizadas para o trânsito. No
caso específico de São Paulo, a competência estadual se dá em dois níveis: da
Secretaria dos Transportes Metropolitanos para as linhas das regiões metropolitanas
e da ARTESP para as demais linhas.
Todavia, na visão dos motoristas e dos passageiros, existe somente o
ponto de origem e o ponto de destino, bem como a distância medida em quilômetros
de rodovias, independente delas se caracterizarem como federal ou estadual ou,
ainda, se pertencem a esse ou àquele ente federativo.
10 ARTESP. Transporte Coletivo Intermunicipal. Disponível em: <http://www.artesp.sp.gov.br/servi cos/permissoes/transporteColetivoIntermunicipal.asp>. Acesso em: 07 abr. 2008. Refere-se à interpretação do art. 13 do Decreto Estadual nº 29.913, de 12 de maio de 1989, artigo 13, parágrafos 3º a 8º e art. 2º, quanto aos serviços de transporte regular de passageiros. 11 SPINOSA, Marcela. Ônibus ilegal desafia fiscalização. O Estado de São Paulo, caderno Cidades/Metrópole, 21 mar. 2008, p. C5.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 24
Além da intervenção nas fiscalizações voltadas às normas de
transporte e às normas de trânsito em geral, no que diz respeito aos ônibus
rodoviários, é legítima a ação de órgãos policiais competentes em buscas para a
prevenção e a repressão à criminalidade com frequência relacionada ao uso desses
veículos.
11..44 PPrriinncciippaaiiss iinnffrraaççõõeess ppeennaaiiss ee mmooddooss ddee aaççããoo ccrriimmiinnoossaa
rreellaacciioonnaaddooss aaooss ôônniibbuuss rrooddoovviiáárriiooss
Várias condutas que configuram infração penal podem se desenvolver
no interior de um ônibus rodoviário ou por meio dele. Nota-se que integram o
conjunto de indivíduos nos limites do espaço físico do ônibus, capazes de
envolvimento em ações e omissões de interesse da Justiça Criminal: os
passageiros, o motorista e, em alguns casos, também os tripulantes, que são guias
de viagem, ou auxiliares dos respectivos motoristas.
As condutas podem ser dirigidas contra essas pessoas, ou então,
simplesmente terem como autores um ou outro indivíduo do grupo, sem relação ou
vínculo com os demais, como acontece usualmente nos transportes de objeto de
ilícito. Por isso procura-se, durante a busca, individualizar os responsáveis pelos
objetos transportados, sob pena de se configurar, ao final, a materialidade e não a
autoria do delito.
Já foram registradas as mais diversas infrações penais perpetradas
mediante uso de ônibus rodoviário ou, simplesmente, praticadas em seu interior.
Essa afirmação é baseada em ocorrências atendidas a pedido de motoristas que,
diante de constatação ou de simples suspeita de prática de ilícito penal, param o
ônibus junto às Bases Operacionais de policiamento rodoviário para que se realize a
intervenção policial e, por vezes, a repressão imediata com os registros devidos.
Das infrações não relacionadas propriamente ao transporte, já ocorreram: furto,
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 25
roubo, estelionato, rixa, perturbação do sossego, uso de documento falso, dano,
atentado violento ao pudor e ato obsceno, entre outras12.
Apesar da diversidade de condutas que podem caracterizar infração
penal no contexto dos ônibus rodoviários, destacam-se aquelas relacionadas ao
transporte de objetos de ilícito pela sua frequente incidência. E, entre os objetos,
sobressaem-se as drogas, as armas e munições e objetos variados de contrabando
e de descaminho, além de medicamentos.
Em comum, esses crimes relacionados ao transporte são classificados
pela doutrina penal como “permanentes”, no que se refere ao período consumativo,
diferentemente do crime instantâneo que se consuma num só instante, a exemplo do
homicídio, como define Paulo José da Costa Júnior:
Crime permanente é um crime único, em que a conduta e o evento
se protraem no tempo. Há um período consumativo, composto de
vários momentos consumativos. A lesão ao bem jurídico é contínua,
não se interrompe jamais13.
O reconhecimento do constante estado de consumação é importante,
pois, na configuração do transporte ilícito, dele decorre que poderá haver prisão em
flagrante delito do autor, durante todo o tempo em que durar o seu completo
deslocamento até o ponto de entrega. Portanto, o órgão policial competente tem na
busca em ônibus rodoviário uma oportunidade ímpar para reprimir atividades
criminosas relativamente comuns, surpreendendo o infrator em flagrância delituosa,
quando da localização do objeto sob sua responsabilidade, em qualquer momento
do transporte.
12 Resultado de depoimentos colhidos entre Sargentos comandantes de Equipes TOR que atuaram nos últimos 10 (dez) anos na 3ª Companhia do 2º BPRv, com sede em Assis/SP. 13 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, 1.v., p. 7.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 26
1.4.1 Transporte de drogas
A Lei Federal nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, conhecida como “Lei
Antidrogas”, instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas –
Sisnad, prescreveu medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção
social de usuários e dependentes de drogas e estabeleceu normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, definindo infrações penais
correlatas.
A “substância entorpecente” referida na legislação anterior passou a ser
identificada simplesmente como “droga”, cuja definição foi dada pelo parágrafo único
do art. 1º, da Lei 11.343/06: “consideram-se como drogas as substâncias ou os
produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados
em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União” 14.
Já o art. 2º tratou da proibição das drogas, bem como o plantio, a
cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser
extraídas ou produzidas drogas, ressalvando a hipótese de autorização legal ou
regulamentar, bem como o estabelecido na Convenção de Viena, das Nações
Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso
estritamente ritualístico-religioso.
Dessa forma, a lei apresenta normas penais em branco, eis que
dependem de documentos externos para a qualificação, em primeiro momento, de
quais são as substâncias reconhecidas como droga - proibida como regra - e, em
segundo momento, da existência ou não de autorização legal ou regulamentação
para o seu uso. O documento a que se refere o art. 1º (“listas atualizadas
periodicamente”) é atualmente a Portaria nº 344/98 da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária – Anvisa, do Ministério da Saúde, atualizada por outras portarias
do mesmo órgão.
14 A Lei Federal 6.368/76, até então vigente e que foi revogada pela Lei 11.342/06 (art. 75), utilizava a expressão “substância entorpecente”.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 27
Apesar de ser empregado na linguagem comum apenas o vocábulo
“tráfico”, como sinônimo de “negócio proibido”, acertou o legislador quando tratou
dos crimes relacionados ao “tráfico ilícito”, eis que “tráfico”, isoladamente, significa
“comércio, negócio” 15. Então, o negócio proibido, ou uma ação relacionada a esse
negócio, constitui tráfico ilícito. De fato, pode existir “tráfico lícito de drogas”, a
exemplo de transporte autorizado de droga de uso controlado, mediante licença
prévia16.
Quanto às infrações penais, nota-se que a lei estabeleceu tratamento
extremamente diferenciado para o usuário dependente de droga, que não está
sujeito à pena de privação de liberdade (art. 28, relacionado ao porte), em relação
ao traficante (art. 33), que se tornou alvo de pesadas penalidades17. Ainda, o art. 44
coloca sérias restrições ao traficante, quando prevê que os crimes do art. 33, caput e
parágrafo 1º, e 34 a 37 são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto,
anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de
direitos.
Em ambos os tipos - de ação múltipla - foram incluídas as condutas de
“transportar” e de “trazer consigo”. O que distingue o porte do tráfico ilícito é a
finalidade, descrita pelo respectivo elemento normativo, ou seja, se a droga é
destinada para consumo próprio do agente, ou para fornecimento a outrem. Em
qualquer caso, o dolo é essencial, pois não foram previstas modalidades culposas
nas infrações penais estabelecidas.
De acordo com o parágrafo 1º, do art. 33, para determinar se a droga
destinava-se a consumo pessoal: “... o juiz atenderá à natureza e à quantidade da
substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às
circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do
agente”. Esse texto não existia na lei anterior (6.368/76) e o legislador estabeleceu
15 MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. Disponível em: <http://www.uol.com.br/ bibliot/Dicionar>. Acesso em: 30 jul. 2008. 16 Art. 31, da lei nº 11.343/06: “É indispensável a licença prévia da autoridade competente para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito, importar, exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, observadas as demais exigências legais” (grifo nosso). 17 A “pena” para quem porta drogas é de: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28). Já a pena para o traficante é de: reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 28
critérios subjetivos na análise da conduta do agente, para se reconhecer a
destinação da droga como sendo para uso pessoal, ou para uso de terceiros.
Na situação de droga localizada em ônibus rodoviário, poderá a
conduta do agente ser interpretada como “transportar” ou “trazer consigo”, para “uso
próprio” (porte de usuário), ou para destinação a terceiros (tráfico ilícito),
dependendo das circunstâncias do caso concreto. Quando o agente traz a droga
junto ao seu corpo (por exemplo, nos bolsos), ou em bagagem de mão guardada em
baixo de sua poltrona ou no porta-embrulho do ônibus, na direção do seu assento,
em pequena quantidade, entendida como tal o suficiente para seu próprio uso, tem-
se a convicção de que o agente “trouxe consigo” droga para consumo pessoal.
Nota-se, todavia, que a pequena quantidade de droga encontrada não
é fator que impede a prisão em flagrante com base no art. 33, conforme julgado:
“A pequena quantidade de droga apreendida por si só, não é suficiente para ensejar
a desclassificação do delito, ainda mais quando há outros elementos aptos à
configuração do crime de tráfico” 18.
Quando a droga é encontrada no bagageiro (lado externo do ônibus), a
conduta é, sem dúvida, a de “transportar”, faltando verificar a finalidade. No caso de
localização de droga em volume além do que seria razoável para uso particular do
agente, restará interpretação de que se configurou o tráfico ilícito (art. 33). Da
mesma forma, aquele que transporta em uma bagagem de mão, no porta-embrulho
do ônibus, ao lado ou embaixo da poltrona, volume considerável de droga pelo
mesmo critério, estará incurso na conduta de tráfico ilícito.
Ainda relacionado ao transporte, o art. 34 traz o crime que trata, entre
outras situações, da desautorizada movimentação de equipamentos e materiais
destinados ao preparo da droga19. Quanto às substâncias eventualmente
transportadas, Miguel Elias Daffara apresenta conceitos de grande valor para a ação
policial e os seus decorrentes e necessários registros:
18 STJ: HC 44119/BA. 19 “Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa”. (grifo nosso)
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 29
Matéria-prima é a substância principal da qual se extrai a droga; insumo é o elemento que, apesar de não ter a aptidão de dele se extrair a droga, é utilizado para produzi-la, ficando agregado a ela, vg: bicarbonato de sódio empregado na produção do crack, a partir da matéria prima cocaína; produto químico é a substância utilizada na produção da droga, sem agregar à matéria-prima (por exemplo, acetona no refino da cocaína). Tais substâncias, por si só, podem não ser ilícitas; por isso o policial terá que indicar provas de forma a demonstrar no caso concreto se a finalidade era a produção de drogas20.
Ainda no que toca ao transporte de drogas em ônibus rodoviário,
constata-se que os traficantes de maior capacidade têm contratado indivíduos que
se arriscam em levar em suas bagagens quantidades de 20 a 60 Kg de drogas por
viagem, em ônibus de linha regular com destino aos grandes centros consumidores
como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e outros. São conhecidos como
“mulas” e recebem mínimas informações a respeito da origem e do destino da droga,
de modo que o risco é assumido de forma pessoal, em troca de um pagamento que
gira em torno de R$ 500,00, recebidos no ato de entrega, no ponto final. Esses
ônibus são provenientes de regiões onde há grande oferta de droga e, por vezes, o
“traficante intermediário” - que assume o contrato de risco com passagens pagas -
viaja em ônibus fora do eixo principal do itinerário para despistar a fiscalização,
realizando baldeações21.
A maior parte da droga apreendida em ônibus é constituída de tabletes
de maconha prensada (“Cannabis Sativa”) pesando 500 g ou 1 Kg cada uma,
envoltos em papel celofane transparente ou colorido, acondicionados em bolsas de
viagem ou camufladas nas mais diversas formas que a criatividade humana pode
idealizar22. E, também, há registros expressivos de transporte de haxixe, cocaína em
20 DAFFARA, Miguel Elias. Nova Lei de Drogas e Atuação do Policial Militar no Policiamento Preventivo. Revista A Força Policial. São Paulo: Polícia Militar do Estado de São Paulo, nº. 56, 2007, p. 78. 21 Relatos de Cmt de Equipes TOR e registros de operações dão conta de que já foi apreendida, em algumas ocasiões, droga proveniente de Foz do Iguaçu em ônibus que saiu de Presidente Prudente com destino a São Paulo. O trajeto usual, entre Foz do Iguaçu e São Paulo foi alterado, de modo que o traficante preferiu utilizar um caminho mais longo, em linha regular com menor possibilidade de ser submetido à fiscalização por parte do efetivo do policiamento rodoviário. 22 Em 29 de janeiro de 2008, um jovem de 27 anos, morador em Ibia (MG), foi preso por volta das 2h30, na Rodovia Raposo Tavares, Km 445, em frente à Base Operacional de Assis, transportando maconha em um ônibus de passageiros que seguia para São Paulo, vindo de Foz do Iguaçu. A apreensão mostrou a criatividade dos chamados “mulas” (pessoas que transportam entorpecentes): a droga estava dentro de rolos de madeira, envoltos por tecido, somando 19,5 Kg de maconha e 500g de crack. Durante a revista, os policiais militares rodoviários encontraram uma grande mala com os rolos de tecido e, suspeitando da carga, resolveram rasgar o tecido e encontraram a droga escondida (matéria publicada no site www.assisnoticia.com.br, em 01/02/08). Em outra ocorrência, divulgada no site http://noticias.uol.com.br/ultnot/agencia/2008/03/19/ult4469u21475, em 18/03/2008, policiais
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 30
pasta ou refinada (em pó), crack e frascos de lança-perfume, entre outras
substâncias ou produtos qualificados como droga23. Dessa forma, o produtor e o
grande distribuidor pulverizam as ações de transporte e, com isso, diminuem o risco
de perdas em decorrência de eventuais apreensões, além de transferirem o risco de
prisão ao intermediário contratado.
1.4.2 Transporte de armas de fogo, acessórios e munições
A Lei Federal nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, conhecida com
“Lei do Desarmamento”, dispôs sobre registro, posse e comercialização de arma de
fogo, acessório e munição, e também sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm,
definindo crimes correlatos.
Entre as infrações penais previstas no Capítulo IV (Dos Crimes e das
Penas), dos art. 12 a 21, três apresentam o verbo “transportar” junto às outras
condutas relacionadas respectivamente em cada tipo, tratando-se de crimes de ação
múltipla. São eles: art. 14, “porte ilegal de arma de fogo de uso permitido”; art. 16,
“posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito” e art. 17, “comércio ilegal de
arma de fogo”. Portanto, qualquer dessas infrações penais pode ser perpetrada
mediante o uso de ônibus rodoviário.
No caso do art. 14, o autor pode tanto “portar”, como “transportar” a
arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido, sem autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar, pois o que importa é
militares rodoviários da 4ª Cia do 2º BPRv, ao revistarem na rodovia Assis Chateaubriand (SP-425), em Penápolis, o bagageiro de um ônibus que fazia o itinerário do município gaúcho de Cruz Alta a Barreiras, na Bahia, encontraram maconha escondida dentro de 06 cestas de páscoa, cuidadosamente embrulhadas, contendo mais de 6 kg de droga em cada uma. O passageiro responsável era um morador de Brasília, de 24 anos, jardineiro, que foi preso em flagrante e disse à polícia que ganharia R$ 500,00 para buscar a droga em Foz do Iguaçu e levá-la até Brasília, onde receberia o dinheiro pelo transporte. 23 “Cloreto de etila” é a substância proibida no Brasil conforme Portaria SVS/MS 344/98 e encontrada no lança-perfume, em frascos que vêm normalmente da Argentina, via Foz do Iguaçu, transportados em veículos particulares ou em ônibus de linha regular ou fretado. Também a Lei nº 5.062, de 04/07/66 proíbe a fabricação, comércio e uso do lança-perfume em todo o território nacional, nos seus art. 1º e 2º.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 31
exatamente a finalidade dessa conduta que, diversamente do propósito de comércio,
limita-se à manutenção do objeto de ilícito em uma relação de proximidade.
Entende-se por acessório tudo o que pode acompanhar o objeto
principal, que é a arma, para a realização do disparo, a exemplo de mira acoplável,
silenciador, carregadores sobressalentes etc. Munição é o cartucho íntegro, que
pode ser usado para alimentar arma de fogo.
O porte de arma é constatado normalmente nas buscas pessoais e
corresponde à situação de se ter arma (acessório e munição da mesma forma) ao
alcance sem a necessidade de que ela se apresente ostensiva ou que seja exibida
pelo portador. Aliás, quando portada, quase sempre a arma é ocultada, seja em
razão de que se encontra em situação irregular com relação ao registro e/ou
autorização de porte, seja porque não é conveniente à sua exibição em local público.
Já o transporte, previsto também no caput do mesmo crime do art. 14 (“porte ilegal
de arma de fogo de uso permitido”), corresponde à estrita locomoção do objeto de
um local para outro e, também, depende de autorização, além do registro,
evidentemente.
Em termos práticos, se o objeto de ilícito (arma, acessório ou munição)
estiver guardado em uma bolsa no bagageiro do ônibus, tem-se a conduta de
transportar. Quando na cintura do passageiro, ou de outra forma junto ao seu corpo,
ou em bagagem de mão ao seu alcance imediato, caracterizar-se-á o porte. O texto
legal tornou irrelevante a circunstância de a arma não se encontrar pronta para o
uso durante o porte ou o transporte ilegal, ou seja, é indiferente se ela estava ou não
municiada, alimentada e carregada.
A pena é de reclusão de dois a quatro anos, além de multa, e importa
notar que, conforme parágrafo único, do art. 14, o crime é inafiançável, salvo quando
a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.
A mesma interpretação das condutas quanto ao porte e ao transporte é
aplicada quando se trata de arma, acessório ou munição “de uso proibido ou
restrito”, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar,
conforme art. 16, com pena maior, qual seja, reclusão de três a seis anos, e multa.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 32
Nessa mesma pena grave, incorre quem porta ou transporta arma de fogo com
numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou
adulterado, seja a arma de uso proibido, restrito, ou não, conforme inciso IV do
mesmo artigo.
O porte ilegal de arma de fogo praticado por passageiros de ônibus
rodoviários não é incomum24. Já o transporte de mais de uma unidade, acessórios
ou quantidade expressiva de munição, que em tese pode configurar o tráfico ilícito,
ou melhor, “comércio ilegal” nos termos do art. 17, depende da verificação da
finalidade e constitui situação rara pelo histórico de apreensões recentes, o que
significa que o transporte vem sendo realizado em maior escala por meios diversos
do ônibus rodoviário, em que a dissimulação do material - que é compacto e pesado
- seja viabilizada.
Para o comércio ilegal (art. 17), a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8
(oito) anos, e multa. No caso de tráfico internacional, a conduta é prevista no art. 18,
com essa mesma pena, nos seguintes termos: “Importar, exportar, favorecer a
entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório
ou munição, sem autorização da autoridade competente” 25.
24 O diário Jornal de Assis publicou matéria em 23 de abril de 2008, p. 11, noticiando a prisão de uma mulher por porte de arma, com o seguinte histórico: “Uma artista plástica de 67 anos de idade, que mora em Salvador, na Bahia, recebeu voz de prisão por policiais militares rodoviários de Assis e posteriormente foi levada à cadeia pública de Lútecia, ao ser flagrada na posse de uma pistola e duas caixas com munições, dentro de um ônibus que foi fiscalizado às 3h15 do último sábado, no km 445 da Rodovia Raposo Tavares. Embaixo do acento nº 15 do coletivo que transportava 11 passageiros, com itinerário Assunção (Paraguai) x Salvador (BA), os policias localizaram um pacote, no qual havia uma pistola marca Cobra, calibre 380, uma caixa com 43 cartuchos de calibre 380, marca CCI, outra com 50 munições de calibre 38, um coldre axial de cor preta e um carregador apropriado para a pistola. A passageira admitiu que o pacote lhe pertencia e recebeu voz de prisão. Tentou se justificar dizendo que um desconhecido pediu para fazer a entrega da arma em uma rodoviária, mas disse não saber quem seria esta pessoa. ‘Alguém iria chegar em mim e pegar o pacote. Eu fiz isso porque gosto de ajudar as pessoas; não sabia que estava cometendo uma ilegalidade’, alegou”. 25 Apesar de raros, existem registros de prisões de indivíduos por tráfico ilegal de armas, inclusive internacional, em ônibus rodoviário (normalmente de fretamento), como aconteceu recentemente em Araçatuba (01/09/08), de acordo com os seguintes termos do histórico da mensagem nº. 2BPRv-2121/241/08: “Durante fiscalização de combate ao narcotráfico e demais ilícitos penais, os integrantes da Equipe TOR abordaram o ônibus da Empresa São Luiz, Scania Marcopolo Paradiso, cor branca, ano 2008, placas HSI-0593 Três Lagoas/MS, que fazia o itinerário de Ponta Porã/MS à Araçatuba/SP, conduzido por Edigard Tadeu de Souza RG 29.661.868 SSP/SP, que transportava 07 (sete) passageiros e durante revista minuciosa, foi localizada, dentro de uma mochila de nylon de cor preta sob as pernas, ocultada por um cobertor, com o passageiro da poltrona 21, as mercadorias descritas no item 6 (01 Pistola Taurus 9 mm sem marca, modelo PT99 AF Parabellum; 02 carregadores de pistola 9mm, cap 15 cartuchos cada; 01 coldre de couro preto; 01 lançador de granadas sem marca e sem nº; 01 submetralhadora 9 mm sem marca de fabricação, norte-americana; 02 carregadores de submetralhadora 9mm com capacidade para 40 cartuchos cada; 04 granadas M433 (40 mm); 13 granadas de mão M-09 A1, marca CEV; 03 granadas de mão marca DIM-ARGES; 02 granadas de mão modelo M14 marca CEV; 01 granada de mão
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 33
1.4.3 Transporte de objetos variados de contrabando e de
descaminho
O art. 334 do Código Penal, Decreto-Lei n.º 2.848/40, prevê o crime de
contrabando ou descaminho nos seguintes termos: “Importar ou exportar mercadoria
proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido
pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Pena - reclusão, de 1 (um)
a 4 (quatro) anos”.
Apesar de descritas conjuntamente no mesmo artigo, impondo-se a
mesma pena, há diferença técnica entre as ações delituosas de contrabando e de
descaminho que possuem elementos normativos diversos, como reconhece a
doutrina, mesmo levando em conta que o uso da disjuntiva “ou” tornariam
equivalentes as respectivas condutas. Diferenciando as modalidades, ensina Julio
Fabbrini Mirabete:
A primeira parte do art. 334, caput, refere-se ao contrabando, ou seja, à conduta de importar ou exportar mercadoria proibida. Importar significa trazer para o país e exportar é tirar dele qualquer mercadoria, pouco relevando se o faça através de alfândega ou fora dela. Nessa primeira modalidade é necessário que o objeto material seja mercadoria proibida, que inclui não só a que o é em si mesma (proibição absoluta), como a que o é apenas em determinadas circunstâncias (proibição relativa). (...) Na segunda parte do caput do art. 334, a lei refere-se ao descaminho, em que o crime se configura pela fraude empregada para evitar o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada ou saída de mercadoria não proibida26.
Quanto aos sujeitos, importa notar que é comum a associação de
várias pessoas para a sua prática, o que traz como consequência a caracterização
do crime de formação de quadrilha ou bando, em concurso material com o
respectivo delito do art. 33427. Havendo participação de funcionário público na ação
criminosa, este poderá responder pelo crime do art. 318, também do Código Penal,
modelo de procedência estrangeira FMR2MODO e 50 cartuchos marca aguila calibre .25). O indiciado alegou que adquiriu as mercadorias no Paraguai e seguia com destino à cidade do Rio de Janeiro/RJ para entregá-las à integrantes de uma facção criminosa no bairro da Penha. Diante dos fatos, foi dada voz de prisão em flagrante e encaminhado o infrator e mercadorias à Sede da Polícia Federal em Araçatuba/SP, onde foi lavrado o APFD por tráfico de armas internacional”. 26 MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1995, 3.v., p. 368. 27 Art. 288, do Código Penal: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes. Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos”.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 34
no caso de: “Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou
descaminho”, com previsão de pena de reclusão, de 03 (três) a 08 (oito) anos, e
multa, como prevê o referido artigo.
A atuação policial tem reprimido o transporte de objetos de
contrabando ou descaminho em ônibus rodoviário, destacando-se as apreensões de
equipamentos de informática e eletro-eletrônicos em geral, além de cigarros e
bebidas trazidos ilegalmente do exterior, especialmente do Paraguai28.
Quem transporta tais produtos, nessa condição, está sujeito à prisão e
apreensão dos objetos transportados, em qualquer momento do seu deslocamento.
A origem ilegal do material vincula o responsável ao contrabando (“importar ou
exportar mercadoria proibida”`) e a falta de documentos de importação, se não
proibida a mercadoria, vinculam-no ao descaminho (“iludir, no todo ou em parte, o
pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo
de mercadoria”).
1.4.4 Transporte de medicamentos
Justifica-se a detida análise do transporte de produto destinado
originariamente a fins terapêuticos ou medicinais, que se apresentam, geralmente,
em forma de comprimidos, em razão das recentes e expressivas apreensões
realizadas a partir de buscas em ônibus rodoviários. O pequeno volume desse
material enseja transporte de significativa quantidade de comprimidos por viagem,
chegando a milhares em alguns casos29.
28 Conforme Decreto-lei n.º 399/68, constitui contrabando a importação de fumo estrangeiro, 29 Somente no ano de 2008, até meados de outubro, ocorreram 09 apreensões de medicamentos ilegais, ou transportados ilegalmente, apenas na área da 3ª Companhia do 2º BPRv, com sede em Assis/SP. A mais recente apreensão deu-se no dia 17 de outubro, às 4h 40min, conforme histórico da mensagem nº 2BPRv-2566/231/08: “A equipe TOR em fiscalização defronte a Base Operacional de Assis, Km 445 da SP 270, Rodovia Raposo Tavares, abordou o ônibus marca Scania, modelo Buscar, cor amarela, placas GXH 5690 Curvelo/MG, pertencente a Empresa Gontijo, que fazia o itinerário Assunção (Paraguai) X Salvador (BA) transportando 20 passageiros, e durante vistoria no coletivo, localizou com a autora, 1.000 cartelas de PRAMIL com 20 comprimidos cada uma, todas localizadas em uma bolsa de nylon guardada no bagageiro em uma bolsa de mão, na poltrona respectiva, 150 cartelas de PRAMIL FORTE de 180 miligramas com 10 comprimidos cada cartela, 100 cartelas de POTENT com 10 comprimidos cada cartela e 100 cartelas de CIALIS com 02 comprimidos cada cartela, totalizando 22.700 comprimidos” (grifo nosso).
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 35
A maior parte das ocorrências de apreensão envolve transporte de
produtos falsificados ou de origem não autorizada, configurando-se o crime contra a
saúde pública previsto no art. 273 do Código Penal. Esse dispositivo possui redação
abrangente para coibir as ações de “falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto
destinado a fins terapêuticos ou medicinais”, com pesada pena de 10 (dez) a 15
(quinze) anos de reclusão, e multa.
A conduta de quem transporta amolda-se à descrição do parágrafo 1º,
parágrafo 1º-A e parágrafo 1º-B, no mesmo art. 273, conforme a situação, nos
seguintes termos:
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. § 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. § 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V - de procedência ignorada; VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.
Assim, por exemplo, quem importa o produto “Cytotec, com princípio
ativo Misoprostol, 200mg, blister contendo 10 comprimidos”, fabricado pela empresa
Continental Pharma, estabelecida na Itália, pratica a conduta do inciso I, do
parágrafo 1º-B, do art. 273, em razão da determinação de apreensão constante da
Resolução nº 1.232, de 30 de julho de 2003, da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária. Isso ocorre em razão de que o produto é fabricado e comercializado sem
registro e a empresa não possui Autorização de Funcionamento, segundo os
critérios desse mesmo órgão.
O Cytotec em comprimido tem como original finalidade terapêutica o
tratamento de doenças gástricas; no entanto, é distribuído e comercializado
clandestinamente como abortivo em clínicas, em farmácias e até em barracas de
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 36
camelôs. Além do produto italiano, já foram apreendidas marcas de fabricação norte-
americana e francesa transportadas em ônibus rodoviários vindos de Foz do Iguaçu
e, nesses casos, apesar de não haver portaria proibitiva da Anvisa, configura-se o
crime previsto no artigo 273 do CP, parágrafo 1º-B, inciso VI, em razão da entrada
do produto no país por meio do Paraguai30.
Remédios para a impotência sexual masculina, falsificados ou originais,
todos sem registro nos órgãos de saúde do Brasil, também são apreendidos. A
maior parte das ocorrências refere-se a remédios de disfunção erétil de laboratórios
conceituados e com nomes conhecidos no mercado, a exemplo do “Viagra” do
laboratório Pfizer, o “Cialis” do laboratório Lilly e o “Levitra” do laboratório Bayer, que
são objetos de falsificação. Existem, também, produtos fabricados no Paraguai, na
China ou em países da Europa, que trazem na fórmula os princípios ativos
encontrados nesses mesmos remédios (“Sildenafil”, do Viagra; “Tadalafil”, do Cialias;
“Vardenafil” ou “Vardenafila” do Levitra), porém são identificados com nomes
próprios (fantasia) como, por exemplo, o Pramil, o Valient e o Potent. Depois de
entregues no ponto de destino, esses produtos são normalmente distribuídos e
comercializados clandestinamente em barracas de camelôs, postos de combustíveis
às margens de rodovias, onde existe ponto de prostituição e também em algumas
farmácias.
Com relação aos anabolizantes, também apreendidos em grande
quantidade, o produto identificado como “Decadurabolin” é o mais conhecido e tem
como consumidores usuários normalmente frequentadores de academias de
musculação ou de fisiculturismo. As marcas são variadas, quase todas com nome
em língua inglesa e fabricados nos Estados Unidos ou em países da Europa e, em
alguns casos, na Argentina. Ainda, grande parte dos produtos apreendidos,
chamados “anabolizantes” constitui medicamentos de uso original veterinário,
ministrados especialmente em equinos.
Nota-se que a Lei n.º 9.695, de 20 de agosto de 1998, acresceu o
inciso VII-B ao art. 1º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/90), transformando
30 Informações sobre apreensões diversas colhidas em registros da Seção de Administração da 3ª Cia, do 2º BPRv e informações sobre os produtos obtidas em entrevistas com os Sargentos que comandam equipes de TOR na mesma área.
O transporte rodoviário de passageiros e a sua utilização para a prática criminosa 37
a conduta do art. 273 do Código Penal em crime hediondo. Portanto, nos termos do
art. 2º, da Lei n.º Lei n.º 8.072/90, aquele que transporta os referidos produtos, tal
como o traficante de drogas, não terá benefícios processuais, conforme segue: “Os
crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, e o terrorismo são insuscetíveis de: I – anistia, graça e indulto; II - fiança”.
Pode ocorrer, também, o transporte de “medicamento” não falsificado,
mas de comercialização proibida ou controlada no Brasil, por conta do seu princípio
ativo constar na Portaria n.º 344 como substância entorpecente (listas A1 e A2).
Nesse caso, o responsável responderá por tráfico ilícito de drogas, nos termos do
art. 33 da Lei Federal nº. 11.343/06, salvo se portar autorização especial para esse
transporte.
Apesar de incomum no transporte rodoviário, tecnicamente pode
ocorrer, ainda, a importação de medicamento não falsificado, de comercialização
não proibida no Brasil, mas sem o pagamento de direito ou imposto devido,
configurando-se o descaminho (segunda parte do caput do, art. 334, do Código
Penal).
Enfim, a caracterização da conduta criminosa dependerá, em princípio,
da classificação legal dada ao produto transportado. As modificações com relação à
classificação de substâncias, produtos e medicamentos, bem como a mudança de
categoria, dentro das definições elencadas na portaria n.º 344, são realizadas por
novas portarias da Anvisa. Nota-se, ademais, que um produto que, em certo dia, era
controlado, em outro pode não mais ser assim classificado e isso acontece com as
substâncias que compõem o princípio ativo de medicamentos. Igualmente, a
proibição, o controle e a suspensão de comercialização de determinados produtos
são determinados por portarias do mesmo órgão.
22 AAÇÇÕÕEESS PPOOLLIICCIIAAIISS DDEESSEENNVVOOLLVVIIDDAASS NNAASS
RROODDOOVVIIAASS
Antes de discorrer propriamente sobre as ações policiais desenvolvidas
nas rodovias, é fundamental analisar a questão da competência da Polícia Militar
para atuar nas rodovias estaduais, por meio do efetivo vinculado ao Comando de
Policiamento Rodoviário, bem como a abrangência de sua missão legal.
Partindo desse estudo, avançamos para a questão do enfrentamento
da criminalidade nas rodovias e a utilização do precioso recurso de fiscalização de
ônibus rodoviário, aproveitando para avaliar experiências de outros órgãos policiais.
22..11 DDaa ccoommppeettêênncciiaa ddaa PPoollíícciiaa MMiilliittaarr ppaarraa aattuuaarr nnaass
rrooddoovviiaass eessttaadduuaaiiss
Mediante a edição do Decreto 17.868, em 10 de janeiro de 1948 foi
instituída, em São Paulo, a “Polícia Rodoviária do Estado”, com o efetivo inicial de 60
homens comandados pelo então Tenente José de Pina Figueiredo, Oficial da Força
Pública atuante na condição de comissionado ao Departamento de Estradas de
Rodagem (DER). A competência para exercer a polícia de tráfego nas rodovias era
desse Departamento e pretendia-se, com o novo órgão, a ideal operação na Via
Anchieta, rodovia mais importante e moderna de São Paulo na época31.
A Força Pública, que já disponibilizava homens para compor a Polícia
Rodoviária em comissão - junto com os Guardas Rodoviários civis do DER -,
absorveu o órgão em 16 de novembro de 1962, por meio da Lei nº 7.455. Na
sequência, estabeleceu em sua organização o “Corpo de Polícia Rodoviária” e
31 Informações constantes do histórico do Comando de Policiamento Rodoviário de São Paulo, disponíveis na Seção de Relações Públicas desse Comando, em São Paulo.
Capítulo
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 39
passou a atuar no trânsito rodoviário com poderes delegados pelo DER, por meio de
celebração de convênio.
Já o Decreto-lei Estadual nº 217, de 08 de abril de 1970, que
normatizou a unificação da Força Pública e Guarda Civil, reiterou os dispositivos do
Decreto-lei 667, de 02 de julho de 1969, com as alterações introduzidas pelo
Decreto-lei n° 1.072/69, estabelecendo que:
Artigo 9º - Compete à Polícia Militar do Estado: I – executar o policiamento ostensivo fardado, planejado pelas autoridades policiais competentes, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; II – atuar de maneira preventiva como força de dissuasão em locais ou áreas específicas onde se presuma ser possível a perturbação da ordem; ………………………… IV – proceder ao policiamento: - do tráfego urbano; - das vias de comunicação ferroviária, rodoviária e fluvial, bem assim das respectivas instalações de uso público.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 144, parágrafo 5º,
estabeleceu a exclusividade do Policiamento Ostensivo e a Preservação da Ordem
Pública à Polícia Militar32. Esse dispositivo, combinado com o previsto no Decreto
Federal 88.777/83, que instituiu o Regulamento Geral para as Policias Militares,
resultou na definição de que o policiamento rodoviário é uma das modalidades de
policiamento ostensivo fardado33.
A Lei Federal 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código
de Trânsito Brasileiro (CTB), estabelecendo a composição e a competência dos
Órgãos e Entidades do Sistema Nacional de Trânsito, definiu no artigo 21 a
competência do DER, como Órgão Executivo Rodoviário do Estado e no artigo 23 e
anexo I a competência da Polícia Militar no trânsito.
32 Constituição Federal de 1988, artigo 144, parágrafo 5º: “Às Polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos Corpos de Bombeiros Militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil”. 33 Art. 2º do Decreto Federal 88.777/83 (Regulamento Geral – R200): “São tipos desse policiamento, a cargo das Polícias Militares ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, os seguintes: ostensivo, urbano e rural; de trânsito; florestal e de mananciais; rodoviário e ferroviário, nas estradas estaduais; portuário; fluvial e lacustre; de radiopatrulha terrestre e aérea; de segurança externa dos estabelecimentos penais do Estado; outros, fixados em legislação das Unidades Federativas, ouvido o Estado-Maior do Exército, através da Inspetoria Geral das Polícias Militares” (grifo do autor).
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 40
Entre as competências do órgão executivo rodoviário estadual - DER -
conforme item VI, do art. 21 do CTB, encontra-se a missão de: “executar a
fiscalização de trânsito, autuar, aplicar as penalidades de advertência, por escrito, e
ainda as multas e medidas administrativas cabíveis, notificando os infratores e
arrecadando as multas que aplicar”. Já o art. 23, estabelece como competência das
Polícias Militares: “executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio
firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos
rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados”.
Ainda, o Anexo I do CTB traz como definição de Policiamento
Ostensivo de Trânsito: “função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo de
prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir
obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre
circulação e evitando acidentes”.
Em 2006, foi celebrado o mais recente convênio entre a Polícia Militar
do Estado de São Paulo, por meio do Comando de Policiamento Rodoviário,
Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e outros órgãos envolvidos, cujo
objeto é a execução dos serviços de policiamento e fiscalização de trânsito e
transporte nas rodovias estaduais. Caracteriza-se o compromisso firmado pela
cooperação técnica e material entre os partícipes e as empresas concessionárias
intervenientes-anuentes, com prazo de vigência de 05 (cinco) anos, podendo ser
prorrogado por igual período, em face da sua natureza e objeto, mediante prévia
autorização do Secretário da Segurança Pública.
Oportuno notar que o efetivo do policiamento rodoviário apóia as ações
dos agentes da ANTT e da ARTESP, esta também parte integrante do convênio,
durante suas fiscalizações propriamente voltadas às normas de transporte nas
rodovias estaduais.
Portanto, o efetivo da Polícia Militar em desenvolvimento da atividade
especializada de policiamento rodoviário atua na área de polícia de segurança nas
rodovias estaduais por competência originária, inerente à própria condição policial-
militar e atua na área de polícia de trânsito, simultaneamente, por competência
derivada de convênio firmado com o órgão executivo de trânsito competente, no
caso, o DER.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 41
22..22 AAttuuaaççããoo ccoonnttrraa aa ccrriimmiinnaalliiddaaddee nnaass rrooddoovviiaass
Diante da histórica atuação da Força Pública, hoje Polícia Militar do
Estado de São Paulo, no âmbito do policiamento rodoviário, aperfeiçoou-se ao longo
do tempo a dualidade das ações policiais nas rodovias paulistas, ora na esfera de
polícia de trânsito propriamente, ora na esfera de polícia de segurança.
Na verdade, essas duas áreas de ação praticamente se integram e se
complementam no momento de uma abordagem e de uma fiscalização. Na mesma
intervenção, o policial verifica eventuais irregularidades na esfera de trânsito e tem a
possibilidade de realizar busca pessoal e veicular, além de consulta às bases de
dados disponíveis para verificação de pendências judiciais em relação ao indivíduo e
também ao veículo. A ordem de parada para fiscalização, preliminarmente na área
de trânsito, é uma oportunidade preciosa para a intervenção policial na esfera de
polícia de segurança, nas mais diversas situações e na dinâmica própria de
circulação nas rodovias.
Nessa circunstância, o fator surpresa é a principal arma no
policiamento rodoviário. Ocorre que o cidadão abordado por um policial que exerce
fiscalização de trânsito, por vezes não espera que esse agente avance em sua
intervenção para proceder, por exemplo, uma busca veicular. Desse modo, relata-se
que vários criminosos já foram surpreendidos e presos em flagrante em razão de
transportarem objetos de ilícito e acreditarem que a fiscalização seria limitada à
simples verificação de documentos, constatação da presença, eficiência e operância
dos equipamentos obrigatórios e verificação das condições gerais do veículo34.
Também no campo da prevenção, tem-se a convicção de que a
simples presença do policial militar rodoviário uniformizado em operação, o
posicionamento estratégico das viaturas e o funcionamento permanente das Bases
Operacionais são capazes de coibir a prática de um número incalculável de ilícitos
penais, pela certeza da constante vigilância. Pelo mesmo motivo, as infrações de
trânsito seriam evitadas pelo efeito preventivo geral decorrente da visibilidade da
força de fiscalização, por sua própria característica ostensiva.
34 Relatos em entrevistas realizadas no primeiro trimestre de 2008 com Sargentos Chefes de equipes TOR e com Sargentos Comandantes de Bases Operacionais no âmbito do 2º BPRv.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 42
Ao longo de mais de seis décadas de ininterrupta atuação, o efetivo do
policiamento rodoviário acompanhou as rápidas transformações da sociedade e
investiu muito na ação de combate à criminalidade, para atender à demanda por
maior segurança nas rodovias, em seu sentido amplo. Sem descuidar das missões
próprias de trânsito, o efetivo se especializou na área de polícia de segurança em
rodovias. A adaptação foi observada por Romeu Takami Mizutani, em trabalho
monográfico que focou a mudança comportamental necessária do policial militar
rodoviário, sintetizada no seguinte raciocínio:
Na medida em que os infratores da lei aperfeiçoam seus métodos ou demonstram cada vez maior audácia na prática dos delitos, cabe aos órgãos de segurança e, particularmente, à Polícia Militar Rodoviária, primeira força na preservação e repressão do crime nas rodovias estaduais, aprimorar sua ação combativa e elevar sua atuação preventiva, na busca de um mais eficiente e efetivo serviço de segurança a todos os usuários do sistema rodoviário estadual35.
Passo fundamental na valorização das intervenções, objetivando
enfrentar a criminalidade crescente, deu-se com a criação do Tático Ostensivo
Rodoviário na 1980, com equipes de no mínimo três homens, bem treinados e
equipados, em viaturas maiores que as tradicionais e com maior capacidade bélica,
conforme relata o mesmo autor, iniciativa que, ao longo do tempo, se comprovou
acertada:
Preocupado com a crescente ação criminosa nas rodovias estaduais, em 1987, o Comando de Policiamento Rodoviário (CPRv), idealizou policiamento especializado para combater o narcotráfico e o roubo, denominado “Tático Ostensivo Rodoviário” - TOR -, sem descaracterizar o padrão de atendimento, norteador do policiamento rodoviário, mas objetivando atualizá-lo em vista da necessidade real, para atender os reclamos e anseios dos usuários da estrada. Inicialmente, neste policiamento, foram destacados 56 policiais e 8 viaturas para atender uma malha viária de aproximadamente 24 mil quilômetros. O aparato reduzido evidenciou a não efetividade, mas sua operacionalidade demonstrou eficiência e eficácia, motivando a mudança comportamental do patrulheiro, para um novo padrão de policiamento preventivo-repressivo36.
35 TAKAMI, Romeu Mizutani. Nova ótica do crime organizado nas rodovias estaduais - Proposta de Mudança Comportamental do Policial Militar Rodoviário. Monografia apresentada no Curso Superior de Polícia. São Paulo: Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar do Estado de São Paulo, 1998, p. 10. 36 Ibid, p. 16.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 43
Nota-se que, na época, a ação criminosa de maior impacto social, entre
outras desenvolvidas nas rodovias, era a de conduzir para negociação, em outros
países da América do Sul, os veículos furtados ou roubados nas grandes cidades
brasileiras37. Nas décadas seguintes, esse cenário foi alterado para prevalecer a
prática de tráfico de drogas e de armas, além do transporte de outros objetos de
ilícito em veículos diversos38.
O policiamento rodoviário tem demonstrado capacidade de adaptação
para acompanhar a dinâmica das ações criminosas nas rodovias estaduais,
oferecendo-lhes resistência por meio da atuação não somente das equipes TOR,
mas igualmente das patrulhas convencionais, respeitadas as limitações destas
últimas, evidentemente, pelo seu menor aparato bélico e de efetivo.
Na área do 2º BPRv, que compreende eixos rodoviários que fazem
ligação do Mato Grosso do Sul e norte do Paraná com a cidade de São Paulo, Belo
Horizonte e outras localidades, vêm sendo mantidos números expressivos
especialmente de apreensões de drogas e prisões de traficantes, decorrentes de
bem sucedidas buscas veiculares, entre outros resultados importantes no combate à
criminalidade39.
Confirmando essa assertiva, apresentam-se os dados das ocorrências
com apreensão de drogas, sem desmerecimento do inegável valor das demais
ocorrências. Portanto, o quadro a seguir é ilustrativo quanto à produtividade do 2º
BPRv, especificamente sobre o volume total e por tipo de droga apreendida,
referente aos indicadores operacionais dos últimos cinco anos:
37 A Nota de Instrução n.º CPRv-001/03/87, que estabeleceu diretrizes operacionais para o “TOR”, destacou esse aspecto, na p. 01: “... as estradas paulistas, hoje, além de se constituírem no meio de circulação da produção e de integração do Estado, vem se transformando em caminho de circulação e acontecimento de crime. As rodovias têm sido o escoadouro dos carros roubados e furtados, que se destinam aos mercados estrangeiros.” 38 AITH, Márcio et alii. Crime: as raízes, a impunidade, as soluções. Revista Veja, reportagem especial. São Paulo: Abril, nº 1990, 2007, p. 59. 39 A Agência de Área (AA) e Seção Operacional do 2º BPRv mantêm dados atualizados sobre a evolução dos resultados operacionais da Unidade, no combate à criminalidade nas rodovias.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 44
Drogas apreendidas na área do 2º BPRv, em Kg, de 2003 a 2007
ANO Maconha Cocaína Crack Outros TOTAL
2003 4.424,353 67,831 9,578 255,583 4.757,345
2004 5.742,489 47,613 10,317 265,667 6.066,086
2005 8.365,197 174,639 38,367 115,535 8.693,738
2006 5.616,078 104,660 30,416 118,064 5.860,218
2007 6.036,036 90,637 39,792 80,891 6.247,356
Fonte: Seção Operacional do 2º BPRv
Interessante ressaltar o total de apreensões de drogas realizadas por
toda a Polícia Militar no Estado de São Paulo, no mesmo período, em Kg, para
mensurar a relevância do trabalho desenvolvido pela Unidade, conforme segue:
2003 - 15.262,344; 2004 - 14.090,986; 2005 - 20.617,197; 2006 - 19.322,422 e 2007
- 35.737,43340. Calculando-se a participação apenas do 2º BPRv no total dessas
apreensões, conclui-se que a média dos últimos cinco anos é de 32,8%, ou seja,
praticamente um terço das apreensões no Estado (2003: 31,1%; 2004: 43,0%; 2005:
42,1%; 2006: 30,3% e 2007: 17,4%).
Para identificar a participação de cada espécie de veículo no transporte
da droga apreendida no âmbito do 2º BPRv, foi realizada uma análise de todas as
ocorrências do ano de 2007. Verificou-se que o ônibus rodoviário caracterizou-se
como o segundo tipo de veículo mais utilizado, evidentemente pelo critério de
quantidade de droga apreendida, conforme indicado:
Veículos utilizados no transporte de drogas e o peso total das
apreensões no ano de 2007, no âmbito do 2º BPRv, com respectivo percentual de
participação:
TIPO DE VEÍCULO
TOTAL DE DROGA
APREENDIDA (Kg)
PERCENTUAL
AUTOMÓVEL 2.655,126 42,50 %
40 Dados obtidos junto à 2ª EM/PM, com base nas informações divulgadas em referência à Resolução SSP-160, de 8-5-2001. O ano de 2007 foi o mais produtivo: surpreendentemente, a Polícia Militar de São Paulo apreendeu mais que o dobro da média dos quatro anos anteriores (média de 17.322,421 Kg).
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 45
ÔNIBUS 1.769,001 28,30 %
CAMINHÃO 41 1.481,248 23,71 %
CAMINHONETE 268,636 4,30 %
MOTOCICLETA 72,718 1,18 %
BICICLETA 0,624 0,01 %
Total 6.247,356
Fonte: AA/2º BPRv
Diante do quadro apresentado, revela-se fundamental investir nas
buscas em ônibus rodoviários para a manutenção dos indicadores operacionais,
ampliando-se a aplicação do respectivo procedimento operacional.
2.2.1 Infrações penais de menor potencial ofensivo
Ainda na área de polícia de segurança, é importante consignar que o
efetivo do policiamento rodoviário lavra termo circunstanciado (TC) nos casos de
infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo, nos termos da Lei nº
9.099/95, com a alteração da Lei nº 11.313/06, em todo o Estado de São Paulo42,
quando praticadas nas rodovias estaduais, respectivos acessos e faixa de domínio,
em face do inciso IV, artigo 1º, da Resolução SSP nº 329, de 25 de setembro de 200343.
O aspecto positivo dessa postura regulamentada foi observado por
Jurandir Gaidukas:
41 Nota-se que, em apenas uma das ocorrências envolvendo caminhão, em dezembro de 2007, houve a apreensão de mais de uma tonelada de maconha, em frente à Base Operacional de Assis, com apoio da Polícia Federal. Pode-se então inferir que, apesar do volume expressivo de droga transportada em cada eventual carregamento em caminhão, não são frequentes as ocorrências com apreensão nessa modalidade de transporte, e com poucas prisões efetivadas. Já no ônibus rodoviário, pela própria limitação de espaço disponível para o passageiro e sua bagagem, normalmente os volumes apreendidos são menores, porém são mais frequentes as ocorrências de apreensões e prisões de traficantes. Já nos automóveis, que constituem o tipo de veículo com maior quantidade em circulação, o volume maior de droga transportada se verifica em razão das técnicas de dissimulação, basicamente por se embutir droga na lataria do veículo, dentro dos para-choques, do painel, do assoalho (falso) e mesmo dentro do tanque de combustível (fundo falso) em alguns casos. 42 O art. 61, da Lei nº 9.099/95, com nova redação, estabelece que: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”. 43 A Resolução SSP 329/03 estabeleceu as áreas de atuação da Polícia Militar para elaboração de Boletim de Ocorrência Policial Militar – Termo Circunstanciado (BO/PM-TC), no âmbito do Estado de São Paulo.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 46
No caso do policiamento rodoviário, a aplicação da Lei nº 9.099/95, traz como consequência imediata, uma melhoria considerável na sua eficácia e eficiência, isto porque o comparecimento aos DP, para simples registro de ocorrência, acarreta o abandono da rodovia por longos períodos, gerando outras consequências decorrentes disso44.
No âmbito da 3ª Cia do 2º BPRv, que constitui uma das dezesseis
Companhias de policiamento rodoviário com área de fiscalização no Estado de São
Paulo, foram lavrados, durante o ano de 2007, cento e trinta e quatro termos
circunstanciados. As ocorrências registradas referem-se às infrações aos
seguintes dispositivos penais: art. 303 do CTB, prática de lesão corporal culposa na
direção de veículo automotor (total de noventa e nove registros); art. 309 do CTB,
direção de veículo automotor, em via pública, sem a devida permissão ou
habilitação, gerando perigo de dano (total de vinte e dois registros); art. 31 da LCP,
omissão de cautela na guarda ou condução de animais (total de onze registros);
art. 29 da Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), transporte ilegal de
espécimes e subprodutos da fauna silvestre (total de dois registros)45.
Interessante notar que, em razão da restrição prevista no inciso III, do
art. 7º, também da Resolução SSP nº 329, o efetivo do policiamento rodoviário não
elabora TC nas ocorrências que envolvem porte de drogas.
Apesar de, no ano de 2007, não ter havido casos de TC relativos a
ocorrências no interior de ônibus, existe sempre a possibilidade de intervenção
policial em atendimento a pedido de motoristas, com elaboração desse registro
diante da prática de infrações penais de menor potencial ofensivo, tais como, ato
obsceno (art. 233 do CP), rixa (art. 137 do CP) e dano (art. 163 do CP), entre várias
outras praticadas por passageiros, como já aconteceu em passado recente46.
Obviamente, o motorista também pode figurar como autor, nesse caso, com maior
probabilidade nos crimes relacionados ao trânsito previstos no CTB.
44 GAIDUKAS, op. cit., p. 17. 45 Fonte: Seç de Adm da 3ª Cia do 2º BPRv, a partir dos registros de TC lavrados nos últimos 03 anos, na área da subunidade. 46 Conforme Informações obtidas em relatos dos sargentos chefes de Equipes TOR da 3ª Cia do 2º BPRv, em entrevistas no primeiro trimestre de 2008, já houve atendimentos de ocorrências no interior de ônibus, por solicitação do motorista que normalmente para em frente às Bases para pedir apoio policial, quando necessário, como recurso prático e imediato. Por isso, considera-se positiva a falta de registros em 2007, valorizando-se a prevenção alcançada pelas fiscalizações constantes em ônibus rodoviários e pela certeza da presença policial.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 47
22..33 FFiissccaalliizzaaççããoo eemm ôônniibbuuss rrooddoovviiáárriioo
Entre as buscas veiculares realizadas na ação do policiamento
rodoviário, ganha relevo a busca em ônibus rodoviário em razão da complexidade do
procedimento e dos resultados alcançados, conforme já demonstrado.
Essa busca pode ser compreendida como um dos momentos da
fiscalização do ônibus rodoviário, em sentido amplo, iniciada com a ordem de
parada. Segue-se a solicitação dos documentos do motorista e do veículo, a busca
propriamente dita e a identificação de pessoas. Em linhas gerais, o procedimento
completo visa à presença do policiamento ostensivo no sistema de transporte
coletivo, à verificação do cumprimento das exigências legais relativas ao veículo e
ao condutor na área do trânsito e do transporte e, especialmente, à prevenção e à
repressão quanto aos ilícitos penais que são praticados em função da utilização do
ônibus rodoviário, ou mesmo contra os ocupantes do veículo47.
Ao policiamento rodoviário, incumbe a fiscalização dos ônibus e dos
condutores à luz do CTB e o apoio aos agentes fiscalizadores dos demais Órgãos e
Entidades relacionados ao transporte coletivo de passageiros. Nota-se, ainda, que
também compete ao policiamento rodoviário, por força de convênio envolvendo o
DER e outros órgãos, fiscalizar as exigências legais para o transporte de
trabalhadores rurais, realizado, usualmente, por meio de ônibus e micro-ônibus.
A atuação na busca em ônibus rodoviário é sempre delicada e de risco
para o policial e para os ocupantes, pelo conflito de interesses e pela possibilidade
de reação contrária, por parte dos passageiros que têm sua viagem interrompida ou,
até mesmo, por parte de indivíduos que se utilizam do transporte coletivo para
perpetrarem ações criminosas.
A fiscalização em ônibus rodoviário, de modo amplo, comprova o
caráter de complementaridade das ações policiais no que tange às áreas de polícia
de segurança e de polícia de trânsito, em razão dos seus objetivos bem definidos,
quais sejam:
47 Diretriz nº 2BPRv-001/03/2001, com assunto: “Fiscalização de Ônibus”.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 48
1. preservar a tranquilidade pública e normalidade no sistema de transporte coletivo e consequentemente a segurança dos seus usuários; 2. prevenir, por meio de ação e de operações específicas, os acidentes de trânsito envolvendo esses veículos, os quais resultam número expressivo de vítimas; 3. prevenir e reprimir, por meio de ação e de operações específicas, a utilização desses veículos para a prática de ilícitos penais, tais como o contrabando, o descaminho e o tráfico ilícito de drogas; 4. prevenir, por meio de ação e de operações específicas, a prática de delitos contra os usuários do transporte coletivo; 5. apoiar as ações dos fiscais dos Órgãos e Entidades que têm a competência de fiscalizar a concessão, permissão ou autorização das linhas regulares ou de fretamento48.
As primeiras fiscalizações de que se tem notícia, com foco na
apreensão de objetos de ilícito, ocorreram ainda em meados da década de 1990. A
iniciativa partiu do 2º Sgt PM 792467-4 Valter de Messias, da 5ª Cia, do 2º BPRv,
Presidente Prudente, que resolveu verificar com rigor, até então incomum, as
bagagens e passageiros de ônibus provenientes da região de divisa com o Paraguai,
fiscalizando-os na divisa do Estado de São Paulo com o Mato Grosso do Sul, com a
participação de sua equipe em serviço.
Os resultados que se seguiram, particularmente quanto à apreensão de
drogas em grande quantidade, armas, munições e produtos de contrabando e de
descaminho, incentivaram o aperfeiçoamento e a continuidade dessas buscas, além
da paulatina difusão da linha de procedimento para outras equipes no âmbito do 2º
BPRv, alcançando-se igualmente as demais Unidades do CPRv49.
A ampla divulgação e a disseminação dos conhecimentos de ordem
prática ocorreram a partir do ano 2000, com a implantação dos chamados
“Encontros de TOR”, que permitiram uma maior integração das equipes e o
intercâmbio de experiências, entre elas, a busca em ônibus rodoviário, conforme
relatou Daniel Barbosa Rodrigueiro, ilustre Oficial que comandou, como Ten Cel PM,
48 Objetivos constantes na proposta de Norma de Procedimento nº 012, sob o título: “Fiscalização de ônibus e de micro-ônibus”, desenvolvida em 2007 pela Seção Operacional do CPRv. 49 Informações colhidas em entrevistas com sargentos que atuam há vários anos na função de chefes de equipes TOR no âmbito do 2º BPRv, no primeiro trimestre de 2008.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 49
o 2º BPRv e, como Cel PM, o CPI-4 (Bauru) e o CPRv, entre os anos de 2002 e
2007:
Inúmeras matérias jornalísticas destacam o êxito no trabalho de apreensão de entorpecentes por parte do policiamento urbano de área, do policiamento rodoviário estadual e dos órgãos da Polícia Civil do Estado, trabalho este que demonstra também as regiões e as principais rodovias utilizadas pelo tráfico de entorpecentes. Todo esse cenário do tráfico de entorpecentes nas regiões e principais rodovias estaduais já estava sendo perceptível pelo policiamento rodoviário no entremeio do ano de 2000, pois equipes de TOR, entre elas a chefiada pelo respeitável profissional de policia, 2º Sgt PM 792467-4 Valter de Messias, da 5ª Cia, do 2º BPRv - Presidente Prudente, despontavam-se nas apreensões de entorpecentes, principalmente a maconha, em fiscalizações e vistorias nos ônibus de passageiros de linha regular no eixo da SP-270, Rod. Raposo Tavares, provenientes dos Estados do Mato Grosso do Sul e do Paraná. (...) Naquela feita, os trabalhos de polícia de segurança propriamente dita eram exercidos com apenas 12 equipes de TOR, distribuídas nas 6 Cias do 2º BPRv, Bauru, Itapetininga, Assis, Tatuí, Presidente Prudente e Araçatuba. Apesar das dificuldades reinantes de viaturas e pessoal, essas equipes passaram a realizar instruções bimestrais, reunindo-se todas elas nas sedes de Cias distintas, cujas reuniões passaram a ser rotuladas de “Encontros de TOR” 50.
No âmbito da 3ª Cia do 2º BPRv, com sede em Assis51, destacaram-se
igualmente alguns graduados como chefes de equipes em fiscalização de ônibus
rodoviário, entre eles, o 1º Sgt PM Valmir Dionizio, o 2º Sgt PM Célio Marcos
Sampaio e o 2º Sgt PM Paulo César Lopes Furtado. O 2º Sgt PM Paulo, juntamente
com sua equipe, foi responsável pela maior apreensão de drogas em ônibus de que
se tem conhecimento, ou seja, 2.040 Kg de maconha e 10 Kg de haxixe, em busca
realizada conforme seu depoimento:
Em abril de 2004, durante patrulhamento pela SP-333, entre Assis e
Florínea, eu, o Sd PM Valter e o Sd PM Genésio avistamos no pátio
do Posto Panema um ônibus parado entre os caminhões. Esperamos
alguns minutos e o veículo reiniciou sua viagem. Decidimos abordá-
lo. Tão logo parou, desceu o motorista e outras duas pessoas, sendo
que uma delas de imediato pediu que fossem liberados e ofereceu
50 RODRIGUEIRO, Daniel Barbosa. Fiscalização sistêmica da Polícia Militar nas áreas de divisas com os estados do Mato Grosso do Sul e norte do Paraná. Monografia apresentada no Curso Superior de Polícia. São Paulo: Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar do Estado de São Paulo, 2004, p. 57. 51 O 2º BPRv é integrado por 05 Companhias (das 16 Companhias com área de fiscalização rodoviária no Estado de São Paulo). São elas: 1ª Cia, com sede em Bauru; 2ª Cia, com sede em Itapetininga; 3ª Cia, com sede em Assis; 4ª Cia, com sede em Araçatuba e 5ª Cia, com sede em Presidente Prudente.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 50
um "cafezinho" para a equipe (tentativa de suborno). Sem darmos
ouvidos à insinuação daquele sujeito franzino, moreno, de barba,
entramos no coletivo e no teto um parafuso mal apertado chamou-me
a atenção. Decidimos removê-lo.
Para nossa surpresa, o ônibus estava com o teto, as laterais e
fundos falsos recheados de maconha. Foi a maior apreensão,
durante ação fiscalizadora, registrada na área da 3ª Cia. Quatro
pessoas conseguiram fugir e outras quatro foram presas em
flagrante. Depois, descobrimos que a pessoa que nos ofereceu o
"cafezinho" era conhecida como "Ligeirinho", um dos maiores
traficantes de drogas da região norte de São Paulo.
Graças a essa ação, naquele dia investigações foram deflagradas e
o traficante se encontra hoje preso, tendo respondido também por
aquele crime. Depois dessa ocorrência, vieram muitas outras,
também expressivas, mas com menores volumes de apreensão. A
intensificação no combate ao tráfico de drogas foi um compromisso
assumido e cumprido até hoje com desenvoltura, dedicação e busca
contínua de melhores resultados52.
A 3ª Cia do 2º BPRv abrange parte do sudoeste do Estado,
compreendendo as regiões de Assis, Marília e Ourinhos, trecho de divisa com o
Paraná, com 1.354 Km de rodovias estaduais que interligam 57 municípios.
Constitui, portanto, uma amostra interessante para análise dos dados relativos a
apreensões de drogas como resultado de buscas veiculares, objetivando confirmar a
importância das buscas em ônibus, levando-se em conta o volume expressivo
apreendido nos últimos anos, como segue:
Drogas apreendidas na área da 3ª Cia do 2º BPRv, em Kg, de 2003 a 2007
ANO Maconha Cocaína Crack Outros TOTAL
2003 1.287,27 0,065 0,02 84,601 1.371,956
2004 3.472,975 0,022 0,017 616,69 4.089,704
2005 3.419,442 35,609 16,399 59,912 3.531,362
2006 1.901,282 10,304 5,03 78,935 1.995,551
2007 2.917,381 24,035 6,989 11,95 2.960,355
Fonte: Seç Adm da 3ª Cia do 2º BPRv
Tendo por referência o período de 2007, é possível ainda demonstrar a
relevância das buscas em ônibus rodoviário, a partir da análise de cada uma das
52 NASSARO, Adilson Luís Franco. Policiamento Rodoviário: cinquenta anos com sede em Assis - histórico, imagens, personagens, depoimentos. Assis: Triunfal, 2008, p. 73.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 51
fiscalizações que resultaram em apreensão na área da subunidade indicada,
conforme o quadro abaixo:
Tipos de veículos utilizados para transporte da droga apreendida em
2007, na área da 3ª Cia do 2º BPRv, com indicação do tipo de droga e respectivo
peso.
VEICULO TIPO DROGA PESO EM KG
AUTOMÓVEL MACONHA 0,005
AUTOMÓVEL MACONHA 0,016
AUTOMÓVEL MACONHA 0,086
AUTOMÓVEL CRACK 1,01
AUTOMÓVEL MACONHA 22,414
AUTOMÓVEL HAXIXE 0,18
AUTOMÓVEL MACONHA 10,545
AUTOMÓVEL CRACK 0,015
AUTOMÓVEL COCAINA 0,16
AUTOMÓVEL MACONHA 69,345
AUTOMÓVEL MACONHA 0,032
AUTOMÓVEL MACONHA 155,765
AUTOMÓVEL MACONHA 86,225
AUTOMÓVEL MACONHA 0,002
AUTOMÓVEL MACONHA 0,02
AUTOMÓVEL MACONHA 20,095
AUTOMÓVEL MACONHA 0,01
AUTOMÓVEL COCAINA 0,029
AUTOMÓVEL MACONHA 54,475
AUTOMÓVEL MACONHA 41,915
AUTOMÓVEL MACONHA 83,98
AUTOMÓVEL MACONHA 0,017
AUTOMÓVEL MACONHA 50,94
AUTOMÓVEL MACONHA 0,006
AUTOMÓVEL CRACK 0,003
AUTOMÓVEL MACONHA 177,735
AUTOMÓVEL MACONHA 0,003
AUTOMÓVEL COCAINA 0,007
AUTOMÓVEL MACONHA 0,212
AUTOMÓVEL CRACK 1,98
AUTOMÓVEL HAXIXE 0,485
AUTOMÓVEL MACONHA 0,005
AUTOMÓVEL MACONHA 72,1
AUTOMÓVEL COCAINA 19,564
AUTOMÓVEL MACONHA 12,28
AUTOMÓVEL MACONHA 69,3
AUTOMÓVEL MACONHA 0,001
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 52
AUTOMÓVEL MACONHA 1,243
AUTOMÓVEL COCAÍNA 0,02
AUTOMÓVEL MACONHA 10,381
AUTOMÓVEL MACONHA 0,003
AUTOMÓVEL MACONHA 0,007
AUTOMÓVEL MACONHA 91,756
AUTOMÓVEL MACONHA 188,357
CAMINHÃO MACONHA 1320
CAMINHÃO MACONHA 0,005
CAMINHÃO MACONHA 0,026
CAMIONETA MACONHA 0,053
CAMIONETA COCAINA 0,001
CAMIONETA MACONHA 32,195
CAMIONETA MACONHA 0,004
BICICLETA MACONHA 0,001
MOTOCICLETA COCAINA 0,51
MOTOCICLETA CRACK 0,298
MOTOCICLETA CRACK 0,003
MOTOCICLETA MACONHA 0,005
MOTOCICLETA CRACK 0,5
MOTOCICLETA CRACK 0,215
MOTOCICLETA MACONHA 0,008
MOTOCICLETA CRACK 0,089
MOTOCICLETA COCAINA 0,009
MOTOCICLETA CRACK 0,013
MOTOCICLETA COCAINA 0,33
MOTOCICLETA CRACK 0,276
MOTOCICLETA MACONHA 0,502
MOTOCICLETA COCAÍNA 0,878
MOTOCICLETA MACONHA 3,481
MOTOCICLETA CRACK 0,273
MICRÔONIBUS MACONHA 0,4
ÔNIBUS COCAINA 0,004
ÔNIBUS CRACK 0,001
ÔNIBUS MACONHA 6,5
ÔNIBUS MACONHA 27,99
ÔNIBUS MACONHA 0,557
ÔNIBUS COCAINA 0,735
ÔNIBUS MACONHA 18,57
ÔNIBUS MACONHA 0,035
ÔNIBUS MACONHA 0,027
ÔNIBUS MACONHA 25,87
ÔNIBUS CRACK 0,985
ÔNIBUS MACONHA 21,485
ÔNIBUS MACONHA 0,41
ÔNIBUS OUTROS 9,5
ÔNIBUS MACONHA 9,865
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 53
ÔNIBUS HAXIXE 0,585
ÔNIBUS MACONHA 0,064
ÔNIBUS HAXIXE 1,095
ÔNIBUS MACONHA 24,775
ÔNIBUS MACONHA 21,53
ÔNIBUS MACONHA 24,28
ÔNIBUS MACONHA 24,865
ÔNIBUS MACONHA 17,935
ÔNIBUS MACONHA 17,955
ÔNIBUS CRACK 0,41
ÔNIBUS COCAINA 0,006
ÔNIBUS MACONHA 0,012
ÔNIBUS HAXIXE 0,105
ÔNIBUS COCAINA 0,06
ÔNIBUS MACONHA 0,3
ÔNIBUS MACONHA 56
ÔNIBUS MACONHA 23,46
ÔNIBUS MACONHA 20
ÔNIBUS COCAÍNA 1,58
104 TOTAL 2.960,355
Fonte: Seç Adm da 3ª Cia do 2º BPRv
Nota-se que, das 104 apreensões realizadas em 2007, envolvendo
desde simples porte até tráfico internacional de drogas, 34 ocorreram como
consequência de buscas em ônibus, correspondendo a 32,6% dos casos, ou seja,
praticamente um terço deles. Importante destacar que a média de ônibus
fiscalizados é de três, por turno de serviço, envolvendo geralmente uma equipe
TOR53.
Apesar de não existirem dados disponíveis quanto à porcentagem, por
quantidade dos tipos de veículos em circulação nos pontos de fiscalização, a simples
observação do movimento indica que o número de ônibus rodoviário, por óbvio, é
proporcionalmente muito inferior ao número de outros tipos de veículos (automóvel,
caminhão, caminhonete, motocicleta). No entanto, o número expressivo de
apreensões demonstra que essa modalidade de transporte continua sendo bastante
53 Dado verificado pela média dos registros lançados em relatório de serviço das equipes TOR da 3ª Cia do 2º BPRv, durante o ano de 2007. O número é pequeno em relação à média de veículos fiscalizados de um modo geral (de 500 a 600 por dia no âmbito da subunidade, por dia, conforme controle da Adm da Cia); no entanto, as dificuldades próprias da busca em ônibus naturalmente impõem a limitação do número de veículos fiscalizados por turno e equipe de serviço.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 54
utilizada para a prática criminosa, mesmo diante das ações fiscalizadoras
desenvolvidas.
Ao analisarmos os dados dos anos anteriores, ainda no âmbito da 3ª
Cia do 2º BPRv, também confirmamos a relevância da busca em ônibus rodoviário
para o alcance dos resultados operacionais apresentados. No ano de 2006, foram
78 ocorrências envolvendo drogas e 35 delas com apreensões em ônibus, ou seja,
44,8% do total; já em 2005, foram 70 ocorrências e, destas, 27 com apreensões em
ônibus, o que representa 38,5% dos casos.
Esses números foram alcançados como consequência da estratégia de
sistematização das buscas sem a dependência de ordens superiores ou promoção
de operações específicas, graças à experiência dos encarregados de equipes como
salientou, ainda, Daniel Barbosa Rodrigueiro:
Um dos aspectos importantes a considerar é a sistematização desse
trabalho de fiscalização e vistoria, tendo como meta a localização do
entorpecente, de arma de fogo e de outros objetos próprios dos
ilícitos penais, sem depender de ordens administrativas superiores,
de operações de grande envergadura ou até mesmo de operações
em conjunto com a Força Tática, do policiamento urbano de área,
pois esse modelo de trabalho, já incorporado em todas as equipes de
TOR, e até mesmo disseminado nas equipes fixas de BOp, passou a
integrar o dia-a-dia do policial militar rodoviário54.
Ainda, existe a situação particular de alguns ônibus em fretamento
eventual que transportam parentes de réus presos para visitas em estabelecimentos
prisionais de diversas cidades do interior, nos finais de semana. Levando em
consideração que nesse caso, em regra, os passageiros são mulheres e crianças,
torna-se fundamental a presença de policiais femininas para realização das buscas
pessoais. Respeitada essa peculiaridade, defende-se o proposto procedimento
padronizado de busca em ônibus rodoviário em razão das coincidentes
características físicas do veículo normalmente utilizado para esse fim, bem como, o
tipo de transporte realizado, ou seja, coletivo em regime de fretamento.
54 RODRIGUEIRO, op. cit., p. 52.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 55
2.3.1 Uso de cão farejador
Quanto à possibilidade de uso de meios externos auxiliares, é
interessante notar que a literatura recomenda o uso do cão como excelente detector,
no que se refere ao porte e tráfico de drogas55. Em fiscalizações com tempo aferido
por cronômetro, foi possível constatar que uma busca em ônibus realizada por uma
equipe de três policiais demorou, em média, quarenta e cinco minutos, envolvendo a
abertura de todas as malas; já a busca com auxílio de cão farejador, em operação
conjunta com equipe do Canil Setorial, demorou em média quinze minutos, sem a
necessária abertura de todas as malas56.
A busca com apoio de cão farejador, sem a abertura de todas as
malas, obviamente não permite a localização de armas ou de objetos para os quais
o animal não foi treinado ou não tem a capacidade sensorial para detectar. Nota-se
que o treinamento do cão é específico, normalmente voltado para a localização de
drogas (algumas delas) ou alguns tipos de explosivos. Também, o policial que vai
trabalhar com o cão deve ter proximidade com ele e, preferencialmente, ter
acompanhado o seu adestramento, a fim de que obtenha o resultado esperado na
interpretação das reações do animal em ação. Por fim, no caso da busca em ônibus
rodoviário, a ação do cachorro é limitada ao bagageiro, em razão de que o pouco
espaço entre poltronas, na parte interna do veículo, não permite o emprego do
animal de médio e grande porte, como é normalmente o padrão dos cães da Polícia
Militar57.
Experiência interessante tem sido desenvolvida no Pelotão de Avaré,
da 1ª Cia (Bauru), do 2º BPRv, com a manutenção de um cachorro de pequeno
porte, de raça indefinida, que recebeu o nome de “guri”, em um canil montado ao
55 MERCADANTE, Carlos Alberto. A Utilização de cães nas atividades da Policia Militar. CAO-I/87, p. 83 a 86. 56 Experiência desenvolvida durante o ano de 2007 com a equipe TOR “B”, em frente à Base Operacional de Assis, em operação conjunta com efetivo do Canil Setorial do 32º BPM/I. Ocorre que não é possível empregar esse apoio em todos os turnos de serviço em razão de que o Canil atende prioritariamente às necessidades operacionais do policiamento territorial ao qual está vinculado, normalmente em horários comerciais e em pontos de concentração de pessoas na área urbana. 57 Conclusões a partir da experiência relatada e entrevistas com integrantes dos Canis Setoriais do 32º BPM/I, do 9º BPM/I e do 4º BPM/I, buscando-se melhor forma de atuar em busca em ônibus com apoio de cão farejador, na área da 3ª Cia do 2º BPRv, em 2007.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 56
lado da Base Operacional. O treinamento e os cuidados necessários foram
providenciados pelos próprios policiais, com apoio da comunidade local, sem ônus
ao Estado e a disponibilidade do recurso para potencializar as buscas é permanente.
Todavia, ainda não há previsão regulamentar para cobertura das despesas sem a
vinculação do animal a um dos Canis Setoriais, o que pode vir a ser objeto de
estudo específico58.
22..44 AAççããoo ddee oouuttrrooss óórrggããooss ppoolliicciiaaiiss
Podem realizar buscas pessoais e, consequentemente buscas
veiculares, os integrantes dos órgãos com competência para a garantia da
segurança pública, conforme lição de Guilherme de Souza Nucci, obviamente nas
esferas de suas respectivas atribuições:
Agentes autorizados a realizar a busca pessoal são os que possuem
a função constitucional de garantir a segurança pública, preservando
a ordem e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, bem como
investigar ou impedir a prática de crime: polícia federal, polícia
rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias
militares e corpos de bombeiros militares (art. 144, CF). Não
possuem tal função os agentes das guardas municipais, logo, não
estão autorizados a fazer busca pessoal. Naturalmente, se um
flagrante ocorrer, podem prender e apreender pessoa e coisa objeto
de crime, como seria permitido a qualquer do povo que o fizesse,
apresentando o infrator à autoridade policial competente” 59.
Sendo assim, importa conhecer e refletir sobre os métodos e
procedimentos adotados por outros órgãos policiais e também especificamente
outras Polícias Militares Estaduais, a fim de eventualmente incorporar novas ideias e
conceitos60.
58 Na condição de Coordenador Operacional Interino do 2º BPRv, o autor visitou em 2007 a Base Operacional de Avaré e observou a experiência desenvolvida com o cão farejador vinculado à própria equipe de policiamento rodoviário. 59 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: RT, 2002. p. 459. 60 O autor encaminhou mensagens eletrônicas para a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e para todas as Polícias Militares Estaduais do Brasil, remetendo questionário de pesquisa e, ainda, estabeleceu contatos telefônicos e alguns pessoais. O retorno limitado não permitiu amostragem suficiente para fins de análise estatística; no entanto, o estudo pontual das informações recebidas de alguns dos órgãos policiais
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 57
Os integrantes das Delegacias da Polícia Federal realizam buscas em
ônibus rodoviário normalmente utilizando como apoio as Bases da Polícia Rodoviária
Federal existentes ao longo das rodovias federais e, em alguns casos, promovem
ações também contando com o apoio das Bases das Polícias Militares Rodoviárias,
nas rodovias estaduais, em razão de investigações desenvolvidas e a expectativa de
abordar determinados veículos em rodovias diversas61.
A seleção dos ônibus é realizada pela observação da sua origem e
destino com suspeição de utilização para a prática criminosa, propriamente de tráfico
internacional e interestadual, bem como, em razão de alguma “denúncia” ou
informação processada pelo Núcleo de Inteligência Policial. Quanto ao efetivo
empregado, participam da ação um Delegado de Polícia ou Policial de Classe
Superior que comanda o procedimento e, pelo menos, mais quatro agentes. Dois
deles permanecem do lado de fora, com armas longas para segurança e observação
de possíveis veículos de escolta, além de auxiliarem no controle do trânsito e na
revista dos bagageiros.
Depois que o coordenador da ação policial conversa reservadamente
com o motorista e determina o acendimento das luzes internas, dois agentes
adentram no coletivo, com armas curtas. Um deles se dirige de imediato para o fim
do corredor do ônibus, onde se posiciona, enquanto o outro permanece na frente,
olhando para o fundo do ônibus, em sua direção, observando a atitude dos
passageiros. Na sequência, dois agentes realizam busca, primeiramente, no
bagageiro (busca externa) e, posteriormente, no interior do ônibus, sempre
acompanhados do motorista e de dois passageiros, os quais serão solicitados a
acompanhar a busca.
A Polícia Rodoviária Federal realiza buscas em ônibus nas rodovias
federais, com o propósito de apreender drogas e armas em tráfico interestadual e
internacional e também produtos de contrabando ou descaminho, com a prisão dos
criminosos. Não há um procedimento uniforme em razão das características
operacionais de cada Delegacia distribuída no território nacional e, entre as
permite concluir que a padronização proposta no formato apresentado neste trabalho se encontra relativamente harmonizada com os procedimentos de busca em ônibus rodoviário realizados por outros órgãos, respeitadas algumas peculiaridades que serão expostas. 61 Dados obtidos em entrevista e resposta de questionário, com participação de Josué Bispo de Souza, Papiloscopista de Polícia Federal, Chefe da Unidade de Inteligência da DPF/MII/SP (região de Marília).
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 58
diferenças, verifica-se que algumas equipes não abrem todas as malas, mas,
somente as bagagens de eventuais suspeitos em razão do comportamento
apresentado durante a abordagem.
O NOE (Núcleo de Operações Especiais) normalmente desenvolve as
ações com maior intensidade, com planejamento próprio e apoio de cães farejadores
em pontos estratégicos, com organização centralizada. As equipes não trabalham
com menos de 05 (cinco) homens para esse fim e realizam, a exemplo dos agentes
da Polícia Federal, primeiro a busca no bagageiro (lado externo), para depois
verificarem o interior do ônibus. Nos cursos de formação, são desenvolvidos
treinamentos de abordagem em veículos diversos, entre eles o ônibus62.
Nota-se que a opção de busca, primeiramente no bagageiro para
depois se voltar para o interior do ônibus, difere da sequência adotada pela maioria
dos órgãos policiais de que se teve notícia, que é a contrária. A justificativa
apresentada diz respeito à atenção maior voltada ao material transportado, que seria
objeto de primeira verificação. Respeitada a posição adotada, entende-se coerente
privilegiar a observação inicial ao comportamento dos passageiros, a fim de captar
reações que possam indicar suspeita. .
A Polícia Militar do Estado do Paraná desenvolve buscas em ônibus
rodoviários por meio do efetivo do seu Batalhão de Polícia Rodoviária, que cobre
toda a área do Estado. As buscas são realizadas, rotineiramente, de forma
inopinada pelas equipes de Ronda Tática Motorizada - ROTAM/BPRv, podendo
contar com o apoio das equipes de serviço dos Postos de Polícia Rodoviária, ou por
meio de ações planejadas das Companhias, sempre com o emprego de cinco a dez
policiais integrando a equipe responsável pela abordagem com vistas à prevenção e
repressão à criminalidade. O foco da ação compreende os ônibus provenientes de
Foz do Iguaçu e Guaíra, em razão das ocorrências de roubo aos viajantes que
trazem compras do Paraguai ou das cidades de divisa. Não há padrão único quanto
à sequência das ações, mas a parte interna do ônibus é verificada antes do
bagageiro.
62 O autor entrevistou durante o primeiro trimestre de 2008 os Inspetores Valmir Cordelli e Robson Sales, da 10ª Delegacia, da 6ª Superintendência, cidade de Marília, São Paulo e também o Inspetor Nelson Mormito, da 7ª Delegacia, da 3ª Superintendência, de Bataguaçu, Mato-Grosso do Sul.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 59
Intensificaram-se as buscas nos últimos anos, por conta de vários
registros de roubos mediante o seguinte modus operandi: os criminosos ingressam
armados no ônibus, como se fossem passageiros e, durante o deslocamento,
anunciam o roubo, dominam o motorista e levam as bagagens com apoio de veículo
externo. Diante dessa situação, o Batalhão adquiriu portais magnéticos para auxiliar
a busca pessoal. Logo no início do procedimento, normalmente realizado em frente
às Bases Operacionais, o portal é colocado na frente da porta do ônibus, por onde
descerão todos os passageiros. Como consequência, já foram localizadas armas
abandonadas no interior do ônibus, com natural dificuldade de identificação dos
responsáveis; todavia, é certo que a atuação criminosa reduziu drasticamente
quanto aos roubos na modalidade denominada “embarcada” 63.
A Polícia Militar de Minas Gerais realiza buscas em ônibus rodoviários
por meio do efetivo de policiamento especializado que integra os seus Batalhões
territoriais. Na região sul do Estado, é desenvolvida pela 5ª Companhia de Meio
Ambiente e Trânsito Rodoviário, com equipes de seis a oito policiais, que atuam em
casos de suspeita ou com denúncia específica. A sequência da busca é definida em
razão do que se procura; assim, o encarregado da equipe é quem define a
sequência das ações. Detalhes técnicos gerais foram preconizados em 2004 no
“Manual de Prática Policial” para uniformidade de doutrina, respeitadas as
características da região onde é realizada a busca, em razão do tipo de delito que se
espera coibir64. Nota-se que, diferentemente do que ocorre no Paraná, foram
registradas em Minas Gerais, nos últimos anos, ações de quadrilhas especializadas
em abordar ônibus em movimento e roubar os seus ocupantes65.
Quanto à busca realizada pelo efetivo da Polícia Militar do Mato Grosso
do Sul, observa-se certa semelhança com o procedimento desenvolvido na área de
divisa, pelo efetivo do 2º BPRv, apesar de não regulamentada como padrão naquele
63 Foi realizado contato com a Polícia Militar do Paraná, por meio do Major QOPM Mauricio Torquato, Assistente do Comandante-Geral da PMPR, com o questionário respondido pelo Cap PM Polak, do Batalhão de Polícia Rodoviária. Também foi entrevistado pessoalmente o Cap PM Sidney Fernandes Garcia, Comandante da 3ª Companhia do BPRv, com sede em Londrina, que compreende a área de divisa com o Estado de São Paulo. 64 Entrevista realizada em contato telefônico com o Cap PM Cleber Soares Padilha, Subcmt da 5ª Cia PM INT MAT. 65 Em 27 de dezembro de 2007, a Polícia Civil de Minas Gerais anunciou a prisão de um dos integrantes de uma quadrilha conhecida por realizar diversos roubos a ônibus rodoviários em movimento, na região do Triângulo Mineiro. Disponível em: <http://farolcomunitario.blogspot.com/2007/12/polcia-civil-prende-ltimo-integrante-e.html>. Acesso em: 23 jun. 2008.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 60
Estado. A equipe é composta no mínimo por três policiais; a busca é desenvolvida
primeiro dentro e depois fora do ônibus (bagageiro); o deslocamento interno é
realizado sob as ordens do encarregado da equipe com um policial na segurança e
outro na função de buscador; as buscas pessoais minuciosas e as identificações são
realizadas por amostragem, conforme suspeita em função do comportamento dos
passageiros durante a verificação das bagagens66.
A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) realiza busca em ônibus
rodoviário por ocasião de grandes eventos tais como festas, manifestações, ou
mesmo invasões, principalmente quando ocorrem na Esplanada dos Ministérios
(centro de Brasília). Nesse caso, os veículos de transporte coletivo oriundos de
outros Estados, dependendo da dimensão e do tipo do evento, são abordados,
preventivamente, para busca de objetos que possam ser utilizados como armas ou
que causem danos ou problemas à administração do Distrito Federal. Também
realiza a busca por solicitação de outros órgãos de segurança em operações
conjuntas, a exemplo da Polícia Federal, para apreensão de objetos de ilícito e, por
iniciativa dos próprios policiais do seu CPRV (Companhia de Polícia Rodoviária), em
casos de suspeição ou de “denúncia”, ocasião em que a ação é dirigida a
determinado veículo.
A PMDF não realiza ações rotineiras para buscas em transportes
coletivos rodoviários e a metodologia empregada é a mesma praticada em bloqueios
policiais comuns, porém com maior efetivo para agilizar as buscas pessoais. A
atenção é voltada principalmente para os transportes coletivos de linha. Não existe
padrão ou quantidade mínima de efetivo para emprego nas abordagens aos ônibus
rodoviários. No caso de operações planejadas, os ônibus abordados são locais
(coletivos de linha) e o principal critério de seleção é a estatística criminal, ou seja,
pela observação dos locais, dias e horários de maior incidência do crime de roubos
aos transportes coletivos67.
No âmbito da Polícia Militar de Goiás, foi editado, recentemente, um
manual denominado “Doutrina do Tático Operacional Rodoviário”. Entre as ações
66 Informações colhidas em entrevista com o Subten PMMS Antônio José Soares Nunes, Comandante da Base Operacional de Vale de Iviena (2ª Cia, Três Lagoas, 14º BPM). 67 Dados constantes de relatório produzido pelo Maj PMDF João Batista Pereira Maia, da Subseção de Planejamento da 3ª Seção de Estado-Maior, encaminhado em resposta ao autor, por correio eletrônico.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 61
policiais descritas, encontra-se a busca em ônibus que deve ser desenvolvida por
duas equipes de TOR. O procedimento se assemelha ao da conhecida busca em
ônibus coletivo urbano já padronizada na Polícia Militar de São Paulo, em razão de
que, na primeira etapa, o encarregado determina que todos os homens desçam para
serem revistados do lado de fora. Ainda, antes da verificação das bolsas e malas, é
realizada a busca pessoal em todas as mulheres e crianças no interior do ônibus,
que serão posicionadas em apenas um dos lados das fileiras de bancos. O manual
não discrimina quais as hipóteses e frequência de busca em ônibus, mas deduz-se
que ela se dá em operação planejada (não rotineiramente), em função do
envolvimento de duas equipes e uma situação de bloqueio para abordagem de
ônibus considerados suspeitos de transportarem criminosos e objetos de ilícito68.
No primeiro trimestre de 2008, o Comando de Policiamento Rodoviário
de São Paulo recebeu vários integrantes de equipes TOR de Goiás em curso e que
queriam conhecer a doutrina operacional de emprego da TOR no Estado. Na
oportunidade, receberam orientações e treinamentos sobre busca em ônibus
rodoviário, com excelente aceitação, o que certamente provocará uma revisão do
capítulo do referido manual, no que diz respeito ao procedimento de busca em
ônibus nas rodovias de Goiás.
22..55 PPaaddrroonniizzaaççããoo ddee pprroocceeddiimmeennttooss ooppeerraacciioonnaaiiss nnaa
PPoollíícciiaa MMiilliittaarr
A Polícia Militar do Estado de São Paulo iniciou o seu Programa de
Qualidade em março de 1997, vindo a alcançar o atual estágio de maturidade, após
várias realizações69 A adoção de procedimentos padronizados para suas atividades
operacionais é exatamente uma das características da Gestão da Qualidade, de
modo a garantir o controle dos processos de produção e, também, para estruturar
68 Informações constantes do manual “Doutrina do Tático Operacional Rodoviário”, em texto assinado pelo Cel PM Edson Costa Araújo, Comandante Geral da Polícia Militar de Goiás. 69 Informações colhidas junto à 6ª EM/PM, que coordenado os trabalhos de padronização de procedimentos na gestão de qualidade da PMESP e análise das prescrições da Diretriz Nº PM6-001/96, de 24 jan. 1996, que estabeleceu normas gerais para implantação do Programa de Qualidade Total na PMESP.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 62
um sistema de supervisão que se encarregue de divulgar e ensinar os padrões aos
agentes operacionais, assegurando o seu cumprimento.
Nesse propósito, em trabalho fundado na gestão participativa
coordenado pela 6ª EM/PM, publicou-se no Bol G PM nº 248, de 1999, uma
convocação para policiais militares operacionais voluntários, a fim de comporem
grupos de trabalho e contribuírem com suas experiências e expectativas no
reconhecimento dos processos produtivos, oferecendo propostas de padrões de
trabalho. Coube também à 6ª EM/PM responsabilizar-se pela pesquisa e
desenvolvimento de metodologia inédita de padronização de processos
operacionais.
A partir do ano 2000, os Planos Plurianuais da Polícia Militar passaram
a contemplar a padronização de procedimentos como estratégia institucional, na
exposição dos seus “Objetivos Organizacionais”. A formatação desses
procedimentos tornou-se possível com a edição do Manual de Padronização de
Procedimentos Policiais Militares (M-13-PM), publicado no Bol G PM nº 054, de
2000, que estabeleceu os fundamentos para a implantação de um Sistema de
Supervisão e Padronização Operacional na Polícia Militar (SISUPA).
Após reuniões preparatórias entre os voluntários organizados em
grupos específicos, formou-se uma equipe com integrantes do EM/PM, Diretoria de
Sistemas, CPA/M-5, 3ºBPM/M, CPA/M-6 e 4ºBPM/M, que realizaram a
sistematização e a ilustração dos procedimentos iniciais, dando a primeira forma aos
chamados procedimentos operacionais padrão (POP). Já em outubro de 2000, os
padrões foram testados nas áreas dos 6º BPM/M, 10º BPM/M, 3º BPM/M e
16ºBPM/M, mediante a escolha de uma Cia PM para sua aplicação e análise, bem
como, para apresentação de relatórios com avaliações e sugestões, que foram
produzidos quatro meses depois.
Na sequência, a 3ª EM/PM elaborou as explicações de caráter
doutrinário de cada procedimento e, em abril de 2002, a primeira coletânea foi
divulgada em arquivos digitais em mídia compact disc, com ampla distribuição de
cópias na Polícia Militar.
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 63
Interessante notar que os POP não são imutáveis. Comportam
adaptações e atualizações necessárias, providenciadas mediante processo
provocado pelo encaminhamento do Relatório de Aperfeiçoamento (RA), por parte
de qualquer policial militar interessado, seguindo a cadeia de comando. Inclusive a
criação, ou mesmo a exclusão de algum POP, pode ser objeto de proposta em RA,
ainda que o policial militar interessado não esteja diretamente envolvido no processo
de execução considerado, nos termos do item 59.1, do M-13-PM, que traz como
anexo o modelo do referido relatório.
O M-13-PM tratou também dos Procedimentos Administrativos Padrão
(PAP), envolvidos nas mesmas regras de tramitação, no que concerne às propostas
de criação, revisão ou exclusão. Ainda, estabelece que a padronização pode atingir
três níveis distintos, quais sejam: o Geral, que alcança todos os policiais militares; o
Setorial, voltado aos segmentos de serviços especializados da Instituição; e o Local,
estabelecido em uma Organização Policial-Militar (OPM) específica, de qualquer
escalão, para processos particulares de execução exclusiva dos seus integrantes,
cuja adoção é de responsabilidade do respectivo Comandante, Chefe ou Diretor.
Além de constituir importante instrumento para alcance da qualidade
dos procedimentos policiais desenvolvidos, o POP favorece a segurança das
iniciativas do agente, pela sua certeza quanto ao alinhamento das ações com a
doutrina institucional e a melhor técnica sistematizada para esse fim, diminuindo as
interferências subjetivas. Nesse sentido, acentua Sílvio José de Souza:
A padronização busca reduzir a variabilidade nos processos de produção de serviços, aumentando a segurança e exatidão na execução da atividade operacional policial (aspecto objetivo do serviço) e diminuindo a interferência dos aspectos subjetivos. Assim, a padronização transforma uma série de procedimentos intangíveis em uma figura tangível, e esta figura permite que os policiais militares respondam de forma conveniente, segura, precisa e oportuna aos problemas que se lhes apresentam70.
No caso específico da busca em ônibus rodoviário, a necessidade de
prover segurança aos atos policiais é marcante em razão do nível de interferência a
70 SOUZA, Sílvio José de. Gestão de processos operacionais: o papel da padronização e da supervisão na diminuição dos erros profissionais da atividade operacional policial-militar. Monografia apresentada no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais. São Paulo: Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar do Estado de São Paulo, 2001, p. 62,
Ações policiais desenvolvidas nas rodovias 64
que se expõem os passageiros e o respectivo motorista e, também, os riscos a que se
sujeitam os policiais. Tal contato entre o policial militar e o cidadão constitui
momento crítico de ação, assim como ocorre em qualquer procedimento de busca,
motivo pelo qual se almeja a diminuição das possibilidades de erros por meio da
padronização de procedimento.
Com precisão, o momento da abordagem com busca pessoal foi
classificado por Eliseu Leite de Moraes como “interface crítica da Polícia Militar”, em
razão de que, além dos riscos inerentes à intervenção, representa o ponto principal
de avaliação da imagem da Instituição perante a sociedade:
Portanto, a interface PM–Cidadão que tem servido de subsídio para a construção da imagem da Polícia Militar e de diferencial para atribuir-se ou não qualidade ao serviço policial-militar é a abordagem, compreendida como a técnica de intervenção e retenção momentânea de pessoas a pé, em veículos ou em edificações que, em atitudes suspeitas ou já discriminadas como infratoras, devam ser revistadas71.
Na proposta apresentada neste trabalho, a busca em ônibus rodoviário
é objeto de padronização de procedimento operacional em nível Setorial, aplicável
às ações dos policiais militares integrantes do efetivo do CPRv e Unidades
subordinadas, para emprego nas rodovias estaduais. Conforme avaliação e parecer
da 6ª EM/PM, o procedimento em questão poderá ter a sua padronização inclusive
ampliada para o nível Geral, com adaptação ao emprego do efetivo dos Batalhões
de Área ou do efetivo do Policiamento de Choque (CPChq e Unidades
subordinadas), para realização de buscas, quando o ônibus rodoviário não esteja
circulando em rodovias estaduais.
71 MORAES, Eliseu Leite de. Interface crítica da Polícia Militar. Monografia apresentada no Curso Superior de Polícia. São Paulo: Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar do Estado de São Paulo, 2001, p. 162.
33 AASSPPEECCTTOOSS LLEEGGAAIISS DDAA BBUUSSCCAA VVEEIICCUULLAARR
DDEE CCAARRAACCTTEERRÍÍSSTTIICCAA CCOOMMPPLLEEXXAA
A legislação brasileira prevê como modalidades de busca a pessoal e a
domiciliar. A doutrina entende que não é extensiva ao veículo a proteção domiciliar,
razão pela qual a busca veicular é considerada extensão da busca pessoal ou um
desdobramento desta72.
Portanto, a análise da natureza jurídica na busca veicular coincide com
o estudo da fundamentação da busca pessoal, o que justifica a digressão pelo
histórico de sua evolução, pelo seu conceito e pelas suas possíveis classificações.
Partindo desse ponto, é possível responder questionamentos comuns sobre os
sujeitos passivos da busca em situações que envolvem a pessoa e o veículo por ela
utilizado.
Quando o veículo se trata de ônibus, aumenta-se a complexidade da
busca pela presença de maior quantidade de pertences, pelo espaço maior a ser
revistado e pelo maior número de pessoas envolvidas, na condição de sujeitos
passivos - em relação à busca - por fazerem uso comum desse meio de transporte.
O ônibus rodoviário, em particular, cobre grandes distâncias e faz ligações
intermunicipais, interestaduais e até internacionais, sendo utilizado por pessoas de
características diversas, para várias finalidades, cumprindo o mesmo itinerário.
A categorização de “característica complexa” da busca em ônibus, pela
aplicação dos conceitos e classificações apresentados, induz à compreensão de
eventuais hipóteses de abuso de autoridade. Para evitá-las, é necessário
compreendê-las.
72 MIRABETE, Júlio Frabrini. Processo penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 322; e DE OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 5 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 359, entre outros. Ressalta-se que, caso o veículo sirva como moradia de fato, a exemplo dos “motorhome”, assim originalmente classificados, ou alguns ônibus rodoviários que são adaptados e se transformam em verdadeiras casas móveis, a possibilidade de busca sem mandado passa a ser matéria discutível em razão do conceito de casa trazido pelo parágrafo 4º, do art. 150 do Código Penal, ex vi: “A expressão casa compreende: I- qualquer compartimento habitado; II- aposento ocupado de habitação coletiva; III- compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”.
Capítulo
66
Enfim, para realizar a busca com segurança, o agente deve conhecer
os seus limites e a fundamentação legal do ato policial que naturalmente restringe
direitos individuais.
33..11 CCoonntteexxttoo hhiissttóórriiccoo
O primeiro relato da realização de uma legítima busca pessoal,
independente de busca domiciliar, encontra-se no Livro do Gênesis, parte III, “A
História de José”, da Bíblia Sagrada. Por sinal, trata-se de uma busca realizada em
viajantes, durante o seu deslocamento de retorno ao local de origem.
José, que ocupava um dos mais altos postos da hierarquia do Egito e
ainda não havia revelado sua identidade aos irmãos que vieram buscar trigo,
determinou ao oficial intendente, que procedesse à busca em seus irmãos, no
deslocamento da volta, particularmente nos seus sacos de viagem. José sabia que
seria encontrada no saco de viagem transportado por Benjamim - o mais novo - uma
taça de prata, pois a havia ali ocultado exatamente com o propósito de observar as
reações dos irmãos, depois que o valioso objeto fosse descoberto durante a busca.
Ao serem abordados, os irmãos negaram a prática de furto e não
ofereceram resistência à revista. O intendente, então, lhes proferiu algumas palavras
e procedeu à busca, conforme segue:
‘Seja como dissestes! Aquele com quem for encontrada a taça será
meu escravo. Vós outros sereis livres’. E, imediatamente, pôs cada
um o seu saco por terra e o abriu. O intendente revistou-os
começando pelo mais velho e acabando pelo mais novo; e a taça foi
encontrada no saco de Benjamim” (Livro do Gênesis, parte III,
Capítulo 44, versículos 10-12)73.
73 BÍBLIA SAGRADA. Tradução dos originais mediante versão dos Monges de Maredsous
(Bélgica). Imprimatur Carolus, Card. Archiep. Sti. Pauli, 26-XII – 1957. 52. Ed. São Paulo:
Ave Maria, p. 130.
67
Desde a Antiguidade, a busca pessoal acompanhava o procedimento
da busca domiciliar como sua consequência, em razão de que não faria sentido
revistar tão-somente uma pessoa e, não se encontrando o que era procurado,
desistir da diligência. Isso porque a ocultação do objeto buscado já poderia ter sido
realizada no interior da casa daquele sobre quem recaia a suspeita da subtração
mediante furto, por exemplo.
No caso do referido texto bíblico, como situação excepcional, havia a
certeza de que a taça não estaria na casa dos irmãos de José, pois, naquela
ocasião, eles se encontravam em viagem transportando trigo do Egito e longe de
seus domicílios, motivo pelo qual foi realizada exclusivamente a busca pessoal.
A busca domiciliar era o procedimento utilizado, em regra, para que
fosse verificado se alguém ocultava consigo o que se suspeitava ter sido
indevidamente retirado de outra pessoa. Por sinal, não é exagero afirmar que no
antigo direito romano dispensava-se maior proteção à casa do que ao próprio corpo
do indivíduo. A casa era o símbolo da identidade da pessoa, do grupo familiar
liderado pela figura do paterfamilias e, também, era o ambiente do culto sagrado dos
antepassados, dos mortos que recebiam na cerimônia do “fogo sagrado” - chamado
“lar” - a oferenda doméstica como garantia de sua memória e do seu descanso
eterno.
Demonstrando a sacralização do ambiente da casa e seu caráter de
inviolabilidade, tanto na cultura romana, quanto na cultura grega, descreve Fustel de
Coulanges, na sua obra clássica Cidade Antiga:
Toda esta religião se limita ao interior de cada casa. O culto não era público. Antes, ao contrário, todas as cerimônias se cumpriam somente no seio da família. O lar nunca estava colocado nem fora da casa, nem mesmo junto da porta exterior, de onde qualquer estranho o pudesse ver sem dificuldade. Os gregos colocavam-no sempre em lugar onde estivesse defendido contra o contato e mesmo contra o olhar dos profanos. Os romanos escondiam-no no próprio coração da casa. A todos estes deuses (fogo, lares, manes) chamavam-lhes deuses ocultos, ou deuses domésticos. Para todos os atos desta religião se tornava indispensável a sua prática oculta, sacrificia occulta, na língua de Cícero; se uma cerimônia fosse presenciada por estranho, logo ficava perturbada, profanada, só pelo olhar74.
74 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Tradução: Fernando de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 32.
68
Em contraposição a essa sacralização do ambiente do lar - entenda-se
interior da casa - e o respeito à propriedade que identificava o grupo familiar, o corpo
do cidadão não era considerado de igual importância, em sua individualidade, tanto
que no antigo direito romano o corpo do devedor respondia pela sua dívida. Tal
situação ilustra bem a condição de menor respeito à intimidade representada pelo
próprio corpo em relação à casa e à propriedade familiar, conforme explica o mesmo
autor:
A lei das Doze Tábuas não poupa, seguramente, o devedor, mas recusa, no entanto, que a sua propriedade seja confiscada em proveito do credor. O corpo do homem responde pela dívida, não a sua terra, porque esta se prende, inseparável, à família. Será mais fácil colocar o homem na servidão do que tirar-lhe um direito de propriedade pertencente mais à família do que a ele próprio; o devedor está nas mãos do seu credor; a sua terra, sob qualquer forma, acompanha-o na escravidão75.
Também no direito romano cabia ao lesado a iniciativa para a
apuração e punição dos delitos privados, incluindo-se as subtrações indevidas.
Nesse contexto, a busca domiciliar foi praticamente regulamentada na Lei das XII
Tábuas, quando estabeleceu que a diligência devia ser realizada pelo interessado,
em ato solene, ingressando sem roupas na casa de quem recaía a suspeita, apenas
protegido por um cinto, em respeito ao pudor alheio, e portando nas mãos um prato
para nele colocar o objeto encontrado e, também, para demonstrar que nada mais
trazia em suas mãos (Tábua VIII, “Dos Delitos”, Número XV)76.
Portanto, a busca domiciliar poderia ser realizada apenas nessa
condição, no espaço reservado ao convívio familiar que recebia maior proteção
inclusive em relação ao corpo do indivíduo. A busca pessoal seria então realizada
como consequência do ato solene de entrada na casa, respeitado o ritual que a
condicionava, no caso dos delitos privados, já que o corpo recebia menor proteção
que a casa, ou, ainda, mediante consentimento daquele sobre quem recaía a
suspeita. Quanto aos delitos que lesavam a coletividade, perseguidos pelo poder
público - chamados delitos públicos -, dava-se a busca tanto na esfera domiciliar,
quanto pessoal em conjunto e, de modo geral, por imposição de autoridade
constituída.
75 Ibid, p. 38. 76 MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
69
Na Idade Média, com a predominância do processo penal canônico,
verificou-se uma transformação do sistema acusatório para o inquisitivo e, a partir
desse momento, deixaram de ser observados quaisquer direitos individuais. Sobre
esse período, ensina Tourinho Filho:
Até o século XII, o processo era de tipo acusatório: não havia juízo sem acusação. O acusador devia apresentar aos Bispos, Arcebispos ou Oficiais encarregados de exercerem a função jurisdicional a acusação por escrito e oferecer as respectivas provas. Punia-se a calúnia. Não se podia processar o acusado ausente. Do século XIII em diante, desprezou-se o sistema acusatório, estabelecendo-se o ‘inquisitivo’. Muito embora Inocêncio III houvesse consagrado o princípio de que Tribus modis processi possit: per accusationem, per denuntiationem et per inquisitionem, o certo é que somente as denúncias anônimas e a inquisição se generalizaram, culminando o processo inquisitivo, per inquisitionem, em tornar-se comum77.
Ainda que partindo de “denúncia” anônima, a inquisição apresentava
uma implacável perseguição à condenação do chamado “herege”, sem qualquer
respeito à integridade física e psíquica do “acusado”, pois se utilizava inclusive do
expediente da tortura para obtenção da confissão. No contexto dessa “busca de
condenação” a busca domiciliar e a pessoal, no sentido que hoje conhecemos, não
era condicionada à qualquer justificativa, a partir da conclusão da rápida instrução
preparatória, mesmo sem a presença do “acusado”, como indica José Geraldo da
Silva:
O processo inquisitório surgiu com o Concílio de Latrão, em 1215, e possibilitava o procedimento de ofício, sem necessidade de prévia acusação, pública ou privada. O termo inquisição vem do latim inquirere, inquirir. Compõe-se de duas outras palavras latinas: in (em), e quaero (buscar). Portanto, a inquisição é uma busca, uma investigação (...) Se a instrução preparatória fornecia a prova do delito, os inquisidores ordenavam a prisão do acusado, ao qual já não protegiam nem privilégios nem asilo. Depois de preso, ninguém mais se comunicava com ele; procedia-se à visita do seu domicílio e fazia-se o sequestro de seus bens78.
Superada essa difícil fase da história, iniciou-se a Idade Moderna
caracterizada pelo absolutismo, que foi o sistema de governo da maioria dos
Estados europeus entre os séculos XVII e XVIII, quando o poder era exercido de
modo centralizado pelo monarca e sustentado por uma burguesia emergente.
77 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 3, p. 34. 78 SILVA, José Geraldo da. O Inquérito Policial e a Polícia Judiciária. 2. ed. São Paulo: Leud, 1996, p. 31.
70
E foi somente no século XVIII que floresceu uma corrente de
pensamento que defendia o predomínio da razão sobre a fé, estabelecendo o
progresso como destino da humanidade: o Iluminismo.
Representando a visão intelectual da época, essa corrente alcançou
grande repercussão na França, onde se opõe às injustiças sociais, aos privilégios da
aristocracia decadente e à intolerância religiosa. Também, abriu caminho para a
Revolução Francesa que veio a ocorrer em 1789 e marcou o início da Idade
Contemporânea, oferecendo-lhe o lema que sintetizou a mudança então clamada:
“Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Um dos principais idealizadores desse pensamento foi Jean-Jacques
Rousseau, que defendeu o respeito à igualdade, no exercício dos direitos
individuais, reconhecendo a existência de um verdadeiro “contrato social” que
estabelece que cada cidadão abre mão de uma pequena parcela da sua liberdade
individual, a fim de que o Estado, representando a vontade geral em seus atos de
controle, viabilize a convivência pacífica, com base no exercício da liberdade civil e
respeito à propriedade. Em sua obra máxima, de 1762, “O Contrato Social”, oferece
lições precisas desse novo pensamento:
Limitemos tudo isso a termos fáceis de comparar. O que o homem perde pelo contrato social é sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que lhe diz respeito e pode alcançar. O que ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui... De qualquer modo que remontemos ao começo, chegaremos sempre à mesma conclusão, a saber: que o pacto social estabelece entre os cidadãos tal igualdade, que todos se obrigam sob as mesmas condições e devem gozar dos mesmos direitos. Assim, pela natureza do pacto, todo ato de soberania, isto é, todo ato autêntico da vontade geral, obriga ou favorece igualmente a todos os cidadãos79.
Influenciado pelos escritores dessa época, Cesare Beccaria, lança em
1764 a sua obra: “Dos delitos e das penas”, proclamando o princípio da igualdade
perante a lei, com enfoque na norma penal. O autor estabelece limites entre a justiça
humana e a justiça divina, ou seja, entre o pecado e o crime; condena a
reivindicação do direito de vingança, com o fortalecimento do jus puniendi, baseado
na sua utilidade social, além da devida proporcionalidade entre o delito e a sanção e
tantas outras ideias que vieram a fortalecer o sentido de justiça aplicada ao indivíduo
como sujeito de direitos inalienáveis, inserido em uma sociedade organizada e
71
equilibrada mediante o respeito às regras de convivência derivadas do contrato
social.
Beccaria tece críticas ao sistema que desconsiderava quaisquer
garantias de respeito ao acusado ou suspeito, indagando:
Quem, ao ler a história, não se horripila diante dos bárbaros e inúteis tormentos, friamente criados e executados, por homens que se diziam sábios? Quem não estremecerá, até em sua célula mais sensível, ao ver milhares de infelizes que a miséria provocada ou tolerada por leis que sempre favoreceram a minoria e prejudicaram a maioria, forçou a desesperado regresso ao primitivo estado da natureza, ou acusados de delitos impossíveis, criados pela tímida ignorância, ou réus julgados culpados apenas pela fidelidade aos próprios princípios, esses infelizes acabam mutilados por lentas torturas e premeditadas formalidades, oriundas de homens dotados dos mesmos sentimentos e, por conseguinte, das mesmas paixões, em alegre espetáculo para a fanática multidão? 80
Verifica-se, a partir dessa fase, uma acentuada evolução quanto ao
reconhecimento dos direitos e garantias individuais, mediante respeito ao ser
individual e a evolução de um novo conceito: o da inviolabilidade pessoal, com base
no aspecto físico, que diz respeito à intangibilidade corporal e também no aspecto
moral, quanto à preservação da intimidade e da vida privada.
A noção do que sejam os “direitos humanos” surge inicialmente
permeada pela ideia de direito natural, ou seja, que podem ser deduzidos da própria
natureza do ser humano. Nesse sentido, a Declaração Francesa dos Direitos do
Homem, de 1789, relaciona como direitos naturais e inalienáveis, entre outros, a
liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
A oposição dos direitos individuais em face da atuação do Estado,
como fator de sua limitação é observada por Sylvia Helena de Figueiredo Steiner,
quando trata da evolução dos instrumentos internacionais de proteção aos
indivíduos:
Já na era moderna, grande parte das normas contidas nas Declarações de Direitos dizem exatamente com os limites da atuação do Estado na invasão da esfera de liberdade dos indivíduos. E essa invasão se torna mais sensível quando o Estado exerce seu poder-dever de repressão a condutas que atingem a comunidade81.
79 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social: Princípios de Direito Político. Tradução: Antônio de P. Machado. São Paulo: Tecnoprint, 1995, p. 39. 80 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: RT, 1997, p. 89. 81 STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: RT, 2000, p. 23.
72
Segue-se, na História, a internacionalização das normas de proteção
aos direitos individuais em oposição ao poder do Estado, em curso de evolução que
se interrompeu a partir do início da I Grande Guerra Mundial e foi retomado em
1919, com o Tratado de Versalhes, que estabeleceu a Liga das Nações e a Corte
Permanente de Justiça, como registra a mesma autora:
Não há dúvidas de que o Tratado de Versalhes, ao criar o primeiro corpo de organizações internacionais permanentes para regulamentação e controle das relações entre os Estados, e entre o Estados e os indivíduos, em tempo de paz, pode ser considerado um grande passo na internacionalização dos direitos humanos82.
Após a segunda Grande Guerra, iniciou-se um processo de submissão
das nações a compromissos de proteção e garantia dos direitos da pessoa, como
decorrência do fim do conflito mundial. Surge, inicialmente, a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, de 1948, que traz como princípios gerais a liberdade, a
igualdade a não discriminação e a fraternidade e prescrições sobre os direitos e
liberdades de ordem pessoal, sobre direitos do indivíduo nas suas relações sociais,
entre outras. Essa Declaração motivou a elaboração de outros instrumentos
internacionais aos quais se vincularam nações não integrantes das Nações Unidas,
hoje de grande influência no ordenamento jurídico dos países a eles submetidos.
Como os demais instrumentos internacionais de proteção aos direitos
individuais, porém, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não prescreve
direitos absolutos. Enquanto, por exemplo, em seu artigo V, declara que “ninguém
será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante”, o item 2, do seu artigo XXIX estabelece que:
No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem, e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática83.
A Constituição Federal de 1988, no Brasil, foi fortemente influenciada
pelos instrumentos internacionais de proteção aos direitos individuais,
82 Ibid, p. 42. 83 SÃO PAULO (Estado). Procuradoria Geral do Estado. Grupo de Trabalho de Direitos humanos. Instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1996, p. 50.
73
particularmente no seu art. 5o, em que se verificam garantias da inviolabilidade
domiciliar (inciso XI) e da inviolabilidade pessoal, impondo o devido respeito à
intimidade, à vida privada e à integridade física e moral do indivíduo (incisos III, X e
XLIX).
Sem desconsiderar que tais garantias representam, também, limitação
ao poder do Estado, pode-se concluir que não são elas absolutas, quando se trata
da realização da busca pessoal e de outros procedimentos imprescindíveis para a
ordem pública e o bem-estar social, previstos em lei, devendo alguns direitos
individuais ceder espaço ao interesse maior da sociedade, no limite do que seja
necessário e razoável à realização do bem comum.
Trata-se, na realidade, de equilibrar e garantir direitos individuais de
mesmo nível e dignidade constitucional, no caso, a inviolabilidade domiciliar e a
pessoal e a segurança devida a todo cidadão (caput do art. 5o, da CF). É este o
sentido do artigo XXVIII, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem, de 1948, quando estabelece que: “Os direitos do homem estão limitados
pelos direitos do próximo, pela segurança de todos e pelas justas exigências do
bem-estar geral e do desenvolvimento democrático” 84.
Finalmente, a separação da busca pessoal em relação à busca
domiciliar, como medida excepcional e necessária, orientada pelos direitos e
garantias individuais estabelecidas na Constituição Federal, é consequência da
evolução histórica da organização social. Verifica-se, nessa trilha, o posicionamento
do Estado como exclusivo detentor do jus puniendi, o reconhecimento da igualdade
de todos perante a lei e, também, o desenvolvimento da noção de inviolabilidade
pessoal ao longo dos tempos, observada a sua relatividade.
33..22 DDeeffiinniiççããoo ddee bbuussccaa ppeessssooaall
Busca significa o mesmo que procura; já, o termo revista, pode ser
utilizado apenas como sinônimo de busca pessoal - e sua extensão - e não como
sinônimo de busca em sentido amplo, porque inaplicável à busca domiciliar. Aliás, o
84 Ibid, p. 111.
74
Código de Processo Penal de Portugal, no seu art. 174 e seguintes, emprega o
termo revista no mesmo sentido de nossa busca pessoal e o termo busca quando se
refere à procura em local determinado, confirmando a origem do emprego dos
vocábulos em análise. Por outro lado, podem ser usados os termos varejo,
varejamento ou varejadura no sentido de busca em domicílio, ou em local diverso,
mas não propriamente como sinônimo de busca, porque não são aplicáveis à
modalidade de busca pessoal. Portanto, acerta Clademir Missaggia quando observa:
“A busca pode ser pessoal (revista) ou domiciliar (varejo)” 85.
Já o “buscador” é aquele que busca - ou, melhor, procura - por algo,
mesmo que em vão. Apesar de constar nos dicionários, também, a palavra
“procurador”, como “aquele que procura”, é preferível não a adotar para o efeito de
denominar quem procede busca, vez que já se utiliza amplamente o vocábulo no
contexto jurídico com diversos outros sentidos, quais sejam: aquele que tem
procuração para tratar dos negócios de outrem; administrador; mandatário;
advogado do Estado (Procurador do Estado); membro da superior instância do
Ministério Público (Procurador de Justiça).
Quanto à definição de busca pessoal, Leib Soibelman explica a
expressão com enfoque no seu sentido prático, nos seguintes termos: “É pessoal,
quando se realiza sobre o corpo de um indivíduo, para fazer a apreensão do que ele
esconde”86. No entanto, verificam-se duas impropriedades no conceito apresentado,
quais sejam: 1. a busca pessoal não é realizada somente sobre o corpo de quem a
ela é submetido, mas, também, em suas roupas, pertences (pasta, mala e bolsa, por
exemplo) e igualmente no veículo, quando disponível; e 2. o objetivo da busca não é
a apreensão e, sim, a própria procura, não desconsiderando o fato de que a
apreensão pode vir a ser a sua consequência.
J. M. Othon Sidou indica que busca pessoal significa:
Diligência policial, independentemente de mandado judicial, quando houver indício de que alguém oculte consigo arma proibida ou coisa de natureza suspeita, ou para efeito de colher qualquer elemento de convicção87.
85 MISSAGGIA, Clademir. Da busca e da apreensão no processo penal brasileiro. Porto
Alegre: RIACP, ano 1, n. 0, 2000, p. 89. 86 SOIBELMAN, Leib. Dicionário geral de Direito. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1974, v. 1, p. 19. 87 SIDOU, J. Othon. Dicionário Jurídico. 6. ed. Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 23.
75
Essa definição é bem melhor em razão de que não restringe a
amplitude do procedimento da busca, pois ela normalmente se estende aos
pertences do revistado; também, indica que poderá haver busca pessoal apenas
para colheita de elemento de convicção, em sintonia com a letra “h”, do parágrafo
primeiro, do art. 240 do CPP.
Guilherme de Souza Nucci explica o sentido de busca pessoal,
mediante o conceito do advérbio pessoal que “é o que se refere ou pertence à
pessoa humana. Pode-se falar em busca com contato direto ao corpo humano, ou a
pertences íntimos ou exclusivos do indivíduo, como a bolsa e o carro” 88.
Rogério Lauria Tucci indica que a busca pessoal é aquela que, em
princípio, se efetua na própria pessoa do sujeito passivo da verificação.
Complementa o raciocínio, oportunamente distinguindo-a da inspeção corporal:
Não deve ser confundida com a inspeção corporal, correspondente ao exame do corpo com finalidade diversa (exempli gratia, identificação, apuração de idade, averiguação de lesões – quaisquer sinais ou vestígios deixados pelo crime); posto que, por ela, se procura obter, mediante visualização, inspeção manual ou, até mesmo, emprego de meios mecânicos, drásticos, ou radioscópicos, ‘o conhecimento de que objetos obtidos, achados por meios criminosos, falsificados ou contrafeitos estão escondidos ou nas vestes, ou em pequenos objetos que a pessoa leva consigo (valises, pastas etc.) ou no próprio corpo do infrator89.
Não há que confundir, da mesma forma, a busca pessoal com as
denominadas “intervenções corporais” normalmente realizadas para a colheita de
material para exames laboratoriais, por exemplo, exame de dosagem alcoólica e de
DNA, com o propósito probatório.
A busca pessoal, ou revista, pode ser realizada com o auxílio de
aparelhos eletrônicos - e também de semoventes, a exemplo de cães farejadores -,
que substituem o contato das mãos com o corpo, vestes e pertences da pessoa
revistada. A propósito, o procedimento chama-se busca pessoal não em razão de
que ela é realizada “pessoalmente”, ou diretamente pelo buscador, e sim em razão
de que uma pessoa é submetida à revista, incluindo-se nessa noção o próprio corpo
e os pertences próximos daquele que é revistado, além do veículo que lhe serve de
meio de transporte e eventuais bagagens e objetos nele acondicionados.
88 Ibid, p. 59. 89 TUCCI, José Lauria. Busca e apreensão. São Paulo: RT-515/287, 1978, p. 220.
76
O buscador utiliza os sentidos: visão, tato, olfato, audição e paladar -
especialmente os dois primeiros - para a realização da busca. A sua percepção
sensorial pode ser amplificada por equipamentos, tais como esteira com “raio-x” para
malas, portais magnéticos, detector manual de metais e espectrômetro (identificador
molecular), em busca pessoal realizada mesmo sem o contato físico com o
revistado.
Depois dessa breve análise de aspectos gerais do instituto, é possível
definir busca pessoal como um procedimento incidente em pessoas, extensivo ao
veículo e objetos sob sua imediata custódia, que impõe restrição de direitos
individuais e, por isso, é desenvolvido por agentes do Estado, respeitadas as
condições legais. Conforme o momento da realização e da sua finalidade, tem por
objetivos: a prevenção, neste aspecto, quando realizado normalmente antes da
constatação de infração da norma penal, e a investigação e descobrimento de tudo o
que seja relevante ao processo penal.
Sobre a questão do respeito aos direitos e garantias individuais em
harmonia com o interesse da coletividade e o uso de tecnologia para a realização de
busca pessoal, conclui Clademir Missaggia:
A busca pessoal sofre os limites expressos em nossa legislação,
cujas regras tutelam a integridade física e moral, o que não impede o
uso de meios mecânicos e outros para a descoberta, inclusive nas
partes íntimas do corpo, respeitadas a dignidade da pessoa e as
exigências da proporcionalidade, ou seja, os interesses da persecutio
criminis deve ser ponderado com os princípios da inviolabilidade
física, moral e intimidade90.
Finalmente, para qualquer nível de busca pessoal devem ser
considerados, além da legitimidade do ato sob as condições legais que autorizam o
procedimento, os aspectos da necessidade e da razoabilidade da intervenção, de
modo a causar a mínima restrição possível de direitos individuais, justificável pela
preservação do interesse maior da coletividade.
90 MISSAGGIA, op. cit., p. 78.
77
33..33 CCrriittéérriiooss ee ccllaassssiiffiiccaaççõõeess
Para que seja possível um aprofundamento no estudo da busca
pessoal, compreendendo-se a busca veicular como seu desdobramento, faz-se
necessária uma vista no direito administrativo e outra no direito processual penal,
verificando-se a distinção entre a busca pessoal preventiva e a busca pessoal
processual.
Importante, igualmente, a verificação das características da busca
pessoal preliminar e da busca pessoal minuciosa no tocante ao seu rigor. Com foco
no sujeito passivo da busca pessoal, também é relevante estudar a busca individual
e a busca pessoal coletiva e, ainda, o aspecto direto ou indireto de sua realização,
no que diz respeito ao emprego, ou não, do recurso comum da tangibilidade
corporal.
Assim, diante das diversas facetas do tema, busca-se uma visão
abrangente mediante critérios classificatórios propostos que dão suporte à
construção doutrinária, a partir de alguns enfoques possíveis. Nessa linha, o estudo
encontra as quatro referidas classificações, conforme este autor já teve oportunidade
de defender em trabalhos anteriores91, sintetizadas da seguinte forma:
a. quanto à natureza jurídica do procedimento, distinguem-se a busca
preventiva e a busca processual;
b. quanto ao nível de restrição de direitos individuais imposto
verificam-se a busca preliminar e a busca minuciosa;
c. quanto à abrangência em relação ao sujeito passivo da medida, a
busca individual e a busca coletiva;
d. quanto à tangibilidade corporal, a busca direta e a busca indireta.
91 NASSARO, Adilson Luís Franco, A busca pessoal preventiva e a busca pessoal
processual. São Paulo: Polícia Militar do Estado de São Paulo. Força Policial, nº 45, 2004 e
A busca pessoal e suas classificações, São Paulo: Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Força Policial, nº 51, 2007.
78
3.3.1 Natureza jurídica
A busca pessoal tem caráter preventivo ou processual de acordo com o
momento em que é realizada, bem como de acordo com a sua finalidade. Melhor
explicando, antes da efetiva constatação da prática delituosa, é realizada por
iniciativa de autoridade policial competente e constitui ato legitimado pelo exercício
do poder de polícia, na esfera de atuação da Administração Pública, com objetivo
preventivo (busca pessoal preventiva). De outro lado, realizada após a prática, ou
em seguida à constatação da prática criminosa, mesmo como sequência da busca
preventiva, atenderá o interesse processual (busca pessoal processual), para a
obtenção de objetos necessários ou relevantes à prova de infração, ou à defesa do
réu, conforme previsto na alínea “e”, do parágrafo 1º, do art. 240 do CPP.
Guilherme de Souza Nucci, ao analisar o teor do art. 240 do CPP,
discorre sobre os momentos em que é possível a realização da busca e da
apreensão, com fundamento no referido dispositivo processual penal, observando
que elas podem ser concretizadas:
...dentre outros momentos, “em fase preparatória a um procedimento policial ou judicial, como ocorre quando, por fundada suspeita, um policial aborda alguém, encontra uma arma proibida, detendo a pessoa e apreendendo o objeto92.
Nota-se que a designação “processual” não se refere necessariamente
à existência de um processo, que tecnicamente se inicia com o recebimento da
acusação formal pelo juízo competente, mas, sim, refere-se à circunstância de que
já foi iniciado automaticamente o ciclo da persecução penal, uma vez constatada a
pratica de infração penal. Nesse caso, a busca interessará ao futuro processo como
meio de coleta de provas.
Além do aspecto temporal da realização da busca pessoal - antes ou
depois da prática do crime ou da sua constatação -, prescreve-se a sua finalidade
para a classificação pretendida. Necessário associar os dois critérios na análise de
algumas situações. De fato, nota-se que é comum, por exemplo, a realização de
uma busca pessoal - caracterizada como preventiva - em um réu preso que será
92 NUCCI, op. cit., p. 59.
79
movimentado de um estabelecimento prisional para outro, ou que será apresentado
perante o juiz e a sociedade em audiência criminal, por questão de segurança,
indispensável nessa circunstância e realizada para a finalidade de preservação da
ordem pública.
A busca pessoal preventiva ocorrerá sempre pela iniciativa da
autoridade policial competente, ou seja, daquela que possui o poder de polícia para
a consequente - e inevitável - restrição de direitos individuais imposta na medida
necessária ao bem comum. Durante uma audiência criminal, por exemplo, o juiz
detém tal autoridade, nos termos no art. 794, do CPP, ex vi:
A polícia das audiências e das sessões compete aos respectivos juízes ou ao presidente do tribunal, câmara ou turma, que poderão determinar o que for conveniente à manutenção da ordem. Para tal fim, requisitarão força pública, que ficará exclusivamente à sua disposição.
Trata-se, curiosamente, de um caso legítimo de possível busca pessoal
preventiva com base especificamente na norma processual penal, que pode ser
determinada não somente ao réu preso, mas a todos os presentes, reforçando-se a
defesa da existência das duas modalidades em estudo93.
Prosseguindo nesse raciocínio, a aspiração maior do homem, que é o
bem comum, inserta na própria Declaração Universal dos Direitos do Homem,
coincide com o propósito da organização do Estado, como registra Álvaro Lazzarini:
Para preservá-lo, nessa colocação, o Estado deve ter a sua Polícia, que não cogitará, tão-só, da sua segurança ou da segurança da comunidade, como um todo, mas sim, e de modo especial, da proteção, da garantia da segurança de cada pessoa, abrangendo o que se denomina de segurança pública o sentido coletivo e o sentido individual da proteção do Estado. ... Bem por isso, no nosso dizer, o Poder de Polícia, que legitima a ação da polícia e a sua própria razão de ser, é um conjunto de atribuições
93 Como medida preventiva de segurança das sessões de dois dos mais importantes e concorridos julgamentos de Tribunal do Júri dos últimos anos, que o autor pôde acompanhar pessoalmente em São Paulo, realizados no Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães, do caso conhecido como “O Maníaco do Parque” e do caso do “Carandirú” (neste último, como réu o Coronel PM Ubiratan Guimarães), os Presidentes das respectivas sessões distribuíram previamente senhas de acordo com a capacidade do plenário (proporcionalmente entre representantes da acusação, da defesa, dos órgãos de imprensa e dos estudantes de direito inscritos e sorteados) e determinaram aos Agentes de Fiscalização Judiciária (espécie de “guarda do Tribunal de Justiça”, integrada por agentes concursados) que procedessem busca pessoal preliminar e coletiva, com participação do efetivo da Polícia Militar em absolutamente todos que adentrassem no plenário, mediante uso de detectores magnéticos manuais. Também foram verificadas visualmente as bolsas para coibir a entrada de gravadores, filmadoras ou máquinas fotográficas em respeito à proibição prevista em ato normativo da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo.
80
da Administração Pública, como poder público, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum94.
O ato de polícia tem três atributos básicos: discricionariedade, auto-
executoriedade e coercibilidade, conforme lição de Hely Lopes Meirelles95, ou seja, é
caracterizado pela livre escolha da oportunidade e da conveniência do exercício do
poder de polícia, além dos meios necessários para a sua consecução - desde que,
evidentemente, não sejam ilícitos -, pela execução direta e imediata da sua decisão,
sem intervenção do Poder Judiciário (ressalvados os casos em que a lei exige
ordem judicial, a exemplo da busca domiciliar), bem como, pela imposição das
medidas adotadas, de modo coativo96.
Atente-se para o fato de que, como todo ato administrativo, a medida
discricionária de polícia tem limites estabelecidos pela lei. Os fins, a competência do
agente, o procedimento (sua forma) e também os motivos e o objeto são limites
impostos ao ato de polícia, ainda que a Administração disponha de certa margem de
discricionariedade no seu exercício, conforme adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Quanto aos fins, o poder de polícia só deve ser exercido para atender o interesse público. Se o seu fundamento é precisamente o princípio da predominância do direito público sobre o particular, o exercício desse poder perderá a sua justificativa quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas; a autoridade que se afastar da finalidade pública incidirá em desvio de poder e acarretará a nulidade do ato com todas as consequências nas esferas civil, penal e administrativa. A competência e o procedimento devem observar as normas legais pertinentes. Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, a autoridade sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Tem aqui aplicação um princípio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade dos meios aos fins; isto equivale a dizer que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao
94 LAZZARINI, Álvaro et alii. Direito administrativo da ordem pública. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 27. 95 Ibid, p. 130. 96 Celso Antônio Bandeira de Mello define discricionariedade como sendo “a margem de ‘liberdade’ que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, entre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente. (Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 821).
81
bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais97.
A busca pessoal originariamente preventiva, que tem como impulso a
movimentação da polícia administrativa no campo da prevenção, pode resultar em
encontro de objetos ou informações que caracterizem a prática de crime ou
contravenção penal. A partir do exato momento da constatação da prática delituosa,
como por exemplo, a localização de uma arma portada em condição irregular no
interior de um ônibus rodoviário, passa a busca pessoal a ter interesse processual e,
consequentemente, ser regulada, junto às outras diligências advindas, objetivamente
pelas disposições da norma processual penal. Inicia-se, desse modo, a fase
denominada “repressão imediata”.
São atos imediatamente subsequentes, em regra, uma busca pessoal
minuciosa, a coleta de informações, registros imediatos, a preservação do local se
necessário e, eventualmente, o ato de prisão em flagrante delito - mediante a voz de
prisão e condução -, que ensejará a lavratura do respectivo auto no Distrito Policial
local, caso seja a apuração de competência da autoridade de polícia civil98.
Encerrada a fase da repressão imediata e tendo sido restabelecida a ordem, iniciam-
se os trabalhos de investigação próprios da polícia judiciária, em fase pré-
processual, preparatória da ação penal.
Citada a competência na esfera de polícia judiciária, convém anotar a
lição também de Álvaro Lazzarini, que estabelece a distinção entre polícia
administrativa e polícia judiciária, indicando tratar-se de denominações relativas à
atividade especificamente desenvolvida e não propriamente da classificação rígida
de um ou outro órgão policial:
97 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 116. 98 No caso da prisão em flagrante, o auto será lavrado pela autoridade policial competente que poderá ser Oficial da PM, no caso de crime militar; Delegado da Polícia Federal, nos crimes de competência de apuração da Polícia Federal e, nas demais hipóteses, o Delegado de Polícia Civil local. Quanto à situação de prisão em flagrante de membros do Ministério Público e magistrados, o Des. Damião Cogan enfatizou que “a prisão em flagrante e a lavratura do auto de prisão em flagrante delito são coisas diversas” e concluiu, com base na Leis Orgânicas dos respectivos órgãos, que em casos de crime inafiançável “a prisão poderá ocorrer por autoridade policial sendo, todavia, que a lavratura do auto de prisão em flagrante, que consiste na colheita da prova indiciária, portanto, investigação do delito, só pode ser realizada pelo presidente do Tribunal ou procurador geral de Justiça”; nessa hipótese, a autoridade policial, civil ou militar, que realizou a prisão-captura, deverá encaminhar o detido, que possui prerrogativa de função, diretamente à presença da autoridade competente para a lavratura do auto de prisão em flagrante (Da prisão em flagrante de membros do Ministério Público e magistrados. Artigo publicado no Caderno Jurídico, São Paulo, março/abril de 2003).
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... a polícia administrativa é preventiva. A polícia judiciária é repressiva. A primeira desenvolve a sua atividade procurando evitar a ocorrência do ilícito e daí ser denominada preventiva. A segunda é repressiva, porque atua após a eclosão do ilícito penal, funcionando como auxiliar do Poder Judiciário. Mas, o mesmo órgão policial pode ser eclético, porque age preventiva e repressivamente. A linha de diferenciação, portanto, estará sempre na ocorrência ou não do ilícito penal. Se um órgão estiver no exercício da atividade policial preventiva (polícia administrativa) e ocorrer a infração penal, nada justifica que ele não passe, imediatamente, a desenvolver a atividade policial repressiva (polícia judiciária), fazendo, então, atuar as normas de Direito Processual Penal, com vistas ao sucesso da persecução criminal, certo que o que a qualificará em administrativa ou judiciária (isto é, preventiva ou repressiva) será, e isto sempre, a atividade de polícia desenvolvida em si mesma e não órgão civil ou militar que a executou99.
Existe, naturalmente, a busca pessoal originariamente de caráter
processual, baseada estritamente na fundada suspeita, como por exemplo, aquela
realizada no interior de um Distrito Policial, por iniciativa de uma autoridade de
polícia civil encarregada de inquérito policial. Nesse caso a infração penal já foi
constatada; desenvolvem-se ações próprias de policia judiciária e também há
fundada suspeita durante a apuração. Tal hipótese é cabível exatamente porque a
lei processual não prescreve o momento em que pode ocorrer a fundada suspeita
como circunstância a eximir ordem judicial.
Ainda, existe busca pessoal de caráter igualmente processual
determinada pelo juiz; porém, configuram-se raros os casos como esse na prática
forense. É claro que a ausência de ordem judicial normalmente verificada na busca
pessoal não significa impossibilidade de sua expedição pelo juízo criminal
competente, durante o andamento de inquérito ou no curso da instrução processual;
muito pelo contrário, nos termos da lei. Poderá o juiz atender requerimento da
acusação ou da defesa, durante a ação penal, ou determinar a diligência por sua
própria iniciativa conforme art. 156 do CPP100.
99 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 265. 100 Art. 156 do CPP: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: ... II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante” (com nova redação dada pela lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008).
83
Por sinal, o próprio art. 243 do CPP traz como regra em seus incisos o
conteúdo obrigatório do mandado de busca, estabelecendo logo no inciso I, parte
final, que nele deverá constar, no caso de busca pessoal, “o nome da pessoa que
terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem”, além de mencionar o motivo e os
fins da diligência” (inciso II) e ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade
que o fizer expedir (inciso III).
Sem desconsiderar a existência de casos de originário interesse
processual, conforme indicado, certo é que a absoluta maioria das buscas pessoais
efetivamente realizadas tem caráter preventivo. À evidência, constituem um dos
principais instrumentos de trabalho da atividade policial preventiva, particularmente
das Polícias Militares dos Estados, que desenvolvem a importante missão de
preservação da ordem pública, promovendo com exclusividade o policiamento
ostensivo pelo reconhecimento imediato da autoridade policial em razão do uso da
farda, com fundamento no parágrafo 5º, do inciso IV, do art. 144, da Constituição
Federal101.
Levando-se em consideração a inexistência de regulamentação para o
exercício do poder de polícia aplicado às atividades de preservação da ordem
pública - e, a bem da verdade, a impossibilidade de regulamentá-lo, tratando-se de
um poder discricionário exercido pela autoridade policial orientada pelos princípios
constitucionais que regem o ato administrativo -, aplicam-se usualmente para a
realização da busca pessoal preventiva individual as mesmas considerações do art.
240 e seguintes do CPP.
Prestigia-se, nessa interpretação, também o interesse processual
estabelecido a partir da localização de um objeto ou informação relevante para a
Justiça Criminal, como eventual resultado do procedimento policial dirigido a
determinado sujeito passivo. Ainda, nota-se a circunstância de que, ao iniciar a
busca pessoal originariamente preventiva, a autoridade policial não pode adivinhar
se o resultado será, ou não, de interesse processual.
Mas, não somente a busca pessoal preventiva encontra amparo na
norma processual penal, quando se trata de busca individual, como
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essencialmente e originariamente no exercício do poder de polícia, que tem por
atributos a presunção de legitimidade e a auto-executoriedade do ato e é exercido
discricionariamente pela autoridade policial competente, inexistindo qualquer conflito
com as disposições do Código de Processo Penal.
O fato de a norma processual prescrever a hipótese de busca pessoal -
processual - baseada em fundada suspeita, sem ordem judicial, não significa que
exclui a possibilidade de busca pessoal preventiva pelo mesmo motivo da fundada
suspeita ou por outro mais abrangente, como por exemplo, a garantia da segurança
pública no caso da busca realizada pela polícia em todos os que desejam ingressar
em um estádio de futebol (busca coletiva).
Nesse sentido, a garantia da segurança pública igualmente é capaz de
justificar as buscas realizadas em ônibus rodoviários e respectivos passageiros que
normalmente se utilizam de rotas específicas para transportes ilícitos, ainda que não
se reconheça nessa circunstância a configuração de rigorosa “fundada suspeita” -
ponto de natural questionamento -, como única forma de evitar a prática criminosa.
Deve-se retomar, nesse ponto, a teoria da limitação da medida discricionária,
observando-se: os seus fins, a competência do agente, o procedimento (sua forma)
e também os motivos e o seu objeto, para a identificação dos contornos legais da
busca, diante do caso concreto.
No caso da busca pessoal especificamente individual, em situação
mais comum no dia-a-dia da atividade policial, por sinal, existe notável harmonia
entre as disposições do CPP e o procedimento preventivo a ponto de se imaginar
que tal atividade, própria de polícia preventiva, teria inspirado o legislador, quando
da elaboração da redação do dispositivo de norma processual102. Nessa razoável
possibilidade, a definição dos contornos da busca de natureza processual, com
colheita de provas ao processo, partiu da visualização de uma situação cotidiana de
busca preventiva e individual103.
101 Parágrafo 5º, do inciso IV, do artigo 144, CF: “Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; (...)” 102 A redação do Código de Processo Penal em vigor, Decreto-Lei nº 3.689, é de 1941. 103 Difícil tarefa é conceber uma atividade propriamente policial de preservação da ordem pública sem a realização de busca pessoal, no caso, preventiva. Na verdade, a possibilidade de iniciativa do policial para impor restrições de direitos individuais nesse nível, partindo da execução de ordem de parada, é o que o diferencia em relação ã atuação de outros agentes de alguma forma relacionados à segurança pública
85
Diante da observação de que alguns críticos da atividade policial
preventiva vislumbram prática de abuso em buscas pessoais não orientadas
estritamente pelo critério de objetiva fundada suspeita, identificam-se duas correntes
doutrinárias: a processualista e a publicista. Sob esse raciocínio, discorreu José
Wilson Gomes de Assis, ao mesmo tempo em que procurou justificar a amplitude
maior da busca preventiva em relação à busca processual:
Como se pode constatar, a corrente processualista não é capaz de justificar juridicamente as operações preventivas da polícia Militar, onde são efetuadas buscas pessoais fora das hipóteses estabelecida no art. 244, CPP, limitando-se a classificá-las como abusivas e ilegais Entretanto, com o devido respeito aos ilustres processualistas, não vemos como acolher esse equivocado e simplista ponto de vista. Faz-se necessário lembrar que a Polícia Militar durante sua atividade preventiva só estará vinculada às normas do CPP quando se deparar com a ocorrência de ilícito penal, posto que, nessa hipótese, ela efetuará a prisão do infrator, fará condução deste à autoridade policial competente para a lavratura do flagrante (ou outro procedimento), fará apreensões de objetos, arrolará testemunhas, preservará o local do crime etc. E, neste caso a busca pessoal não será preventiva, mas processual, seguindo-se as regras estabelecidas pelo CPP. Entretanto, quando no cumprimento de sua missão constitucional, a Polícia Militar atua precipuamente no campo preventivo, inclusive realizando operações tipo blitz, buscas pessoais coletivas em estádio de futebol entre outras. Aqui, ela não está atuando na ilegalidade como entendem os processualistas, uma vez que suas ações preventivas não dependem do CPP, pois decorrem da própria Constituição Federal, em seu art. 144, § 5º, quando estabelece que às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, bem como no direito administrativo (precisamente no direito administrativo da segurança pública). Ora, o simples fato das operações preventivas da Polícia Militar, em que se realiza busca pessoal, não figurarem no CPP (e nem poderiam), não as torna ilegais ou abusivas, uma vez que, como se disse anteriormente, a possibilidade de realizá-las está inscrita no poder discricionário de polícia (ou seja, a Polícia Militar, discricionariamente, executará suas ações preventivas com base na oportunidade e conveniência), posto que nem todas as suas ações policiais militares cotidianas estão previstas em lei (o que seria impossível)104.
Finalmente, diante da ampla gama de atividades desenvolvidas pelas
Polícias Militares no campo preventivo, essenciais e inerentes ao cumprimento de
sua missão constitucional, o que inclui buscas pessoais, inclusive em situações
como guardas municipais e agentes municipais de trânsito. Como consequência, a iniciativa de realização da busca pessoal também é exatamente o que distingue o órgão que tem e exerce o chamado “poder de polícia” na área de segurança pública. 104 DE ASSIS, José Wilson Gomes. Ações policiais preventivas - busca pessoal - blitz - legalidade - poder de polícia - Polícia Militar . Disponível em: <http://www.sisp.pm. pi.gov.br/modules/artigos/artigo.php?id=14>. Acesso em: 08 fev. 2008.
86
relacionadas a veículos de transporte coletivo, conclui-se que a fundada suspeita
pode sim constituir regra para a fundamentação da busca individual, mas não para a
busca coletiva, quando se trata de busca pessoal preventiva.
3.3.2 Nível de restrição de direitos individuais
Diferentemente da busca domiciliar, a busca pessoal é realizada de
dois modos: preliminar ou minucioso. O que distingue essas duas espécies de busca
pessoal é exatamente o grau de rigor dispensado ao ato da revista, que impõe maior
ou menor restrição de direitos individuais, configurando-se preliminar (superficial) ou
minuciosa (também conhecida como íntima), conforme o caso.
A busca pessoal preventiva normalmente é superficial, representando
um procedimento que antecede à eventual busca minuciosa, ou seja, a busca mais
rigorosa poderá ser consequência de uma superficial, dependendo do seu resultado.
Daí porque a busca em pessoa ou em seus pertences, de modo não rigoroso, é
denominada busca pessoal preliminar.
Assim, por exemplo, se em uma busca pessoal preliminar, mediante
observação visual e toque das mãos do agente por cima das roupas do revistado, for
encontrada uma arma, haverá fundada suspeita em nível tal que justificará uma
busca minuciosa, voltada à localização de outros materiais, de menor volume, que
provavelmente também estejam na posse do revistado.
O que caracteriza basicamente a busca minuciosa é a verificação
detalhada do corpo do revistado, mediante a retirada de suas roupas e sapatos,
sendo por isso igualmente conhecida como “revista íntima”, além da verificação
cuidadosa dos objetos e pertences por ele portados. Nesse procedimento, são
observadas as cavidades corporais e também a região coberta pelos cabelos, barba
e bigode, se houver, entre os dedos, embaixo dos braços, entre as nádegas e, no
caso de mulher submetida à busca, também o canal vaginal, embaixo dos seios e
entre eles, sendo toda a verificação realizada preferencialmente com auxílio do
próprio revistado, concitado a colaborar. A busca pessoal minuciosa é realizada em
local isolado do público, sempre que possível na presença de testemunha.
87
Quanto à tangibilidade corporal, na busca pessoal preliminar padrão
ocorre o tateamento do corpo do revistado, por cima de suas roupas, usualmente
mediante toques rápidos e precisos de mãos de policiais treinados para essa
finalidade. Entre os seus sentidos, o buscador utiliza muito mais o tato que a visão
na busca preliminar. Na busca minuciosa, ao contrário, quando a exposição corporal
do sujeito passivo é maior - tendo sido obrigado a tirar toda a roupa -, o uso do tato
por parte do buscador é mínimo, desde que, é claro, o revistado não resista em
colaborar.
A participação que se espera do revistado restringe-se à observância
das orientações que lhe serão passadas, em sequência, como por exemplo: abrir a
boca, passar o próprio dedo dentro da sua boca, levantar os braços, agachar-se,
virar-se, abrir as pernas, as nádegas, abrir os dedos dos pés, entre outras. Tal
procedimento é adotado, por exemplo, diariamente na carceragem principal do
Fórum Criminal Central de São Paulo, Ministro Mário Guimarães, por iniciativa do
efetivo da Assessoria Policial-Militar do Tribunal de Justiça (APMTJ) que ali procede
busca minuciosa coletiva nos réus presos - em média de duzentos e cinquenta por
dia - antes que eles sejam conduzidos, por escolta interna, até as respectivas salas
de audiência para participarem das sessões, na presença do juiz criminal105.
No caso das mulheres presas, particularmente, tem sido adotado nos
estabelecimentos prisionais um rotineiro procedimento denominado “Revista de
Cavidades Corporais” (RCC), em razão de que, depois da recente popularização dos
aparelhos celulares, observou-se que considerável parte das presas mantém
escondidos no dia-a-dia os telefones dentro do canal vaginal com o alerta vibra call
ligado106.
Não obstante a tradicional característica da tangibilidade corporal na
busca preliminar, nem sempre ela será necessária. A busca superficial pode ser
realizada indiretamente, por exemplo, mediante uso de dispositivos eletro-
105 O autor serviu durante 5 (cinco) anos na APMTJ, de 1998 a 2003. Durante diversas buscas minuciosas e coletivas realizadas no maior “Complexo Criminal” da América Latina, na Barra Funda, em réus presos transportados de todas as partes do Estado de São Paulo, acompanhou a localização de pedaços de gilete, de estiletes, de chaves universais de algemas, de pequenos invólucros com droga e outros objetos escondidos dentro dos sapatos, no meio dos cabelos, no interior da boca, e em outras cavidades corporais dos revistados, apesar das buscas anteriores realizadas pelo efetivo da escolta (acompanhamento do transporte) estas de menor rigor. 106 O Estado de São Paulo. Sistema Penitenciário. João Naves de Oliveira, 25 de abril de 2008, p. C7.
88
magnéticos fixos (portais) ou portáteis (detectores manuais), em que o revistado não
é tocado, razão pela qual se adota a denominação preliminar indireta para tal
procedimento. Trata-se da mais discreta, e hoje comum, forma de revista praticada
em entrada de ambientes, onde o interesse comum impõe maior garantia de
segurança aos seus usuários.
3.3.3 Abrangência em relação ao sujeito passivo
Da análise do sujeito passivo da busca pessoal, em relação ao seu
universo de abrangência, conclui-se pela classificação do procedimento em busca
pessoal individual ou coletiva.
Quanto à coletiva, constitui situação particular a busca pessoal
preventiva e em regra preliminar que, por iniciativa do poder público, sujeita todo um
grupo de pessoas107. O exemplo mais comum trata-se da revista nos interessados
em adentrar em algum recinto com grande concentração de pessoas e é
considerada legítima desde que exercida por quem está investido do poder de
polícia, como providência necessária para a segurança da coletividade; por isso, ela
pode inclusive caracterizar-se pela coercitividade, diante de eventual resistência108.
107 Em regra a busca coletiva é preliminar, mas existem casos excepcionais em que pode ser caracterizada como minuciosa, a exemplo da busca em todos os réus presos trazidos para o Fórum Criminal Central antes de participarem das audiências criminais. Outro exemplo é a possível busca coletiva minuciosa em parentes de réus presos nas entradas dos estabelecimentos prisionais para evitar a introdução de objetos proibidos no presídio, intervenção caracterizada como necessária e razoável. 108 Não se confunde a busca pessoal coletiva com a denominada “verificação pessoal privada” (VPP) que nunca será coercitiva (com ou sem tangibilidade corporal) proposta pelo particular responsável como condição de acesso a estabelecimentos privados, especialmente em entradas de casas de espetáculos, boates e similares. Esta se trata de ação sempre superficial (e com anuência do interessado) desenvolvida por agentes particulares de segurança, para coibir a entrada de armas ou de objetos que possam causar perigo aos usuários desses espaços. Esse ato nunca poderá ser chamado “busca pessoal” ou simplesmente “revista” (que é sinônimo de busca pessoal), eis que realizado por quem não está cumprindo ordem judicial ou exercendo atividade policial. Tem sido tolerado tal ato de iniciativa particular, ora batizada, em razão do regular funcionamento de empresas de segurança privada cadastradas junto à Polícia Federal para, entre outras tarefas, garantir a segurança em um ambiente privado. O interessado em acessar o ambiente restrito sabe que, além de pagar o valor do ingresso, deverá submeter-se a uma verificação pessoal incidente no seu próprio corpo e nos objetos por ele portados. Se por um lado pondera-se que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei, por outro lado se aceita que, no caso em análise, está configurado um contrato entre particulares, representado por um acordo tácito de vontades inclusive razoável em face da realidade da vida moderna nas grandes cidades. Além da ausência de coerção, para que não seja configurado o constrangimento ilegal, devem ser observados rigorosamente dois aspectos: a superficialidade e a não-seletividade, ou seja, o tratamento dispensado a todos deve ser
89
É aceitável tal procedimento em benefício do bem comum, como por
exemplo, na busca pessoal preliminar procedida por policiais militares em todos os
torcedores no acesso de um estádio de futebol, ou em situações específicas, como
por exemplo, em todos os réus presos antes de serem escoltados, em oposição à
busca pessoal individual, essa de procedimento cotidiano na atividade policial
preventiva.
Nesse raciocínio, observou Edmilson Forte sobre a busca pessoal
coletiva exercida pela Polícia Militar, como medida extraordinária e necessária,
legitimada pelo regular exercício do poder de polícia:
O poder de busca pessoal pela Polícia Militar, abrange hipótese que não se enquadra no artigo 240 do Código de Processo Penal e que é consequência da própria natureza da operação. Esses casos constituem situações em que há alto risco de ações contra a segurança e incolumidade de pessoas. Não há fundada suspeita de crime. Um exemplo pode ser dado no ingresso de pessoas em estádio de futebol por ocasião de um jogo. É proibido o porte de arma. A única maneira de garantir o cumprimento da Lei nessas ocasiões é a busca pessoal, que encontra seu fundamento na natureza e finalidade do policiamento preventivo109.
O mínimo sacrifício imposto em razão desse procedimento é
normalmente bem aceito pela sociedade, diante da constatação de que a busca
pessoal é o único meio eficaz para garantir a segurança de todos.
No caso da busca pessoal individual, quando de caráter preventivo, a
questão da igualdade de tratamento ganha maior relevo, eis que normalmente é
baseada na análise daquele que seleciona quem será sujeito passivo da revista.
Resolve-se o problema obedecendo a critérios que indiquem suspeição, observando
que a sujeição de todo um grupo à busca pessoal, como por exemplo, de todos os
condutores e passageiros de veículos que passarem em determinada via pública,
parece configurar abuso de autoridade, além de o procedimento apresentar-se
quase sempre impraticável.
igualitário e a ação apenas superficial, com a anuência do interessado, o que pressupõe seu prévio conhecimento quanto à imposição e a forma do ato. 109 FORTE, Edmilson. Policiamento preventivo: indivíduo suspeito, busca pessoal, detenção para averiguação, identificação de pessoas. São Paulo: Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar, monografia do CAO-I, 1998, p. 30.
90
A razoabilidade e a necessidade da medida é o que distingue a
situação anteriormente indicada como justa, de busca pessoal coletiva - no exemplo
do estádio de futebol - e a busca pessoal em que se imagina parar todos os veículos
que passem em determinada via, essa irregular na nossa avaliação, vez que não
razoável e desnecessária em situações comuns. Tem-se, por princípio, que somente
poderá haver restrição de direitos individuais, se o sacrifício for imprescindível para o
alcance do objetivo maior do bem coletivo e apenas nessa circunstância se aceita
como tolerável a intervenção do Estado com tal imposição na esfera da prevenção.
Por outro lado, a busca pessoal coletiva realizada em situações
específicas constitui fórmula de tratamento isonômico, enquanto a seleção sem
critérios para revista pode caracterizar conduta discriminatória e, por isso, atentatória
à dignidade humana. Nesse raciocínio, é o próprio caput do artigo 5º da Constituição
Federal, em sua primeira parte, que nos dá a orientação, espelhando o ideário de
igualdade que transformou a organização da sociedade, a partir das ideias do
iluminismo, movimento que pavimentou o caminho para a Revolução Francesa e a
Idade Contemporânea, em importante passo na história da humanidade, ou seja:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”
3.3.4 Tangibilidade corporal
Quanto à existência ou não de contato físico entre o agente e o
revistado, ou seja, de tangibilidade corporal, a busca pessoal pode ser classificada
como direta ou indireta. A forma direta é a mais comum no dia-a-dia da atividade
policial, particularmente nas buscas individuais.
A rigor, nem sempre é necessário o contato físico entre o buscador e o
sujeito passivo. Uma busca superficial pode ser realizada indiretamente, por
exemplo, por meio de dispositivos eletromagnéticos ou de análise molecular –
espectômetro - fixos (portais) ou portáteis (detectores manuais), em que o revistado
não é tocado. Por isso, utiliza-se a expressão busca pessoal indireta para esse
procedimento, no contexto da busca pessoal preliminar. Trata-se da mais discreta, e
hoje comum, revista praticada na entrada de ambientes públicos, em que o interesse
91
comum impõe maior garantia de segurança aos seus frequentadores, tal como
ocorre, por exemplo, no acesso de estabelecimentos prisionais, na portaria de
Fóruns e na área de embarque de aeroportos.
A propósito da busca pessoal indireta, a Lei nº. 10.792, de 1º de
dezembro de 2003, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal e da Lei
de Execução Penal, consignou em seu artigo 3º que os estabelecimentos
penitenciários disporão de aparelho detector de metais, aos quais devem se
submeter todos que queiram ter acesso a ele, ainda que exerçam qualquer cargo ou
função pública. Nesse caso, além de garantir maior segurança aos próprios
custodiados, funcionários e visitantes do estabelecimento, o procedimento imposto
evita a entrada de objetos que possam facilitar eventuais tentativas de fugas ou
resgates de presos.
Certo que a simples detecção magnética de objetos não substitui a
intervenção humana, ainda que ausente a tangibilidade corporal, em situações que
justificam revista mais detalhada, até porque um produto entorpecente ou explosivo,
por exemplo, não seria detectado pelo instrumento magnético auxiliar110.
Também no caso de passageiras de ônibus em deslocamento até os
estabelecimentos prisionais é comum, durante revista minuciosa desenvolvida por
policiais femininas em local reservado às margens da rodovia, a localização e
apreensão de drogas.
De outro lado, para casos específicos que envolvem a busca de
objetos com partes de metal, a busca indireta resolve, evitando-se a tangibilidade
corporal e o desconforto, tanto por parte do sujeito da busca, quanto por parte do
agente que a realiza. Exemplo disso é o uso de um novo equipamento nos
estabelecimentos prisionais femininos para a busca pessoal objetivando a
110 Existem também formas de burlar o detector de metais, como a que foi noticiada no jornal “Diário de Assis”, de 28 de fevereiro de 2008, pg. 5, em matéria sob o título “Luva seria usada para levar drogas e chip a presídio”: “Uma moça de 19 anos residente no município de Paraguaçu Paulista foi detida no Terminal Rodoviário da mesma cidade, onde tentava embarcar em ônibus transportando um chip e um celular embalados no dedo indicador de uma luva de borracha, artefato que costumam introduzir na vagina para ingressar no interior de presídios, porque este material pode não ser identificado pelo detector de metais. Por meio deste artifício, tentam levar drogas e componentes de telefonia móvel a parentes presos”.
92
localização de aparelhos celulares transportados pelas presas, conforme matéria
recentemente divulgada:
As 340 presas do estabelecimento passaram por um teste simples: sentar em um banco, por alguns segundos. Mas o resultado preocupou as autoridades do sistema penitenciário. Segundo os agentes penitenciários, nenhuma delas sabia do objetivo da ‘sentadinha no banquinho’ até o final do teste, quando 50 delas foram surpreendidas guardando celulares no canal vaginal, funcionando no vibra call. A banqueta, medindo 35 cm de altura e 30 cm de diâmetro no assento, é na verdade um detector de metal, com tecnologia digital e microprocessador. As 50 presas retiraram os celulares e, em fila indiana, entregaram os aparelhos aos agentes. Segundo informações da Secretaria de Justiça e Trabalho do Mato Grosso do Sul, o ‘banquinho’ foi aprovado e será utilizado também para revistas em visitas. Custou R$ 790,00 e foi pago com recursos do próprio presídio”111.
Apesar do uso cada vez mais comum de meios alternativos como
esteiras com raio x, detectores de metal, cães farejadores e outros recursos criados
pelo engenho humano, a busca pessoal indireta não se revela, por enquanto,
eficiente para substituir por completo a busca pessoal direta, realizada com o tato e
a visão, por conta da variedade de formas e composições dos objetos que são
ilegalmente transportados, alguns deles muito dissimuladamente.
Também a observação de sutis reações comportamentais, encontrando-
se o agente e o sujeito passivo frente a frente durante o procedimento, mesmo que
limitado ao plano visual, enriquece muito a busca pessoal. Por isso, é possível
afirmar que a tecnologia não conseguiu ainda alcançar o efeito obtido com a
tangibilidade corporal - própria da busca direta -, e a presença física do buscador,
em que pese o desenvolvimento de instrumentos que devem ser considerados, bem
por isso, como auxiliares para as iniciativas do agente competente, no contexto da
busca pessoal.
Ainda, por influência da linguagem médica, fala-se hoje na busca
pessoal ou revista “não-invasiva”, “invasiva”, “menos invasiva” ou “mais invasiva”
(comparando-se um ou outro método empregado) pela avaliação de eventual
agressão ao organismo humano objeto de revista minuciosa. Em razão do
111 Ibid, p. 89.
93
aprimoramento da técnica policial de busca, criminosos têm desenvolvido estratégias
para dissimular o transporte de objetos ilícitos, especialmente produtos
entorpecentes, em partes do próprio corpo, onde a visão comum e o tato na
superfície não podem detectar, ou seja, em cavidades corporais, no interior do
estômago (pela ingestão de cápsulas) e em incisões subcutâneas.
Além do transporte de cocaína no estômago, prática relativamente
comum nos itinerários de ônibus rodoviário entre o Mato Grosso do Sul e São Paulo,
e também no transporte aéreo internacional, já existem inclusive relatos de “cirurgias
plásticas” realizadas especialmente em mulheres para transporte de drogas mais
valiosas e de pouco peso em próteses inseridas no próprio corpo, em particular nas
coxas e nos seios112.
Sob esse enfoque, a busca tradicional na superfície do corpo do
suspeito constituiria uma busca não-invasiva. A inserção de qualquer instrumento no
organismo, para viabilizar a busca pessoal em vista de objetos escondidos no corpo,
constituiria uma busca invasiva. Já o uso do raio-x para descobrir a presença de
cápsulas, por exemplo, com produto entorpecente no estômago ou intestino de um
suspeito, é menos invasiva em comparação ao método anterior e vem sendo
utilizado com êxito por policiais militares rodoviários que suspeitam de passageiros
de ônibus rodoviários vindos de regiões produtoras de drogas.
Sem prejuízo da referida nomenclatura, que de modo suplementar
poderá ser útil, mantém-se o critério mais simples da presença ou não da
tangibilidade corporal, conforme exposto, para distinção das referidas espécies de
busca: a direta e a indireta, sob o prisma da ação humana (do agente da busca).
Deve-se levar em consideração que o esforço de classificação não tem um fim em si
mesmo, mas, constitui meio que dá suporte, pela organização, sistematização e
lógica, para aprofundado estudo do tema proposto e melhor compreensão da
realidade.
112 LIMA, Lincoln Oliveira. Vivendo e aprendendo! Assis: Triunfal. 2007, p. 79.
94
33..44 CCoommpplleexxiiddaaddee ddoo pprroocceeddiimmeennttoo ddee bbuussccaa eemm ôônniibbuuss
rrooddoovviiáárriioo
Entende-se como complexa a busca em ônibus rodoviário, em razão de
que as classificações propostas para a busca pessoal a ela se enquadram
pontualmente, conforme as características de cada ação policial. Complexa,
também, porque exige do agente, no campo prático: conhecimento pleno do que
procura e das formas comuns de dissimulação empregadas nesse meio de
transporte, capacitação para dar o correto encaminhamento dos casos de apreensão
com ou sem prisão, experiência e desenvoltura para enfrentar limitação de espaço
físico para circulação - dentro do ônibus - e habilidade para lidar, simultaneamente,
com um grupo quase sempre heterogêneo de pessoas já desgastadas pela viagem.
Por isso, a boa realização de busca em ônibus rodoviário é certamente
um grande desafio para qualquer força policial. Ao mesmo tempo, os resultados
apresentam-se surpreendentes e compensatórios, posto que o criminoso de média
inteligência procura agir exatamente no espaço em que pressupõe não ser
alcançado pela capacidade policial. No seu plano de ação, o criminoso explora
cuidadosamente os limites da intervenção do Estado e, desse modo: mulheres
simulam gravidez para transportar tabletes de maconha fixadas com fita crepe na
barriga; menores são empregados para dissimular transportes ilegais; bagagens
com identificações trocadas são usadas; produtos proibidos são escondidos nas
áreas comuns do veículo; estrangeiros fingem não compreender o que o policial fala
ou, simplesmente, fingem que estão dormindo; indivíduos descobertos com um quilo
de cápsulas de cocaína no estômago e no intestino hipotecam até 72 horas
ininterruptas da patrulha responsável pelo encaminhamento da ocorrência e outras
tantas situações difíceis que somente a experiência e o bom preparo profissional,
que envolve conhecimento jurídico, são capazes de solucionar113.
113 Relatos obtidos em entrevistas com os Sargentos chefes de equipes que procedem rotineiras fiscalizações em ônibus rodoviário na área do 2º BPRv, realizadas no primeiro trimestre de 2008 e também a lembrança de algumas situações vividas pelo autor durante acompanhamento de buscas no período de 2005 a 2008, no comando da 3ª Cia do 2º BPRv (sede em Assis).
95
Evidentemente que mesmo esse policial bem preparado, diante das
dificuldades encontradas na busca em ônibus rodoviário, somente agirá com
desenvoltura se sentir o apoio e o respaldo de seu respectivo comandante. Daí, a
importância de uma padronização de procedimentos na linha de ação policial,
instrução adequada e um persistente trabalho motivacional de iniciativa dos
gestores, nos seus respectivos níveis de comando.
3.4.1 Busca preventiva ou processual
A busca em ônibus rodoviário é preventiva na maior parte das vezes.
Para a garantia da segurança pública são selecionadas linhas, horários e veículos
de empresas supostamente utilizadas por criminosos para transportes ilícitos e,
assim, a suspeição também é caracterizada pelo histórico das apreensões recentes
e prisões de passageiros. Desse modo, o efeito preventivo é inquestionável. Durante
a busca originariamente preventiva, todavia, a partir do momento em que se localiza
objeto transportado ilegalmente ou objeto ilegal transportado, a busca passa a ter
imediatamente interesse processual.
Ainda sobre o efeito preventivo da busca em ônibus rodoviário, da
mesma forma que em outras buscas legítimas, existe a convicção quanto à sua importância
apesar da impossibilidade de mensurá-lo no que se refere aos crimes que foram
evitados pelo desestímulo do infrator diante da permanente e sistemática ação
policial. Sabe-se o quanto já foi apreendido nesse tipo de transporte e quantos
criminosos foram presos, mas não é possível quantificar, como resultado do efeito
preventivo, o quanto se evitou em termos de transporte de objeto de ilícito e outras
práticas criminosas.
Mas também podem ocorrer casos de buscas processuais originárias
em ônibus rodoviário, por exemplo, quando um serviço de inteligência policial
monitora um carregamento de drogas que se encontra em uma mala de determinado
passageiro. O crime é permanente (tráfico ilícito), enquanto dura os seus efeitos ao
longo do tempo gasto nesse transporte e a fundada suspeição (nesse caso,
praticamente a certeza) é individualizada, ou seja, recai sobre uma das pessoas. Por
isso, somente nesse caso seria justificável a busca em apenas um dos passageiros
com a respectiva bagagem e não em todos os passageiros, como é usual.
96
3.4.2 Busca preliminar ou minuciosa
Quanto ao rigor, a busca em ônibus rodoviário se caracteriza
precipuamente pela superficialidade, levando-se em conta o seu aspecto coletivo em
relação ao universo dos passageiros do respectivo ambiente. Se a busca é coletiva,
então, em regra e, por consequência lógica, ela é superficial. Em principio, portanto,
é classificada como preliminar.
Será motivada, todavia, uma busca mais detalhada a partir do encontro
de um objeto de ilícito transportado junto com o revistado ou em suas bagagens.
Assim, haverá fundada suspeita em nível tal que se justificará uma busca pessoal
com maior rigor e, nesse caso, caracterizar-se-á como processual, além de
individual e minuciosa.
Pode ocorrer, igualmente, situação em que o comportamento do
passageiro ou as circunstâncias em que ele é surpreendido no interior do ônibus
justifiquem uma busca pessoal mais cuidadosa, após a busca preliminar em que
nada foi localizado. Exemplo dessa situação é a verificação de existência de
antecedentes criminais, após consulta em face do documento apresentado pelo
passageiro e o seu nervosismo diante da ação policial, destoando do
comportamento dos demais passageiros. Ocorreria então, nessa hipótese, uma
busca pessoal preventiva, individual e minuciosa, em relação ao referido passageiro.
Já quanto à verificação das bagagens, não é possível distinguir formas
mais ou menos rigorosas de busca, salvo com auxílio de meios externos, como é o
caso do cão farejador. Então, por exemplo, uma busca superficial das bagagens
passaria apenas pela observação das reações do cão que a fareja, enquanto a mais
rigorosa implicaria na completa manipulação da mala, com a sua abertura e total
verificação do conteúdo, o que pode ser consequência natural do sinal característico
emitido pelo semovente, obviamente no enfoque da busca por droga.
Sem o uso de recursos complementares de verificação, em regra,
portanto, a verificação das bagagens seguirá o mesmo nível de rigor - igual para
97
todas - até mesmo levando-se em conta a característica coletiva da busca em ônibus
rodoviário, e a preocupação de se evitar atos que possam ser classificados, ou
simplesmente interpretados como discriminatórios.
3.4.3 Busca individual ou coletiva
Quanto ao sujeito passivo, conforme já indicado, a busca em ônibus é
normalmente coletiva. Interessante notar que a seleção do veículo é individual, pois
não seria razoável abordar e proceder busca em todos os ônibus rodoviários que
passassem em determinado local, além de impraticável.
Na busca de natureza preventiva, uma vez abordado o veículo - que
fora selecionado com base em critérios técnicos que envolvem análise preliminar de
probabilidade de uso para transportes ilícitos -, a inicial busca superficial deve recair
sobre todos os passageiros e bagagens, sob pena de caracterização de tratamento
discriminatório.
Mas, a seleção de um ou de outro passageiro para a busca pessoal
minuciosa também é possível, após a busca superficial em que nada é localizado,
isso em razão de comportamento do indivíduo que destoa do grupo, ou de
circunstâncias que motivam a desconfiança do policial experiente. Como visto, a
partir desse momento, a busca é individual, minuciosa e ainda preventiva, até que,
eventualmente, se localize algum objeto de ilícito, para então justificar interesse
processual.
Exemplo dessa situação é o caso típico de um ônibus que sai do Mato
Grosso do Sul com destino a São Paulo, com suspeita de transporte de alguns
usuários vindos da Bolívia com droga no estômago e abordado para fiscalização
pelo efetivo de policiamento rodoviário. Todos os passageiros passarão por uma
busca superficial e o policial experiente verificará ainda, com o tato, a rigidez do
estômago de alguns deles em atitude suspeita; com a visão observará as reações
comportamentais que indiquem desconforto e, com auxílio de lanterna, identificará
marcas de vermelhidão no interior da boca desses revistados com maior cuidado.
98
Partindo dessas observações, selecionará um ou dois indivíduos para serem
submetidos a exame de raio-x para possível detecção de transporte de cocaína no
estômago.
Mediante uso do critério de suspeição para realizar algumas buscas
pessoais minuciosas por ônibus abordado, sem prejuízo da busca preliminar, as
equipes têm alcançado êxito na localização de pequenas porções de droga dentro
de peças de vestuário íntimo e, também, no interior dos calçados de alguns
passageiros114.
Essa amostragem, para fins de busca minuciosa individual, com base
na observação de reações comportamentais suspeitas, é também conveniente
levando em conta a limitação da busca superficial inicialmente realizada nos
passageiros sentados, que é característica da busca em ônibus rodoviário.
3.4.4 Busca direta ou indireta
Quanto à tangibilidade corporal, poderá ocorrer o emprego de recursos
externos que evitam o contato físico entre o buscador e o sujeito passivo, a exemplo
de equipamentos de detecção magnética ou de análise de amostra molecular
(espectômetro), ou mesmo cães farejadores. Porém, como ainda não se inventou
equipamento que conjuga a detecção simultânea de peças de metal, de explosivos e
de drogas, entre outros, e ainda com a portabilidade e versatilidade exigida em uma
busca em ônibus rodoviário, quase sempre será empregado o recurso do tateamento
superficial, em busca preliminar e coletiva.
Em relação às bagagens especificamente, objeto importante da busca
em ônibus rodoviário, não há que estabelecer critérios de busca direta ou indireta,
pois a tangibilidade corporal que restringe direitos individuais, no caso, voltados à
intimidade, não se aplica ao contato físico do buscador em relação aos objetos
transportados e guardados. Pode ser caracterizado, no entanto, como de maior ou
114 Em 07 de fevereiro de 2008, as 04h 10min, a equipe TOR “A” da 3ª Cia do 2º BPRv, abordou ônibus de linha da empresa Nacional Expresso, itinerário Foz do Iguaçu X Brasília, em frente da Base Operacional de Assis (Km 445 da SP 270, Rodovia Raposo Tavares), e durante uma busca minuciosa em um dos passageiros que havia manifestado nervosismo durante a verificação preliminar, localizou dois pacotes de plástico com 500 g, cada um, de cocaína dentro dos respectivos tênis que estavam inclusive desamarrados. O indivíduo que “calçava cocaína”. era paraguaio, com 23 anos de idade e foi preso em flagrante por tráfico (fonte: MENSAGEM Nº 2BPRv-358/230/08, 07FEV08).
99
menor rigor, respectivamente, nos casos de abertura ou não da mala, quando do
emprego de recursos externos de apoio.
Se o foco da busca é a localização de drogas, o cão farejador e o
espectômetro funcionam muito bem a ponto de se economizar a energia que seria
gasta com a abertura e manipulação dos objetos guardados nas malas. Ocorre que,
nesse caso, por exemplo, nunca seria localizado um revólver ilegalmente
transportado. Ainda, não é aconselhável adentrar no ônibus com um cachorro para
realização da busca coletiva preliminar, mesmo sob pretexto de evitar a tangibilidade
corporal, por ser considerada tal medida por demais agressiva e sem justificativa de
ordem prática, pois, no senso comum, o tateamento na busca preliminar implicaria
menor desconforto.
33..55 SSuujjeeiittooss ppaassssiivvooss ddaa bbuussccaa ppeessssooaall
Convém aprofundarmos o estudo da busca pessoal, sob o prisma
daquele em quem se realiza a revista, ou seja, o sujeito passivo da busca pessoal. A
verificação dos objetos por ele portados, ou o interior do veículo que os transporta
(a ele e a seus pertences) são consideradas ações complementares da mesma
busca. Naturalmente, o foco principal sempre será a pessoa; tanto, que a vinculação
da propriedade em relação a algum objeto ilicitamente transportado e localizado no
bagageiro de um ônibus, por exemplo, é condição para a realização da prisão em
flagrante. Sem autoria definida, não há como se imputar a prática do crime.
Observa Rogério Lauria Tucci, em sua definição de sujeito passivo da
busca:
Tendo como finalidade, a busca e apreensão, ‘a tomadia de uma pessoa ou coisa’, sujeito passivo da mesma é o titular da esfera de posse, quer pessoal, quer ambiental, sobre quem recai a suspeita de localizar-se a pessoa ou coisa procurada; também, qualquer indivíduo, mesmo estranho ao fato criminoso que se pretende apurar115.
115 TUCCI, op. cit., p. 79.
100
3.5.1 Busca pessoal em menor
A lei não impede a realização da busca pessoal em indivíduo menor de
dezoito anos. Recomenda-se, todavia, que seja procedida a revista na presença dos
pais ou do responsável pela criança ou adolescente, ou então, desde que disponível,
em presença de testemunha que verificará a lisura do ato praticado sobre aquele
que não tem, em tese, o seu desenvolvimento físico e psicológico completo.
Cuidado especial nas relações com criança ou adolescente é
exatamente o que buscou garantir a Lei Federal n. 8.069/90 (o Estatuto da Criança e
do Adolescente). Conforme observa Valter Kenji Ishida: “Um dos direitos básicos
assegurados à pessoa, e em especial, à criança e ao adolescente é o direito ao
respeito, visando à manutenção da integridade física, psíquica e moral. Para tanto,
são mencionados no ECA dispositivos que buscam manter esta integridade”116.
Não convém ao intérprete da lei restringir aquilo que o próprio
legislador não limitou, quando se trata das necessárias ações que a força pública
deve desenvolver em defesa da sociedade. Observe-se que o art. 178 do Estatuto
proíbe o transporte do menor a quem se atribua autoria de ato infracional no
compartimento fechado das viaturas policiais117, mas não proíbe a sua condução,
nessas circunstâncias, no banco das viaturas, e nem proíbe a sua sujeição à busca
pessoal e ao uso de algemas, inclusive, evidentemente em sendo realizadas tais
intervenções com respeito aos princípios da legalidade e da razoabilidade.
3.5.2 Busca pessoal em mulher
A busca pessoal em mulher será realizada por outra mulher, desde que
tal procedimento não importe retardamento ou prejuízo da diligência, é o que
116 ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Atlas. 2. ed., 2000, p. 38. 117 Diz o Art. 178 do ECA: “O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não
pode ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em
condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade.”
101
determina o art. 249 do Código de Processo Penal. O Código usa exatamente a
expressão busca em mulher, concluindo-se que, nesse ponto, ele trata da “busca
pessoal realizada em mulher” nas condições do seu art. 240.
O texto do artigo 249 foi praticamente copiado da legislação italiana
vigente na época, especificamente do art. 35, nº 2, do nominado “Codice di
Procedura Penale”, de 1930, que estabelecia: La perquisizione sul corpo di una
donna è fatta e seguire da un’altra donna, quando ciò è possibile e non importa
ritardo o pregiudizio per la operazione118.
Em termos práticos, como única interpretação possível do texto legal,
pode-se dizer que, se não houver policial feminina pronta para a realização da busca
pessoal em mulher e, se somada a tal circunstância, o chamamento de uma policial
importar em atraso ou prejuízo à diligência, então a revista em mulher poderá ser
procedida por policial masculino, sem a incidência de abuso de autoridade.
Obviamente que quase sempre ocorrerá atraso ou prejuízo da
diligência, como consequência de uma mobilização de policial feminina para
realização de uma busca pessoal, quando ela não se encontra pronta e disponível
para esse fim. Daí porque alguns autores defendem que o dispositivo é dispensável,
eis que acaba funcionando apenas como recomendação e não impede a realização,
por homem, de busca pessoal em mulher, se inevitável, diante do critério
estabelecido.
Por outro lado, pode ser questionada a desigualdade de tratamento
dispensado ao homem em relação à mulher, uma vez que não se estabeleceu no
mesmo Código que a revista em homem deveria - de modo equivalente - ser
realizada por outro homem, também na medida do possível. Tal raciocínio poderia
parecer despropositado no passado, tanto em função do pensamento comum,
quanto da ausência de policiais femininas, mas hoje não; sabe-se que, atualmente,
existe um expressivo contingente de policiais femininas trabalhando em atividade
estritamente operacional, área em que, até algum tempo, atuavam apenas policiais
masculinos.
118 Art. 35, nº 2, do “Codice di Procedura Penale”, de 1930. Já o “Codice di Procedura Penale”, de 1988, hoje vigente, não reproduz o dispositivo, estabelecendo no seu art. 249, por outro lado, que o revistado (ou a revistada) será cientificada antecipadamente da faculdade de se fazer acompanhar, durante o procedimento, por uma pessoa de sua confiança, nos seguintes termos: 1. Prima di procedere alla perquizicione personale è consegnata una copia del decreto all’interessato, com l’avviso della facoltà di farsi assistere da persona di fiducia...
102
O próprio caput do art. 5o da Constituição Federal que estabelece:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza..., sendo o artigo
ainda mais explícito em seu inciso I: homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações nos termos desta Constituição. Por isso, concordamos com a posição de
Guilherme de Souza Nucci que faz o seguinte comentário sobre o art. 249 do CPP:
“Espelha-se, nesse caso, o preconceito existente de que a mulher é sempre objeto
de molestamento sexual por parte do homem, até porque não se previu o contrário,
isto é, que a busca em homem seja sempre feita por homem”119.
Oportuno verificar que os diplomas internacionais de direitos humanos
dedicados à defesa da mulher procuram erradicar a discriminação ao sexo feminino
e a violência contra as mulheres. Buscam alcançar a igualdade de tratamento em
direitos e oportunidades, com respeito à diferença e, em nenhum momento, se
apegam à ideia de qualquer prerrogativa em razão de maior fragilidade ou
sensibilidade eventualmente atribuídas ao sexo feminino, ou seja, estabelecem que
as mulheres têm, exatamente, os mesmos direitos que os homens.
Conforme indicam Helena de Faria e Mônica de Melo:
Embora os principais documentos internacionais de direitos humanos e praticamente todas as Constituições da era moderna proclamem a igualdade de todos, essa igualdade, infelizmente, continua sendo compreendida em seu aspecto formal e estamos ainda longe de alcançar a igualdade real, substancial entre mulheres e homens” 120.
Tanto o homem, quanto a mulher, revistados por homem ou por
mulher, sofrerão ilegal constrangimento, caso a busca pessoal não seja legítima. De
outro lado, por exemplo, a usual busca pessoal preliminar tecnicamente realizada
por policial masculino sobre as vestes de uma mulher, mediante toques precisos,
discretos e não direcionados às partes íntimas, ainda que cause certo
constrangimento - compreensível pela circunstância da revista em si mesmo
considerada - não significará agressão à condição feminina da pessoa revistada.
Dessa forma, inclusive, no histórico recente do policiamento rodoviário
no Estado de São Paulo, foi possível localizar em diversas oportunidades tijolos de
maconha fixados com fita crepe em torno da barriga de mulheres que simulam
119 NUCCI, op. cit., p. 59. 120 DE FARIA, Helena Omena Lopes e MELO, Mônica de. Convenção sobre a eliminação de
todas as formas de discriminação contra a mulher e convenção para prevenir, punir e
erradicar a violência contra a mulher. Direitos Humanos: Construção da Liberdade e da Igualdade. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 2000, p. 373.
103
gravidez dentro de ônibus rodoviários em deslocamento, além da fixação nas
pernas, nos braço e outros pontos superficiais, tendo a roupa por disfarce121.
Importante notar que não há registros de casos em que a prova colhida foi
invalidada, ou o buscador respondeu por abuso de autoridade.
O mesmo não se pode afirmar quanto à busca minuciosa, em que a
restrição dos direitos individuais, em maior grau, também é proporcional ao nível de
suspeita (sempre fundada). Impõe-se, nesse caso, maior cautela quanto à proteção
da intimidade da revistada (ou do revistado), não sendo tolerável que o agente da
busca, homem, reviste minuciosamente uma mulher e vice-versa. A devassa à
intimidade, nesse caso, é tão evidente que se conclui razoável condicioná-la a uma
busca realizada por pessoa do mesmo sexo (daquela que é submetida à revista),
sob qualquer hipótese, ainda que tal garantia não se encontre estabelecida no
Código de Processo Penal. Também é essencial a realização da busca minuciosa
em local reservado, em qualquer situação.
Note-se que a própria Constituição Federal apresenta, como um de
seus fundamentos, o devido respeito à dignidade da pessoa humana em seu art. 1o,
inciso III, além de estabelecer a proibição de tratamento degradante, bem como a
devida proteção à intimidade (art. 5o, incisos III e X). Portanto, no caso da busca
pessoal minuciosa, o inevitável constrangimento somente será tolerável se forem
adotadas todas as cautelas necessárias para a sua minimização.
Finalmente, no caso da busca não minuciosa (preliminar), o
Procedimento Operacional Padrão de busca pessoal em vigor prescreve a fórmula,
nos seguintes termos:
Se a pessoa abordada for do sexo feminino, e não for possível a presença de um policial militar feminino, o policial militar deverá solicitar a uma pessoa, preferencialmente do sexo feminino (se houver), que servirá de testemunha, selecionada dentre o público presente, que acompanhe, visualmente, de posição segura, a realização da busca pessoal, dando prosseguimento à ação122.
Não há, portanto, conflito entre o procedimento policial adotado e a
prescrição do Código de Processo Penal. No caso de necessidade de busca
121 Informações obtidas em séria de entrevistas realizadas com Sargentos Chefes de Equipe TOR – Tático Ostensivo Rodoviário no âmbito da 3ª e da 5ª Companhia do 2º BPRv, no 1º trimestre de 2008. 122 POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 6ª EM/PM. Procedimento Operacional
Padrão (POP) 1.01.06, Busca Pessoal, revisto em 11 de abril de 2006, nível de padronização: geral.
104
minuciosa, mesmo no distrito policial, certamente poderá ser acionada uma policial
(militar ou civil) que se encarregue da busca minuciosa, sem maiores dificuldades.
3.5.3 Busca pessoal em autoridades diversas
A lei não restringe a busca em relação a sujeitos passivos que
desempenhem função pública. Portanto, não existe prerrogativa em razão de cargo
ou função para deixar de submeter-se à revista, quando esta se apresenta
legitimada no cumprimento da lei ou na garantia da segurança pública. Porém, por
lógica jurídica, quando se trata de busca pessoal individual, a autoridade que possui
imunidade parlamentar ou diplomática para não ser presa em flagrante não será alvo
de busca pessoal, pois, quem pode o mais - deixar de ser preso em flagrante -,
naturalmente pode o menos, ou seja, deixar de se submeter à busca pessoal123.
Na situação de busca individual, desde que configurada a fundada
suspeita, verificada a prisão em flagrante, ou a busca domiciliar, encontrar-se-á
legitimada a busca pessoal. Todavia, tratando-se o sujeito passivo de autoridade
judiciária ou policial, de representante do Ministério Público, ou advogado, todos em
exercício da função, deverão ser acionados os respectivos chefes, superiores ou
representantes, para acompanhamento ou eventual avocação da diligência, se esta
também for de sua competência.
33..66 HHiippóótteesseess ddee aabbuussoo ddee aauuttoorriiddaaddee
Compulsando o Código Penal, Decreto-lei n.º 2.848 de 1940, encontra-
se o art. 350 sob o título “exercício arbitrário ou abuso de poder”. A descrição original
do crime, no entanto, foi praticamente reproduzida no art. 4º da lei 4.898/65, que
regulou o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa,
123 Interessante notar que, nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independe de mandado no caso de prisão. Portanto, o ato de prender constitui ação principal e a busca pessoal é ação acessória, nessa
105
civil e penal, nos casos de abuso de autoridade. Ainda, o art. 3º da lei de 1965
ampliou o número de situações abrangidas pela prática de abuso de autoridade.
De acordo com Júlio Fabrini Mirabete, amparado em pesquisa
jurisprudencial:
Pode-se afirmar, pois, que os crimes de exercício arbitrário ou abuso de poder previsto do art. 350 foram absorvidos e, portanto, revogados, pela Lei nº 4.989, de 1965, sob a denominação de abuso de autoridade (RT 394/267, 405/417, 489/354, 504/379, 520/466, 558/322)124.
As limitações impostas pela observância dos direitos e garantias
constitucionais, particularmente estabelecidas no art. 5º da Constituição Federal,
encontram-se especificadas no art. 3º e 4º da Lei 4.898/65 como verdadeiros freios à
atuação policial, aplicáveis ao procedimento de busca, sob pena de incorrer o
agente em crime de abuso de autoridade.
De acordo com Fábio Bellote Gomes: “Assim, ocorre o abuso de poder
ou abuso de autoridade quando o agente público, embora competente, ao executar
ato administrativo, excede os limites de suas atribuições legais na prática do ato”125.
Tratando-se da busca em ônibus, como uma das formas possíveis de
busca veicular, e esta como extensão de busca pessoal - no caso dirigida a quem se
encontre no interior do veículo de transporte coletivo -, vislumbram-se as hipóteses
de configuração de abuso de autoridade idênticas àquelas relacionadas estritamente
à busca pessoal. Observa-se, a propósito, que a doutrina e a jurisprudência têm
reconhecido a legitimidade da ação preventiva da Polícia Militar em buscas
veiculares, a partir de abordagens em veículos de transporte individual ou coletivo,
justificável pelo desempenho de sua missão constitucional, razão pela qual o abuso
de autoridade constitui exceção e não a regra nesses casos:
ABUSO DE AUTORIDADE. Vistoria em veículos. Apreensão de
mercadoria descaminhada. Não constitui atentado à liberdade de
situação, eis que decorrente e justificada na primeira. Leva-se em conta, nesse caso, o objetivo da persecução penal e, sob esse prisma, tal busca pessoal possui originariamente natureza processual. 124 MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1995, v. 3, p. 418. 125 GOMES, Fábio Bellote. Elementos de direito administrativo. Barueri: Manolo, 2006, p. 42.
106
locomoção e nem ofensa à honra e ao patrimônio de pessoa,
definidas como crimes de abuso de autoridade, a ação de policiais
destacados por seus superiores para, em barreiras em rodovias,
efetuarem vistorias em veículos, de transporte individual ou coletivo,
em função de prevenção e repressão de delitos, até por exercida no
estrito cumprimento de dever legal. (Rec. Crim. n.º 1.456-PR. TRF, 1ª
T., Rel. Min. Dias Trindade, j. 8.11.88. DJU 5.12.88, p. 32.075).
Nessa linha de raciocínio, com base na citada legislação especial,
pratica abuso de autoridade o agente que procede à busca pessoal e atenta, sem
razoável motivo, primeiramente contra a liberdade de locomoção do revistado (inciso
XV, do art. 5º e alínea “a”, do art. 3º). Considera-se que o procedimento impõe
necessária restrição ao denominado “direito de ir e vir”, mormente, quando enseja a
condução ao Distrito Policial a pretexto de “averiguação”, o que, nesse caso,
também configuraria indevida privação de liberdade (inciso LIV, do art. 5º da CF),
conforme indica o julgado:
ABUSO DE AUTORIDADE - Condução injustificada de testemunha ou indiciado - Ausência de flagrante delito ou situação imediata que justifique confirmação de identidade física e verificação de antecedentes - Caracterização: 8 - A prática comum de condução injustificada de testemunha ou indiciado por Investigador de Polícia ou Policial Militar é francamente ilegal se não há flagrante delito ou situação imediata a justificar confirmação de identidade física e verificação de antecedentes a fim de se saber de eventuais mandados de prisão, sendo que, para fins de inquérito policial, eventuais suspeitos só teriam obrigação de comparecimento após intimação regular. (Apelação nº 1.013.925/4, Julgado em 01/08/1.996, 1ª Câmara, Relator: - Damião Cogan, RJTACRIM 32/87).
Atualmente, o efetivo policial-militar dispõe de instrumento eficiente
para verificação imediata de eventual situação criminal do sujeito da busca, a partir
dos dados de simples documento de identidade, utilizando-se dos denominados
sistemas de pesquisa on line. Portanto, o revistado somente será conduzido do local
original da busca, se com ele for encontrado - ou em sua bagagem - algum objeto de
ilícito, nesse caso, na condição de preso em flagrante, ou se for verificada alguma
pendência em pesquisa preliminar, tal como um mandado de prisão a ser cumprido,
ou na hipótese de se encontrar na situação de foragido de estabelecimento prisional.
107
Em favor do sujeito passivo da busca, que se vê vítima de abuso, pode
ser empregado um remédio especialmente previsto da Constituição Federal, art. 5º,
inciso LXVIII, o habeas corpus. Assim, havendo por parte do agente insistência na
prática abusiva, ou seja, reiteradas abordagens na mesma pessoa para a busca,
mediante a escolha sem justa causa do mesmo veículo que sempre passa por
determinado ponto de constante fiscalização, com indevida imposição ao revistado
de permanência por mais tempo que o necessário, considera-se cabível a
impetração de habeas corpus, na hipótese preventivo, nos termos do art. 647, do
CPP, com solicitação à autoridade competente de expedição de salvo conduto126.
Pratica abuso de autoridade, também, o agente que procede à busca
pessoal atentando contra a incolumidade física do revistado (incisos III e XLIX, do
art. 5º e alínea “i”, do art. 3º da Lei 4.898/65), em razão de que o procedimento deve
ser desenvolvido, em princípio, de forma a não causar qualquer prejuízo físico em
quem a ele for submetido. Imagine-se, por exemplo, uma busca pessoal em que o
agente, a pretexto de impor respeito ao revistado, lhe atinja um golpe, ou, então,
uma busca pessoal procedida mediante auxílio de cães farejadores, incitados pelo
buscador a agir de modo agressivo, vindo a provocar lesão no revistado.
Ainda, pratica abuso de autoridade o agente que realiza a busca
pessoal submetendo pessoa a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei,
indevidamente causando-lhe prejuízo moral (incisos III, X e XLIX, do art. 5º, da CF e
alíneas “b“ e “h” do art. 4º da Lei 4.898/65). Na verdade, não há quem se sinta
confortável ao ser revistado; o ato da busca pode provocar certa restrição à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, em razão da sujeição à interferência
alheia na esfera da individualidade e da tangibilidade corporal, somente tolerável na
medida do que seja necessário e razoável, observado o estrito cumprimento do
dever legal. Portanto, a integridade moral do revistado, objetiva e subjetiva, deve ser
preservada ao máximo pelo buscador, dispensando-lhe tratamento digno sem
prejuízo da efetividade do ato, de modo a minimizar eventual dano decorrente do
legítimo procedimento.
126 Código de Processo Penal, art. 647: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar”.
108
Assim, por exemplo, a revista minuciosa deve ser realizada em local
reservado e somente em situações particulares que justifiquem uma maior restrição
de direitos individuais. Já a revista em mulher deve ser realizada por outra mulher,
se tal providência não importar retardamento ou prejuízo da diligência, nos termos
do art. 249, do CPP e, pelo princípio da igualdade estabelecida entre homens e
mulheres, com base no inciso I, do art. 5º, da CF, também a revista em homem deve
ser realizada por outro homem, sempre que possível.
Cuidando-se da busca pessoal originariamente preventiva, ou seja,
com impulso legitimado pelo exercício do poder de polícia, como é o caso, em regra,
da busca em ônibus rodoviário, o procedimento policial encontrará limites nos
mesmos termos do parágrafo único, parte final, do art. 78, do Código Tributário
Nacional, que traz definição do poder de polícia, quanto ao modo em que deverá ser
desenvolvido: “...tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem
abuso ou desvio de poder”.
No ensinamento de Álvaro Lazzarini, observado o aspecto da
competência legal do órgão que se propõe a desenvolver a atividade e, respeitadas
as garantias constitucionais, como critério de legalidade do ato, existem mais dois
critérios limitadores do exercício do poder de polícia: o da realidade e o da
razoabilidade127. Nesse raciocínio, vislumbra-se que o direito não lida com o irreal,
devendo as normas serem aplicadas às peculiaridades do caso concreto, como mais
um sistema de limitação do poder. Já o critério da razoabilidade do ato auxilia na
distinção entre discricionariedade e arbitrariedade, levando em consideração a sua
finalidade e a relação de equilíbrio entre a pretensão do Poder Público e o objetivo
específico da lei.
Sobre a necessidade de emprego da força e a eventual prática de
abuso de autoridade, Hely Lopes Meirelles adverte:
Realmente, todo ato de polícia é imperativo para o seu destinatário,
admitindo até mesmo o emprego da força pública para o seu
cumprimento, quando resistido pelo administrado, mas, todavia, não
legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à resistência
127 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 53.
109
oferecida. Em tal caso, a conduta do mandante pode caracterizar-se
em excesso de poder e abuso de autoridade, ensejadores de
responsabilidade administrativa, civil ou criminal, para o agente
arbitrário128.
Por fim, no que se refere à competência, sendo o autor do abuso de
autoridade militar, federal ou estadual, responderá pelo crime na Justiça Comum e
não na Justiça Militar, conforme teor da Súmula 172 do STJ: “Compete à Justiça
Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que
praticado em serviço”. Nesse sentido, orientam-se dois julgados de interesse:
COMPETÊNCIA - Crime de abuso de autoridade cometido por Policial Militar no exercício de suas funções - Entendimento. - Inteligência: art. 3º, I da Lei 4.898/65. 85 - Compete a Justiça Comum e, não, a Justiça Militar o julgamento de crime de abuso de autoridade, previsto na Lei nº 4.898, de 1965, praticado por Policial Militar no exercício de suas funções, porquanto inexiste no Código Penal Militar figura típica semelhante. (Habeas Corpus nº 209.482/4, Julgado em 16/07/1.991, 4ª Câmara, Relator: Oliveira Ribeiro, RJDTACRIM 11/158). INQUÉRITO POLICIAL - Instauração, na Polícia Civil, para apuração de crime de abuso de autoridade praticado por Policial Militar - Constrangimento ilegal - Inocorrência: 141 - Inocorre constrangimento ilegal na instauração de Inquérito Policial, para apuração de crime de abuso de autoridade praticado por Policial Militar, pois tal delito não é previsto na Legislação Castrense, devendo portanto ser apurado pela Autoridade da Polícia Civil que exerça as atividades de Polícia Judiciária. (Recurso de Habeas Corpus nº 1.095.325/5, Julgado em 19/03/1.998, 16ª Câmara, Relator: Carlos Bonchristiano, RJTACRIM 37/501).
128
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 84.
44 PPRROOPPOOSSTTAA
No encerramento desse trabalho, propõe-se a adoção de um
procedimento operacional padrão setorial para busca em ônibus rodoviário,
acompanhando o esforço organizacional em eliminar possibilidades de erros e
garantir máxima qualidade das ações policiais. Ao mesmo tempo, oferece-se ao
policial militar, rodoviário ou não, instrumento para sua segurança operacional no
desenvolvimento da busca.
Em vista do padrão estético do documento “procedimento operacional
padrão” caracterizar-se pela objetividade, contendo somente as informações
essenciais, é importante aprofundar a análise dos seus aspectos práticos, com
explicações complementares, conforme tópicos seguintes.
44..11 PPllaanneejjaammeennttoo ddaa aaççããoo ee sseelleeççããoo ddee ôônniibbuuss
O planejamento da ação e a seleção dos ônibus que se pretende
fiscalizar antecedem o procedimento próprio de busca, a fim de que este se
desenvolva com segurança e maior possibilidade de êxito quanto à localização de
objetos de ilícito, prisão de criminosos e captura de procurados pela Justiça.
No primeiro momento, devem-se coletar os dados acerca das
características do ônibus rodoviário de interesse, de linha regular ou de fretamento,
verificando sua descrição visual, seu itinerário, os horários de circulação, sentido e
outros dados disponíveis.
Também nesse levantamento preliminar, é fundamental verificar as
características comuns dos infratores e o seu modo de operação, a partir dos
registros de apreensões anteriores. Na inexistência de registros de ocorrências na
própria área, informações importantes podem ser coletadas na região mais próxima,
observando-se o eixo rodoviário utilizado pelos ônibus em observação.
Capítulo
111
Nesse enfoque, é relevante conhecer detalhadamente as linhas de
ônibus com transporte de passageiros em situação suspeita, mantendo-se relação
atualizada das empresas, itinerários e horários de início da viagem, a partir de local
reconhecido como fornecedor de drogas, de armas, de material de contrabando ou
descaminho, entre outros objetos de ilícito. Também é importante identificar
possíveis ônibus de linhas intermunicipais que sejam usados por traficantes para
escapar da fiscalização.
Ainda nessa fase devem ser identificados, com referência à área
geográfica de ação, os locais adequados para a abordagem. Eles devem possuir
facilidades para pronta comunicação (sinal de rádio e telefone fixo), boa iluminação
para o caso de busca à noite e visibilidade para facilitar a ordem de parada, bem
como espaço de recuo preferencialmente coberto, isto é, além do acostamento, para
permitir a verificação do bagageiro sem risco de atropelamentos. Também são
necessárias instalações reservadas, onde se possa realizar uma eventual busca
pessoal minuciosa, em casos de fundada suspeita que recaia sobre indivíduo que se
encontra no interior do ônibus. São locais que atendem essas necessidades, por
exemplo, as Bases Operacionais de policiamento rodoviário, as praças de pedágio,
ou mesmo algum pátio de postos de serviço e abastecimento com boa infraestrutura.
Nessa etapa inicial, constitui atividade de extrema importância a coleta
de todas as informações disponíveis, inclusive quanto às características dos ônibus
de fretamento ou mesmo os clandestinos, ambos popularmente chamados de
“turismo”, com atividade suspeita. O erro pode advir da reunião de informações
preliminares incorretas, imprecisas ou insuficientes que influem em escolhas
equivocadas.
A escolha dos ônibus de linha regular que prioritariamente serão
parados para fiscalização deve alternar entre as empresas relacionadas nos
itinerários de interesse, a fim de que o foco da ação policial não seja dirigido apenas
a uma ou outra empresa, e o efeito preventivo, além da repressão ao crime, seja
alcançado de forma plena. Dessa forma, também haverá tratamento igualitário em
relação às empresas de transporte de passageiros.
Uma vez definido o local e o objeto da busca, escolhem-se as melhores
datas e os melhores horários para o êxito da ação policial. Na hipótese de uma
operação específica, ou seja, diversa da fiscalização rotineira, a definição do
112
momento da abordagem deve ocorrer com a menor antecedência possível para
aproveitamento do fator surpresa. Nesse caso, o vazamento da data, do horário e do
local planejados pode comprometer os resultados, particularmente no caso dos
ônibus de fretamento. Soma-se a esse fator a circunstância de que não é incomum o
monitoramento das atividades das equipes em serviço, por meio de escutas
clandestinas da rede rádio de características analógicas e o uso de batedores ou
escoltas dissimulados para auxiliar os motoristas de ônibus fretados a escaparem da
fiscalização, mediante utilização de desvios ou realizando paradas estratégicas,
conhecidas como “de espera”, ou seja, para aguardar o encerramento da ação
fiscalizadora.
Nota-se que nem sempre a sequência da fiscalização será obedecida,
em razão de que um ônibus que seria fiscalizado pode passar exatamente no
momento em que outro começou a ser fiscalizado. Se isso ocorrer, o encarregado da
equipe deve comunicar o ponto de fiscalização mais próximo, no eixo rodoviário em
que o segundo ônibus prosseguiu, a fim de que, eventualmente, seja realizada a
busca mais adiante, por outra equipe.
Pretende-se, afinal, que o policial militar envolvido na fiscalização
obtenha previamente todos os dados necessários ao desenvolvimento da busca e,
naturalmente, seja treinado e orientado para esse fim, alcançando-se um bom
aproveitamento do recurso humano. Também, espera-se que o local e horário da
ação sejam definidos de modo criterioso e que os ônibus selecionados e abordados
reúnam características que possam identificá-los como em situação suspeita.
Diante desses objetivos a serem atingidos por meio da fase de
planejamento, caso o chefe da equipe, já em atividade de fiscalização, verifique
equívoco nas escolhas de momento, local e seleção preliminar, ou mesmo
divergências quanto às informações colhidas, deverá suspender a movimentação
policial e agendá-la para nova oportunidade, apurando, de qualquer modo, as falhas
que a inviabilizaram, a fim de propiciar ações corretivas.
O tempo chuvoso também pode prejudicar o andamento da busca,
ensejando o seu cancelamento, no caso de inexistência de local coberto para a
verificação do bagageiro do ônibus.
113
44..22 AA bbuussccaa pprroopprriiaammeennttee ddiittaa
A ação policial se inicia com a abordagem do ônibus rodoviário
previamente selecionado, no caso de linha regular, ou ônibus identificado
instantaneamente como em situação suspeita nos demais casos (fretamento ou
clandestino). A ordem de parada regulamentar é o gesto apresentado pelo policial
indicando que o veículo em movimento deverá interromper o seu curso e parar no
local por ele indicado, ou seja, afastado do fluxo de trânsito.
O CTB traz em seu anexo II (Sinalizações), item 6 (gestos), a descrição
visual do sinal básico a demonstrar um agente de trânsito com o braço direito
levantado, voltado para o sentido do fluxo do veículo, ou dos veículos, que são o
objeto da sinalização, e o seu significado descrito como: “ordem de parada
obrigatória para todos os veículos. Quando executada em intersecções, os veículos
que já se encontram nela não são obrigados a parar”129.
Raramente ocorre a não obediência à ordem legítima, nesse caso,
emanada pelo agente da autoridade de trânsito identificado prontamente pelo uso do
uniforme, apresentada por meio de gesto, com ou sem o complemento de sinal
sonoro (apito). A recusa de parada traz como consequência imediata a configuração
de infração de trânsito estabelecida no art. 208 do CTB: “avançar o sinal vermelho
do semáforo ou o de parada obrigatória”, infração gravíssima, com penalidade de
multa, se não configurada a existência de “bloqueio viário policial”. Caso seja
configurada esta última intervenção policial, caracterizada como operação planejada
e coordenada, caberá uma autuação ainda mais onerosa para o infrator, qual seja, a
do art. 210: “transpor, sem autorização, bloqueio viário policial”, igualmente
gravíssima, mas passível de multa, apreensão do veículo e suspensão do direito de
dirigir como penalidade e, como medida administrativa, remoção do veículo e
recolhimento do documento de habilitação.
129 O próprio CTB (lei federal 9.503, de 1997), indica no seu art. 97 os tipos de sinais de trânsito existentes: “Art. 87. Os sinais de trânsito classificam-se em: I - verticais; II - horizontais; III - dispositivos de sinalização auxiliar; IV - luminosos; V - sonoros; VI - gestos do agente de trânsito e do condutor” (grifo nosso) e, ainda, quanto à hierarquia desses sinais, no seu art. 89, inciso I, estabelece que: “A sinalização terá a seguinte ordem de prevalência: I - as ordens do agente de trânsito sobre as normas de circulação e outros sinais (...)” (grifos nossos).
114
A par das consequências administrativas da infração, quanto ao
desrespeito da ordem de parada, a conduta traz imediata avaliação de
comportamento altamente suspeito do motorista, que opta por tentar escapar da
premente fiscalização, desobedecendo à ordem inicialmente na área de trânsito. A
busca, nesse caso, deve ser desenvolvida com maior acuidade possível, pois a
conduta pode indicar uma tentativa de escapar da fiscalização na área de polícia de
segurança, especialmente, se não existir qualquer outra irregularidade relacionada
ao trânsito ou às normas específicas de transporte coletivo, além do desrespeito ao
gesto do policial.
Ainda, existem casos em que não é necessária a ordem de parada,
como nos seguintes exemplos: por algum motivo o motorista encosta o ônibus no
local exato em que a equipe realiza fiscalizações; quando a abordagem ocorre em
um posto de abastecimento em que se localize o ônibus de interesse já parado e
com os passageiros ainda embarcados; quando por problemas mecânicos o ônibus
se encontre parado no acostamento; quando a abordagem ocorre em uma estação
rodoviária antes da partida do ônibus, ou quando se dá na sua chegada ao ponto de
destino, em razão de alguma informação recebida. Na situação do ônibus já parado,
não há registros de recusa em abrir a porta ou de impedimento da entrada dos
policiais.
Uma vez parado o ônibus, o encarregado da equipe solicita ao
motorista a documentação relativa ao trânsito e ao transporte coletivo, para
verificação. Na sequência, solicita que acenda as luzes internas, para início da
primeira etapa da busca, que consiste em verificação na parte interna do ônibus.
Caso o veículo possua janelas que permitam a abertura pelos passageiros,
normalmente em modelos mais antigos e sem ar condicionado, os policiais devem
permanecer atentos nesse momento à possibilidade de arremesso, para fora do
ônibus, de objetos ilegalmente transportados.
Na sequência, três policiais militares adentram ao coletivo: o
encarregado da equipe, o segurança e o buscador130. Então, posiciona-se o
encarregado na porta à frente dos passageiros e os outros dois no final do corredor,
130 Quanto à segurança externa, deve haver pelo menos mais um policial bem posicionado e armado para esse fim. Na maioria das buscas em ônibus rodoviário, conta-se com o apoio do efetivo das Bases Operacionais, que geralmente são escolhidas como ponto de fiscalização, pela sua estrutura e melhores condições de segurança para a equipe em serviço.
115
de costas para o fundo. Enquanto caminham pelo corredor, em direção à sua
posição, naturalmente os policiais já observam as reações dos passageiros que
podem indicar suspeição.
Inicia-se a verbalização, com mensagem objetivamente transmitida
pelo encarregado, que informa aos passageiros o motivo da abordagem e da busca,
explica que todos devem permanecer sentados, bem como orienta no sentido de
que um policial militar da equipe irá proceder a busca e que solicitará a colaboração
quanto à abertura das bagagens do interior do veículo e fornecimento dos
documentos pessoais de modo individualizado, para fins de verificação. Permanece,
então, na entrada do corredor, atento às eventuais reações suspeitas.
Um policial militar permanece no final do corredor, responsabilizando-
se pela segurança, com a arma no coldre e mantendo atenção máxima ao
comportamento dos passageiros. Deve estar consciente de sua responsabilidade e
preparado emocionalmente para agir de imediato, caso necessário, com emprego
mínimo de força, suficiente para resolver alguma situação de resistência em um
ambiente de reduzido espaço e de concentração de pessoas.
O outro policial (o buscador) verifica o interior do banheiro e as demais
partes do fundo do ônibus, incluindo a geladeira e espaços reservados que podem
servir para esconder objetos ilicitamente transportados. Após essa vistoria preliminar
na área comum, o mesmo policial se aproxima dos passageiros e inicia a busca
dirigida às pessoas e aos respectivos pertences, das poltronas do fundo para a
frente.
Começa por solicitar que o passageiro retire cobertores, bolsas ou
volumes que estejam sobre o colo e, se for o caso, que abra a jaqueta ou roupa
similar, para facilitar o tateamento, em procedimento que caracteriza uma busca
pessoal preliminar (superficial). Procede, na sequência, a verificação das bagagens,
sacolas ou embrulhos que se encontram mais próximas dos passageiros, sob e
sobre as poltronas e no porta-embrulhos (parte superior), nessa mesma sequência,
alternadamente entre grupos de poltrona à sua direita e à sua esquerda, procurando
sempre identificar o proprietário antes de abrir qualquer bagagem, sacola ou
embrulho. Caso não consiga identificar o responsável de imediato, a mala
116
permanecerá para verificação por último, após aviso ao encarregado, que é
transmitido mediante gesto discreto e previamente combinado.
O cuidado na identificação prévia do responsável pela mala, na parte
interna do ônibus, permite o acompanhamento da busca pelo passageiro respectivo,
proporcionando maior segurança na ação. Também evita a situação de, diante da
descoberta de objeto ilícito transportado, não aparecer, naturalmente, o proprietário
ou responsável pela respectiva mala. A colaboração do passageiro é bem-vinda,
mas o próprio buscador deve, como regra, abrir as bolsas por questão de segurança,
em razão de que pode existir dentro delas, por exemplo, uma arma de fogo pronta
para uso.
Enquanto se desenvolve a busca, o encarregado da equipe deve
permanecer atento aos passageiros, de frente para eles, a fim de antecipar a ação
de alguém no interior do ônibus, bem como manter atenção voltada às expressões
faciais, reações corporais que evidenciem nervosismo, ansiedade, uso de celulares,
ou qualquer outra atitude suspeita.
Havendo suspeita fundada sobre alguém, o policial militar que procede
a busca deve retirá-lo do ônibus e, com auxílio do encarregado, realizar nele a busca
pessoal minuciosa, do lado de fora, em local reservado. Enquanto isso, o policial
posicionado no fundo do ônibus dirigi-se até o posto do encarregado da equipe, na
entrada do corredor, provendo a segurança interna e mantendo a vigilância e
observação dos passageiros.
Não é raro o passageiro responsável por transporte de objetos ilícitos
fingir que está dormindo, no intuito de dissimulação. Cabe ao policial designado para
a busca estabelecer um mínimo contato verbal, a pretexto de confirmar a
propriedade das bolsas e objetos da área da respectiva poltrona antes de verificá-la,
ao mesmo tempo em que solicita ao passageiro que apresente o seu documento
pessoal para identificação e acompanhe a revista.
Nessa primeira verificação, mesmo que de modo superficial, com
rápido tateamento junto ao corpo do revistado que está sentado, já é possível
117
localizar droga ou arma transportada embaixo das roupas, por vezes fixada com fita
adesiva131.
Também não é rara a situação de passageiro estrangeiro indicar que
não entende o que o policial militar lhe fala em língua portuguesa. As formas
existentes de lidar com essa situação, que normalmente envolvem pessoas que
falam o castelhano (espanhol), são as seguintes: solicitar auxílio de algum outro
passageiro para a comunicação; utilizar expressão gestual, dentro do possível;
desenvolver, antecipadamente, habilidades pessoais de compreensão e expressão
na língua estrangeira (pelo menos um dos integrantes da equipe). Nota-se que, com
o tempo, passando pela experiência de várias buscas em ônibus rodoviários que
transportam paraguaios, bolivianos, peruanos, entre outros, é comum ao policial
militar desenvolver a capacidade de se expressar na língua estrangeira, por seu
próprio esforço de comunicação, utilizando os principais e necessários vocábulos
para esse fim.
Situação mais complexa envolve o transporte de cápsulas de cocaína
no estômago. O policial experiente conversa com o suspeito e observa suas
reações, ao mesmo tempo em que permanece atento a manifestações de
desconforto físico. Durante a busca preliminar, pelo tateamento, nota a possível
rigidez do estômago e, com uso de lanterna observa o interior da boca do indivíduo
para constatar eventuais marcas características de vermelhidão. Havendo fundada
suspeita, o indivíduo será conduzido para busca minuciosa e submissão a exame de
raio-x, para observação do seu estômago e intestino, o que pode ser providenciado
com apoio de servidores de hospital público local, previamente contatados. A
ocorrência que resulta apreensão de droga, nessas circunstâncias, é muito onerosa
ao policial militar que permanece envolvido em média de três a quatro dias,
aguardando completo efeito de laxantes ministrados ao traficante em hospital
local132.
131 Entre outras ocorrências semelhantes, policiais militares rodoviários da Base Operacional de Assis, em 11 de março de 2008, as 03h 30min, abordaram o ônibus da Empresa Fergo, que fazia itinerário Franca X Londrina, com 29 passageiros e após fiscalização nos passageiros, localizaram dois tabletes de maconha, com 0,460 Kg, presos ao corpo com fita crepe em baixo da blusa de um indivíduo que viajava na poltrona 08 (Fonte: MENSAGEM Nº 2BPRv-666/230/08). 132 Em 26 de fevereiro de 2008, quatro bolivianos foram detidos com cápsulas de cocaína no estômago, no quilômetro 616 da Rodovia Raposo Tavares (SP-270), na região de Presidente Venceslau. Eles viajavam em um ônibus que fazia o trajeto Cuiabá (Mato Grosso) a São Paulo, e que foi abordado por policiais da 5ª Cia
118
Encerrada a revista no interior do ônibus, o encarregado da equipe
informa aos passageiros que será realizada vistoria na parte externa, ou seja, no
bagageiro do ônibus. Presta rápido esclarecimento sobre esse procedimento,
solicitando uma pessoa para testemunhá-lo, além do motorista, e avisa que os
demais deverão permanecer no interior do ônibus. Caso não haja voluntário, um
passageiro do ônibus será escolhido para acompanhar a vistoria das bagagens
externas. Ainda, na mesma verbalização, avisa que os documentos de RG
recolhidos para consulta e anotações devidas serão devolvidos ao término da busca.
Além dessas testemunhas, se alguma outra pessoa desejar
acompanhar a vistoria de sua respectiva bagagem, deve ser autorizada. Não
convém, no entanto, permitir que desembarquem mais de duas pessoas de cada
vez, a fim de não prejudicar a ação policial e evitar a permanência, do lado de fora,
do interessado que já presenciou a revista de sua bagagem. De qualquer modo,
durante a busca externa, um dos policiais militares deverá permanecer na parte
interna do ônibus, próximo da porta, responsabilizando-se pela segurança nesse
ambiente, ao mesmo tempo em que inibe a saída injustificada de passageiros.
Enquanto a equipe procede à busca no bagageiro, os documentos
pessoais são objeto de consulta por um quarto homem, via rádio ou diretamente
pelo sistema informatizado, se disponível. É comum em uma noite de trabalho com
busca em ônibus, realizando-se consultas de documentos dos passageiros, localizar
um procurado pela Justiça, ou seja, um indivíduo com mandado de prisão pendente
de cumprimento133.
do 2º BPRv. Os policiais desconfiaram do comportamento do grupo e realizaram busca pessoal. Depois de alguns questionamentos, os policiais decidiram levar os bolivianos para o pronto Socorro de Presidente Venceslau, onde foram submetidos a exame de radiografia, que constatou a presença de cápsulas de drogas no interior de seus organismos. Os quatro permaneceram hospitalizados, com escolta policial, por três dias para a conclusão dos procedimentos médicos e completo expurgo das 327 cápsulas ingeridas. Após a realização da perícia no material, foi confirmado que se tratava de cocaína, totalizando 4,120 kg da droga (Fonte: MENSAGEM Nº 2BPRv-350/230/08). 133 Apenas as duas equipes TOR atuantes na área do Pelotão de Assis (Bases Operacionais de Assis e de Florínea), em dias alternados, obtiveram êxito na captura de 12 procurados pela Justiça somente nos primeiros quatro meses de 2008, como resultado de buscas em ônibus rodoviário. Por coincidência, no dia 10 de fevereiro de 2008, foram identificados dois procurados no mesmo ônibus, conforme segue: “por volta das 22h 30min, foi abordado o ônibus da viação Nacional Expresso, itinerário Londrina (PR) X Brasília (DF), verificando-se que os ocupantes das poltronas 03 e 29 eram procurados pela Justiça; contra o primeiro pesava uma prisão preventiva da 1ª Vara Federal de Londrina (PR) e, contra o segundo, pesava uma condenação 03 anos e 06 meses de reclusão pela 1ª Vara Criminal de Rolândia (PR)”. (Fonte: Mensagem Nº 2BPRv-480/230/08).
119
Apesar da obrigatoriedade das empresas de transporte interestadual e
internacional de passageiros providenciarem a identificação de todos os volumes
transportados, conforme art. 10 da Resolução nº 1.432/06, da ANTT, pode ocorrer,
conforme relato de episódio real em entrevista com policiais experientes, de algum
traficante entrar no ônibus com uma mala de mão etiquetada, que contenha uma
outra mala, menor, com droga, sendo esta última deixada de forma dissimulada em
algum local dentro do ônibus, ou mesmo sobre um banco vazio, que não denuncie a
propriedade no caso de sua localização por policiais134.
Ocorre, também, de o traficante esconder invólucros com drogas nas
áreas comuns do ônibus, ou depositá-los junto aos bancos que não foram ocupados,
com o ônibus já em movimento, para retirar depois, caso não ocorra busca e
localização do objeto de ilícito. Nesse caso, se o policial não conseguir identificar o
proprietário dos invólucros, caberá somente a apreensão dos objetos135.
Há relatos, inclusive, de passageiros que compram duas passagens
para lugares (poltronas) não sequenciais e embarcam portando apenas um bilhete
para conferência e identificação da bagagem de mão. Durante o deslocamento,
depositam invólucros dissimulados e sem identificação sobre a poltrona que estará
vazia e permanecem, durante a viagem, cuidando visualmente desse material,
sentando-se preferencialmente em outra poltrona que já esteja desocupada
134 A Resolução nº 1.432, de 26 de abril de 2006, da ANTT, estabelece procedimentos para o transporte de bagagens e encomendas nos ônibus utilizados nos serviços de transporte interestadual e internacional de passageiros e para a identificação de seus proprietários ou responsáveis, e dá outras providências. Em seu art. 10 determina que a empresa providencie a identificação com três etiquetas para cada volume do bagageiro (uma fixada no volume, outra com o passageiro e outra no mapa de viagem, para identificação da poltrona respectiva); quanto às bagagens do porta-embrulhos (interior do ônibus), haverá duas etiquetas: uma fixada no volume e outra no mapa de viagens. Já em relação ao transporte intermunicipal, em São Paulo, há exigência de identificação apenas dos volumes do bagageiro, de acordo com o art. 95 do Decreto nº 29.913, de 12 de maio de 1989: “Artigo 95 - As transportadoras ficarão obrigadas a fornecer comprovantes dos volumes que lhes foram entregues pelos passageiros para condução no bagageiro”. 135 Exatamente o que aconteceu na madrugada do dia 28 de abril de 2008, na Base Operacional de Assis, quando a equipe, em busca na parte interna do ônibus de linha vindo de Foz do Iguaçu, logrou êxito em localizar na parte traseira das poltronas 33, 34, 37, 38, 41 e 42 (vazias), 06 pacotes contendo um total de 2,760 Kg de maconha (colocadas respectivamente atrás de cada uma dessas poltronas). Houve a apreensão da droga, sem prisão em flagrante (fonte: MENSAGEM Nº 2BPRv-1132/230/08). Ainda em 2008, na madrugada do dia 30 de março, outra equipe havia localizado no duto do ar condicionado sobre a poltrona nº 41, de ônibus vindo de Foz do Iguaçu, 03 pacotes plásticos envoltos em fita adesiva transparente contendo 1,875 kg de haxixe e não se manifestou o responsável pelo material (fonte: MENSAGEM Nº 2BPRv-855/230/08).
120
(diversa da sua). Se não houver fiscalização policial durante o deslocamento, retiram
os invólucros normalmente ao saírem do ônibus já no ponto de destino136.
Ao final da busca, tratando-se de linha regular, o encarregado da
fiscalização lançará registro da busca no relatório de viagem do motorista, com sua
identificação, horário, local, assinatura e carimbo, se possível, além de anotar
qualquer novidade constatada e quais as providências adotadas nesse caso.
Ao término da ação policial, após os passageiros terem retomado seus
assentos, o encarregado da equipe agradecerá a compreensão, desejando a todos
uma boa viagem.
A busca realizada também será registrada no relatório de serviço da
equipe, contendo os dados básicos: identificação do ônibus (empresa, modelo,
placas), horário de início e término da fiscalização, nome do motorista e testemunha
que acompanhou a busca no bagageiro.
4.2.1 Atividades críticas
Alguns momentos do procedimento exigem grande atenção dos
policiais, por envolver maior risco. A abordagem do veículo, com a emissão da
ordem de parada e sua retirada de circulação é o primeiro momento considerado
crítico. Apesar de não existirem registros de resistência durante a abordagem de
ônibus, pode ocorrer a situação de escolta, ou seja, um veículo que vem logo atrás a
pretexto de dar cobertura e segurança ao coletivo com objeto de ilícito. A equipe
responsável pela abordagem deve estar consciente dessa possibilidade.
Na sequência, durante a entrada no veículo, o posicionamento dos
policiais militares no interior e, após, do lado externo do coletivo, durante a busca no
bagageiro, é essencial para evitar situações de risco e atropelamentos.
136 Relato de gerente de transportes de empresa com linha regular de passageiros, em transporte coletivo intermunicipal na área da 3ª Cia do 2º BPRv, durante entrevista no primeiro trimestre de 2008, solicitando não registrar o seu nome por questão de segurança.
121
Durante a busca no interior do ônibus, constitui atividade crítica o
contato com os passageiros e o reconhecimento de pessoas em atitude suspeita.
Também o momento de localização de produtos transportados ilicitamente requer
atenção e empenho para a descoberta dos respectivos responsáveis. Na sequência
da possível identificação, ocorrerá a voz de prisão dirigida ao responsável pelo
objeto de ilícito transportado no ônibus.
No contexto das possibilidades de erro, encontra-se a circunstância de
o policial militar em ação, especialmente o chefe da equipe e o segurança, não
observar movimentação dos passageiros, deixando de notar se algum passageiro se
desfaz de algum objeto, ou a presença de alguma pessoa supostamente armada.
Erro frequente é deixar de revistar alguma bagagem, objetos,
travesseiros, entre ou sob as poltronas, ou mesmo algum espaço interno
dissimulado nas laterais, no teto, ou no assoalho do ônibus. Ainda, é erro comum
não arrolar testemunhas para a vistoria do bagageiro (motorista e um passageiro),
ou deixar de anotar os seus dados.
Pode ocorrer, também alguma reação física por parte de pessoa
envolvida em ilícito. Nessa circunstância, os policiais militares devem usar técnicas
não letais de contenção, em princípio, e proporcionais a injusta agressão, com a
consciência da existência de várias pessoas em um ambiente confinado.
No caso dos integrantes da equipe não estarem com a atenção
totalmente voltada para a vistoria, para a segurança e para eventual movimentação
incomum por parte dos passageiros, o encarregado da equipe deve cobrar essa
conduta, discretamente, invocando-lhes a atenção.
Objetivamente, como resultado da intervenção policial segura, espera-
se que a entrada dos policiais militares no veículo seja rápida e que, ao ingressarem
no coletivo, permaneçam atentos à movimentação dos passageiros. Espera-se
também que todas as bagagens, objetos, poltronas e sanitário do coletivo sejam
vistoriados e, diante de localização de objeto de ilícito, que os policiais consigam
identificar o proprietário ou responsável e procedam sua detenção com cautela e
discrição.
122
44..33 EEnnccaammiinnhhaammeennttoo ddee ooccoorrrrêênncciiaass ccoomm aapprreeeennssããoo
Existem, logicamente, algumas hipóteses de encaminhamento de
indivíduo detido sem que haja apreensão de objeto de ilícito, nesse caso, pela
prática de infração penal não relacionada ao transporte137. Todavia, a maioria das
ocorrências encaminhadas, resultantes de intervenções policiais em ônibus
rodoviário, com ou sem a detenção de infratores, está relacionada a algum material,
especialmente drogas, armas, acessórios e munições, material de contrabando e
descaminho e medicamentos irregularmente transportados, que serão apreendidos.
O encaminhamento de ocorrência com apreensão de objeto de ilícito
transportado e a possível condução de infrator identificado, compreende o desfecho
da busca em ônibus que resultou localização do referido material, tratando-se de
momento extremamente importante para que a Justiça Criminal, no futuro próximo,
possa desenvolver o seu trabalho com êxito. As preliminares provas colhidas, as
informações devidamente registradas, a identificação das pessoas envolvidas, tudo
será necessário para o desdobramento da ocorrência, nas investigações
complementares de polícia judiciária e, especialmente, para a fase processual do
ciclo da persecução penal.
Evidentemente não é possível estabelecer uma fórmula única para os
encaminhamentos de todas as ocorrências com apreensão diante da diversidade de
situações apresentadas. Mas é possível prever o surgimento de dificuldades comuns
e propor soluções que auxiliem o policial militar nessa etapa conclusiva da ação do
órgão responsável pela preservação da ordem pública.
Para qualquer que seja o objeto de ilícito descoberto durante a busca,
surgirão duas hipóteses. A primeira: a identificação do responsável, que ocorre de
imediato no caso de localização do material junto ao corpo do revistado ou em sua
bagagem de mão e, em seguida do encontro do material, quando este é localizado
137 Existem também, sem necessária apreensão de material, os encaminhamentos de capturados procurados pela Justiça descobertos durante a busca, pela existência de decreto de prisão provisória, por condenação, ou por se encontrar em situação de fugitivo de estabelecimento prisional e, nesses casos, a ocorrência é encerrada com a simples apresentação do indivíduo no distrito policial local (Polícia Civil), o recebimento de documento comprobatório da entrega do preso (recibo de preso) e o lançamento dos registros no relatório de serviço policial-militar.
123
em mala identificada no bagageiro (durante a busca externa), pela análise da
respectiva etiqueta. A segunda hipótese: a não identificação do responsável, que
pode ocorrer, por exemplo, em razão da descoberta do objeto de ilícito em bagagem
não identificada, ou em área comum do interior do ônibus.
4.3.1 Com a identificação do responsável pelo transporte
No caso de identificação do responsável, restará configurada a
situação de flagrante delito com a presença do autor e da prova de materialidade, o
que ensejará a imediata voz de prisão e a decorrente condução do infrator, com o
objeto apreendido e, se possível, testemunha, para apresentação à autoridade
policial civil competente para a lavratura do auto de prisão em flagrante delito.
Nota-se que, quando caracterizada a infração de menor potencial
ofensivo, por exemplo, o porte de drogas (art. 28 da Lei nº. 11.343/06), em regra não
será proferida a voz de prisão, conforme parágrafo único, do art. 69, da Lei nº
9.099/95138; ressalta-se, no entanto, que nesse exemplo citado também haverá o
necessário encaminhamento da ocorrência ao distrito policial, em razão de que a
Polícia Militar não lavra TC nas situações de porte de drogas, nos termos do inciso
III, do art. 7º, da Resolução SSP 329/03.
Recomenda-se que o encarregado da equipe, ou o seu comandante,
estabeleça prévio contato telefônico com o delegado de polícia a quem compete os
registros de polícia judiciária (antes do encaminhamento propriamente dito), para
descrever as circunstâncias da ocorrência. Ocorre que, em alguns casos, essa
autoridade policial civil responsável pela investigação pode entender que a liberação
do ônibus - de linha regular - não vai trazer prejuízos ao seu trabalho de apuração,
até porque as provas necessárias já foram colhidas.
138 Parágrafo único, do art. 69, da Lei nº 9.099/95: “Ao autor do fato que, após a lavratura
do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança...”.
124
De fato, em casos de identificação inconteste do responsável pelo
transporte, não é incomum a liberação do ônibus para seguir viagem, por iniciativa
do próprio delegado de polícia, com a solicitação de condução ao distrito policial
apenas do infrator, juntamente com o material apreendido, a fim de não causar
transtornos maiores aos demais passageiros, geralmente em viagens de longa
distância. Nesse caso, dois policiais militares figurarão como testemunha, nos
registros próprios de polícia judiciária,
Todavia, antes de liberado o ônibus, diante da posição adotada pela
autoridade policial civil, devem ser anotados previamente os dados completos do
motorista e de um passageiro que tenha acompanhado as buscas e a localização do
objeto de ilícito, para eventual necessidade de testemunho em fase processual.
Nota-se, a propósito, que vários traficantes já foram condenados sem a necessidade
de testemunho de outras pessoas, além dos próprios policiais militares que
procederam à busca.
Nesse sentido, o processo crime nº 453/2004, da Primeira Vara da
Comarca de Presidente Venceslau, resultou na condenação de Eliana de Andrade
Gervásio, que foi surpreendida por volta da 2h 30min, de 23 de dezembro de 2004,
quando trazia consigo, 08 quilos de maconha em uma mala de mão, no interior de
um ônibus que seguia de Bela Vista/MS a São Paulo, Capital. Refutando a alegação
da defesa de que “restaria dúvida quanto à integridade do depoimento dos policiais”,
o MM Juiz de Direito Carlos Eduardo Lombardi Castilho decidiu na respectiva
sentença que:
Em relação ao depoimento dos policiais, há que se frisar que normalmente os fatos ocorrem na madrugada - este foi às 2h 30min - e nem sempre se conta com testemunhas civis, não sendo lógico, também, se lavrar um flagrante que pode levar horas, retendo na cidade um ônibus ou algum de seus passageiros. Para que o depoimento de um policial seja colocado em dúvida, não basta que se acene com a farda; necessário é que se demonstrem elementos outros que possam convencer que estaria ele abusando de seu ofício em detrimento daquele a quem se acusa. O que levaria um policial a acusar uma mulher que reside no Rio de Janeiro e é de todos desconhecida na cidade e estaria somente de passagem pela rodovia que margeia a cidade? Não há resposta plausível. Assim, se se outorga aos policiais poderes para combater o crime, não há como se lhes retirar o valor dos depoimentos depois de praticar aquele ato, exceto, se se comprovar uma suspeição139.
139 Trecho de sentença condenatória pela prática de tráfico ilícito de drogas, de 26 de janeiro de 2005, referente ao processo crime nº 453/2004, da Primeira Vara da Comarca de Presidente Venceslau.
125
No mesmo raciocínio, a sentença condenatória do processo crime nº
112/05, também da Primeira Vara da Comarca de Presidente Venceslau, referente à
prisão de Michele Lopes Pereira, por tráfico ilícito de droga, em razão de que
transportava consigo 357 gramas de crack, no dia 15 de março de 2005, por volta
das 7h, no interior de um ônibus que fazia o itinerário Porto Velho/RO a Curitiba/PR,
destacou:
Assevere-se que não há como se admitir a tese de se rejeitar o testemunho de policiais tão só por exercerem essa atividade. Um contra-senso o Estado conceder poder para a polícia investigar e prender pessoas que cometem atos ilícitos e, depois, se lhes por dúvida no depoimento, como se tivessem sempre interesse em forjar
uma verdade140
.
Quando se verifica que o passageiro responsável pelo transporte do
objeto de ilícito é menor, tratando-se de adolescente (de 12 a 18 anos de idade),
ocorrerá a sua apreensão pela prática de ato infracional, mediante encaminhamento
ao distrito policial, juntamente com o objeto de ilícito. De imediato, o Conselho
Tutelar local será acionado para acompanhamento das providências no plantão
policial141. Na hipótese de criança transportando objeto de ilícito, esta será entregue
diretamente aos cuidados do Conselho Tutelar, vez que a apreensão é
procedimento previsto apenas para os adolescentes infratores142. De qualquer
forma, o material apreendido será encaminhado ao distrito policial juntamente com
todos os registros e informações disponíveis para os trabalhos de polícia judiciária
necessários à identificação do imputável, que se utilizou do menor para a
consecução do transporte ilícito.
140 Trecho de sentença condenatória pela prática de tráfico ilícito de drogas, de 05 de maio de 2005, referente ao processo crime nº 112/2005, da Primeira Vara da Comarca de Presidente Venceslau, do MM Juiz de Direito Carlos Eduardo Lombardi Castilho. 141 Nos termos do art. 106, da Lei nº 8.068/90, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
“Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou
por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Parágrafo único - O
adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos”. 142 O ECA prevê apenas a hipótese de apreensão de adolescentes (não de crianças, que são os menores de 12 anos) pela prática de ato infracional, nos termos do art. 172, ex vi: “O adolescente apreendido em flagrante de ato infracional será, desde logo, encaminhado à autoridade policial competente”.
126
4.3.2 Sem a identificação do responsável pelo transporte
Quando não identificado de imediato quem transportava o objeto de
ilícito, o encarregado da equipe deverá promover rápidas diligências, no sentido de
descobri-lo, aproveitando o momento da busca. Questionará o motorista e demais
passageiros para verificar se alguém viu quem colocou a bolsa ou pacote no
coletivo, verificará características da bagagem que comporta o objeto de ilícito e
promoverá buscas minuciosas no passageiro sem bagagem em seu nome (após
checagem da propriedade de cada uma das malas), questionando-o novamente
sobre tal circunstância.
Pode ocorrer de, ainda assim, não se obter êxito na identificação do
responsável por bagagens contendo objeto de ilícito. Nesse caso, a regra é a
condução do ônibus para o Distrito Policial, com todos os passageiros, o motorista,
as bagagens e o material localizado, salvo se o delegado de polícia - contatado
previamente - preferir vistoriá-lo no local onde foi parado e fiscalizado ou entender
que é possível a pronta liberação do ônibus para prosseguir viagem, por avaliar que
bastam para o seu trabalho os registros preliminares dos policiais militares com os
dados do motorista, de passageiros e de eventual testemunha da localização do
objeto.
Por vezes, ainda, é adotada uma decisão intermediária, ou seja, o
delegado de polícia prefere somente ouvir o motorista e uma testemunha civil, além
dos policiais militares, sem vistoriar - novamente - o ônibus, hipótese em que o
veículo de transporte coletivo permanecerá no local da fiscalização, enquanto uma
viatura conduzirá os indivíduos para oitiva (aqueles solicitados) e, somente depois
da conclusão dos trabalhos policiais, ocorrerá a liberação para prosseguimento da
viagem. Essa é uma solução interessante, quando, pelas circunstâncias do caso
concreto, existir apenas um ou outro suspeito, excluindo-se os demais indivíduos.
O esforço investigativo nessa situação, que cabe ao órgão próprio de
polícia judiciária desenvolver, volta-se a individualização das condutas, primeiramente
pela identificação do responsável imediato pela bagagem que contém objeto de
ilícito transportado. Ao final, poderá concluir a autoridade competente que houve
materialidade, mas não a definição da autoria do crime.
127
4.3.3 Competência para atos de polícia judiciária e o local para
depósito do material apreendido
Ainda sobre o desfecho das ocorrências com apreensão, convém
analisar aspectos relativos à competência para a lavratura do auto de prisão em
flagrante ou instauração de inquérito policial conforme a situação, a formalização da
apreensão e a realização de investigações complementares, além da verificação do
local para depósito do material apreendido. Essa análise prévia direciona o correto
encaminhamento das ocorrências e traz, além da certeza nas iniciativas e ações dos
policiais militares, o melhor aproveitamento dos recursos humanos e materiais.
Relativamente aos crimes de tráfico ilícito de drogas, verifica-se que a
Constituição Federal reserva tal competência à Polícia Federal143. Não obstante, por
força de convênio estabelecido entre União e Estados da Federação, os registros e
investigações nos níveis local, intermunicipal e mesmo interestadual são desenvolvidos
pelas Polícias Civis, sem prejuízo da ação da Polícia Federal que concentra sua
força no combate ao tráfico internacional144.
Quanto às ocorrências envolvendo apreensão de arma, munições e
acessórios transportados, o trabalho de polícia judiciária será desenvolvido
normalmente pela Polícia Civil, a partir da apresentação da ocorrência em seu
plantão, observando-se que a “ressalvada competência da União”, que implicaria na
ação da Polícia Federal, não foi prevista legalmente para esses casos145.
143 Art. 144, § 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - ... II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; (...) 144 Quando não é certa a origem da droga, a Polícia Civil tem lavrado os autos de prisão em flagrante e apreendido o material também levando em conta os transtornos de deslocamentos até às distantes delegacias de Polícia Federal, sem prejuízo aos trabalhos próprios de polícia judiciária. Tecnicamente, o ônibus proveniente de Foz do Iguaçu (cidade brasileira, do Estado do Paraná) que traz passageiro transportando droga, está sendo utilizado para o tráfico ilícito no nível interestadual, em princípio, até que se confirme procedência internacional da droga, em que pese o conhecimento público de que o grande centro produtor mais próximo se encontra no interior do Paraguai. 145 Conforme parágrafo 4º, do art. 144, da CF: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. Já o inciso II, do parágrafo 1º, do art. 144, que traz a competência da Polícia Federal, não prevê a repressão específica aos crimes relacionados ao transporte de armas, como o faz em relação às drogas e aos objetos de contrabando e descaminho.
128
Quanto aos medicamentos transportados ilegalmente e localizados
durante a fiscalização, em regra, os trabalhos de polícia judiciária serão
desenvolvidos pela Polícia Civil, em princípio pelos indícios de falsificação, em razão
dos mesmos motivos indicados no parágrafo anterior. Se houver configuração de
tráfico internacional de drogas, por conta da qualidade da substância entorpecente
localizada, restará evidenciada a competência da Polícia Federal.
O mesmo órgão policial responsável pela lavratura do auto de prisão
em flagrante, instauração de inquérito, lavratura de Termo Circunstanciado ou de
simples boletim policial para averiguação, conforme o caso, será encarregado da
formalização da apreensão do objeto de ilícito, de sua guarda e depósito, até que se
torne possível dar-lhe outro destino146. Fogem da regra os materiais de contrabando
e descaminho que são de responsabilidade da Receita Federal, para fins de guarda
e de controle.
Exatamente quanto aos materiais de contrabando e descaminho, a
Polícia Civil, em regra, não realiza registros e, consequentemente, não os apreende
formalmente, ainda que não exista delegacia de Polícia Federal instalada no
município onde ocorreu a busca e sua localização. No entanto, em razão das
grandes distâncias que dificultam a condução da ocorrência, alguns delegados
plantonistas de Polícia Civil se dispõem a adotar providências de registro imediato,
sem prisão em flagrante, para posterior encaminhamento do material à Receita
Federal. Nota-se que, nessa fase pré-processual, não existe questionamento sobre
nulidade de autos de inquérito policial instaurado, ou de boletins de registro de
ocorrências.
Apesar da resposta emergencial e pontual, alcançada em alguns
casos, e que depende da colaboração da Polícia Civil, a situação ideal é mesmo a
apresentação da ocorrência na Polícia Federal a quem compete a prevenção e
repressão do contrabando e descaminho. As distâncias, porém, têm dificultado o
trabalho da Polícia Militar levando-se em conta que, no Estado de São Paulo,
existem apenas 15 Delegacias, além da Superintendência, na Capital, e 2
146 No caso da droga apreendida, será posteriormente providenciada a sua destruição pelo mesmo órgão policial que manteve a guarda e o depósito, mediante autorização judicial, normalmente pela incineração providenciada em local adequado a esse fim.
129
Delegacias localizadas, respectivamente, nos dois maiores aeroportos do Estado
(Congonhas, na Capital e Cumbica, em Guarulhos)147.
Além da questão das distâncias, outra dificuldade que se apresenta diz
respeito ao local de depósito do material apreendido em algumas regiões. Ocorre
que algumas sedes da Receita Federal, a quem compete o recebimento e o depósito
do material de contrabando e descaminho, não mantêm plantão e equipes prontas
para essa finalidade fora do horário de expediente e, também, não dispõem de
espaço suficiente para acolhimento de grandes volumes de apreensão. Por outro
lado, também em algumas regiões, a delegacia de Polícia Federal tem exigido dos
policiais militares a relação completa do material apreendido, e com o recibo de
entrega na Receita Federal, para depois lavrar o auto de prisão em flagrante ou
instaurar inquérito, conforme o caso148.
A solução possível para resolver impasses como esse vem da
aproximação do comandante local da Polícia Militar para a definição de uma fórmula
de operação conjunta, em nível regional, em comum com os outros órgãos
envolvidos, evitando-se os transtornos que tendem a acontecer quando se envolvem
várias pessoas e objetos diversos apreendidos, como resultado de buscas
realizadas a qualquer dia e a qualquer hora, por conta do funcionamento ininterrupto
da força de fiscalização nas rodovias149.
O policial militar cumpre sua função quando atua preventivamente e,
também, quando opera na esfera da repressão imediata, para o imediato
restabelecimento da ordem, não lhe sendo exigíveis providências de guarda ou
147 Na área da 3ª Cia do 2º BPRv, com sede em Assis, por exemplo, a delegacia de Polícia Federal se encontra em Marília e, dependendo do local em que houve a busca com localização de objeto de ilícito, a distância a ser percorrida é de mais de 100 Km para o encaminhamento da ocorrência. 148 Essa situação se estabeleceu, por exemplo, na região de Assis, Marília e Ourinhos, com sede da Polícia Federal e da Receita Federal na cidade de Marília, depois da Recomendação nº 03/2007, editada pelos membros do Ministério Público Federal local dirigida aos Delegados de Polícia Federal e Delegado da Receita Federal do Brasil em Marília. 149 Exatamente o que ocorreu em 18 de julho de 2008, na cidade de Marília, conforme Ata de Reunião Nº CPI4-029/30/08 na Procuradoria da República, com representantes da Polícia Militar, do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, da Receita Federal e também da Polícia Rodoviária Federal. Acordou-se que, em razão da deficiência de logística da Receita Federal, nos horários fora do expediente, os veículos com mercadorias seriam mantidos sob vigilância de câmaras de vídeo, em local próprio e fechado, da sede da Receita em Marília, para que, logo no início do primeiro expediente, seja realizada a conferência e recebimento oficial do material apreendido, com a presença de policial militar responsável pela fiscalização e localização do material. Tal solução, ainda que provisória, ao menos estabeleceu a direção para o encaminhamento desse tipo de ocorrência, fora do horário de expediente.
130
depósito de material que é objeto de ilícito localizado durante as fiscalizações, ainda
que provisoriamente.
No caso de ônibus de fretamento eventual conhecido por “turismo”, em
regra com menos passageiros e mais bagagens, dificilmente ocorrerá a liberação
quando constatado transporte de bagagens diversas com material de contrabando e
descaminho. Provavelmente, o veículo permanecerá apreendido na sede mais
próxima da Receita Federal, juntamente com todo o material transportado, mesmo
que ocorra a identificação imediata dos responsáveis pelas bagagens com objeto de
ilícito - normalmente todos os passageiros. Leva-se em conta, também, a possível
responsabilização penal do locador e mesmo do motorista na situação comum de
envolvimento e participação no resultado do transporte ilícito, o que será objeto de
apuração pela Polícia Federal.
131
55 CCOONNCCLLUUSSÃÃOO
Finalizando o presente trabalho, apresentam-se as seguintes
conclusões, de forma objetiva e articulada:
1. a cada dia os criminosos aprimoram técnicas para a prática delituosa
relacionada ao transporte nas rodovias e exploram falhas na atuação dos órgãos
públicos envolvidos, de algum modo, no esforço estatal de prover segurança pública.
2. a Polícia Militar do Estado de São Paulo tem investido no
aprimoramento de suas ações, oficializando um conjunto de procedimentos
operacionais padronizados em formato próprio, especialmente a partir do ano 2000
com a implantação do Sistema de Supervisão e Padronização Operacional.
3. Em razão dos expressivos resultados operacionais alcançados na
área de atuação do 2º BPRv nos últimos cinco anos, como consequência de bem
sucedidas buscas veiculares, entre elas buscas em ônibus rodoviários, justifica-se a
proposta de adoção de um procedimento operacional padrão específico,
acompanhando o esforço organizacional em eliminar possibilidades de erros e
garantir máxima qualidade das ações policiais, na área de todo o Estado.
4. A consolidação dos conhecimentos relativos às buscas em ônibus
rodoviários e a experiência adquirida no âmbito do 2º BPRv devem fundamentar a
oficialização do procedimento padronizado proposto.
5. A divulgação desse material a todo policial militar interessado,
rodoviário ou não, por mecanismos próprios e já existentes do sistema de ensino e
instrução policial-militar, é importante para que se alcance a segurança operacional
no desenvolvimento da complexa busca em ônibus rodoviário.
Capítulo
132
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133
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