botomé, s. p. - argumento crítico e argumentos sólidos

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  • Interao em Psicologia, 2007, 11(1), p. 157-160 157

    RESENHA

    Pensamento crtico e argumentao slida so processos comportamentais e vomuito alm de um conjunto de regras para realizar tais comportamentos

    Critical thought and solid argumentation are behavioral process and go waybeyond a set of rules to be carried through

    Gabriel Gomes de LucaSlvio Paulo Botom

    Universidade Federal de Santa Catarina

    Navega, S. (2005) Pensamento crtico e argumentao slida:Vena suas batalhas pela fora das palavras. So Paulo: Publica-es Intelliwise.

    possvel identificar comportamentos da classedenominada criticar? Eles so conhecidos? Quanto?Se for possvel identificar tais comportamentos, quaisas caractersticas que eles tm e que os fazem perten-cer categoria usualmente denominada por criticar?O livro Pensamento crtico e argumentao slida:vena suas batalhas pela fora das palavras, deSergio Navega, uma obra que apresenta algumas dascaractersticas desse processo comportamental. Aobra, embora enfatize a argumentao e o pensamentocomo aspectos constituintes do criticar, no d aindasuficiente destaque a outros aspectos importantes dessetipo de comportamento. Mas os apresenta em muitosmomentos ou, pelo menos, os insinua ou mostra su-perficialmente. A obra apresenta critrios para cons-truo e avaliao de argumentos slidos, assim comoprocedimentos para identificar erros de linguagem noprocesso de criticar. Mesmo no sendo um livro queanalisa ou caracteriza o comportamento de criticar, importante que psiclogos e analistas do comporta-mento leiam a obra para conhecerem algumas dascaractersticas do pensamento crtico e da argu-mentao slida, dois aspectos de uma classe maisgeral de comportamento: o comportamento criticar,algo constante na vida de acadmicos, pesquisadores,professores e psiclogos mas nem sempre suficiente-mente conhecido para no ser confundido com com-portamentos de senso-comum, tambm usualmentedenominados por esse mesmo nome: criticar. A talponto que, embora seja um comportamento profissio-nal e instrumental importante, pouco conhecido e atconsiderado como de mau-gosto, inadequado ou

    impertinente. Talvez mesmo por ser pouco e malconhecido. O texto Pensamento crtico e argumenta-o slida, por isso, pode ser uma boa surpresa e con-tribuio.

    O livro de Sergio Navega apresenta como contri-buio Psicologia e ao trabalho dos psiclogos aexplicitao de alguns comportamentos que constitu-em um pensamento crtico e uma argumentao sli-da, ainda que o autor no explicite comportamentosmais especficos componentes de cada classe com-portamental, examinando apenas as classes gerais. Oautor do livro fsico e trabalha com consultoria emempresas e, embora no utilize uma linguagem comoa utilizada por psiclogos ou por analistas do com-portamento, destaca alguns comportamentos (semutilizar esse termo) que constituem o pensar critica-mente e o argumentar solidamente. Por exemplo,algumas das classes de comportamentos destacadaspor Navega so: argumentar, construir argumentos,transformar opinies em argumentos, criticar argu-mentos, analisar argumentos, melhorar os prpriosargumentos, entre outras classes de comportamentos.O exame que ele faz de cada um ajuda a entendermelhor o que considerar para construir (aprender ouensinar) tais comportamentos embora no examinetodos os componentes de cada comportamento envol-vido na classe geral criticar como Botom (2001)mostra ser necessrio para entender qualquer processocomportamental, em qualquer amplitude de abrangn-cia em que seja caracterizado. A obra de Sergio Navega,ao apresentar as classes de comportamentos que cons-tituem o criticar, no destaca os aspectos do meio

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    (situao antecedente e os resultados) com os quaisuma pessoa que apresenta o comportamento de criti-car se relaciona de maneira sistemtica, embora apre-sente muitas informaes sobre isso.

    Ao tratar o pensamento crtico e a argumentaoslida, o autor examina o processo de criticar pormeio de um exame de natureza mais prxima ao quepoderia ser considerado como uma Lgica instru-mental, destacando pouco outras caractersticas eprovveis decorrncias da apresentao desse tipo decomportamento. H, por exemplo, outras obras quecaracterizam o pensamento crtico com um tipo dife-rente de exame e, como conseqncia, destacam ou-tros aspectos desse processo comportamental. Silva(2002), ao avaliar historicamente diferentes definiesdo pensamento crtico, destaca que esse processo foiinvestigado com o objetivo de formar cidados maiscrticos e participativos. A mesma autora, em outrasobras (Silva, 2003a, 2003b), destaca a empatia comoum aspecto constituinte do pensamento crtico, emque ter sensibilidade ao contexto e compreender arealidade alheia so apresentados como componentestambm importantes do processo comportamental quegenericamente denominado por criticar. Outroaspecto do pensamento crtico destacado pela autora a auto-correo (auto-corrigir) das prprias opinies,julgamentos e argumentos, o que constitui uma granderiqueza: o comportamento de avaliar a crtica comoparte componente do prprio comportamento criti-car. Por sua vez, Tenreiro-Vieira e Vieira (2000)destacam o pensamento crtico como um resultado aser produzido em todos os nveis de ensino e o carac-terizam como um processo importante para a constru-o e utilizao do conhecimento cientfico, para acompetio no mundo do trabalho, para indivduostrabalharem em equipes, para resolverem problemas etomarem decises. Sergio Navega enxerga, apresentae examina criticar como um processo realizado pe-las pessoas, o que o aproxima de um exame psicolgi-co mais do que regras ou resultados a serem obtidos.Sem examinar criticar como um comportamento, mes-mo recebendo esse nome, familiar e conhecido, serdifcil identificar quando efetivamente ele acontece.

    Uma contribuio da obra de Navega para o pen-samento crtico e para a argumentao slida, maisprxima ao que foi considerado uma Lgica instru-mental, a organizao (e ampliao em relao avrias outras obras) de critrios para construo eavaliao de argumentos vlidos (ou slidos, como diza metfora que d ttulo obra do autor). Entre essescritrios, retomada, com muitos detalhes, a estrutura

    bsica de um argumento, como uma unidade consti-tuda por uma concluso e por premissas que a sus-tentam. Essa sustentao muito mais complexa doque a quantidade ou o tipo de premissas usadas e,nisso, o autor ajuda a esclarecer mais do que algunsdos conhecidos manuais de Lgica. Outro aspecto quea obra retoma, relacionado aos argumentos, relativo possibilidade de avaliar a veracidade dos argumen-tos. Argumentos no so apenas verdadeiros ou falsos,eles podem ser avaliados de acordo com outros crit-rios, tais como sua validade e aceitabilidade, relevn-cia e suficincia das premissas em relao a conclusoapresentada, entre outros critrios. Esses mesmoscritrios, e o fato de os argumentos no poderem seravaliados apenas como falsos ou verdadeiros (apenascomo vlidos ou invlidos) so apresentados por di-versas outras obras que apresentam critrios e proce-dimentos para a construo e avaliao de argumen-tos, entre elas Copi (1978), Carraher (1983) e Booth,Colomb e Williams (2005). O que chama a ateno a necessidade de um cuidado maior na anlise doscomportamentos a que se referem esses nomes (argu-mentar, avaliar a veracidade, avaliar a pertinncia,avaliar a relevncia, avaliar a suficincia, criticar,demonstrar...) para um exame e uso muito mais sutil eeficaz desses processos comportamentais, sejam asclasses mais gerais de comportamentos (criticar, ar-gumentar...), sejam as mais especficas (avaliar a sufi-cincia, pertinncia ou relevncia das premissas, ava-liar a terminologia utilizada em cada instncia do pro-cesso de criticar ou argumentar, etc.). Isso pode serconsiderado uma contribuio importante dessa obra.

    Outra contribuio apresentada na livro de SergioNavega so critrios e procedimentos para identificarerros em diferentes formas de comunicao. Um doscaptulos do livro (A enciclopdia das falcias) apre-senta uma lista com diversos tipos de falcias, caracte-rizadas como argumentos fracos, defeituosos ou raci-ocnios enganosos. A falcia ad hominem (ataque aquem apresenta o argumento e no ao argumento), oapelo autoridade (tipo de falcia em que uma daspremissas no uma evidncia concreta, mas a decla-rao de uma autoridade no assunto), o apelo tradi-o (em que algo justificado por ser comum ou fre-qente) so trs exemplos dos mais de trinta tipos defalcias apresentados por Navega e que constituemuma concepo de senso comum sobre o que sejaargumentar ou criticar. O autor mostra falcias, emgeral, de uma forma mais detalhada e didtica do que feito em livros de Lgica ou sobre pensamento crtico.Carraher (1983), por exemplo, tambm destaca alguns

  • Comportamentos de pensar e argumentar

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    tipos de falcias ao examinar o senso-crtico masmantm apenas uma perspectiva da Lgica mais res-trita do que o envolvimento com sua utilizao no dia-a-dia da argumentao como faz e mostra SergioNavega. Sagan (1996) apresenta alguns tipos de fal-cia, no captulo A arte refinada de detectar mentiras,em um de seus livros. A sistematizao de Navegaacerca dos diversos tipos de falcia uma contribui-o importante e til devido quantidade de tipos defalcias apresentadas, possibilitando ao leitor umasistematizao fcil para lidar com sua ocorrncia.Identificar falcias e apresentar o motivo pelo qualesse tipo de argumento , de fato, enganoso so duasclasses comportamentais que constituem pensar criti-camente e argumentar solidamente. Navega, comisso, mostra uma contribuio importante para muitosprofissionais utilizarem em suas atividades de relacio-namento com clientes, alunos, outros profissionais eat consigo prprios.

    A obra de Navega apresenta um captulo acercadas virtudes e males da linguagem. Faltou, nessecaptulo (ou em mais um sobre linguagem), o autorexaminar melhor as vrias funes da linguagem (pelomenos as bsicas) e as decorrncias dos diferentestipos de funes para o pensamento crtico e para aargumentao slida. Ao apresentar exemplos do usodo pensamento crtico e da argumentao slida, Na-vega avalia da mesma maneira discursos ou idiascujas funes da linguagem so diferentes. Copi(1978), por exemplo, destaca as trs principais fun-es da linguagem: a funo informativa (usada paraapresentar e demonstrar idias), a funo expressiva(usada para alterar os estados emocionais do ouvinteou leitor) e a funo diretiva (usada para dirigir asaes do ouvinte ou do leitor) e mostra que, em cadacaso no se aplicam os mesmos critrios para avaliar aqualidade do discurso (criticar o discurso em cadauma dessas funes bsicas). Nesse sentido, idiasapresentadas em um artigo cientfico e idias apre-sentadas em uma propaganda no podem ser avaliadascom os mesmos critrios, pertinentes apenas a uma ououtra das funes da linguagem, uma vez que essesdois tipos de comunicao possuem funes diferen-tes. O primeiro tem a funo de informar e demonstraralguma idia, enquanto o segundo tipo tem a funode dirigir a ao dos espectadores, em geral, para acompra de algum produto. Identificar as funes dalinguagem em diferentes tipos de comunicao pareceser um componente do processo de pensar critica-mente e argumentar solidamente, um aspecto, entre-tanto, pouco enfatizado ou destacado pela obra de

    Sergio Navega, embora as exigncias a respeito doexame das funes bsicas do discurso seja crucialpara estabelecer um juzo crtico ou para tomar deci-ses baseadas em uma argumentao slida.

    Diversas contribuies acerca do pensamento crti-co e da argumentao slida, duas classes gerais queconstituem o comportamento de criticar, so apresen-tadas no texto de Sergio Navega, o que leva a obramerecer conhecimento, exame e estudo por pesquisa-dores, professores de diferentes reas do conheci-mento, por estudantes em geral e, em especial, porpsiclogos e analistas do comportamento. Ainda queno explicite com clareza os aspectos do meio (situa-o antecedente e resultados) com que se relacionaalgum que apresenta o comportamento de criticar,Sergio Navega mostra algumas pistas sobre tais as-pectos e apresenta tambm diversas classes gerais decomportamentos que constituem essa classe geral decomportamentos. Por ser um exame que poderia serconsiderado como uma Lgica Instrumental, a obrano reala alguns elementos e decorrncias destacadaspor outras obras acerca do pensamento crtico, masoferece contribuies que podem ser consideradasamplas at mesmo em relao a outras obras de mes-ma natureza (Lgica instrumental) acerca desseprocesso. A organizao de critrios para construo eavaliao de argumentos vlidos e a extensa lista detipos de falcias apresentada so duas dessas contri-buies. E ainda que no destaque a identificao dafuno bsica da linguagem utilizada em uma comu-nicao como um componente do comportamento decriticar, o livro Pensamento crtico e argumentaoslida pode ser til para profissionais que pretendamcaracterizar, compreender ou mesmo ensinar o com-portamento de criticar.

    REFERNCIASBooth, W. C., Colomb, G. G., & Williams, J. M. (2005) A arte da

    pesquisa (2 ed.) (Henrique A. Rego Monteiro, Trad.). SoPaulo: Martins Fontes.

    Botom, S. P. (2001) Sobre a noo de comportamento. Em H. P.M. Feltes & U. Ziles (Orgs.), Filosofia: Dilogo de horizontes(p. 685-708). Porto Alegre: EDIPUCRS; Caxias do Sul:EDUCS.

    Carraher, D. W. (1983) Senso-crtico: Do dia-a-dia s cinciashumanas. So Paulo: Pioneira.

    Copi, I. M. (1978) Introduo lgica (2 ed.) (A. Cabral, Trad.).So Paulo: Mestre Jou.

    Navega, S. (2005) Pensamento crtico e argumentao slida:Vena suas batalhas pela fora das palavras. So Paulo: Pu-blicaes Intelliwise.

  • Gabriel Gomes de Luca & Slvio Paulo Botom

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    Sagan, C. (1996) A arte refinada de detectar mentiras. Em C.Sagan, O mundo assombrado pelos demnios: A cincia vistacomo uma vela no escuro (R. Eichemberg, Trad.) (p. 200-217).So Paulo: Companhia das Letras.

    Silva, E. R da (2002) O desenvolvimento do pensar crtico noensino da lngua materna: Um objetivo de natureza transdisci-plinar. Em E. R da Silva (Org.), Texto e ensino. (p. 43-68).Taubat (SP): Cabral Editora/Livraria Universitria.

    Silva, E. R. da (2003a) O desenvolvimento do senso-crtico noexerccio de identificao e escolha de argumentos. RevistaBrasileira de Lingstica Aplicada, 3(1), 57-68.

    Silva, E. R. da (2003b) Estratgias metodolgicas para a produode textos crticos. Revista Cincias Humanas, 9, 21-26.

    Tenreiro-Vieira, C., & Vieira, R. M. (2000) Promover o pensa-mento crtico dos alunos: Propostas concretas para a sala deaula. Lisboa: Porto Editora.

    Recebido: 07/02/2007Revisado: 09/05/2007

    Aceito: 15/05/2007

    Sobre os autores:Gabriel Gomes de Luca: Psiclogo pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestrando do Programa de Ps-graduao em Psico-logia da Universidade Federal de Santa Catarina. Endereo eletrnico: [email protected] Paulo Botom: Doutor em Cincias pela Universidade de So Paulo. Departamento de Psicologia e Programa de Ps-graduaoem Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Endereo eletrnico: [email protected]