brasil - raízes históricas da cultura de institucionalização de crianças e adolescentes no...

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 23 1 Raízes Históricas da Cultura de Institucionalização de Crianças e Adolescentes no Brasil  Neste capítulo, relataremos brevemente a história das práticas de atendimento à infância pobre no Brasil, do final do século XIX até aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, com foco sobre a questão da convivência familiar dessas crianças e adolescen tes em geral.  Num segundo momento analisaremos as primeiras formas de assistência à infância e à adolescência com deficiência no Brasil baseado nos estudos realizados por Lília Lobo.  No entanto, torna-se necessário iniciarmos este capítulo apresentando o conceito de institucionalização que tomaremos por base nesta dissertação. 1.1 Conceituando a Institucionalização Buscando conceituar a institucionalização baseei minha pesquisa no trabalho de dois autores: Erving Goffman e Michel Foucault que fizeram uma análise das instituições apresentando perspectivas que apesar de distintas se complementam e nos ajudarão a compreender melhor todas as dimensões do fenômeno da institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil. Para Goffman (1990), a institucionalização refere-se ao espaço (lócus) institucional em si onde suas características são materializadas e suas estratégias operacionalizadas. Em seu livro Manicômio, Prisões e Conventos, o autor apresenta a definição de instituições totais e as caracteriza como: “(...) um local de residência ou trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável  período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada. (Goffman, 1990 , p.11)    P    U    C      R    i   o      C   e   r    t    i    f    i   c   a   ç    ã   o    D    i   g    i    t   a    l    N    º    0    9    1    2    1    9    2    /    C    A

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    1Razes Histricas da Cultura de Institucionalizao deCrianas e Adolescentes no Brasil

    Neste captulo, relataremos brevemente a histria das prticas de

    atendimento infncia pobre no Brasil, do final do sculo XIX at aprovao do

    Estatuto da Criana e do Adolescente, com foco sobre a questo da convivncia

    familiar dessas crianas e adolescentes em geral.

    Num segundo momento analisaremos as primeiras formas de assistncia

    infncia e adolescncia com deficincia no Brasil baseado nos estudosrealizados por Llia Lobo.

    No entanto, torna-se necessrio iniciarmos este captulo apresentando o

    conceito de institucionalizao que tomaremos por base nesta dissertao.

    1.1Conceituando a Institucionalizao

    Buscando conceituar a institucionalizao baseei minha pesquisa no

    trabalho de dois autores: Erving Goffman e Michel Foucault que fizeram uma

    anlise das instituies apresentando perspectivas que apesar de distintas se

    complementam e nos ajudaro a compreender melhor todas as dimenses do

    fenmeno da institucionalizao de crianas e adolescentes no Brasil.Para Goffman (1990), a institucionalizao refere-se ao espao (lcus)

    institucional em si onde suas caractersticas so materializadas e suas estratgias

    operacionalizadas. Em seu livro Manicmio, Prises e Conventos, o autor

    apresenta a definio de instituies totaise as caracteriza como:

    (...) um local de residncia ou trabalho onde um grande nmero de indivduos

    com situao semelhante, separados da sociedade mais ampla por considervelperodo de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.(Goffman, 1990 , p.11)

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    O autor ainda ressalta algumas caractersticas de uma instituio total. A

    primeira seria o seu fechamento:

    Seu fechamento ou seu carter total simbolizado pela barreira relao socialcom o mundo externo e por proibies sada que muitas vezes que muitas vezesesto includas no esquema fsicopor exemplo, portas fechadas, paredes altas ...A tais estabelecimentos dou o nome de instituies totais. (Goffman, 1990, p.16)

    Sendo assim, o interno vive o seu quotidiano dentro de um determinado

    espao, sob uma mesma autoridade; enquanto que fora de uma instituio, a vida

    diria desenvolvida em diferentes locais, enquadrados em padres normativos

    distintos.

    A segunda caracterstica apontada pelo autor o seu aspecto segregativo,

    pois a Instituio ao privar o interno do contato com o exterior impe,

    paralelamente, no seu interior, uma diviso bsica entre um grupo controlado (os

    internos) e um grupo controlador (os tcnicos e os dirigentes).

    Outra caracterstica apontada por Goffman (1990) a normalizao,

    definida como a existncia de um plano racional nico para atender aos objetivos

    oficiais da instituio Tenta-se rotinizar a vida diria visando proporcionar um

    quotidiano estvel dentro da ordem institucional e submetendo os internos

    lgica totalitria da instituio. (p.18)

    E por fim, a ltima caracterstica apresentada a vertente homogeneizante,

    visto que os internos so submetidos a um mesmo regime que na maioria das

    vezes mostra-se totalmente alheio a qualquer privacidade. (p.23)

    J Foucault (1986), em seu livro Microfsica do Poder, apresenta uma

    concepo histrico-genealgica entendendo a institucionalizao como uminstrumento de materializao e exerccio de relaes de poder. Para a genealogia

    a histria feita de rupturas e descontinuidades. A perspectiva genealgica

    apresentada pelo autor nega a idia de uma origem nica para um determinado

    fenmeno.

    A genealogia no se ope histria (..); ela se ope, ao contrrio aodesdobramento meta-histrico das significaes ideais e das indefinidas teologias.Ela se ope pesquisa da origem (Foucault, 1986, p. 16)

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    Com base nesta perspectiva, Foucault prope que o fenmeno seja

    analisado e compreendido atravs de uma minuciosa anlise.

    A genealogia exige, portanto, a mincia do saber, um grande nmero de materiais

    acumulados, exige pacincia. Ela deve construir seus monumentos ciclpicosno a golpes de grandes erros benfazejos mas de pequenas verdades inaparentesestabelecidas por um mtodo severo. Em suma, uma certa obstinao na erudio.(Foucault, 1986, p. 16)

    O fenmeno da institucionalizao ento poderia ser definido enquanto um

    processo constitudo de prticas e ideologias frutos de um determinado contexto

    histrico para atender uma necessidade da poca.

    Lilia Lobo (2008) em seu livro Os infames da Histria: Pobres, escravos e

    deficientes no Brasilfaz um estudo a partir da perspectiva genealgica e apresenta

    algumas caractersticas do processo de institucionalizao das deficincias no

    Brasil.

    (...) a institucionalizao refere-se, pois, produo histrica de formas geraisque so as instituies, que uma vez constitudas produzem e reproduzemrelaes de fora (dominao, luta e resistncia) que as engendram emdeterminada poca e que se instrumentam nos estabelecimentos e nos dispositivosde poder que as mantm. (...) o processo da institucionalizao sustenta-se nasprticas mais ou menos discursivas das separaes (...) (Lobo, 2008, p.345)

    Diante dessa breve conceituao de institucionalizao, podemos

    prosseguir e entender como se iniciou este fenmeno no Brasil no que tange

    populao infanto-juvenil.

    1.2O Nascimento da Cultura da Institucionalizao de Crianas eAdolescentes no Brasil

    Para realizao deste estudo faremos uma breve anlise do processo de

    institucionalizao de crianas e adolescentes no Brasil. Entendendo que no h

    possibilidade de se analisar um processo ainda atual sem antes voltar ao contextono qual o mesmo teve seu incio, torna-se necessrio buscar em suas razes os

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    motivos que levaram realizao de tal prtica e os que a legitimam at os dias de

    hoje.

    A histria da institucionalizao de crianas e adolescentes no Brasil

    ganha terreno inicialmente no perodo colonial. Neste perodo a assistncia

    infncia no Brasil seguia as determinaes de Portugal. Estado e Igrejacaminhavam juntos. Neste contexto foram sendo criados no Brasil colgios

    internos, asilos, escolas de aprendizes artfices, educandrios, reformatrios,

    dentre outras modalidades institucionais. Tanto os filhos de famlias

    economicamente mais abastadas quanto os de famlias pauperizadas

    experimentaram as prticas de institucionalizao neste perodo. As instituies

    seguiam as tendncias educacionais e assistenciais da poca e tiveram seu incio

    com a ao educacional realizada pelos jesutas voltada para a catequizao dascrianas indgenas visando tir-las do paganismo e disciplin-las, inculcando-lhes

    normas e costumes cristos. Segundo Pilotti (2009), tal ao apresentava um

    duplo objetivo estratgico, visando submeter a infncia a uma interveno,

    moldando-a de acordo com o padro da poca.

    Convertiam crianas e adolescentes amerndias em futuros sditos dceis doEstado portugus e, atravs delas, exerciam influncia decisiva na converso dos

    adultos s estruturas sociais e culturais recm importadas. (Pilotti, 2008 p. 17)

    O trabalho dos jesutas durou at meados do sculo XVIII com a expulso

    dos mesmos do territrio brasileiro. Na segunda metade do sculo XVIII outras

    ordens religiosas iniciam atividades caritativas atravs do recolhimento dos rfos

    e criao de colgios para os mesmos e apresentavam um carter rigoroso com

    relao ao atendimento s crianas.

    O regime de funcionamento das instituies seguia o modelo de claustro e davida religiosa. As prticas religiosas e o restrito contato com o mundo exterioreram caractersticas fundamentais dos colgios para meninos rfos e dosrecolhimentos femininos, sendo que, no segundo caso, a clausura era impostacom mais rigor. (Rizzini, 2004, p.24)

    Ainda no sculo XVIII, outro modelo de assistncia infncia que teve

    grande visibilidade foi o sistema de Rodas de Expostos6,realizado pela Santa Casa

    6

    Um cilindro giratrio na parede que permitia que a criana fosse colocada da rua para dentro doestabelecimento, sem que se pudesse identificar qualquer pessoa. O Objetivo era esconder aorigem da criana e preservar a honra das famlias. (Pilotti, 2009 p. 19)

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    de Misericrdia. Seguindo a moral crist dominante, os filhos nascidos fora do

    casamento no eram aceitos e, com freqncia, estavam fadados ao abandono,

    diante disso a Santa Casa recebia e cuidava de bebs abandonados. Contudo, a

    ilegitimidade s era motivo para abandonar uma criana para as famlias

    socialmente bem-postas. Para os pobres tal fator no consistia em um motivocontundente porque para eles a ilegitimidade no condio de desonra. Segundo

    Lobo (2008), as escravas raramente abandonavam seus filhos na Roda, pois no

    era interessante aos senhores perder a prole que mais tarde lhes serviriam como

    mo de obra. Tais fatos explicam as informaes extradas, com base nos registros

    dos sculos XVIII e XIX, que a maior parte dos expostos era branca. (p.292)

    A roda evitou que centenas de crianas fossem abandonadas nas ruas,

    porm sua existncia trazia consigo uma forma de incentivo ao abandono devido facilidade em deixar a criana para que esta fosse cuidada pela instituio. Este

    modelo de atendimento perdurou no Brasil at o perodo da Repblica quando

    houve a organizao da assistncia infncia no pas e tambm com a

    interferncia da ao normativa do Estado. (Rizzini, 1993)

    No sculo XIX outro modelo de assistncia infncia que teve grande

    visibilidade foram os asilos para crianas pobres rfs, abandonadas ou

    desvalidas. Tais asilos passam por mudanas significativas influenciadas pelo

    iderio da Revoluo Francesa. A predominncia do ensino religioso passa a ser

    questionada e a educao volta-se ao progresso e civilizao da sociedade visando

    oferecer ensinamentos teis para a criana e para a ptria. (Rizzini, 2004) Ganha

    fora a idia de oferecer educao industrial para os meninos e educao

    domstica s meninas, tendo em vista prepar-los para ocupar seu lugar na

    sociedade. A meta da instituio inserir nas crianas e nos adolescentes um

    sentimento de amor ao trabalho e oferecer uma educao moral que fosse

    conveniente ao momento

    A partir da segunda metade do sculo XIX, a categoria dos menores,

    simbolizada pela infncia pobre e potencialmente perigosa, diferente do restante

    da infncia, passa a sofrer interveno formadora/reformadora por parte do Estado

    atravs de instituies religiosas e filantrpicas. A prtica do recolhimento de

    crianas s instituies de recluses foi o principal instrumento de assistncia

    infncia no pas nesta poca. Neste momento as aes de assistncia social

    voltadas infncia eram historicamente caracterizadas pela inteno de controle

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    das classes populares. Com a abolio da escravido tais aes passam a ter a

    finalidade do controle social de uma parcela da populao representada como

    perigosa e que oferecia risco situao da poca onde se constitua o processo de

    higienizao, urbanizao e reordenamento das cidades para a criao de um

    Estado nacional.Com o advento da repblica as questes sobre a assistncia infncia no

    Brasil ganharam um novo olhar.

    Se a grande questo do Imprio brasileiro repousou na ilustrao do povo, sob aperspectiva da formao da fora do trabalho, da colonizao do pas e daconteno das massas desvalidas, no perodo republicano a tnica centrou-se naidentificao e no estudo das categorias necessitadas de proteo e reforma,visando ao melhor aparelhamento institucional capaz de salvar a infncia

    brasileira no sculo XX. (Rizzini, 2004, p.28)

    No sculo XX, a prtica de internao para os filhos das famlias mais

    abastadas entra em desuso. A prtica do confinamento em instituies permanece

    e passa a ser voltada apenas para crianas e adolescentes pobres. Como j vimos,

    a institucionalizao atendia a grupos diversificados como ndios, filhos de

    escravos, no entanto os meninos pobres e livres das cidades constituram o grande

    alvo da interveno das prticas de internao. Tal prtica mostra claramente seu

    carter ambguo, pois visava ao mesmo tempo proteger a sociedade no que serefere periculosidade supostamente inerente criana pobre e tambm proteger a

    infncia desvalida.

    O discurso apresenta-se, com freqncia, ambguo, onde a criana deve serprotegida, mas tambm contida, a fim de que no cause danos sociedade. Estaambigidade na defesa da criana e da sociedade guarda relao com uma certapercepo de infncia, claramente expressa nos documentos da poca ora emperigo, ora perigosa. Tais representaes no por acaso estavam associadas a

    determinados estratos sociais, sendo a periculosidade invariavelmente atrelada infncia das classes populares. (Rizzini 2008, p.28)

    As questes referentes a este grupo da sociedade passam a ser debatidas

    por profissionais das reas de assistncia social, mdico-higienista e jurdica,

    todos empenhados em buscar solues para a situao dos menores. Cresce neste

    contexto a categoria menor abandonado7, dentre muitas outras subcategorias

    criadas no decorrer do sculo XX. O Estado passa a ser pressionado por rgos

    7 Categoria definida tanto pela ausncia dos pais quanto pela incapacidade da famlia de oferecercondies apropriadas de vida sua prole. (Rizzini, Irene 2004, p.29)

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    especializados para intervir mais diretamente na rea da assistncia a essa parcela

    da populao deixando de atuar como uma forma de caridade e passando a

    participar mais efetivamente no planejamento e efetivao das polticas de ateno

    ao menor. Tambm ganham consistncia os movimentos em torno de elaborao

    de leis de proteo e assistncia infncia, levando criao, no Rio de Janeiro,do primeiro Juzo de Menores do pas e na aprovao do Cdigo de Menores

    de1927 criado por Mello Mattos que perdurou at meados da dcada de 1980.

    Rizzini afirma que este novo aparato no se limitava apenas instncia jurdica,

    mas formava um sistema de assistncia social e jurdica. (2004, p.29) Silva

    ressalta ainda que este Cdigo consagrou um sistema dual no atendimento

    criana, atuando especificamente sobre os chamados efeitos da ausncia que

    atribui ao Estado a tutela sobre o rfo, o abandonado e os pais presumidos comoausentes, tornando disponvel seus direitos de ptrio poder. (2004b, p. 291) O

    cdigo de Menores voltava-se especificamente s crianas e aos adolescentes

    pobres. O Estado sobrepe-se famlia, intervindo junto criana estabelecendo

    uma vigilncia de autoridade pblica com o objetivo de garantir proteo.

    Contudo, Faleiros (1995) afirmava que apesar desta sobreposio do Estado

    famlia, trazia consigo um aspecto positivo.

    Se bem verdade que, na orientao ento prevalecente, a questo para a crianase coloque como problema do menor, com dois encaminhamentos o abrigo e adisciplina, a assistncia e a represso, h emergncia de novas obrigaes doEstado em cuidar da infncia pobre com educao, formao profissional,encaminhamento e pessoal competente. Ao lado das estratgias deencaminhamento para o trabalho, clientelismo, patrimonialismo, comea aemergir a estratgia dos direitos da criana (no caso o menor) j que o Estadopassa a ter obrigaes de proteo. (Faleiros, 1995, p.63)

    Este novo modelo de atendimento foi reproduzido posteriormente pelos

    demais estados do Brasil. O Juzo de Menores herdara caractersticas marcantes

    da ao policial e apresentava diversas atribuies como: vigilncia,

    regulamentao e interveno direta sobre crianas e adolescentes. No entanto, o

    que mais se destacou foi a internao dos menores abandonadose delinqentes,

    ou seja, aqueles que mais ameaavam a ordem pblica, que foi aceita

    rapidamente pela populao em geral e vista pelas camadas mais pobres como

    uma alternativa no cuidado e educao de seus filhos. Vale ressaltar aqui que as

    famlias das camadas populares eram vistas como incapazes de cuidar e educar

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    seus filhos e ter um espao que exercesse tais aes traziam um certo conforto s

    mesmas.

    Na dcada de 30, durante o governo Vargas, muitas questes referentes

    infncia e adolescncia so colocadas em pauta como parte importante do projeto

    de reformulao do papel do Estado. Rizzini (1995) destaca a situaogeneralizada de pobreza da populao levou a um reconhecimento da infncia

    como um problema social nos discursos e nas leis.

    Nesta mesma poca, foi criado o SAMServio de Assistncia ao Menor

    rgo criado voltado ao atendimento de crianas e adolescentes, implantado no

    governo ditatorial de Getlio Vargas. Neste perodo, a nfase do governo era a

    defesa da criana tendo em vista a defesa da nao. O atendimento prestado por

    este rgo voltava-se ao menor e sua famlia, porm, o objetivo inicial de prestarassistncia aos desvalidos no foi alcanado e sua ao voltou-se ao atendimento

    dos considerados transviados8e o SAM passou a ser considerado pela sociedade

    como uma escola para o crime (Rizzini, 2004)

    A partir da dcada de 50, um movimento comea a se organizar contra o

    modelo do SAM e propor a criao de uma nova instituio. Com o intuito de

    instituir o anti-SAM, nasce em 1964 a FUNABEMFundao Nacional de Bem-

    Estar do Menorque teria sua atuao baseada na Poltica Nacional de Bem-Estar

    do Menor cujo objetivo era o trmino da doutrina do internamento, visando

    valorizao da famlia e a integrao do menor comunidade. Este um ponto

    que merece destaque tendo em vista que a famlia, desde o incio da construo da

    assistncia Infncia no Brasil, era culpabilizada pelo estado de abandono do

    menor. Essa suposta (ir) responsabilidade, sobretudo dos pais, parece ter sido

    absorvida pelas famlias que passaram a usufruir o que Rizzini chama de

    tecnologia do internamento,ou seja, tais famlias enxergavam na internao a

    salvao de seus filhos, visto que elas no poderiam criar ou educ-los to bem

    quanto a instituio. Neste sentido, ter uma poltica que valorizasse o espao

    familiar e acreditasse que a famlia pode dar conta da criao e educao de suas

    crianas poderia significar uma mudana no trato a essa questo. No entanto, a

    legislao voltada populao de menores reforava a idia de incapacidade das

    famlias das camadas populares de educar seus filhos. Em 1979, h uma

    reformulao do Cdigo de Menores que prope a nova categoria de menor em

    8Termo empregado para designar os menores delinqentes, durante todo o perodo da existnciado SAM (19411964) (Rizzini, Irene 2004, p.91)

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    situao irregular9e destinava s famlias pobres a interveno do Estado por sua

    situao de pobreza. Na condio de menores em situao irregular enquadravam-

    se tanto os infratores quanto os menores abandonados, sendo tratados da mesma

    forma: sendo condenados a passarem grande parte de suas vidas internados em

    institutos para menores, tendo seus direitos fundamentais, tais como a liberdade,violados.

    A poltica de segurana nacional vivenciada no perodo da ditadura militar

    utilizava a recluso como medida repressiva destinada a qualquer indivduo que

    ameaasse a ordem social. No final da dcada de 70 e incio da dcada de 80,

    ganham fora os movimentos sociais de diversos segmentos da sociedade que se

    posicionavam contra o atual modelo de assistncia a este grupo, questionando a

    eficcia das medidas utilizadas. A forte cultura institucional presente no Brasilpassa a ser debatida. Rizzini (2004) ressalta que at esse momento, o termo

    internato de menores era utilizado para designar todas as instituies de

    acolhimento, provisrio ou permanente, voltadas ao atendimento de rfos

    carentes e delinqentes, mantendo a concepo de confinamento.

    A trajetria da institucionalizao comea a tomar outros caminhos a partir

    de meados da dcada de 80. O processo de redemocratizao do pas favoreceu e

    possibilitou que tanto os segmentos organizados da sociedade como os prprios

    internos discutissem e questionassem a forma de assistncia que perdurou durante

    os 20 anos de ditadura. Ganha fora o discurso para o fechamento dos grandes

    internatos estimulados pelo movimento internacional de reviso das polticas

    voltadas ao atendimento de crianas e adolescentes. Houve vrias denncias sobre

    o tratamento dado aos menores classificados como em situao irregular e s

    diversas internaes determinadas pelo Juzo de Menores, visando fomentar a

    busca por novas alternativas internao.

    Ganha corpo a noo de que os problemas das crianas e dos adolescentes

    pobres advinham da m distribuio de renda e da desigualdade social que tinham

    suas razes estruturais herdadas no processo de desenvolvimento poltico-

    9Categoria empregada (...) para designar todo menor de 18 anos de idade, que esteja privado decondies essenciais sua subsistncia, sade e instruo obrigatria em razo de falta, ao ouomisso dos pais ou responsveis ou pela impossibilidade dos mesmos em prov-la; vtima demaus tratos ou castigos imoderados; em perigo moral devido a encontrar-se, de modo habitual, emambiente contrrio aos bons costumes, explorao em atividade contrria aos bons costumes;

    privado de representao ou assistncia legal, pela falta eventual dos pais ou responsvel; comdesvio de conduta, em virtude de grave inadaptao familiar comunitria; autor de infrao penal.(RIZZINI, Irene 2004, p.94)

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    econmico do pas e que a falta de polticas pblicas e at mesmo de novas

    alternativas acabara levando institucionalizao deste grupo.

    Os movimentos engajados na luta pela defesa dos direitos das crianas e

    dos adolescentes ganham espaos de ao. A Assemblia Nacional da Criana e

    do Adolescente convoca a Comisso Nacional Criana e Constituinte, a FrenteNacional dos Direitos e o Frum NacionalDCA para participarem do processo

    de mobilizao social atravs do encaminhamento de propostas e elaborao de

    documentos sobre direitos da criana e do adolescente. Como resultado dessa

    mobilizao, apresentada Assemblia Nacional Criana e Constituinte uma

    emenda popular que culmina no artigo 22710 da Constituio Federal de 1988.

    Oliveira (2010) considera tal artigo como a expresso constitucional da doutrina

    de proteo integral, elevando crianas e adolescentes condio de sujeitos dedireitos.

    A Constituio Cidad reafirmou os direitos j garantidos pela Declarao

    Universal dos Direitos do Homem e pela Declarao dos Direitos da Criana,

    ambas elaboradas pela ONU e tambm ressaltou a importncia do direito de

    crianas e adolescentes convivncia familiar e comunitria.

    A mudana constitucional permitiu que crianas e adolescentes fossem

    reconhecidas como pessoas em peculiar estgio de desenvolvimento necessitando

    assim de proteo integral e especial da famlia, da sociedade e do Estado, sendo

    este ltimo responsvel pela criao e execuo de polticas pblicas especficas

    para a garantia dos direitos fundamentais deste grupo.

    Seguindo a proposta do reordenamento jurdico do pas, foi promulgado

    em 1990 o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA)um novo marco no trato

    s questes referentes infncia e juventude no Brasil, revogando a concepo de

    situao irregular instituda pelo Cdigo de Menores de 1979.

    10 dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana, ao adolescente e ao jovem,com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer,

    profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar ecomunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao,violncia, crueldade e opresso.

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    1.3A Institucionalizao de Crianas e Adolescentes com Deficincia noBrasil

    Para aprofundarmos anlise do processo de institucionalizao de crianase adolescentes com deficincia no Brasil, tomaremos por base o estudo realizado

    por Lilia Lobo em sua pesquisa de doutoramento em Psicologia. Devido riqueza

    de seu trabalho, a tese se transformou em um livro Os Infames da Histria:

    Pobres, escravos e deficientes no Brasilque trata de um grupo de brasileiros que

    foram considerados infames ao longo da histria do pas. So eles: os pobres,

    negros, escravos, degenerados, viciosos, idiotas, alienados, loucos, monstros,

    doentes, inteis, surdos-mudos. Para a realizao de tal estudo a autora realizaum resgate da histria do Brasil desde o seu descobrimento at a Repblica

    buscando identificar os fatores que levaram construo da categoria deficincia

    no pas. Lobo trabalha com a perspectiva genealgica entendendo a deficincia

    como instituio, ou seja, como formas histricas socialmente produzidas e ainda

    ressalta que:

    Analisar as deficincias como instituio tom-las imediatamente emsua historicidade, admitindo que, no mesmo momento em que surgiramcertos cuidados com elas, comearam a engendrar-se no s os sentidosque hoje lhes atribumos, como a preocupao com seus destinos. (2008,

    p.21)

    Lilia Lobo no estabelece a infncia como foco especfico de seu trabalho,

    contudo tal discusso perpassa por todo o trabalho de pesquisa realizado. Com

    relao ao processo de institucionalizao a autora entende que este sustenta-se

    nas prticas mais ou menos discursivas das separaes, muitas vezes com ajustificativa de se alcanar um certa ordem ou de exercer um determinado controle

    dentro da sociedade promovendo assim a excluso social de grupos que possa

    oferecer algum risco a essa ordem.

    A autora tambm enfatiza a figura do idiota e, posteriormente, a

    construo da figura da criana anormal que passou a compor definitivamente os

    discursos e as prticas mdico-pedaggicas desde o incio do sculo XX.

    Para entendermos como se deu todo o processo de institucionalizao decrianas e adolescentes com deficincia, veremos a seguir brevemente como era

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    realizada a assistncia no que tange ao deficiente durante o perodo colonial e no

    incio do perodo republicano destacando as mudanas ocorridas nesta rea.

    1.3.1A Assistncia Criana e ao Adolescente com Deficincia no Brasil

    Desde o sculo XVI a populao convivia com pessoas consideradas

    objeto de desconfianaloucos, insanos, mentecaptos e defeituosos de nascena,

    entre outros. sem, contudo, haver a necessidade de recluso destes. At as

    pessoas que apresentavam melhores condies sociais no ficavam restritas aointerior de suas residncias ou em outras instituies.

    No Brasil, essa mesma classe de gente moralmente reprovada ficaria aindamuito tempo fora dos asilos e, a no ser os herticos e os pecadores da carne soba mira do Tribunal e frequentadores dos crceres da Inquisio perambularia livrepelas estradas, pelas periferias e mesmo no interior dos espaos urbanos, compassagens eventuais pelas prises, caso exibissem comportamento consideradoagressivo e indecoroso, (...) (Lobo, 2008 p.271)

    As pessoas consideradas defeituosas no Brasil Colnia formavam um

    grupo de pobres que perambulavam em busca de alguma ocupao que lhes fosse

    remunerada para ao menos sobreviver.

    Neste contexto, com a expanso das cidades e as mudanas econmicas, a

    pobreza passa a assumir novas dimenses, perdendo seu carter santificado

    passando a ser vista como um problema social e necessitando de controle.

    (...) a pobreza instalou-se definitivamente na Colnia no como um problemasocial para ser ao menos atenuado, j que a sociedade da poca no questionava adesigualdade. O perigo no era apenas o estado de pobreza, mas as transgressesda ordem estabelecida que os pobres poderiam cometer. (Lobo, 2008 p.279)

    A urgncia de controle sobre a populao pobre levou a necessidade de

    interveno feita por mecanismos repressivos da legislao (inquisies, milcias

    e diversos castigos) bem como por instrumentos da caridade (ordens, asilos, e

    irmandades). Dentre os instrumentos de caridade, os que mais se destacaram

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    foram as Irmandades representadas pelas Santas Casas de Misericrdia que se

    expandiram por todo o territrio da Colnia atendendo a populao pobre,

    indigente e os escravos.

    Lobo relata que o governo pouco se importava com a situao dos doentes,

    desvalidos, invlidos ou indigente e ressalta que as principais cidades brasileirascontaram apenas com um nico hospital mantido pela irmandade. Ainda no que

    tange falta de interesse dos governadores, a autora ainda relata que poucas

    medidas foram tomadas com relao limpeza das cidades que viraram espao de

    disseminao de doenas e surtos epidmicos. No havia a preocupao em se

    criar um projeto preventivo para a Colnia. Sendo assim, os hospitais tinham a

    responsabilidade de separar a populao doente para que no contaminasse o

    restante da populao e no tinha o carter de promover a cura, mas de salvaocomo afirma Lobo:

    Antes do sculo XVIII, o hospital era essencialmente uma instituio deassistncia aos pobres. Instituio de assistncia, como tambm de separao eexcluso. O pobre como pobre tem necessidade de assistncia e, como doente,portador de doena e de possvel contgio, perigoso. Por estas razes, o hospitaldeve estar presente tanto para recolh-lo, quanto para proteger os outros do perigoque ele encarna. O personagem ideal do hospital, at o sculo XVIII, no odoente que preciso curar, mas o pobre que est morrendo. algum que deve

    ser assistido material e espiritualmente, algum a quem deve dar os ltimoscuidados e o ltimo sacramento. (Lobo, 2008, apud, Foucault 1979, p.287)

    As Santas Casas tambm exerceram um importante papel com relao

    criana abandonada. As irmandades assumiram a responsabilidade de cuidar dos

    rfos e enjeitados, responsabilidade esta que cabia ao poder pblico segundo a

    legislao portuguesa.

    Com a dificuldade em identificar os expostos devido ausncia de

    registros na poca que apontasse este tipo de informao, a autora apresenta comosuposio, dois fatores que levavam ao abandono de crianas antes e depois da

    instituio das rodas:

    O primeiro que se pode deduzir, pelas indicaes que acompanhavam ascrianas (uma trouxa de roupas, uma nota explicativa e a data do batismo, svezes) e pelas prprias condies de sade (doentes, nuas, pele esticada sobre osossos), a extrema pobreza das famlias. Segundo, (...) muitos recm-nascidoscom deformaes foram abandonados [na roda] por mes desesperadas.

    (2008, p.291)

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    Tal suposio retrata claramente a pobreza e a deficincia como fatores

    importantes utilizados pelas famlias como justificativa para o abandono de seus

    filhos.

    A partir do sculo XIII observa-se um aumento gradativo da populao das

    principais cidades brasileiras. Na segunda metade do sculo comea-se a tematizara desordem social e a segurana das cidades devido preocupao no somente

    com a iminncia de invaso estrangeira, mas tambm com a falta de estrutura da

    populao em defender sua terra. Diante disso, Lobo afirma que o espao da

    cidade tornou-se alvo do conhecimento militar que necessitou recrutar gente apta

    para defender a cidade. A autora relata que os habitantes das cidades tornaram-se

    o alvo principal das propostas de ordenao militar da cidade e ressalta que a

    questo principal dessa ao no estava apenas em ordenar e fixar os habitantes,mas em dizer quem devia morar na cidade e quem dela deveria ser expulso.

    Importava civilizar essa gente e eleger a cidade como lugar estratgico, aomesmo tempo, de defesa, regenerao e controle. A cidade era o lugar da lei queo serto desconhecia ela seria o centro de irradiao da ordem para asperiferias.(2008, p.299)

    Contudo, apesar de toda a preocupao com relao manuteno da

    ordem e defesa do espao da cidade, surge no sculo XIX um novo objeto de

    saber: o urbano que, segundo Lobo, rompeu com a cidade como lugar dos

    acontecimentos e passou a tom-la em si como problema, como objeto de

    conhecimento e dominao. Sendo assim, a cidade passa a ser concebida como

    uma expresso fsica e o urbano como sntese da mltiplas relaes tecidas nesse

    espao. A autora afirma que a cidade ento passa por mudanas significativas,

    deixando de ser o cenrio das prticas sociais como os dramas da caridade dos

    tempos da Colnia passando a ser:

    (...) o prprio campo das intervenes de um saber cientfico, neutro everdadeiro, que legitimava a norma e impunha uma ordem naturalizada euniversal. Campo de exerccio das disciplinas; no apenas nas separaes dosespaos institucionais (asilos, prises, hospitais, fbricas, escolas), nareconstruo da arquitetura do meio urbano e de seus servios pblicos, comotambm no mundo privado das moradias, dos hbitos e rotinas familiares.(Lobo, 2008, p.302)

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    Para se viver ento neste espao, novas disciplinas foram convocadas para

    enfrentar o fenmeno do urbano: a medicina social, o higienismo, a sociologia, a

    psicologia e a estatstica. Surgem tambm novas formas de interveno. Cresce

    ento a valorizao do corpo no que tange relao sade X doena e a

    normalizao de condutas que estivessem de acordo com os interesses dosgovernantes. Neste contexto, os pobres e principalmente os escravos formavam o

    grupo alvo de interveno por representarem a fonte de todos os malefcios

    (epidemias, vcios e degeneraes) e, sendo assim, deveriam ser afastados do

    convvio urbano, internados em espaos prprios, como os depsitos de

    mendigos, prises, asilos e hospcios ou , no caso dos escravos, enviados para o

    trabalho nas reas rurais. As prticas mdicas nos tempos da colnia no tinham

    funo preventiva ou visavam produzir sade, ao contrrio, elas s eram exercidasquando o mal j se instalava atingindo-o pontualmente.

    Com a mudana da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, a cidade

    colonial passa por mudanas significativas em sua estrutura fsica e absorve novos

    costumes e novos refinamentos. A europeizao dos costumes passa a afetar

    diretamente as formas de se viver dentro das cidades afetando o quotidiano das

    famlias que eram aconselhadas a permanecerem no interior de suas casas, sendo

    assim retiradas do convvio permanente com os escravos, amas e agregados.

    Observa-se tambm neste contexto mudanas nos sentimentos com relao

    infncia11que posteriormente no era reconhecida.

    Nos tempos da colnia a criana no era vista como objeto ao mesmo

    tempo de cuidados e saberes especializados. A preocupao com a criana e com

    o adolescente girava em torno do benefcio que ele poderia trazer s suas famlias.

    Na famlia senhorial eles eram enviados a colgios internos para mais tarde se

    ocuparem nas diversas atribuies voltadas defesa da propriedade, do prestgio

    poltico, na conservao e no aumento do patrimnio de sua famlia. A prtica do

    internamento de filhos em escolas tambm adveio das intervenes mdicas nas

    prticas pedaggicas que apontavam para a necessidade de recluso das crianas

    haja visto as ms influncias do mundo externo. Neste momento ganha destaque o

    papel dos higienistas na normalizao das escolas.

    11 Philippe Aris ao definir a expresso sentimento da infncia ressalta que a mesma no

    significa o mesmo que afeio pelas crianas: corresponde conscincia da particularidadeinfantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criana do adulto, mesmo jovem.(Aris,1978, p.156)

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    Cientes da importncia da educao das crianas da elite na modernizao dasociedade, os higienistas assumiram o papel de verdadeiros pedagogos devanguarda na luta contra os arcasmos dos colgios. Praticamente nada dasprticas escolares escapou normalizao mdica. (...) Interferiram diretamenteno processo de aprendizagemno apenas no espao maior dos colgios, mas naintimidade da sala de aula, ao proporem regras didticas para o ato deensinar. (...)(Lobo, 2008, 313).

    Todavia os higienistas do sculo XIX no preconizavam uma disciplina

    preventiva no que se referia instruo escolar nem para os pobres nem muito

    menos para as crianas defeituosas. As crianas pobres eram utilizadas como

    mo-de-obra para o trabalho nas fazendas e vistas como uma possibilidade de

    descanso para os pais em um futuro prximo. O processo de escolarizao deste

    grupo teve seu incio somente no sculo XX com a criao de redes escolares deensino pblico. J as crianas defeituosas/desvalidas tiveram acesso a

    estabelecimentos especializados em alguma forma de deficincia no final do

    sculo XIX. Os primeiros estabelecimentos oficiais especializados o Imperial

    Instituto dos Meninos Cegos e o Instituto dos Surdos-Mudossurgiram na dcada

    de 1850, contudo, tais estabelecimentos no foram frutos das intervenes ou dos

    esforos do movimento higienista.

    Alm da falta de interesse dos higienistas, Lobo ainda ressalta a ausnciado Estado nas questes voltadas infncia e deficincia no perodo colonial.

    Ao menos at o final do sculo XIX, pauperismo, infncia e invalidez para otrabalho no eram ainda consideradas questes de Estado ou objeto de prticasmdico-filantrpicas, assim como a preveno e, principalmente, a recuperaono se generalizavam s camadas mais pobres. (Lobo, 2008, p. 335)

    No perodo republicano, a assistncia infncia passa a ganhar novos

    contornos. Lobo relata que estudiosos preocupados com a situao vivida no

    sculo anterior, passam a culpar a negligncia do Estado pelo desamparo e pelos

    altos ndices de mortalidade infantil. A autora destaca que Carlos Arthur

    Moncorvo Filho foi a figura mais representativa do esforo de estender a norma

    mdica infncia pobre e desvalida. Em 1901, ele fundou, no Rio de Janeiro, o

    Instituto de Proteo e Assistncia Infncia. O Instituto tinha objetivos

    preventivos e assistia s mes na gravidez, no parto e no aleitamento visando

    prevenir o nascimento de prematuros e de crianas doentias ou defeituosas. Para

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    alm do carter preventivo, Lobo ressalta que o trabalho realizado pelo Instituto

    tambm perseguia outros objetivos como:

    (...) averiguar as condies de vida das crianas pobres, dispensar proteo scrianas que sofriam maus-tratos, entregues mendicncia ou moralmente

    exploradas e abandonadas; (...) E os objetivos, aqui, mais interessantes mantero Dispensrio Moncorvo para tratamento das cri anas pobres com preferncia

    s que forem fisicamente defeituosas, anmicas, raquticas, dbeis, etc.,prodigalizando-lhes todos os recursos modernos da teraputica e da higiene, (...)(Lobo, 2008, p.335) (grifo nosso)

    O trabalho realizado por Moncorvo muito contribuiu, no somente pelas

    prticas mdico-pedaggicas especializadas voltadas s crianas defeituosas, mas

    por difundir preceitos preventivos. Fato este que despertou a ateno da sociedadepara a necessidade de cuidados especiais para essas crianas.

    1.3.2Da Idiotia Criana Anormal

    Como vimos anteriormente, a infncia, como instituio, no era

    reconhecida at o perodo colonial.

    A infncia como instituio forma histrica como hoje conhecida e valorizadano existia. No se achava constituda como uma fase da vida qual deveriam seratribudas particularidades diferentes das dos adultos, prticas especiais deconservao e educao e de discursos mdico-pedaggicos preventivos enormalizadores. (Lobo, 2008, p.309)

    O reconhecimento da identidade da criana anormal passou por um

    processo de constituio das anomalias da infncia conhecido como cdigo

    tericoque identificava as crianas com deficincia. Tal processo foi atravessado

    por trajetrias distintas, porm interligadas: A primeira trata da condio da

    deficincia, partindo da categoria denominada idiotia caracterizada pelas

    expresses de deficincias e dos retardos cognitivos. A segunda, referente ao

    processo de expanso do saber psiquitrico referente infncia.

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    Lobo afirma que a identidade da criana anormal foi ento constituda

    atravs da conjugao desses processos.

    Custou mais idiotia, marcada por causas orgnicas, estigmas fsicos,considerada incurvel, questionada como doena, adquirir essa invisibilidade

    nosogrfica da psiquiatria. Nem por isso deixou de ser, desde o incio, assimilada alienao e doena mental, tanto nos discursos quanto nas prticas deenclausuramento. este ponto que nos interessa: a institucionalizao da idiotiapelo psiquiatra e que, por extenso, faz nascer no incio do sculo XX a crianaanormal. (Lobo, 2008, p. 347)

    Ao buscar distinguir a loucura da idiotia, o saber popular caracterizava o

    louco relacionando-o ao delrio e fria, j o idiota como aquele que tem fraco

    juzo. Lobo afirma que esse discernimento, no entanto, no impediu a incluso da

    idiotia no campo da sade mental. Por apresentar um carter de invisibilidade relacionado s profundezas invisveis do corpo e no s s evidncias das

    marcas da superfcies a doena mental passa a exigir a avaliao de um

    profissional capaz de diagnostic-la. E o profissional detentor desse saber

    constitudo seria o psiquiatra.

    Com isso, tem-se a legitimao da institucionalizao da idiotia pela

    psiquiatria nos dispositivos asilares. Lobo aprofunda essa discusso baseando-se

    nos estudos de Castel (1978) que afirmava que a incluso do idiota no territrio dasade mental buscava atender ao objetivo alienista que fazia com que o hospcio

    aceitasse as diversas tipologias de alienaes mentais. Tambm ressalta que a

    idia central de Pinel era o reordenamento do espao hospitalar.

    Atravs da excluso, do isolamento, do afastamento para prdios distintos,as categorias misturadas no enclausuramento so desdobradas em quantas foremas razes para se tornar um assistido: pobreza, velhice, solido, abandono pelosparentes, doenas diversas. (Lobo, 2008, p.347)

    Castel, utilizando-se das palavras de Pinel, apresenta ainda quais seriam as

    consideraes apontadas que justificavam essa incluso.

    Um hospcio de alienados(...) destitudo de um objeto fundamental se, atravsde sua disposio interior, no mantiver diversas espcies de alienados num tipode isolamento, no for capaz de separar os mais furiosos daqueles que sotranquilos, no evitar suas comunicaes recprocas a fim de impedir recadas efacilitar a execuo de todos os regulamentos de polcia interior ou afim de evitar

    anomalias inesperadas na sucesso do conjunto de sintomas que o mdico deveobservar e descrever (Pinel apud Castel, 1978 p. 83-84)

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    Como se pode notar a psiquiatria tinha o interesse em manter a diversidade

    de alienados no dispositivo asilar, contudo torna-se necessrio entender a partir de

    que perspectivas ocorreu a assimilao da idiotia no campo da alienao mental e

    quais foram os efeitos advindos dessa incluso.

    Foi, portanto, neste conjunto das diversas espcies de alienados que o idiota foiincludo. Como isto aconteceu? Desvalido, abandonado, intil para o trabalho, e,sobretudo o incurvel, ele o era tal como os demais. s vezes, era ao mesmotempo surdo, cego ou paraltico. Outras vezes considerado como capaz paracertos trabalhos como o imbecil. O que o aproximou do alienado. J que noapresentava a caracterstica fundamental da alienao que era o delrio? Por que,reconhecido desde logo em sua organicidade no foi absorvido pela medicinaclnica? (Lobo, 2008, p.348)

    A autora ressalta o fato da assimilao do idiota pela psiquiatria no ter se

    dado pelos aspectos orgnicos de sua patologia e a ausncia do interesse

    teraputico no que tange inteligncia deficiente. O interesse da psiquiatria

    consistia no comportamento do idiota, naquilo que causava estranhamento e

    caracterizava sua monstruosidade.12

    Lobo (2008), em seu trabalho, apresenta a diferenciao entre idiotia e

    demncia baseado nos estudos de Pinel apresentados no livro A Histria da

    Loucura de Foucault. Para Pinel a idiotia era considerada abolio mais ou

    menos absoluta seja das funes do entendimento, seja das afeces do corao,

    de origem ou adquirida. Pineldistinguia a idiotia da demncia ao afirmar que:

    No idiota h uma paralisia, uma sonolncia de todas as funes do entendimentoe das afeces morais, seu esprito permanece imobilizado numa espcie deestupor. Na demncia, pelo contrrio, as funes essenciais do esprito pensam,mas pensam no vazio e, por conseguinte, com extrema volubilidade. (Foucault

    apud Lobo, 2008, p.348)

    A autora afirma que no sculo XIX, a idiotia foi fixada definitivamente na

    abolio das faculdades mentais e passou a ser reconhecida no como uma

    doena, mas como um estado que no pode ser alterado, conforme apresentado

    nos estudos de Esquirol.

    A idiotia no mais uma doena, um estado no qual as faculdades intelectuais

    no se manifestam jamais, ou no puderam se desenvolver o suficiente para que o12Ver Lobo (2008), Captulo IMonstros e Degenerados.

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    idiota pudesse adquirir os conhecimentos relativos educao que recebem osindivduos de sua idade, e colocados nas mesmas condies que eles. A idiotiacomea com a vida ou na idade que precede o desenvolvimento completo dasfaculdades intelectuais e afetivas; os idiotas so aqueles que o sero durantetodo o curso de sua vida, e neles tudo revela uma organizao imperfeita ou

    uma parada em seu desenvolvimento. No se concebe a possibilidade demudar tal estado.(Esquirol apud Lobo, 2008, p.350) (grifo nosso)

    A idiotia, por se constituir no processo de desenvolvimento das faculdades

    intelectuais, foi associada infncia e a loucura associada ao adulto, ou no

    mximo ao adolescente. A concepo de a idiotia ser causada por uma parada no

    desenvolvimento trazia consigo a questo da fatalidade biolgica das

    malformaes inatas, permanentes e incurveis. Partindo desta concepo,

    Esquirol diferenciava a idiotia da demncia atravs da seguinte comparao:

    (...) a incurabilidade estaria marcada pelo desenvolvimento como propriedade. Ado demente, pelo fim de uma histria um proprietrio que ficou pobre. A doidiota, por uma histria que ele nunca teve porque j nasceu despossudo.(Lobo,2008, p.371)

    Diante do carter incurvel e visvel da idiotia, a medicina higienista

    passou a se preocupar com a temtica. A idiotia passou a fazer parte do seu

    discurso dos higienistas no que se referia higiene dos casamentos, da

    consanguinidade, da influncia dos pais sobre a prole no momento da concepo,

    dentre outros temas (Lobo, 2008).

    Muitos foram os estudos realizados que buscavam distinguir a idiotia da

    loucura. Lobo(2008) apresenta em seu trabalho o conceito de idiotia definido por

    Bourneville no final do sculo XIX que a diferenciava da loucura por ser uma

    doena crnica do sistema nervoso central. Contudo, Bourneville ressaltava que

    idiotas, assim como os loucos, estavam sujeitos aos desvios do instinto.

    A criana anormal nasce no incio do sculo XX. Estudiosos passam a se

    interessar pelas anormalidades infantis, no entanto, Lobo (2008) chama a ateno

    para a diversidade de classificaes apresentadas por eles. Mas a autora apresenta

    pontos em comum em meio s diversas classificaes: 1) o conceito: anormal

    seria tudo que fugisse norma; 2) o critrio negativo da falta.

    Lobo afirma que a medida que a escola ganhava importncia na sociedade,

    os critrios mdicos aliavam-se aos pedaggicos e, assim, a anormalidade infantil

    ia gradativamente passando a se referir s possibilidades de escolarizao.

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    Critrios mdicos e pedaggicos comeam a ser concomitantemente usados,principalmente quando se trata de distinguir os anormais completos (ouineducveis) e os incompletos (educveis) das demais crianas escolares. (Lobo,2008, p.381)

    Vemos assim, que crianas consideradas anormais, dependendo do grau de

    sua anormalidade, eram excludas do sistema de ensino com a justificativa de

    serem ineducveis, vivendo ento margem do sistema educacional. Este um

    dado de suma importncia, no entanto, no abordaremos melhor esta discusso,

    por no ser o tema central deste estudo.

    Com relao institucionalizao de crianas anormais, Lobo (2008)

    relata em seu estudo que o principal rgo voltado a essa populao foi o Pavilho

    Escola Bourneville para Crianas Anormais fundado no incio do sculo XX.

    1.4A Prtica da Institucionalizao Ps Estatuto da Criana e doAdolescente

    Como vimos no anteriormente, a Constituio Federal e o Estatuto daCriana e do Adolescente trouxeram consigo a proposta de mudana de paradigma

    visando romper com a cultura da institucionalizao de crianas e adolescentes

    que perdurou no pas por um longo perodo.

    Toda e qualquer criana e/ou adolescente passam a ser entendidos como

    sujeitos de direitos, extinguindo assim a categoria menor. As legislaes elencam

    em seu texto uma srie de direitos a serem assegurados a essa parcela da

    populao.Neste parte do nosso estudo aprofundaremos o direito fundamental

    convivncia familiar e comunitria estabelecido por estes marcos legais,

    analisando os principais pontos desde o seu reconhecimento at os dias atuais.

    No focaremos, contudo, a discusso do direito s no campo da infncia e

    adolescncia com deficincia, por entendermos sua importncia no

    desenvolvimento de todas as crianas e adolescentes. O recorte especfico da

    garantia do direito para o grupo de crianas e adolescentes com deficincia serrealizado mais adiante no Captulo 3.

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    1.4.1O Direito Convivncia Familiar e Comunitria

    O direito convivncia familiar e comunitria foi um direito socialmente

    construdo diante de toda a emergncia de proteo que crianas e adolescentes,

    principalmente os mais pobres, demandavam como pudemos analisar no captulo

    anterior. Pode-se assim confirmar o que Norberto Bobbio j afirmara:

    o elenco dos direitos do homem se modificou e continua a se modificar, com amudana das condies histricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das

    classes no poder, dos meios disponveis para a realizao dos mesmos, dastransformaes tcnicas, etc. (1992, p.18)

    Diante disso, considera-se que o direito convivncia familiar e

    comunitria foi construdo para responder a uma determinada questo a prtica

    da institucionalizao e dever ser moldado e remoldado conforme as novas

    demandas que surgirem dentro da dinmica da sociedade. Veremos a seguir como

    este direito vem sendo remodelado desde a sua construo na Constituio de

    1988.

    A Constituio de 1988 elencou no artigo 227 uma srie de direitos

    fundamentais para o desenvolvimento saudvel de crianas e adolescentes que

    devero ser assegurados pela famlia, pela sociedade e pelo Estado com absoluta

    prioridade, dentre eles o direito convivncia familiar e comunitria.

    Posteriormente Constituio, o Estatuto da Criana e do Adolescente

    (1990) deu nfase Doutrina da Proteo Integral inspirado na Conveno

    Internacional dos Direitos da Criana. O Estatuto refora a proposta dadesinstitucionalizao, que j vinha ganhando fora atravs dos movimentos

    sociais da poca buscando romper com as antigas prticas de institucionalizao.

    Sabemos, contudo que tal objetivo algo que vem sendo construdo lentamente

    at os dias de hoje e apesar dos 20 anos desde a sua promulgao ainda no foi

    alcanado por completo.

    O ECA traz em seu contedo um captulo exclusivamente voltado para o

    direito convivncia familiar e comunitria e ressalta em seu artigo 19 que todacriana ou adolescente tem direito a ser criado no seio de sua famlia. (Brasil,

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    1990) O Estatuto prioriza o direito convivncia familiar e comunitria,

    entendendo que a famlia a estrutura vital para o desenvolvimento das pessoas e

    a base social do Estado. A partir deste entendimento prev que o acolhimento

    institucional e/ou a internao devem ser utilizados em ltima instncia, quando

    todas as alternativas possveis forem esgotadas.Ademais, a legislao apresenta muitas mudanas com relao ao

    atendimento criana e ao adolescente, dentre elas citaremos algumas

    relacionadas diretamente com a questo da institucionalizao. O Estatuto, no

    artigo 98, traz a concepo de que o abrigo uma das medidas de proteo

    indicadas para casos de ameaa e/ou violao dos direitos reconhecidos em seu

    contedo, casos estes definidos da seguinte forma:

    Ipor ao ou omisso da sociedade e do Estado;IIpor falta, omisso ou abuso dos pais ou responsvel;IIIem razo de sua conduta.

    Tambm destaca que tais medidas devem ser aplicadas aliando sempre

    suas aes ao fortalecimento dos vnculos familiares e comunitrios. E ainda

    ressalta no artigo 101, o carter de provisoriedade e excepcionalidade do abrigo

    voltado exclusivamente proteo de crianas em situao de risco pessoal e

    social.

    Pargrafo nico: O abrigo medida provisria e excepcional utilizvelcomo forma de transio para colocao em famlia substituta, noimplicando privao de liberdade.

    Outro ponto de suma importncia trazido pelo Estatuto foi que a pobreza

    por si s no se caracteriza como motivo para a prtica da institucionalizao.

    Art. 23. A falta ou a carncia de recursos materiais no constitui motivosuficiente para a perda ou a suspenso do poder familiar.Pargrafo nico. No existindo outro motivo que por si s autorize a decretaoda medida, a criana ou o adolescente ser mantido em sua famlia de origem, aqual dever obrigatoriamente ser includa em programas oficiais de auxlio.

    No entanto, apesar do ECA no identificar a pobreza como justificativa para a

    prtica da institucionalizao, ainda hoje possvel perceber que a pobreza ainda se

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    coloca como obstculo para a permanncia de crianas e adolescentes, principalmente os

    que possuem deficincia, em seu contexto familiar como discutiremos mais adiante.

    Com relao ao tempo de permanncia das crianas e dos adolescentes nos

    abrigos o Estatuto no definiu uma data, mas afirma que esta deve ser uma medida

    provisria. Porm, uma vez abrigados, as crianas e os adolescentes passam aviver longe de suas famlias que em muito dos casos no os visitam com

    freqncia, fragilizando assim os seus vnculos. Se no houver um incansvel

    trabalho por parte dos profissionais desses abrigos em reintegr-los s suas

    famlias de origem ou a uma famlia substituta, esses vnculos se fragilizaro at o

    ponto de no existirem mais. Com isso, muitos abrigos passam a servir como

    espaos de confinamentos podendo vir a se tornar um espao de violao do

    direito convivncia familiar e comunitria.

    O Estatuto da Criana e do Adolescente reafirmou o direito convivncia

    familiar e comunitria anteriormente reconhecido pela Constituio Federal.

    Porm, tal reconhecimento no foi suficiente o bastante para que tal direito fosse

    garantido. Diante de tal fato, surgiu a necessidade de pensar alternativas possveis

    para a promoo e efetiva garantia do direito. Diante desta proposta a famlia,

    apontada como importante agente de proteo de crianas e adolescente, ganha

    um maior reconhecimento e importncia nos novos referenciais legislativos.

    A Poltica Nacional de Assistncia Social (2004) prev que as aes no

    mbito da Assistncia Social tenham centralidade na famlia, entendendo-a como

    principal ncleo de apoio.

    (...) a situao atual para a construo da poltica pblica de assistncia socialprecisa levar em conta trs vertentes de proteo social: as pessoas, as suascircunstncias e dentre elas seu ncleo de apoio primeiro, isto a famlia.(Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome / Secretaria deAssistncia Social, 2004, p.11) (grifo nosso)

    A centralidade do papel da famlia no cuidado, formao e educao de

    crianas e adolescentes passa a ser o foco principal da nova tendncia nas esferas

    das polticas sociais e econmicas em mbito nacional e internacional. A Poltica

    Nacional de Assistncia Social est pautada na matricialidade familiar, pois

    entende que embora haja um reconhecimento da importncia das famlias na vida

    social sendo, portanto, merecedoras da proteo do Estado a realidade tem

    dado sinais cada vez mais explcitos do quadro de penalizao e desproteo

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    vivenciado por elas. Tal fato exige que tal proteo seja reavaliada e remodelada

    para atender as necessidades deste importante agente. Diante disso justifica sua

    nfase ao afirmar que:

    Esta nfase est ancorada na premissa de que a centralidade da famlia e asuperao da focalizao, no mbito da poltica de Assistncia Social, repousamno pressuposto de que para a famlia prevenir, proteger, promover e incluir seusmembros necessrio, em primeiro lugar, garantir condies de sustentabilidadepara tal. Nesse sentido, a formulao da Poltica de Assistncia Social pautadanas necessidades das famlias, seus membros e dos indivduos. (Ministrio doDesenvolvimento Social e Combate Fome / Secretaria de Assistncia Social,2004, p.35)

    Paralelamente ao processo de desenvolvimento da Poltica de Assistncia

    Social e reconhecendo tambm a importncia da famlia no desenvolvimento de

    crianas e adolescentes, em 2004, o CONANDA Conselho Nacional dos

    Direitos da Criana e do Adolescente adotou como poltica pblica prioritria

    dentro de seu planejamento estratgico, para exerccio 2004-2005, a promoo do

    direito convivncia familiar e comunitria de crianas e adolescentes. Foi feita

    uma articulao entre a Secretaria Especial dos Direitos Humanos e o Ministrio

    de Desenvolvimento Social e Combate Fome que trouxeram a proposta de

    convocao de outros Ministrios e atores para a formao de uma Comisso

    Intersetorial.

    A Comisso Intersetorial, como o nome j revela, foi composta tendo em

    vista a noo de intersetoriedade. Em sua composio encontravam-se: atores

    institucionais dos trs poderes da Repblica, das diferentes polticas sociais

    bsicas, da rea de planejamento do Governo Federal, das instncias de

    participao e controle social que integram o Sistema de Garantia de Direitos, das

    entidades de atendimento, assim como do CONANDA, Frum Colegiado

    Nacional dos Conselhos Tutelares, Conselho Nacional da Assistncia Social

    CNASe do Conselho da Pessoa Portadora de Deficincia (CONADE) e tambm

    entidades civis de mbito nacional que atuam na militncia pelo direito

    convivncia familiar e comunitria. A principal finalidade da Comisso

    Intersetorial era a construo de subsdios para a elaborao do Plano Nacional.

    No ano de 2005 foi lanado um documento intitulado Subsdios para

    Elaborao do Plano Nacional de Promoo, Defesa e Garantia do Direito de

    Crianas e Adolescentes Convivncia Familiar e Comunitria. Este

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    documento trazia a proposta de mudana do olhar e do fazer referente s aes

    voltadas a promoo do direito convivncia familiar e comunitria e mais uma

    vez ressaltou a importncia da centralidade da famlia.

    Trata-se da mudana do olhar e do fazer, no apenas das polticas pblicasfocalizadas na infncia e na juventude, mas extensiva aos demais atores dochamado Sistema de Garantia de Direitos e de Proteo Social, implicando acapacidade de ver as crianas e adolescentes de maneira indissocivel do seucontexto scio-familiar, percebendo e praticando a centralidade da famliaenquanto objeto de ao e de investimento. (Ministrio do DesenvolvimentoSocial e Combate Fome / Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2005, p.08)

    Toda essa mobilizao culminou no lanamento em 2006 do Plano

    Nacional de Promoo, Proteo e Defesa do Direito de Crianas e Adolescentes

    Convivncia Familiar e Comunitria.Este Plano tem como principais objetivoso rompimento com a cultura da institucionalizao de crianas e adolescentes e o

    fortalecimento da Doutrina de Proteo Integral, investindo tambm na

    formulao e implementao de polticas pblicas de ateno s famlias.

    Seguindo a tendncia atual reafirma a importncia da famlia e assevera que:

    (...) a famlia tem importncia tal que permanece viva, como realidadepsicolgica, ao longo de todo o ciclo vital do indivduo, ainda que sentida como

    falta. Ao longo de sua vida, cada pessoa retornar inmeras vezes s lembranasdas experincias vividas com a famlia na infncia, na adolescncia, na vidaadulta e na velhice. (Presidncia da Repblica; Secretaria Especial de DireitosHumanos; Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome/ SecretariaEspecial de Direitos Humanos, 2006, p.33)

    O Plano estabelece que o afastamento de crianas e adolescentes do

    convvio de sua famlia de origem deve ocorrer somente para a proteo de sua

    integridade fsica e psicolgica e deve seguir as seguintes determinaes:

    Quando, para a proteo de sua integridade fsica e psicolgica, for detectada anecessidade do afastamento da criana e do adolescente da famlia de origem, osmesmos devero ser atendidos em servios que ofeream cuidados e condiesfavorveis ao seu desenvolvimento saudvel, devendo-se trabalhar no sentido deviabilizar a reintegrao famlia de origem ou, na sua impossibilidade, oencaminhamento para famlia substituta. Tais servios podem ser ofertados naforma de Acolhimento I nstitucional ou Programas de Famlias Acol hedoras.(Presidncia da Repblica; Secretaria Especial de Direitos Humanos; Ministriodo Desenvolvimento Social e Combate Fome/ Secretaria Especial de DireitosHumanos, 2006, p.40) (Grifo nosso)

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    O Plano adota o termo acolhimento institucional para designar os

    programas de abrigo13e refora todas as atribuies conferidas pelo Estatuto da

    Criana e do Adolescente a este modelo de atendimento. Tambm apresenta a

    definio doPrograma Famlias Acolhedoras14caracterizadas como:

    (...) um servio que organiza o acolhimento, na residncia de famliasacolhedoras, de crianas e adolescentes afastados da famlia de origem mediantemedida protetiva. Representa uma modalidade de atendimento que visa oferecerproteo integral s crianas e aos adolescentes at que seja possvel areintegrao familiar. (Presidncia da Repblica; Secretaria Especial de Direi tosHumanos; Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome/ SecretariaEspecial de Direitos Humanos, 2006, p.42)

    Vale ressaltar que este programa no adoo, mas sim um acolhimento

    provisrio, at que se viabilize uma soluo permanente que atenda a situao da

    criana ou adolescente em situao de risco.

    Ademais, o Plano visa a mudana de paradigma do atendimento criana

    e ao adolescente, sobretudo no que se refere efetivao do direito convivncia

    familiar e comunitria. Para tanto traz algumas diretrizes que serviro de norte

    para a realizao de aes voltadas para esta finalidade:

    Centralidade da famlia nas polticas pblicas;

    Primazia da responsabilidade do Estado no fomento de polticas integradas

    de apoio famlia;

    Reconhecimento das competncias da famlia na sua organizao interna e

    na superao de suas dificuldades;

    Respeito diversidade tnico-cultural, identidade e orientao sexuais,

    equidade de gnero e s particularidades das condies fsicas, sensoriais e

    mentais;

    Fortalecimento da autonomia da criana, do adolescente e do jovem adulto

    na elaborao do seu projeto de vida;

    Garantia dos princpios de excepcionalidade e provisoriedade dos

    Programas de Famlias Acolhedoras e de Acolhimento Institucional de

    13Medida Protetiva definida no artigo 90, Inciso IV, do ECA, aplicada nas situaes dispostas noartigo 98.14 uma modalidade de acolhimento diferenciada, que no se enquadra no conceito de abrigo em

    entidade, nem no de colocao em famlia substituta, no sentido estrito. Ver mais em: PlanoNacional de Promoo, Defesa e Garantia do Direito de Crianas e Adolescentes ConvivnciaFamiliar e Comunitria, 2006.

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    crianas e adolescentes; Reordenamento dos Programas de Acolhimento

    Institucional;

    Adoo Centrada no interesse da criana e do adolescente;

    Controle social das polticas pblicas.

    Dentre as diretrizes encontradas no Plano, peo licena para destacar duas

    por sua grande importncia para este trabalho . A primeira O Reconhecimento

    das competncias da famlia na sua organizao interna e na superao de suas

    dificuldades. Esta diretriz foca as famlias que enfrentam situao de

    vulnerabilidade, situao esta vivenciada por diversa famlias que possuem uma

    criana ou adolescente com deficincia e ressalta a importncia de se fortalecer e

    potencializar esta famlia para que possa cumpri o seu dever de proteo.

    fundamental potencializar as competncias da famlia para o enfrentamento desituaes de suas vulnerabilidades, como por exemplo, a presena de um filhocom deficincia, transtorno mental e/ou outros agravos. O foco deve ser oempoderamento e o protagonismo das famlias, a autonomia e a vidaindependente da pessoa com deficincia e, finalmente, a superao do mito deque o atendimento especializado em instituies de abrigo e reabilitao superior ao cuidado que a prpria famlia pode ofertar, quando devidamenteapoiada pelas polticas pblicas. (Presidncia da Repblica; SecretariaEspecial de Direitos Humanos; Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate

    Fome / Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006, p.65) (Grifo nosso)

    A segunda diretriz que merece destaque a que se refere ao

    Reordenamento dos Programas de Acolhimento Institucional. Seguindo na

    direo de romper com a cultura da institucionalizao e promover a efetiva

    garantia do direito convivncia familiar e comunitria, esta diretriz prope

    reordenar o atendimento prestado pelas instituies de acolhimento institucional.

    Reordenar o atendimento significa reorientar as redes pblica e privada, quehistoricamente praticaram o regime de abrigamento, para se alinharem mudanade paradigma proposto. Este novo paradigma elege a famlia como unidadebsica da ao social e no mais concebe a criana e o adolescente isolados deseu contexto familiar e comunitrio. (Presidncia da Repblica; SecretariaEspecial de Direitos Humanos; Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome / Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006, p.67)

    O Plano Nacional de Promoo, Defesa e Garantia do Direito de Crianas

    e Adolescentes Convivncia Familiar e Comunitria tem sido um importante

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    documento no longo percurso para a mudana de paradigma relacionado prtica

    de institucionalizao de crianas e adolescentes.

    Dando prosseguimento evoluo do direito, em 2009 foi publicada a Lei

    n 12.01015Lei Nacional da Adooque, apesar do nome, uma lei de defesa

    do direito convivncia familiar e comunitria, estabelecendo a adoo comomedida subsidiria e excepcional, como podemos perceber em seu artigo1.

    Art. 1o Esta Lei dispe sobre o aperfeioamento da sistemtica prevista paragarantia do direito convivncia familiar a todas as crianas e adolescentes, naforma prevista pela Lei no8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criana e doAdolescente. 1o A interveno estatal, em observncia ao disposto no caput do art. 226 daConstituio Federal, ser prioritariamente voltada orientao, apoio epromoo social da famlia natural, junto qual a criana e o adolescente

    devem permanecer, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada pordeciso judicial fundamentada. 2o Na impossibilidade de permanncia na famlia natural, a criana e oadolescente sero colocados sob adoo, tutela ou guarda, observadas asregras e princpios contidos na Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990, e naConstituio Federal. (Brasil, Lei N 12.010, 2009) (Grifo nosso)

    Esta lei alterou a redao de diversos artigos do ECA, dentre eles

    citaremos os que abordam diretamente aes voltadas s instituies de

    acolhimento institucional para enfatizar a tentativa de reordenar os abrigos

    visando o cumprimento do seu carter excepcional e provisrio.

    Com relao ao tempo de acolhimento, a nova lei apresenta mudanas no

    que tange realizao de reavaliaes das medidas de acolhimento institucional

    estabelecendo prazos mximos para sua elaborao bem como reavaliao do

    prprio perodo de acolhimento como podemos observar no artigo 19 nos

    pargrafos 1 e 2:

    1o Toda criana ou adolescente que estiver inserido em programa deacolhimento familiar ou institucional ter sua situao reavaliada, nomximo, a cada 6 (seis) meses,devendo a autoridade judiciria competente, combase em relatrio elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar,decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegrao familiar oucolocao em famlia substituta (...). 2o A permanncia da criana e do adolescente em programa deacolhimento institucional no se prolongar por mais de 2 (dois) anos, salvocomprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamentefundamentada pela autoridade judiciria. (Brasil, LeiN 12.010, 2009)

    15Em vigor desde Novembro/2009.

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    Ainda ressalta no terceiro pargrafo do mesmo artigo a importncia da

    prioridade na manuteno ou reintegrao da criana em sua famlia de origem.

    3o A manuteno ou reintegrao de criana ou adolescente sua famlia ter

    preferncia em relao a qualquer outra providncia, caso em que ser estaincluda em programas de orientao e auxlio(...).(Brasil, LeiN 12.010, 2009)

    Com relao ao papel do poder pblico na promoo deste direito, o

    Estatuto da Criana e do Adolescente, em seu artigo 34, atribua a ele a

    responsabilidade de estimular o acolhimento de crianas e adolescentes que foram

    afastados do convvio familiar, contudo a nova lei acrescenta dois pargrafos ao

    artigo e enfatiza no primeiro a preferncia do acolhimento familiar ao acolhimentoinstitucional.

    Art. 34. O poder pblico estimular, por meio de assistncia jurdica, incentivosfiscais e subsdios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criana ouadolescente afastado do convvio familiar. 1o A incluso da criana ou adolescente em programas de acolhimentofamiliar ter preferncia a seu acolhimento institucional, observado, emqualquer caso, o carter temporrio e excepcional da medida, nos termos destaLei.(Brasil, Lei N 12.010, 2009) (Grifo nosso)

    No que se refere especificamente adoo, a nova lei em seu artigo 39,

    pargrafo 1 estabelece que:

    1o A adoo medida excepcional e irrevogvel, qual se deve recorrer apenasquando esgotados os recursos de manuteno da criana ou adolescente nafamlia natural ou extensa. (Brasil, Lei N 12.010, 2009)

    J no que tange poltica de atendimento, a nova lei acrescenta duas novas

    linhas de ao no artigo 87 que visando a promoo do direito:

    VI - polticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o perodo deafastamento do convvio familiar e a garantir o efetivo exerccio do direito convivncia familiar de crianas e adolescentes;VII - campanhas de estmulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianas eadolescentes afastados do convvio familiar e adoo, especificamente inter-racial, de crianas maiores ou de adolescentes, com necessidades especficas de

    sade ou com deficincias e de grupos de irmos. (Brasil, LeiN 12.010, 2009)

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    Ademais a nova lei ratifica a mudana do termo abrigo para o termo

    acolhimento institucional, anteriormente apresentado pelo Plano Nacional, e altera

    o termoptrio poderparapoder familiar

    Como se pode observar desde a promulgao da Constituio Federal e daimplementao do ECA, houve um grande avano no reconhecimento da

    importncia do direito convivncia familiar e comunitria de crianas e

    adolescentes. rgos e grupos voltados ao atendimento de crianas e adolescentes

    tm se organizado para promover e garantir este direito fundamental atravs de

    mudanas na legislao e execuo de polticas. Contudo ainda temos um longo

    caminho posto a nossa frente.

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