boletim trimestral da cgu/agu, v.1, n.2, abr./jun. 2012

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Ano I, nº 2 , abr./jun. 2012 Boletim Trimestral da CGU/AGU ISSN 0000-0000

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O presente trabalho tem por objetivo propor um procedimento único, no âmbito da CGU/AGU, de divulgação das matérias jurídicas produzidas, além de outros documentos, tais como relatórios, livros, artigos, estudos, manifestações históricas da Consultoria-Geral da República (CGR), que resulte em um acesso qualificado e de maior agilidade às principais manifestações jurídicas diariamente oferecidas. Propõe-se ainda à divulgação de outros documentos, em especial, os que compõem o acervo histórico e os documentos produzidos pelos Integrantes das Carreiras em decorrência da participação em cursos, seminários, congressos e outros escritos, dentre os quais, a respectiva produção literária, assim como as matérias relevantes publicadas nos diversos sítios institucionais, as quais poderão ser reproduzidas ou disponibilizadas em forma de links, de acordo com a repercussão que possam representar na atuação consultiva. O modelo sugerido deverá ter, preferencialmente, o formato de boletim

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Ano I, nº 2 , abr./jun. 2012

Boletim Trimestral da CGU/AGU

ISSN 0000-0000

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BOLETIM TRIMESTRAL DA CGU/AGU

Ano I nº 2 – Brasília-DF, abr./jun. 2012

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BOLETIM TRIMESTRAL DA CGU/AGU CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO

Setor de Autarquias Sul, Edifício Multibrasil Corporate - AGU Sede I Quadra 3, Lote 05/06, 12º andar CEP 70070-030 - Brasília (DF)

ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Ministro Luís Inácio Lucena Adams

CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO SUBSTITUTO

Wilson de Castro Junior

CONSELHO EDITORIAL Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Célia Maria Ribeiro Cavalcanti Francisco Orlando Costa Muniz

Gustavo Caldas Guimarães de Campos Oswaldo Othon Saraiva de Pontes Filho

Otavio Luiz Rodrigues Junior Rafaelo Abritta

Sávia Maria Leite Rodrigues Gonçalves Sérgio Eduardo de Freitas Tapety

Wilson de Castro Junior

Capa Mathias Ribeiro da Silva

Diagramação

Departamento de Informações Jurídico-Estratégicas

Os conceitos, as informações, as citações e as opiniões expressas nos artigos publicados são de responsabilidade exclusiva de seus autores

Boletim Trimestral da CGU/AGU – Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União

– v. 1, n. 1 (jan./mar. 2012)

Brasília: CGU-AGU, 2012 - .

ISSN 0000-0000

1. Direito Público – Brasil – Periódico 2. Generalidades – Brasil – Periódico I. Brasil.

Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União

CDD 341.05

CDU 342 (05)

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SUMÁRIO

EDITORIAL ........................................................................................................................................................ 4

HISTÓRICO ....................................................................................................................................................... 6

O CASO DA PROIBIÇÃO DAS SESSÕES PÚBLICAS DE HIPNOTISMO - 1913 ............................................................................ 6

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy............................................................................................................... 6

INSTITUCIONAL ................................................................................................................................................ 8

PARECER QUANTO A ADEQUAÇÃO DO PARECER AGU JT Nº 02/2008 AOS NOVOS TERMOS CONFORME AS ALTERAÇÕES

PROMOVIDAS PELA IN MPOG Nº 03/2009................................................................................................................ 8

Julio César Oba ............................................................................................................................................... 8

POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS TRANSFERIDOS PELA UNIÃO PARA A EXECUÇÃO DE AÇÕES DE RESPOSTA NO

FORNECIMENTO DE ALIMENTOS E ÁGUA PARA ANIMAIS DE QUE DEFENDA A SUBSISTÊNCIA HUMANA EM ÁREAS DA REGIÃO

NORDESTE AFETADAS PELA ESTIAGEM. ...................................................................................................................... 24

Maria Carla ................................................................................................................................................... 24

BENEFÍCIOS DO MONTEPIO CIVIL DA UNIÃO .............................................................................................................. 28

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy............................................................................................................. 28

RITO DE TRAMITAÇÃO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS NO CONGRESSO NACIONAL ............................................................... 53

Gustavo Caldas Guimarães de Campos ........................................................................................................ 53

CONCILIAÇÃO ....................................................................................................................................................... 60

1. TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU 009/2012- MGO .......................................................................... 60

Mareny Guerra ............................................................................................................................................. 60

2. TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU 010/2012- HCL............................................................................. 63

Helena Dias Leão Costa ................................................................................................................................ 63

3. TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU 011/2012- GHR............................................................................ 67

Gustavo Henrique Ribeiro de Melo .............................................................................................................. 67

ESTUDOS ........................................................................................................................................................ 70

ATIVIDADE DE CONSULTORIA E ASSESSORAMENTO JURÍDICA DO PODER EXECUTIVO ANTES E DEPOIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

DE 1988 .............................................................................................................................................................. 70

Mariane Küster ............................................................................................................................................. 70

A ATIVIDADE CONSULTIVA DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO NA PROMOÇÃO DOS DIREITO FUNDAMENTAIS ......................... 85

Lilian Barros de Oliveira Almeida ................................................................................................................. 85

CONTROLE DIFUSO DA CONSTITUCIONALIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA ...................................................................... 116

Gustavo Caldas Guimarães de Campos ...................................................................................................... 116

O PROCEDIMENTO RECURSAL NA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO ................................................................................. 129

Flaviane Ribeiro de Araújo ......................................................................................................................... 129

HUMANIDADES ............................................................................................................................................ 142

MANTO DA INTOLERÂNCIA .................................................................................................................................... 142

Orlando Muniz ............................................................................................................................................ 142

GALERIA ....................................................................................................................................................... 144

CÂMARA DE CONCILIAÇÃO A AGU REALIZA CERCA DE 800 REUNIÕES E EVITA JUDICIALIZAÇÃO DE CONFLITOS ENTRE OS ÓRGÃOS

PÚBLICOS ATUAÇÃO DA CÂMARA DE CONCILIAÇÃO VEM GARANTINDO ECONOMIA E CELERIDADE NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

ENTRE ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .......................................................................................................... 144

Leane Ribeiro .............................................................................................................................................. 144

GECOPA........................................................................................................................................................ 147

ANÁLISE DA MINUTA DA RESOLUÇÃO GECOPA Nº 8/2012 (PLANO DE TELECOMUNICAÇÕES) ........................................ 147

Teresa Cristina de Melo Costa .................................................................................................................... 147

ANÁLISE DA MINUTA DAS RESOLUÇÕES GECOPA Nº 06/2012 E 07/2012 ................................................................. 153

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Luciana Hoff ................................................................................................................................................ 153

DECOR INFORMA ......................................................................................................................................... 160

COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA DOS EMPREGADOS DA CODESP .................................................................... 160

Rafael Figueiredo Fulgêncio ....................................................................................................................... 160

SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO E IMPEDIMENTO DE CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO .......... 177

Antonio dos Santos Neto ............................................................................................................................ 177

TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS DA UNIÃO, SEUS ÓRGÃOS E ENTIDADES PARA CONSÓRCIOS PÚBLICOS COM

PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS COM VISTAS À EXECUÇÃO DE AÇÕES DO PROGRAMA DE

ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO - PAC.................................................................................................................... 188

João Gustavo de Almeida Seixas ................................................................................................................ 188

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EDITORIAL

O Boletim Trimestral da Consultoria-Geral da União sai agora em seu segundo

número. A seção de resgate histórico apresenta parecer elaborado pela antiga Consultoria-

Geral da República relativo a curioso caso de proibição de sessões públicas de hipnotismo. O

caso data de 1913. Na seção institucional há pareceres que tratam da adequação do Parecer JT

nº 02/2008 ao entendimento de instrução normativa do Ministério do Planejamento, da

possibilidade do uso de recursos da União para fornecimento de água em áreas da região

nordeste afetadas pela estiagem, do benefício do Montepio Civil da União, do rito de

tramitação das medidas provisórias no Congresso Nacional, bem como de alguns termos de

conciliação. Na seção de estudos, há artigos sobre história do consultivo da União, sobre o

modelo de recursos na Lei de Acesso à Informação, sobre a atividade do consultivo da União

em tema de direitos fundamentais, a par de riquíssimo estudo sobre o controle difuso de

constitucionalidade em matéria tributária. Na seção de humanidades um texto imperdível do

Dr. Orlando Muniz, atualmente nosso diretor da Câmara de Conciliação. Na seção Galeria,

Leane Ribeiro publica estudo sobre a intensa atividade da referida Câmara de Conciliação. O

grupo GECOPA apresenta dois riquíssimos trabalhos, de autoria de Luciana Hoff e de Teresa

Cristina de Melo Costa. Há também estudos produzidos no DECOR, a propósito da

complementação de aposentadoria dos empregados da CODESP e da suspensão temporária de

participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração. A qualidade e a

excelência dos textos enviados por colegas Advogados da União, Procuradores Federais e

Procuradores da Fazenda Nacional evidenciam a altíssima qualidade técnica da advocacia-

pública federal brasileira.

Brasília, abril de 2012. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Consultor-Geral da União

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HISTÓRICO

O CASO DA PROIBIÇÃO DAS SESSÕES PÚBLICAS DE HIPNOTISMO - 1913

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

O princípio da reserva legal fundamentou parecer da Consultoria-Geral da

República, redigido em 1913, a propósito de preocupação que havia com a prática do

hipnotismo, em sessões públicas. Ao que consta, porque um hipnotizador belga estivesse

praticando a hipnose em praça pública, um diligente funcionário provocou o Ministro da

Justiça, para providências. Este último encareceu parecer ao Consultor-Geral da República

que, em pronta resposta, entendeu que não caberia ao Poder Executivo tal vedação.

Lembrou que o Código Penal vedava a prática da hipnose, porém, em

circunstâncias outras, e relativas ao exercício ilegal da medicina. Não havia, no entender do

parecerista, nenhuma vedação legal, para a prática da hipnose, em praça pública, e fora de um

contexto de exercício ilegal da medicina. Segue o interessante parecer.

Gabinete do Consultor-Geral da República – Rio de Janeiro, 18 de novembro de

1913.

Exmo. Senhor Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores – Para que

desse parecer a respeito da legalidade de qualquer intervenção do Estado no sentido

de serem proibidas sessões públicas de hipnotismo, me enviou V. Ex., com o Aviso nº

1.404, de 10 do corrente, o processo que se originou do ofício do Senhor Dr. Diretor-

Geral de Saúde Pública, de 4 de setembro último.

Nesse ofício aquele ilustre funcionário, impressionado pela assistência de um

espetáculo público em que um hipnotizador belga sujeitava certos espectadores a

manobras hipnotizadoras, que poderiam ser prejudiciais não só aos incautos

pacientes, como aos espectadores em geral, pela impressão moral que o caso lhes

poderia causar, sugere como medida conveniente em nome da Saúde Pública, a

proibição de tais representações, como já de prática em vários países da Europa.

O caso em si, Senhor Ministro, é digno da maior consideração, talvez convindo

que V. Ex., pelos órgãos competentes, o faça estudar a fim de que se tome a respeito

uma solução conveniente.

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Quanto à proibição, pura e simples, indicada pelo Dr. Diretor, não me parece

que possa ser ela decretada pelo Poder Executivo.

Não só não encontro no Regulamento da Saúde Pública, aprovado pelo Decreto

nº 5.156, de 8 de março de 1904, e no Regulamento dos Teatros e demais Casas de

Diversões Públicas no Distrito Federal, aprovado pelo Decreto nº 6.562, de 6 de

junho de 1907, disposição que legitimasse a proibição, como não creio que uma

disposição de tal gênero pudesse ser editada pelo Executivo.

Evidentemente o caso não incide na sanção do art. 156 do Código Penal, onde a

prática do hipnotismo é proibida, mas com exercício ilegal da medicina, isto é,

aplicada à cura de moléstias e por quem não estivesse habilitado segundo as leis e

regulamentos.

Em tais circunstâncias, sou de parecer que só ao Poder Legislativo caberia

providenciar a respeito, a fim de que qualquer proibição ordenada não incidisse na

censura do § 1º, do art. 72, da Constituição por força da qual ninguém, pode se

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.

É este Senhor Ministro meu parecer que sujeito ao superior critério de V. Ex. a

quem tenho a honra de, devolvendo os papéis que acompanharam o Aviso acima

mencionado, reiterar os protestos de minha subida estima e mui distinta

consideração. – Rodrigo Otávio.

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INSTITUCIONAL

A Consultoria-Geral da União divulga nesta edição do Boletim Trimestral manifestações jurídicas exaradas no âmbito dos seus Departamentos.

PARECER QUANTO A ADEQUAÇÃO DO PARECER AGU JT Nº 02/2008 AOS NOVOS

TERMOS CONFORME AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA IN MPOG Nº 03/2009

Julio César Oba Advogado da União

NOTA Nº: 28/2010/DEAEX/CGU/AGU PROCESSO(S) No 00400.019810/2009-73 INTERESSADO: Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego ASSUNTO: Avaliação sobre a necessidade de readequar o Parecer AGU-JT nº 02/2009 em razão das alterações introduzidas na IN nº 02/2008 pela IN nº 03/2009 da SLTI/MPOG

Senhor Diretor do DEAX,

O Sr. Consultor Jurídico do Ministério do Transporte e Emprego, por meio do MEMO Nº 941/2009/CONJUR/MTE, encaminhou cópia do PARECER/CONJUR/MTE/Nº 448/2009, aprovado pelo DESPACHO/CONJUR/MTE/Nº 1267/2009, solicitando que fosse avaliada a possibilidade de adequar o Parecer AGU JT nº 02/2008 aos novos termos conforme as alterações promovidas pela IN MPOG nº 03/2009.

2. A questão que foi submetida à análise consta no item 8 do Parecer do MTE nº 448, abaixo reproduzido:

8. Sobre o ponto, julgamos merecer algumas luzes, se não vejamos. Primeiramente, o requerimento da contratada para o pedido de repactuação referentemente ao período de 1º a 31 de dezembro de 2008 foi protocolado em 23/04/2008 (fls. 914-1003), e, o relativamente ao período de 1º de abril de 2009 a 31 de março de 2010 o foi em 30/04/2009. O que ocorreu foi que esse tempo, tanto para a referente àquele quanto a este período, foi dispendido para análise da Administração, não contribuindo para isso o contratado. Assim sendo, s.m.j., não seria consentâneo com os princípios do Estado Democrático de Direito, no presente caso, fazer a contratada esperar por 12 (doze) meses a contar da data da celebração do Termo Aditivo anterior, no caso, o Quarto, para, então, reconhecer, retroativamente todo o período; todavia, de regra, deve a Administração observar o prazo máximo de 60 (sessenta) dias previsto na IN MPOG nº 02/2008 para fazer a análise, situação que ensejará, para os casos, regularmente, o interregno mínimo de 1(um) ano contado da última

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repactuação. Corroborando o referido entendimento, datada de 15 de outubro do corrente ano, foi editada a IN MPOG nº 03/2009, a qual fez por conferir nova redação ao art. 39 da IN MPOG nº 20/2008, a saber; “Nas repactuações subseqüentes à primeira, a anualidade será contada a partir da data do fato gerador que deu ensejo à última repactuação.” Essa nova disposição, inclusive, vem a que se adéqüe o contido Parecer AGU JT nº 02/2008(sic), de edição prévia à alteração ora noticiada. A respeito disso, somos por remessa de cópia do Presente Parecer à Douta Consultoria-Geral da União.

3. O Sr. Consultor-Geral da União, solicitou que a matéria fosse apreciada por este Departamento. Ocorre, que sob o fundamento de que a matéria estaria mais afeta a atuação do DECOR nos termos do Ato Regimental nº 5 da AGU e de que o DECOR já teria se manifestado sobre o tema, por meio da Nota DECOR/CGU/AGU nº 031/2009, sugeriu-se que o presente processo fosse encaminhado a aquele Departamento para manifestação.

4. O DECOR manifestou-se por meio do PARECER Nº 012/2010/DECOR/CGU/AGU, no qual a i. parecerista concluiu pela necessidade de adequação pontual do Parecer JT 02/2009 no que pertine ao termo inicial do prazo de um ano para as repactuações subsequentes a primeira nos seguintes termos:

18. Dessa forma, percebe-se a desnecessidade de alteração do referido PARECER no que tange ao termo a quo para a primeira repactuação e para a produção de seus efeitos, devendo-se adequá-lo apenas no que tange ao termo inicial do prazo de um ano para as repactuações subseqüentes, que deve iniciar a partir do fato gerador da repactuação anterior. Sugere, portanto, a adequação pontual do PARECER JT 02/2009, para que se coadune com as alterações promovidas pela IN 03/2009. Recomenda-se, ainda, o envio de cópia do presente parecer ao DEAEX, para ciência, uma vez que o PARECER AGU/JTB 01/2008, base para PARECER JT 02/2009, teve origem nesse Departamento. (grifei).

5. O parecer acima citado foi aprovado em sua integralidade por meio do DESPACHO Nº 019/2010/JGAS/CGU/AGU, todavia em que pese não terem sido feitas ressalvas, entendeu o i. subscritor do Despacho que em que pese o caráter vinculante de observação obrigatória do Parecer JT nº 02/2009 para toda a Administração Pública Federal, em sua opinião as instruções normativas da SLTI/MP e os pareceres normativos da AGU gozariam de mesma hierarquia, portanto considerou desnecessária a modificação do texto porque a edição da IN nº 03/2009 da SLTI deu-se em data posterior, desta forma tornaria superado o Parecer JT nº 02 naquilo em que fosse conflitante, nos seguintes termos:

5. Na medida em que o Parecer nº JT-02 é vinculante e, por conseguinte, de observância obrigatória por toda a Administração Pública Federal, nos termos do art. 41c/c art. 40, § 1º, da Lei complementar nº 73, de 10 de fevereiro, desvela-se premente, senão de bom alvitre, a necessidade de que ele permaneça adequado à legislação ora em vigor, de modo a não gerar dúvidas e nem causar

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aplicações equivocadas da legislação pertinente pelos inúmeros órgãos e agentes que lidam com a contratação de prestadores de serviços continuados.

6. Essa adequação, contudo, independe de modificação do texto do parecer nº JT-02 ou da edição de um novo opinativo a ser submetido ao Presidente da República. Ao meu aviso, ela pode ser engendrada através de mera interpretação sistemática, eis que, na medida em que as instruções normativas da SLTI/MP e os pareceres normativos oriundos da AGU gozam de mesma hierarquia, a IN nº 03/2009 expedida pela SLTI/MP, por ser posterior, torna superado o Parecer nº JT-02 naquilo que com este venha a conflitar.

7. Assim, hão de ser desconsideradas, por prejudicadas, as passagens do Parecer nº JT-02 em que, com base na redação original da IN nº 02/2008, da SLTI/MP, se gizou que o termo inicial do prazo anual para uma nova repactuação é a data da última, devendo-se levar em conta, em substituição, o que dispõe a IN nº 03/2009. (grifei)

6. O i. Diretor da DECOR aprovou as manifestações anteriores, consignando que seria necessário ajustar o Parecer JT-02/2009 no tocante ao termo inicial da contagem do prazo de um ano para as repactuações subsequentes, porém considerando que o Parecer fixou o entendimento com base na IN nº 02/2008 da SLTI/MP e já que a mesma foi alterada pela IN nº 03/2009, o Parecer deveria ser interpretado em conformidade com as alterações promovidas pela IN nº 03, pois o ato normativo foi editado pela SLTI, que tem competência para normatizar a matéria em análise, nos seguintes termos:

02. De fato, é necessário ajustar o PARECER JT 02/2009, apenas no que tange ao termo inicial do prazo de um ano para as repactuações subseqüentes, “que deve iniciar a partir do fato gerador da repactuação anterior”, tendo em vista a alteração estabelecida pela IN nº 03/2009, que ocorreu posteriormente à publicação do citado Parecer.

04.(sic) Não se pode esquecer que o referido Parecer fixou entendimento com base na IN nº 02/2008, que fora, em seguida, alterada pela IN nº 03/2009.

05.(sic) Ora, se a IN nº 02/2008 serviu de fundamento para a elaboração do PARECER JT 02/2009, nada mais coerente que se faça o seu ajuste por meio de um a nova interpretação que esteja em conformidade com a IN nº 3/2009, haja vista que esse ato administrativo foi editado pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, que tem competência para normatizar a matéria ora em análise (art. 29, do Decreto nº 6.081, de 12 de abril de 2007.

06.(sic) Portanto, não é necessária a sua alteração, mas sim uma nova interpretação à luz do IN nº 03/2009, que, também, tem força normativa.

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07.(sic) Essa interpretação do PARECER JT 02/2009 e da legislação em vigor está devidamente exposta no Parecer ora em análise.

7. É o breve relatório. Passa-se a opinar.

8. A demanda inicial do presente processo é verificar se há a necessidade de se adequar o entendimento exarado no Parecer nº JT 02/2009 com a alteração promovida na IN nº 02/2008 da SLTI/MP pela IN nº 03/2009 da SLTI/MP no que concerne a contagem do prazo anual para as repactuações subsequentes a primeira.

9. Antes de entrar no mérito da matéria submetida à análise, faz-se necessário primordialmente verificar se há hierarquia entre um Parecer do Advogado-Geral da União aprovado pelo Presidente da República e uma norma editada pela SLTI/MP ou qualquer outro órgão do Poder Executivo.

10. A edição dos pareceres pelo Advogado-Geral da União aprovados pelo Presidente da República tem caráter vinculante para toda a Administração Pública Federal, conforme dispõem o § 1º e o caput do art. 40 da Lei Complementar nº 73/93:

Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.

§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

11. Dessa forma com a aprovação presidencial os pareceres da AGU ganham um caráter de normatividade que deverão ser observados por toda a Administração Federal. Sobre os pareceres normativos nos ensina CARVALHO FILHO1:

“...os denominados pareceres normativos, não muito raros na Administração. A terminologia levaria a um paradoxo, pois que um juízo de valor não pode revestir-se do cunho de normatividade. Ocorre que, às vezes, o parecer esgota, de forma profunda e estudada, o tratamento a ser dispensado a determinada questão. Concordando com esse tratamento, determinada autoridade decisória resolve, então, estendê-lo a todas as demais hipóteses idênticas que vierem a ocorrer, passando, assim, a representar uma orientação geral para os órgãos administrativos. (...) O que se observa é que a normatividade não é propriamente do parecer, mas da solução que deu a determinada questão, devidamente aprovada pela autoridade competente.” (destaques no original)

12. O Parecer aprovado pelo Advogado-Geral da União quando submetido ao Presidente da República para ganhar o seu caráter de normatividade, carece da necessária e imprescindível aprovação da autoridade máxima da República, que se dá por meio de

1 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo.18 ed. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2007, p. 126.

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despacho, segundo a douta Di Pietro2 tratar-se-ia de um despacho normativo que obrigaria toda a Administração:

Despacho é o ato administrativo que contém decisão das autoridades administrativas sobre assunto de interesse individual ou coletivo submetido à sua apreciação. Quando, por meio do despacho, é aprovado parecer proferido por órgão técnico sobre o assunto de interesse geral, ele é chamado de despacho normativo, porque se tornará obrigatório para toda a administração. Na realidade, esse despacho não cria direito novo, mas apenas estende a todos os que estão na mesma situação a solução adotada para determinado caso concreto, diante do Direito Positivo. (destaques no original)

13. Portanto, um parecer do Advogado-Geral da União aprovado por despacho Presidencial, é como se fosse emanado pelo próprio Presidente da República e diante do caráter de normatividade dos pareceres da AGU, poder-se-ia comparar esse despacho/parecer normativo a um Decreto Presidencial ou, ainda, o que parece ser mais adequado ao caso, que o Parecer vinculante equivaleria à avocação.

14. E vale-se dos ensinamentos de Di Pietro3 sobre quais são as características de um Decreto para a comparação proposta acima:

Decreto é a forma de que se revestem os atos individuais ou gerais, emanados do Chefe do Poder executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito).

Ele pode conter, da mesma forma que a lei, regra gerais e abstratas que se dirigem a todas as pessoas que se encontram na mesma situação (decreto geral) ou pode dirigir-se a pessoa ou grupo de pessoas determinadas. Nesse caso, ele constitui decreto de efeito concreto (decreto individual); é o caso de um decreto de desapropriação, de nomeação, de demissão.

Quando produz efeitos gerais, ele pode ser:

regulamentar ou de execução, quando expedido com base no art. 84, IV,4 da Constituição, para fiel execução da lei;

independente ou autônomo, quando disciplina matéria não regulada em lei. A partir da Constituição de 1988, não há fundamento para esse tipo de decreto no direito brasileiro, salvo nas hipóteses previstas no artigo 84, VI,5 da Constituição, com a redação dada pela emenda Constitucional nº 32/01. (referências não existentes no original).

2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. Ed – São Paulo : Atlas, 2007, p.217 3 cit, p.216 4 IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; 5 VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação determinada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

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O decreto só pode ser considerado ato administrativo propriamente dito quando tem efeito concreto. O decreto geral é ato normativo, semelhante, quanto ao conteúdo e quanto aos efeitos, à lei.

Quando comparado à lei, que é ato normativo originário (porque cria direito novo originário de órgão estatal dotado de competência própria derivada da Constituição), o decreto regulamentar é ato normativo derivado (porque não cria direito novo, mas apenas estabelece normas que permitam explicitar a forma de execução da lei).

15. Diante dos ensinamentos de Di Pietro, pode-se fazer uma comparação entre um Decreto e o Despacho Presidencial que aprova o Parecer do AGU, quanto a autoridade de quem e para quem se emana, existe a coincidência entre ambos, tanto o Decreto quanto o Despacho/Parecer são firmados pelo Presidente da República e dirigem-se a todas as pessoas que se encontram na mesma situação (Administração Federal), e no presente caso poder-se-ia compará-lo a um decreto regulamentar em complemento ao Decreto nº 2.271/1997, que em que pese a edição posterior da Lei nº 10.192/2001, continuou regulamentado-a.

16. CARVALHO FILHO 6 e GASPARINI 7 definem Decreto como sendo atos de manifestação de vontade dos Chefes dos Poderes Executivos dentro de suas respectivas competências, mas nada impede de que os mesmo expeçam regulamentos, inclusive há previsão constitucional para isso.

17. Portanto, não é suficiente que o ato seja emanado pelo Presidente da República para que o mesmo ganhe um status de Decreto.

18. Quanto a Instrução Normativa, os autores a classificam como sendo uma espécie do gênero regulamento do qual fariam parte ainda: Portarias, Circulares, Ordens de Serviços, Provimentos, Avisos.

19. Sobre a diferenciação entre Decreto e Regulamento, ensina Carvalho Filho8:

Quanto aos regulamentos, é lícito afirmar que, considerando o seu aspecto formal e orgânico, devem ser qualificados como atos administrativos, muito embora se apresentem cercados de peculiaridades específicas.(...)

A despeito de serem exteriorizados através de forma própria, constituem apêndices de outros atos, mais comumente de decretos(embora nem sempre)...trata-se, no entanto, de atos diversos – um é o regulamento e o outro é o ato administrativo que põem em vigor no mundo jurídico.

20. CARVALHO FILHO9 acrescenta ainda que os regulamentos servem para que a Administração organize-se, definindo a sua organização interna e que há aqueles, ainda, que ostentam um caráter de normatividade que impõe regras gerais e abstratas. Que muitos

6 cit, p. 122. 7 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 13 ed. - São Paulo : Saraiva, 2008, p. 90. 8 cit, p. 123 9 Cit p. 124 e 125

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doutrinadores têm tentado distingui-los, porém tem sido infrutíferas as tentativas pois é grande a variação no que se refere ao conteúdo e à competência dos agentes. E em razão disso deverá ser verificado caso a caso se o agente que praticou o ato teria competência para tanto, se estariam presentes os requisitos de validade, qual o propósito do administrador, e finalmente se há respeito ao princípio da legalidade.

21. Para GASPARINI10 a instrução assemelha-se ao aviso e à ordem de serviço e assim os define:

Aviso – é a fórmula utilizada pelos Ministros, notadamente os militares, para prescreverem orientação aos respectivos subordinados sobre assuntos de seus Ministérios. (...)

Ordem de Serviço – é a fórmula com que os superiores transmitem, aos respectivos subordinados, a maneira de ser conduzido certo e determinado serviço, no que respeita aos aspectos administrativos e técnicos. (...) a expressão também é usada para indicar a alguém que pode iniciar a obra, com fornecimento ou serviço que contratara com a Administração Pública.

Instrução - é a fórmula mediante a qual os superiores expedem normas gerais, de caráter interno, que prescrevem o modo de atuação dos subordinados em relação a certo serviço.

22. A Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de 2008, que vincula os órgãos e entidades integrantes do SISG foi expedida pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação -SLTI/MPOG, que é o órgão central do Sistema Integrado de Serviços Gerais – SISG, em razão do Decreto nº 1.094, de 1994, responsável pela normatização e orientação das licitações e contratos. Portanto, em razão da delegação de competência, uma Instrução Normativa da SLTI é firmada apenas pelo Secretário da SLTI. Competência essa mantida pelo Decreto nº 6.929, de 2009, vigente à época da edição da IN nº 03, revogado pelo Decreto nº 7.013, de 2010.

23. Procurou-se apresentar as diferenciações no que concerne a forma do ato e do agente de quem emanou o ato, só a fim de estabelecer um comparativo entre os agentes que atuam em um Parecer vinculante da AGU, em um Decreto e em uma Instrução Normativa.

24. Há que se fazer, ainda, considerações sobre o chamado Poder Hierárquico mais especificamente sobre a delegação e a avocação.

25. Segundo MEIRELLES11, o poder hierárquico seria a competência que se reconhece ao “Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal.”

10 cit, p. 91 e 92. 11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29 ed. - São Paulo: Malheiros, 2004, p. 119.

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26. Portanto, seriam inerentes a esse Poder as competências de dar ordens, fiscalizar, rever, delegar e de avocar. O exercício desse poder visa dar maior eficiência a Administração, pois dessa forma, com a distribuição das funções, são determinadas as responsabilidades de cada agente e evitar-se-ia o desvio e a sobreposição de atuação (função). E, pela atuação supervisora dos superiores, é possível corrigir os atos dos agentes públicos de menor hierarquia que atentem contra o mérito e a legalidade.

27. A delegação está regulada nos arts. 11 e 12 do Decreto-Lei nº 200/67 e, segundo GASPARINI12, se houver autorização legal “[...], a competência é delegável e legítimos os atos decorrentes do exercício de delegação.” E ainda informa que:

Enquanto vigorar a delegação, o delegante não pode exercer as competências delegadas ou, como afirma Régis Fernandes de Oliveira (Delegação, cit p. 134), “o delegante tem o exercício de sua competência suspenso em relação à matéria objeto da delegação, não pode prover sobre o assunto concomitantemente com o delegado”. Essa circunstância não significa que o delegante perdeu em definitivo, a competência delegada. Sendo assim, é evidente que continua seu titular e, portanto, a qualquer momento pode revogar a delegação e reassumir a competência, respeitados os atos praticados pelo delegado. O ato de delegação pode estar consubstanciado numa portaria, decreto ou outro veículo.

28. A avocação se dá quando o superior chama para si as atribuições que foram atribuídas a um subordinado. O art. 170 do Decreto-Lei 200 prevê que: “o Presidente da República, por motivo relevante de interesse público, poderá avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal”. Portanto, como a expedição de um parecer do Advogado-Geral da União aprovado pelo Presidente da República, vincula toda a Administração nos termos da Lei Complementar nº 73/93, ou seja, tal manifestação poder-se-ia dizer que equivaleria a avocação e dessa forma retiraria a competência do “delegado” sobre o que tenha sido abordado no Parecer.

29. Todo o exposto acima foi para demonstrar que, em que pese a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação ser o órgão central do Sistema Integrado de Serviços Gerais – SISG, em razão do Decreto nº 1.094, de 1994, e à época da edição da IN nº 03, pelo Decreto nº 6.929, de 2009, responsável pela normatização e orientação das licitações e contratos, de modo que a Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de 2008, vincula os órgãos e entidades integrantes do SISG, tenha como uma de suas competências legais normatizar, porém quando o faz deve o fazer respeitando a legalidade. Considerar que em razão dessa competência, ela pode regulamentar de forma diversa ao disposto em um Parecer Vinculante da AGU é desrespeitar o que dispõe a Lei Complementar nº 73/93, é entender que ele não tem força vinculante. O § 1º do Art. 40 da LC nº 73/93 é bem claro e objetivo no sentido de que essa manifestação vincula toda a Administração Federal e seus órgãos, portanto a SLTI ao

12 Op. Cit. p.54

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normatizar deve respeitar o teor do Parecer. Caso contrário, estaria se possibilitando que um subalterno pudesse dar entendimento diverso ao dado por seu superior.

30. Cabe lembrar que aos Ministérios é dada a competência de regulamentar nas matérias atinentes as sua pastas conforme prevê a Lei nº 10.683/2003 e diversos decretos de delegação de competência. Caso prospere a idéia de que em razão dessa competência poderiam dispor de forma diversa ao constante num Parecer vinculante da AGU por possuírem a mesma hierarquia, logo, como norma posterior revoga a anterior naquilo que for contraditório, após a edição de um Parecer do AGU aprovado pelo Presidente da República, bastaria um novo Regulamento dispondo diversamente para revogar o entendimento exarado no Parecer, é de questionar-se, portanto, até que ponto existiria a força vinculante do Parecer da AGU previsto no § 4º do Art. 40 da lei Complementar nº 73/93. Logo, se há força vinculante nos Pareceres da AGU aprovados pelo Presidente da República, os órgãos do Poder Executivo devem obedecer a interpretação e os limites dados nessas manifestações quando forem regulamentar, pois a eles se submetem em razão do Princípio Administrativo do Poder Hierárquico e do Princípio da Legalidade. Ou seja, existe hierarquia entre o Parecer do Advogado-Geral da União aprovado pelo Presidente da República e os regulamentos expedidos pelos órgãos e entidades da Administração direta e indireta, pois quando o Presidente da República aprova o Parecer é como fosse ele próprio quem tivesse elaborado o mesmo.

31. Os Pareceres do Advogado–Geral da União aprovados pelo Presidente da República, poderão ser alterados por outro Parecer, por um Decreto, ou por outra alteração legislativa ou Constitucional.

32. Esclarecido sobre a existência da hierarquia passa-se a consulta feita pela Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego que foi no sentido de que se haveria necessidade de se adequar o Parecer nº JT-02/2008 no que concerne as repactuações subsequentes à primeira, em razão das alterações introduzidas na IN nº 02/SLTI/MP/2008 pela IN nº 03/SLTI/MP/2009. Entende-se que diante do exposto acima, que o adequado seria questionar se as alterações introduzidas na IN nº 02/SLTI/MP/2008 se contrapõem ao contido no Parecer nº JT-02/2009 e se o procedimento da SLTI/MP teria sido correto, em razão do poder vinculante do Parecer.

32. Na consulta o i. parecerista fundamenta que a alteração trazida pela IN nº 03/SLTI/MP no art. 39 da IN nº02/2008, que dispõe que: “Nas repactuações subseqüentes a primeira, a anualidade será contada a partir da data do fato gerador que deu ensejo à última repactuação” mostra-se mais consentâneo com os Princípios do Estado Democrático de Direito do que o contido no Parecer que prevê que a anualidade deverá ser contada a partir da última repactuação.

33. Não há como negar que a nova redação do art. 39 da IN nº 02/SLTI, tornou mais clara qual seria o termo “a quo” para as repactuações subsequentes a primeira. A questão primordial, a saber, é se a alteração da redação é uma inovação da norma que trata sobre a repactuação e se há desconformidade com o contido no Parecer nº JT-02/2008.

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34. As conclusões do Parecer nº AGU/JTB 01/2008 que trazem os fundamentos do Parecer nº JT-02/2009, estão abaixo reproduzidos:

a) a repactuação constitui-se em espécie de reajustamento de preços, não se confundindo com as hipóteses de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato; b) no caso da primeira repactuação do contrato de prestação de serviços contínuos, o prazo de um ano para se requerer a repactuação conta-se da data da proposta da empresa ou da data do orçamento a que a proposta se referir, sendo certo que, considera-se como data do orçamento a data do acordo, convenção, dissídio coletivo de trabalho ou equivalente que estipular o salário vigente à época da apresentação da proposta; c) no caso das repactuações subseqüentes à primeira, o prazo de um ano deve ser contado a partir da data da última repactuação; d) quanto aos efeitos financeiros da repactuação nos casos de convenções coletivas de trabalho, tem-se que estes devem incidir a partir da data em que passou a viger efetivamente a majoração salarial da categoria profissional; e e) quanto ao termo final para o contratado requerer a repactuação, tem-se que a repactuação deverá ser pleiteada até a data da prorrogação contratual subseqüente, sendo certo que, se não o for de forma tempestiva, haverá a preclusão do direito do contratado de repactuar. (grifei)

35. O Parecer nº AGU/JTB 01/2008 foi aprovado pelo Despacho DEAEX Nº 487/2008, informa quais os entendimentos que passaram a ser fixados:

Sucintamente fixaram-se os seguintes entendimentos:

I) a repactuação é considerada uma espécie de reajustamento de preços; II) a repactuação surge com a demonstração analítica dos componentes dos componentes dos custos que integram o contrato; III) a repactuação deve estar prevista no edital; IV) a repactuação somente é possível após o interregno de 1 (um) ano; V) a contagem do interregno de 1 (um) ano terá como referência a data da proposta ou a do orçamento a que a proposta se referir, ou, ainda, a data da última repactuação; VI) considera-se como data do orçamento, a data do Acordo, Convenção, Dissídio Coletivo de Trabalho ou equivalentes que estipular o salário vigente à época da apresentação da proposta; VII) os efeitos financeiros decorrentes da repactuação, motivada em decorrência de majoração salarial, devem incidir a partir da data das respectivas majorações, podendo ser pleiteada após o interregno mínimo de 1 (um) ano da data da homologação da Convenção ou Acordo Coletivo que fixou o novo salário normativo da categoria profissional abrangida pelo contrato objeto do pedido de repactuação;

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e VIII) a repactuação deverá ser pleiteada até a data da prorrogação contratual subseqüente, sob pena de ocorrer preclusão lógica de exercer o seu direito. (grifei)

36. Verifica-se que fazendo uma interpretação gramatical das conclusões e dos entendimentos fixados é de que o atual texto do art. 39 da IN nº 02/2008 da SLTI, está em desconformidade com o disposto no Parecer nº JT – 02/2009. Todavia, há necessidade de ser feita uma leitura dos fundamentos a fim de que se verifique se não é apenas um conflito aparente, caso contrário deverá haver uma readequação da IN nº 02 da SLTI/MP ou em havendo motivação realizar uma readequação do Parecer.

37. No Parecer consta que os fundamentos jurídicos para a repactuação encontram-se nos inciso XI do art. 40 e inciso III do art. 55 da Lei nº 8.666/93, dos §§ 1º e 2º do art. 3º da Lei 10.192/2001 e do art. 5º do Decreto nº 2.271/1997.

38. Verifica-se, também, que a Parecerista valeu-se de conceitos e regramentos constantes da IN nº 02/2008, antes da alteração, em sua manifestação e que a SLTI tomou como base os conceitos da Instrução Normativa nº 18/1997 do MARE. E para a questão primordial em discussão verifica-se que a redação do item 7.1 da IN nº 18/1997 já previa que a repactuação poderia se dar após o interregno mínimo da data da proposta, data do orçamento a que a proposta se referir ou da data da última repactuação.

39. É importante destacar que na letra ”d” do Parecer consta que “quanto aos efeitos financeiros da repactuação, nos casos de convenções coletivas de trabalho, tem-se que estes devem incidir a partir da data em que passou a viger efetivamente a majoração salarial da categoria profissional; (...)”, ou seja, a “justa causa” para que um contrato de prestação de serviços seja repactuado são as majorações salariais decorrentes da Convenção Coletiva.

40. Essa conclusão decorre de vários apontamentos levados a efeito na fundamentação do Parecer, demonstrando que o direito a repactuação surge no momento em que o mesmo se aperfeiçoa, no caso, a majoração salarial decorrente de convenção coletiva, onde são citados acórdãos do TCU, posição de doutrinadores, e jurisprudência do STJ, que passa-se a reproduzir:

(...)

Por meio do Acórdão nº 1828/2008-TCU-Plenário, o Tribunal de Contas da União apreciou as representações em pauta, entendendo que os efeitos financeiros decorrentes da repactuação deveriam incidir a partir das majorações salariais da categoria profissional, podendo ser exercido o direito após observado o interregno mínimo de 1(um) ano da data da homologação da convenção ou acordo coletivo que fixar o novo salário normativo da categoria profissional abrangida pelo contrato administrativo repactuado.

(...)

Lucas Rocha Furtado ressalta uma outra diferença entre os institutos:

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Outro aspecto que caracteriza a repactuação e a distingue do reajuste ...Na repactuação, o interregno mínimo de um ano pode ser contado da data da proposta ou da data do orçamento a que a proposta se referir, conforme igualmente disponha o edital de licitação e o contrato. Nessa última hipótese, o orçamento deve referir-se à data do acordo, convenção, dissídio coletivo de trabalho ou equivalente que estipule o salário vigente à época da apresentação da proposta.

(...)

Celso Antônio Bandeira de Mello, explicando a cláusula de reajuste de preços, que, segundo o TCU, é gênero do qual a repactuação é espécie, ensina:

(...)

O respeito à equação econômico-financeira deriva, até mesmo, do princípio fundamental de direito do não enriquecimento ilícito ou sem causa.

O regramento principiológico e de status constitucional já seria suficiente para indicar o caminho de que, em nome do respeito à equação econômico-financeira do contrato, os efeitos financeiros da repactuação em caso de convenção coletiva de trabalho devem incidir a partir do surgimento do ônus ao contratado.

(...)

Ora, é sabente que os efeitos jurídicos advindos de um instituto nascem no momento imediatamente posterior ao aperfeiçoamento do direito, salvo se a lei dispuser de modo contrário. (grifei)

(...)

...o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que os efeitos financeiros decorrentes da repactuação dos contratos administrativos devem retroagir à data base da categoria. (grifei)

...o Tribunal reconheceu, expressamente, que o marco inicial, a partir do qual devem ser pagos os valores devidos, é a data base da categoria (RESP n. 554.375/RS):. (grifei)

(...)

41. Nota-se que o Parecer baseou-se, para manifestar-se que as repactuações subsequentes a primeira devem ter seu prazo anual para contagem a data da última repactuação, na IN nº 02/2008 da SLTI e no Acórdão nº 1563/2004-TCU-Plenário (que se fundamenta na IN nº 18/97 do MARE). Pois é mera reprodução dos textos normativos citados.

42. Ocorre que se for feita apenas um interpretação gramatical estar-se-ia criando um novo marco para o exercício do direito à repactuação das subsequentes a primeira, qual seja a

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data da última repactuação. A interpretação gramatical como nos ensina MARIA HELENA DINIZ13, não deve ser o único método utilizado para interpretar uma norma jurídica, nos seguintes termos: “...não se podendo, ainda, olvidar que o elemento linguístico nem sempre é idôneo de per si para desvendar o conteúdo legal. É análise lingüística apenas um dos atos interpretativos.”

43. Cabe ainda lembrar o ensinamento de EROS ROBERTO GRAU14 que “não se interpreta o direito em tiras”:

...a interpretação do direito é interpretação do direito, e não de textos isolados, desprendidos do direito.

...A propósito, diz Geraldo Ataliba[1977:274]:”(...) nenhuma norma jurídica paira avulsa, como que no ar. Nenhum mandamento jurídico existe em si, como que vagando no espaço, sem escoro ou apoio. Não há comando isolado ou ordem avulsa, como que no ar. Nenhum mandamento jurídico existe em si, como que vagando no espaço, sem escoro ou apoio. Não há comando isolado ou ordem avulsa. Porque esse –é propedêutico – ou fazem parte de uma sistema, nele encontrando seus fundamentos, ou não existem juridicamente”.

Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços.

A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição.

44. Portanto, deve ser feita uma interpretação lógica, que se coadune com o posicionamento manifestado ao longo da fundamentação do Parecer, que concluiu que os efeitos financeiros da repactuação contam-se da data da convenção coletiva utilizada como base para a elaboração da proposta, pois dessa forma estará sendo respeitada a manutenção do equilíbrio econômico do contrato.

45. Nos fundamentos do Parecer reproduzido no item 40, manifesta-se que ”... os efeitos jurídicos advindos de um instituto nascem no momento imediatamente posterior ao aperfeiçoamento do direito, salvo se a lei dispuser ao contrário.” A Lei nº 10.192/2001, no §1º do art. 3º, dispõe que os reajustes dos contratos deverão respeitar a periodicidade anual e que o prazo mínimo para sua realização será contado da data a que a proposta ou o orçamento que essa se referir, portanto a lei já definiu qual é o marco a ser considerado. Se para o exercício do direito da primeira repactuação está claro que a anualidade para os contratos de prestação de serviços conta-se da data do acordo ou convenção coletiva a que a proposta se referir, é de se discutir quais seriam os motivos para a criação de um novo marco para o exercício do direito a repactuação subsequente a primeira, se sempre os efeitos financeiros serão contados da data do acordo ou convenção coletiva, em regra.

46. Se houvesse a intenção da criação de um novo termo a quo para o exercício do direito a repactuação esse estaria devidamente fundamentado com as razões para esse marco

13 DINIZ, Maria Helena, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 5ª Ed. São Paulo – Saraiva, 1999, p. 154 14 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3ªed. São Paulo : Malheiros, 2005, p. 131 e 132.

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diverso. E parece ilógico considerar que o termo inicial para a contagem do prazo anual seja a data em que foi firmada a repactuação, pois essa é a data em que se estará formalizando o reconhecimento de um direito, direito esse que nasceu com o novo acordo ou convenção coletiva. Portanto, a lógica é de que o prazo seja sempre aquele em surge o direito e não aquele no qual o direito é reconhecido, ainda mais quando o seja reconhecido retroativamente.

47. Há que se reiterar que no Parecer nº JT-02/2009, em que pese concluir que as repactuações subsequentes a primeira o prazo anual deverá ser contado da última repactuação, não parece adequado entender que seja da data de sua formalização, pois, para tanto, o Parecer teria que ter adentrado nessa seara, porém o mesmo é silente.

48. Desta feita, verifica-se que a alteração promovida pela IN nº 03/2009 da SLTI/MPOG, não se contrapõe aos fundamentos do Parecer nº JT-02/2009, e que a nova redação trouxe mais clareza e a correta aplicação dos entendimentos manifestados no Parecer.

49. Portanto, não há necessidade de alterar pontualmente o Parecer nº JT-02/2009, bastando valer-se da interpretação lógica, devendo pelos próprios fundamentos contidos no Parecer considerar que o termo da “data da última repactuação” constante das conclusões, deve ser entendido como a “data do fato gerador que deu ensejo aos efeitos financeiros da última repactuação, qual seja, a data do acordo ou convenção coletiva, em regra.”

50. Aproveitando a oportunidade, cabe destacar, ainda, que a IN nº 03/2009 da SLTI/MPOG, trouxe uma inovação que afronta diretamente a ON nº 24 que prevê apenas um marco para a contagem do prazo de um ano para a repactuação.

O EDITAL E O CONTRATO PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CONTINUADO DEVEM CONTER APENAS UM EVENTO COMO MARCO INICIAL PARA A CONTAGEM DO INTERREGNO DE UM ANO PARA O PRIMEIRO REAJUSTE OU REPACTUAÇÃO: OU A DATA DA PROPOSTA OU A DATA DO ORÇAMENTO A QUE A PROPOSTA SE REFERIR. (grifei)

51. A alteração promovida prevê a possibilidade de que a repactuação ocorra em mais de um marco que pode ser em relação aos insumos (data da proposta), bem como em relação ao acordo ou convenção coletiva a que a proposta se referir, respeitado o interregno mínimo de uma ano. Observe-se:

Art.38. ...

I - da data limite para apresentação das propostas constante do instrumento convocatório, em relação aos custos com a execução do serviço decorrentes do mercado, tais como o custo dos materiais e equipamentos necessários à execução do serviço; ou

II - da data do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho ou equivalente, vigente à época da apresentação da proposta, quando a variação dos custos for decorrente da mão-de-obra e estiver vinculada às datas-base destes instrumentos.”.

(...)

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Art. 40....

§ 2º Quando da solicitação da repactuação para fazer jus a variação de custos decorrente do mercado, esta somente será concedida mediante a comprovação pelo contratado do aumento dos custos, considerando-se:

I - os preços praticados no mercado ou em outros contratos da Administração;

III - a nova planilha com a variação dos custos apresentada;

IV - indicadores setoriais, tabelas de fabricantes, valores oficiais de referência, tarifas públicas ou outros equivalentes; e

(...)

Art. 41......

§1º. Os efeitos financeiros da repactuação deverão ocorrer exclusivamente para os itens que a motivaram, e apenas em relação à diferença porventura existente

52. Sobre a alteração promovida pela SLTI, verifica-se que não há violação da legislação. Ela se mostra mais adequada ao disposto no Decreto nº 2.271/1997 e na Lei nº 10.192/2001, bem como na Lei nº 8.666/93, pois desta feita estará se respeitando o período de um ano para a concessão da repactuação. Pela regra anterior muitas das vezes quando se concedia a primeira repactuação ela abrangia apenas a alteração dos custos referentes ao Acordo ou Convenção Coletiva, pois os demais custos ainda não haviam completado um ano. Dessa forma, a regulamentação anterior acabava por causar uma defasagem em relação aos custos relativos aos insumos ou poderia levar que os licitantes em decorrência dessa defasagem embutissem nos seus preços um custo financeiro. Com o novo regramento é possível conceder uma repactuação em relação à variação de cada custo em separado (serviços e insumos), desde que respeitado o prazo anual.

53. Diante do exposto, concluiu-se que:

a) existe hierarquia entre os Pareceres do Advogado-Geral da União aprovados por Despacho Presidencial por vincularem toda a Administração e os demais regulamentos que não sejam expedidos pelo Presidente da República;

b) em sendo feita a interpretação lógica não há necessidade de se alterar pontualmente o Parecer nº JT-02/2009, desde que fique assentado o entendimento de que o prazo anual a ser contado para as repactuações subseqüentes à primeira continua sendo o fato gerador, no caso, a data da convenção ou acordo coletivo, quando tratar-se de contratação de serviços contínuos;

c) deverá ser revista a ON nº 24 da AGU, em razão de que as alterações promovidas pela Administração não violam os dispositivos legais vigentes e se mostram mais adequadas à Administração e estaria evitando-se que os orientados pelas

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Consultorias Jurídicas e NAJs fiquem em dúvida qual o procedimento a ser adotado, se o normativo da SLTI/MPOG ou o dos órgãos consultivos da AGU.

54. Sugere-se que em se acatando as conclusões aqui exaradas sejam tomadas as providências cabíveis.

À consideração superior

Brasília-DF, 24 de junho de 2010.

JULIO CÉSAR OBA Advogado da União

DESPACHO Nº 018/2010

PROCESSO No 00400.019810/2009-73

Exmo. Sr. Consultor-Geral da União,

Estou de acordo com os termos lançados na bem estruturada Nota nº 28/2010/DEAEX/CGU/AGU – JCO, de 24 de junho de 2010.

2. Cumpre informar que a presente temática já foi objeto de análise no âmbito do Departamento de Orientação e Coordenação de órgãos Jurídicos.

3. Não obstante as conclusões alinhavadas, tanto na Nota nº 28/2010/DEAEX/CGU/AGU – JCO quanto no Parecer nº 012/2010/DECOR/CGU/AGU, serem similares, em seu conteúdo são bastante diferentes.

4. Dessa forma, sugere-se que o tema seja reavaliado por V. Exa., uma vez que o Parecer nº 012/2010/DECOR/CGU/AGU já havia sido aprovado.

5. Cumpre destacar que, independentemente de qual seja a linha a ser adotada, a Orientação Normativa nº 24 deverá ser revista.

À consideração superior.

Brasília-DF, 25 de junho de 2010.

Rafaelo Abritta Consultor da União

Diretor do Departamento de Assuntos Extrajudiciais

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POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS TRANSFERIDOS PELA UNIÃO PARA A

EXECUÇÃO DE AÇÕES DE RESPOSTA NO FORNECIMENTO DE ALIMENTOS E ÁGUA PARA

ANIMAIS DE QUE DEFENDA A SUBSISTÊNCIA HUMANA EM ÁREAS DA REGIÃO NORDESTE

AFETADAS PELA ESTIAGEM.

Maria Carla Advogada da União

NOTA Nº 5/2012/CGU/AGU

ASSUNTO: Possibilidade de utilização dos recursos transferidos pela União para a

execução de ações de resposta no fornecimento de alimentos e água para animais de que

dependa a subsistência humana em áreas da Região Nordeste afetadas pela estiagem.

Senhor Consultor-Geral da União,

A Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional, por

meio da Nota Técnica nº 012/2012/GAB/SEDEC solicitou à Consultoria Jurídica daquela

Pasta parecer sobre a legalidade da utilização dos recursos liberados para resposta e

recuperação nas áreas atingidas pela estiagem na Região Nordeste para atender não apenas

diretamente a população atingida, mas também fornecer alimentos e água para animais de que

dependa a subsistência dessa população.

2. A Consultoria Jurídica do Ministério da Integração Nacional não vislumbrou óbice

para que sejam realizadas despesas com a aquisição de gêneros alimentícios e água para os

animais das áreas atingidas pelo desastre, com os recursos transferidos para a execução de

ações de resposta, em conformidade com a Lei nº 12.340, de 1º de dezembro de 2010, e o

Decreto nº 7.257, de 4 de agosto de 2010.

3. De fato, o entendimento defendido no Parecer nº 404/2012/CONJUR-

MIN/CGU/AGU merece ratificação por parte desta Consultoria-Geral da União, pelos

motivos a seguir expostos.

4. A Lei nº 12.340/2010 dispõe sobre as transferências de recursos da União aos órgãos

e entidades dos Estados, Distrito Federal e Municípios para a execução de ações de resposta e

recuperação nas áreas atingidas por desastre. Essa lei resultou de conversão da Medida

Provisória nº 494, de 2 de julho de 2010, que foi regulamentada pelo Decreto nº 7.257/2010.

5. Desastre, segundo o inciso II do artigo 2º do Decreto nº 7.257/2010, é o resultado de

eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um ecossistema vulnerável,

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causando danos humanos, materiais ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e

sociais. As ações de defesa civil de socorro, assistenciais e recuperativas destinam-se a

minimizar os impactos de desastres para a população e restabelecer a normalidade social.

6. No caso dos autos, referente a áreas atingidas pela estiagem na Região Nordeste, a

situação pode ser enquadrada como de desastre pela Secretaria Nacional de Defesa Civil e

justificar ações de defesa civil de socorro, de assistência às vítimas, de restabelecimento de

serviços essenciais, de reconstrução e de prevenção, cujas definições encontram-se nos incisos

V a IX do artigo 2º do mesmo decreto. Esses incisos admitem, ainda, outras situações além

das que descrevem, a serem definidas pelo Ministério da Integração Nacional.

7. Em outras palavras, a definição de uma situação ou de um evento como calamitoso

ou emergencial a ponto de justificar ações de defesa civil, tanto quanto a própria estratégia de

ação concreta a ser adotada, depende de certo grau de discricionariedade do administrador

público. As condutas listadas nos incisos V a IX do artigo 2º do Decreto nº 7.257/2010 têm

caráter exemplificativo e servem, sem dúvida, como norte para a conduta a ser adotada em um

caso concreto, que não pode destoar das que foram expressamente descritas pelo Presidente

da República nos incisos citados.

8. A proposta da Secretaria Nacional de Defesa Civil de fornecer alimentos e água para

os animais das áreas afetadas pela seca no Nordeste busca ser definida como ação de defesa

civil de assistência às vítimas, ainda que indireta.

9. O conceito de ação de assistência às vítimas de um desastre encontra-se no inciso VI

do artigo 2º, verbis: “ações imediatas destinadas a garantir condições de incolumidade e

cidadania aos atingidos, incluindo o fornecimento de água potável, a provisão e meios de

preparação de alimentos, o suprimento de material de abrigamento, de vestuário, de limpeza e

de higiene pessoal, a instalação de lavanderias, banheiros, o apoio logístico às equipes

empenhadas no desenvolvimento dessas ações, a atenção integral à saúde, ao manejo de

mortos, entre outras estabelecidas pelo Ministério da Integração Nacional”.

10. Observa-se que a proposta não encontra correspondência direta com nenhuma das

hipóteses descritas no inciso em questão. Contudo, as hipóteses são apenas exemplificativas e

outras situações podem ser enquadradas como ações de assistência às vítimas, desde que

guardem correlação com a orientação geral da norma segundo a qual tais ações devem ser

destinadas a garantir condições de incolumidade e cidadania aos atingidos pelo desastre.

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11. A norma do inciso VI do artigo 2º possui densidade suficiente para afastar condutas

casuísticas e preservar ações de defesa civil de socorro, assistenciais e recuperativas que

efetivamente reduzirão os impactos de desastres para a população e restabelecerão a

normalidade social.

12. A redução dos impactos dos desastres para a população deve advir de resposta rápida

do Estado, eis que a demora no atendimento dos atingidos pode ser catastrófica em certos

casos. O fenômeno da seca no Nordeste apresenta dimensões calamitosas e o atendimento

direto às pessoas afetadas revela-se essencial, porém não suficiente em alguns casos.

Certamente o bem-estar desses cidadãos passa pela sobrevivência dos animais de que

dependem para se manterem e que correspondem ao meio de subsistência de suas famílias e

muitas vezes são a base da economia da comunidade em que vivem.

13. A preservação da cidadania dos atingidos pela catástrofe da seca exige que o mínimo

de dignidade dessas pessoas e preservabilidade do ambiente em que vivem sejam mantidos.

Nesse contexto, repare-se que aqui se trata de animais que vivem em região de difícil

sobrevivência e não faria sentido pensar em uma política pública de assistência aos seres

humanos sem levar-se em consideração o meio em que vivem e aquilo de que dependem para

sobreviver com dignidade. A limitação das ações de defesa civil de socorro, assistência e

recuperação de desastres àquelas que apenas diretamente afetam as vítimas pode revelar-se

insuficiente para o alcance da finalidade da Lei nº 12.340/2010 e do Decreto nº 7.257/2010.

14. Desse modo, é salutar a extensão das ações de assistência com a finalidade de

garantir-se a incolumidade dos atingidos por desastres para abranger, além da própria

população atingida pela situação de calamidade, os animais de que depende a sua

subsistência, condutas estas que, em última análise, guardam equivalência. Enfim, por ser

própria e adequada ao fim colimado pela lei, de caráter impositivo, não há ilegalidade na ação

proposta pela Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional.

15. Em conclusão, não há impedimento legal para a utilização de recursos liberados para

resposta e recuperação nas áreas atingidas pela estiagem na Região Nordeste para atender a

população atingida por meio do fornecimento de alimentos e água para animais de que

dependa a subsistência dessa população.

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À consideração superior.

Brasília, 17 de maio de 2012.

Maria Carla de Avelar

Advogada da União

DESPACHO DO CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO Nº 603/2012

ASSUNTO: Possibilidade de utilização dos recursos transferidos pela União para a

execução de ações de resposta no fornecimento de alimentos e água para animais de que

dependa a subsistência humana em áreas da Região Nordeste afetadas pela estiagem.

Aprovo a Nota nº 5/2012/CGU/AGU. De fato, não há nenhum impedimento

legal para a utilização de recursos liberados para resposta e recuperação nas áreas atingidas

pela seca no Nordeste, com o objetivo de atender a população atingida por meio do

fornecimento de alimentos e água, inclusive para animais. À consideração superior.

Brasília, 17 de maio de 2012.

ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY Consultor-Geral da União

DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

1. Aprovo, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 603/2012, a NOTA Nº 05/2012/CGU/AGU.

Em 17 de maio de 2012.

LUIS INÁCIO LUCENA ADAMS Advogado-Geral da União

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BENEFÍCIOS DO MONTEPIO CIVIL DA UNIÃO

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy Consultor-Geral da União

PARECER Nº AGU/AG-01/2012. PROCESSO Nº 10951.000991/2009-81 INTERESSADO: Coordenação-Geral de Recursos Humanos-COGRH- Subsecretaria de

Planejamento, Orçamento e Administração- SPOA- Ministério da Fazenda- MF.

ASSUNTO: Benefícios do Montepio Civil da União. EMENTA: O Montepio Civil da União, que radica originalmente no Decreto nº 942-A, de 31

de outubro de 1890, hoje fundamentado na Lei nº 6.554, de 21 de agosto de 1978, e alterações posteriores, não foi recepcionado pela ordem constitucional de 1988. Indeferimento de requerimentos de novas inscrições. Devolução de valores recolhidos por interessados/inscritos cujo benefício ainda não foi requerido. Manutenção do pagamento de benefícios deferidos, em razão dos princípios da boa-fé, do venire contra factum proprio e da confiança do cidadão para com a Administração.

Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União,

É para os efeitos do art. 10 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de

1993, combinado com os incisos IV, V e VI do art. 3º do Ato Regimental nº 5, de 27 de

setembro de 2007, que seguem as observações vindouras, e que cuidam do Montepio Civil da

União. Trata-se de regime de contraprestação pecuniária devido pela União que radica

originalmente no Decreto nº 942-A, de 31 de outubro de 1980, hoje supostamente sustentado

pela Lei nº 6.554, de 21 de agosto de 1978, e alterações posteriores.

2. Cuida-se, na essência, e no plano efetivamente fático, de previdência

complementar, de renda mensal vitalícia, que atende a reduzido número de beneficiários, a

exemplo de Auditores do Tribunal de Contas da União, de Conselheiros, Auditores e

Procurador-Geral do Tribunal de Contas do Distrito Federal, de Ministros e Juízes Auditores

do Superior Tribunal Militar, de Magistrados Federais, podendo também incluir Ministros do

Supremo Tribunal Federal.

3. Em princípio, poder-se-ia plasmar natureza contratual da avença entre o

interessado e o pagador do benefício. De tal modo, nesse primeiro sentido, ter-se-ia a figura

de uma poupança, cujo contrato fora formalizado entre interessados e a Administração. Tal

figura sinalagmática não se desenharia, no entanto, porquanto o custeio da vantagem

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decorreria de um fundo orçamentário geral, pelo menos no que se refere à necessária

complementação. É o que se infere do estudo do modelo.

4. Há uma diferença muito grande entre os valores recolhidos pelos interessados e os

valores pagos pela União Federal. Ao que consta, a União recolheria mensalmente uma média

de 160 mil reais (R$ 168.501,51 – cento e sessenta e oito mil, quinhentos e hum reais e

cinquenta e hum centavos, por exemplo, em dezembro/2011) e anualmente cerca de 2

milhões de reais (R$ 2.112.902,80 – dois milhões, cento e doze mil e novecentos e dois reais

e oitenta centavos no ano de 2011). E desembolsaria mensalmente R$ 2.758,091,88 (dois

milhões, setecentos e cinquenta e oito mil e noventa e hum reais e oitenta e oito centavos). As

contas não se encontram.

5. Afirma-se aqui que o aludido montepio não foi recepcionado pela ordem

constitucional de 1988. É que o benefício contemplaria – em tese - - desigualmente - -

pequeno contingente de interessados, em suposto prejuízo de regras gerais, e mesmo

especiais, que regem a seguridade social, no que se refere à previdência social, ainda que em

versão estatutária. O modelo não resiste - - especialmente - - ao conteúdo da Emenda

Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a Reforma da Previdência.

E ainda que se invocasse peremptoriamente direitos adquiridos em face de avenças pretéritas,

há um problema de contabilidade pública que precisa ser enfrentado. Nada obstante, bem

entendido, situações já consolidadas devam ser respeitadas, especialmente quanto a benefícios

já deferidos, de trato sucessivo, continuo, e que se desdobram no tempo.

6. De fato, ao que parece, não se atende à regra da contrapartida, fixada no § 5º do

art. 195 do texto constitucional, que exige equilíbrio financeiro e atuarial no contexto da

concessão de benefícios. Não há razoabilidade na prestação contínua do benefício. Este se

substancializaria em prestação paga a descendente, sem limite de idade, o que poderia

fomentar a desigualdade, com discriminação positiva decorrente de relação de parentesco,

desconstruindo parâmetros de solidariedade e de justiça que plasmam os objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil.

7. Por exemplo, ao que consta, e segundo verificado, há casos de beneficiário que

conta com 20 anos de idade, que receberia mensalmente R$ 6.799,31 (seis mil, setecentos e

noventa e nove reais e trinta e hum centavos) e que, calculando-se expectativa média de vida,

de acordo com o IBGE, em face dos valores recebidos, custaria aos cofres públicos, em

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valores de hoje, R$ 7.071.282,40 (sete milhões, setenta e hum mil e duzentos e oitenta e dois

reais e quarenta centavos). Se não se enfrentarem situações análogas, cujos benefícios em

breve correm risco de serem deferidos, conta-se com cenário assustador, multiplicador de

privilégios, que as contas públicas não suportariam.

8. Ao que consta também, há quem receba pensão mensal de R$ 26.723,12 (vinte e

seis mil, setecentos e vinte e três reais e doze centavos) e que, ao que verificado, nascida em

1944 e, mantida a expectativa de vida prevista pelo IBGE e, em valores de hoje, significaria

para a União Federal, a soma de R$ 11.464. 218, 48 (onze milhões, quatrocentos e sessenta e

quatro mil, duzentos e dezoito reais e quarenta e oito centavos). São muitos exemplos que

demonstram, à saciedade, que situações futuras exigem intervenção imediata, com vistas ao

controle das contas públicas, ainda que a segurança jurídica possa justificar a mantença de

pagamentos presentemente realizados, a título de montepio civil.

9. Quanto à formulação do modelo, suas origens, características, histórico, colhe-se

informações em substancial texto de autoria de Juiz Federal em Brasília, que reproduzo, no

que interessa:

O Decreto 942-A, de 31 de outubro de 1890, criou o Montepio Obrigatório dos Empregados do Ministério da Fazenda, assegurando o pagamento de pensão às famílias do empregado público civil e do militar falecido em exercício ou na aposentadoria ou reforma (art. 31) e no caso de perda do emprego em virtude de condenação judicial (art. 17, parágrafo único). Os empregados públicos civis e os militares que já pertenciam ao Montepio Geral de Economia tinham a faculdade (e não obrigatoriedade) de também contribuírem para este Montepio do Ministério da Fazenda (art. 3º, §2º), daí por que embora fosse ele destinado precipuamente aos empregados civis, abrangia também alguns militares. A contribuição mensal para o Montepio do Ministério da Fazenda, descontada em folha, era de um dia de remuneração (art. 12), sendo devida assim pelos empregados e militares ativos, bem como pelos aposentados ou reformados que ganhassem mais de 1.200$000 anuais (art. 3º). No seu turno, o valor da pensão era de 50% da remuneração (art. 31). Importante aqui destacar que também o Montepio do Ministério da Fazenda previa contribuição dos pensionistas, limitada à hipótese de pensão por perda do emprego em virtude de condenação judicial e montando em um dia do valor da pensão (art. 17, parágrafo único). Em 30 de janeiro de 1933, foi editado o Decreto 22.414 que passou a regular o então denominado Montepio dos Funcionários Públicos Civis da União, alterando a contribuição para um dia de ordenado, entendido como dois terços da remuneração (art. 3º), sendo devida pelos funcionários em atividade e aposentados (art. 2º), prevendo ainda que “as pensões reversíveis estão sujeitas à contribuição mensal correspondente a um dia, que será descontada em folha” (art. 20, §2º). Esse Decreto 22.414/1933 também ampliou as hipóteses de pensão em vida à família, para abranger a demissão do funcionário por ato arbitrário do governo (art. 6º, §2º) e a incapacidade mental do funcionário (art. 8º), bem como instituiu o auxílio para

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funeral ou luto a ser pago, sem prejuízo da pensão, à família do funcionário morto, no valor de 400$000 (art. 29). Em 3 de novembro de 1937, foi editada a Lei 571, ampliando regras de reversão da pensão previstas no Decreto 22.414/1933. Ainda a propósito do Montepio dos Empregados do Ministério da Fazenda (ou Montepio dos Funcionários Públicos Civis da União ou ainda Montepio Civil Federal), cumpre referir que, pelo Decreto 956, de 6 de novembro de 1890, foi estendido aos servidores do Ministério da Justiça e, pelo Decreto 8.904, de 16 de agosto de 1911, a todos os demais servidores civis, sendo que a Lei 3.089, de 8 de janeiro de 1916, suspendeu a admissão de novos contribuintes para o montepio. Não obstante, diversas leis específicas autorizaram a admissão pontual de novos contribuintes. Com efeito, em 5 de janeiro de 1927, o Decreto 5.137 facultou aos Ministros do Supremo Tribunal Federal requererem sua inscrição no Montepio do Ministério da Fazenda. A Lei 3.058, de 22 de dezembro de 1956, estendeu aos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, bem como aos Ministros do Tribunal de Contas e aos do Tribunal Federal de Recursos e ao Procurador-Geral do Tribunal de Contas, a faculdade de se inscreverem no montepio. Em 12 de novembro de 1964, a Lei 4.477 estabeleceu que a contribuição dos Ministros do Supremo Tribunal Federal para o montepio corresponderia à 25ª parte (4%) do vencimento e a pensão para os herdeiros seria igual a 15 vezes a contribuição (60% da remuneração). Em 1978, a Lei 6.554, de 21 de agosto, permitiu a adesão ao montepio para os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, aos Juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, aos Juízes Federais, aos Juízes Presidentes de Juntas de Conciliação e Julgamento, aos Juízes de Trabalho Substitutos e aos Juízes de Direito do Distrito Federal e de investidura federal no Estado do Rio de Janeiro. Em 1979, o Decreto 83.226, de 1º de março, estabeleceu que a contribuição dos inscritos no Montepio do Ministério da Fazenda conforme as referidas leis específicas, correspondia à 25ª parte (4%) da remuneração, cobrável mediante desconto em folha de pagamento (art. 5º), sendo a pensão de montepio civil correspondente a 15 vezes o valor da contribuição mensal (60% da remuneração) e atualizada pela tabela de vencimentos que estiver em vigor para o pessoal em atividade (art. 9º). Em 1980, a Lei 6.810, de 7 de julho, permitiu a adesão ao Montepio Civil da União para os Ministros Togados, os Juízes Auditores e os Auditores Substitutos da Justiça Militar. Em 1982, a Lei 7.034, de 5 de outubro, facultou a adesão ao montepio para os Conselheiros, Auditores e Procurador-Geral do Tribunal de Contas do Distrito Federal15.

10. Pelo que se entende do modelo, o interessado faria inscrição, recolheria

mensalmente o equivalente a 4% dos vencimentos, bem como recolheria também uma joia,

com pagamento pulverizado em 12 meses. Sem que se tenha tempo mínimo de contribuição

garante-se ao descendente de quem tenha aderido ao modelo uma renda vitalícia, calculada

em 60% dos vencimentos de quem legou o benefício.

11. Não há relação entre contribuição e benefício, entre tempo de espera e tempo de

fruição. Não há limites. O beneficiário pode vitaliciamente receber tais benefícios. Que seriam

15 Roberto Luis Luchi Demo, Breve História Legislativa da Previdência dos Servidores Públicos Civis Federais: Contribuições e Benefícios. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 21, n. 11, Nov. 2009, pp. 40-41.

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pagos, salvo fórmula hierática que se desconhece, pelos cofres públicos, pelo menos para

efeitos de complementação. É o que também se colhe da manifestação da Coordenação-Geral

Jurídica da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional:

A legislação regulamentadora do Montepio Civil da União, salvo melhor juízo, não atende ao rígido comando do equilíbrio financeiro e atuarial, pois a contribuição mensal corresponde a apenas 4% (quatro por cento) dos vencimentos do inscrito e o futuro benefício a seu dependente será de 60% (sessenta por cento) dos vencimentos relativos ao cargo que ocupava o antigo instituidor. Quanto ao confuso sistema de joias, estas são quitadas em breves 12 (doze) meses e não são garantia de equilíbrio entre entradas e saídas. Some-se a isso o fato da lei não estabelecer um tempo mínimo de contribuição para que o dependente faça jus ao benefício. Ora, deve haver rigor atuarial em todo e qualquer desenho de seguridade que se faça e com o Montepio Civil não é diferente, sob pena de falência do modelo ou, no caso sob exame, da União custear déficits de um subsistema complementar de natureza complementar que privilegia dependentes de altos funcionários da República, já garantidos por outros meios (sistema previdenciário estatutário).16.

12. Tomando-se como exemplo o caso que suscitou a presente manifestação, tem-se

que a instituidora do benefício aderiu ao aludido montepio em 27 de dezembro de 2000. A par

do pagamento de joia recolheu 4% dos vencimentos até setembro de 2008, quando faleceu. A

interessada, filha da instituidora, habilitou-se para o recebimento do montepio e obteve

reconhecimento do suposto direito. Mais. Depósitos foram feitos em sua conta bancária17.

13. Dado essencial: a beneficiária nasceu em 16 de dezembro de 1974. Conta com 37

anos de idade. E se a expectativa de vida de uma brasileira pode chegar aos 85 anos de

idade18, estatística e presumivelmente os valores seriam pagos de 2008 a 2060, por 52 anos. A

prestação deveria ser de 60% dos vencimentos da instituidora do benefício (Desembargadora)

falecida. Bem entendido, os dados são aqui colocados do modo mais respeitoso possível. Isto

porque, à época da adesão ao montepio não se tinha a compreensão que aqui se pretende fixar.

14. Em troca, para os cofres públicos, de onde o benefício é pago, recolheu-se joia e

4% dos vencimentos por cerca de oito anos. Pergunta-se: qual a fonte dos recursos que atende

a tais despesas19? Haveria previsão constitucional? Haveria fundamento legal inquestionável?

Esse é o problema que deve ser enfrentado.

16 Parecer PGFN/CJU/COJPN nº 1190/2010, itens 37 e 38. 17 Cf. Parecer PGFN/CJU/COJPN nº 1190/2010, item 3, letras a e b. 18 Cf. Fabio Giambiagi, Reforma da Previdência- o Encontro Marcado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 35. Os dados teriam sido obtidos junto ao Ministério da Previdência Social, A Previdência Social e o Censo 2000: perfil dos idosos, Informe da Previdência Social, v. 14, n. 9, setembro de 2002. 19 Cf., entre outros, Flávio Galdino, Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não Nascem em Árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, Gustavo Amaral, Direito, Escassez e Escolha: em Busca de Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez de Recursos e as

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15. A última notícia relativa a aspectos normativos do aludido montepio decorre da

Mensagem Presidencial nº 269, de 20 de maio de 1993, endereçada ao Senado Federal, na

qual Sua Excelência o então Presidente da República vetava alguns excertos do que viria a se

constituir nos Estatutos do Ministério Público da União.

16. Pretendia-se artigo de lei com a seguinte redação: Aplica-se aos membros do

Ministério Público da União o disposto no art. 1º do Decreto nº 5.137, de 5 de janeiro de

1927, nos arts. 1º e 2º da Lei nº 3.058, de 22 de dezembro de 1956, nos arts. 1º e 2º da Lei n º

4.477, de 12 de novembro de 1964, e no art. 3º da Lei nº 6.554, de 1º de agosto de 1978, que

regem o Montepio Civil da União. Em face do artigo opôs-se vigoroso veto, nos termos

seguintes:

O artigo é contrário ao interesse público, uma vez que objetiva assegurar privilégios, relativos ao Montepio Civil da União, inicialmente restritos aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, posteriormente propiciados a membros da magistratura federal. A extensão pretendida importa em tratamento discriminatório e, por outro lado, implicará em aumento de responsabilidade do Tesouro, sem existência de correspondente fonte de recursos.

17. A Mensagem Presidencial alcançou os elementos centrais que justificariam

movimento contrário à utilização da benesse:

a) o montepio seria contrário ao interesse público;

b) o montepio inegavelmente asseguraria privilégios;

c) o montepio qualificaria tratamento discriminatório;

d) o montepio poderia acarretar ônus para o Tesouro;

e) o montepio não contaria com fonte de recursos suplementar, que não uma

liberalidade do legislador pretérito, para a qual a Constituição e orçamento atuais

ostensivamente seriam contrários.

18. É a Mensagem Presidencial nº 269, de 1993, que justificaria gravíssima

intervenção do Poder Executivo, respeitando-se as demais autonomias, bem entendido, com o

objetivo de se fazer cessar, imediatamente, qualquer pagamento decorrente da benesse não

recepcionada pela ordem constitucional e legal vigente. No entanto, insista-se, há situações

que necessitam de avaliação, e de continuidade de pagamento, porquanto já consolidadas.

Decisões Trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. E para um contraponto com outros modelos de renda mensal vitalícia, conferir também Fabio Giambiagi, Brasil: Raízes do Atraso- Paternalismo versus Produtividade, Rio de Janeiro: Campus, 2007, pp. 119 e ss.

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19. Há notícias também de que a Lei nº 7.143, de 23 de novembro de 1983 teria

facultada a adesão ao aludido montepio, dos Auditores do Tribunal de Contas da União. Dois

anos antes, a Lei nº 7.034, de 5 de outubro de 1982, teria facultado a adesão ao montepio para

os Conselheiros, Auditores e Procurador-Geral do Tribunal de Contas do Distrito Federal.

20. A Lei nº 6.810, de 7 de julho de 1980, alargou o número de beneficiados,

incluindo os Ministros do Superior Tribunal Militar, bem como os Juízes Auditores daquele

Sodalício. Dois anos antes, a Lei nº 6.554, de 21 de agosto de 1978, teria incluído os

Magistrados Federais no rol de beneficiários. Tal norma fora regulamentada pelo Decreto nº

83.226, de 1º de março de 1979, revogado por um Decreto não numerado de 10 de maio de

1991.

21. Em seguida, identifico os contornos do Decreto nº 83.226, de 1979, cujo estudo

permite, com clareza, que se alcance o conjunto de elementos que enceta a questão. A

identificação dos elementos do referido decreto é quase citação literal da própria norma.

22. Dispunha o aludido decreto que independentemente da condição de ativo, inativo

ou em disponibilidade, poderiam inscrever-se no Montepio Civil da União, como

contribuintes facultativos os Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de

Recursos, do Tribunal Superior do Trabalho e do Tribunal de Contas da União; os Juízes dos

Tribunais Regionais do Trabalho, os Juízes-Presidentes de Juntas de Conciliação e

Julgamento e os Juízes do Trabalho-Substitutos; os Juízes Federais; os Desembargadores do

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e os Juízes de Direito do Distrito Federal;

Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e os Juízes de Direito,

no mesmo Estado, ambos de investidura federal; bem como o Procurador-Geral do Tribunal

de Contas da União.

23. Havia algumas restrições, na medida em que o benefício não poderia ser estendido

aos Ministros classistas do Tribunal Superior do Trabalho e aos Juízes classistas dos

Tribunais Regionais do Trabalho, de investidura temporária.

24. Fixou-se que o pedido de admissão como contribuinte facultativo seria apreciado

e decidido pelo Departamento de Pessoal do Ministério da Fazenda, devendo ser

acompanhado de declaração de família. Este último documento deveria conter o nome do

cônjuge em primeiras e segundas núpcias, data e lugar do casamento; os nomes das filhas e

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35

filhos, legítimos, legitimados, naturais, reconhecidos e adotivos, com as datas e lugares do

nascimento, e registro e indicação do estado civil, se fossem maiores.

25. Na ausência dos referidos parentes, a declaração deveria ser instruída pelos nomes

dos pais do contribuinte, lugar de sua residência e condições de validez e subsistência; pelos

nomes das irmãs, datas e lugares do nascimento, bem como o seu estado civil. Também se

permitia que pudessem ser declarados os nomes dos filhos e irmãos maiores interditos ou

inválidos.

26. O contribuinte era obrigado a comunicar por escrito ocorrências que pudessem

alterar declaração anteriormente feita. Se estivesse impossibilitado de fazê-lo, caberia esse

encargo à família do segurado ou quem o representasse legalmente. Determinava-se que as

declarações deveriam ser redigidas com clareza, sem emendas, rasuras ou entrelinhas,

assinadas pelo contribuinte e por duas testemunhas, devidamente qualificadas e identificadas.

27. Dispunha-se que a contribuição para constituição da pensão corresponderia à 25ª

parte (4% - quatro por cento) dos vencimentos e acréscimos percebidos mensalmente pelo

servidor, quantia que seria cobrável mediante desconto em folha de pagamento. A

contribuição seria automaticamente reajustada sempre que majorados os vencimentos e

acréscimos que servissem de base ao respectivo cálculo.

28. No que se referia aos Desembargadores e Juízes de Direito no Estado do Rio de

Janeiro, de investidura federal, adotar-se-ia como base para o cálculo da contribuição os

vencimentos e acréscimos devidos, respectivamente, aos Desembargadores e Juízes de Direito

do Distrito Federal.

29. Dispunha-se também que a admissão ao Montepio Civil da União obrigava o

segurado ao pagamento de joia equivalente a 12 vezes o valor originário da contribuição, que

era fixada no ato de inscrição. A referida joia poderia ser quitada em até 12 prestações

mensais consecutivas, juntamente com a contribuição, igualmente mediante desconto em

folha.

30. Estabelecia-se também que a pensão de montepio civil somente seria devida aos

beneficiários do segurado falecido, mediante remissão da referida joia. E ainda, ocorrendo o

óbito do contribuinte antes do pagamento integral do valor da joia, a parcela restante seria

liquidada pelos beneficiários da pensão, proporcionalmente às respectivas cotas-partes,

mediante desconto em folha, mensalmente, não excedente a 10% (dez por cento).

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36

31. Os beneficiários do Montepio Civil da União deveriam requerer habilitação de

pensão ao Presidente do Tribunal, oferecendo, além da certidão de óbito, conforme o caso,

certidão de casamento do contribuinte falecido ou certidão que demonstrasse o parentesco do

requerente.

32. Fixava-se a autoridade para quem deveria ser dirigido o requerimento de

autorização, nomeadamente: o Presidente do antigo Tribunal Federal de Recursos, no caso de

beneficiários de Juiz Federal; o Presidente do Superior Tribunal do Trabalho, no caso de

beneficiários de Juiz-Presidente de Junta de Conciliação e Julgamento e Juiz do Trabalho

Substituto; os Presidentes dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal e do Estado do Rio de

Janeiro, no caso de beneficiários de Juiz de Direito do Distrito Federal ou de Juiz de Direito,

de investidura federal, do Estado do Rio de Janeiro, respectivamente.

33. O Presidente do Tribunal mandaria publicar o edital no Diário da Justiça, com o

prazo de três dias, a fim de que qualquer interessado impugnasse ou retificasse o pedido e,

findo esse prazo, abrir-se-ia vista do processo, por 48 horas, à Procuradoria da República.

34. Também, após o parecer da Procuradoria da República, o Presidente do Tribunal,

apreciando o caso, expediria ato de habilitação a cada um dos beneficiários. O processo, em

seguida, seria enviado ao Departamento de Pessoal do Ministério da Fazenda, para juntada da

1ª via da Declaração de Família, ali arquivada, e posterior remessa à Delegacia daquele

Ministério sediada na capital da unidade da Federação onde residisse o beneficiário. A

Delegacia respectiva promoveria a averbação em folha de pagamento e submeteria a

concessão ao exame do Tribunal de Contas da União, para efeito de registro.

35. A pensão de montepio civil corresponderia a 15 vezes o valor da contribuição

mensal e seria sempre atualizada pela tabela de vencimentos que estivesse em vigor para o

pessoal em atividade. Fixou-se também que o direito à habilitação da pensão seria

imprescritível. As prestações não reclamadas em tempo oportuno prescreveriam em cinco

anos, contados da data da entrada do requerimento no protocolo da repartição.

36. A pensão de montepio civil poderia ser percebida, cumulativamente, com

vencimento, salário, remuneração ou provento pago pelos cofres públicos, bem como com

pensões resultantes de contribuições obrigatórias. Ter-se-ia, assim, a acumulação de duas

rubricas. Por exemplo, e em princípio, haveria casos de acumulação, de duas fontes, uma

delas tendo a viuvez como causa, e a outra, o vínculo com o Montepio. Há registros de viúva

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recebendo cerca de 25 mil reais de Montepio, pelo que se pode cogitar de acúmulo com

pensão regular. Os valores são muito expressivos.

37. O aludido decreto teria sido expressamente revogado por um Decreto não

numerado, datado de 10 de maio de 1991. O decreto revogador retirou do mundo jurídico o

conteúdo da Lei nº 6.554, de 1978, que restou sem regulamentação. Há também notícias de

que a Lei nº 5.010, de 30 de maio de 1966, teria estendido aos Magistrados Federais, pela

primeira vez, o aqui estudado benefício. Ainda, a Lei nº 4.493, de 24 de novembro de 1964,

teria dado novas cores ao montepio, no que se referia à participação de magistrados federais.

38. Há também notícias de que em 1956 promulgou-se lei que alterou os valores do

referido montepio, especialmente quanto aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Dez

anos antes, em 1946, o Decreto-Lei nº 9.545, de 16 de agosto daquele ano, havia fixado novos

valores para a contribuição.

39. Regras gerais para servidores da União foram fixadas por meio do Decreto nº

22.414, de 30 de janeiro de 1933; a joia era calculada a partir do valor de um dia de trabalho

mensal. De igual modo, o Decreto nº 5.137, de 5 de janeiro de 1927, que ampliou o benefício

originário para os Ministros do Supremo Tribunal Federal. O modelo todo radicava no

Decreto nº 942-A, de 30 de outubro de 1890.

40. O montepio revelou-se originalmente como um regime previdenciário geral, que

abrangia apenas aos funcionários do Ministério da Fazenda. A estrutura pública federal era

diminuta, contava com pouquíssimos ministérios, a exemplo das pastas do Governo

Provisório do Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, chefe do Executivo à época da

concepção do montepio. Havia apenas os ministérios da Justiça, do Interior, da Fazenda, dos

Negócios Estrangeiros, da Guerra, da Marinha, da Agricultura e da Instrução Pública,

Correios e Telégrafos. A situação não mais persiste. E não persiste há tempos.

41. Hoje, servidores civis contam com regime único, centrado, especialmente, no

contexto das leis nº 8.212, de 24 de julho de 1891, e nº 8.213, do mesmo dia e ano.

Magistrados contam com regime também peculiar, e refiro-me, especialmente, aos arts. 74 e

ss. da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979. O montepio substancializaria regime

diferenciado, talvez identificando privilégios, que romperiam, entre outros, com o substrato de

solidariedade e de encontro de contas que rege a espécie (ou que deveria informa-la).

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42. Modelos de previdência sugerem aplicação de critérios democráticos, em regime

de capitalização solidária e coletiva20. Há necessidade de cotização para o recebimento de

benefícios, circunstância que se verifica na maioria dos sistemas previdenciários no mundo21.

As diferenças entre o que a União recolhe, e o que desembolsa, no presente caso, justificam, e

exigem, pronta intervenção, especialmente quanto a seus efeitos futuros.

43. O montepio não se qualifica como regime de capitalização, e muito menos se

insere num contexto de repartição 22 . Não há acumulação de um fundo com vistas ao

pagamento de benefício futuro, e também não há custeio direto para o pagamento de qualquer

benefício atual23. O interessado recolhe. E a União desembolsa, quando do pagamento dos

valores mensais. Recolhe-se muito menos do que a União posteriormente paga.

44. O montepio não se ajustaria ao conceito clássico de renda mensal vitalícia24;

embora pudesse ser sensível a invocação de direito adquirido; é que, com base em Carlo

Francesco Gabba, já se afirmou que o que caracteriza o direito adquirido é o fato idôneo que o

gerou, bem como uma definitiva incorporação patrimonial em favor de seu titular25.

45. A precedência da fonte de custeio é princípio essencial que informa o regime

previdenciário brasileiro. Nenhuma norma legal pode mitigar o referido princípio da fons, da

origo, sob pena de imediata constatação de flagrante inconstitucionalidade26. Não se poderia

invocar contrato entre o interessado e a Administração. A relação não seria contratual. A

Administração entabula contratos administrativos, ajustes nos quais a Administração pública,

agindo nesta qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa para a

consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria

Administração27. Mas não se trata da hipótese que se cuida.

46. Poder-se-ia argumentar que os referidos contratos de montepio qualificam-se

como contratos privados da Administração, regulados pelo Direito Civil e Empresarial;

20 Cf. Elenice Hass Pedroza, A Previdência Social e sua Trajetória no Brasil, in Cleci Maria Dartora e Melissa Folmann, Direito Previdenciário- Temas Atuais, Curitiba: Juruá, 2006, p. 175. 21 Cf. Fábio Zambitte Ibrahim, Curso de Direito Previdenciário, Niterói: Impetus, 2008, p. 25. 22 Para esclarecimento dos conceitos de capitalização e de repartição, Társis Nametala Sarlo Jorge, Teoria Geral do Direito Previdenciário, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 30 e ss. 23 Cf. Társis Nametala Jorge, Elementos de Direito Previdenciário, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, especialmente a introdução histórica, pp. 1-12. 24 O conceito de renda mensal vitalícia é explicitado em pormenor em Wladimir Novaes Martinez, Comentários à Lei Básica da Previdência Social- Tomo II- Plano de Benefícios, São Paulo: LTR, 2006, pp. 633 e ss. 25 Cf. Marcelo Leonardo Tavares, O Direito Adquirido dos Servidores Aposentados e Pensionistas, in Fábio Zambette Ibrahim, Marcelo Leonardo Tavares e Marco André Ramos Vieira, Comentários à Reforma da Previdência, Niterói: Impetus, 2005, p. 65. 26 Cf. Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazari, Manual de Direito Previdenciário, Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 103. 27 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2008, p. 215. Obra atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho.

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nestes casos, a Administração situa-se no mesmo plano jurídico da outra parte, não lhe sendo

atribuída, como regra, qualquer vantagem especial que refuja às linhas do sistema contratual

comum28; o mesmo autor observa que tais contratos podem se verificar em caso de compra,

venda, doação, permuta, entre outros do gênero29, que não certamente o regime de montepio.

47. Contratos administrativos enquadram-se no conceito geral de contrato como

acordo de vontades gerador de direitos e obrigações recíprocos30; no entanto, foge ao regime

de montepio elemento definidor de direitos e obrigações recíprocos. O que se tem é que o

interessado desembolsaria valores (a prestação mensal e o recolhimento da joia), que no

futuro será objeto de um desembolso muito maior, a ser retirado do orçamento público, dada a

inexistência de relação entre a contribuição e o benefício. Este é um fato orçamentário que

precisa ser levado em conta no desate da questão.

48. Além do que, contratos administrativos ensejam a existência das prerrogativas

especiais ou das cláusulas assaz das vezes nominadas de ‘exorbitantes’, quer assim se

qualificassem por serem apenas insuetas no Direito Privado, quer assim se designem por

serem, sobre incomuns, também inadmissíveis nas relações entre particulares (...)31; isto é,

percepção de cláusula exorbitante, sempre invocada na defesa do interesse da Administração

(ou do interesse público, dependendo do enfoque), não justificaria, em nenhuma

circunstância, a outorga do benefício especial.

49. Especificamente, contrato administrativo é expressão que qualifica sentido amplo,

que carrega gênero. Este se divide em acordos de vontade da Administração (consórcios

públicos, convênios públicos, contratos fiscais, termos de ajuste de condutas), em contratos

administrativos em sentido restrito (contratos de delegação e contratos de colaboração), bem

como em contratos de direito privado 32 . Em nenhuma das hipóteses pode-se fixar,

adequadamente, o regime de montepio em uma dimensão contratual.

50. O regime de montepio, ao que parece, substancializaria privilégio de uns em

detrimento de outros. Por quê? Simplesmente porque os valores descontados do interessado

(inclusive a joia) não cobririam os gastos com os beneficiários. Não haveria relação financeira

que apontasse para atenção para com o dogma da precedência da fonte de custeio. Deve-se

28 José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 161-162. 29 José dos Santos Carvalho Filho, cit., loc.cit. 30 Maria Sylvia Zanella di Pietro, Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2008, p. 241. 31 Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 612. 32 Marçal Justen Filho, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 325.

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reconhecer que um recolhimento anual de dois milhões de reais para atender um desembolso

também anual de cerca de trinta e cinco milhões de reais é algo substancial e superlativamente

pesado para o Tesouro Nacional. Se não estancada a situação imediatamente, as contas futuras

se mostrarão impossíveis de serem liquidadas, sem se levar em conta, especialmente, a

utilização de recursos públicos para situações que são especialíssimas.

51. Por isso, elementar, seriam recursos provenientes da cobrança de impostos que

custeariam as diferenças entre os valores aportados pelo interessado e os valores recebidos

pelos beneficiários. E porque de uso exclusivo de pequena parcela da população, o regime de

montepio não se ajustaria a princípio constitucional nuclear, que nos dá conta de que somos

iguais perante a lei. A moderna dogmática dos direitos fundamentais instrumentaliza

referencial hermenêutico que busca o alcance, a extensão, o sentido e o significado da

tessitura constitucional 33 , na concretização (Konkretisierung) de uma ordem política

efetivamente solidária e prospectiva.

52. E ainda que princípios constitucionais sejam qualificados por um caráter

estruturalmente indeterminado34, o que indica plasticidade constitucional35, deve-se ter nítido

de que a validade de uma lei não se determina na atenção de critérios meramente formais,

relativos ao órgão competente e ao procedimento, mas também deve-se atender a critérios

substantivos de conteúdo36. Isto é, no caso do montepio, se lei houvesse, sem que se tivesse

nenhuma dúvida ou senão. O que não é o caso. Ou não parece ser o caso.

53. O Supremo Tribunal Federal tem construído riquíssima produção indicativa de

compreensão muito nítida do princípio da igualdade. Por exemplo, na ADI 2.716, relatada

pelo Ministro Eros Grau, em julgamento de 29 de novembro de 2007, decidiu-se, em outro

contexto, bem entendido, que a lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir

situações, a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa

fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde

compatibilidade com o conteúdo do princípio. O regime de montepio, ao que parece, não

revela discriminação que justifique compatibilidade com arquétipos de igualdade.

33 Cf. Hernán Alejandro Olano García, Interpretación y Neoconstitucionalismo, Cidade do México: Editorial Porrúa, 2006, especialmente pp. 196 e ss. 34 Cf. Ricardo Guastini, Teoria e Ideologia de la Interpretación Constitucional, Madrid: Trotta, 2008. 35 Cf. Gustavo Zagrebelsky, El Derecho Dúctil, Madrid: Trotta, 2008. 36 Luis M. Cruz, Estudios sobre el Neoconstitucionalismo, Cidade do México: Editorial Porrúa, 2006, pp. 53-54.

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54. E também, vinculando igualdade e solidariedade, o julgado no Supremo Tribunal

Federal no contexto do MS 22.164, relatado pelo Ministro Celso de Mello, em julgamento de

30 de outubro de 1995, quando se assentou que

enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais)- que se identifica com as liberdade positivas, reais ou concretas- acentuam ao princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexaurabilidade.

55. E ainda, no MI 58, relator para o acórdão Ministro Celso de Mello, em julgamento

de 14 de dezembro de 1990, definiu-se, como segue:

O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não e - enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica - suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio - cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público - deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei - que opera numa fase de generalidade puramente abstrata - constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordina-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade. Refoge ao âmbito de finalidade do mandado de injunção corrigir eventual inconstitucionalidade que infirme a validade de ato em vigor. Impõe-se refletir, no entanto, em tema de omissão parcial, sobre as possíveis soluções jurídicas que a questão da exclusão de beneficio, com ofensa ao princípio da isonomia, tem sugerido no plano do direito comparado: (a) extensão dos benefícios ou vantagens as categorias ou grupos inconstitucionalmente deles excluídos; (b) supressão dos benefícios ou vantagens que foram indevidamente concedidos a terceiros; (c) reconhecimento da existência de uma situação ainda constitucional (situação constitucional imperfeita), ensejando-se ao Poder Público a edição, em tempo razoável, de lei restabelecedora do dever de integral obediência ao princípio da igualdade, sob pena de progressiva inconstitucionalização do ato estatal existente, porem insuficiente e incompleto.

56. O regime de montepio da União poderia afrontar à suprema regra de isonomia.

Parece que poderia tratar desigualmente os iguais. Poderia impor ônus a todos, em favor do

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benefício de alguns. Poderia desconsiderar que nenhum benefício ou serviço de seguridade

social possa ser criado, majorado ou estendido, sem a correspondente fonte de custeio total. E

a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido severa e rigorosa na fixação do

aludido preceito contido no § 5º do art. 195 da Constituição. Por exemplo, no RE 204.193,

relatado pelo Ministro Carlos Velloso, em julgamento de 30 de maio de 2001, ementou-se que

a extensão automática da pensão ao viúvo, em obséquio ao princípio da igualdade, em

decorrência do falecimento da esposa-segurada, assim considerado aquele como dependente

desta, exige lei específica, tendo em vista as disposições constitucionais inscritas no art. 195,

caput, e seu § 5º, e art. 201, V, da Constituição Federal.

57. Na ADI 3205, relatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, em julgamento de 19 de

outubro de 2006, ainda que em outro contexto, porém em percepção conceitual convergente,

ementou-se:

Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. 2. A norma impugnada é dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, bem como é independente do restante da lei. III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. IV. Seguridade social: norma que concede benefício: necessidade de previsão legal de fonte de custeio, inexistente no caso (CF, art. 195, § 5º): precedentes.

58. E também o Supremo Tribunal Federal no AI 151.106-AgR, relatado pelo

Ministro Celso de Mello, em julgamento de 28 de agosto de 1993, definiu, na forma

ementada, que

CONSTITUCIONAL - PREVIDENCIÁRIO - VALOR MINIMO DO BENEFICIO - FONTE DE CUSTEIO - CF, ART. 195, PAR. 5. - APLICABILIDADE IMEDIATA DA NORMA INSCRITA NO ART. 201, PARAGRAFOS 5. E 6., DA CARTA POLITICA - PRECEDENTES (PLENÁRIO E TURMAS DO STF) - AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se, de modo unânime e uniforme, no sentido da auto-aplicabilidade das normas inscritas no art. 201, pars. 5. e 6., da Constituição da Republica. - A garantia jurídico-previdenciaria outorgada pelo art. 201, parágrafos 5. e 6., da Carta Federal deriva de norma provida de eficácia plena e revestida de aplicabilidade direta, imediata e integral. Esse preceito da Lei Fundamental qualifica-se como estrutura jurídica dotada de suficiente densidade normativa, a tornar prescindível qualquer mediação legislativa

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concretizadora do comando nele positivado. Essa norma constitucional - por não reclamar a interpositio legislatoris - opera, em plenitude, no plano jurídico, todas as suas virtualidades eficaciais, revelando-se aplicável, em consequência, desde a data da promulgação da Constituição Federal de 1988. - A exigência inscrita no art. 195, par. 5., da Carta Política traduz comando que tem, por destinatário exclusivo, o próprio legislador ordinário, no que se refere a criação, majoração ou extensão de outros benefícios ou serviços da seguridade social.

59. E porque o regime de montepio poderia contradizer a igualdade e eventualmente

poderia contrariar ao pressuposto da solidariedade, e especialmente porque faria tabula rasa da

exigência de equilíbrio financeiro e atuarial no contexto da concessão de benefícios, tem-se,

sem mais especulações, que não teria havido recepção do aludido benefício, por parte do texto

constitucional de 1988, em sua forma original e em suas manifestações supervenientes, por

meio de emendas, e refiro-me à Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003,

especialmente.

60. E é Ministro do Supremo Tribunal Federal, em excerto doutrinário de muita

densidade, quem observou que,

É certo que o poder constituinte originário dá início à ordem jurídica. Isso, porém, significa que todos os diplomas infraconstitucionais perdem vigor com o advento de uma nova Constituição? Uma resposta positiva inviabilizaria a ordem jurídica. Por isso se entende que aquelas normas anteriores à Constituição, que são com ela compatíveis no seu conteúdo, continuam em vigor. Diz-se que, nesse caso, opera o fenômeno da recepção, que corresponde a uma revalidação das normas que não desafiam, materialmente, a nova Constituição. Às vezes, a recepção é expressa, como se determinou na Constituição de 1937. O mais frequente, porém, é a recepção implícita, como acontece no sistema brasileiro atual. Deve-se a Kelsen a teorização do fenômeno da recepção, pelo qual se busca conciliar a ação do poder constituinte originário com a necessidade de se obviar vácuos legislativos. Kelsen sustenta que as leis anteriores, no seu conteúdo afinadas com a nova Carta, persistem vigentes, só que por fundamento novo. A força atual desses diplomas não advém da Constituição passada, mas da coerência que os seus dispositivos guardam com o novo diploma constitucional. Daí Kelsen dizer que ‘apenas o conteúdo dessas normas permanece o mesmo, não o fundamento de validade’. O importante, então, é que a lei antiga, no seu conteúdo, não destoe da nova Constituição. Pouco importa que a forma de que o diploma se revista não mais seja prevista no novo Texto Magno. Não há conferir importância a eventual incompatibilidade de forma com a nova Constituição. A forma é regida pela lei da época do ato (tempus regit actum), sendo, pois, irrelevante para a recepção. Assim, mesmo que o ato normativo se exprima por instrumento diferente daquele que a nova Carta exige para a regulação de determinada matéria, permanecerá em

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vigor e válido se houver a concordância material, i.e., de conteúdo, com as novas normas constitucionais37.

61. De fato, o regime de montepio não guarda concordância material com as normas

constitucionais do texto de 1988. A suposta desatenção para com a isonomia, a contradição

para com o regime atuarial de prestação previdenciária, a refutação da solidariedade, entre

outros, justificariam que se tomasse providência, no sentido de que se reconhecesse situação

de inadequação constitucional.

62. Não se trata de possibilidade de se declarar inconstitucional norma anterior à

Constituição, com ela materialmente compatível, editada em desobediência à Constituição

então vigente, hipótese também concebida hipoteticamente em outro excerto do Ministro

Gilmar Mendes38. Cuida-se, tão somente, da avaliação das normas do montepio, que radicam

em disposição de 1890, à luz do ordenamento atual. E a legislação que substancializaria o

modelo do montepio não resistiria a um confronto com a Constituição vigente; tratar-se-ia de

norma anacrônica. O montepio não resiste à lógica da Emenda Constitucional nº 41, de 2003.

63. Além do que, ao que parece, as discussões relativas ao montepio sempre foram

marcadamente mais de pormenor, e menos de substância. Por exemplo, há notícia de julgado

do Tribunal Superior do Trabalho, tombada no processo nº 78000-2006-0-4-0, onde se

discutiu que o montante a ser pago no regime do montepio seria do valor total do benefício,

ou de 60%, como havia se definido posteriormente.

64. O v. acórdão é de impressionante objetividade, decidiu nos termos em que foi

provocado, e dele se pode extrair miríade de excertos que sustentam as teses aqui desenhadas,

especialmente quanto à inexistência de direito adquirido, ainda que o acórdão que segue tenha

admitido o pagamento do montepio aqui discutido:

1. A Lei nº 6.782, de 19 de maio de 1980, ao disciplinar a respeito da pensão especial de que trata o art. 242 da Lei nº 1711/52, terminou por majorar o valor devido aos beneficiários da pensão do Montepio Civil da União, anteriormente fixado em 60% para 100% da remuneração do instituidor, quando o falecimento do contribuinte do Montepio verificar-se em consequência de doença profissional ou especificada em lei e igualmente em caso de acidente de trabalho.

2. Sobrevindo a Lei nº 8112/90, revogando expressa e totalmente a Lei nº 1711/52, bem como todas as leis ou atos que se lhe possam categorizar complementares (art.

37 Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 203. 38 Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, cit., p. 207.

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253), não mais subsiste a partir da vigência do aludido diploma legal o direito aos beneficiários de pensão decorrente da contribuição para o Montepio Civil da União de perceberam o valor integral da remuneração do instituidor.

3. Milita em desfavor da Requerente a inexistência de direito adquirido, visto que o óbito do magistrado-aposentado e, portanto, o momento da aquisição do direito ao pensionamento, ocorreu quando não mais vigia a Lei nº 6782/80, o que afasta a pretensão de percebimento do valor integral da remuneração do instituidor da pensão do montepio civil, porquanto tal situação não se incorporou ao seu patrimônio jurídico.

4. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n° TST-ROMS-780/2006-000-04-00.0, em que é Recorrente (...) viúva do Juiz Inativo (...) falecido em 8 de fevereiro de 2005, impetrou mandado de segurança contra ato do Exmo. Juiz Presidente do TRT da Quarta Região que determinou a redução do valor da pensão do Montepio Civil da União, da qual é beneficiária, de 100% para 60% da remuneração do Instituidor. Afirmou que formulou pedido de habilitação como beneficiária do Montepio Civil da União, na condição de viúva de Juiz inativo do TRT da Quarta Região, obtendo o benefício em 21.03.2005 no valor correspondente à totalidade da remuneração do Instituidor. Sustentou que em 20.02.2006 recebeu comunicação do TRT de origem, informando a redução do valor da pensão do Montepio Civil da União a 60% dos proventos do Instituidor, por força do acórdão nº 2354/05 da 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União. Alegou que a Lei nº 6782/80 ampara a concessão da pensão em valor equivalente à totalidade da remuneração do Instituidor. Ao final, a Impetrante requer, mediante concessão de pedido liminar, a manutenção da integralidade da pensão (fls. 02/10). Pedido de liminar indeferido (fls. 136/137). A autoridade apontada como coatora prestou informações (fls. 144/146). O Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região denegou a segurança, sob o entendimento assim ementado: MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO DO MONTEPIO CIVIL DA UNIÃO. ADEQUAÇÃO AO ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ATO VINCULADO DA ADMINISTRAÇÃO Ausente qualquer abusividade ou ilegalidade do ato proferido pela autoridade dita coatora, que apenas atendeu à determinação do Tribunal de Contas da União, ao reduzir a pensão do Montepio Civil da União, em ato estritamente vinculado, não há falar em direito líquido e certo da impetrante, a ser tutelado pelo presente mandado de segurança. (fl. 239) Irresignada, a Impetrante interpõe o presente recurso ordinário em mandado de segurança, renovando os argumentos lançados na petição inicial (fls. 247/261). A d. Procuradoria Geral do Trabalho manifestou-se às fls. 277/278 pelo conhecimento e não provimento do recurso ordinário em mandado de segurança. É o relatório.

1. CONHECIMENTO- Conheço do recurso ordinário em mandado de segurança, porquanto presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

2. MÉRITO DO RECURSO-

2.1.PENSÃO. MONTEPIO CIVIL DA UNIÃO. VALOR INTEGRAL DA REMUNERAÇÃO DO INSTITUIDOR Impende recordar inicialmente o contexto

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jurídico em que surgiu a pensão temporária, cujo pagamento integral dos proventos do Instituidor, sob a responsabilidade do TRT da 4ª Região, postula a ora Requerente. Cumpre anotar para logo que o Montepio Civil, criado pelo Decreto nº 942-A, de 31.10.1890, foi inicialmente destinado aos empregados do Ministério da Fazenda, ativos e inativos, e teve por objetivo o pagamento de joia e contribuição mensal, a fim de garantir o recebimento de pensão pelos familiares dos empregados do aludido órgão em caso de morte ou invalidez. Assim dispunha o aludido Decreto: Art. 3º. São obrigados a contribuir para o montepio os empregados de Fazenda, efetivos, aposentados ou reformados, que percebem ordenado ou soldo mensal, ou vencimento não discriminado. Em 06.11.1890, o Decreto nº 956 estendeu aos funcionários do Ministério da Justiça o montepio obrigatório dispondo, em seu art. 1º: Art. 1º- É aplicado aos funcionários ativos, aposentados ou reformados, do Ministério da Justiça, o Montepio obrigatório criado por Decreto nº 942-A de 31 de outubro de 1890, que será executado de acordo com o presente, na parte que respeita ao referido Ministério. Posteriormente, a possibilidade de adesão ao Montepio foi estendida aos Ministros do Supremo Tribunal Federal (Decreto nº 5137/1927), aos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Ministros e ao Procurador Geral do TCU e do extinto TFR (Lei nº 3058/1956) e aos demais membros da magistratura (Lei nº 6554/78), sendo regulamentada pelo Decreto nº 83.226/79. Já o referido Decreto nº 83.226, de 01.03.1979, passou a disciplinar acerca do valor da pensão a ser recebida pelos familiares em caso de morte ou invalidez do contribuinte, assim dispondo: Art. 5º - A contribuição para constituição da pensão corresponde à 25ª parte (4% - quatro por cento) dos vencimentos e acréscimos percebidos mensalmente pelo servidor, cobrável mediante desconto em folha de pagamento. Art. 9º - A pensão de montepio civil corresponde a 15 (quinze) vezes o valor da contribuição mensal e será sempre atualizada pela tabela de vencimentos que estiver em vigor para o pessoal em atividade. Depreende dos aludidos artigos que a pensão de Montepio Civil da União deveria corresponder a 60% da remuneração do instituidor (15 vezes o valor da contribuição que é de 4% da remuneração do segurado). Posteriormente, a Lei nº 6.782, de 19 de maio de 1980, ao disciplinar a respeito da pensão especial de que trata o art. 242 da Lei nº 1711/52, terminou por majorar o valor devido aos beneficiários da pensão do Montepio Civil da União, anteriormente fixado em 60% da remuneração do instituidor para o valor integral da remuneração, nos seguintes termos: Art. 1º. A doença profissional e as especificadas em lei ficam equiparadas ao acidente em serviço para efeito da pensão especial de que trata o artigo 242 da Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952. Parágrafo único. A equiparação de que trata este artigo estende-se às pensões, inclusive do Montepio Civil da União, concedidas aos herdeiros de funcionários já falecidos, para efeito de complementação pelo Tesouro Nacional. Prosseguindo esse breve retrospecto legislativo, recorda-se que a Lei nº 1711/52 em seu artigo 242 estabelecia: Art. 242 É assegurada pensão, na base do vencimento ou remuneração do servidor, à família do mesmo (sic) quando o falecimento se verificar em consequência de acidente no desempenho de suas funções. Quer dizer que, de acordo com o art. 242 da Lei nº 1.711/52,combinado com o art. 1º da Lei nº 6.782/80, é assegurada pensão na base do vencimento ou remuneração do servidor à família, quando o falecimento ocorrer em consequência de doença profissional ou especificada em lei e igualmente em caso de acidente de trabalho. Sucede que sobreveio a Lei nº 8112/90, revogando expressa e totalmente a Lei nº 1711/52, bem como todas as Leis ou atos que se lhe possam categorizar complementares, conforme disposto no art. 253 do aludido diploma: Art.

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253. Ficam revogadas a Lei nº 1711, de 28 de outubro de 1952, e respectiva legislação complementar, bem como as demais disposições em contrário. Cotejando-se toda a legislação em foco, penso que não assiste razão à Recorrente. A revogação da Lei nº 1711/52, a meu juízo, atinge o direito da Autora, não mais subsistindo o direito de perceber a pensão decorrente da contribuição para o Montepio Civil da União de no valor integral da remuneração do instituidor. Com efeito, a Lei nº 6782/80 é exemplo típico de legislação complementar, porquanto expressamente se refere à Lei nº 1711/52, ao equiparar a doença profissional e as especificadas em lei ao acidente em serviço para efeito da concessão de pensão especial de que trata o art. 242 do Estatuto do Funcionário Público. Desse modo, tendo o legislador ordinário determinado a revogação da Lei nº 1711/52 e da legislação a ela complementar, não mais subsiste a partir da vigência da Lei nº 8112/90, o direito ora em debate, porquanto milita em desfavor da Requerente a inexistência de direito adquirido. Sobreleva notar que a Lei nº 8112/90, ao disciplinar a respeito da pensão devida aos familiares do servidor falecido com vencimentos integrais quando decorrentes de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, não fez qualquer referência à pensão devida a título de Montepio Civil da União. Assim, a Lei nº 8112/90 retirou do mundo jurídico o direito de o futuro beneficiário da pensão de Montepio Civil da União perceber tal benefício no valor correspondente ao valor integral dos vencimentos ou proventos do instituidor da pensão, o que torna perfeitamente viável ao TRT de origem retificar a pensão anteriormente concedida. Releva recordar que, de conformidade com a Súmula nº 473 do E. STF, ratificada pelo art. 114 da Lei 8.112/90, o ato administrativo pode ser revisto se não tem ou se perde o amparo da lei: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. (DJ 08-10-1964) Assim, os atos administrativos não somente podem, como devem ser corrigidos de ofício, sempre que eivados de ilegalidade. Cumpre destacar que o princípio da legalidade impõe ao Administrador o dever de pautar a sua conduta nos limites legais fixados. Nesta diretriz, consoante lições de HELY LOPES MEIRELLES, o Administrador Público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, deles não pode se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso" (Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 86). Nesse sentido, a Administração não pode, sem qualquer embasamento legal, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados. Para tanto, depende de lei. Na hipótese dos autos, o óbito do magistrado-aposentado e, portanto, o momento da aquisição do suposto direito ao pensionamento, ocorreu em 08.02.2005, quando não mais vigia o parágrafo único da Lei nº 6782/80, que estendeu às pensões decorrentes da contribuição para o Montepio Civil da União a percepção de pensão no valor integral da remuneração do instituidor nos casos ali especificados. Em outras palavras, a pensão por morte passou a ser recebida somente em março de 2005, quando já havia sido expressamente revogada a legislação que supostamente lhe asseguraria o direito ao percebimento da integralidade do montepio civil, supressão essa surgida com a edição da Lei nº 8112/90. Assim, como antes da Lei nº 8112/90 a Requerente não detinha o direito ao percebimento do valor integral da remuneração do instituidor da pensão do montepio civil, tal situação não se incorporou ao seu patrimônio jurídico,

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48

podendo ser modificada em virtude de ulterior alteração. Diante do exposto, andou bem o Eg. TRT de origem ao alterar o valor da pensão do Montepio Civil da União para sessenta por cento dos proventos do instituidor, em estrita observância da legislação pertinente à época do óbito do instituidor da pensão. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros do Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança.

65. Tem-se a impressão que a decisão do TST acenaria com a circunstância de que o

montepio não se acomodaria, definitivamente, no regime previdenciário dos servidores

públicos, após o advento da Lei nº 8.112, de 1990. Há quem possa argumentar que não se

contemplou direito adquirido por parte do beneficiário. De tal modo, pode se inferir que

benefícios requeridos a partir de 19 de dezembro de 2003 (reforma da previdência no texto

constitucional) não poderiam redundar em pagamento do benefício, por parte de eventual

beneficiário.

66. No entanto, há várias situações que se alastram no tempo e que exigem tratamento

que coteje o contexto da doutrina da boa fé e a percepção do venire conta factum proprio,

viz.:

a) há quem seja beneficiário, colhendo benefícios, em situação antiga plenamente

vigente, ainda que posterior a 5 de outubro de 1988;

b) há quem contribua com o montepio, que tem expectativa de que beneficiário

indicado possa colher eventual benefício - - implementada a condição - -, e que, no

limite, teria créditos, em desfavor da União;

c) há pedidos pendentes, que exigem pronta definição.

67. Por isso, por questão de segurança jurídica, a necessidade de fixação de marco

temporal, que possa ser substancializado, por exemplo, com data de eventual recebimento e

processamento do pedido do interessado. Insiste-se, deve-se evitar a judicialização da questão,

o que ocorreria com eventual invocação de direito adquirido, ou de confiança para com a

Administração, ou de segurança jurídica, em sentido estrito.

68. Não se trata de se invocar direito adquirido, em favor de quem eventualmente hoje

recolhe valores com objetivo de recebimento superveniente. Verifica-se, no caso, a

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imperatividade do cânon da impossibilidade de se invocar direito adquirido em face da

própria constituição, como já sufragado, especialmente, pelo próprio STF, quando se decidiu

que “a supremacia jurídica das normas inscritas na Carta Federal não permite, ressalvadas

as eventuais exceções proclamadas pelo próprio texto constitucional, que contra elas seja

invocado o direito adquirido”39.

69. A União deve manter o pagamento dos benefícios que presentemente são

desembolsados. Deve, no entanto, indeferir os pedidos pendentes de inscrição. E deve a União

também devolver os valores recolhidos pelos interessados, que contam com recebimento

futuro para beneficiários, vencida a condição, que se realiza com o óbito do instituidor. Tudo,

evidentemente, com as devidas correções, dada a cessação do modelo, pela flagrante

inconstitucionalidade que o matiza.

70. E neste último caso aplica-se índice, a ser definido pelo Ministério da Fazenda,

fixando-se a devolução dos valores. Ainda que tais contas exijam cálculos apurados e

demorados, sua confecção é necessária, por força do ajuste que se espera das contas públicas,

nesse pormenor.

71. Situações já consolidadas, ainda que supervenientes a 5 de outubro de 1988,

devem ser acomodadas à realidade orçamentária presente; tais supostos créditos devem ser

honrados pela União. Registre-se o altíssimo risco que há de judicialização da questão, com

juízo de previsibilidade de resultado que poderia prejudicar a negativa de futuras concessões

de benefícios.

72. Até porque, no limite, por parte de quem já efetivou a inscrição já houve

recolhimento, de joia, e de contribuições. Assim, há situações as quais, como homenagem à

segurança jurídica e ao superior dogma da perfeição dos atos jurídicos que se desdobram no

tempo, também devem ser honradas pela União. É o caso de quem receba o benefício desde

tempos pretéritos.

73. Há situações que apenas indicam expectativa de margem mais ampla, e que

decorrem de desembolsos ainda não feitos, e que, portanto, não exigem nenhuma ação direta,

por parte da União. É o caso do mero indeferimento dos pedidos de inscrição protocolados no

Ministério da Fazenda.

39 STF- ADI 248, Relatada pelo Ministro Celso de Mello, julgada em 18 de novembro de 1993.

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74. Deve-se registrar, no entanto, que há vários obter dicta em tema de montepio

civil. Não se tem notícia de discussão objetiva da questão, quanto à natureza da prestação. Por

exemplo, no MS 28061 AgR/DF, relatado pela Ministra Ellen Gracie, registrou-se que o

Tribunal de Contas da União considerou legal o ato de concessão inicial de pensão do

montepio civil da União em favor da impetrante e de sua irmã (....).

Não se tem informação de que a questão tenha sido judicializada no sentido de se discutir sua

constitucionalidade ou sua legalidade. Insista-se, as discussões que se tem até o presente têm

natureza meramente circunstancial, quanto a aspectos do regime do montepio, que aqui se tem

como contraditório com a Emenda Constitucional nº 41, de 2003.

75. Conclusivamente, pode-se fixar entendimento no sentido de que:

a) o montepio detém natureza de previdência complementar, ainda que ajustado como

um contrato ou como uma poupança; por isso, na essência, deve ser tratado num

contexto de relações de natureza previdenciária;

b) nada obstante as contribuições cobradas, o montepio atualmente é liquidado com

parcela de recursos públicos; são parcelas muito substanciais; e não há justificativas

constitucionais ou legais para tais gastos;

c) o montepio outorga ao beneficiário uma renda vitalícia; cálculos feitos com base

em estimativas do IBGE (especialmente com projeção em torno de 85 anos de vida),

dão conta de gastos públicos de grande monta, sem contrapartida;

d) o montepio não se qualifica por uma relação atuarial; resumidamente, a União é

quem arca com os pagamentos;

e) o montepio não se qualificaria como avença contratual celebrada entre uma

autoridade e a Administração; trata-se apenas da utilização de normas antigas, não

levadas a escrutínio em face do texto constitucional vigente, e respectivas emendas;

f) não há equilíbrio financeiro na concessão do benefício;

g) não há razoabilidade na prestação contínua do benefício;

h) o montepio é modelo que pode promover a desigualdade; concretamente, não se

subsume à vigorosa e seminal regra isonômica;

i) o montepio não atende a parâmetros de solidariedade, nos exatos termos da

compreensão constitucional que se tem do aludido princípio;

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j) no regime do montepio não há previsão de tempo mínimo de contribuição;

k) quando do veto do benefício do montepio para o Ministério Público o Presidente da

República firmou-se entendimento de que havia tratamento discriminatório, aumento

de responsabilidade para o Tesouro Nacional, bem como contemplou a inexistência

de fonte de recursos;

l) o montepio seria contrário ao interesse público, no contexto do veto à regra do

Ministério Público, quando da discussão em torno da lei orgânica daquela

instituição;

m) no montepio não há captação solidária e coletiva que exclusivamente sustente os

beneficiários;

n) não há cotização para superveniente recebimento de benefícios, mediante cálculos

transparentes;

o) não há regime de capitalização e nem de repartição, que são os modelos que

informam os regimes previdenciários que há no mundo;

p) não há acúmulo de fundo para pagamento de benefício futuro;

q) não há custeio direto para pagamento de benefício atual; é o Tesouro Nacional

quem arca com as diferenças;

r) poderá haver discussões judiciais sobre direito adquirido, dada eventual alegação

sobre a idoneidade do fato;

s) não há contrato entre Administração e interessado, i.e., pelo menos na modalidade

de contratos privados; ainda que firmados entre a Administração e o particular;

t) eventuais gastos do Erário com os benefícios não plasmariam necessidade pública

justificativa da alocação de recursos complementares à contribuição paga;

u) o montepio da União não foi recepcionado pela Constituição de 1988;

especialmente no que se refere à Emenda Constitucional nº 41, de 2003;

v) devem ser respeitadas situações pretéritas já consolidadas, entre outros, porque a

boa fé nas relações com a Administração deve prevalecer;

x) o entendimento aqui adotado surte efeitos a partir do recebimento da presente

consulta que, à época, suspendeu a apreciação de todos os requerimentos relativos ao

Montepio;

y) os pedidos de inscrição no montepio, encaminhados ou pendentes, devem ser

indeferidos, abrindo-se ao interessado prazo para impugnação administrativa,

Page 55: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

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respeitando-se, sempre, o devido processo legal; respeitando-se, também, eventuais

decisões judiciais em favor de interessados, que deverão ser contestadas também

judicialmente;

z) instituidores ou interessados cujos benefícios não serão pagos, deverão ter os

valores que recolheram como contribuição do montepio devolvidos, em moldes,

fórmulas, índices e critérios a serem fixados pelo Ministério da Fazenda; abrindo-se

aos instituidores e interessados prazo para impugnação administrativa, respeitando-

se, sempre, o devido processo legal.

Senhor Advogado-Geral da União, são estas as considerações que submeto ao

altíssimo crivo de Vossa Excelência, para providências que Vossa Excelência julgar

adequadas, isto é, se as razões aqui declinadas merecerem v. placet.

Brasília, 5 de abril de 2012.

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy Consultor-Geral da União

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RITO DE TRAMITAÇÃO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS NO CONGRESSO NACIONAL

Gustavo Caldas Guimarães de Campos Consultor-Geral da União

PARECER Nº 62/2012/DENOR/CGU/AGU PROCESSO Nº 00022.000079/2012-62 INTERESSADA: Subchefia de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. ASSUNTO: Rito de tramitação das Medidas Provisórias no Congresso Nacional

Tramitação das medidas provisórias. ADI 4.029/DF. Possibilidade de a medida provisória não ser apreciada pela Comissão Mista em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação. Trancamento da pauta da Câmara dos Deputados. Inteligência do art. 62, §§ 6º a 9º, da Constituição da República.

1. A Subchefia de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais

da Presidência da República, por intermédio do Ofício nº 219/2012 - Supar/SRI, de 30 de

março do corrente ano, manifestou-se nos seguintes termos:

Após o julgamento do Supremo Tribunal Federal – STF na ADI nº 4.029, proferida em 8 de março de 2012, corcenente ao rito das medidas provisórias, precisamos de esclarecimentos quanto ao prazo de quarenta e cinco dias para a apreciação e consequente sobrestamento da pauta, previsto no § 6º do art. 62 da Constituição.

2. O requerimento foi inicialmente dirigido à Secretaria-Geral do Contencioso, que

se manifestou por meio da Nota AGU/SGCT/ARL n.º 022/2012 (fls. 35), em que informa que

o STF não se manifestou especificamente a respeito do trancamento de pauta e que a

interpretação do disposto no art. 62, § 6º, da Constituição, no âmbito da AGU, caberia à

Consultoria-Geral da União.

3. Os autos, então, foram distribuídos a este Departamento. Passo à análise.

Page 57: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

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4. A ADI 4.029/DF tem o seguinte objeto40:

A primeira dessas alegações é a de que durante o processo de conversão da

Medida Provisória nº 366 de 2007 na Lei ora objurgada [Lei nº 11.516/07], não

foi observado o quanto disposto no art. 62, § 9º, da Carta Magna, verbis:

Art. 62, § 9º. Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

Segundo colhe-se dos elementos trazidos aos autos, a Comissão Mista de que

trata o dispositivo foi constituída. Entretanto, não houve quórum para votação

(um terço dos membros da Comissão), motivo pelo qual foram observados os

termos da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional, que assim dispõe:

Art. 5º A Comissão terá o prazo improrrogável de 14 (quatorze) dias, contado da publicação da Medida Provisória no Diário Oficial da União para emitir parecer único, manifestando-se sobre a matéria, em itens separados, quanto aos aspectos constitucional, inclusive sobre os pressupostos de relevância e urgência, de mérito, de adequação financeira e orçamentária e sobre o cumprimento da exigência prevista no § 1º do art. 2º. (...) Art. 6º A Câmara dos Deputados fará publicar em avulsos e no Diário da Câmara dos Deputados o parecer da Comissão Mista e, a seguir, dispensado o interstício de publicação, a Medida Provisória será examinada por aquela Casa, que, para concluir os seus trabalhos, terá até o 28º (vigésimo oitavo) dia de vigência da Medida Provisória, contado da sua publicação no Diário Oficial da União. § 1º Esgotado o prazo previsto no caput do art. 5º, o processo será encaminhado à Câmara dos Deputados, que passará a examinar a Medida Provisória. § 2º Na hipótese do § 1º, a Comissão Mista, se for o caso, proferirá, pelo Relator ou Relator Revisor designados, o parecer no Plenário da Câmara dos Deputados, podendo estes, se necessário, solicitar para isso prazo até a sessão ordinária seguinte.

Em breves linhas, dispõe a mencionada Resolução que a Comissão Mista terá o

prazo de quatorze dias para emitir parecer sobre a Medida Provisória. Findo

40 Trecho do voto do Relator, Ministro Luiz Fux, disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf /anexo/ADI4029.pdf, acesso em 7 de maio de 2012.

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55

esse prazo, mesmo sem a prolação do parecer, o processo legislativo deve

seguir seu curso, passando a Câmara dos Deputados a examinar a matéria.

Nesta hipótese, a Comissão Mista pode, conforme determina a Resolução,

emitir o parecer, por meio de seu Relator, no Plenário da Câmara dos

Deputados. E assim ocorreu no caso sub examine: o parlamentar nomeado

como Relator se encarregou de emitir parecer sobre a Medida Provisória

diretamente perante o Plenário, posteriormente convertida na Lei Federal nº

11.516/07.

5. De acordo com o Relator:

A efetividade do art. 62, § 9º, da Carta Magna não pode mais ser negada. O Pretório Excelso não pode ser conivente com o desrespeito à Constituição, quanto mais quando a práxis vetusta se revela tão nociva à democracia e ao correto funcionamento do sistema de equilíbrio entre os Poderes da República.

6. O STF decidiu, então, declarar a inconstitucionalidade, com eficácia ex nunc, do

artigo 5º, caput, e do artigo 6º, §§ 1º e 2º, da Resolução nº 1/2002, do Congresso Nacional41.

7. A consulta formulada pela Supar/SRI diz respeito a uma das consequências do

expurgo dos dispositivos acima mencionados: possibilidade de o prazo de quarenta e cinco

dias para apreciação e consequente sobrestamento da pauta, previsto no § 6º do art. 62 da

Constituição, esgotar-se ainda no âmbito da Comissão (fl. 1). De fato, a referida Resolução

previa42:

41 De acordo com a ata: “O Tribunal acolheu questão de ordem suscitada pelo Advogado-Geral da União, para, alterando o dispositivo do acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.029, ficar constando que o Tribunal julgou improcedente a ação, com declaração incidental de inconstitucionalidade do artigo 5º, caput, artigo 6º, §§ 1º e 2º, da Resolução nº 01/2002, do Congresso Nacional, com eficácia ex nunc em relação à pronúncia dessa inconstitucionalidade, nos termos do voto do Relator, contra o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente), que julgava procedente a ação. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa e, nesta questão de ordem, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 08.03.2012.” 42 Art. 5º A Comissão terá o prazo improrrogável de 14 (quatorze) dias, contado da publicação da Medida Provisória no Diário Oficial da União para emitir parecer único, manifestando-se sobre a matéria, em itens separados, quanto aos aspectos constitucional, inclusive sobre os pressupostos de relevância e urgência, de mérito, de adequação financeira e orçamentária e sobre o cumprimento da exigência prevista no § 1º do art. 2º. (Vide ADIN nº 4.029, publicada no DOU de 16/3/2012) § 1º O exame de compatibilidade e adequação orçamentária e financeira das Medidas Provisórias abrange a análise da repercussão sobre a receita ou a despesa pública da União e da implicação quanto ao atendimento das normas orçamentárias e financeiras vigentes, em especial a conformidade com a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a lei do plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária da União. § 2º Ainda que se manifeste pelo não atendimento dos requisitos constitucionais ou pela inadequação financeira ou orçamentária, a Comissão deverá pronunciar-se sobre o mérito da Medida Provisória. § 3º Havendo emenda saneadora da inconstitucionalidade ou injuridicidade e da inadequação ou incompatibilidade orçamentária ou financeira, a votação far-se-á primeiro sobre ela. § 4º Quanto ao mérito, a Comissão poderá emitir parecer pela aprovação total ou parcial ou alteração da Medida Provisória ou pela sua rejeição; e, ainda, pela aprovação ou rejeição de emenda a ela apresentada, devendo concluir, quando resolver por qualquer alteração de seu texto: I - pela apresentação de projeto de lei de conversão relativo à matéria; e

Page 59: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

56

a) o prazo improrrogável de 14 (quatorze) dias, contado da publicação da Medida

Provisória no Diário Oficial da União para a Comissão emitir parecer único (art.

5º, caput);

b) esgotado o prazo referido em “a”, o processo era encaminhado à Câmara dos

Deputados, que passava a examinar a Medida Provisória (art. 6º, § 1º); e

c) na hipótese prevista em “b”, a Comissão Mista proferia, pelo Relator ou Relator

Revisor designado, o parecer no Plenário da Câmara dos Deputados (art. 6º, § 2º).

8. Portanto, em decorrência da aplicação do art. 5º, caput, e dos §§ 1º e 2º do art. 6º

da Resolução nº 1/2002, do Congresso Nacional, ultrapassado o prazo de 14 dias na Comissão

Mista, a medida provisória era encaminhada à Câmara dos Deputados, que passava a

examinar a matéria. Desse modo, era impossível o escoamento do prazo estabelecido para o

“trancamento de pauta” (45 dias) ainda na Comissão.

9. A recente declaração de inconstitucionalidade daqueles dispositivos suscita,

agora, a seguinte dúvida: qual seria a consequência no caso de a medida provisória não

ser apreciada pela Comissão Mista em até quarenta e cinco dias contados de sua

publicação? A pauta de qual das Casas do Congresso Nacional seria trancada?

10. Destaque-se que a questão não é meramente acadêmica, pois há risco real de o

prazo ser ultrapassado dentro da própria Comissão. Com efeito, após a promulgação da

Emenda Constitucional 32, de 2001, o tempo médio de tramitação de uma medida provisória

no Congresso Nacional passou a ser de 103,29 dias43, prazo que, antes da decisão do STF, não

II - pela apresentação de projeto de decreto legislativo, disciplinando as relações jurídicas decorrentes da vigência dos textos suprimidos ou alterados, o qual terá sua tramitação iniciada pela Câmara dos Deputados. § 5º Aprovado o parecer, será este encaminhado à Câmara dos Deputados, acompanhado do processo e, se for o caso, do projeto de lei de conversão e do projeto de decreto legislativo mencionados no § 4º. Art. 6º A Câmara dos Deputados fará publicar em avulsos e no Diário da Câmara dos Deputados o parecer da Comissão Mista e, a seguir, dispensado o interstício de publicação, a Medida Provisória será examinada por aquela Casa, que, para concluir os seus trabalhos, terá até o 28º (vigésimo oitavo) dia de vigência da Medida Provisória, contado da sua publicação no Diário Oficial da União. § 1º Esgotado o prazo previsto no caput do art. 5º, o processo será encaminhado à Câmara dos Deputados, que passará a examinar a Medida Provisória. (Vide ADIN nº 4.029, publicada no DOU de 16/3/2012) § 2º Na hipótese do § 1º, a Comissão Mista, se for o caso, proferirá, pelo Relator ou Relator Revisor designados, o parecer no Plenário da Câmara dos Deputados, podendo estes, se necessário, solicitar para isso prazo até a sessão ordinária seguinte. (Vide ADIN nº 4.029, publicada no DOU de 16/3/2012) § 3º Na hipótese do § 2º, se o parecer de Plenário concluir pela apresentação de Projeto de Lei de Conversão, poderá, mediante requerimento de Líder e independentemente de deliberação do Plenário, ser concedido prazo até a sessão ordinária seguinte para a votação da matéria. 43 Cf. Produção Legislativa: Poder Executivo e Congresso Nacional, Geraldo de Morais Rodrigues, 2004, disponível na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1521/producao_legislativa_rodrigues.pdf?sequence=1, acesso em 8 de maio de 2012.

Page 60: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

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era consumido pela Comissão Mista. Como visto, esta deixava de atuar após o 14º dia, e o

Parecer era apresentado diretamente no Plenário da Câmara.

11. Agora, contudo, a Comissão Mista disporá de todas as competências previstas na

Resolução n.º 1/2002, sem a limitação temporal por esta imposta. Desse modo, a discussão

em torno da matéria veiculada na medida provisória será deslocada para a Comissão, que

deverá “emitir parecer único, manifestando-se sobre a matéria, em itens separados, quanto aos

aspectos constitucional, inclusive sobre os pressupostos de relevância e urgência, de mérito,

de adequação financeira e orçamentária e sobre o cumprimento da exigência prevista no § 1º

do art. 2º” (art. 5º).

12. Diante desse quadro, deve-se cogitar da hipótese de uma medida provisória

tramitar por mais de quarenta e cinco dias na Comissão Mista, resolvendo-se a questão

apontada no item 9 deste Parecer: a pauta de qual das Casas do Congresso Nacional seria

trancada?

13. Para responder à questão, deve-se analisar o texto constitucional, mais especificamente o

disposto nos §§ 6º a 9º do art. 62 (sem grifos no original):

Art. 62 ... § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) § 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) § 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

14. Dos dispositivos acima transcritos, especialmente em suas partes grifadas, extrai-

se que, após 45 dias, a medida provisória entrará em regime de urgência subsequentemente,

em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a

votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando (§ 6º).

Page 61: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

58

Além disso, as medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados (§

8º).

15. O termo “subsequentemente” afasta a interpretação de que o esgotamento do

prazo ainda no âmbito da Comissão Mista pudesse trancar a pauta de ambas as Casas (Câmara

dos Deputados e Senado Federal), o que, aliás, também se infere do uso do singular em “da

Casa em que estiver tramitando” (§ 6º).

16. Por outro lado, a expressão “Casas do Congresso Nacional” designa, apenas e

tão-somente (ao menos nesse dispositivo), a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, pois

o § 7º é claro ao mencionar a existência de “duas casas” 44. Assim, não parece possível a

interpretação de que o regime de urgência de que trata o § 6º pudesse vir a trancar a pauta de

uma “terceira casa”, qual seja o Congresso Nacional, entendida como as deliberações tomadas

em sessões conjuntas das duas Casas (art. 57, § 3º)45.

17. Além disso, parece claro que o constituinte previu o sobrestamento das demais

deliberações legislativas como forma de impor a análise, pelo Legislativo, de matérias

consideradas relevantes e urgentes pelo Chefe do Poder Executivo. Nessa linha, deve-se

destacar que o trancamento da pauta da sessão conjunta do Congresso Nacional, na prática,

não teria efetividade, pois são raras as matérias a ela submetidas, o que tornaria inócuo o

preceito constitucional. De fato, o instituto da medida provisória tornar-se-ia mais frágil que o

instituto da “urgência constitucional”, e não parece ser esse o objetivo de nossa Carta Política.

18. Pela mesma razão, parece-nos inviável interpretar que o escoamento do prazo de

quarenta e cinco dias na Comissão Mista pudesse ficar isento de consequência jurídica. Sem o

trancamento da pauta da Câmara, os deputados federais poderiam, deliberadamente, esvaziar

as sessões das comissões mistas, de modo a escolherem o momento adequado para levar a

matéria ao plenário. Essa prática representaria desequilíbrio nas regras estabelecidas para a

tramitação legislativa, burlando a sistemática constitucional que busca induzir a análise

tempestiva das medidas provisórias.

19. Diante disso, parece inexorável a conclusão de que, no caso de a medida provisória não

ser apreciada pela Comissão Mista em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação,

44 No mesmo sentido, relembre-se o disposto no art. 58 da Constituição: “O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.” 45 De fato, seria difícil sustentar que o Congresso Nacional seria uma das casas do Congresso Nacional, como se o todo pudesse ser transformado em parte. Vale lembrar o célebre poema de Gregório de Matos: “O todo sem a parte não é todo; A parte sem o todo não é parte; Mas se a parte o faz todo sendo parte, Não se diga que é parte, sendo todo”.

Page 62: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

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seria trancada a pauta da Câmara dos Deputados, pois: a) o regime de urgência faz com que as

deliberações legislativas sejam sobrestadas, subsequentemente, b) em cada uma das Casas do

Congresso Nacional, e c) a votação das medidas provisórias deve ser iniciada na Câmara dos

Deputados.

À consideração superior.

Brasília, 17 de maio de 2012.

Gustavo Caldas Guimarães de Campos

Diretor do Denor

De acordo.

À consideração superior do Exmo. Sr. Advogado-Geral da União.

Brasília, 17 de maio de 2012.

ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY Consultor-Geral da União

DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

REFERÊNCIA: Processo nº 00022.000079/2012-62

Aprovo os termos do PARECER Nº 62/2012/DENOR/CGU/AGU.

Cientifique-se a Subchefia de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações

Institucionais da Presidência da República.

Em 24 de maio de 2012.

LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS Advogado-Geral da União

Page 63: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

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CONCILIAÇÃO

Termos de Conciliação aprovados pelo Exmo. Ministro Advogado-Geral da União:

1. TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU 009/2012- MGO

Mareny Guerra Conciliadora

TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 009/2012/CCAF/CGU/AGU/MGO

PROCESSO Nº

00405.007202/2011-91 CONCILIADORA: Mareny Guerra

ASSUNTO Multa imposta pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE à Caixa Econômica Federal por descumprimento do art. 41 da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT (terceirização ilícita atribuída a Caixa pelo MTE).

INTERESSADOS

DEPARTAMENTO TRABALHISTA DA PROCURADORIA-GERAL DA UNIÃO/PGU

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CAIXA

CONSULTORIA JURÍDICA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO-CONJUR/MTE

SECRETARIA DE INSPEÇÃO DO TRABALHO-SIT/MTE

DATA 11 de Abril de 2012

HORÁRIO INÍCIO 11h00min TÉRMINO 12h00min

LOCAL Sala de Reuniões da CCAF - Ed. Sede II da AGU

3º andar - sala 1

REGISTROS

Presentes os Representantes dos órgãos interessados, a Conciliadora agradeceu a presença

Page 64: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

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de todos e relembrou a controvérsia relatada nos autos, relativa às situações de terceirização

em atividades-fim na Caixa Econômica Federal.

Ficou acordado que a CAIXA continuará cumprindo o Termo de Ajustamento de

Conduta - TAC firmado com o Ministério Público do Trabalho, já mencionado em reunião

anterior, o qual, ficou esclarecido, não vincula a Inspeção do Trabalho.

A Secretaria de Inspeção do Trabalho, a seu turno, reitera que continuará lavrando autos

de infração diante de eventuais violações à legislação trabalhista, bem como se prontifica a

orientar a CAIXA sempre que solicitada para tanto quanto ao cumprimento dos dispositivos

legais.

Fica, portanto, efetivada a Conciliação nos termos acima postos, a qual será encaminhada

para homologação do Excelentíssimo Sr. Advogado-Geral da União.

DESPACHO DO DIRETOR DA CÂMARA DE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL – CCAF Nº 107 / 2012

Senhor Consultor-Geral da União,

Submeto à apreciação de Vossa Senhoria o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-

009/2012-MGO, referente ao Processo n.º 00405.007202/2011-91, com vistas ao seu encaminhamento

ao Advogado-Geral da União para homologação, nos termos do art. 36, inciso XII do Decreto nº 7.392,

de 13 de dezembro de 2010.

Brasília,20de abril de 2012.

FRANCISCO ORLANDO COSTA MUNIZ Diretor da Câmara de Conciliação e

Arbitragem da Administração Federal CCAF/CGU/AGU

Page 65: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

62

DESPACHO DO CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO Nº 452 / 2012

De acordo.

Submeto ao Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União o TERMO DE

CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU- 009/2012-MGO, referente ao Processo n.º

00405.007202/2011-91, para homologação.

Brasília, 20 de abril de 2012.

ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO

DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

HOMOLOGO o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-009/2012-MGO,

nesta data, referente ao Processo nº 00405.007202/2011-91.

Brasília, 20 de abril de 2012.

LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Page 66: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

63

2. TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU 010/2012- HCL

Helena Dias Leão Costa Conciliadora

TERMO DE CONCILIAÇÃO PARCIAL Nº 010/2012/CCAF/CGU/AGU/HCL

PROCESSO Nº

00450.000298/2009-04 CONCILIADORA: HELENA DIAS LEÃO COSTA

ASSUNTO Retomada de Imóvel de Propriedade da União - Unidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em Sergipe, Objeto de Cessão para o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca- DNOCS.

INTERESSADOS

CONJUR no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Superintendência Federal de Agricultura em Sergipe

Procuradoria Federal do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca- DNOCS.

Departamento Nacional de Obras Contra a Seca- DNOCS

DATA 12 de abril de 2012

HORÁRIO INÍCIO 15:00hs TÉRMINO 17:00hs

LOCAL Sala de Reunião II - CCAF- 3° andar

REGISTROS E DELIBERAÇÕES

Presentes os interessados, a Conciliadora agradeceu a presença de todos e fez um breve

relato da demanda e dos últimos acontecimentos.

Os representantes do DNOCS e do MAPA também explicaram os encaminhamentos

adotados por cada órgão no decorrer do procedimento conciliatório e concordaram em assinar

um termo de ajuste, celebrando conciliação parcial dos objetos deste processo.

Page 67: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

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O termo de ajuste, em anexo, contêm as seguintes deliberações, dentre outras:

a) Ficam estabelecidas, pelo critério proporcional das áreas ocupadas, as cotas de 30%

(trinta por cento) para o DNOCS e de 70% (setenta por cento) para o MAPA, do valor

da cada fatura mensal de água e energia elétrica do complexo imobiliário que abriga a

sede da Superintendência Federal de Agricultura no Estado de Sergipe – SFA/SE;

b) Fica o MAPA, através da SFA/SE, na obrigação de encaminhar ao DNOCS, até o

vigésimo dia de cada mês, o demonstrativo contendo o valor do repasse de água e

energia elétrica relativo ao mês imediatamente anterior, juntamente com fotocópia das

faturas.

c) O pagamento do repasse da cota-parte a que se refere a Cláusula Segunda deste Termo

de Ajuste será realizado pelo DNOCS, através de destaque orçamentário – Natureza de

Despesa 339039 – Unidade Gestora 130028, até o 5º (quinto) dia útil do mês

subsequente ao demonstrativo informado pelo MAPA;

d) O pagamento do repasse da cota-parte deverá ser efetuado pelo DNOCS até a efetiva

desocupação do imóvel de que trata o presente Termo de Ajuste;

e) Toda documentação referente ao débito proveniente do não pagamento do rateio das

despesas pelo DNOCS, que totaliza R$ 199.697,23 (cento e noventa e nove mil,

seiscentos e noventa e sete reais e vinte e três centavos), referente o período de

01.06.2006 a 31.12.2011, será paga em parcelas iguais e sucessivas, nos moldes da Lei

n.° 9.469, de 10 de julho de 1997, efetivado por destaque orçamentário – Natureza de

Despesa 339039 – Unidade Gestora 130028.

f) O DNOCS, no prazo de 30 (trinta) dias, deverá submeter ao MAPA proposta de

pagamento, especificando o início de pagamento e o valor de cada parcela.

g) Os valores referentes às despesas anteriores a 01.06.2006 apenas deverão ser pagos

pelo DNOCS acaso não reconhecida a prescrição pela Consultoria-Geral da União, por

meio de consulta formulada pela Câmara de Conciliação e Arbitragem da

Administração Federal. Em sendo reconhecida a prescrição, será realizada nova

reunião para discussão sobre o marco inicial do prazo prescricional, devendo o MAPA

e o DNOCS apresentar documentos e seus entendimentos sobre o assunto.

h) O DNOCS se compromete a adotar providências para possibilitar a desocupação do

imóvel objeto deste Termo de Ajuste quando concluído o processo de locação de um

imóvel em Aracaju-SE que apresente condições de abrigar a sede da Coordenadoria

Page 68: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

65

Estadual de Sergipe.

i) Caso não tenha havido a desocupação em 03 (três) meses, a partir da homologação do

TC pelo Advogado-Geral da União, o DNOCS deverá, nesta data, apresentar as

providências adotadas com vistas ao cumprimento desta cláusula e apresentar prazo

para desocupação.

Considera-se parcial a presente conciliação por ter havido discordância de entendimento

quanto ao valor a ser pago em relação aos atrasados.

Após a homologação do presente termo de conciliação, esta conciliadora encaminhará o

processo para a Consultoria-Geral da União que deverá emitir parecer quanto ao entendimento

que deverá prevalecer, especificamente quanto ao pagamento ou não das parcelas prescritas.

Conhecido o posicionamento da CGU, será realizada nova reunião para discussão sobre o

marco inicial do prazo prescricional, devendo o MAPA e o DNOCS apresentarem documentos

e seus entendimentos sobre o assunto.

Nesses termos foi encerrada a reunião.

Page 69: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

66

DESPACHO DO DIRETOR DA CÂMARA DE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL – CCAF Nº 111/2012

Senhor Consultor-Geral da União,

Submeto à apreciação de Vossa Senhoria o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU- 010/2012-HLC, referente ao Processo n.º 00450.000298/2009-04, com vistas ao seu encaminhamento ao Advogado-Geral da União para homologação, nos termos do art. 36, inciso XII do Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010.

Brasília, 20 de abril de 2012.

FRANCISCO ORLANDO COSTA MUNIZ Diretor da Câmara de Conciliação e

Arbitragem da Administração Federal CCAF/CGU/AGU

DESPACHO DO CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO Nº 449 / 2012

De acordo.

Submeto ao Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº

CCAF-CGU-AGU- 010/2012-HLC, referente ao Processo nº 00450.000298/2009-04, para

homologação.

Brasília, 20 de abril de 2012.

ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO

DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

HOMOLOGO o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-010/2012-HLC, nesta data, referente ao Processo nº 00450.000298/2009-04. Brasília, 20 de abril de 2012.

LUIS INÁCIO LUCENA ADAMS ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Page 70: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

67

3. TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU 011/2012- GHR

Gustavo Henrique Ribeiro de Melo Conciliador

TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº 011/2012/CCAF/CGU/AGU-GHR

PROCESSO Nº

00421.000311/2006-11 CONCILIADOR GUSTAVO HENRIQUE RIBEIRO DE MELO

ASSUNTO Lançamento de contribuições previdenciárias contra a FFFCMPA.

INTERES SADOS

Ministério da Educação – MEC/Secretaria/CONJUR/Subsecretaria de

Planejamento e Orçamento

Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do PLANEJAMENTO – SOF

Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA

Procuradoria Geral Federal - PGF

DATA 12 de abril de 2012

HORÁRIO INÍCIO 15h00 TÉRMINO 17h00

LOCAL Sala de reuniões nº I da CCAF, edifício sede II da AGU.

REGISTROS

O conciliador iniciou a reunião agradecendo a presença dos representantes do MEC, da SOF, da UFCSPA (FFFCMPA), da Receita Federal do Brasil e da PGF. Depois disso, relembrou as deliberações ocorridas na reunião anterior, notadamente a possibilidade de reconhecimento da divida pela Faculdade.

O representante da UFCSPA informou que o montante atual da dívida é de aproximadamente R$ 605.662,53 (seiscentos e cinco mil, seiscentos e sessenta e dois reais e cinquenta e três centavos), valor já revisado pela Receita Federal.

Diante disso, os interessados decidiram entabular acordo nos termos seguintes:

Page 71: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

68

1. A Universidade e a PGF reconhecem a procedência da dívida. 2. Para liquidá-la, a SPO do MEC sugere que a UFCSPA promova o pagamento com

recursos do seu orçamento vigente, comprometendo-se a SPO a recompor o referido valor no orçamento da Instituição de ensino por meio de crédito suplementar.

3. Em razão do acordado acima, o Conciliador solicitou a Receita Federal que se abstenha de inscrever a Universidade no CADIN, bem como evite a adoção de atos que possam restringir o recebimento de eventuais créditos pela Instituição educacional. Recordou que o próprio Advogado da União já havia determinado que fossem evitadas medidas dessa natureza, na forma do despacho de 5 de junho de 2006, o qual passa a fazer parte integrante do presente termo.

Nada mais sendo discutido, o conciliador encerrou a reunião.

DESPACHO DO DIRETOR DA CÂMARA DE CONCILIAÇÃO

E ARBITRAGEM DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL – CCAF Nº 109/2012 Senhor Consultor-Geral da União,

Submeto à apreciação de Vossa Senhoria o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU- 011/2012-GHR, referente ao Processo n.º 00421.000311/2006-11, com vistas ao seu encaminhamento ao Advogado-Geral da União para homologação, nos termos do art. 36, inciso XII do Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010.

Brasília, 20 de abril de 2012.

FRANCISCO ORLANDO COSTA MUNIZ Diretor da Câmara de Conciliação e

Arbitragem da Administração Federal CCAF/CGU/AGU

Page 72: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

69

DESPACHO DO CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO Nº 453 / 2012

De acordo.

Submeto ao Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU- 011/2012-GHR, referente ao Processo nº 00421.000311/2006-11, para homologação.

Brasília, 20 de abril de 2012.

ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY

CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO

DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

HOMOLOGO o TERMO DE CONCILIAÇÃO Nº CCAF-CGU-AGU-011/2012-GHR, nesta data, referente ao Processo nº 00421.000311/2006-11.

Brasília, 20 de abril de 2012.

LUIS INÁCIO LUCENA ADAMS ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Page 73: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

70

ESTUDOS

ATIVIDADE DE CONSULTORIA E ASSESSORAMENTO JURÍDICA DO PODER EXECUTIVO

ANTES E DEPOIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Mariane Küster Advogada da União

Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeo Felipe Bacellar.

RESUMO: Os fatos mais importantes que envolveram a atividade de consultoria e

assessoramento jurídico do Poder Executivo antes e depois da Constituição Federal,

relacionando-os com a criação da Advocacia-Geral da União.

Palavras-chave: consultoria e assessoramento jurídico. Poder Executivo federal. Consultoria-

Geral da República. Advocacia Consultiva da União. Constituição Federal 1988. Advocacia-

Geral da União.

Abstract: The most important facts that involved the consulting and legal advisory of

Executive Power activity before and after the Federal Constitution, relating them to the

creation of the Advocacia-Geral da União.

Key-word: consulting and legal advisory. Federal Executive Power. Consultoria-Geral da

República. Union Legal Advisory. Federal Constitution of 1988. Advocacia-Geral da União.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Registros históricos. 3. A Constituição Federal de 1988. 4. Da estrutura do Poder Executivo. 5. Da Advocacia-Geral da União. 6. Conclusões. 7. Referência Bibliográfica.

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1. INTRODUÇÃO

Necessário conhecer a história de uma instituição para se compreender o presente e

projetar novas ações para o futuro. Para opinar, trazer sugestões e evitar a repetição de

equívocos há que se ter pleno conhecimento dos fatos já testados, contextualizando-os no seu

tempo e espaço, para deles extrair as verdadeiras experiências adquiridas.

O objetivo deste modesto estudo é apenas trazer um resgate histórico evolução

verificada na atividade de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo,

atualmente atribuída à Advocacia-Geral da União.

As atividades de consultoria e de assessoramento jurídico, inicialmente, merecem

definição, considerando que embora aparentemente semelhantes não são idênticas. Nesta

oportunidade, nos reportamos às conceituações de Guedes de Hauschild46, assim postas:.

Em relação à consultoria jurídica, encarregada do controle preventivo de legalidade e legitimidade, pode-se dizer que não se encontra vinculada aos interesses político-partidários adotados pelo Governo. Nesse mister, é objetivo da instituição zelar pelo cumprimento dos princípios constitucionais e dos dispositivos de lei de forma ampla, independentemente da vontade e dos interesses daqueles que estejam, momentaneamente, na chefia do Poder Executivo Federal. (...) (...) Como dito, não há perfeita paridade entre as tarefas de consultoria e as de assessoramento, sendo a consultoria voltada para o órgão e o assessoramento dirigido principalmente para o agente público. O Advogado-Geral da União é o mais elevado órgão de assessoramento jurídico do Poder Executivo (art. 3° LC 73/1991). Em seu auxílio, a Consultoria-Geral da União está incumbida, principalmente, de colaborar no assessoramento jurídico ao Presidente da República. (...) O assessoramento a que se refere o texto constitucional visa compatibilizar as políticas públicas formuladas pelos dirigentes de Governo com as normas e princípios vigentes, para a perfeita satisfação dos interesses públicos.

Apresentadas as definições, entende-se que a relevância deste levantamento histórico

está principalmente no fato de que, não raro, é dada a informação de que a Advocacia-Geral

46 GUEDES, Jefferson Carús , HAUSCHILD, Mauro Luciano. Nos limites da história: a construção da Advocacia-Geral da União: livro comemorativo aos 15 anos. Brasília, UNIP, UNAFE, 2009. p. 88-89

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da União originou-se de um desmembramento de atribuições do Ministério Público Federal,

órgão que possuía entre suas competências a defesa judicial da União antes da Constituição

Federal de 1988. Ledo engano.

Esta é apenas parte de uma verdade, considerando que o artigo 131 da Carta Federal de

1988 atribuiu à Advocacia-Geral da União não só a defesa judicial e extrajudicial da União

como também a consultoria e o assessoramento jurídico do Poder Executivo. Ainda, a

competência para a defesa judicial da União passou a ser ampla, incluindo também aquela de

natureza tributária, executada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, antes vinculada

exclusivamente ao Ministério da Fazenda e que passou também a integrar a Advocacia-Geral

da União.

Mas se é certo que a atividade contenciosa da Advocacia-Geral da União de origem não

tributária originou-se da subdivisão de atribuições do Ministério Público Federal, assim não

se deu com a atividade consultiva. Até o advento da Lei Complementar que estruturou a

Advocacia-Geral da União referida atribuição vinha sendo plenamente executada pela

Consultoria-Geral da República (CGR), diretamente subordinada ao Presidente da República,

seu principal instrumento de consultoria e assessoramento jurídico. Com a organização da

AGU, esta absorveu as funções da antiga CGR através de um de seus órgãos de direção

superior, a Consultoria-Geral da União.

Ainda, o histórico que até agora foi trilhado pela atividade de consultoria e

assessoramento jurídico federal traz certos ensinamentos que não podem ser desprezados pela

Advocacia-Geral da União.

Como se verá, a atividade de consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo

possui um nobre histórico, contando com grandes personalidades, mas como toda atividade de

natureza preventiva, poucas vezes recebeu o destaque e o brilho efetivamente merecidos.

2. ORIGENS HISTÓRICAS

A Carta Republicana de 1891 não tratou de qualquer órgão jurídico com competência

consultiva47, apenas citando a competência do Procurador-Geral da República para matérias

criminais.

47 Em verdade, apenas a Constituição Federal de 1988 o fez.

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A estrutura desta atividade iniciou-se, portanto, a nível infraconstitucional, com a

criação em 02 de janeiro de 1903, pelo Decreto n° 967, do cargo de Consultor-Geral da

República. Por meio deste diploma legal, esta autoridade assumiu parte das atribuições até

então exercidas pelo Procurador-Geral da República, devendo manifestar-se nos processos de

extradição, expulsão de estrangeiros, execução de sentenças de tribunal estrangeiro,

autorizações de companhias estrangeiras para funcionarem no País, alienação, aforamento,

locação, arrendamento de bens nacionais e aposentadorias, reformas, jubilações, pensões,

montepio dos funcionários públicos federais.

O Chefe do Estado na época, Rodrigues Alves, nomeou o primeiro Consultor-Geral,

Tristão de Araripe Júnior, advogado, escritor, crítico literário, membro da Academia

Brasileira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Os pareceres de Tristão,

que foram aprovados pelo então Presidente da República e não modificados por sucessores

têm, ainda hoje, força vinculante para o Poder Executivo.

É dele o primeiro Parecer da Consultoria-Geral da República, de 29 de janeiro de 1903.

O Regulamento do Gabinete do Consultor-Geral somente foi aprovado pelo Decreto nº

22.386, de 24 de janeiro de 1933, quando ficou estabelecido que o Consultor-Geral seria de

livre nomeação do Presidente da República “em decreto referendado pelo Ministro da Justiça

e Negócios Interiores dentre doutores e bacharéis em Direito, formados há mais de 20 anos, e

de boa reputação intelectual e moral”. Seus pareceres poderiam ser solicitados, “em qualquer

caso, mediante simples despacho da autoridade competente, exarado no processo respectivo, e

independente de aviso, ou ofício, para remessa do mesmo processo”.

Este regulamento foi alterado em 1957 pelo Decreto n° 41.249, quando foram

ampliadas as competências do Consultor-Geral da República. Previa em seu artigo 2° que

referida autoridade teria um Secretário e Assistentes. Estes Assistentes posteriormente foram

qualificados pelo Decreto n° 52.118, de 1963, como servidores públicos, inclusive

autárquicos, requisitados na forma da legislação vigente, e que deveriam ser Bacharéis em

Direito de reconhecida competência. Ainda fixava como atribuições da CGR, além daquelas

de cunho administrativo, emitir pareceres sobre questões jurídicas, sugerir ao Presidente da

República e aos Ministros de Estados providências de ordem jurídica que lhe parecesse

reclamadas pelo interesse público ou por necessidade de boa aplicação das leis vigentes,

desempenhar as comissões e executar trabalhos jurídicos que lhe fossem atribuídos pelo

Presidente da República.

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Com a criação do Quadro de Pessoal da Consultoria-Geral da República pela Lei nº

4.463, de 7 de novembro de 1964, foram transformados em Assistentes Jurídicos os

funcionários que vinham exercendo, por mais de um ano até a data do referido diploma, as

funções de Assistente do Consultor-Geral da República. Esta mesma lei também definiu a

competência da Consultoria-Geral como sendo a de “atender a consultas de ordem jurídica

encaminhadas pelo Presidente da República, bem como o desempenho de outras atribuições

que forem definidas em regimento próprio”.

A atividade da Consultoria-Geral da República recebeu nova regulamentação pelo

Decreto nº 58.693, de 22 de junho de 1966, que aprovou o seu Regimento Interno. Esse

instrumento fixou que o encaminhamento de consultas era ato privativo do Presidente da

República. Estas deveriam vir acompanhadas dos respectivos processos já instruídos com

pareceres conclusivos das Consultorias Jurídicas dos órgãos interessados. As respostas da

Consultoria-Geral da República, sob a forma de pareceres, voltavam para aprovação do Chefe

do Executivo, e com despacho de aprovação eram publicados no Diário Oficial, a partir de

quando passavam a ser obrigatórios para toda a Administração Pública federal.

Novos regulamentos vieram para a Consultoria-Geral da República em 1985 (Decreto

n° 91.656) e, em 7 de julho de 1986, com o Decreto n° 92.889. Este último trouxe as

seguintes regras de competências para a instituição, definindo-a como o “mais elevado órgão

de assessoramento jurídico do Presidente da República” e estabelecendo:

“Art 5º Compete à Consultoria Geral da República: I - assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, produzindo pareceres e estudos ou propondo normas, medidas e diretrizes; II - fixar a interpretação da Constituição, das leis, de tratados e atos normativos outros, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entes da Administração Federal; III - uniformizar a jurisprudência administrativa federal, solucionando as divergências entre órgãos jurídicos da Administração; IV - coordenar os trabalhos do Serviço Jurídico da União, suas autarquias, e os demais, de consultoria e assessoramento jurídicos, realizados na Administração Federal, para que, no âmbito desta, se uniformize a jurisprudência administrativa, sejam corretamente aplicadas às leis e se previnam litígios judiciais; V - preparar as informações a serem prestadas, pelo Presidente da República, ao Poder Judiciário, quanto a medidas impugnadoras de ato presidencial fundado em parecer seu ou quanto a representações por inconstitucionalidade, ou para interpretação de lei, decreto-lei e decretos federais; VI - cooperar na formulação de proposições de caráter normativo;

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VII - desenvolver atividades, de relevante interesse federal, das quais especificamente a encarregue o Presidente da República; VIII - manter estreita colaboração com os Gabinetes Civil e Militar nos assuntos jurídicos da Presidência da República.”

Observa-se, portanto, que o poder vinculante dos pareceres do órgão máximo de

consultoria e assessoramento jurídico da Presidência da República após a respectiva

aprovação pelo Chefe do Executivo, bem como a própria descrição de suas competências

institucionais, já remontam à estruturação feita da Consultoria-Geral da República, sendo

então replicadas quando da criação da Advocacia-Geral da União.

3. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Até a Carta Federal de 5 de outubro de 1988 nenhuma outra trouxe qualquer

regulamentação sobre as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder

Executivo. Inovou, assim, a Constituição de 1988 ao trazer então, pela primeira vez, no Título

IV – Da Organização dos Poderes, Capítulo IV – das Funções Essenciais à Justiça, Seção II –

da Advocacia Pública 48 , em seu artigo 131, a Advocacia-Geral da União e esta

especificamente com referida atribuição.

O Ato das Disposições Transitórias também trouxe regramentos importantes. Assim

dispôs o texto constitucional:

Seção II DA ADVOCACIA PÚBLICA Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. § 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. § 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

§ 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.

48 Título da Seção dado pela Emenda Constitucional n° 19, de 1998.

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Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (...) Art. 29. Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das universidades fundacionais públicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições. § 1º O Presidente da República, no prazo de cento e vinte dias, encaminhará ao Congresso Nacional projeto de lei complementar dispondo sobre a organização e o funcionamento da Advocacia-Geral da União.

(...) § 3º Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta. (...)

Criada então em 1988 a Advocacia-Geral da União, para a concretização de três

atividades jurídicas antes realizadas por órgãos distintos, a saber: a representação judicial da

União, exercida pelo Ministério Público da União; a consultoria e o assessoramento jurídico

do Poder Executivo, de competência da Consultoria-Geral da República e dos demais órgãos

integrantes da Advocacia Consultiva da União instituída pelo Decreto 93.237/1986; e a

execução da dívida ativa da União de natureza tributária pela Procuradoria da Fazenda

Nacional, órgão do Ministério da Fazenda.

4. DA ESTRUTURA DO PODER EXECUTIVO

Quando da publicação do Decreto-lei n° 200, em 25 de fevereiro de 1967, que dispôs

sobre a organização da Administração Pública Federal, a Consultoria-Geral da República foi

incluída como um dos órgãos de assessoramento imediato do Presidente da República.

Mantida nesta condição em todas as alterações promovidas na redação do artigo 3249 do

Decreto-lei n° 200 até a última delas, efetuada pela Lei n° 7.232, de 1974.

49 Lei 6.036 e Lei 6.110, de 1974, Lei 6.650, de 1979.

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Não se pode, por outro lado, deixar de registrar que paralelamente a este órgão central

de consultoria e assessoramento jurídico ao Presidente da República, existiam também no

âmbito do Poder Executivo, outros órgãos de consultoria jurídica. Encontram-se registros de

1910 da criação dessas unidades, a exemplo da Consultoria Jurídica do então Ministério da

Agricultura, Indústria e Comércio, à época denominada “serviço de consulta” para “attender

as questões de natureza juridica e technica que se suscitarem sobre a execução dos trabalhos a

cargo do mesmo ministério”, a ser executada por um consultor jurídico, um consultor técnico

e um auxiliar técnico (Decreto n° 7.839, de 27 de janeiro de 1910).

Essas unidades de consultoria existentes no âmbito dos Ministérios, cada qual com sua

própria regulamentação, acabavam por ter vários pontos em comum, considerando que eram

todas, ao final, órgãos do Poder Executivo. Quanto ao quadro jurídico, eram compostas,

basicamente, por Assistentes Jurídicos (LT-SJ-1102) e um cargo em comissão de Consultor

Jurídico. A base da Consultoria ficava, certamente, em Brasília-DF, mas Assistentes Jurídicos

eram lotados nas diversas representações estaduais dos Ministérios, realizando o

assessoramento jurídico das autoridades locais, sempre subordinados aos seus respectivos

Consultores Jurídicos.

Tendo em conta toda essa diversidade de órgãos a realizar a consultoria jurídica no

âmbito do Poder Executivo, em 1986 foi editado o Decreto n° 93.237, de 8 de setembro,

regulando as atividades de Advocacia Consultiva da União, no Poder Executivo, que se

destinava à zelar pela observância da Constituição, das leis e dos tratados, bem assim dos atos

emanados da Administração Federal e desempenhar as atividades de consultoria e

assessoramento jurídicos no âmbito da Administração Federal.

Esse regulamento fixou uma certa hierarquia jurídica entre os órgãos que integravam a

Advocacia Consultiva da União, sem estabelecer qualquer subordinação administrativa entre

eles. Como instância máxima de consultoria e assessoramento jurídico da Administração

Federal, indicou a Consultoria-Geral da República. Ficaram como instância superior de

consultoria e assessoramento jurídico a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no

Ministério da Fazenda, e as Consultorias Jurídicas dos demais Ministérios, do Estado Maior

das Forças Armadas, da Secretaria de Planejamento da Presidência da República e da

Secretaria de Administração Pública da Presidência da República. Por fim, ainda compunham

instâncias inferiores as Procuradorias-Gerais ou os departamentos jurídicos das autarquias e

os órgãos jurídicos das empresas públicas, das sociedades de economia mista, fundações sob

supervisão ministerial e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pela União.

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De se registrar que em 1989, ou seja, mesmo após a criação da Advocacia-Geral da

União com o advento da Constituição de 1988, a Consultoria-Geral da República ainda

estava incluída como órgão integrante da Presidência da República, conforme a Lei n° 7.739,

de 1989, que regulamentou a organização da Presidência da República. No mesmo sentido o

Decreto nº 99.244, de 11 de maio de 1990, tratando da reorganização e o funcionamento dos

órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. A Lei n° 8.490, de 1992, com o mesmo

objetivo, a indicou como órgão de assessoramento direto ao Presidente, esclarecendo que a ela

incumbia “assessorar diretamente o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica,

uniformizar a jurisprudência administrativa federal e coordenar, supervisionar e controlar as

atividades do serviço jurídico da Administração Pública Federal, bem como desempenhar as

demais atribuições previstas em legislação especial”.

5. DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

A lei complementar de que trata o artigo 131 da Carta Magna veio em 10 de fevereiro

de 1993. A Lei Complementar n° 73, que instituiu a Lei Orgânica da AGU, a cria com a

função institucional de representar a União judicial e extrajudicialmente, bem como de

realizar a consultoria e o assessoramento jurídico do Poder Executivo.

“Art. 1º - A Advocacia-Geral da União é a instituição que representa a União judicial e extrajudicialmente. Parágrafo único. À Advocacia-Geral da União cabem as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo, nos termos desta Lei Complementar. (...) Das Disposições Transitórias Art. 53. É extinto o cargo de Consultor-Geral da República, de natureza especial. (...) Art. 62. São criados, no Quadro da Advocacia-Geral da União, seiscentos cargos de Advogado da União, providos mediante aprovação em concurso público, de provas e títulos, distribuídos entre as categorias, na forma estabelecida no Regimento Interno da Advocacia-Geral da União. (...) Art. 63. Passam a integrar o Quadro da Advocacia-Geral da União os cargos efetivos das atividades-meio da Consultoria-Geral da República e seus titulares. Art. 64. Até que seja promulgada a lei prevista no art. 26 desta lei complementar, ficam assegurados aos titulares dos cargos efetivos e em comissão, privativos de Bacharel em Direito, dos atuais órgãos da

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Advocacia Consultiva da União, os vencimentos e vantagens a que fazem jus.

Este diploma legal definiu como seus órgãos de direção superior o Advogado-Geral da

União, a Procuradoria-Geral da União e a da Fazenda Nacional, a Consultoria-Geral da

União, o Conselho Superior e a Corregedoria-Geral da Advocacia-Geral da União.

Considerando a dimensão da instituição então criada e a necessidade de implantação do

gigantesco “escritório de advocacia pública”, quando possível, não apenas trouxe dos órgãos

de origem as atividades que deveriam ser executadas, como também deles emprestou as suas

conformações. Replicou para a Procuradoria-Geral da União a estrutura então existente, e

para ela mantida, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com as procuradorias

regionais, procuradorias e procuradorias seccionais.

Para o setor de Consultoria, a Advocacia-Geral da União absorveu a estrutura não só da

Consultoria-Geral da República, mas de toda a Advocacia Consultiva da União. Na sua

estrutura básica introduziu alterações, por óbvio, indicando a Lei Complementar n° 73, de

1993, como autoridade máxima de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo

o Advogado-Geral da União, auxiliado nesta função pela Consultoria-Geral da União, órgão

de direção superior. Como órgãos de execução estão incluídas as Consultorias Jurídicas dos

Ministérios, da Secretaria-Geral e das demais Secretarias da Presidência da República e do

Estado-Maior das Forças Armadas.

Note-se que na nova estrutura, há mais do que uma mera hierarquia pela força

vinculante das manifestações. Passou a existir em verdade uma relação de subordinação

funcional entre seus membros e, em muitos casos, também administrativa, antes não

verificada na Advocacia Consultiva da União.

A Lei Complementar n° 73, de 1993, estabeleceu como membros efetivos da instituição

os Advogados da União, os Procuradores da Fazenda Nacional e os Assistentes Jurídicos,

tendo apenas criado, ao final, seiscentas vagas para a primeira das carreiras, considerando que

as duas outras já existiam no âmbito do Poder Executivo federal.

O cargo de Consultor-Geral da República foi extinto e os cargos efetivos das atividades-

meio da Consultoria-Geral da República e seus titulares passaram a integrar a AGU.

Logo em seguida, a Medida Provisória nº 330, de 30 de junho de 1993, tratou das

atribuições institucionais da Advocacia-Geral da União, em caráter emergencial e provisório.

Não trouxe qualquer regramento sobre as atividades de consultoria e assessoramento jurídico

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do Poder Executivo, que permaneceram sendo exercidas provisoriamente pelos Assistentes

Jurídicos dos Ministérios, nos termos do artigo 29 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias.

Tendo em conta que as atividades da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da

Consultoria e Assessoramento Jurídico do Poder Executivo estavam sendo satisfatoriamente

realizadas por agentes com as mesmas qualificações técnicas que aqueles que a prestariam

pela AGU, bem como a autorização constitucional transitória, havia, por certo, a necessidade

premente de regulamentar a atividade contenciosa que era antes exercida pelo Ministério

Público da União. Assim se fez pela Medida Provisória n° 330, de 1993.

Alterações na redação dessa Medida Provisória somente ocorreram em abril de 1994,

quando reeditada com o número 485 e incluído o artigo 19 determinando a transposição para

as carreiras da Advocacia-Geral da União dos cargos efetivos de Subprocurador-Geral da

Fazenda Nacional e Procurador da Fazenda Nacional, bem como dos de Assistente Jurídico da

Administração Federal direta, mediante o preenchimento de requisitos estabelecidos em seus

parágrafos e incisos.

Não se pode negar a clara intenção do legislador complementar de aproveitar o quadro

de servidores qualificados da União e seus respectivos cargos para a Advocacia-Geral da

União, uma vez que estabeleceu entre suas carreiras a de Procurador da Fazenda Nacional e

de Assistente Jurídico sem criar, concomitantemente, novos cargos, tal como fez no artigo 62

especificamente para a carreira de Advogado da União.

Veja-se a respeito, o Despacho do Consultor-Geral da União n° 283/200750:

31. Na verdade, o que está por trás de toda essa discussão é uma clara incompreensão de que as situações constituídas por uma alteração institucional, tenha ela sede constitucional ou legal, não podem dar ensejo à desconsideração da realidade de centenas de servidores que desempenhavam funções idênticas, desde que os cargos por eles ocupados tenham sido criados e providos sob a égide da legislação de então e que sejam compatíveis com a nova realidade institucional. 32. Entender ao contrário seria retornar à política de terra arrasada, tão nefasta à administração pública federal, a que os norte-americanos chamam de spoil system, que consiste em desconsiderar e eliminar o que existe e buscar freneticamente o novo. Só vale – em termos de organização dos serviços públicos e da formulação de políticas públicas – a nova concepção, as novas estruturas, os novos cargos, ainda que ontologicamente pouco diferenciados dos anteriores.

50 Despacho proferido pelo Senhor Consultor-Geral da União, Dr. Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior, nos autos n° 00400.001355/2007-98, em 23.07.2007.

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33. Felizmente não foi esse o caminho traçado na organização das funções de assessoramento jurídico do Poder Executivo Federal, defesa judicial e extrajudicial da União. 34. Entendeu-se, a bem do Estado brasileiro, ser imprescindível a compatibilização de estruturas e funções, a instituição do novo sem a eliminação do antigo, desde que, é bom que se sublinhe, com ele compatível e erigido, ao seu tempo, sob bases constitucionais e legais. 35. Entender o contrário seria louvar a insegurança jurídica e a descontinuidade na ação estatal.

Por ato do Advogado-Geral da União, vieram a compor os quadros da Advocacia-Geral

da União: Procuradores da Fazenda Nacional, antes do Ministério da Fazenda, e Assistentes

Jurídicos dos demais Ministérios.

A Medida Provisória nº 485, de 1994, foi reeditada com a mesma redação até conversão

na Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995.

Em 1999, foi introduzido o artigo 19-A que fez a transposição alcançar igualmente

bacharéis em Direito que exerciam comprovadamente, na Administração Direta, as atividades

de Assistente Jurídico. Contra esse dispositivo foi interposta a Ação Direta de

Inconstitucionalidade 2.251, em 21.07.2000, julgada prejudicada por falta de aditamento da

inicial, sem ter o Supremo Tribunal Federal se manifestado sobre o referido artigo 19-A.

Posteriormente nova ADIn foi proposta, sob o número 3.620, em 01.12.2005, quando

indeferida a medida cautelar pleiteada. Está pendente de julgamento definitivo até o

momento.

Importante modificação nos quadros da Advocacia-Geral da União foi introduzida pela

Medida Provisória nº 43, de 26 de junho de 2002, convertida na Lei nº 10.549, de 13.11.2002.

Os cargos de Assistente Jurídico foram transformados em cargos de Advogado da União,

unificando as duas carreiras. Em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.713, a Corte

Suprema, examinando o mérito, rejeitou os argumentos apresentados, principalmente em

razão de que “a análise do regime normativo das carreiras da AGU em exame apontam para

uma racionalização, no âmbito da AGU, do desempenho de seu papel constitucional por meio

de uma completa identidade substancial entre os cargos em exame, verificada a

compatibilidade funcional e remuneratória, além da equivalência dos requisitos exigidos em

concurso”.

Por fim, cumpre relatar a alteração promovida na estrutura da Consultoria-Geral da

União com a Medida Provisória 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, pela qual foi acrescido o

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artigo 8°-F na Lei 9.028, de 1995, autorizando o Advogado-Geral da União a instalar Núcleos

de Assessoramento Jurídico nas Capitais dos Estados, para atividades de assessoramento

jurídico aos órgãos e autoridades da Administração Federal Direta localizados fora do Distrito

Federal, quanto às matérias de competência legal ou regulamentar dos órgãos e autoridades

assessorados, sem prejuízo das competências das Consultorias Jurídicas dos respectivos

Ministérios.

Instalados inicialmente os Núcleos de Assessoramento Jurídico em Goiania-GO

(Portaria/AGU n° 306, de 24.04.2002), Fortaleza-CE (Portaria/AGU n° 359, de 20.05.2002),

Porto Alegre-RS (Portaria/AGU n° 720, de 04.10.2002), Recife-PE (Portaria/AGU n° 747, de

29.10.2002) e Salvador-BA (Portaria/AGU n° 832, de 31.12.2002).

Em 2005, outros dezenove Núcleos foram instalados (Portarias/AGU nos 157 a 175, de

10 de março de 2005).

6. CONCLUSÕES

Do histórico acima relatado, não se pode deixar de concluir a importância e a dimensão

da absorção feita pela Advocacia-Geral da União no que diz respeito à atividade consultiva.

Iniciada como uma das atribuições do Procurador-Geral da República, já em 1903 foi

transferida para o Consultor-Geral da República, que passou a ser a principal autoridade de

consultoria e assessoramento jurídico da Presidência da República. Em razão das demais

estruturas consultivas que foram surgindo no âmbito dos Ministérios, se fez necessária a

criação, em 1986, da Advocacia Consultiva da União, integrada por todos os órgãos de

consultoria do Poder Executivo, no cristalino intuito de unificar ao máximo as manifestações

jurídicas de seus órgãos subordinados. Não eram, entretanto, interligados por vínculos de

subordinação administrativa ou mesmo funcional.

Vem então a Advocacia-Geral da União e absorve integralmente toda esta teia de órgãos

e estruturas que compunham a Advocacia Consultiva da União. Além da Consultoria-Geral da

República, todas as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, com suas diversas representações

nos Estados e cada qual com regulamentação própria.

Não se pode imaginar que a criação de uma instituição como a AGU foi simples, sem

qualquer discussão ou contrariedades. Houve oposição acirrada por parte do Ministério

Público Federal quanto à perda da representação judicial da União e discussão na constituinte

sobre a forma de inclusão da Procuradoria da Fazenda Nacional. Não se tem registros,

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entretanto, de oposição de quaisquer dos órgãos de consultoria e assessoramento jurídico

durante a constituinte.

Entre os membros das carreiras também sempre ocorreu muita animosidade. Ações

judiciais por parte de Associações e Sindicatos, em benefício de apenas uma das carreiras,

como se não pertencessem e compusessem um todo, ou ainda, e lamentavelmente, de carreiras

contra membros de outra.

Mas a Advocacia-Geral da União tem dado passos importantes no que diz respeito à sua

missão constitucional de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Conforme

visto, está no caminho que historicamente demonstrou ser o mais adequado para o melhor

desempenho desta atribuição, que é o quanto mais possível, trazer a unificação dos

entendimentos nesta área.

O primeiro deles foi a reorganização da Consultoria-Geral da União nos Estados

Federados, com a implantação dos Núcleos de Assessoramento Jurídico em 2002 e 2005.

Após a criação da Advocacia-Geral da União, efetivamente não havia mais sentido a

manutenção de seus membros como representantes em algumas sedes estaduais dos

Ministérios, sem que em cada Capital todas estas representações ministeriais deixassem de ser

atendidas pela AGU. Imprimia-se a necessidade de se iniciar os trabalhos para trazer também

para a Consultoria-Geral os avanços e reestruturações necessárias que a absorção feita pela

AGU exigiam.

A implantação dos Núcleos de Assessoramento Jurídico trouxe um redimensionamento

do trabalho executado pelos Advogados da União, a ampliação de atendimento aos órgãos

federais com representação em cada Capital, a possibilidade de qualificação destes

profissionais, bem como uma aproximação com a Consultoria-Geral da União. Inegável que

os resultados desta nova forma de organização foram altamente positivos.

Orientações Normativas também foram editadas em abril de 2009 e estão concluídos os

processos de transposição que ainda estavam pendentes, desde 1999, de Assistentes Jurídicos

da União para carreiras da Advocacia-Geral da União.

São todas medidas importantes, nunca de fácil implantação e muitas vezes alvo de

severas críticas internas, na sua maioria motivadas por puro desconhecimento dos fatos. Mas a

atividade de consultoria jurídica encanta aos que nela ingressam, e faz com que enfrentem

todos os percalços com muita galhardia, motivo pelo qual a prevenção na Advocacia-Geral da

União está em uma crescente e desejada evolução, trazendo ao Poder Executivo a almejada e

necessária segurança jurídica.

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7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

GUEDES, Jefferson Carús, HAUSCHILD, Mauro Luciano. Nos limites da história: a construção da Advocacia-Geral da União: livro comemorativo aos 15 anos. Brasília, UNIP, UNAFE, 2009.

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A ATIVIDADE CONSULTIVA DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO NA PROMOÇÃO DOS

DIREITO FUNDAMENTAIS

Lilian Barros de Oliveira Almeida Advogada da União. Mestre em Direito Constitucional. Professora Universitária

RESUMO: O presente artigo objetiva analisar como o desempenho das atividades de consultoria e assessoramento jurídico dos órgãos e entidades do Poder Executivo, através dos órgãos jurídicos do consultivo da Advocacia-Geral da União (AGU), pode contribuir para a promoção dos Direitos Fundamentais.

PALAVRAS-CHAVE: Advocacia-Geral da União. Atividade consultiva. Direitos Fundamentais.

ABSTRACT: This article aims to analyze how the activities’ performance of legal consultancy and assistance of the Executive, through the Office of the Attorney General of the Union, may contribute to the promotion of fundamental rights.

KEY WORDS: Office of the Attorney General of the Union. Legal consultancy. Fundamental rights.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Evolução histórica e atribuições dos órgãos jurídicos do consultivo da AGU; 2 Teoria Geral dos Direitos Fundamentais; 2.1 Conceito e abrangência; 2.2 Classificação; 2.3 Características; 2.4 Eficácia e aplicabilidade imediata; 2.5 Vinculação dos poderes públicos; 2.6 Perspectiva subjetiva e objetiva; 2.7 Colisão de direitos fundamentais e proteção ao núcleo essencial; 3 Meios de promoção dos Direitos Fundamentais pela atividade consultiva da AGU; 3.1 Fixação da interpretação da legislação; 3.2 Controle interno da legalidade dos atos administrativos; 3.3 Assessoramento jurídico na elaboração de atos normativos; 3.4 Exame dos textos de edital de licitação, contratos e instrumentos congêneres; 3.5 Envio de subsídios aos órgãos jurídicos do contencioso da AGU; 3.6 Realização de Termos de Ajustamento de Conduta e de Conciliações; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A Advocacia-Geral da União (AGU) é a instituição classificada como função essencial à justiça responsável por representar a União, judicial e extrajudicialmente, e por exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

Para o exercício de sua atividade consultiva, a AGU conta com diversos órgãos jurídicos, tais como a Consultoria-Geral da União, as Consultorias Jurídicas junto aos

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Ministérios, as Consultorias Jurídicas da União nos Estados, as Procuradorias Federais especializadas junto às Autarquias e Fundações, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a Procuradoria-Geral do Banco Central.

Aos referidos órgãos compete, dentre outras atribuições: a fixação da interpretação da legislação; o controle interno da legalidade dos atos administrativos; o exame prévio da legalidade e da constitucionalidade dos textos de edital de licitação, contratos e instrumentos congêneres, bem como dos textos das minutas de atos normativos.

Considerando a relevância da atuação consultiva da AGU e a necessidade de observância e respeito dos Direitos Fundamentais pelo Poder Executivo, propõe-se, através do presente artigo, analisar em que medida o desempenho das atividades de consultoria e assessoramento jurídico aos órgãos e entidades do Poder Executivo pode contribuir para a promoção dos Direitos Fundamentais.

Para tanto, inicialmente, será estudada a evolução histórica da atuação consultiva da AGU e serão identificadas as atribuições dos órgãos jurídicos do consultivo. Em seguida, serão expostos os principais tópicos relacionados à Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Por fim, serão cotejadas as atividades desempenhadas pelos órgãos jurídicos consultivos da AGU com a observância, proteção e concretização dos direitos fundamentais.

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ATRIBUIÇÕES DOS ÓRGÃOS JURÍDICOS DO CONSULTIVO DA AGU

Antes da Constituição de 1988, as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo estavam a cargo da Advocacia Consultiva da União. Nos termos do Decreto n. 93.237/86, a Advocacia Consultiva da União, no Poder Executivo, destinava-se a zelar pela observância da Constituição, das leis e dos tratados, bem assim dos atos emanados da Administração Federal, e a desempenhar as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos no âmbito da Administração Federal.

A Advocacia Consultiva da União compreendia: a Consultoria Geral da República; a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no Ministério da Fazenda; as Consultorias Jurídicas dos demais Ministérios, do Estado Maior das Forças Armadas, da Secretaria de Planejamento da Presidência da República e da Secretaria de Administração Pública da Presidência da República; as Procuradorias-Gerais ou os departamentos jurídicos das autarquias; os órgãos jurídicos das empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações sob supervisão ministerial e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pela União.

A Consultoria Geral da República era a instância máxima das atividades de consultoria e assessoramento jurídicos da Administração Federal. Competia-lhe: fixar a interpretação da Constituição e demais atos normativos infraconstitucionais, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal; assistir o Presidente da República no controle interno da legalidade dos atos da Administração; solucionar as divergências entre órgãos jurídicos componentes da Advocacia Consultiva da união; coordenar as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos dos órgãos integrantes da Advocacia Consultiva da União. Às Consultorias Jurídicas e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional competia realizar as supramencionadas atividades no tocante à estrutura administrativa que integravam,

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além de cumprir e velar pelo cumprimento da orientação normativa emanada da Consultoria Geral da República.

Com a promulgação da Constituição de 1988, nasceu a Advocacia-Geral da União. Foi criada diante da necessidade de organizar em uma única instituição a representação judicial e extrajudicial da União e as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo. Assim, a Constituição localizou a Advocacia-Geral da União no art. 131 da Seção II (“Da Advocacia-Geral da União”, posteriormente denominada “Da Advocacia Pública” pela Emenda Constitucional 19/98), do Capítulo IV (“Das Funções Essenciais à Justiça”), do Título IV (“Da Organização dos Poderes”). Veja-se:

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. (grifou-se)

Em atendimento ao mandamento constitucional constante no art. 131, foi editada a Lei Complementar 73/93, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União. No que tange à atividade consultiva, foram previstas na mencionada lei a Consultoria-Geral da União, órgão de direção superior da AGU, e as Consultorias Jurídicas, órgãos de execução da AGU.

De acordo com o art. 10 da supramencionada lei, incumbe à Consultoria-Geral da União, principalmente, colaborar com o Advogado-Geral da União em seu assessoramento jurídico ao Presidente da República, produzindo pareceres, informações e demais trabalhos jurídicos que lhe sejam atribuídos. Há de se destacar que, de acordo com o § 1º, do art. 40, da Lei Complementar 73/93, os pareceres aprovados pelo Presidente da República e publicados juntamente com o despacho presidencial vinculam a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento. Já os pareceres aprovados, mas não publicados, consoante o § 2º do mencionado dispositivo, obrigam apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência.

Nos termos do parágrafo único do art. 10, a Consultoria-Geral da União é composta pelo Consultor-Geral da União e pela Consultoria da União. Destaque-se que o art. 53 da LC 73/93 extinguiu o cargo de Consultor Geral da República.

Em relação às Consultorias Jurídicas, essas já se encontravam estruturadas nos respectivos ministérios e assim foram mantidas. Sua competência ficou estabelecida no art. 11, da LC 73/93, verbis:

Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:

I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;

II - exercer a coordenação dos órgãos jurídicos dos respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas;

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III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;

IV - elaborar estudos e preparar informações, por solicitação de autoridade indicada no caput deste artigo;

V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;

VI - examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria e Estado-Maior das Forças Armadas:

a) os textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados;

b) os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa, de licitação.

Além da atuação das Consultorias Jurídicas no assessoramento jurídico junto aos Ministérios, destaca-se, também, a sua competência para fornecer informações para subsidiar a atuação dos órgãos de representação judicial da União, bem como para subsidiar a atuação da Consultoria-Geral da União no caso das informações prestadas pelo Presidente da República perante o STF.

Importante, também, ressaltar que, nos termos do art. 42 da Lei Complementar 73/93, os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, obrigam, também, os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas.

Registre-se que, de acordo com o art. 13 da Lei Complementar 73/93, é a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional quem desempenha as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos no âmbito do Ministério da Fazenda e seus órgãos autônomos e entes tutelados, regendo-se no desempenho dessas atividades pela LC 73/93.

Já o desempenho das atividades de consultoria e assessoramento jurídicos nas Autarquias e Fundações incumbe às respectivas Procuradorias que, após a Lei 10.480/2002, passaram a integrar a Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União. No que tange ao Banco Central do Brasil (autarquia de regime especial), tais atividades são desempenhadas pela Procuradoria-Geral do Banco Central. Ressalte-se que as mencionadas procuradorias, em sua atividade consultiva, nos termos do art. 18 da LC 73/93,

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devem observar, no que couber, as competências estabelecidas no supracitado art. 11 da LC 73/93.

Em 2002, com a edição do Ato Regimental n. 1, de 22 de janeiro, iniciou-se a estruturação da Consultoria-Geral da União. O referido ato dispôs sobre a competência, a estrutura e o funcionamento da Consultoria-Geral da União, bem como as atribuições de seu titular e demais dirigentes.

A competência da Consultoria-Geral da União foi estabelecida no art. 3º do Ato Regimental n. 1/2002 e se assemelhou bastante à competência da antiga Consultoria Geral da República. Integravam a Consultoria-Geral da União o Gabinete do Consultor-Geral da União, a Consultoria da União e cinco departamentos: Departamento de Assuntos Extrajudiciais, Departamento de Orientação e Coordenação de Órgãos Jurídicos, Departamento de Acompanhamento de Feitos Estratégicos perante o Supremo Tribunal Federal, Departamento de Análise de Atos Normativos e Departamento de Informações Jurídico-Estratégicas.

Posteriormente, em 3 de abril de 2002, em obediência ao disposto no parágrafo 7º do art. 8º-F da Lei 9028/9551, acrescentado pela Medida Provisória n. 2180-35 de 2001, foi editado o Ato Regimental n. 3, que dispôs sobre a competência, a estrutura e o funcionamento dos Núcleos de Assessoramento Jurídico (NAJs), bem como as atribuições de seus titulares e demais dirigentes.

Estabeleceu-se que os Núcleos de Assessoramento Jurídico eram órgãos integrantes da Consultoria-Geral da União, coordenados pelo Departamento de Orientação e Coordenação de Órgãos Jurídicos, e tinham como titular um Coordenador-Geral.

Competia aos Núcleos de Assessoramento Jurídico assessorar os órgãos e autoridades da Administração Federal Direta, localizados fora do Distrito Federal, quanto às matérias de competência legal ou regulamentar dos órgãos e autoridades assessorados, sem prejuízo das competências das Consultorias Jurídicas dos respectivos Ministérios, além de outras competências fixadas no art. 3º do Ato Regimental n. 3/2002.

Importa ressaltar que nesse mesmo ano de 2002 a CGU iniciou a implantação dos NAJs. Os primeiros a entrar em funcionamento foram os de Goiânia, Fortaleza, Porto Alegre, Recife e Salvador. Nos anos seguintes a CGU inaugurou NAJs em todas as capitais dos Estados do Brasil e no município de São José dos Campos/SP.

Em 27 de setembro de 2007 foi editado o Ato Regimental n. 5, que revogou o Ato Regimental n. 1/2002. Foi estabelecida nova estrutura organizacional da Consultoria-Geral da União. Agregaram-se à antiga estrutura a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) e os Núcleos de Assessoramento Jurídico (NAJs), tendo sido

51 Art. 8o-F. O Advogado-Geral da União poderá instalar Núcleos de Assessoramento Jurídico nas Capitais dos Estados e, quando o interesse do serviço recomendar, em outras cidades. § 7o O Advogado-Geral da União editará ato, nos termos do art. 45 da Lei Complementar no 73, de 1993, dispondo sobre os Núcleos de Assessoramento Jurídico de que trata este artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001)

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estabelecidas as suas competências. O antigo Departamento de Acompanhamento de Feitos Estratégicos perante o Supremo Tribunal Federal foi extinto.

Em 17 de dezembro de 2010 entrou em vigor o Decreto n. 7392/2010 que aprovou a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão da Advocacia-Geral da União. O capítulo primeiro do Decreto estabeleceu as competências dos órgãos integrantes da AGU, dentre os quais a Consultoria-Geral da União. A propósito, veja-se o teor do art. 12 do Decreto:

Art. 12. À Consultoria-Geral da União compete:

I - colaborar com o Advogado-Geral da União em seu assessoramento jurídico ao Presidente da República;

II - subsidiar as informações a serem prestadas pelo Presidente da República ao Supremo Tribunal Federal;

III - atuar na representação extrajudicial da União, suas autarquias e fundações, nos termos do regimento interno;

IV - assistir o Advogado-Geral da União no controle interno da legalidade dos atos da administração pública federal;

V - produzir manifestações jurídicas e submeter ao Advogado-Geral da União proposta de solução de controvérsias entre os órgãos consultivos que lhe são subordinados e os órgãos consultivos integrantes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Procuradoria-Geral Federal e da Procuradoria-Geral do Banco Central;

VI - promover, por meio de conciliação, mediação e outras técnicas de autocomposição, a solução dos conflitos, judicializados ou não, de interesse da Administração Federal; e

VII - assistir o Advogado-Geral da União no exame de anteprojetos de lei e de projetos de medidas provisórias, de decretos e demais atos normativos e na análise dos atos encaminhados à sanção do Presidente da República, submetidos à Advocacia-Geral da União.

Foram, também, fixadas no Decreto as competências dos departamentos integrantes da Consultoria-Geral da União e da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, em consonância com o já disposto no Ato Regimental n. 5/2007, do Advogado-Geral da União. Importa destacar sucintamente abaixo as competências dos departamentos da CGU.

Ao Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos (DECOR) incumbe precipuamente orientar e coordenar os trabalhos das Consultorias Jurídicas ou órgãos equivalentes, especialmente no que se refere à uniformização da jurisprudência administrativa, à correta aplicação das leis e observância das manifestações da AGU e à prevenção de litígios de natureza jurídica. Cabe, também, ao DECOR articular-se com os órgãos de representação judicial da União para a uniformização das teses adotadas no

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consultivo e no contencioso, promovendo integração e dirimir as controvérsias de interpretação entre os NAJs, entre eles e as CONJURs ou entre esses e as demais unidades da AGU.

O Departamento de Análise de Atos Normativos (DENOR) tem como atribuições a análise de anteprojetos de atos normativos, bem como propostas legislativas em tramitação no Congresso Nacional. Analisa, também, o DENOR projetos de lei submetidos à sanção do Presidente da República.

Ao Departamento de Assuntos Extrajudiciais (DEAEX) compete planejar, supervisionar, coordenar orientar e atuar na representação extrajudicial da União perante o Tribunal de Contas da União, o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e outros órgãos ou entidades federais por determinação do Consultor-Geral da União. Cabe-lhe, também, acompanhar e orientar, em articulação com as Consultorias Jurídicas, a celebração de Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta pelos órgãos da Administração Pública Federal direta, em matéria não judicializada, além de outras competências previstas no art. 16 do Decreto.

O Departamento de Informações Jurídico-Estratégicas (DEINF) é responsável por assistir o Consultor-Geral da União no planejamento e gestão da atuação finalística da Consultoria-Geral da União e de suas unidades de execução, além de registrar, classificar, processar e tratar tecnicamente as manifestações jurídicas produzidas na Consultoria-Geral da União.

À Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) incumbe dirimir, por meio de conciliação, as controvérsias entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como entre esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Compete-lhe, também, promover, quando cabível, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta nos casos submetidos a procedimento conciliatório, bem como propor ao Consultor-Geral da União o arbitramento das controvérsias não solucionadas por conciliação.

No que tange, ainda, ao Decreto n. 7392/2010, insta salientar que ele passou a denominar os Núcleos de Assessoramento Jurídico de “Consultorias Jurídicas da União nos Estados”. Em relação às Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios, inovou o Decreto ao dispor expressamente que esses órgãos são subordinados, técnica e juridicamente, ao Advogado-Geral da União.

No âmbito da atividade consultiva da AGU, devem também ser destacadas as atividades desempenhadas pela Consultoria da União e pelo Colégio de Consultoria. Nos termos do art. 13 do Decreto n. 7392/2010 e do art. 8º do Ato Regimental n. 5/2007, à Consultoria da União, integrada pelos Consultores da União, compete auxiliar o Consultor-Geral da União nas informações a serem prestadas pelo Presidente da República ao Supremo Tribunal Federal e elaborar pareceres, notas, informações, pesquisas e outros trabalhos jurídicos que lhe sejam por ele atribuídos.

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O Colégio de Consultoria da Advocacia-Geral da União foi criado com a publicação do Ato Regimental n. 1/2007. Tem a finalidade de discutir temas relevantes de consultoria e assessoramento jurídico e propor ao Advogado-Geral da União a adoção de medidas visando à uniformização de interpretações e de procedimentos no âmbito dos órgãos jurídicos da Administração Pública Federal.

Esclarecidas as atividades desempenhadas pelos órgãos jurídicos do consultivo da Advocacia-Geral da União, incumbe, no próximo item, discorrer sucintamente sobre os Direitos Fundamentais para, em seguida, cotejar as atribuições de consultoria e assessoramento jurídico da AGU com a promoção dos Direitos Fundamentais.

2 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 CONCEITO E ABRANGÊNCIA

Tanto na doutrina quanto na jurisprudência e mesmo no direito positivo (constitucional ou internacional), é possível encontrar o uso de diferentes expressões associadas à idéia de direitos fundamentais. Nesse sentido, são largamente utilizadas as expressões “direitos humanos”, “direitos do homem”, “direitos subjetivos públicos”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”, “liberdades fundamentais” e “direitos humanos fundamentais”, apenas para se referir a algumas das mais importantes expressões.52

A exemplo do que ocorre em outros textos constitucionais, também a Constituição de 1988 se caracteriza por apresentar uma diversidade semântica ao utilizar termos diversos para se referir aos direitos fundamentais. A título ilustrativo, encontram-se em nossa Carta Magna expressões como: “direitos humanos” (art. 4º, II); “direitos e garantias fundamentais” (epígrafe do Título II, e art. 5º, p. 1º); “direitos e liberdades constitucionais” (art. 5º, LXXI) e “direitos e garantias individuais” (art. 60, p. 4º, IV).53

Assume especial relevância a distinção entre as expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”. De acordo com os ensinamentos do jurista hispânico Pérez Luño54, os direitos humanos devem ser entendidos como um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas. Já os direitos fundamentais constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito.

52 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 27. 53 Ibidem. 54 PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los Derechos Fundamentales. Madrid: Tecnos, 2007, p. 46-47.

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No que tange à abrangência dos direitos fundamentais, Konrad Hesse55 diferencia os direitos fundamentais em sentido formal e em sentido material. Direitos fundamentais em sentido formal seriam aqueles que, por decisão do legislador constituinte, foram expressamente consagrados como tais na Constituição, no catálogo dos direitos fundamentais. Direitos fundamentais em sentido material seriam os que, apesar de se encontrarem fora do catálogo, por seu conteúdo e por sua importância, podem ser equiparados aos direitos formalmente fundamentais.

Robert Alexy56, na mesma linha de Hesse, dividiu as normas de direito fundamental em dois grupos: as normas de direito fundamental estabelecidas diretamente pelo texto constitucional e as normas de direito fundamental atribuídas. Concluiu que normas de direitos fundamentais são todas as normas para as quais existe a possibilidade de uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais.

É de se notar que o constituinte brasileiro adotou tanto a concepção formal como a material dos direitos fundamentais. Trouxe o Título II, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, com os seguintes capítulos: capítulo I- Dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º ); capítulo II- Dos direitos sociais (arts. 6º a 11); capítulo III- Da nacionalidade (arts. 12 e 13); capítulo IV- Dos direitos políticos (arts. 14 a 16); capítulo V- Dos partidos políticos (art. 17).

Contudo, no art. 5º, §§ 2º e 3º, trouxe a noção da fundamentalidade material ao permitir a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não constantes no catálogo, mas integrantes da Constituição, e até a outros direitos fundamentais não constantes de seu texto. Conclui-se, assim, que a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição não é taxativa. Veja-se o texto dos dispositivos constitucionais citados:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

55 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 125. 56 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 66-76.

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Diversos são os exemplos de direitos fundamentais que se encontram dispersos na Constituição, fora do catálogo. No campo dos direitos de defesa (direitos de liberdade e igualdade, bem como os demais direitos de cunho preponderantemente negativo), tem-se o direito de igual acesso aos cargos públicos (art. 37, I), os direitos de associação sindical e de greve dos servidores públicos (art. 37, VI e VII), assim como o direito dos servidores públicos à estabilidade no cargo (art. 41). Há também a garantia da publicidade e fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX), bem como as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 150, I a VI) e o direito à manifestação do pensamento, criação, expressão e informação (art. 220) 57.

Na esfera dos direitos sociais, observa-se sua extensão no art. 144 (segurança pública) e nos arts. 193 a 217 (seguridade social, saúde, previdência social, assistência social, educação, cultura e desporto)58. No Título VII, da CF/88, que dispõe sobre a ordem econômica e financeira (arts. 170 a 192), existem dispositivos que podem também ser levados em conta como direitos fundamentais de cunho social59.

Podem, também, ser considerados direitos fundamentais a proteção ao meio ambiente (art. 225) e os direitos ligados a comunidades e grupos vulneráveis, como a proteção especial à criança, ao idoso e ao índio (arts. 227, 230 e 231)60.

Importa destacar que a afirmação pela adoção de um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil encontra abrigo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que não considera taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II, da CF. No julgamento da ADI-MC 93961, por exemplo, o STF entendeu que o princípio da anterioridade, ligado ao poder de tributar, embora constando fora do catálogo do Título II, consubstancia um direito fundamental (uma garantia individual), sendo, por isso, cláusula pétrea.

Por derradeiro, cumpre transcrever a definição de direitos fundamentais que parece ser a mais adequada ao sistema da Constituição brasileira de 1988, trazido por Ingo Wolfgang Sarlet:

Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo).

57 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit, p. 116-117. 58 VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 41. 59 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit, p. 118. 60 VIEIRA, Oscar Vilhena, op. cit, p. 41. 61 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADI-MC 939. Relator: Ministro Sydney Sanches. DJ de 17/12/1993.

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2.2 CLASSIFICAÇÃO

Um critério bastante difundido para a classificação dos direitos fundamentais é a teoria dos quatro status em que o indivíduo pode encontrar-se em face do Estado, de Georg Jellinek62, desenvolvida no final do século XIX.

Segundo Jellinek, pelo fato de ser membro do Estado, o indivíduo trava como ele uma pluralidade de relações denominadas status.

A primeira relação em que se encontra o indivíduo é a de subordinação aos Poderes Públicos, caracterizando-se como detentor de deveres para com o Estado. Ele tem a competência para vincular o indivíduo, através de mandamentos e proibições. Essa relação corresponde ao status passivo ou status subjectionis.

A segunda relação é estabelecida pela afirmação constante do valor da pessoa humana, o que conduz à redução da extensão do status passivo e, com isso, à limitação do Poder Estatal pelos cidadãos. Uma esfera livre do Estado, uma esfera que exclui o imperium. Essa esfera de liberdade individual corresponde ao status negativus ou status libertatis.

A terceira relação advém do fato de que a atividade estatal é realizada no interesse dos cidadãos. Para o cumprimento de suas tarefas, o Estado reconhece ao indivíduo a capacidade jurídica de pretender que o poder estatal seja adotado em seus interesses e concede-lhe prestações jurídicas positivas. Essa esfera equivale ao status positivus ou status civitatis.

A quarta relação decorre da circunstância de a atividade estatal só tornar-se possível através da ação dos cidadãos. O Estado reconhece ao indivíduo a capacidade de agir por conta do Estado, promovendo-o a uma condição mais elevada, mais qualificada à cidadania ativa. Nessa esfera, é reconhecido ao cidadão o direito de participar na formação da vontade política do Estado e diz respeito ao status activus ou status activae civitatis.

Com fundamento na teoria de Jellinek, os direitos fundamentais são classificados em direitos de defesa (ou direitos de liberdade), direitos à prestação e direitos de participação, correspondendo, respectivamente, aos status negativo, positivo e ativo.

Os direitos de defesa caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção, um dever de não interferência, de não intromissão no espaço de autodeterminação do indivíduo.63Objetivam a limitação da ação do Estado. Destinam-se a evitar a ingerência do Estado sobre os bens protegidos e fundamentam pretensão de reparo pelas agressões eventualmente consumadas. Enquadram-se, por exemplo, nessa categoria o princípio da legalidade (art. 5º, II), o direito de não ser submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), a inviolabilidade da vida privada e da intimidade (art. 5º, X), o sigilo das comunicações (art. 5º, XII) e a liberdade de locomoção (art. 5º, XV).

Os direitos à prestação são direitos que se realizam por intermédio do Estado e exigem que esse aja para atenuar desigualdades. Direitos que partem do pressuposto de que o Estado deve agir para libertar os indivíduos das necessidades, exigem uma prestação positiva do Estado. Como exemplo há os direitos sociais enumerados no art. 6º, da CF: direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção, à maternidade, à infância, à assistência. A maioria dos direitos à prestação depende da interposição do legislador para produzir efeitos plenos. Afirma-se, também, que esses direitos

62 JELLINEK, Georg. Teoría general Del estado. Buenos Aires: B de F, 2005, p. 96 e ss. 63 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 2001, p. 192.

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estão submetidos à reserva do possível, ou seja, são traduzidos em medidas práticas tanto quanto permitam as disponibilidades materiais do Estado64.

Já os direitos fundamentais de participação possuem as características mistas dos direitos de defesa e dos direitos a prestação e visam garantir a participação dos cidadãos na vida política do país, na formação da vontade política da Nação. Estão ligados à formação política do Estado Democrático representativo e implicam uma liberdade ativa, uma participação dos cidadãos na determinação dos objetivos do Estado. Esses direitos encontram-se, na CF/88, nos Capítulos IV (Dos direitos políticos ) e V (Dos partidos políticos)65.

Importante, também, expor sucintamente a classificação dos direitos fundamentais em dimensões66. Os direitos fundamentais de primeira dimensão correspondem aos direitos de defesa, sendo os direitos do indivíduo frente ao Estado. Os direitos fundamentais de segunda dimensão outorgam ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, correspondendo, portanto, aos direitos à prestação.

Os direitos fundamentais de terceira dimensão, usualmente denominados direitos de solidariedade ou fraternidade, são aqueles de titularidade coletiva ou difusa. Como exemplos, pode-se citar o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural, e o direito de comunicação.

Por fim, os direitos de quarta dimensão são o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional, que corresponde à fase de institucionalização do Estado Social. Essa quarta dimensão é composta pelos direitos à democracia e à informação, assim como pelo direito ao pluralismo.

2.3 CARACTERÍSTICAS

Cumpre apontar as características associadas com maior freqüência aos direitos fundamentais67.

Direitos universais: a universalidade dos direitos fundamentais está relacionada ao fato de todas as pessoas serem titulares de direitos fundamentais e de a qualidade de ser humano constituir condição suficiente para os titulares desses direitos.

Contudo, há de se frisar que alguns direitos fundamentais específicos não se estendem a toda e qualquer pessoa. Na Constituição de 1988, há direitos de todos os homens, como o direito à vida, mas há também direitos que se referem a apenas alguns indivíduos, como os direitos dos trabalhadores.

Historicidade: os direitos fundamentais são um conjunto de faculdades e instituições que somente faz sentido em um determinado contexto histórico. O caráter da historicidade

64 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 180-183. 65 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000, p. 115-116. 66 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit, p. 46-52. Optou-se em seguir o citado autor no que tange à divisão dos direitos fundamentais em quatro dimensões. Contudo, há autores, como Paulo Bonavides, que consideram existir uma quinta dimensão, consubstanciada no direito à paz. De acordo com Bonavides, a paz é o direito fundamental que legitima o estabelecimento da ordem, da liberdade e do bem comum na convivência dos povos. Ver, a propósito, BONAVIDES, Paulo. A quinta geração de direitos fundamentais. Direitos fundamentais e justiça, v. 2, n. 3, p. 82-93, abril/junho, 2008. 67 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit, p. 161-167.

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justifica o fato de os direitos poderem ser proclamados em certa época e desaparecer em outras, ou, ainda, se modificar no tempo.

Inalienabilidade/indisponibilidade: não se pode dispor juridicamente (renúncia, compra e venda, doação, permuta), nem materialmente (destruição material) dos direitos fundamentais. Destaque-se que a inalienabilidade traz a conseqüência de a preterição de um direito fundamental não poder ser justificada pelo mero fato de o titular do direito nela consentir.

Nesse sentido, por exemplo, o direito à integridade física é inalienável, não podendo o indivíduo vender uma parte do seu corpo ou uma função vital, nem tampouco se mutilar voluntariamente. Entretanto, nada impede que o exercício de certos direitos fundamentais seja restringido em prol de uma finalidade acolhida ou tolerada pela ordem constitucional.

Constitucionalização: os direitos fundamentais peculiarizam-se por estarem recepcionados por algum preceito de direito positivo, por estarem inscritos em diplomas normativos de cada Estado e por serem direitos que vigem numa ordem jurídica concreta.

No caso do direito brasileiro, os direitos fundamentais são definidos como direitos constitucionais. Impende registrar, inclusive, que a Constituição brasileira de 1988 caracterizou os direitos fundamentais como direitos pétreos ao dispor no inciso IV, do § 4º , do art. 60, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.

2.4 EFICÁCIA E APLICABILIDADE IMEDIATA

O § 1º do art. 5º, da Constituição de 1988, dispõe que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Tal previsão em nossa Constituição deve-se à influência de outros textos constitucionais, tais como a Constituição portuguesa, a do Uruguai e a Lei Fundamental da Alemanha.

O art. 18, item 1, da Constituição de Portugal, por exemplo, assim reza: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”. O jurista português Vieira de Andrade68, ao comentar o citado dispositivo, assim defendeu:

Já não é possível sustentar que os direitos fundamentais só têm real existência jurídica por força da lei (em virtude de uma transposição legal), ou que valem apenas com o conteúdo que por estas lhe é dado (por interpretação autêntica ou por delegação constitucional), porque a Constituição vale por si, prevalece e vincula positivamente o legislador, de modo que uma lei só terá valor jurídico se estiver conforme com a norma constitucional que consagra um direito.

Depreende-se, assim, que as normas definidoras dos direitos fundamentais são normas de caráter preceptivo e não meramente programáticas. Os direitos fundamentais se fundam na Constituição, e não na lei, devendo esta ter conformidade com o que diz a Constituição acerca dos direitos fundamentais. Os operadores do direito devem aplicar diretamente as normas constitucionais para resolver os casos sob sua apreciação, não sendo necessário que o legislador esclareça o conteúdo da norma para que ela possa ser aplicada69.

68 ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit, p. 200. 69 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2008, p. 500.

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Questão que também merece destaque é a abrangência do § 1º do art. 5º da CF/88. Entende-se que a melhor interpretação é aquela segundo a qual a aplicabilidade imediata abrange todos os direitos fundamentais constantes do catálogo (arts. 5º a 17), bem como os localizados em outras partes do texto constitucional e nos tratados internacionais.

A aplicabilidade imediata não significa, contudo, que, sempre, de forma automática, os direitos fundamentais geram direitos subjetivos, concretos e definitivos 70 . Há normas constitucionais relativas a alguns direitos fundamentais que necessitam da interposição do legislador para serem concretizados. É o que ocorre, por exemplo, com o direito à educação (art. 205), com o direito ao lazer (art. 6º) e com a garantia do acesso ao judiciário (art. 5º, XXXV). Quanto a essa última, exige-se que a lei disponha sobre o direito processual que viabilize a atuação do Estado na resolução de conflitos.

Ademais, no que concerne aos direitos fundamentais sociais de natureza prestacional, verifica-se que os limites da reserva do possível, da falta de qualificação e/ou legitimação dos tribunais para a implementação de determinados programas socioeconômicos, bem como a colisão com outros direitos fundamentais podem, dentre outros aspectos, não alcançar sua plena eficácia imediatamente.

Logo, entende-se que a melhor exegese do art. 5º, § 1º, da Constituição de 1988 é a apresentada por Ingo Wolfgang Sarlet71, segundo a qual a referida norma possui cunho inequivocamente principiológico, devendo ser considerada, portanto, uma espécie de mandado de otimização (ou maximização), isto é, estabelecendo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais.

Assim, há uma presunção em favor da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, de tal sorte que eventual recusa de sua aplicação, em virtude da ausência de ato concretizador, deverá ser necessariamente fundamentada e justificada. Isso significa que, no concernente aos direitos fundamentais, a aplicabilidade imediata e eficácia plena assumem a condição de regra geral, ressalvadas exceções que, para serem legítimas, dependem de convincente justificação à luz do caso concreto.

Se todas as normas de direitos fundamentais são dotadas de um mínimo de eficácia, pode-se afirmar que aos poderes públicos incumbe a tarefa e o dever de extrair das normas que os consagram a maior eficácia possível, outorgando-lhes efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais, já que não há como desconsiderar a circunstância de que a presunção da aplicabilidade imediata e plena eficácia que milita em favor dos direitos fundamentais constitui, na verdade, um dos esteios de sua fundamentalidade formal no âmbito da Constituição.

2.5 VINCULAÇÃO DOS PODERES PÚBLICOS

Diversamente das Constituições de Portugal e da Espanha e da Lei Fundamental da Alemanha, que prevêem expressamente a vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais, a Constituição de 1988 foi omissa nesse aspecto, limitando-se a proclamar, conforme estudado acima, a imediata aplicabilidade das normas de direitos fundamentais no § 1º do art. 5º. Contudo, tal omissão não significa que os poderes públicos não estejam vinculados pelos direitos fundamentais.

70 Ibidem. 71 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit, p. 270-273.

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Se de acordo com um critério institucional os detentores do poder estatal formalmente considerados (órgãos dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário) se encontram obrigados pelos direitos fundamentais, também num sentido material e funcional todas as funções exercidas pelos órgãos estatais também se encontram obrigadas por esses direitos72.

No âmbito da vinculação do Poder Legislativo aos direitos fundamentais, há de se destacar os ensinamentos de Canotilho73 sobre a dupla dimensão da vinculação do legislador aos direitos fundamentais (dimensão negativa e positiva). Na dimensão negativa, está a proibição de edição de atos legislativos contrários às normas de direitos fundamentais. Significa também que, mesmo quando a Constituição entrega ao legislador a tarefa de restringir certos direitos, há de ser respeitado o núcleo essencial do direito, não sendo legítima a criação de condições desarrazoadas ou que tornem impraticável o direito previsto pelo constituinte.

Na dimensão positiva está o dever do legislador de conformação aos parâmetros fornecidos pelas normas de direitos fundamentais e, nesse sentido, também um dever de edição de normas que dêem regulamentação aos direitos fundamentais dependentes de concretização normativa. A inércia do legislador em satisfazer uma imposição de concretização de um direito fundamental pode ensejar, inclusive, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão ou o mandado de injunção.

No que tange aos atos normativos, sabe-se que esses podem ser praticados também por membros do Poder Executivo (ex: portarias, resoluções e decretos) e do Poder Judiciário (ex: regimentos internos). Assim, entende-se que também os atos normativos editados por membros desses dois poderes devem observar os direitos fundamentais.

Em relação à vinculação do Poder Executivo aos direitos fundamentais, tem-se que os órgãos e entidades da administração pública, bem como as pessoas jurídicas de direito privado que disponham de poderes públicos, devem interpretar e aplicar as leis em conformidade com os direitos fundamentais.

Nesse sentido, são nulos os atos administrativos praticados em ofensa aos direitos fundamentais. A não observância pode levar à sua invalidação judicial. A atividade discricionária da administração pública deve, assim, respeitar os limites fixados pelos direitos fundamentais.

Questão que tem gerado ampla discussão é definir se pode a administração se recusar a aplicar normas que entenda ser inconstitucionais, por ofender os direitos fundamentais. A esse respeito, há um consenso doutrinário no sentido de que, em princípio, os agentes administrativos não possuem competência para apreciar a lei e declará-la constitucional ou não. Devem, no caso em que entendam existir inconstitucionalidade, provocar a autoridade hierarquicamente superior a respeito, demonstrando-lhe as conseqüências resultantes de uma aplicação da lei inconstitucional, permanecendo, contudo, vinculados a essa lei até que sobrevenha decisão judicial a respeito do caso74.

No que concerne à vinculação do Poder Judiciário aos direitos fundamentais, ensina Canotilho 75 que essa vinculação se manifesta, por um lado, através de uma

72 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit, p. 365-366. 73 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, op. cit, p. 592. 74 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit, p. 369-372. 75 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, op. cit, p. 598.

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constitucionalização da organização dos tribunais e do procedimento judicial que, além de deverem ser compreendidos à luz dos direitos fundamentais, por esses são influenciados e se expressam na vinculação do conteúdo dos atos jurisdicionais aos direitos fundamentais.

Ademais, exerce o Poder Judiciário o controle de constitucionalidade dos atos dos demais órgãos estatais, dispondo os tribunais simultaneamente do poder e do dever de não aplicar leis contrárias à Constituição e, mais especificamente, leis ofensivas aos direitos fundamentais, podendo declarar-lhes a inconstitucionalidade.

Impende, ainda, ressaltar que, em razão da natureza aberta e da imprecisão conceitual dos direitos fundamentais, o Supremo Tribunal Federal acaba exercendo papel importantíssimo na fixação e delimitação do conteúdo e do núcleo essencial dos direitos fundamentais, quando da prolação de seus acórdãos nos casos concretos.76

2.6 PERSPECTIVA SUBJETIVA E OBJETIVA

A perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais corresponde à característica desses direitos de, em maior ou menor escala, ensejarem uma pretensão a que se adote um dado comportamento e se expressa no poder da vontade de produzir efeitos sobre certas relações jurídicas77.

Nessa dimensão, os direitos fundamentais correspondem à exigência de uma ação negativa (de respeito ao espaço de liberdade do indivíduo) ou positiva de outrem e, também, correspondem a competências, em que não se cogita de exigir comportamento ativo ou omissivo de outrem, mas do poder de modificar-lhes as posições jurídicas.

Nesse contexto, quando, no âmbito da perspectiva subjetiva, fala-se de direitos fundamentais subjetivos. Refere-se à possibilidade que tem o seu titular (considerado como tal a pessoa individual ou ente coletivo a quem é atribuído) de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o direito à ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão78.

Apesar de a perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais ter maior realce, ela convive com a perspectiva objetiva e ambas mantêm uma relação de complemento recíproco. Esse processo de valorização dos direitos fundamentais na condição de normas de direito objetivo se enquadra naquilo que foi denominado de uma autêntica mutação dos direitos fundamentais; mutação essa provocada não só pela transição do modelo de Estado Liberal para o do Estado Social e Democrático de Direito, mas também pela conscientização da insuficiência de uma concepção dos direitos fundamentais como direitos subjetivos de defesa para a garantia de uma liberdade efetiva79.

No que tange à perspectiva objetiva, Perez Luño80 ensina que os direitos fundamentais passaram a apresentar-se no âmbito da ordem constitucional como um conjunto de valores objetivos básicos, diretivos da ação positiva dos poderes públicos.

76 ALMEIDA, Lilian Barros de Oliveira. Direito adquirido: uma questão em aberto. Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2009. 190 p, p.148-172. (Dissertação, Mestrado em Direito Constitucional). Trata-se de dissertação de Mestrado em que se concluiu que o núcleo essencial do direito fundamental constante na proteção ao direito adquirido é aquele definido pelo STF em cada caso concreto. Concluiu-se, também, ser o direito adquirido uma questão em aberto, uma vez que a busca de premissas, no caso do direito adquirido, é infinita, e sempre surgirão situações novas que exigirão uma nova verificação da existência ou não do direito adquirido.

77 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit, p. 189. 78 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit, p. 154. 79 Ibidem, p. 151. 80 PEREZ LUÑO, op. cit, p. 20-21.

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A perspectiva objetiva resulta, assim, do significado dos direitos fundamentais como princípios básicos da ordem constitucional, por participarem da essência do Estado Democrático de Direito, operando como limite do poder e como diretriz para a sua ação. As constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam e esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais influam sobre o ordenamento jurídico como um todo, servindo de norte para a ação de todos os poderes constituídos81.

A perspectiva objetiva dos direitos fundamentais apresenta importantes desdobramentos 82 . Um desses desdobramentos refere-se à eficácia dirigente que esses direitos desencadeiam em relação aos órgãos estatais. Nesse contexto, afirma-se que os direitos fundamentais contêm uma ordem dirigida ao Estado no sentido de que a ele incumbe a obrigação permanente de concretização e realização dos direitos fundamentais.

Outro desdobramento diz respeito ao reconhecimento de deveres de proteção do Estado, na medida em que a esse incumbe zelar, inclusive preventivamente, pela proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos não somente contra os poderes públicos, mas também contra agressões provindas de particulares e até mesmo de outros Estados. Essa incumbência desemboca na obrigação de o Estado adotar medidas positivas diversas, com o objetivo de proteger de forma efetiva os direitos fundamentais.

Há, também, como desdobramento, a função outorgada aos direitos fundamentais sob o aspecto de parâmetros para a criação e constituição de organizações ou instituições estatais e para o procedimento. Assim, há que se considerar a íntima vinculação entre direitos fundamentais, organização e procedimento, no sentido de que os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo e de certa forma, dependentes da organização e do procedimento, mas simultaneamente também atuam sobre o direito procedimental e as estruturas organizacionais.

Importante, ainda, notar que a perspectiva objetiva faz com que o direito fundamental não seja considerado exclusivamente sob a perspectiva individualista, mas igualmente, que o bem por ele tutelado seja visto como um valor em si, a ser preservado e fomentado.

Nesse sentido, a perspectiva objetiva legitima restrições aos direitos subjetivos individuais, limitando o conteúdo e o alcance dos direitos fundamentais em favor dos seus próprios titulares ou de outros bens constitucionalmente valiosos83.

2.7 COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E PROTEÇÃO AO NÚCLEO ESSENCIAL

Em razão do caráter aberto, variável e heterogêneo dos direitos fundamentais, freqüente é o choque dos direitos fundamentais com outros bens jurídicos protegidos constitucionalmente, sendo tal fenômeno denominado pela doutrina de colisão ou conflito de direitos fundamentais84.

A colisão de direitos fundamentais pode ocorrer de duas formas. A primeira é quando o exercício de um direito fundamental por parte de um titular colide com o exercício de outro direito fundamental por parte de outro titular.

81 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit, p.189. 82 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit, p.142-151. 83 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 130. 84 FARIAS, Edisom Pereira de, op. cit, p. 116-126.

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A segunda acontece quando o exercício de um direito fundamental colide com a necessidade de preservação de um bem coletivo ou do Estado protegido constitucionalmente (colisão entre direitos fundamentais e outros valores constitucionais). Ocorre, assim, quando interesses individuais tutelados por direitos fundamentais contrapõem-se a interesses da comunidade, reconhecidos também pela constituição, tais como a saúde pública, a segurança pública, a integridade territorial, a família, o patrimônio cultural, dentre outros.

A solução da colisão de direitos fundamentais é confiada ao legislador quando a Constituição remete à lei ordinária a possibilidade de restringir direitos. Assim, verificada a existência de reserva de lei para pelo menos um dos direitos colidentes, o legislador poderá resolver o conflito comprimindo o direito ou direitos restringíveis, respeitando o núcleo essencial dos direitos envolvidos.

Tratando-se de conflito entre direitos fundamentais não sujeitos à reserva de lei, a solução fica por conta dos magistrados ou até mesmo da administração pública, quando da interpretação e aplicação da legislação para praticar os atos administrativos, através da ponderação dos bens envolvidos, respeitando-se, também, o seu núcleo essencial.

Para tanto, imprescindível se torna estudar o princípio da proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais.

Alguns ordenamentos jurídicos constitucionais consagram expressamente o referido princípio85. De acordo com o art. 19.2 da Lei Fundamental alemã de 1949, “em nenhum caso um direito fundamental poderá ser afetado em sua essência”.

Ressalte-se que, como princípio expressamente consagrado na Constituição ou como princípio constitucional imanente, o princípio da proteção do núcleo essencial tem por objetivo evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas e desproporcionais.86

Mas o que é o núcleo essencial de um direito fundamental? Tal significado não é unívoco na doutrina. Podem-se vislumbrar na doutrina alemã duas diferentes teorias a respeito do tema, designadas como absoluta e relativa.

Para a teoria absoluta, todo direito fundamental teria um núcleo essencial, determinável em abstrato, passível de ser teoricamente delimitado. Corresponderia a um espaço de maior intensidade valorativa que não poderia ser afetado, sob pena de o direito deixar realmente de existir. É compreendido como unidade substancial autônoma que, independentemente de qualquer situação concreta, estaria a salvo de eventual decisão legislativa. 87

Para a teoria relativa, o núcleo essencial dos direitos fundamentais deve ser definido para cada caso concreto, à luz do direito restringido. O núcleo essencial seria, então, aferido através da utilização de um processo de ponderação entre meios e fins, com base no princípio da proporcionalidade. Segundo os adeptos da teoria relativa, o tamanho do conteúdo essencial só pode ser mensurado em face de um conflito específico, quando estiverem em jogo valores comprimindo-se reciprocamente.88

85 Confira-se o disposto no art. 18.3 da Constituição portuguesa de 1976, no art. 53.1 da Constituição espanhola de 1978 e no art. 19.2 da Lei Fundamental alemã de 1949. No Brasil, a Constituição de 1988 não contempla expressamente a proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Entretanto, em que pese o texto constitucional brasileiro não ter feito esta consagração expressa, é inequívoco que a proteção do conteúdo essencial dos direitos fundamentais decorre do próprio modelo garantístico utilizado pelo constituinte. A não admissão de um limite ao legislador tornaria inócua qualquer proteção fundamental. 86 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit, p. 306. 87 ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit, p. 304. 88 BARROS, Suzana de Toledo, op. cit, p. 103.

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Em análise à obra La garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales, de PETER HÄBERLE89, evidencia-se que a ponderação de bens é o meio de determinação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, o conteúdo e os limites dos direitos fundamentais sempre hão de ser determinados em relação a outros bens jurídicos, originando-se em situações de conflito, sendo sempre atualizados e concretizados caso a caso. Por meio da ponderação de bens se proporciona um equilíbrio entre os bens jurídicos que colidem.90

Para o referido autor, a função social dos direitos fundamentais tem o interesse especial de evitar a relativização desses direitos. Assim, a ponderação de bens que puser em questão a função social dos direitos fundamentais será inconstitucional.91

No Brasil, a Constituição de 1988 não contempla expressamente a proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Entretanto, em que pese o texto constitucional brasileiro não ter feito esta consagração expressa, é inequívoco que a proteção do conteúdo essencial dos direitos fundamentais decorre do próprio modelo garantístico utilizado pelo constituinte. A não admissão de um limite ao legislador tornaria inócua qualquer proteção fundamental.92

É também de se notar que o art. 60, § 4º, IV, da Constituição de 1988, conforme já se mencionou anteriormente, veda expressamente qualquer proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. A referida vedação foi instituída para proteger o núcleo essencial dos direitos fundamentais. O Supremo Tribunal Federal, em acórdão já citado, pronunciou-se nesse mesmo sentido, ao interpretar o supracitado dispositivo constitucional93:

As limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege. (grifou-se).

Assim, é possível sustentar que as cláusulas pétreas, consagradas no art. 60, § 4º, IV, da Constituição de 1988, albergam a recepção, no Brasil, do princípio da proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. Se, afinal, as emendas constitucionais não podem atingir o núcleo essencial dos direitos fundamentais, evidentemente isso também não poderá ocorrer pela ação do legislador ordinário.

Vale salientar que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de extrema relevância, referiu-se expressamente ao princípio da proteção ao núcleo essencial. No julgamento do Habeas Corpus nº 82.959/SP,94 no ano de 2006, entendeu o Tribunal que a imposição de regime integralmente fechado para o cumprimento de pena pelos condenados por crimes hediondos configuraria lesão ao princípio da proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais.

89 HÄBERLE, Peter. La garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales. Madri: Dykinson, 2003, p. 65. 90 Ibidem, p. 33. ` 91 Ibidem, p. 36. 92 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet., op. cit., p. 309. 93 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. MS-MC 23.047/DF. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. DJ de 14/11/2003. 94 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. HC 82.959/SP. Relator: Ministro Marco Aurélio. DJ de 01/09/2006.

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3 MEIOS DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELA ATIVIDADE CONSULTIVA DA AGU

Uma vez estudada a Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, importa analisar a correlação entre a atividade consultiva da AGU e os direitos fundamentais, bem como em que medida o desempenho dessa atividade pelos advogados públicos federais pode contribuir para a promoção dos direitos fundamentais.

Conforme já exposto acima, a Advocacia-Geral da União situa-se no Capítulo IV (Das Funções Essenciais à Justiça), do Título IV (Da Organização dos Poderes). Ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro 95 que a palavra “justiça”, integrante da expressão “funções essenciais à justiça”, pode ter dois sentidos:

a) Justiça como instituição, ou seja, como sinônimo de Poder Judiciário, tal como aparece nas expressões justiça trabalhista, justiça eleitoral, justiça federal; e realmente as carreiras apontadas como essenciais à justiça são indispensáveis ao funcionamento do Poder Judiciário, porque este, embora detenha a mais relevante e eficaz forma de controle da Administração Pública e de proteção dos direitos individuais e coletivos, não tem legitimidade para dar início às ações judiciais; ele decide sobre conflitos que lhe são postos e nos limites postos pelo advogado, pelo Defensor Público, pelo Advogado da União, pelo Procurador do Estado ou do Município, pelo Promotor Público (quando este atuar como parte). Sem estes profissionais, a Justiça – entendida como sinônimo de Poder Judiciário – não é acionada. Ela não existe.

b) Justiça como valor, incluído já no preâmbulo da Constituição entre os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, e que consiste na vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu (justitia est constans ET perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi). Vale dizer que o advogado, seja público, seja privado, atua sempre em prol da Justiça, entendida como valor, mesmo quando desempenhada perante o Poder Executivo.

Defende-se que a acepção de justiça como valor se mostra mais adequada à atuação consultiva da AGU, na medida em que os órgãos jurídicos do consultivo correspondem a funções essenciais à justiça que promovem o Estado Democrático de Direito e os direitos fundamentais, através de suas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo.

A propósito, impende destacar o valioso comentário de Diogo de Figueiredo Moreira Neto96 a respeito da acepção de justiça como valor, verbis:

Essas funções são instrumentos essenciais, por certo, à justiça, como está explícito, mas nela compreendida, a essencialidade à própria

95 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Advocacia Pública. Revista Jurídica da Prefeitura do Município de São Paulo, n. 3, p. 11-30, dezembro, 1996, p. 13-14. 96 MOREIRA NETO, Diego de Figueiredo. A Advocacia de Estado revisitada: essencialidade ao Estado Democrático de Direito. Debates em Direito Público, v. 4, n. 4, p. 36-65, outubro, 2005.

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existência de Estado Democrático de Direito, pois lograr justiça nada mais é que respeitar os direitos fundamentais.

E o que viria a ser o Estado Democrático de Direito?

Para Habermas97, a Antropologia demonstra que o Direito precede o surgimento do Estado, tendo sido o desenvolvimento do Direito arcaico que possibilitou o surgimento de um poder político soberano. Assim, evidentemente, tem-se que o Direito sancionado pelo Estado e o poder do Estado organizado juridicamente surgem simultaneamente, mediante o poder político.

Por Estado entende-se a organização jurídico-política do poder, destinada a proporcionar soberanamente, em determinado território a garantia dos interesses e valores consagrados pelo povo nele fixado. O Estado não é, então, fim em si mesmo, mas organização política da sociedade, normatizada pelo Direito, cuja finalidade é, em última instância, a concretização da liberdade.

Se a concepção atual de Estado é a daquele cuja finalidade é a realização da liberdade; se essa só pode ocorrer se declarados, assegurados e exercidos os direitos fundamentais; e se o regime político capaz de garantir formal e materialmente tais direitos é a democracia, tem-se que o melhor tipo de Estado é o Estado Democrático de Direito98.

A Constituição brasileira de 1988 fez essa opção, conforme consta em seu preâmbulo99 e no caput do art. 1º 100. O Estado Democrático de Direito pode ser definido, então, como organização jurídica do poder, que se assenta em alguns princípios elementares e na declaração e garantia dos direitos fundamentais, cuja efetivação é a sua finalidade, o motivo pelo qual foi criado. Assim, para que o Estado se consubstancie como Democrático de Direito deve declarar e assegurar os direitos fundamentais101.

Contudo, para que os órgãos e entidades da Administração Pública Federal pratiquem atos administrativos e políticas públicas voltados à promoção dos direitos fundamentais, imprescindível a atividade consultiva da Advocacia-Geral da União para prestar-lhes consultoria e assessoramento jurídico.

Válida é a lição de Rommel Macedo 102 acerca da distinção entre consultoria e assessoramento jurídico:

O assessoramento jurídico se distingue da consultoria. No primeiro, o advogado não possui qualquer responsabilidade sobre a decisão a ser tomada, tendo apenas a incumbência de orientar a instância decisória; já na segunda, o advogado exara pareceres, sobre os quais possui inequívoca responsabilidade. Por meio da consultoria jurídica, emite-se aquilo que Moreira Neto (1992, p. 41-57) considera uma verdadeira

97 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 233-234. 98 TOLEDO, Cláudia. Direito Adquirido e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Landy, 2003, p. 109-111. 99 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (grifou-se). 100 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) (grifou-se ). 101 TOLEDO, Cláudia, op. cit, p. 114-115. 102 MACEDO, Rommel. Advocacia-Geral da União na Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2008, p. 46.

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‘vontade estatal’, devendo a Administração Pública demonstrar a razão para o não-acatamento dos termos do parecer proferido, sob pena de nulidade do ato.

Sobre a responsabilidade de a Advocacia Pública promover os direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito, assim se pronunciou José Afonso da Silva103:

Só isso já mostra quão extensa e importante é a tarefa da Advocacia Pública no Estado Democrático de Direito. Acresça-se a isso sua responsabilidade pela plena defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana, e então se tem que seus membros saíram da mera condição de servidores públicos democráticos, preocupados apenas com o exercício formal da atividade administrativa de defesa dos interesses patrimoniais da Fazenda Pública para se tornarem peças relevantes da plena configuração desse tipo de Estado.

Impende, agora, analisar nos subitens seguintes como as atividades desempenhadas pelos órgãos jurídicos do consultivo da AGU contribuem para a promoção dos direitos fundamentais.

3.1 FIXAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO

Como já foi exposto nesse artigo, os poderes públicos encontram-se vinculados aos direitos fundamentais. Assim, deve o Poder Executivo praticar seus atos e aplicar a legislação em conformidade aos direitos fundamentais.

As Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios, a Consultoria-Geral da União, as Consultorias Jurídicas da União nos Estados e os demais órgãos jurídicos do consultivo da AGU, ao exercerem a competência de fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos, ajudam a promover os direitos fundamentais na medida em que realizem interpretação que respeite e observe os direitos fundamentais.

Tendo em vista o caráter não absoluto dos direitos fundamentais, devem também os advogados públicos federais, na fundamentação de seus pareceres, ficar atentos à possibilidade de restrição de um direito fundamental em favor de outro direito fundamental ou de outro valor protegido constitucionalmente. Esse exercício pode ser feito através da verificação da existência de autorização constitucional para restrição desse direito, ou da realização da ponderação de bens no caso concreto, desde que protegido o núcleo essencial do direito fundamental em questão.

Por conseqüência, o Poder Executivo, ao seguir a orientação do consultivo da AGU, se vincula aos direitos fundamentais e, assim, atende a perspectiva objetiva desses direitos, no que concerne à proteção, pelo Estado, dos direitos fundamentais. Nesse sentido, evita-se a judicialização de seus atos administrativos e políticas públicas, sendo de grande relevância essa atuação preventiva do consultivo.

Pode-se dizer que, de uma maneira geral, os órgãos jurídicos do consultivo da AGU procuram, sempre, promover o direito fundamental consubstanciado no princípio da

103 SILVA, José Afonso da. Advocacia Pública e Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Administrativo, v. 230, p. 281-289, outubro/dezembro, 2002, p. 289.

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legalidade (art. 5º, II), ao responderem às consultas formuladas pelas autoridades do Poder Executivo em observância à legislação existente.

Contudo, muitos outros direitos fundamentais são promovidos através da interpretação feita pelos órgãos jurídicos do consultivo da AGU nas mais diversas áreas temáticas. Cabe, aqui, citar alguns exemplos que ilustram como a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça (CONJUR/MJ) contribuiu para fixar a interpretação de dispositivos constitucionais relacionados a direitos fundamentais.

O Diretor-Geral do Arquivo Nacional, órgão singular integrante da estrutura regimental do Ministério da Justiça, pediu à CONJUR/MJ que fixasse a interpretação da legislação que dispõe sobre o direito de acesso às informações constantes nos arquivos públicos. A análise foi solicitada a fim de subsidiar o atendimento de pleitos de acesso aos documentos produzidos e acumulados por órgãos e entidades integrantes, direta ou indiretamente, do extinto Sistema Nacional de Informações e Contrainformação- SISNI, relacionados ao regime militar que vigorou entre os anos de 1964 e 1985.

No Parecer n. 76/2011/CEP/CGLEG/CONJUR/MJ, identificou-se que o direito fundamental de acesso às informações constantes nos arquivos públicos tem assento constitucional no art. 5º, inciso XXXIII, e no art. 37, § 3º, inciso II, da Constituição de 1988, verbis:

Art. 5º (...)

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (grifou-se)

Art. 37. (...)

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:

II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de

governo, observado o disposto no art. 5°, X e XXXIII; (grifou-se)

Notou-se, também, da leitura dos supracitados dispositivos constitucionais, que a própria constituição restringiu o direito fundamental de acesso às informações nos casos de dados relacionados à intimidade, vida privada, honra e imagem de outrem, bem como nos casos de informações classificadas como sigilosas, por colocarem em risco a segurança da sociedade e do Estado.

Tendo em vista a mencionada restrição ao direito fundamental de acesso às informações, sugeriu a CONJUR/MJ ao Arquivo Nacional que adotasse as medidas administrativas necessárias à proteção das informações relacionadas ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, bem como das informações classificadas como sigilosas. Em relação às demais informações, sugeriu-se

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fosse franqueado amplo e irrestrito acesso, com fundamento no princípio da publicidade, e tendo em vista o valor histórico dos dados produzidos durante a ditadura, o que já revela seu interesse coletivo ou geral.

Outro exemplo foi a solicitação para que a CONJUR/MJ se manifestasse quanto à possibilidade de permuta de área da Terra Indígena Guarani Araça’í, localizada no Estado de Santa Catarina, por área não declarada como indígena, que seria ofertada pelo referido Estado.

Tendo em vista a concepção material dos direitos fundamentais e o disposto no § 2º do art. 5º da CF/88, que permitem a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não constantes no catálogo, tem-se que a proteção concedida aos índios e às suas terras, no art. 231 da CF/88, deve ser considerada direito fundamental.

Nesse sentido, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça, levando em consideração o caráter inalienável e indisponível dos direitos fundamentais e a vedação específica constante no § 4º, do art. 231104, concluiu, através da Nota CJ n. 70/2011-AL, pela impossibilidade de permuta de área da Terra Indígena Guarani Araça’í por área não indígena que seria ofertada pelo referido Estado.

Por derradeiro, cumpre destacar consulta feita pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão integrante da Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, acerca do prazo máximo de duração do recebimento do auxílio-moradia dos servidores que iniciaram o recebimento do benefício em 30 de junho de 2006, tendo em vista a superveniência da Lei n. 11.784/2008, que modificou a redação do art. 60-C, da Lei 8.112/1990. Questionou-se, assim, se a aplicação imediata da Lei n. 11.784/2008 aos recebimentos dos auxílios-moradia pendentes violaria o direito fundamental da proteção ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI).

A CONJUR/MJ, por meio do Parecer N. 13/2011/GAB/CONJUR-MJ/CGU/AGU, concluiu pela aplicação imediata da lei nova, pela não violação do direito adquirido e pela possibilidade de aqueles que iniciaram a contagem do prazo do recebimento do auxílio-moradia em 30 de junho de 2006 continuarem recebendo o auxílio-moradia até 8 anos depois, ou seja, até 30 de junho de 2014.

3.2 CONTROLE INTERNO DA LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Certo é que muitos atos administrativos são praticados pelas autoridades da administração pública federal, no bojo dos mais diversos processos administrativos.

A Consultoria-Geral da União, as Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios, as Consultorias Jurídicas da União nos Estados, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Procuradorias federais especializadas junto às autarquias e fundações e a Procuradoria-Geral do Banco Central, ao assistirem as respectivas autoridades assessoradas no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por elas praticados, fazem também com que sejam respeitados os direitos fundamentais.

Direitos fundamentais esses, consubstanciados na observância do devido processo legal (art. 5º, LIV), da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV).

Por exemplo, os advogados públicos federais, ao examinarem um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para subsidiar a decisão da autoridade competente,

104 Art. 231 (…) §4o As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

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promovem os direitos fundamentais ao verificarem se o procedimento respeitou o devido processo legal (no caso, as regras procedimentais estabelecidas na Lei 8.112/90), a ampla defesa e o contraditório. Ademais, devem observar se as provas constantes no PAD não foram obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI) e se as provas eventualmente emprestadas pelo Poder Judiciário observaram a violabilidade do sigilo das comunicações telefônicas nas hipóteses e na forma que a lei estabeleceu, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, XII).

Essa atuação preventiva evita que o ato administrativo de aplicação de penalidade disciplinar, pela autoridade pública competente, seja questionado no judiciário e seja invalidado por desrespeito a um dos direitos fundamentais acima citados.

Como exemplos também, têm-se os pareceres elaborados pela procuradoria federal especializada junto à FUNAI e pela Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça para atestar a regularidade do procedimento de demarcação de terra indígena, antes da edição da respectiva Portaria demarcatória pelo Ministro da Justiça, em observância ao devido processo legal (Decreto 1775/96), à ampla defesa e ao contraditório.

3.3 ASSESSORAMENTO JURÍDICO NA ELABORAÇÃO DE ATOS NORMATIVOS

Alguns dos direitos fundamentais encontrados na Constituição de 1988 são concretizados através da edição de atos normativos. Muitos deles, principalmente os direitos fundamentais à prestação, tais como os direitos sociais à segurança, à educação, à previdência social e à saúde, dependem da edição de atos normativos para produzirem seus efeitos plenos.

Assim, as Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios, ao assessorarem juridicamente os Ministros de Estado e demais autoridades na elaboração de projetos de lei relacionados à área de sua competência, de iniciativa privativa do Presidente da República (art. 61, §1º da CF/88), bem como na elaboração de minutas de Decretos, Portarias e Resoluções, contribuem para a promoção e concretização dos direitos fundamentais.

Insta destacar que esse assessoramento jurídico pode ocorrer através da elaboração de pareceres jurídicos, bem como através da realização de reuniões.

Vale destacar, como exemplo, o Parecer n. 33/2011/CEP/CGLEG/CONJUR/MJ, da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça. Esse parecer analisou minuta de Resolução do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e delitos contra a Propriedade intelectual – CNPCP (órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério da Justiça) sobre o funcionamento do Diretório Nacional de Marcas; minuta essa elaborada para promover o direito fundamental constante no art. 5º, XXIX105 (proteção à propriedade intelectual).

Ressalte-se que o CNPCP, nos termos do Decreto 5244/2044, tem por finalidade elaborar as diretrizes para a formulação e proposição de plano nacional para o combate à pirataria, à sonegação fiscal dela decorrente e aos delitos contra a propriedade intelectual.

Nesse sentido, com o escopo de se efetivar as referidas diretrizes é que o CNPCP formulou minuta de Resolução para sedimentar uma base de dados com informações dos responsáveis legais das empresas titulares das marcas, a fim de facilitar o contato com esses representantes, constituindo, assim o Diretório Nacional de Marcas.

105Art. 5º (...) XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

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A CONJUR/MJ analisou a minuta de Resolução e, assim, auxiliou a promover o direito fundamental de proteção à propriedade intelectual. Com efeito, esse banco de dados será importante instrumento para localizar, o mais breve possível, o responsável pela marca registrada no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual-INPI, a fim de se averiguar a autenticidade ou não do objeto apreendido nas ações dos órgãos de segurança pública responsáveis pelo combate à pirataria, aos delitos contra a propriedade intelectual e à sonegação fiscal.

Outro exemplo, também, foi o assessoramento jurídico prestado pela CONJUR/MJ, através da realização de reuniões, para a elaboração da Portaria 797/2011, do Ministro da Justiça, que estabeleceu os procedimentos de entrega de arma de fogo, acessório ou munição e da indenização prevista nos arts. 31 e 32 da Lei n. 10.826/2003, no âmbito da Campanha do Desarmamento. Ressalte-se que tal medida contribuiu para a efetivação do direito fundamental correspondente à segurança pública (art. 5º, caput, art. 6º, caput, e art. 144).

Cabe, também, às Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios, nos moldes preceituados pelo art. 37, III, do Decreto 4176/2002106, elaborar pareceres jurídicos conclusivos sobre a constitucionalidade, a legalidade e a regularidade formal de todos os atos normativos propostos pelos Ministros de Estado, que serão enviados à Casa Civil da Presidência da República.

Compete à Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil (SAJ), de acordo com o art. 36 do citado decreto, emitir parecer final sobre a constitucionalidade e legalidade dos projetos de ato normativo, observadas as atribuições do Advogado-Geral da União.

Nos termos do art. 15, do Decreto 7392/2010, compete ao Departamento de Análise de Atos Normativos (DENOR), da Consultoria-Geral da União, analisar anteprojetos de lei, de medidas provisórias e de outros atos normativos, bem como analisar projetos de lei submetidos à sanção do Presidente da República.

Assim, entende-se que as CONJURs, a SAJ e o DENOR podem contribuir para a proteção dos direitos fundamentais ao impedirem a edição de atos normativos que contrariem os direitos fundamentais ou que façam restrições descabidas, que atinjam o seu núcleo essencial.

3.4 EXAME DOS TEXTOS DE EDITAL DE LICITAÇÃO, CONTRATOS E INSTRUMENTOS CONGÊNERES

De acordo com o disposto no inciso VI, do art. 11, da Lei Complementar 73/93, cabe às Consultorias Jurídicas examinar, prévia e conclusivamente, os textos de edital de licitação e dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados, além dos atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa de licitação.

A Lei 8666/93, em seu art. 38, dispõe no mesmo sentido, preceituando ser obrigatória a análise e aprovação jurídica prévia dos referidos textos.

106 Art. 37. As propostas de projetos de ato normativo serão encaminhadas à Casa Civil por meio eletrônico, com observância do disposto no Anexo I, mediante exposição de motivos do titular do órgão proponente, à qual se anexarão:

(...)

III - o parecer conclusivo sobre a constitucionalidade, a legalidade e a regularidade formal do ato normativo proposto, elaborado pela Consultoria Jurídica ou pelo órgão de assessoramento jurídico do proponente.

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Sabe-se que as políticas públicas dos órgãos e entidades da administração pública federal, voltadas à promoção dos direitos fundamentais, necessitam da celebração de contratos e convênios, dentre outros instrumentos, para serem efetivadas.

Logo, pode-se afirmar que os órgãos de execução do consultivo da AGU contribuem para a promoção dos direitos fundamentais ao elaborarem seus pareceres e, assim, instruírem os processos administrativos que venham a culminar na assinatura de contratos administrativos e instrumentos congêneres relacionados à concretização de direitos fundamentais.

A título de exemplo, têm-se os convênios celebrados entre o Ministério das Cidades e os Estados da federação para a promoção do direito fundamental social à moradia através do programa “Minha Casa, Minha Vida”. Certamente, os textos desses convênios, antes de sua celebração, foram examinados pela Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Cidades.

Já o direito fundamental social à alimentação é efetivado através da celebração de convênios entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome e os Estados, através do programa “Bolsa Família”. Convênios esses que passaram pelo crivo da Consultoria jurídica junto ao referido Ministério.

3.5 ENVIO DE SUBSÍDIOS AOS ÓRGÃOS JURÍDICOS DO CONTENCIOSO DA AGU

Até aqui se falou da contribuição para a promoção dos direitos fundamentais, através da atividade eminentemente consultiva desempenhada pelos órgãos jurídicos do consultivo da AGU. Certamente, uma atividade consultiva bem realizada é a forma mais adequada de se promover os direitos fundamentais e, por conseqüência, evitar inúmeras demandas judiciais.

Contudo, casos há em que, apesar do devido assessoramento jurídico, atos administrativos e políticas públicas voltadas à efetivação dos direitos fundamentais são impugnados no Poder Judiciário.

Ou, ainda, através de sua atuação pró-ativa, os órgãos de representação judicial da União necessitam buscar, no judiciário, a proteção dos direitos fundamentais.

Quando essas situações ocorrem, os órgãos jurídicos do consultivo são provocados pelos órgãos jurídicos do contencioso a prestarem os subsídios de direito e de fato necessários para a atuação desses últimos órgãos em juízo. Assim, os órgãos jurídicos do consultivo auxiliam na defesa judicial dos atos administrativos voltados à promoção dos direitos fundamentais.

Essa necessidade de integração entre consultivo e contencioso já era percebida mesmo antes da criação da Advocacia-Geral da União. A propósito, o ilustre Dr. Saulo Ramos, ex-Consultor Geral da República e ex-Ministro da Justiça, em seu livro Código da Vida107, narrou que, ao chegar na Consultoria Geral da República, percebeu a total necessidade de integração entre as Consultorias Jurídicas e os então representantes da União em juízo (os membros do Ministério Público Federal):

Para os advogados brasileiros, litigar contra a União era moleza. Meu susto consistiu em verificar que a União não tinha, na estruturação, nenhuma organização ou sistema de intercâmbio e de apoio que funcionasse na defesa do interesse público federal,

107 RAMOS, Saulo. Código da Vida. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 129.

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trocando estudos, colacionando jurisprudência, debatendo questões, ajudando-se reciprocamente.

A atividade era estanque, isto é, cada ministério tinha seus assistentes jurídicos (e mal remunerados), que atendiam aos casos internos, proferindo pequenos pareceres sobre a matéria controvertida. Quando surgia uma ação judicial contra a União, ou quando a União tinha que propor uma ação judicial contra alguém, o assunto era estudado isoladamente, no ministério que tivesse competência administrativa para tratar da matéria. Os outros não ficavam nem sabendo.

E o encarregado de propor a ação ou de defender a União era simplesmente um estranho: o Ministério Público Federal. Nos assuntos internos, quando havia divergência, os ministros mandavam o problema para a Presidência da República, ouvia-se o Consultor Geral da República, que proferia parecer. Aprovado pelo Presidente, o parecer tornava-se norma obrigatória para toda a administração pública federal. Pelo lado de dentro, o sistema funcionava razoavelmente. Mas, do lado de fora, era um desastre.

Contudo, na atualidade, com uma integração eficiente entre consultivo e contencioso, a União tem logrado êxito em diversas ações judiciais, em prol de atos administrativos e políticas públicas praticados por autoridades do Poder Executivo, voltados à promoção dos direitos fundamentais.

Pode-se citar como exemplo, a decisão judicial favorável à União, nos autos da ação reivindicatória cumulada com demolitória, proposta pela divisão de atuação no pólo ativo da Procuradoria da União no Rio Grande do Norte (PU/RN).

Através da referida decisão judicial, foi determinada a demolição, às expensas do réu, de obras irregularmente erigidas em área destinada à realização de urbanização e regularização fundiária pelo Município de Natal, em continuidade à implementação do Projeto Habitar Brasil, do Ministério das Cidades.

Assim, a integração entre a PU/RN e a CONJUR junto ao Ministério das Cidades, através do envio de subsídios, contribuiu para a promoção do direito fundamental à moradia.

Outro exemplo foi a vitória alcançada através da integração entre a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde e a Secretaria-Geral de Contencioso para suspender, no STF, o pagamento de mais de 590 milhões pelo Ministério da Saúde ao Distrito Federal. A ação discutiu a legalidade de 314 autos de infração lavrados pelo Distrito Federal em desfavor do Ministério da Saúde, por meio dos quais se exigia o recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviço (ICMS) devido a desembaraço aduaneiro de medicamentos importados, superando o valor de 590 milhões.

A AGU salientou no STF que o Ministério da Saúde é o destinatário final desses medicamentos, utilizando-os em serviços de saúde, especificamente na execução do programa nacional de prevenção e combate às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e AIDs. Promoveu-se, dessa maneira, por meio da integração entre consultivo e contencioso, o direito fundamental à saúde e a proteção do patrimônio público.

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3.6 REALIZAÇÃO DE TERMOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA E DE CONCILIAÇÕES

O art. 18, III, do Decreto 7392/2010, dispõe que à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), órgão integrante da Consultoria-Geral da União, compete dirimir, por meio de conciliação, as controvérsias entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como entre esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios.

Às Consultorias Jurídicas da União nos Estados (CJU’s) também compete, de acordo com o inciso X, do art. 19, do Ato Regimental n. 5/2007, realizar atividades conciliatórias quando determinado pelo Consultor-Geral da União.

Incumbe, ainda, à CCAF, nos termos do inciso V do mesmo artigo, promover, quando cabível, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta, nos casos submetidos a procedimento conciliatório.

Ao Departamento de Assuntos Extrajudiciais (DEAEX) da Consultoria-Geral da União compete, conforme exposto no art. 16, IV, do Decreto 7392/2010, acompanhar e orientar, em articulação com as Consultorias Jurídicas ou órgãos equivalentes, a celebração de Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta pelos órgãos da Administração Federal direta, em matéria não judicializada.

Ora, através da conciliação e da celebração de termos de ajustamento de conduta são dirimidas controvérsias e são adotadas medidas para a extinção de processos judiciais ou administrativos. Conclui-se, então, que a CCAF, as CJUs, o DEAEX e as CONJURs contribuem para a promoção do novel direito fundamental consistente na razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII da CF/88108, sendo garantida, assim, a celeridade da tramitação do processo por esses órgãos jurídicos do consultivo da AGU.

CONCLUSÃO

A atividade consultiva da AGU é de grande importância para os cidadãos na promoção dos seus direitos fundamentais. Atuam os órgãos jurídicos do consultivo da AGU como funções essenciais à justiça para a efetivação do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, através do exercício de suas atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo.

Concluiu-se, no presente artigo, que as atividades desempenhadas pelos órgãos jurídicos do consultivo da AGU podem contribuir para a promoção dos direitos fundamentais através dos seguintes meios: a) fixação da interpretação da legislação; b) controle interno da legalidade dos atos administrativos; c) assessoramento jurídico na elaboração de atos normativos; d) exame dos textos de edital de licitação, contratos e instrumentos congêneres; e) envio de subsídios aos órgãos jurídicos do contencioso da AGU; f) realização de termos de ajustamento de conduta e de conciliações.

Os órgãos jurídicos consultivos, ao fixarem a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos, ajudam a promover os direitos fundamentais na medida em que realizem interpretação que respeite e observe os direitos fundamentais. Assim,

108 Art. 5º (…) LXXVIII- a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

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o Poder Executivo, ao seguir a orientação do consultivo da AGU, se vincula aos direitos fundamentais e, conseqüentemente, atende a perspectiva objetiva desses direitos, no que concerne à proteção, pelo Estado, dos direitos fundamentais. Logo, evita-se a judicialização de seus atos administrativos e políticas públicas, merecendo destaque essa atuação preventiva do consultivo.

Por meio da assistência às autoridades públicas no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por elas praticados nos processos administrativos, a Consultoria-Geral da União, as Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios, as Consultorias Jurídicas da União nos Estados, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Procuradorias federais especializadas junto às autarquias e fundações e a Procuradoria-Geral do Banco Central, fazem com que sejam respeitados os direitos fundamentais, mormente os consubstanciados na observância do devido processo legal (art. 5º, LIV), da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV).

As Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios, ao assessorarem juridicamente os Ministros de Estado e demais autoridades na elaboração de minutas de projetos de lei relacionados à área de sua competência, bem como na elaboração de minutas de Decretos, Portarias e Resoluções, contribuem para a promoção e concretização dos direitos fundamentais. As CONJURs, a SAJ e o DENOR também contribuem para a proteção dos direitos fundamentais ao impedirem a edição de atos normativos que contrariem os direitos fundamentais ou que façam restrições descabidas, que atinjam o seu núcleo essencial.

Os órgãos de execução do consultivo da AGU contribuem para a promoção dos direitos fundamentais ao elaborarem seus pareceres e, assim, instruírem os processos administrativos que venham a culminar na assinatura de contratos administrativos e instrumentos congêneres relacionados à concretização de direitos fundamentais.

Os órgãos jurídicos do consultivo também promovem os direitos fundamentais quando fornecem subsídios de fato e de direito aos órgãos jurídicos do contencioso, necessários para a defesa em juízo dos atos administrativos voltados à efetivação dos direitos fundamentais pelo Poder Executivo.

Por fim, a CCAF, as CJUs, o DEAEX e as CONJURs, através da conciliação e da celebração de termos de ajustamento de conduta, contribuem para a promoção do direito fundamental consistente na razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII da CF/88, quando atuam para dirimir controvérsias e provocar a extinção de processos judiciais ou administrativos.

Pode-se concluir, portanto, que o desempenho da atividade consultiva da AGU promove o bem do cidadão, na medida em que, através da consultoria e do assessoramento jurídico ao Poder Executivo, contribui-se para que os direitos fundamentais tenham a maior eficácia possível.

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CONTROLE DIFUSO DA CONSTITUCIONALIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Gustavo Caldas Guimarães de Campos Advogado da União

Introdução

O tema da justiça na tributação parece mal explorado pela doutrina e pela

jurisprudência pátrias. O princípio da capacidade contributiva é quase sempre relegado ao

momento da elaboração da lei (legislativo), não se identificando, no Brasil, a preocupação

com a igualdade na aplicação e execução (executivo e judiciário) das normas tributárias.

O presente trabalho enfrenta a questão do controle de constitucionalidade exercido pelas

instâncias ordinárias (controle difuso) e pretende discutir as consequências de decisões

(muitas vezes liminares) que afastam a tributação por suposta inconstitucionalidade.

O enfoque utilizado é o da justiça fiscal, que está ancorada no princípio da capacidade

contributiva. Destaca-se o conceito de cidadania fiscal, no que tange à tributação das pessoas

físicas. Em relação às empresas, foca-se no combate à concorrência desleal causada pela

desoneração, por medida judicial, da carga tributária de apenas algumas pessoas jurídicas.

Ressalta-se a necessidade de isonomia e segurança jurídica na prestação da tutela

jurisdicional, o que não pode ser obtido por meio de decisões discrepantes de instâncias

ordinárias em processos que discutem a constitucionalidade de determinado tributo.

Busca-se demonstrar que o controle concentrado é mais consentâneo com a relação jurídica

tributária, por sua força vinculante e seu efeito erga omnes.

Ao final, são formuladas propostas que visam assegurar isonomia e segurança jurídica na

aplicação das normas tributárias.

1. Modelos de controle de constitucionalidade

A jurisdição constitucional costuma ser dividida em dois grandes modelos: o americano e o

europeu.

O sistema americano – difuso, incidental e inter partes – consolida-se após o julgamento do

célebre caso Marbury v. Madison, em 1803. O reconhecimento da supremacia da Constituição

– em oposição à supremacia do parlamento que vigorava na Inglaterra – conduziu a Suprema

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Corte americana a estabelecer a judicial review, que possibilita a anulação de atos normativos

contrários à lei fundamental109.

Por esse sistema, qualquer juiz ou tribunal tem competência para fiscalizar a

constitucionalidade de uma lei ao apreciar um caso concreto submetido a sua apreciação (via

incidental ou de exceção).

Ao sistema difuso opõe-se o modelo concentrado europeu, em que o controle de

constitucionalidade é atribuído a apenas um órgão. Esse modelo, concebido por Hans Kelsen,

pressupõe a criação de um Tribunal Constitucional para exercer o papel de legislador

negativo 110 , que se limitaria a analisar, em abstrato, a compatibilidade de normas

jurídicas111. A decisão proferida na via do controle concentrado tem eficácia erga omnes.

O modelo concentrado é, em regra, atrelado ao controle abstrato, pela via de ação, enquanto o

modelo difuso é exercido em concreto, pela via incidental ou de exceção.

Essa dicotomia modelo europeu/modelo americano, contudo, tem sido relativizada. Com

efeito, diversos países europeus têm introduzido mecanismos que combinam o modelo de

controle incidental com o de controle concentrado, por meio da atribuição, a órgãos

jurisdicionais ordinários, da faculdade de levar ao Tribunal Constitucional, em um caso

concreto, questão atinente à constitucionalidade de uma norma (o que pressupõe um juízo de

inconstitucionalidade prévio)112.

Por outro lado, o controle incidental americano ultrapassa a eficácia inter partes em virtude do

princípio da vinculação ao precedente (stare decisis), que obriga juízes e tribunais a seguir o

entendimento dos tribunais hierarquicamente superiores. Desse modo, ainda que a lei

considerada inconstitucional pela Suprema Corte continue no ordenamento, ela não será mais

aplicada pelo Judiciário113. Além disso, ainda que tenha origem em um caso concreto, a

Corte analisa a questão constitucional com abstração das circunstâncias peculiares do

processo.

No Brasil, como se sabe, combinam-se o controle difuso – que conta com as chamadas ações

constitucionais (habeas corpus, mandado de injunção, habeas data, mandado de segurança) – e

109 Ver CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2003, pp.890 e ss. 110 A ideia de legislador negativo tem sido substituída por uma visão mais ampla de jurisdição constitucional. Ressalte-se que, ultimamente, o STF tem superado sua antiga jurisprudência em sede de mandado de injunção, para não mais apenas declarar a mora do Congresso, e sim instituir norma provisória para vigorar até que a omissão legislativa seja suprida. Nesse sentido, ver MI 708, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206, que tratou do direito de greve dos servidores públicos civis. 111 SEGADO, Francisco Fernández, La Obsolescencia de la Bipolaridad Tradicional (Modelo Americano – Modelo Europeo-Kelseniano) de los Sistemas de Justicia Constitucional, in Direito Público nº 2 – Out-Nov-Dez/2003, p. 62. 112 Idem, p. 68. O autor dá como exemplos Alemanha, Itália e Espanha. 113 Idem, p. 72.

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o controle concentrado, exercido por meio da ação direta de inconstitucionalidade (inclusive

por omissão) e da ação declaratória de constitucionalidade114.

Com a ampliação do rol de legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade e a

instituição da arguição de descumprimento de preceito fundamental, o Constituinte parece

privilegiar o controle concentrado. Essa é a conclusão de Gilmar Mendes115:

“A Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de

constitucionalidade incidental ou difuso ao ampliar, de forma

marcante, a legitimação para a propositura da ação direta de

inconstitucionalidade (art. 103), permitindo que, praticamente, todas

as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao

Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de

normas”.

Essa opção pode ser compreendida a partir do caráter vinculante e do efeito erga omnes,

característicos do controle concentrado, que trazem maior segurança jurídica e impedem a

coexistência de decisões divergentes nas instâncias ordinárias.

Note-se que, mesmo no âmbito do controle incidental, o Constituinte derivado instituiu a

súmula vinculante (art. 103-A) para evitar a insegurança jurídica e a multiplicação de

processos sobre questão idêntica (§ 1º). Por esse instrumento, a partir de reiteradas decisões

sobre matéria constitucional, o Supremo pode editar enunciado sumular com efeito vinculante

aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas

federal, estadual e municipal.

Verifica-se, assim, que o Supremo Tribunal Federal exerce importante papel na jurisdição

constitucional, não apenas pela via principal, mas também ao pacificar questões trazidas pela

via incidental.

Temos que lembrar, contudo, que não apenas o STF tem competência para declarar a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. O controle difuso é exercido por qualquer juiz

ou tribunal (observada a cláusula de reserva de plenário – art. 97 da Constituição), sejam eles

federais ou estaduais.

114 Cfr. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 1.111 e ss. 115 Idem, p. 1.117.

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2. O papel das instâncias ordinárias no controle de constitucionalidade

Alguns autores insurgem-se contra a concentração do controle de constitucionalidade no

Supremo Tribunal Federal. Advogam a manutenção e ampliação do papel das instâncias

ordinárias em matéria constitucional, sob o argumento de que a concentração de poder na

cúpula do Judiciário enfraqueceria a cidadania, pois os operadores do direito que representam

os cidadãos (juízes, advogados) “ficam afastados e impossibilitados de apresentar argumentos

e de participar para que o convencimento sobre a matéria nasça nas bases, como é comum no

Estado Democrático de Direito”116.

De acordo com esse pensamento, a própria democracia ficaria mais vulnerável, pois as

decisões seriam impostas de cima para baixo. Ademais, a cúpula do Judiciário seria mais

suscetível a pressões do Poder Executivo117.

O presente trabalho limita-se a discutir o papel do controle difuso em matéria tributária que,

como se verá, apresenta algumas peculiaridades. Todavia, já podem ser adiantados alguns

argumentos em favor do controle concentrado ou abstrato. Vamos a eles.

Inicialmente, o temor do alijamento dos cidadãos no processo de interpretação constitucional

não mais se justifica. Com efeito, a ampliação do rol de legitimados à propositura da Ação

Direta de Inconstitucionalidade trouxe para o diálogo constitucional representantes dos

interesses mais diversos.

De fato, a Constituição de 1988 abandonou o monopólio de ação outorgado pela Constituição

de 1967/1969 ao Procurador-Geral da República. As críticas à ilegitimidade democrática do

controle concentrado talvez fizessem sentido na vigência da Carta anterior. Hoje, contudo, é

ampla a possibilidade de participação da sociedade civil na jurisdição constitucional pela via

principal, razão pela qual não parece haver enfraquecimento da cidadania.

Na prática, a legitimação dos partidos políticos leva a oposição a questionar, com frequência,

atos originários do Poder Executivo. Além disso, abriu-se a via principal do controle de

constitucionalidade a “confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”,

alargando o espaço da sociedade civil.

116 Para uma pesquisa dos autores e argumentos favoráveis à ampliação do controle difuso, ver BRAWERMAN, André. Mecanismos de revitalização do controle difuso no Brasil, tese apresentada para a obtenção do título de doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. No prelo. 117 Idem, p. 23.

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Ademais, a Lei 9.868, de 1999, permitiu a manifestação de “outros órgãos ou entidades”

dotados de “representatividade” (art. 7º, § 2º), positivando a figura do amicus curiae no

controle concentrado.

Enfim, não se vislumbra a redução do espaço da cidadania ou da democracia. A sociedade

civil encontra, hoje, diversos atores credenciados a representá-la no debate constitucional.

Além disso, o controle concentrado, pela via de ação, é dotado de instrumentos que facilitam

a celeridade processual, com a possibilidade de suspensão imediata da eficácia do ato

normativo, mediante pedido de cautelar118.

Por fim, a atribuição de efeitos vinculantes e erga omnes resulta em mais segurança jurídica e

isonomia na aplicação do direito, contribuindo, ainda, para a efetividade do processo.

3. Relação jurídica tributária: o princípio da capacidade contributiva e a necessidade de

isonomia na aplicação das normas tributárias

A principal tarefa de quem se dedica ao tema da justiça na tributação é encontrar um critério e

uma medida para a distribuição equitativa da carga fiscal necessária à manutenção do Estado.

Como afirma Tipke119:

“La cuestión de la Justicia se plantea concretamente, ante todo, cuando un grupo de hombres

deben repartir las cargas o derechos que deriven de la vida en común (justicia distributiva,

iustitia distributiva, distributional equity).”

Hoje, o dever de pagar impostos já não tem por fundamento o poder de império120 nem pode

ser entendido simplesmente como compensação pelos gastos do Estado ou pelas prestações

recebidas (princípio da equivalência ou do benefício). A relação tributária ancora-se no

princípio da capacidade contributiva, que determina a repartição das despesas públicas de

acordo com a aptidão econômica de cada contribuinte.

A doutrina costuma analisar a atuação do princípio da capacidade contributiva no plano

normativo, ou seja, na escolha dos fatos jurídicos tributáveis (hipóteses de incidência), como

exigência de que “o tipo legal de imposto contenha referência só a elementos económico-

118 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 1.178 e ss. 119 TIPKE, Klaus. Moral Tributaria del Estado y de los Contribuyentes. Madrid: Marcial Pons, 2002, p. 28. 120 Cfr. NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p.185).

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financeiros”121 (acepção objetiva). Enfatiza também a preocupação contida no princípio da

capacidade contributiva com o estabelecimento de justa medida para a contribuição de cada

membro da sociedade para as despesas estatais (acepção subjetiva).

Deve-se recordar, porém, que o princípio da capacidade contributiva representa, no âmbito

tributário, a concretização do princípio da igualdade, e seu campo de atuação não pode ser

limitado ao momento da elaboração da norma tributária. É preciso garantir a igualdade

também na aplicação da lei (fiscalização adequada e igualitária de todos os grupos de

contribuintes) e na execução do crédito tributário (cobrança).

O Tribunal Constitucional Alemão já se manifestou sobre a violação do princípio da

igualdade122 nos casos em que se verifica a impossibilidade prática de controlar a tributação.

Com efeito, na Sentença de 27/06/1991, aquele Tribunal entendeu que a regulamentação do

direito tributário formal que não assegura a eficácia geral do crédito tributário viola o

princípio da igualdade e torna inconstitucional a norma de imposição123.

Em decisão mais recente124, o mesmo Tribunal considerou que o déficit de concretização

normativa gerava desigualdade na tributação125. Nas palavras do jurista português Joaquim

Rocha126:

“Em relação ao princípio da igualdade, reitera o Tribunal que o seu significado, em matéria

fiscal, passa pela circunstância de que os sujeitos passivos de imposto devem, juridicamente e

de facto, ser tributados de forma (materialmente) igual. Esta exigência constitucional de não

discriminação deve ser observada não apenas ao nível das normas substantivas – que

constituem os fundamentos (legais) da tributação, mas também ao nível das correspondentes

121LEITE DE CAMPOS, Diogo e LEITE DE CAMPOS, Mônica H. N. Direito Tributário. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 129). Cfr., ainda, CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2000, p.333). 122 O princípio da capacidade contributiva não está expresso na Constituição Alemã, motivo pelo qual o Tribunal Constitucional daquele país costuma utilizar diretamente o princípio da igualdade como balizador. 123 Não havia sistema de retenção de impostos no âmbito da tributação de capitais à época, e a Administração não tinha acesso a dados bancários que permitissem a verificação da regularidade dos valores declarados. O Tribunal acentuou que não haviam sido declarados mais de metade dos importes. Sobre esta decisão, ver MOLINA, (Capacidad Económica y Sistema Fiscal. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 1998, pp.60-62); TIPKE (Moral Tributaria del Estado y de los Contribuyentes. Madrid: Marcial Pons, 2002, p. 79); e NABAIS (O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 472). 124 Referida e comentada por ROCHA, Joaquim Freitas da. Lições de procedimento e processo tributário. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. 125 Acórdão de 09 de março de 2004, em que estava em causa a constitucionalidade de “uma norma constante do Código do Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares que sujeitava a tributação os ganhos auferidos resultantes de operações de especulação, em respeito ao período de tributação relativo aos anos de 1997 e 1998.”. A inconstitucionalidade residiria no “tratamento desigual para determinados sujeitos – os que auferissem rendimentos derivados da alienação de bens mobiliários em operações de especulação – em comparação com outros – os que auferissem outros rendimentos, nomeadamente os resultantes da alienação de bens imóveis (casos em que a omissão referida se não verificaria).”. O Tribunal concluiu haver déficit estrutural na cobrança e na execução, já que, em relação aos rendimentos decorrentes da alienação de valores mobiliários, é baixo o risco de descobrimento da ausência ou a falsidade de declaração, observando-se relevantes diferenças em comparação com rendimentos de outros tipos. Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da. Lições de procedimento e processo tributário. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pp. 105-109. 126 Idem, p. 106.

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normas adjectivas (processuais e procedimentais), através do estabelecimento de idênticas

(rectius: igualitárias) formas de concretização e de execução das primeiras.”127

Nessa linha de raciocínio, podem ser identificadas duas dimensões do princípio da capacidade

contributiva: a dimensão negativa, como o direito de cada cidadão de não pagar além da sua

capacidade econômica, um direito fundamental caracterizado pela função de defesa que

impõe ao Estado o dever de abstenção; e a dimensão positiva, como o direito de exigir que os

outros cidadãos também contribuam para o sustento do Estado, de acordo com sua

capacidade128.

Tal raciocínio é derivado da ideia de cidadania fiscal, que não se esgota com o dever de

sustentar financeiramente o Estado. Além da contribuição em razão e na medida da

capacidade contributiva, a cidadania fiscal implica ainda o direito de exigir que os demais

contribuintes também o façam129.

Nesse sentido, deve-se reconhecer que, apesar de a relação jurídica tributária se instaurar

apenas entre um indivíduo e o Estado, a igualdade na tributação “alcança os contribuintes em

sua relação entre si; alcança os contribuintes enquanto uma comunidade que suporta uma

carga.130” (Tipke: 2003:368).

4. O controle difuso e a necessidade de aplicação isonômica das normas tributárias

127 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 2004, pp. 470-472), ao comentar o primeiro acórdão, afirma que ocorreu verdadeira revolução dogmática (porque a doutrina clássica sempre considerou que a aplicação das leis não tem influência no juízo da sua inconstitucionalidade) e metódica (“porque, ao pretender-se controlar os resultados da aplicação da lei, o objecto do controlo da constitucionalidade deixa de ser apenas a lei, enquanto tal, em abstracto, para passar a ser também o seu alcance fáctico ou a sua eficácia material concreta, abrangendo deste modo, não só o processo legislativo e o seu resultado decisório, mas igualmente os procedimentos administrativos necessários à sua execução.”). O autor critica, contudo, a possibilidade de o controle de constitucionalidade converter-se em controle do mérito, da política legislativa ou da justiça contencioso-administrativa e destaca a dificuldade de controle não de ato administrativo isolado, mas de conjunto de atos, ou seja, de uma atuação da Administração. Conclui que tais críticas são atenuadas se o controle incidir apenas sobre os aspectos de execução da lei que podem ser imputados ao legislador (não à Administração). 128 Segundo NABAIS, José Casalta. Estudos de Direito Fiscal – por um estado fiscal suportável. Coimbra: Almedina, 2005, p. 36: “a nenhum membro da comunidade pode ser permitido excluir-se de contribuir para o suporte financeiro da mesma, incumbindo, por conseguinte, ao estado obrigar todos a cumprir o referido dever. Pois, embora este, como qualquer dever, constitua directamente uma posição passiva do contribuinte face ao estado, reflexamente ele configura-se como uma posição activa do contribuinte traduzida no direito de este exigir do estado que todos os membros da comunidade sejam constituídos em destinatários desse dever em conformidade com a respectiva capacidade contributiva e, bem assim, que todos eles sejam efectivamente obrigados ao cumprimento do mesmo.” 129 Nas palavras de NABAIS (idem, p. 39), trata-se de “um dever que, é de recordar, se configura como um dever-direito, pois se, de um lado, impõe a todos os membros da comunidade contribuir para o seu suporte financeiro, de outro lado, confere-lhes o direito de exigir do estado que todos os membros da comunidade sejam constituídos em destinatários desse dever e, bem assim, que todos eles sejam efectivamente obrigados ao cumprimento do mesmo.” 130 Com base na ideia de cidadania fiscal, em que a igualdade no dever de suportar a carga tributária interessa a cada cidadão, NABAIS

(Estudos de Direito Fiscal – por um estado fiscal suportável. Coimbra: Almedina, 2005, p. 36) aponta como conseqüência o reconhecimento de legitimidade ativa aos contribuintes para impugnarem, administrativa e judicialmente, os atos de não tributação ou de tributação a menor ilegais que beneficiem outros contribuintes em desfavor da sociedade.

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O exercício do controle de constitucionalidade por cerca de 14.000 (catorze mil) juízes

estaduais e 1.500 (mil e quinhentos) juízes federais131 conduz a interpretações divergentes

quanto à constitucionalidade de diversas leis tributárias. Como resultado, têm-se decisões das

instâncias ordinárias que determinam a suspensão da cobrança de tributos para determinados

cidadãos ou determinadas empresas.

Ocorre que essas medidas, quando desacompanhadas da exigência da prestação de depósito,

acabam por promover profundas alterações na distribuição da carga tributária.

No campo empresarial, algumas decisões judiciais podem gerar verdadeira concorrência

desleal, sobretudo nas atividades em que o consumo é tributado por contribuições específicas

ou por alíquotas mais elevadas de impostos, como bebidas, cigarros e combustíveis. As

empresas que pagam corretamente seus tributos não conseguem colocar no mercado seus

produtos com preço tão baixo quanto o oferecido por quem não paga, inviabilizando a

competição.

Nesse sentido, chama-se atenção para o paradigmático caso da Contribuição de Intervenção

no Domínio Econômico (Cide) sobre combustíveis, criada pela Lei 10.336/2001. Em

audiência pública ocorrida na Câmara dos Deputados, o Diretor de Defesa da Concorrência do

Sindicato dos Distribuidores de Combustíveis (Sindicom) demonstrou o impacto no mercado

de uma liminar que afastava a incidência do tributo, por inconstitucionalidade. Vale a pena

transcrever trecho do depoimento132:

“Mas uma empresa, no caso esta daqui é uma empresa chamada S.,

provavelmente desconhecida de todos, uma empresa que não existia,

uma empresa que nunca tinha atuado no mercado. E agora, no meio do

mês de março, ela conseguiu uma liminar. Então, eu comparei aqui a

evolução, ao longo do mês de março, dessa empresa S. com a BR

Distribuidora, a maior empresa do mercado. A S. não existe no início

do mês, não comprou nada na primeira semana, comprou 350 mil

litros na segunda semana. E depois que ela consegue uma liminar,

uma liminar obtida em Nova Friburgo – uma empresa de São Paulo

vai conseguir liminar no Rio de Janeiro, isso é curioso –, essa empresa

dá um salto e consegue fechar o mês comprando 33 milhões de litros

131 De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça, disponíveis em http://www.cnj.myclipp.inf.br/default.asp?smenu=&dtlh=175593&iABA=Not%EDcias&exp=s, acesso em 24 de junho de 2011. 132 CPI–Combustiveis, Audiência Pública n°: 0573/03, data: 21/05/03, depoimento do Sr. Alísio Jacques Mendes Vaz, Diretor de Defesa da Concorrência do Sindicom.

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124

de gasolina, enquanto a BR Distribuidora, a maior distribuidora do

País, lá em Paulínia, só consegue comprar 22 milhões de litros. Então,

uma empresa que não existe, de repente, em um mês, consegue ser

maior do que a BR Distribuidora. E essa liminar foi cassada, e essa

empresa, de novo, desapareceu do mercado.”

De acordo com matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo133, entre janeiro e abril de

2003 foram retirados da Petrobras 1,2 bilhão de litros de gasolina sem o pagamento de tributo

(Cide, ICMS ou Pis/Cofins), volume que representa quase um terço do total comercializado

pela estatal134.

Verifica-se, assim, que decisões que afastam a tributação, com base em juízo de

inconstitucionalidade, podem conduzir à concorrência desleal, desequilibrando o mercado.

No caso de tributação das pessoas físicas, parece mais difícil visualizar os efeitos deletérios

desse tipo de decisão. Contudo, há que se ressaltar um conceito pouco debatido na doutrina

nacional: o de cidadania fiscal.

A ideia de cidadania está vinculada a um conjunto de direitos e deveres de que gozam ou a

que estão submetidos os indivíduos pertencentes a uma determinada comunidade. Pressupõe a

igualdade de todos os cidadãos perante tal estatuto, impondo o dever de contribuir para o

suporte financeiro do Estado e o direito de participação política.

O imposto é assim entendido como a contribuição indispensável dos membros da comunidade

para o Estado, a fim de que este possa atingir os seus objetivos, constitucionalmente

delineados135.

133 Edição on line, publicada em 28 de Maio de 2003, 14h23, e acessada em 24/6/2011 em http://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2003/not20030528p18380.htm. 134 Interessante destacar que o Sindicato dos Distribuidores de Combustíveis (Sindicom) tentou ingressar em diversos feitos como assistente da Fazenda Nacional para defender a constitucionalidade da Cide. Contudo, o Judiciário, a partir de uma concepção individualista da relação tributária, indeferiu os pedidos. Veja-se a respeito o acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial 1056784/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 14/10/2008, DJe 29/10/2008: “I - O SINDICOM - Sindicato das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes - insurge-se contra decisão que não conheceu de sua apelação, por falta de interesse, interposta como terceiro prejudicado, em demanda na qual se discute a validade da CIDE e a cobrança de PIS e COFINS segundo a sistemática da Lei nº 9.718/98. II - Deve-se manter o acórdão a quo, pois exsurge a falta de interesse jurídico do sindicato recorrente na demanda, uma vez que há, na hipótese, mera repercussão econômica para as demais distribuidoras, que poderão postular a mesma desoneração em juízo”. 135 “Desde una perspectiva sociológica, la fiscalidad no es un asunto meramente técnico. Es un tema de organización ciudadana, donde las técnicas jurídicas y económicas se ponen al servicio de las ideas sociopolíticas predominantes en cada etapa histórica. Tales ideas giran en torno a dos ejes. Uno, muy amplio, que se refiere a las metas colectivas que abarcan desde el tipo de sociedad en que se desea vivir, hasta cuál ha de ser el rol del Estado en esa sociedad. El otro, más concreto, que se refiere al trasvase recíproco de derechos y obligaciones entre el Estado y los ciudadanos, entre los servicios públicos que deben recibirse, y el reparto de la carga tributaria entre los distintos grupos de contribuyentes.” (LOBO, M.ª Luisa Delgado. Sociología y Psicología Fiscales. La cultura fiscal de los españoles, in Ciência e Técnica Fiscal n.º 407, Julho-Setembro de 2002, p.11). “Vista ahí, la realidad fiscal es como un espejo donde se reflejan la estructura social y de poder de una comunidad políticamente organizada.” (idem, p. 12).

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125

Registre-se, desde logo, que, ao dever de contribuir, há que se acrescentar a expressão “na

medida de sua capacidade contributiva”. Essa é a medida da igualdade no Direito Tributário,

ao impor que se tribute igualmente os iguais.

Os defensores da manutenção ou ampliação dos poderes das instâncias ordinárias em controle

de constitucionalidade sustentam que o sistema difuso estimula a dialogicidade e permite a

oxigenação do debate constitucional136. Sustentam que a jurisprudência deve ser construída

de baixo para cima, e não de cima para baixo137.

Todavia, as características da relação tributária impõem o tratamento isonômico de todos os

contribuintes e exigem estabilidade (segurança jurídica) para cidadãos, empresas e também

para o Estado, que administra os recursos públicos.

Assim, a aplicação anti-isonômica das normas tributárias pelas instâncias ordinárias –

afastando a incidência de um tributo para determinados contribuintes – subverte a distribuição

da carga fiscal, causando desequilíbrio em toda a sociedade e corroendo a ideia de cidadania

fiscal.

Por outro lado, o controle de constitucionalidade exercido pelo STF, ainda que tenha origem

em um caso concreto (via incidental), possibilita o atendimento de dois imperativos da

tributação: isonomia (efeito erga omnes) e segurança jurídica (efeito vinculante).

5. Conclusões e propostas

Diante do modelo atual, em que é dado a qualquer juiz ou tribunal afastar a incidência de uma

norma por considerá-la inconstitucional, parece que a medida mais plausível para evitar a

desigualdade na tributação é a exigência de depósito, pelas instâncias ordinárias, para

suspender a exigibilidade da obrigação tributária, sobretudo quando se tratar de concessão de

medida liminar ou tutela antecipada.

Essa exigência minimizaria o potencial desequilíbrio que essas medidas poderiam gerar no

mercado (em se tratando de empresas) ou na sociedade (distribuição da carga tributária de

acordo com a capacidade contributiva).

136 Cfr. BRAWERMAN, André. Mecanismos de revitalização do controle difuso no Brasil, tese apresentada para a obtenção do título de doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. No prelo. 137 Idem.

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126

De fato, o depósito do montante integral acaba por igualar, economicamente, a situação

daqueles que pagam o tributo com a dos que o contestam judicialmente, evitando a injustiça

fiscal.

Deve-se ressaltar que, ainda assim, o depósito seria vantajoso para o contribuinte que acredita

que a cobrança é inconstitucional. Isso porque, declarada a inconstitucionalidade da norma

tributária pelo Supremo, com efeito vinculante e erga omnes, o contribuinte levantaria,

imediatamente, os valores depositados judicialmente, enquanto os que pagaram diretamente o

tributo dependeriam da propositura de ação de repetição de indébito e estariam submetidos à

sistemática do precatório ou da compensação.

Vale lembrar que algumas leis buscaram limitar a concessão de liminar e de tutela antecipada

contra a Fazenda Pública138. Recentemente, a nova lei do mandado de segurança (Lei

12.016/2009) vedou a concessão desse tipo de medida quando tenham por objeto a

compensação de créditos tributários e a entrega de mercadorias e bens provenientes do

exterior (art. 7º §§ 2o e 5º).

Todavia, a previsão de liminares e tutelas antecipadas para a suspensão da cobrança do crédito

tributário remanesce no CTN (art. 151, IV e V)139 e a nova lei do mandado de segurança

apenas facultou o depósito nesses casos (art. 7º, III)140.

Não se pode negar que a exigência de depósito do montante integral para suspender a

cobrança de tributo considerado inconstitucional é medida que enfraquece o controle difuso.

Isso porque a suspensão da cobrança é consequência do próprio depósito (art. 151, II, do

Código Tributário Nacional), o que acabaria por tornar irrelevante a opinião das instâncias

ordinárias sobre a constitucionalidade da lei.

Contudo, a medida estaria de acordo com os imperativos de isonomia e segurança jurídica na

aplicação das normas tributárias, que devem ser assegurados por decisões com efeitos

vinculantes e erga omnes, ou seja, com decisões do STF.

138 Cfr. Lei 8.437/1992 e Lei 9.494/1997. 139 “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (...) IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;” (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) 140 “Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: (...) III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.” Apenas nas hipóteses das ações anulatórias de débitos inscritos em dívida ativa está prevista, na Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/1980), a obrigação de depósito.

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127

Como visto, os princípios da igualdade e da capacidade contributiva e a vedação à

concorrência desleal ficam abalados toda vez que uma decisão judicial afasta a cobrança de

um tributo para apenas uma parcela dos contribuintes que a eles se sujeitaria.

Num contexto de alterações normativas (de lege ferenda), parece salutar a proposta de

instituir, ao menos para as normas que criam ou majoram tributos, um controle prévio e

concentrado de constitucionalidade. O Ministro Dias Toffoli recentemente defendeu essa

medida para normas tributárias e leis sobre remuneração de servidor141 e o Ministro Cezar

Peluso propôs a instituição do controle prévio para qualquer matéria142.

A adoção do controle prévio de constitucionalidade das normas de criação ou majoração de

tributos, que poderia ser suscitado pelo Presidente da República antes de sancionar a lei, traria

maior segurança jurídica e isonomia na aplicação da norma tributária, evitando a concorrência

desleal entre empresas ou diminuindo, entre os cidadãos, aquilo a que Casalta Nabais

denominou apartheid fiscal143 entre os que pagam os tributos de acordo com a lei e os que

pagam apenas o que desejam pagar.

Bibliografia

Brawerman, André. Mecanismos de revitalização do controle difuso no Brasil, tese apresentada para a obtenção do título de doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. No prelo.

Canotilho, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2003.

Carvalho, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2000.

Leite de Campos, Diogo e Leite de Campos, Mônica H. N. Direito Tributário. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2003.

Lobo, M.ª Luisa Delgado. Sociología y Psicología Fiscales. La cultura fiscal de los españoles, in Ciência e Técnica Fiscal n.º 407, Julho-Setembro de 2002, pp. 7-35.

Mendes, Gilmar Ferreira; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011.

141 Entrevista concedida ao site Consultor Jurídico em 17 de janeiro de 2011, acesso em 28 de junho de 2011 pelo endereço eletrônico http://www.conjur.com.br/2011-jan-17/publicidade-julgamentos-brasil-conquista-democracia. 142 Ver, a respeito, notícia publicada no Estado de São Paulo em 25 de março de 2011, acesso em 28 de junho de 2011 pelo endereço eletrônico http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,peluso-propoe-a-dilma-controle-previo-de-constitucionalidade-de-projetos-do-congresso,697324,0.htm. 143 NABAIS, José Casalta. Estudos de Direito Fiscal – por um estado fiscal suportável. Coimbra: Almedina, 2005, pp. 503-504.

Page 131: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

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Molina, P. M. Herrera. Capacidad Económica y Sistema Fiscal. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 1998.

Nabais, José Casalta. Estudos de Direito Fiscal – por um estado fiscal suportável. Coimbra: Almedina, 2005.

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Segado, Francisco Fernández, La Obsolescencia de la Bipolaridad Tradicional (Modelo Americano – Modelo Europeo-Kelseniano) de los Sistemas de Justicia Constitucional, in Direito Público nº 2 – Out-Nov-Dez/2003.

Tipke, Klaus. Moral Tributaria del Estado y de los Contribuyentes. Madrid: Marcial Pons, 2002.

Endereços eletrônicos consultados

Conselho Nacional de Justiça – CNJ http://www.cnj.myclipp.inf.br/default.asp?smenu=&dtlh=175593&iABA=Not%EDcias&exp=s, acesso em 24 de junho de 2011.

O Estado de São Paulo, edição on line, publicada em 28 de Maio de 2003, 14h23, e http://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2003/not20030528p18380.htm, acesso em 24/6/2011; e matéria publicada em 25 de março de 2011, acesso em 28 de junho de 2011 pelo endereço eletrônico http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,peluso-propoe-a-dilma-controle-previo-de-constitucionalidade-de-projetos-do-congresso, 697324,0.htm.

Consultor Jurídico, entrevista publicada em 17 de janeiro de 2011, acesso em 28 de junho de 2011 pelo endereço eletrônico http://www.conjur.com.br/2011-jan-17/publicidade-julgamentos-brasil-conquista-democracia.

Page 132: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

129

O PROCEDIMENTO RECURSAL NA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO

Flaviane Ribeiro de Araújo Advogada da União

Sob pano de fundo de fomento à cultura da transparência na Administração

Pública e concretização do direito fundamental de acesso à informação, promulgou-se,

recentemente, a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, nominada Lei de Acesso à

Informação (LAI).

A referida lei regulamenta o inciso XXXIII do art. 5º, inciso II do § 3º do art. 37 e

o § 2º do art. 216, da Constituição Federal, garantindo ao cidadão o exercício do direito de

acesso à informação de interesse coletivo ou geral, que tem como contrapartida o dever do

Estado em proporcionar os meios de acesso e, em última instância, a própria informação.

A medida legislativa inaugura novo modelo regulatório, que favorece a

consolidação do regime democrático, a maior participação popular e o aprimoramento dos

instrumentos de controle da gestão pública.144

Pretende-se vencer a cultura do sigilo, mediante a divulgação das informações de

caráter público que estão sob a guarda e gestão de órgãos e entidades governamentais. O

acesso é a regra, e o sigilo, a exceção.145

As revoluções transformadoras das sociedades contemporâneas se explicam, na

percepção de Thomas Kuhn, pelas mudanças de paradigmas científicos em áreas

especialmente afetas à tecnologia, à comunicação e à informação.146 Sob tal perspectiva,

concebe-se mudança de paradigma em matéria de transparência pública.

Elevados índices de informação, priorizando-se também sua dimensão qualitativa,

despertam a consciência e maior participação da sociedade na vida política do Estado. E, ao

mesmo tempo, criam mecanismos mais legítimos de tomada de decisões. Tem-se manancial

profícuo para a consolidação da transparência governamental, instrumentalizada pelo aumento

exponencial de “fiscais” sem ônus para os administrados, e da eficiência, mediante a redução

de custos de intercâmbio de informações e esvaziamento de estruturas burocráticas.147

144 Cf. Acesso à informação pública: uma introdução à Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponível em <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/CartilhaAcessoaInformacao/CartilhaAcessoaInformacao.pdf>. Acesso em 14 fevereiro 2012. 145 Cf. Acesso à informação pública: uma introdução à Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. 146 Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Poder, direito e Estado. O direito administrativo em tempos de globalização. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 43. 147 Cf. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 12-15.

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130

A normatização dá conta de ambiente jurídico favorável à prática das liberdades

públicas. Pretende-se regime simplificado, direto e ostensivo para acesso a informações de

interesse coletivo ou geral, como mecanismo indicativo de transparência.

Especificamente, o presente ensaio tem como proposta apresentar uma síntese do

procedimento recursal previsto na Lei de Acesso à Informação, orientada pelos princípios que

presidiram a sua elaboração e pelos paradigmas que a condicionaram. As reflexões que

seguem contarão ainda com a aplicação subsidiária da Lei Geral do Processo Administrativo

Federal – Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 –, no que se refere à identificação de lacunas

evidenciadas pelo texto da LAI.

Como se sabe, a Constituição Federal de 1988, no inciso LV do art. 5º, assegurou

a todos os litigantes, em processo judicial ou administrativo, o direito ao contraditório e à

ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O direito ao reexame de uma decisão é elementar ao devido processo legal e à

ampla defesa. 148 É instrumento de garantia dos administrados ante as prerrogativas da

Administração Pública. É uma extensão do próprio direito de petição, também de índole

constitucional.

A possibilidade de reexame por outro julgador, ainda que singular, propicia maior

garantia de imparcialidade e independência. 149 Reduz a incidência de subjetivismo do

administrador. E, consequentemente, previne litígios judiciais.

O Texto Constitucional não aludiu expressamente ao duplo grau de jurisdição,

mas aos instrumentos inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Isto é, os

recursos cabíveis serão aqueles previstos na legislação para uma determinada situação

concreta, admitindo-se que o legislador infraconstitucional possa deixar de prever a revisão do

julgado por um órgão superior.150

Presentemente, o direito de recorrer de decisões proferidas pela Administração

Pública está previsto nas leis de procedimento administrativo, a exemplo da Lei Geral de

Processo Administrativo Federal e da Lei de Licitações e Contratos.

De igual modo, ao disciplinar o procedimento de acesso à informação, o

legislador fixou a revisão de determinadas decisões pela autoridade superior, que visa, em

última instância, o próprio acesso à informação. Ou, ao menos, que o requerente tenha

148 Cf. DALLARI, Adilson Abreu, FERRAZ, Sergio. Processo administrativo. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 87. 149 Cf. Processo administrativo, 2003, p. 88. 150 Cf. CUNHA, Leonardo José Carneiro da, DIDIER, Fredie Jr. Curso de direito processual civil. Vol. 3. Salvador: JusPodivm, 2007, p. 21.

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assegurados não só o direito à manifestação, mas também o direito à informação sobre o

andamento do processo e os elementos deles constantes, e o direito de ver seus argumentos

efetivamente considerados pelas autoridades administrativas, com capacidade e isenção de

ânimo.151 E desse último decorre, para a Administração, o dever de motivar suas decisões.

A Lei nº 12.527, de 2011, define, de modo geral, as decisões atacáveis pela via

recursal. Fixa competências recursais e prazos, que deverão ser observados quando do

procedimento de pedido de acesso a informações. Confere, ainda, papel relevante à

Controladoria-Geral da União (CGU) na sistemática recursal então prevista, na medida em

que atribui à CGU competência especializada para a apreciação de recursos manejados contra

decisão de órgãos e entidades da Administração Pública Federal Direta e Indireta.

A peculiaridade reside no fato de que a CGU, não fazendo parte da estrutura

organizacional hierárquica do órgão federal recorrido, terá competência para decidir recursos

contra decisões protelatórias ou denegatórias de acesso à informação.

1. Abrangência da sistemática recursal

O procedimento recursal previsto na Lei de Acesso à Informação aplica-se a

órgãos e entidades da Administração Pública Federal Direta e Indireta.

No que se refere aos Poderes Judiciário e Legislativo, incluindo Tribunal de

Contas da União, e ao Ministério Público da União, a revisão de decisões denegatórias de

recursos terá regulamentação própria, nos termos do art. 18 da LAI. Nesse aspecto, distancia-

se da Lei nº 9.784, de 1999, que traz disposição expressa no sentido de que seus preceitos

também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no

desempenho de função tipicamente administrativa.

Não obstante, a Lei de Acesso à Informação determina que os órgãos do Poder

Judiciário e do Ministério Público informarão ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho

Nacional do Ministério Público, respectivamente, as decisões que, em grau de recurso,

negarem acesso a informações de interesse público.

Estados, Distrito Federal e Municípios contarão também com legislação

específica, respeitadas as normas gerais da LAI, de caráter nacional. A assertiva decorre da

151 Cf. Supremo Tribunal Federal, MS 24268/MG, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, Julgamento: 05/02/2004, Tribunal Pleno, DJ 17/09/2004.

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autonomia legislativa que detém esses entes políticos para instituírem sistemática recursal

própria contra decisões proferidas na intimidade orgânica de suas administrações.

2. Decisões impugnáveis, recurso hierárquico e prazos

Há previsão expressa de recurso contra as decisões de indeferimento de acesso a

informações, de negativa de acesso às razões de indeferimento do pedido de informações e de

indeferimento de pedido de desclassificação. É a leitura que se faz do art. 11, § 1º, II c/c § 4º,

arts. 15 a 20, e art. 35 § 1º, II, da LAI.

Cogita-se, ainda, da possibilidade de insurgência do requerente em face de decisão

de indeferimento de pedido de redução de prazo de sigilo e, ainda, na hipótese de omissão da

Administração.

Indeferido o pedido de acesso a informações, impõe-se à Administração o dever

de fornecer ao requerente o inteiro teor da decisão, com o apontamento das razões de fato e de

direito da recusa do acesso pretendido. Deverá, ainda, o requerente ser informado sobre

recurso, prazos e condições para a sua interposição e a indicação da autoridade competente

para a apreciação do recurso.

De igual modo, por força do princípio da motivação e da acessibilidade dos

elementos do expediente, a negativa de acesso às razões de indeferimento do pedido de

informações também é passível de impugnação recursal.

A motivação qualifica-se como requisito procedimental do ato administrativo.

Revestindo-se da natureza de dado acessório, “deve merecer a mesma publicidade do ato

motivado”. 152 Sob tal perspectiva, de regra, esse requisito procedimental deve se tornar

público, tal como o próprio ato motivado.153

Não obstante, não se pode considerar como negativa de acesso às razões de

indeferimento do pedido a não divulgação da motivação da decisão que classificou

determinada informação como sigilosa, segundo os parâmetros da LAI. Conforme preceitua o

parágrafo único do art. 28 da LAI, a decisão de classificação de informação em qualquer grau

de sigilo receberá idêntica qualificação, sob pena de ruptura da proteção do sigilo da própria

informação.

152 ARAÚJO, Florivaldo Dutra. Motivação e controle do ato administrativo. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 128. 153 Cf. Motivação e controle do ato administrativo, 2005, p. 118.

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O prazo para interposição de recurso contra a decisão que negou o acesso à

informação ou às razões de indeferimento do pedido é de 10 dias, a contar da ciência da

decisão pelo requerente.

O recurso será dirigido à autoridade hierarquicamente superior àquela que

proferiu a decisão impugnada, que terá 5 dias para decidir. Nesse caso, as autoridades a quo e

ad quem estão na mesma linha hierárquica do órgão ou entidade perante o qual se formulou o

pedido de acesso à informação. Tem-se recurso administrativo propriamente dito, também

chamado de recurso administrativo hierárquico, ou simplesmente recurso hierárquico, cujo

pedido de reforma da decisão anteriormente proferida é dirigido ao superior hierárquico

imediato.154

A Lei de Acesso à Informação não foi expressa em determinar o termo inicial do

prazo para julgamento do recurso, tampouco o modus operandi de sua interposição.

Ao que parece, qualquer requerimento de acesso à informação deverá ser

protocolizado mediante o Sistema de Informações ao Cidadão (SIC), a que se refere o art. 9º

da LAI, e processado eletronicamente (e-SIC). Não obstante, dada a capilaridade de muitos

dos órgãos da Administração Pública Federal, e suas diferentes realidades estruturais e

orgânicas, há de se conceber um prazo mínimo de tramitação até que o recurso seja recebido

pela autoridade competente, que terá 5 dias para decidir.

Nesse sentido, propõe-se a fixação de 5 dias como lapso temporal mínimo de

encaminhamento do recurso à autoridade competente. A solução decorre da aplicação

subsidiária do § 1º do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, mas, tão-somente, no que se refere à

aplicação do prazo de encaminhamento. Na falta de previsão explícita da LAI, não haveria a

oportunidade de reconsideração por parte da autoridade recorrida, tal como previsto no citado

§ 1º do art. 56. Reforça, a tese, a fixação, também pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993

(Lei de Licitações e Contratos), de prazo de 5 dias úteis para fazer subir o recurso ao superior

hierárquico, nos termos do seu art. 109, § 4º.

3. A Controladoria-Geral da União como instância recursal

Conforme mencionado, a LAI conferiu à Controladoria-Geral da União (CGU)

atribuições de órgão especializado na apreciação de recursos, de fundamentação vinculada,

interpostos de órgãos ou entidades da Administração Pública Federal.

154 Cf. Processo administrativo, 2003, p. 175.

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134

Designa-se tal espécie de recurso como hierárquico impróprio, na medida em que

dirigido a uma autoridade que não é hierarquicamente superior à recorrida. Ainda que

integrantes da mesma pessoa política, no caso, a União, não existe relação de hierarquia entre

a autoridade recorrida e a autoridade recursal da CGU.

É possível identificar, no texto legal, requisitos específicos para que o recurso seja

admissível pela CGU.

Exige-se, primeiramente, o esgotamento das vias recursais no órgão ou entidade

recorridos ou, ao menos, que o recurso seja submetido à apreciação de uma autoridade

hierarquicamente superior àquela que proferiu a decisão impugnada, a teor do § 1º do art. 16

da LAI.

Ainda, a fundamentação do recurso é vinculada a razões de legalidade. Isto é, a

fundamentação do recurso precisa “encaixar” em um dos permissivos legais.155 Deverá o

recorrente alegar uma das hipóteses definidas pelos incisos I a IV do art. 16 da LAI para que

seja admissível. São elas: a) negativa de acesso a informações não sigilosas; b) a decisão

denegatória de acesso à informação classificada como sigilosa não apontar a autoridade

classificadora ou autoridade superior a quem possa ser dirigido pedido de acesso ou

desclassificação; e c) descumprimento de procedimentos e prazos da LAI.

A formatação de instância recursal conferida à CGU tem como pano de fundo a

ideia de que, à Administração Pública, impõe-se não apenas a aplicação do direito substancial,

mas deverá fazê-lo observando certos trâmites e formas, de modo a se respeitar a

legalidade.156 É a inobservância dessa regularidade formal, por parte dos órgãos e entidades

do Poder Executivo Federal, que poderá deflagrar a competência de reexame e controle pela

CGU.

Note-se, todavia, que, no caso da decisão impugnada não indicar a autoridade a

quem possa o requerente dirigir sua impugnação recursal, não se poderá exigir, como

requisito de admissibilidade do recurso dirigido à CGU, a prévia submissão a, pelo menos,

uma instância recursal no âmbito do órgão ou entidade recorrido. Isso porque a falta de

apontamento da autoridade recursal, óbice para o esgotamento da via recursal no órgão

recorrido, será a própria crítica objeto da interposição do recurso para a CGU.

155 Cf. Curso de direito processual civil, 2007, p. 29. 156 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 458.

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135

Relativamente aos prazos e modus procedendi do recurso, remete-se, de igual

modo, às conclusões expostas quando se examinou a impugnação recursal na primeira

instância administrativa.

Provido o recurso, a CGU determinará ao órgão ou entidade que adote as

providências necessárias, por força do disposto no § 2º do art. 16 da LAI.

Em caso de desprovimento, caberá novo recurso a uma Comissão Mista de

Reavaliação de Informações, quando negado o acesso à informação (art. 16, § 3º, LAI).

Assim, ainda que a insurgência ventilada perante a CGU tenha se voltado contra

descumprimento de prazos e procedimentos, ou de ausência de indicação de autoridade

recursal competente, o cabimento de novo recurso, agora dirigido à Comissão Mista de

Reavaliação de Informações, somente poderá ocorrer se verificada efetiva recusa de acesso à

informação.

4. Pedido de desclassificação, de redução de prazo e indeferimento

O pedido de desclassificação é uma manifestação inicial de inconformismo com a

decisão de classificação, imposta unilateralmente pela Administração. Seu substrato legal

reside no art. 29 da LAI, o qual prevê que a classificação das informações será reavaliada pela

autoridade classificadora ou por autoridade hierarquicamente superior, mediante provocação

ou de ofício, nos termos e prazos previstos em regulamento, com vistas à sua desclassificação

ou à redução do prazo de sigilo, observados os prazos máximos de restrição de acesso e os

critérios para a classificação da informação.

Cabe registrar que a redução do prazo de sigilo é também uma desclassificação,

pois será a informação “desclassificada” para um grau menor de sigilo. Todavia, o substantivo

desclassificação foi empregado na LAI para referir-se à situação em que a informação, antes

sigilosa, tornar-se-á de acesso livre e irrestrito.

Tanto o pedido de desclassificação quanto o requerimento de redução de prazo

independem de prévio pedido de acesso à informação. São pedidos autônomos, e não se

cumulam. Ainda que se possa cogitar de pedidos sucessivos, a hipótese é de ser refutada, pois

não, necessariamente, haverá identidade entre a autoridade competente para a apreciação do

pedido de acesso à informação e aquela incumbida de examinar o pedido de desclassificação.

O iter procedimental dos pedidos também é diverso, a exemplo da instância recursal

materializada na figura do Ministro de Estado para os casos de indeferimento de pedido de

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desclassificação, mas não para decisão denegatória de acesso. É o que se extrai da leitura do

art. 17 e § 1º da LAI.

Indeferido o pedido de desclassificação, poderá o requerente recorrer ao Ministro

de Estado. O recurso, todavia, somente será levado ao Ministro de Estado, após apreciação

prévia por autoridade hierarquicamente superior à que exarou a decisão impugnada. Nessa

hipótese, na falta de referência explícita do texto legal, ao superior hierárquico não caberia

decidir, mas preparar um relatório, acompanhado de fundamentação, sugerindo, se for o caso,

a decisão para o caso, e elevá-lo ao Ministro competente.

Na hipótese do Ministro de Estado ostentar a qualidade de autoridade

classificadora da informação, denegado por ele o pedido de desclassificação, o recurso deverá

ser dirigido diretamente à Comissão Mista de Reavaliação de Informações.

O art. 29 da LAI remete a fixação de prazos à regulamentação do Poder

Executivo. Na falta, aplicam-se subsidiariamente o art. 59 e § 1º da Lei nº 9.784, de 1999, que

prevêem, respectivamente, prazo de 10 dias para interposição de recurso, a contar da ciência

da decisão, e de 30 dias para ser decidido, contados do recebimento dos autos pelo órgão

competente.

Provido o recurso, será a informação desclassificada, revestindo-se de caráter

público. Desprovido, caberá novo recurso à Comissão Mista de Reavaliação de Informações,

quando tenha por objeto a desclassificação de informação secreta ou ultrassecreta, conforme o

disposto no § 2º do art. 17 da LAI. Logo, em se tratando de pedido de desclassificação de

informação reservada, não caberia recurso à CMRI, o que reforça seu papel de instância

recursal extraordinária.

Ainda no que se refere ao julgamento do recurso pelo Ministro de Estado, é

possível vislumbrar a possibilidade de que o recurso seja desprovido, mas, de ofício, o

Ministro decida pela redução do prazo de sigilo.

Por força do princípio do paralelismo das formas, no âmbito das entidades da

Administração Pública Federal Indireta, a competência para apreciar os recursos manejados

contra decisões de indeferimento de pedido de desclassificação será do dirigente máximo da

entidade.

No que se refere ao indeferimento de pedido de redução de prazo de sigilo, não

há, na Lei de Acesso à Informação, previsão expressa de competência recursal. Assim, é

possível conceber três soluções: o requerente não poderia recorrer da decisão que lhe tivesse

sido desfavorável; aplicar-se-ia, por analogia, o procedimento recursal previsto para o

Page 140: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

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indeferimento de pedido de desclassificação ou, ainda, aplicar-se-ia subsidiariamente a Lei nº

9.784, de 1999.

Diante da falta de previsão no texto legal e levando-se em conta os multivariados

meios e oportunidades de impugnação já concebidos pela LAI, defende-se a primeira

proposição, ou seja, indeferido o pedido de redução de prazo de sigilo, não poderia o

requerente recorrer.

5. Silêncio da Administração

O silêncio administrativo se caracteriza por deixar a Administração de se

pronunciar quando deveria fazê-lo, seja em razão de provocação do administrado ou para fins

de controle de outro órgão.157 De regra, a condução do procedimento administrativo é encargo

da própria Administração, cabendo a ela a impulsão de ofício até seu termo final.158

Relativamente ao pedido de acesso à informação, o legislador não atribuiu efeito

específico para o caso de silêncio administrativo, ressalvada a possibilidade de

responsabilização funcional por negligência. Em outras palavras, transcorrido o prazo de

resposta de vinte dias, prorrogáveis por mais dez, a pretensão do administrado não será

automaticamente concedida ou negada.

De igual modo, não há previsão expressa na LAI de meios de insurgência na via

administrativa quando omitir-se a Administração.

Nesse contexto, é possível construir o seguinte raciocínio: a LAI prevê prazos

para a Administração decidir. Prevê também a possibilidade de se recorrer à CGU, em razão

de descumprimento de prazos e procedimentos da LAI, condicionando, todavia, a existência

de uma instância recursal no órgão em que se tiver iniciado o procedimento de acesso à

informação. Não obstante, diante do silêncio do órgão em relação ao qual a postulação ficou

irrespondida, poderia o requerente provocar diretamente à CGU, não se podendo, obviamente,

em tais circunstâncias, exigir a apreciação pelo órgão omisso.

157 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo, p. 384. 158 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo, p. 472.

Page 141: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

138

6. A competência recursal da Comissão Mista de Reavaliação de Informações

O § 1º do art. 35 da LAI institui a Comissão Mista de Reavaliação de Informações

(CMRI), que decidirá, no âmbito da administração pública federal, sobre o tratamento e a

classificação de informações sigilosas.

À Comissão Mista de Reavaliação de Informações cabe rever a classificação de

informações ultrassecretas ou secretas, de ofício ou mediante provocação de pessoa

interessada.

Compete, também, à CMRI apreciar recursos interpostos contra decisões

denegatórias de acesso proferidas, em sede recursal, pela Controladoria-Geral da União e

contra decisões indeferitórias de pedido de desclassificação de informação secreta e

ultrassecreta, exaradas por Ministros de Estado e, por força do princípio do paralelismo das

formas, também, pelos dirigentes máximos das entidades federais da Administração Indireta.

Sob tal perspectiva, vê-se que a LAI revestiu a Comissão Mista de Reavaliação de

Informações não como instância revisora ordinária, mas atribuiu-lhe o papel de instância

recursal extraordinária para decidir sobre o acesso à informação secreta e ultrassecreta.

A LAI não fixou prazos para interposição do recurso e julgamento. Remete-se à

regulamentação pelo Poder Executivo, podendo-se, ainda, invocar, no que couber, a aplicação

subsidiária dos dispositivos da Lei nº 9.784, de 1999.

7. Legitimidade recursal na hipótese de divulgação de informações pessoais

Informações pessoais, conforme definição plasmada no inciso IV do art. 4º da

LAI, são aquelas que se relacionam à pessoa natural identificada ou identificável. Fixando a

diretriz para com o tratamento dessas informações, o art. 31 da LAI determina que sejam

respeitadas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, bem como as

liberdades e garantias individuais.

Prevê o inciso II do § 1º do art. 31 da LAI que as informações pessoais poderão

ter autorizada sua divulgação, ou acesso por terceiros, diante de previsão legal ou

consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.

Em continuidade legiferante, dispõe o § 3º do art. 31 que o consentimento referido

no inciso II do § 1º não será exigido quando as informações forem necessárias: I - à prevenção

e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver física ou legalmente incapaz, e para utilização

Page 142: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

139

única e exclusivamente para o tratamento médico; II - à realização de estatísticas e pesquisas

científicas de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a

identificação da pessoa a que as informações se referirem; III - ao cumprimento de ordem

judicial; IV - à defesa de direitos humanos; ou V - à proteção do interesse público e geral

preponderante.

Como se vê, o legislador, especialmente, nos incisos IV e V, utilizou conceitos

jurídicos indeterminados. Os conceitos vagos, assim como os princípios jurídicos e as

cláusulas gerais, oxigenam o sistema jurídico, que, a par de se recriar com base em si mesmo,

auto-alimentando-se, não pode permanecer imutável. Funcionam, na verdade, como poros que

viabilizam a evolução do direito no sentido de se adequar às necessidades sociais.159

Ocorre que a fixação de um núcleo conceitual poderá exigir, em determinados

casos concretos, hercúleo esforço interpretativo por parte dos agentes administrativos, que

deverão adotar a cautela devida, atentos à valoração dos interesses em jogo.

Note-se que o art. 32 da LAI tipifica como ilícito hábil a ensejar responsabilidade

do agente público, não apenas a recusa de acesso à informação requerida nos termos da lei,

mas também a divulgação ou permissão de acesso indevido à informação sigilosa ou

informação pessoal.

Nesse contexto, observa-se que a Lei de Acesso à Informação trouxe previsão

expressa de reexame na via administrativa tão-somente para as situações de negativa de

acesso. Defende-se, no entanto, a legitimidade recursal da pessoa a quem se referir a

informação pessoal, com substrato no art. 58, inciso II, da Lei Federal do Processo

Administrativo. Esse dispositivo confere legitimidade para interpor recurso administrativo

àqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida. E,

nesse caso, o recurso terá utilidade apenas se lhe for conferido efeito suspensivo. Do

contrário, disponibilizada a informação pessoal, a medida recursal seria ineficaz diante da

irreversibilidade da divulgação.

A tese concorre para uma decisão mais bem informada e responsável.160 Contribui

para a eleição da melhor solução diante dos interesses sob tutela.161 Enseja maior descortino

para a atuação da Administração Pública, pois esta agirá informada, também, pela perspectiva

exibida pela pessoa que pode ser afetada pela decisão, podendo-se acender luzes prestantes

159 Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 174. 160 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Curso de direito administrativo, p. 466. 161 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Curso de direito administrativo, p. 466.

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140

para uma avaliação mais completa por parte do julgador administrativo, que talvez sequer

seriam vislumbradas.162

8. Conclusão

O direito de acesso às informações de interesse coletivo ou geral, a que fazem jus

os cidadãos e, também, os meios de comunicação social, qualifica-se como instrumento do

exercício da fiscalização social a que estão sujeitos os atos do poder público, e sofrem,

unicamente, as limitações impostas pela própria Constituição da República. 163 O Texto

Constitucional não privilegia o sigilo, nem permite que este se transforme em praxis

governamental, sob pena de grave ofensa ao princípio democrático.164 Nos modelos políticos

que consagram a democracia, não há, como alerta Norberto Bobbio, espaço possível

reservado ao mistério.165

Nesse contexto, a sistemática recursal estabelecida pela LAI objetivou dar uma

resposta rápida e eficiente aos requerentes. As decisões da Administração, em qualquer

instância, dependerão, por certo, de análises devidamente motivadas. Contudo, o acesso é a

regra, e o sigilo, a exceção. Trata-se de novo paradigma, em que a Lei de Acesso à

Informação funcionará como divisor de águas.

Novas formas de interação, e também de conflitos, entre os administrados e as

pessoas que personificam o Estado166, surgirão com essa mudança de paradigma, notadamente

por se tratar de tema tão sensível como o tratamento de informações da Administração

Pública, que não só produz e detém informações de interesse coletivo ou geral, mas também

informações que deverão ser protegidas.

Mas é essa ruptura de paradigma que deverá orientar a atuação e o espírito dos

agentes públicos. E que eles tenham a predisposição de exercerem a capacidade de crítica em

relação à Lei de Acesso à Informação, imbuídos pela cultura da transparência e

conscientização do direito fundamental de acesso à informação, livres dos ranços de

sacralização do segredo.

162 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Curso de direito administrativo, p. 465. 163 Supremo Tribunal Federal, MS-MC 24725/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Julgamento: 28/11/2003, DJ 09/12/2003, excerto extraído da decisão do Relator. 164 MS-MC 24725/DF, excerto extraído da decisão do Relator. 165 MS-MC 24725/DF, excerto extraído da decisão do Relator. 166 Cf. Poder, direito e Estado. O direito administrativo em tempos de globalização, 2011, p. 43.

Page 144: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

141

Inaugura-se a era do conhecimento, na qual, como bem definiu Moreira Neto, “a

superação do ter pelo saber se refletirá profundamente sobre o homem e suas instituições”.167

Muitas outras questões serão enfrentadas na medida em que surgirem as

dificuldades práticas de aplicação da Lei de Acesso à Informação. O assunto suscita miríade

de problemas novos, específicos, particulares. Alguns ainda não alcançados, refratários a

qualquer prognose ou a qualquer exercício de percepção futura. Simplesmente, ao que consta,

o momento exige que se aguardem provocações que seguirão, na medida em que

circunstâncias concretas exijam intervenção mais pontual, imediata, prospectiva.

Bibliografia

ARAÚJO, Florivaldo Dutra. Motivação e controle do ato administrativo. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da, DIDIER, Fredie Jr. Curso de direito processual civil. Vol. 3. Salvador: JusPodivm, 2007.

DALLARI, Adilson Abreu, FERRAZ, Sergio. Processo administrativo. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. Princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 14ª ed. São Paulo: Forense, 2006. __________ Mutações do direito administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. __________ Poder, direito e Estado. O direito administrativo em tempos de globalização. Belo Horizonte: Fórum, 2011. MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil. Comentado artigo por artigo. 3ª ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

167 Cit. Mutações do direito administrativo, 2001, pp. 120-121.

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142

HUMANIDADES

MANTO DA INTOLERÂNCIA

Orlando Muniz

As divagações de uma cabeça entorpecida pelos desvarios é algo que só pode

ser medido na dimensão das complexidades e na régua do próprio insano. É impossível

compreender os trejeitos da loucura em face da névoa e opacidade que a encobre no abismo

profundo que a separa dos sentimentos mais, digamos, limpos. Insanidades e loucuras são

ingredientes e filhos siameses de uma mesma massa cinzenta que se procria em ambiente

fértil dos despropósitos e de quem não está atento aos recados que a vida repassa em todo

momento. Quando a insensatez se arvora por gestos e atos praticados sob o manto do

infortúnio alheio em afronta direta aos humanos direitos, aí então é que o quadro se agrava

nessa moldura que lhe envolve. A história recente está repleta de atos tresloucados praticados

sob um suposto cumprimento aos costumes e regras para atendimento aos devaneios das

imposições pessoais. As resultantes sempre foram desastrosas para os caminhos da

humanidade e para o fortalecimento da democracia no correr dos séculos! Ora genocidas em

favor de uma raça pura, depois os mesmos alucinados serviram-se da eugenia para validar

suas ideias de purismo. Não se tolera imigrantes sem meios, joga-os aos coiotes sem nenhuma

alternativa racional de vida digna. São muitos, muitos exemplos desse inferno de Dante nos

tempos modernos!

O extremismo pela raça, pelo credo, pelos costumes, pela opinião se multiplica

em maus exemplos mundo afora replicados em nossas casas pela força da cadeia global

ajustada por chips e bytes expondo de maneira crua que as liberdades individuais são, a cada

dia, testadas pelas adversidades e arrogância. Em partes do planeta, alguns se arvoram como

donos da liberdade alheia impondo a lei das trevas para justificar insanidades e decisões que

impõem ao cidadão livre correntes do atraso e de intolerância. As regras e as leis para

condenações pelo direito de falar beiram a vilania de tempos remotos e medievais em doses

sádicas de chibatadas, torturas morais e psicológicas e até o extremo do julgamento sumário

pela morte. O argumento para as odiosas condenações quase sempre remetem para leis

talhadas no mais constrangedor obscurantismo lastreado em fundamentalismos ultrapassados

Page 146: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

143

e decrépitos. Às favas com os costumes próprios e com leis que afrontam a dignidade

humana. Lei nenhuma e costume nenhum podem ser motivadores de tamanha complacência

com a brutalidade que se lança contra vozes inocentes e sem capacidade de reação. Pela forma

como os direitos individuais são tratados, e pela barbaridade como a opressão ao direito de

falar é combatido nessas franjas remotas de longínqua democracia, é possível se ter uma ideia

de como faz bem conviver quando os postos se respeitam.

Não basta só ficar indignado, não basta só fazer corrente na internet acusando

essa vilania, os homens de bem devem se indignar com atitudes e as nações democráticas

impor sanções ainda mais fortes para conter outras tantas agressões aos direitos humanos

praticadas sob o manto das falsas legalidades. Fazer de contas que isso não é conosco,

também faz parte da omissão. É conosco sim, a obrigação de pelo menos tentarmos um

mundo um pouco melhor para nossos filhos sem as atrocidades e esses barbarismos insidiosos

encobertos com o véu da vergonha. Levantar a questão e falar sobre o tema já ajuda muito!

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144

GALERIA

CÂMARA DE CONCILIAÇÃO A AGU REALIZA CERCA DE 800 REUNIÕES E EVITA JUDICIALIZAÇÃO DE CONFLITOS ENTRE OS ÓRGÃOS PÚBLICOS

ATUAÇÃO DA CÂMARA DE CONCILIAÇÃO VEM GARANTINDO ECONOMIA E CELERIDADE NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ENTRE ÓRGÃOS DA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Leane Ribeiro Data de Publicação: 25/05/2012

Criada em 2007, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal

(CCAF), órgão da Consultoria-Geral da União (CGU), é responsável por auxiliar na solução

de controvérsias de natureza jurídica entre entidades da Administração Pública. Dentre os

assuntos que obtiveram êxito na conciliação durante estes anos destacam-se: previdenciário,

tributário, indígena, convênios, agrário, meio ambiente, patrimônio público, quilombola e

infraestrutura.

A CCAF foi concebida para continuar as atividades desenvolvidas pelas câmaras

de conciliação instaladas pela AGU em 2001. Desde sua criação até hoje, o setor foi

responsável pela realização de 792 reuniões conciliatórias e pela homologação de 121

conciliações. Só em 2011 foram realizadas 259 reuniões conciliatórias. De janeiro maio

deste ano já foram celebrados 58 Termos de Reunião e efetivadas 12 conciliações.

Antes das Câmaras de Conciliação eram comuns os conflitos entres os órgãos da

União, pois ainda não existia um setor que coordenasse estas discussões. Para o adjunto do

Advogado-Geral da União, José Weber Holanda Alves, que participou da primeira

conciliação da CCAF, a criação deste órgão foi importante, pois as entidades públicas se

preocupavam com a situação dentro da sua unidade e não com o problema público. "A ideia

da Câmara de Conciliação é ter alguém que chamasse os órgãos públicos federais para

negociar. A AGU intermediando isso apenas coloca as pessoas a mesa para conversar e no

final chegar a uma conciliação", disse.

Segundo o diretor da Câmara de Conciliação e Arbitragem, Francisco Orlando

Muniz, a necessidade de conciliar é vista por meio da celeridade da instrução processual e

aproximação com as instâncias do Poder Judiciário. "O procedimento conciliatório pode e

deve ser uma alternativa na solução consensual entre os organismos da administração pública

Page 148: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

145

através de entendimento transversal, orgânico e eficaz das matérias tratadas nas

controvérsias", destacou.

O objetivo é atuar para acabar com os conflitos que tramitam na Justiça entre os

órgãos públicos, além de evitar o ajuizamento de novas ações. Isso traz economia aos cofres

públicos, pois a União não gasta com custas processuais, deslocamento de advogados e ainda

acelera a resolução dos casos. "Ampliar a capacidade da CCAF com a descentralização do

procedimento para as Consultorias Jurídicas também é uma forma de aproximar essa

importante ferramenta dos organismos públicos", analisou.

A Câmara de Conciliação pode ser composta por Advogados da União,

procuradores federais, procuradores da Fazenda Nacional e procuradores do Banco Central,

designados como asseguradores em processos que envolvem controvérsias entre organismos

do Poder Público. Esses representantes atuam na solução através do processo de conciliação.

Conquistas e desafios

As principais conquistas da CCAF estão no reconhecimento da instituição como

uma engrenagem importante na máquina pública, na introdução da atividade do conciliador

no perfil de formação do advogado público e na sua importância para o fortalecimento

institucional da conciliação como mecanismo alternativo para a solução de controvérsias.

Estas conquistas foram responsáveis pelo crescimento e reconhecimento do órgão como parte

importante no trabalho da Administração Pública.

O diretor da CCAF, Francisco Orlando, lembra que, mesmo com as realizações,

ainda há muito o que fazer. "O objetivo é consolidar-se como uma ferramenta apropriada no

âmbito da administração pública federal e qualificar-se como interlocutora reconhecida nas

várias instâncias do Poder Judiciário", destacou ao falar sobre as ações para os próximos anos.

A fim de promover a articulação institucional por meio da coordenação das

conciliações o órgão enfrenta alguns desafios, dentre eles estão a busca do fortalecimento

institucional na conciliação, a realização de um programa permanente de formação de novos

conciliadores, junto com a Escola da AGU e a elaboração de bancos de matérias prioritárias

em parceria com as instâncias do Poder Judiciário.

Page 149: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

146

Principais Conciliações

Entre os casos importantes solucionados pela CCAF da AGU entre 2011 e 2012

está a discussão envolvendo a doação do imóvel onde funcionava a casa de espetáculos

Canecão, no Rio de Janeiro, e a Universidade Federal do estado (UFRJ). A instituição

conseguiu autorização para construir um centro de convenções e um complexo esportivo no

local. A discussão envolvia a Secretaria do Patrimônio da União, a UFRJ, a Procuradoria

Regional da União da 2ª Região e a Procuradoria Regional Federal da 2ª Região.

Outro caso importante foi a questão envolvendo a sobreposição geográfica entre

territórios quilombolas em fase de delimitação e unidades de conservação de Santo Antônio

do Guaporé, no estado de Rondônia. A matéria conciliada foi discutida entre o Ministério do

Desenvolvimento Agrário, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e a Fundação Cultural Palmares.

Este ano, um dos assuntos de destaque que envolveu a atuação da CCAF foi a

discussão sobre a proteção ambiental e a demarcação de terras para famílias indígenas no

Parque Nacional do Monte Pascoal, no sul da Bahia. A conciliação teve a participação da

Fundação Nacional do �ndio, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e o

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e possibilitou tranquilidade social

para a região.

O diretor da CCAF reforçou o principal pilar que sustenta e guia a Câmara de

Conciliação na realização de seus trabalhos. "A gentileza é o combustível que alimenta a

engrenagem da conciliação. A humildade é o retrato do líder e o trato respeitoso com os

interessados é a porta de entrada para caminhos confiáveis em busca da conciliação",

ressaltou.

Leane Ribeiro

Page 150: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

147

GECOPA

ANÁLISE DA MINUTA DA RESOLUÇÃO GECOPA Nº 8/2012 (PLANO DE

TELECOMUNICAÇÕES)

Teresa Cristina de Melo Costa Procuradora Federal

PARECER Nº 5/2012/GECOPA/CGU/AGU PROCESSO: 00400.004325/2012-09 INTERESSADO: Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 – GECOPA (Secretaria Executiva do Ministério do Esporte) ASSUNTO: Análise da minuta da Resolução GECOPA nº 8/2012 (Plano de Telecomunicações)

I. Ofício nº 181/2012/SE/ME. Resolução GECOPA nº 08, de 17 de abril de 2012. Autoriza a revisão da Matriz de Responsabilidades, com a inclusão de anexo referente às atividades de Telecomunicações e discrimina as ações do Orçamento Geral da União vinculadas a essas atividades. II. Constitucionalidade e legalidade do ato, sem ressalvas.

Excelentíssima Senhora Coordenadora-Geral do GECOPA/AGU,

1. O Ministério do Esporte, por intermédio de sua Secretaria-Executiva, na

qualidade de Coordenador do Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 –

GECOPA, instituído pelo Decreto de 14 de janeiro de 2010, encaminhou o Ofício nº

181/2012/SE/ME para análise acerca da legalidade da Resolução GECOPA nº 08, de

17 de abril de 2012, que autoriza a revisão da Matriz de Responsabilidades, com a

inclusão de anexo referente às atividades de Telecomunicações e discrimina as ações

do Orçamento Geral da União vinculadas a essas atividades.

Page 151: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

148

2. É o relatório.

PRELIMINAR

3. Inicialmente, deve-se destacar resumidamente qual o papel da AGU em sua

missão institucional, em especial, em suas atividades relacionadas à Copa do Mundo

FIFA 2014.

4. A Advocacia-Geral da União foi criada pela Constituição Federal de 1988

como Função Essencial à Justiça e “é a instituição que, diretamente ou através de

órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos

termos de lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as

atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo” (art. 135 da

CF/88).

5. Assim, compete à AGU a representação judicial e extrajudicial da União, bem

como de suas Autarquias e Fundações Públicas Federais, o que se dá através de seus

membros, os advogados públicos federais.

6. Em relação à atividade extrajudicial, previu a Lei Complementar nº 73/93, em

seu artigo 11, inciso V, que à Consultoria Jurídica compete “assistir a autoridade

assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela

praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua

coordenação jurídica”.

7. Nesse sentido, o advogado público deve fazer a análise da legalidade e

constitucionalidade dos atos administrativos, inclusive dos atos normativos.

8. O objetivo é auxiliar o gestor público de forma a que não sejam formuladas e

implementadas políticas públicas que ofendam o ordenamento jurídico vigente,

buscando-se evitar inúmeros questionamentos perante os órgãos de controle e

Judiciário, bem como eventuais responsabilizações desses agentes públicos.

9. Assim, é premissa fundamental que a política pública esteja em perfeita

consonância com o ordenamento jurídico em vigor e que o agente público aja dentro

Page 152: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

149

de suas atribuições e em atendimento aos princípios que norteiam a Administração

Pública.

10. A AGU, assim, não formula a política pública. Mas faz o crivo de sua

conformidade com as leis e atos normativos existentes no país.

11. A inexistência de manifestação consultiva da AGU potencializa problemas

judiciais e extrajudiciais, tanto para o ente federal, como para o próprio gestor

público.

12. Nesse sentido, ainda encontramos atividades governamentais sem respaldo no

pronunciamento do órgão jurídico competente, o que explica boa parte das ações

judiciais em curso contra o Poder Público e seus gestores. Portanto, a manifestação

jurídica prévia, quando não é obrigatória, mostra-se extremamente conveniente para

redução substancial dos riscos jurídicos.

13. Importante observar a esse respeito, que a AGU somente poderá fazer a defesa

judicial e extrajudicial do gestor público, acaso observados os atos normativos que

regem o assunto – Lei nº 9.028/95, Decreto 7.153/2010 e Portarias AGU

408/2009168 e 1.016/2010169.

14. Ainda sobre o tema, cabe ressaltar que é de competência do GECOPA/AGU a

análise da legalidade das minutas de resolução do GECOPA 2014 tal como previsto

no art. 4º-A do Decreto de 14 de janeiro de 2010, alterado pelo Decreto de 26 de

julho de 2011, a seguir transcrito:

“Art. 4º-A. A Advocacia-Geral da União – AGU constituirá grupo responsável para prestar auxílio jurídico ao GECOPA, bem como aos órgãos e entidades da administração federal

168 A Portaria AGU nº 408/2009 disciplina acerca da representação judicial dos agentes públicos. Em seu art. 4º, § 4º são elencados os itens a serem analisado pela AGU: “I – enquadramento funcional do agente público nas situações previstas no art. 22 da Lei nº 9.028, de 1995; II – natureza estritamente funcional do ato impugnado; III – existência de interesse público na defesa da legitimidade do ato impugnado; IV – existência ou não de prévia manifestação de órgão da AGU ou da PGF responsável pela consultoria e assessoramento da autarquia ou fundação pública federal sobre o ato impugnado; V – consonância ou não do ato impugnado com a orientação jurídica definida pelo Advogado-Geral da União, pelo Procurador-Geral Federal ou pelo órgão de execução da AGU ou da PGF; e VI – narrativa sobre o mérito e pronunciamento sobre o atendimento aos princípios que norteiam a Administração Pública.” Já o art. 6º cuida das hipóteses em que a AGU não fará a representação do agente público em juízo, cujo inciso III afasta a atuação da AGU se o ato impugnado tiver sido praticado em dissonância com a orientação, se existente, do órgão de consultoria e assessoramento jurídico competente, que tenha apontado expressamente a inconstitucionalidade ou ilegalidade do ato, salvo se possuir outro fundamento jurídico razoável e legítimo. 169 A Portaria AGU nº 1016/2010 dispõe sobre a representação dos gestores públicos perante o TCU. Em seu art. 9º, § 1º, exige-se: “A solicitação deverá vir acompanhada obrigatoriamente de parecer jurídico da respectiva unidade da Advocacia-Geral da União, atestando, conclusivamente, que: I - os atos foram praticados pelo gestor no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União, e de suas entidades da administração indireta; e II – os atos foram praticados em observância dos princípios elencados no caput do art. 37 da Constituição”.

Page 153: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

150

direta e indireta responsáveis pela execução do Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo FIFA 2014.”

15. É de se notar ainda que a Lei nº 9.784/99, em seu art. 50, prevê que “os atos

administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos

jurídicos, quando: ... VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão

ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais”.

16. Desse modo, afigura-se fundamental a análise dos atos normativos expedidos

pelo Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 – GECOPA pela AGU de

modo a que se tenha um controle prévio de legalidade e constitucionalidade, além de

se fazer necessária uma justificativa do gestor público caso as ponderações do órgão

jurídico sejam afastadas. Isso porque, como explicitado acima, a análise da

juridicidade das decisões concorre para a eficiência e segurança da condução dos

trabalhos.

ASPECTOS FORMAIS E MÉRITO

17. Estabelecida essa premissa, e passando à análise jurídica do ato, observa-se que

o art. 3º do Decreto de 14 de janeiro de 2010 instituiu o Grupo Executivo da Copa do

Mundo FIFA 2014 – GECOPA – responsável, no que aqui interessa, por “coordenar

e aprovar as atividades governamentais referentes à Copa do Mundo FIFA 2014

desenvolvidas por órgãos e entidades da administração federal direta e indireta ou

financiadas com recursos da União, inclusive mediante patrocínio, incentivos fiscais,

subsídios, subvenções e operações de crédito” (inciso IV). Dessa forma, compete

efetivamente ao GECOPA autorizar a revisão da Matriz de Responsabilidades, com a

inclusão de anexo referente às atividades de Telecomunicações, discriminando as

ações do Orçamento Geral da União vinculadas a essas atividades.

18. Quanto ao aspecto formal, nota-se que o Ministério do Esporte é o coordenador

do GECOPA (art. 4º do Decreto de 14 de janeiro de 2010). Nessa qualidade, o titular

da Pasta nomeou o Sr. Luis Manuel Rebelo Fernandes como representante do

Ministério no Grupo Executivo (Portaria ME n. 122, de 9 de setembro de 2011,

publicada no DOU de 12/09/2011, com a nova redação conferida pela Portaria ME n.

Page 154: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

151

36, de 2 de março de 2012). Assim, ao aludido servidor compete providenciar a

edição da resolução em referência, como resultado da deliberação do órgão

colegiado.

19. Em acréscimo, o ato normativo é próprio para a produção dos efeitos

pretendidos, haja vista que “resoluções são atos, normativos ou individuais,

emanados de autoridades de elevado escalão administrativo, como, por exemplo,

Ministros e Secretários de Estado ou Município, ou de algumas pessoas

administrativas ligadas ao Governo (constituindo) matéria das resoluções todas as

que se inserem na competência específica dos agentes ou pessoas jurídicas

responsáveis por sua aplicação.”170

20. No mérito, a presente Resolução visa à integração do disposto no art. 3º, IV, do

Decreto de 14 de janeiro de 2010, que institui o GECOPA e prevê, dentre suas

atribuições, “coordenar e aprovar as atividades governamentais referentes à Copa do

Mundo FIFA 2014 desenvolvidas por órgãos e entidades da administração federal

direta e indireta ou financiadas com recursos da União, inclusive mediante

patrocínio, incentivos fiscais, subsídios, subvenções e operações de crédito”.

21. Com efeito, a Resolução do GECOPA que ora se examina autoriza justamente

a revisão da Matriz de Responsabilidade para inclusão de tema fundamental ao

segundo ciclo de planejamento da Copa do Mundo: telecomunicações. A matriz,

como de conhecimento geral, objetiva viabilizar a execução das ações

governamentais necessárias à realização da Copa do Mundo FIFA 2014 sob o regime

de mútua cooperação entre os entes signatários.

22. Observe-se ainda que a inclusão, na Matriz de Responsabilidades, do anexo

referente às atividades de Telecomunicações cumpre, ainda que parcialmente, a

decisão constante do Acórdão TCU nº 563/2012, que em seu item 9.1.2. determinou

ao Ministério do Esporte, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da ciência, a

apresentação do “cronograma com descrição das etapas, prazos e metas para a

publicação do segundo ciclo da matriz de responsabilidades em cada uma das áreas

de ação de planejamento, a exemplo de hotelaria, segurança e telecomunicações”.

170 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manuela de Direito Administrativo, 21.ed., Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p. 131.

Page 155: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

152

23. Por fim, cumpre observar que este GECOPA/AGU não tem competência ou

conhecimento técnico específico para verificar a conformidade das informações

constantes do Anexo da Resolução GECOPA nº 08/2012 ou sobre a correção das

ações do Orçamento Geral da União vinculadas às atividades de Telecomunicações.

Tampouco houve análise do termo aditivo à matriz de responsabilidades, que por ser

assinado apenas pelo Ministro da Pasta interessada, não atrai a competência do

GECOPA/AGU.

24. Em conclusão, atendidos os requisitos do ato administrativo, conclui-se que a

minuta da Resolução GECOPA nº 08/2012 observa a legislação vigente que rege a

matéria, não havendo ressalvas quanto à sua aprovação.

À consideração superior.

Brasília, 20 de abril de 2012.

Teresa Cristina de Melo Costa Procuradora Federal

Coordenadora-Geral Substituta do GECOPA/AGU

APROVO o Parecer Nº 5/2012/GECOPA/CGU/AGU.

Encaminhem-se os autos ao Ministério do Esporte, com urgência.

Brasília, 20 de abril de 2012.

Luciana Hoff Procuradora Federal

Coordenadora-Geral do GECOPA/AGU

Page 156: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

153

ANÁLISE DA MINUTA DAS RESOLUÇÕES GECOPA Nº 06/2012 E 07/2012

Luciana Hoff Procuradora Federal

PARECER Nº 6/2012/GECOPA/CGU/AGU PROCESSO: 0400.003813/212-91 INTERESSADO: Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 – GECOPA (Secretaria Executiva do Ministério do Esporte) ASSUNTO: Análise da minuta das Resoluções GECOPA nº 06/2012 e 07/2012

I. Ofícios nºs 182 e 188/2012/SE/ME. Resoluções GECOPA nº 6/2012 e nº 7/2012.

II. Constitucionalidade e legalidade dos atos, com recomendações.

1. O Ministério do Esporte, por intermédio de sua Secretaria-Executiva, na qualidade de

Coordenador do Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 – GECOPA, instituído pelo

Decreto de 14 de janeiro de 2010, encaminhou os Ofícios nºs 182 e 188/2012/SE/ME para

reanálise acerca da legalidade da minuta da Resolução nº 7/2012, que dispõe sobre a

atualização e revisão da Matriz de Responsabilidades, bem como solicita pronunciamento

sobre a Resolução 6/2012, que define os critérios para atualização, revisão e monitoramento

das ações da Matriz de Responsabilidades.

2. É o relatório.

PRELIMINAR

3. Considerando que o ofício nº 188 cuida de nova versão da Resolução nº 7, com novos

anexos, após os alertas feitos no Parecer nº 2/2012/GECOPA/CGU/AGU e considerando que

a Resolução nº 6 trata de tema conexo, tratarei dos temas conjuntamente em um único

parecer.

Page 157: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

154

ASPECTOS FORMAIS

4. Estabelecida essa premissa, e passando à análise jurídica do ato, observa-se que o art. 3º

do Decreto de 14 de janeiro de 2010 instituiu o Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA

2014 – GECOPA – responsável, no que aqui interessa, por “coordenar e aprovar as atividades

governamentais referentes à Copa do Mundo FIFA 2014 desenvolvidas por órgãos e entidades

da administração federal direta e indireta ou financiadas com recursos da União, inclusive

mediante patrocínio, incentivos fiscais, subsídios, subvenções e operações de crédito” (inciso

IV). Dessa forma, compete efetivamente ao GECOPA definir os critérios para atualização,

revisão e monitoramento das ações da Matriz de Responsabilidades, bem como efetivamente

autorizar sua atualização e revisão.

5. Ainda sob o aspecto formal, nota-se que o Ministério do Esporte é o coordenador do

GECOPA (art. 4º do Decreto de 14 de janeiro de 2010). Nessa qualidade, o titular da Pasta

nomeou o Sr. Luis Manuel Rebelo Fernandes como representante do Ministério no Grupo

Executivo (Portaria ME n. 122, de 9 de setembro de 2011, publicada no DOU de 12/09/2011,

com a nova redação conferida pela Portaria ME n. 36, de 2 de março de 2012). Assim, ao

aludido servidor compete providenciar a publicação das resoluções em referência, como

resultado da deliberação do órgão colegiado.

6. Em acréscimo, o ato normativo é próprio para a produção dos efeitos pretendidos, haja

vista que “resoluções são atos, normativos ou individuais, emanados de autoridades de

elevado escalão administrativo, como, por exemplo, Ministros e Secretários de Estado ou

Município, ou de algumas pessoas administrativas ligadas ao Governo (constituindo) matéria

das resoluções todas as que se inserem na competência específica dos agentes ou pessoas

jurídicas responsáveis por sua aplicação.”171

MÉRITO

Resolução nº 6

7. A Resolução nº 6 “define os critérios para a atualização, revisão e monitoramento das

ações da Matriz de Responsabilidades”.

171 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 21.ed., Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p. 131.

Page 158: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

155

8. Inicialmente, a fim de aprimorar a redação do normativo, sugiro que a ementa seja

redigida nos seguintes termos: “define os critérios para atualização e revisão da Matriz de

Responsabilidades e a forma de monitoramento de suas ações”. Isso porque na resolução em

tela não se fala de critérios de monitoramento, mas apenas disciplina sua forma. Os critérios

referem-se exclusivamente à atualização e revisão da Matriz.

9. As definições constantes da Resolução nº 6 são muito bem vindas e atendem aos

princípios constitucionais da publicidade e da eficiência. O normativo busca dar maior

transparência aos trabalhos desenvolvidos pelo GECOPA, demonstrando-se efetivamente

quando será o caso de atualização e de revisão da Matriz de Responsabilidades, bem como

esclarece a forma de monitoramento realizado e prevê a publicação de balanços periódicos.

10. O art. 1º define quando será o caso de atualização da Matriz. As hipóteses elencadas

foram longamente discutidas pelo colegiado do GECOPA de modo a estabelecer a rotina de

atualização. Todas estão de acordo com a legislação vigente.

11. Poder-se-ia indagar, no entanto, o motivo pelo qual se estabeleceu o critério de 25% para

atualização da Matriz de Responsabilidades em função de alterações de valor.

12. Essa definição decorre da impossibilidade prática de atualização da Matriz a cada

alteração de valor, que poderia ser de valor insignificante. Assim, na busca de um critério

razoável, fixou-se que o documento deve ser atualizado em havendo modificação de valor

superior a 25%, seja para maior seja para menor, isso tudo em relação à primeira Matriz

assinada em janeiro de 2010.

13. Entendo que o percentual respeita o princípio da razoabilidade e, eventualmente, acaso

não atenda de algum modo ao controle de planejamento efetuado pelo GECOPA, esse pode

ser revisto no futuro por esse órgão colegiado.

14. Ainda quanto ao art. 1º, entendo que seria conveniente o acréscimo de um dispositivo172

que discipline a possibilidade genérica de atualização da Matriz de Responsabilidades a juízo

do GECOPA. Isso porque pode ser identificada no futuro hipótese que não foi elencada nos

incisos do art. 1º, o que dificultaria a atualização sem alteração da presente Resolução. Então,

de todo oportuno que desde já se insira o dispositivo.

15. O art. 2º disciplina o prazo para a atualização da Matriz de Responsabilidades e planeja

que seja realizada tão logo identificadas as hipóteses do art. 1º. A regra evita a demora

desarrazoada para as providências de atualização. Ela igualmente vem ao encontro de diversos

172 Sugere-se um parágrafo único com a seguinte redação: “A Matriz de Responsabilidades poderá ser igualmente atualizada por qualquer outro motivo relevante, a juízo do GECOPA”.

Page 159: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

156

acórdãos do TCU que demandavam a atualização da Matriz, que é instrumento de

transparência (o que é Copa e seus custos). Sem ressalvas.

16. Já o art. 3º estabelece as hipóteses de revisão da Matriz de Responsabilidades, indicando

que devem acontecer quando houver a inclusão ou exclusão de empreendimentos. Sem

ressalvas quanto à sua redação.

17. Por fim, o art. 4º estabelece a forma de monitoramento dos anexos da Matriz de

Responsabilidades, de competência da União, com interlocução com os demais entes

signatários, bem como prevê, em seu parágrafo único, o Sistema Integrado de Monitoramento

e a publicação de balanços periódicos.

18. O monitoramento pelo GECOPA (pela União) das ações necessárias à Copa do Mundo de

2014 é fundamental para que se tenha controle sobre a execução das atividades necessárias ao

cumprimento dos compromissos assumidos internacionalmente para a realização do evento,

com data marcada e que não comporta atrasos.

19. A publicação de balanços periódicos dará maior transparência ao conjunto de atividades

governamentais em execução. O monitoramento e os consequentes balanços é que definirão

quando será o caso de atualização e revisão da Matriz de Responsabilidades.

20. O dispositivo (art. 4º) não tem ressalvas quanto à sua aprovação, e sua implementação

atende ao princípio constitucional da eficiência.

21. Em síntese, a Resolução nº 6, ao disciplinar os critérios a serem utilizados pelo GECOPA

para atualização e revisão da Matriz de Responsabilidades e forma de monitoramento, com a

consequente publicação e balanços periódicos, significa avanço substancial quanto ao

acompanhamento das ações necessárias à realização da Copa do Mundo de 2014 e dá

transparência aos atos do GECOPA na execução dessa tarefa. Sem ressalvas quanto à sua

aprovação, pois está conforme a legislação vigente, com as sugestões de redação elencadas

nos itens 8 e 14.

22. Por fim, sugiro que futuramente o GECOPA avance mais nessa seara de forma a

disciplinar todos os instrumentos de que se uliliza no planejamento, coordenação e

acompanhamento das atividades governamentais referentes à Copa do Mundo.

Resolução nº 7

23. A Matriz de Responsabilidades assinada em janeiro de 2010 precisa de atualização.

Page 160: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

157

24. Nesse sentido, a Resolução nº 7 autoriza a atualização e revisão de todas as obras que se

enquadrem nos critérios estabelecidos pelo GECOPA nos artigos 1º e 3º da Resolução nº 6, já

analisada supra.

25. Aqui, conforme o art. 1º da nova versão da Resolução nº 7 e seus anexos, verificamos que

não temos uma atualização decorrente apenas de grandes reformas, como proposto

inicialmente, mas de todas aquelas que sofreram alterações conforme os critérios da

Resolução nº 6. Assim, as regras são claras e objetivas e teremos uma nova Matriz alterando a

antiga Matriz. A técnica é adequada e conforme os ditames do regime jurídico administrativo.

26. Note-se, no entanto, que a atualização e revisão da Matriz não suprime integralmente a já

assinada em janeiro de 2010. Apenas substitui a anterior no que lhe for contrário. É o que

prevê o art. 2º. Assim, teremos a concomitância da Matriz de 2010, com a alterações da nova

Matriz (após a assinatura dos entes federativos). O procedimento é possível e conforme a

técnica de revisão de atos normativos.

27. Já o artigo 3º revoga os anexos da Resolução nº 3 ante a revisão e alteração dos anexos da

Matriz de Responsabilidades prevista na presente Resolução, com exceção dos casos em que a

Resolução nº 3 produziu efeitos, com a assinatura de aditivos à Matriz. Há a substituição,

portanto, da Resolução nº 3 pela atual Resolução nº 7, deixando os anexos daquela de existir,

com a exceção dos casos em que aquela já produziu efeitos (assinatura de aditivos à Matriz).

Salvo melhor juízo, é o caso da Matriz de Cuiabá.

28. A ideia do art. 3º é adequada. No entanto, sugere-se a seguinte redação: “Revoga-se a

Resolução nº 3, de 8 de novembro de 2011, e seus anexos, ressalvados os efeitos produzidos

com a assinatura de aditivos à matriz de responsabilidades pelos respectivos entes signatários”

(modificações sugeridas sublinhadas).

29. O art. 4º é de todo oportuno, de modo a dar transparência sobre a integralidade das obras

constantes da Matriz de Responsabilidades, sejam aquelas previstas inicialmente em janeiro

de 2010, com as alterações havidas em julho de 2010 (portos e aeroportos), bem como aquelas

ocorridas em decorrência da Resolução nº 3, de novembro de 2011 e agora com a atualização

e revisão previstas na Resolução nº 7.

30. Assim, a providência é elogiável e facilita sobremaneira o controle da totalidade das

obras previstas para serem executadas no 1º ciclo de planejamento, de modo a que tenha

apenas um documento a ser consultado. A sociedade e os órgãos de controle podem verificar

o planejamento para a Copa sem dificuldades. Sem ressalvas quanto à redação.

Page 161: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

158

31. No entanto, observo que na consolidação da Matriz de Responsabilidades (anexo 2),

constou apenas o valor correspondente ao investimento total. Para atender ao comando

inserto no art. 3º, inciso IV, do Decreto de 14 de janeiro de 2010, e subsequentes alterações,

devem constar as informações de quem está investindo quanto, a exemplo do que acontece na

Matriz hoje existente – quem é responsável por qual valor.

32. Essa providência, além de ser obrigatória quando da divulgação das informações

relacionadas à Copa do Mundo de 2014 no Portal da Transparência, atende igualmente ao que

determinou o Tribunal de Contas da União no acórdão 563/2012, in verbis:

“9.1. determinar ao Ministério do Esporte, com base no art. 45, caput, da Lei nº 8.443/92, que:

9.1.1. no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da ciência, atualize a matriz de

responsabilidades, a fim de que o documento passe a discriminar todas as intervenções

essenciais para a realização da Copa do Mundo de 2014, tanto aquelas de exclusividade da

União, quanto aquelas que envolvam compromissos de outros entes federados ou entidades

privadas, fazendo constar as respectivas indicações dos órgãos/entidades responsáveis e

valores envolvidos, nos termos do Acórdão 2.101/2008-Plenário e da Instrução Normativa

TCU 62/2010, incluindo necessariamente, as intervenções relativas à acessibilidade nos

estádios, tidas como pré-requisitos de desembolso nos contratos de financiamento dos

estádios pactuados com o BNDES”

33. Nesse sentido, recomendo a adequação do anexo 2 (consolidação das obras da Matriz de

Responsabilidades), de forma a que constem todas as responsabilidades pelos investimentos,

sejam eles federal, estadual, municipal ou da iniciativa privada. A publicação nesses moldes

pode ser feita apenas no Portal da Copa (www.copa2014.gov.br).

34. Oportuno ainda recordar que o acórdão 563/2012 do TCU determinou a inclusão das

obras necessárias ao acesso aos estádios, conforme transcrito supra, o que ainda não é

plenamente atendido nessa Resolução nº 7.

35. No entanto, o Ministério do Esporte, em conjunto com o BNDES, está trabalhando para

identificar com precisão quais são as obras que efetivamente são necessárias ao acesso às

arenas e que ainda não constam da Matriz, de tal forma que o atendimento ao comando do

TCU nesse aspecto será efetuado num momento posterior à presente atualização e revisão, tão

logo ultimados os trâmites para seu cumprimento.

36. Igualmente oportuno lembrar que as ações orçamentárias respectivas devem ser

identificadas e divulgadas, em atenção ao que dispõe o art. 3º, inciso III, do Decreto de 14 de

janeiro de 2010 e respectivas alterações. O comando é imperativo e deve ser cumprido. No

Page 162: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

159

entanto, não se faz obrigatório que seja nesta Resolução, podendo o GECOPA fazê-lo em

resolução exclusiva para esse fim.

37. Por fim, cumpre observar que este GECOPA/AGU não tem competência ou

conhecimento técnico específico para verificar a correção de todas as informações constantes

dos anexos da Resolução GECOPA 07/2012.

38. Assim, com as observações supra elencadas (itens 28, 33, 35 e 36), entendo que a

Resolução nº 7 atende e respeita as leis e princípios vigentes no país e cumpre, ainda que

parcialmente, o que determinou o TCU no acórdão 563/2012.

CONCLUSÃO

39. Ante o exposto, conclui-se que as Resoluções GECOPA nº 6/2012 e 7/2012 encontram-se

dentro dos limites traçados pelo Decreto de 14 de janeiro de 2010 e respectivas alterações e

respeitam a legislação vigente, não havendo ressalvas quanto à sua aprovação, registrando-se

apenas as sugestões de redação e recomendações dos itens 8, 14, 22, 28, 33, 35 e 36 para

apreciação do colegiado.

40. Em face do atendimento das recomendações do Parecer nº 2/2012/GECOPA/CGU/AGU,

fica este revogado.

41. À Secretaria-Executiva do Ministério do Esporte, com urgência.

Brasília, 23 de abril de 2012.

Luciana Hoff

Procuradora Federal

Coordenadora-Geral do GECOPA/AGU

Page 163: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

160

DECOR INFORMA i

A seguir, observam-se entendimentos jurídicos havidos sobre os Processos de

nº 0400.001936/2011-14 - Complementação de Aposentadoria dos Empregados da CODESP

e, de nº 00402.001419/2010-36 – Suspensão Temporária de Participação em Licitação e

Impedimento de Contratar com a Administração (art.87,III, de Lei nº 8.6666/93) e as

respectivas manifestações jurídicas proferidas nos Pareceres de nº

12/2012/DECOR/CGU/AGU e de nº 087/2011/DECOR/CGU/AGU.

COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA DOS EMPREGADOS DA CODESP

Rafael Figueiredo Fulgêncio Advogado da União

PARECER Nº 12/2012/DECOR/CGU/AGU PROCESSO Nº 00400.001936/2011-14 INTERESSADO: CONJUR/MPOG ASSUNTO: COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA DOS EMPREGADOS DA

CODESP

COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA DOS EMPREGADOS DA CODESP. INVIABILIDADE DE EXTENSÃO AOS EMPREGADOS NÃO CONTEMPLADOS NOS ACORDOS COLETIVOS FIRMADOS EM 1987. INVIABILIDADE DE SUPRESSÃO DOS BENEFÍCIOS QUE JÁ VEM SENDO PAGOS. I – A concessão de benefício de complementação de aposentadoria por empresas estatais federais encontra-se vedada pelo art. 6º do Decreto-Lei 2.355/87. II - A singela menção à existência de sobrepreço complessivo embutido na tarifa portuária, como fonte suficiente de custeio, não é capaz de demonstrar a viabilidade da proposta de criação de complementação de aposentadoria frente ao quanto disposto no art. 195, §5º, da CRFB/88, e nos arts. 16, 17 e 24 da LC 101/00. III – Conforme jurisprudência do TST, não se aplica às cláusulas que tratam de complementação de aposentadoria previstas em Acordo Coletivo o disposto na Súmula/TST nº 277, mas o disposto nas Súmulas/TST nº 51 e nº 288.

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IV- Conforme jurisprudência do TST, a suposta infringência à sistemática prevista na Lei 6.435/77 e, posteriormente, na LC 109/01, não isenta do pagamento de complementação de aposentadoria a empresa que se comprometeu a realizá-lo por meio de Acordo Coletivo.

Senhora Coordenadora-Geral,

- I -

1. Trata-se de divergência de entendimento instaurada entre a Consultoria

Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – CONJUR/MPOG e a

Assessoria Jurídica da Secretaria de Portos – ASSEJUR/SEP acerca da legalidade da

proposta, formulada pela Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP, de

instituição, via Acordo Coletivo de Trabalho, de complementação de aposentadoria em favor

dos empregados de referida empresa estatal admitidos no interregno de 05.06.1965 a

01.10.1988. Questiona, ainda, a CONJUR/MPOG, a legalidade da complementação de

aposentadoria que já vem sendo paga pela CODESP a seu pessoal inativo admitido até a data

de 04.06.1965.

2. Conforme se extrai dos autos, requereu a CODESP autorização para estender a

seus empregados admitidos no período de 05.06.1965 a 01.10.1988 a complementação de

aposentadoria que vem sendo paga a seu pessoal inativo admitido até a data de 04.06.1965

com fundamento em Acordos Coletivos de Trabalho firmados no ano de 1987.

3. O Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do

Ministério do Orçamento, Planejamento e Gestão – DEST/MPOG, por meio da Nota Técnica

nº 178/CGS/DEST-MP, manifestou-se contrariamente à proposta, verbis:

Entende-se que a proposição da opção pela complementação de aposentadoria não pode ser aprovada, considerando que:

a) Choca-se com o art. 195, §5º, da Constituição Federal, que estabelece que nenhum benefício ou serviço de seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total, já que os beneficiários não teriam contribuído para a complementação solicitada;

b) Conforme o art. 2º da Lei Complementar nº 109, de 26.5.2001, o regime de previdência complementar deve ser operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e

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executar planos de benefícios de caráter previdenciário. Ao complementar a aposentadoria de seus empregados, s.m.j., a CODESP está exercendo a atividade exclusiva de entidade de previdência complementar;

c) Nesse caso, de acordo com o art. 6º da LC nº 109, se a CODESP fosse comparável a uma entidade de previdência complementar, somente poderia instituir e operar planos de benefícios para os quais tivesse autorização específica, segundo as normas aprovadas pelo órgão regulador e fiscalizador; e

d) Segundo o art. 67 da LC nº 109, consta que o exercício de atividade de previdência complementar por qualquer pessoa, física ou jurídica, sem a autorização devida do órgão competente, inclusive a comercialização de planos de benefícios, bem como a captação ou a administração de recursos de terceiros com o objetivo de, direta ou indiretamente, adquirir ou conceder benefícios previdenciários sob qualquer forma, submete o responsável à penalidade de inabilitação pelo prazo de dois a dez anos para o exercício de cargo ou função em entidade complementar, sociedades seguradoras, instituições financeiras e no serviço público, além de multa aplicável de acordo com o disposto no inciso IV do art. 65 da referida Lei Complementar, bem como noticiar ao Ministério Público.

4. Na sequência, foi proferida pela ASSEJUR/SEP a NOTA Nº

066/2010/ASSEJUR/AGU/SEP/PR, que, conforme sintetizado pela CONJUR/MPOG,

manifestou-se favoravelmente à proposta da CODESP nos seguintes termos:

a) a pretensão da CODESP acha-se em consonância com nova política de administração portuária do país, que inclusive, ensejou a própria criação da Secretaria Especial de Portos da Presidência da República; b) trata-se de mera retificação de Acordo Coletivo de Trabalho já existente, que, até aqui, não vem sendo objeto de questionamento, por parte dos órgãos de controle interno e externo, isto com relação aos empregados admitidos até 04.06.1965 (fls. 168); c) trata-se de medida salutar que visa incentivar a inativação e, com isto, propiciar a renovação do Quadro de Pessoal da CODESP; d) o benefício em tela foi instituído por Acordo Coletivo de Trabalho firmado entre o Governo Federal e a Federação Nacional dos Portuários em 04.10.1963, conforme a Portaria nº 46, de 07.02.1964, do titular do Ministério da Viação e Obras Pública (fls. 154), muito antes da existência do instituto, benefícios e regras relativos à previdência privada complementar (fls. 168); e) que o benefício foi suspenso em maio de 1965 e restabelecido a partir de maio de 1987; f) dispõe o benefício de fonte de custeio específica, correspondente ao percentual de 10,1% (dez vírgula hum por cento), incidente sobre as tarifas portuárias, a qual vem suportando, a partir de 1º.10.1988, a complementação dos aposentados admitidos até 04.06.1965, e que poderá servir para suportar as complementações dos admitidos até

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01º.10.1988, se autorizada a retificação do ACT; g) a complementação em tela extingue-se com o falecimento do beneficiário, não sendo extensível aos dependentes, ou quando o valor da aposentadoria concedida pelo INSS suplanta o da remuneração, situação hoje ocorrente (fls. 169); h) que os arts. 611 a 625 da CLT têm sua redação dada pelo Decreto-Lei nº 229, de 28 de fevereiro de 1967, que é anterior ao ACT firmado em 31.07.1987, então aprovado pelo Conselho Interministerial de Salário das Empresas Estatais – CISEE, órgão precursor do DEST, bem como é anterior à CF-1988, estando ainda vigentes, o que demonstra haverem sido recepcionados pela CF-1988; i) que as referidas normas prevêem a possibilidade de prorrogação do Acordo (vide art. 615 da CLT); j) que o fato de ter havido a autorização pelas autoridades governamentais competentes demonstra a compatibilização com a política salarial então vigente (fls. 173); k) que a pretensão encontra guarida no art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal e art. 615 da CLT; l) que as normas relativas ao Regime de Previdência Privada Complementar são inaplicáveis ao caso, o que é, inclusive, demonstrado pelo quadro de legislação comparativo de fls. 175 a 182.

5. A CONJUR/MPOG, por sua vez, exarou o PARECER Nº 0135 –

3.27/2011/RA/CONJUR/MP, manifestando-se contrariamente à proposta da CODESP. Para

tanto, assevera que “a instituição de planos de previdência complementar compete às

entidades de previdência complementar, dependendo de autorização específica, conforme as

normas aprovadas pelo órgão regulador e fiscalizador (art. 202 da CRFB/88 c/c arts. 2º da

LC 109/01 e 8º da LC 108/01)”.

6. Afirma, ademais, que as Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho não são

instrumentos jurídicos idôneos à estipulação de relações de natureza previdenciária, mas,

apenas, de condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da relação de emprego, “E, isto,

somente no interregno de vigência do instrumento coletivo pertinente”, que é de, no máximo,

dois anos, conforme disposto no art. 614, §3º, da CLT. No caso, porém, pretenderia a

CODESP o estabelecimento “observando-se período aquisitivo anterior ao da vigência do

respectivo instrumento, de benefício de natureza previdenciária, cujo gozo se dará após o

término da vigência do acordo”.

7. Ressalta o quanto disposto no art. 6º do Decreto-Lei nº 2.355/87, infra

transcrito, que proíbe o pagamento, pelas entidades da Administração Pública Federal

indireta, “de prêmios de aposentadoria (...) ou benefícios assemelhados”, ressalvando,

apenas, as contribuições financeiras realizadas a entidades de previdência privada fechada.

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8. Salienta que a extensão do benefício de complementação de aposentadoria em

questão não se trataria de uma mera prorrogação ou retificação dos Acordos Coletivos

firmados no ano de 1987, mas, sim, da modificação dos referidos acordos, após um hiato de

mais de 22 anos.

9. Afirma, ainda, não favorecer à pretensão da CODESP o disposto no art. 195,

§3º, da CRFB/88 c/c arts. 16, 17 e 24 da LC 101/00, por se tratar de empresa estatal

dependente (art. 2º, III, da LRF), “não havendo que se falar em atendimento às referidas

normas, com a singela menção à existência de sobrepreço complessivo, embutido na tarifa

portuária, como fonte suficiente de custeio” para o benefício que se pretende instituir.

10. Assevera, por fim, a CONJUR/MPOG, a ilegalidade da complementação de

aposentadoria que hoje vem sendo paga pela CODESP, uma vez que a instituição do referido

benefício, além de ter se dado por meio de instrumento jurídico inidôneo, como já dito, os

Acordos Coletivos de Trabalho firmados no ano de 1987, se deu em afronta à sistemática

estabelecida na Lei 6.435/77, que, à época, dispunha acerca das entidades de previdência

complementar.

11. Instada a se manifestar por este DECOR, a Consultoria Jurídica do Ministério

da Previdência Social – CONJUR/MPS, por intermédio do PARECER/CONJUR/MPS/Nº

217/2011, asseverou, inicialmente, competir à Superintendência Nacional de Previdência

Complementar – PREVIC caracterizar, ou não, como benefício de previdência complementar

stricto sensu, a complementação de aposentadoria que vem sendo paga pela CODESP.

12. A despeito da ressalva acima, opinou no mesmo sentido da CONJUR/MPOG,

afirmando, em breve resumo, que “a complementação de aposentadoria em questão, apesar

de estar prevista em um ACT, e apesar de tratada pela CODESP como mero benefício

trabalhista, tem, aparentemente, natureza previdenciária”. Para tanto, afirma que “a

complementação de aposentadoria, como o nome já diz, é um complemento ao benefício

previdenciário da aposentadoria” sendo a aposentadoria “um instituto genuinamente

previdenciário”.

13. Ressalta que o art. 202 da CRFB/88, de forma implícita, teria determinado que

toda e qualquer complementação de aposentadoria deve ser caracterizada como previdência

complementar stricto sensu, devendo ser regulado e fiscalizado pelas normas e entidades que

compõe o regime de previdência complementar.

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14. Registra, ademais, a CONJUR/MPS, que “a complementação pretendida pela

CODESP nada mais é do que uma transferência de recursos da CODESP para os seus ex-

empregados a título de complementação de aposentadoria, ainda que sem a constituição de

uma entidade formal de previdência privada complementar”, posicionando-se, ainda,

contrariamente à cobrança de tarifas portuárias para o custeio de complementação de

aposentadorias.

15. Conclui, assim, a CONJUR/MPS, no sentido da “aparente irregularidade das

complementações de aposentadoria feitas pela CODESP, não só daquelas que já vêm sendo

feitas aos ex-empregados admitidos até 04/06/1965, mas também daquelas pretendidas em

relação aos empregados admitidos entre 05/06/1965 e 1º/10/1988”.

16. A Procuradoria Federal junto à Superintendência Nacional de Previdência

Complementar – PF/PREVIC, por sua vez, através do PARECER Nº 143/2011/PF-

PREVIC/PGF/AGU, em apertada síntese, informa, inicialmente, que a matéria já havia sido

objeto de análise da mesma, quando se concluiu “pela natureza de previdência complementar

dos pagamentos efetuados pela CODESP, a fim de acrescer valores ao benefício auferido

pelo RGPS no intuito de equiparar à remuneração percebida pelo ex-empregado em

atividade”. Ressalta, porém, que, reanalisando a matéria, concluiu que não se observam nos

pagamentos efetuados pela CODESP todos os elementos presentes no regime de previdência

complementar, a saber, “autonomia, contratualidade, constituição de reservas garantidoras

do benefício contratado e independência da relação trabalhista”, razão pela qual

“evidenciada a ausência de caráter de previdência privada” nos referidos pagamentos.

17. Afirma, ademais, a PF/PREVIC, que a “carência dos elementos estruturantes

da previdência privada (...) conduz ao afastamento da incidência do art. 67 da LC nº

109/2001” razão pela qual não disporia a respectiva autarquia da competência para se

manifestar acerca da legalidade da complementação de aposentadoria que vem sendo paga

pela CODESP a seu pessoal inativo.

18. Brevemente relatados os autos, manifesto-me.

- II -

19. Conforme visto, pretende a CODESP estender a seus empregados admitidos

entre 05.06.1965 e 01.10.1988 a complementação de aposentadoria que vem sendo paga a seu

pessoal inativo admitido até 04.06.1965. Tal pretensão, porém, na linha do entendimento

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firmado pela CONJUR/MPOG e pela CONJUR/MPS, é inviável, encontrando óbices

intransponíveis na legislação de regência da matéria.

20. Com efeito, em primeiro lugar, é de se ressaltar que a instituição da

complementação de aposentadoria pretendida pela CODESP não se caracteriza como mera

retificação dos Acordos Coletivos de Trabalho firmados pela empresa ainda no ano de 1987,

representando, em verdade, a instituição de benefício novo, não previsto nos acordos

originais. Assim, a concessão, a novos beneficiários, da complementação de aposentadoria em

tela, dependeria de novo acordo, ao qual se aplicaria a integralidade das limitações e

exigências apostas na legislação de regência da matéria atualmente em vigor.

21. No ponto, é de se ressaltar, ainda, que, conforme determinam os arts. 613 e 614

da CLT173, os Acordos Coletivos de Trabalho devem vigorar por um prazo máximo de dois

anos. Conclui-se, portanto, já ter se esgotado há mais de duas décadas o prazo de vigência dos

Acordos Coletivos de Trabalho firmados pela CODESP no ano de 1987, razão pela qual não

se deve cogitar a possibilidade de prorrogação ou de retificação dos mesmos.

22. Seguindo adiante, mister registrar, conforme bem ressalta a CONJUR/MPOG,

o quanto disposto no art. 6º do Decreto-Lei nº 2.355/87, que proíbe expressamente o

pagamento, pelas entidades da Administração Pública Federal indireta, “de prêmios de

aposentadoria (...) ou benefícios assemelhados”, ressalvando, apenas, as contribuições

financeiras realizadas a entidades de previdência privada fechadas, na condição de

patrocinadoras:

Art. 1º A nenhum servidor civil ou militar do Poder Executivo da União e dos Territórios será paga, no País, retribuição mensal superior ao valor percebido, como remuneração, a qualquer título, por Ministro de Estado.

§ 1º Para os efeitos deste decreto-lei, considera-se:

I - servidor, qualquer que seja o regime jurídico ou forma de investidura:

173 “Art. 613. As convenções ou acordos deverão conter obrigatoriamente: (...) II - prazo de vigência; (...) IV- condições ajustadas para reger as relações individuais de trabalho durante a sua vigência;” “Art. 614, (...) 3º. Não será possível estipular duração de convenção ou acordo superior a 2 (dois) anos”.

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(...)

b) os dirigentes, conselheiros e empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista, subsidiárias, controladas, coligadas ou quaisquer empresas de cujo capital o poder público tenha o controle direto ou indireto, inclusive em virtude de incorporação ao patrimônio público;

(...)

Art. 6º Ressalvados o direito adquirido e a coisa julgada, é vedado às entidades referidas nas alíneas b e c do item I do § 1º do art. 1º, e às autarquias em regime especial, conceder a seus servidores:

(...)

V - prêmios de aposentadoria, se salário-família complementar, salário-esposa ou benefícios assemelhados;

(...)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica:

(...)

b) as contribuições financeiras que realizem, como patrocinadoras, a entidade de previdência privada fechada, observada a legislação específica;

(...)

Art. 8º A inobservância do disposto neste decreto-lei configura falta grave, punível com pena de demissão, destituição de função ou rescisão de contrato de trabalho, sem prejuízo da responsabilidade civil e penal que couber.

23. Da análise dos referidos dispositivos normativos, extrai-se a inviabilidade

jurídica do pleito da CODESP veiculado nos presentes autos, uma vez que o citado art. 6º do

Decreto-Lei nº 2.355/87 proíbe, de forma peremptória, o custeio, pelas entidades da

Administração Pública Federal, de benefícios de complementação de aposentadoria a seus

servidores/empregados.

24. Não devemos nos olvidar, ademais, que, após a modificação determinada pela

EC 20/98, passou o art. 202, §3º, da CRFB/88, a proibir, expressamente, “o aporte de

recursos a entidade de previdência privada”, inclusive, pelas empresas públicas e sociedades

de economia mista, “salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese

alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado”174, veja-se:

174 Disposição normativa repetida nos arts. 5º e 6º da LC 108/01, verbis:

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Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

(...)

§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.

25. Assim, mesmo não fosse a vedação constante do citado art. 6º do Decreto-Lei

nº 2.355/87, a concessão do benefício proposto pela CODESP seria de duvidosa

constitucionalidade, uma vez que, apesar de tratar o §3º do art. 202 da CRFB/88 das

contribuições das entidades da Administração Pública indireta, inclusive, aos fundos de

previdência privada, referido dispositivo demonstra a clara intenção constitucional de

proscrever o financiamento integral, pelas referidas entidades, de complementações de

aposentadoria aos integrantes de seus quadros, impondo a estes custear, no mínimo, metade

de seu benefício.

26. A obstar a pretensão da CODESP em análise, é de se ressaltar, ainda, que,

conforme corretamente pontuado pela CONJUR/MPOG, “a singela menção à existência de

sobrepreço complessivo, embutido na tarifa portuária, como fonte suficiente de custeio”, não

é capaz de demonstrar a viabilidade da proposta em apreço frente ao quanto disposto no art.

195, §5º, da CRFB/88175, bem como nos arts. 16, 17 e 24 da LC 101/00176, aplicáveis à

“Art. 5º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas o aporte de recursos a entidades de previdência privada de caráter complementar, salvo na condição de patrocinador. Art. 6º O custeio dos planos de benefícios será responsabilidade do patrocinador e dos participantes, inclusive assistidos. § 1º A contribuição normal do patrocinador para plano de benefícios, em hipótese alguma, excederá a do participante, observado o disposto no art. 5o da Emenda Constitucional no 20, de 15 de dezembro de 1998, e as regras específicas emanadas do órgão regulador e fiscalizador. § 2º Além das contribuições normais, os planos poderão prever o aporte de recursos pelos participantes, a título de contribuição facultativa, sem contrapartida do patrocinador. § 3º É vedado ao patrocinador assumir encargos adicionais para o financiamento dos planos de benefícios, além daqueles previstos nos respectivos planos de custeio”. 175 “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) § 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.” 176 “Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de: I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes; II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

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espécie em razão de se tratar a CODESP de estatal dependente, nos termos do art. 2º, inciso

III, da referida Lei Complementar177.

27. De todo o exposto, fica clara, como já dito, a inviabilidade jurídica da

pretensão da CODESP de estender a seus empregados admitidos entre 05.06.1965 e

01.10.1988 a complementação de aposentadoria que vem sendo paga a seu pessoal inativo

admitido até 04.06.1965, razão pela qual, s.m.j., deve esta Advocacia-Geral da União

manifestar-se contrariamente à respectiva proposta.

- III -

28. Quanto aos benefícios de complementação de aposentadoria que vêm sendo

pagos pela CODESP em favor de seus empregados inativos admitidos até a data de

§ 1o Para os fins desta Lei Complementar, considera-se: I - adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício; II - compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições. § 2o A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas. § 3o Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias. § 4o As normas do caput constituem condição prévia para: I - empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras; II - desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3o do art. 182 da Constituição”. “Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios. § 1o Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio. § 2o Para efeito do atendimento do § 1o, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1o do art. 4o, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa. § 3o Para efeito do § 2o, considera-se aumento permanente de receita o proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. § 4o A comprovação referida no § 2o, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias. § 5o A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2o, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar. § 6o O disposto no § 1o não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição. § 7o Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado”. “Art. 24. Nenhum benefício ou serviço relativo à seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a indicação da fonte de custeio total, nos termos do § 5o do art. 195 da Constituição, atendidas ainda as exigências do art. 17. § 1o É dispensada da compensação referida no art. 17 o aumento de despesa decorrente de: I - concessão de benefício a quem satisfaça as condições de habilitação prevista na legislação pertinente; II - expansão quantitativa do atendimento e dos serviços prestados; III - reajustamento de valor do benefício ou serviço, a fim de preservar o seu valor real. § 2o O disposto neste artigo aplica-se a benefício ou serviço de saúde, previdência e assistência social, inclusive os destinados aos servidores públicos e militares, ativos e inativos, e aos pensionistas”. 177 “Art. 2o Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como: (...) III - empresa estatal dependente: empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária;”

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04.06.1965, é de se registrar que, conforme visto, a CONJUR/MPOG e a CONJUR/MPS

defendem a ilegalidade dos mesmos em razão de terem sido instituídos a) por Acordo

Coletivo de Trabalho, instrumento jurídico inidôneo para tanto, conforme dispõe a

Súmula/TST nº 277, e b) em afronta à sistemática estabelecida pela Lei 6.435/77, que

dispunha, à época, acerca das entidades de previdência complementar.

29. O Tribunal Superior do Trabalho, porém, firmou sua jurisprudência no sentido

contrário do referido entendimento, tendo se manifestado sobre a questão, inclusive, por meio

de sua Subseção I Especializada em Dissídios Individuais – SBDI-1, verbis:

EMBARGOS INTERPOTOS ANTES DA LEI Nº 11.496/2007. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. SUPRESSÃO DO PAGAMENTO DO BENEFÍCIO. VANTAGEM INSTITUÍDA EM NORMA COLETIVA VIGENTE NA ADMISSÃO DO EMPREGADO. O direito à complementação de aposentadoria previsto no Acordo Coletivo de 1963 foi reinstituído no Acordo Coletivo de 1987 e reconhecido pela reclamada, que pagou algumas parcelas e, posteriormente, suprimiu o benefício, que já havia se incorporado ao patrimônio jurídico da reclamante (arts. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal e 6º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil). Aplicam-se as Súmulas nºs 51 e 288 do TST, que preveem que devem ser observadas as normas vigentes na data de admissão do empregado, como entendeu o Tribunal a quo. Se o direito à complementação de aposentadoria foi reconhecido pela reclamada no Acordo Coletivo de 1987 e no pagamento de algumas parcelas, efetiva-se a condição que não se subordina o pedido à vigência do acordo coletivo. Inaplicável à hipótese em debate o enunciado da Súmula nº 277 do TST, como decidiu Turma desta Corte. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-RR - 813658-40.2001.5.11.0009 , Relator Juiz Convocado: Roberto Pessoa, Data de Julgamento: 17/06/2010, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 28/06/2010) EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 11.496/2007. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. VANTAGEM INSTITUÍDA EM NORMA COLETIVA VIGENTE NA ADMISSÃO DO EMPREGADO. DIREITO RECONHECIDO TAMBÉM EM OUTROS ATOS. INSTITUIÇÃO DE FONTE DE CUSTEIO O Acordo Coletivo de 1963 estabeleceu o direito à complementação de aposentadoria. O Parecer da Divisão de Contencioso do Departamento Jurídico da Portobrás, que reconheceu o direito do servidor aposentado à complementação de aposentadoria, e a Portaria nº 43/64, que regulamentou a complementação de aposentadoria, também fundamentam o direito do reclamante à complementação de aposentadoria. Aplicam-se as Súmulas nºs 51 e 288 do TST, que preveem que devem ser observadas as normas

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vigentes na data de admissão dos reclamantes, como procedeu o Tribunal a quo. Se o direito à complementação de aposentadoria foi reconhecido pela reclamada em outros atos normativos, inclusive com a inclusão da fonte de custeio, efetiva-se a condição que não se subordina o pedido à vigência do acordo coletivo. Inaplicável à hipótese em debate o enunciado da Súmula nº 277 do TST, como decidiu Turma desta Corte. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-RR - 95800-42.2002.5.11.0911 , Relator Juiz Convocado: Roberto Pessoa, Data de Julgamento: 17/06/2010, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 28/06/2010)

30. Tal entendimento já foi albergado, também, pelas 1ª (RR - 2886100-

08.2002.5.11.0900, Relator Juiz Convocado: Aloysio Silva Corrêa da Veiga, data de

julgamento: 29/06/2005, data de publicação: 03/02/2006), 2ª (RR - 7631800-

58.2003.5.11.0900, Relator Juiz Convocado: Roberto Pessoa, data de julgamento: 09/06/2010,

data de publicação: 13/08/2010), 3ª (RR - 4067900-49.2002.5.11.0900, Relator Ministro:

Carlos Alberto Reis de Paula, data de julgamento: 15/12/2004, data de publicação:

25/02/2005), 4ª (RR - 5401600-23.2002.5.11.0900, Relator Juiz Convocado: José Antônio

Pancotti, data de julgamento: 27/04/2005, data de publicação: 13/05/2005) e 5ª (ED-RR -

5663000-54.2002.5.11.0900, Relator Juiz Convocado: Marcus Pina Mugnaini, data de

julgamento: 04/06/2003, data de publicação: 20/06/2003) Turmas do referido Tribunal

Superior.

31. Conforme se extrai dos referidos julgados, reconheceu o TST a ilegalidade da

supressão, pela Sociedade de Navegação, Portos e Hidrovias do Estado do Amazonas –

SNPH, dos benefícios de complementação de aposentadoria que vinham sendo pagos em

favor dos empregados inativos do Porto de Manaus. Importante esclarecer que à SNPH foi

concedida, por convênio firmado com a União, a administração do Porto de Manaus, tendo

decidido o TST que a referida sociedade, na condição de sucessora da CODOMAR, se tornara

responsável pelas obrigações trabalhistas decorrentes dos contratos individuais de trabalho

dos empregados lotados no referido porto, entre as quais “O direito à complementação de

aposentadoria previsto no Acordo Coletivo de 1963” que “foi reinstituído no Acordo

Coletivo de 1987”.

32. Registre-se que, ao proferir os acórdãos em apreço, o TST se manifestou,

expressamente, sobre ambos os citados argumentos utilizados pelas CONJUR/MPOG e

CONJUR/MPS. De fato, referida Corte, entendeu que, em se tratando de benefício de

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complementação de aposentadoria previsto em norma coletiva, aplicável o quanto disposto

nas Súmulas/TST nº 51178 e nº 288179, e, não, o disposto na Súmula/TST nº 277180, conforme se

extrai do seguinte excerto do acórdão proferido pela SBDI-1 no retro citado E-RR - 813658-

40.2001.5.11.0009, veja-se:

O reclamante, admitido em 23/11/53, já se encontrava trabalhando para a reclamada, quando foi instituída a complementação de aposentadoria em 1963, por meio de Acordo Coletivo, tendo esse benefício sido reinstituído no Acordo Coletivo de 1987, o que demonstra a intenção de fazer projetar o benefício para além do invocado período de vigência do primeiro acordo.

Tanto é verdade que a reclamada, considerando devida a complementação de aposentadoria fora da vigência do acordo coletivo (1963), pagou ao reclamante algumas parcelas, embora alegue que o fez por equívoco.

Na verdade, o direito já havia se incorporado ao contrato de trabalho do reclamante, considerando o disposto nos arts. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal 6º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil e Súmulas nºs 51 e 288 do TST.

Ressalta-se que não se trata de direito a ser usufruído na vigência do contrato de trabalho, mas somente após a extinção desse, em que os ex-empregados, na condição de aposentados, teriam direito à complementação de aposentadoria. Se esse direito se projeta para o futuro, não se pode entender que, somente seria devido no período da vigência do acordo estabelecida na legislação.

A Quinta Turma, aplicando analogicamente a Súmula nº 277 do TST, entende que o direito fundamentado em acordo coletivo somente é devido no período de sua vigência.

No entanto, se o direito à complementação de aposentadoria previsto no Acordo Coletivo de 1963 foi reinstituído no Acordo Coletivo de 1987 e reconhecido pela reclamada, que pagou ainda algumas parcelas, não se pode considerar que não subsistiria a vantagem após o período de vigência do acordo.

178 “SUM-51 NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973) II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ nº 163 da SBDI-1 - inserida em 26.03.1999)”. 179 “SUM-288 COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito.” 180 “SUM-277 SENTENÇA NORMATIVA. CONVENÇÃO OU ACORDO COLETIVOS. VIGÊNCIA. REPERCUSSÃO NOS CONTRATOS DE TRABALHO (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno em 16.11.2009) - Res. 161/2009, DEJT divulgado em 23,24 e 25.11.2009 I - As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho. II - Ressalva-se da regra enunciada no item I o período compreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a Lei nº 8.542, revogada pela Medida Provisória nº 1.709, convertida na Lei nº 10.192, de 14.02.2001”.

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173

(...)

Portanto, no caso específico dos autos não incide a regra prevista na Súmula nº 277 do TST, mas a da Súmula nº 288 do TST.

Registra-se que a hipótese é de aplicação do princípio ultra-ativo, consagrado no art. 114, § 2º, da Carta Magna, que dispõe sejam respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho bem como os convencionadas anteriormente, como decidiu recentemente esta Subseção, por unanimidade, em acórdão da lavra do eminente Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, em caso análogo, em que, inclusive, cita precedentes da Corte convergentes com a tese em debate, afastando, portanto, o enunciado da Súmula nº 277 do TST, mesmo após expirado o prazo de vigência da norma coletiva, conforme ementa a seguir:

"RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. INDENIZAÇÃO POR TEMPO DE SERVIÇO. INCORPORAÇÃO AO CONTRATO DE TRABALHO DE VANTAGEM PREVISTA EM NORMA COLETIVA. ENERSUL. A existência de cláusula normativa criando a indenização por tempo de serviço e incorporação dessa vantagem aos contratos de trabalho em curso no período de vigência do acordo coletivo, mesmo que a resilição contratual tenha se verificado após a vigência da norma coletiva, impõe a observância do pactuado coletivamente em razão do disposto no artigo 7º, XXVI, porquanto as partes decidiram incorporar aos contratos individuais de trabalho de forma definitiva a indenização por tempo de serviço em face de dispensa sem justa causa. Recurso de embargos conhecido e provido". (E-RR-492400- 11.2002.5.24.0900, DEJT 30/04/2010).

33. Quanto à violação da sistemática prevista na Lei 6.435/77 e, posteriormente,

nas Leis Complementares 108/01 e 109/01, este o entendimento do órgão de cúpula do

Judiciário Trabalhista, consubstanciado no acórdão exarado pela 1ª Turma do TST no retro

citado RR - 2886100-08.2002.5.11.0900:

A reclamada alegou violação dos arts. 80 da Lei 6.435/1977 e 2º da Lei 109/2001, argumentando que a cláusula que criou o benefício da complementação de aposentadoria é nula, uma vez que somente as entidades de previdência complementar estão autorizadas a instituir complementação de aposentadoria. Sustenta que não existia patrocinadora, fonte de custeio, carência mínima ou contribuições mensais.

O benefício de complementação de aposentadoria foi instituído por acordo coletivo em que participou, por um lado, o sindicado dos empregados da categoria a que pertenciam os reclamantes e do outro lado a sucedida. A concessão do benefício da complementação de aposentadoria resultou de negociação coletiva que deve ser

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prestigiada.

Assim sendo, não há que se falar em nulidade da cláusula coletiva instituidora da complementação de aposentadoria e nem de violação dos arts. 2º da Lei 109/2001 e 80 da Lei 6435/77. A Lei 6435/77 se aplica às entidades de previdência privada e o art. 80 prevê penalidades às pessoas que atuem como entidade de previdência sem estar autorizada. A Lei 109/2001 revogou a Lei 6435/77 e o art. 2º, tido por violado apenas estabelece que o regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desta Lei Complementar.

há na legislação invocada nenhum óbice à instituição do benefício de complementação de aposentadoria a ser pago pela empregadora, por meio de negociação coletiva.

34. As mesmas razões podem ser extraídas da decisão proferida pela 2ª Turma do

TST no citado RR - 7631800-58.2003.5.11.0900, in verbis:

Conforme o exposto, o direito à complementação de aposentadoria dos reclamantes encontrava-se incorporado aos seus contratos de trabalho, tendo sido pago o benefício até a reclamada o ter suprimido, unilateralmente. Assim, nos termos dos precedentes desta Corte transcritos e do teor da Súmula nº 288 do TST, afasta-se a indicação de ofensa aos arts. 2º da Lei Complementar nº 109/01 e 80 da Lei nº 6.435/77.

Registra-se que a reclamada fundamenta a ilegalidade da concessão da complementação de aposentadoria ao fato de que somente poderia ser instituído por meio de entidade de previdência privada fechada, nos moldes da Lei nº 6.435/77. Ocorre que o benefício foi reinstituído no acordo coletivo de 1987 e pago (repita-se) aos reclamantes até novembro/1998, em período muito posterior ao início da vigência da invocada Lei nº 6.435/77. Assim, a alusão da recorrente de que o art. 80 da citada lei vedava entidade portuária de atuar como entidade previdenciária não se mostra plausível para isentá-la do pagamento da complementação de aposentadoria, nos aspectos fáticos citados, em observância, inclusive, ao princípio da irretroatividade da norma infraconstitucional.

O mesmo se diga em relação à instituição e execução de planos de benefícios de caráter previdenciário privado complementar por entidades de previdência privada (art. 2º da Lei Complementar nº 109/01), em face do teor da Súmula nº 288 do TST, corretamente aplicada pelo Tribunal a quo.

35. Fica claro, portanto, segundo o quanto decidido pelo TST em casos idênticos,

que é inviável a supressão do pagamento dos benefícios de complementação de aposentadoria

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175

que vem sendo realizados pela CODESP em favor de seu pessoal inativo admitido até a data

de 04.06.1965, uma vez que, apesar de já ter se esgotado o prazo de vigência dos acordos

coletivos assinados no ano de 1987, o direito à percepção de tais benefícios se incorporou aos

contratos de trabalho de seus beneficiários, nos conformes do quanto disposto na Súmula/TST

nº 288, sendo indevida, portanto, a supressão dos benefícios em questão, sob pena de afronta

ao art. 5º, inciso XXXVI, da CRFB/88181, bem como ao art. 468 da CLT182.

36. Manifestou-se o TST, ainda, no sentido de que a suposta infringência à

sistemática estabelecida na Lei 6.435/77 e, posteriormente, nas Leis Complementares 108/01

e 109/01, não tem o condão de isentar do pagamento da complementação de aposentadoria a

empresa pública que se comprometeu a realizá-lo por meio de Acordo Coletivo de Trabalho,

não havendo, portanto, no caso dos autos, que se cogitar da anulação dos benefícios que vem

sendo pagos pela CODESP.

- IV -

37. De todo o exposto, nos termos da fundamentação retro, sugiro seja adotado o

entendimento de que é juridicamente inviável a) a pretensão da CODESP de estender a seus

empregados admitidos entre 05.06.1965 e 01.10.1988 a complementação de aposentadoria

que vem sendo paga a seu pessoal inativo admitido até 04.06.1965 e b) a supressão da

complementação de aposentadoria que vem sendo paga pela CODESP a seu pessoal inativo

admitido até 04.06.1965.

38. Caso aprovado, sugiro seja remetida cópia do presente parecer à

ASSEJUR/SEP, à CONJUR/MPOG, à CONJUR/MPS e à PF/PREVIC, para ciência e

providências cabíveis.

181 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” 182 “Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”

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À consideração superior.

Brasília, 09 de fevereiro de 2012.

Rafael Figueiredo Fulgêncio Advogado da União

DESPACHO Ref. Processo nº 00400.001936/2011-14

Sr. Diretor, Estou de acordo com as conclusões alcançadas no PARECER Nº 012/2012/DECOR/CGU/AGU, do Advogado da União, Rafael Figueiredo Fulgêncio, que apreciou divergência de entendimento entre a CONJUR/MP e a ASSEJUR/SEP, acerca da pretensão da CODESP em estender a seus empregados admitidos entre 05/06/1965 e 01/10/1988 a complementação de aposentadoria que vem sendo paga a seu pessoal inativo admitido até 04/06/1965. À consideração superior.

Brasília, 06 de março de 2012.

Márcia Cristina Novais Labanca Advogada da União

Coordenadora-Geral de Orientação do DECOR/CGU/AGU

De acordo.

À Consideração do Sr. Consultor-Geral da União.

Brasília, de de 2012.

Sérgio Eduardo de Freitas Tapety Advogado da União

Diretor do DECOR/CGU/AGU

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SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO E IMPEDIMENTO DE

CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO

Antonio dos Santos Neto Advogado da União

PARECER N. º 087/2011/DECOR/CGU/AGU PROCESSO N.º 00402.001419/2010-36 INTERESSADA: Consultoria Jurídica da União no Estado de Pernambuco ASSUNTO: Suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar

com a Administração (art. 87, III, da Lei n.º 8.666/93)

SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO E IMPEDIMENTO DE CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO. ART. 87, III, DA LEI N.º 8.666/93. EFEITOS SUBJETIVOS AMPLOS. A suspensão temporária de licitar e contratar prevista no art. 87, III, da Lei n.º 8.666/93 possui alcance subjetivo amplo, impedindo as empresas punidas de licitar e contratar com toda a Administração Pública brasileira, e não somente com o órgão sancionador.

Senhora Coordenadora-Geral de Orientação,

1. Versa o presente processo sobre o alcance subjetivo da sanção prevista no art.

87, III, da Lei n.º 8.666/93.

2. Por intermédio do Memorando NAJ/PE n.º 48, de 10/08/2010, o Coordenador-

Geral da Consultoria Jurídica da União no Estado de Pernambuco solicitou manifestação

deste DECOR sobre o tema (fl. 01).

3. Às fls. 02/09, foi acostada cópia do Parecer NAJ/Recife/PE n.º 1019-2010, de

09/08/2010, que assim abordou o assunto:

(...)

10. Sobre a sanção administrativa descrita no inciso III do artigo 87, denominada ‘suspensão temporária’, é conhecida a discussão acerca da amplitude de seus efeitos (...)

11. Para uma corrente, tal amplitude seria semelhante à da declaração de inidoneidade, envolvendo todos os órgãos da Administração. Segundo os que assim pensam, a diferença entre os efeitos das duas sanções estaria no prazo da

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punição, que, no caso da suspensão, teria o limite temporal de dois anos, conquanto na declaração de inidoneidade o prazo poderia perdurar sem limite definido. Na inidoneidade, ultrapassado o prazo mínimo de dois anos, a sanção duraria enquanto persistissem os motivos da punição ou até que fosse o particular reabilitado pela própria autoridade que aplicou a penalidade, mediante o ressarcimento da Administração pelos prejuízos causados.

12. O Superior Tribunal de Justiça tem abraçado essa tese. Em vários acórdãos, o Tribunal tem dado maior amplitude à penalidade suspensão, o que impediria a participação da empresa suspensa em qualquer outro certame feito pela Administração Pública. Segundo o STJ, a Administração Pública é una, sendo, apenas, descentralizado o exercício de suas funções. Para aquele Tribunal, os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública. (...)

13. Para outra corrente deve haver uma incidência mais amena dos efeitos da suspensão, o que gera uma diferença no âmbito de sua aplicação. Para os que assim pensam, enquanto a declaração de inidoneidade impediria a participação em certames realizados por toda a Administração Pública, na suspensão tal prejuízo apenas ocorreria em relação aos certames realizados pelo órgão sancionador.

14. Esse pensamento tem por base a análise sistemática do estatuto. É que a Lei n.º 8.666/93, quando trata da suspensão, faz alusão à Administração; já quando discorre sobre a declaração de inidoneidade faz alusão à Administração Pública. Tal diferença, que parece despropositada, ganha maior relevância quando se identifica que o próprio estatuto licitatório dá conceitos diferentes às duas expressões [art. 6.º, XI e XII].

(...)

16. Assim, o estatuto estaria estipulando que, no caso da suspensão, a penalidade deveria ter seus efeitos restritos ao órgão ou unidade administrativa que a aplicou. Tal entendimento permite que a empresa penalizada participe de certames realizados por outros órgãos, mesmo no prazo de dois anos.

17. O Egrégio Tribunal de Contas da União abraça esse entendimento, de incidência mais amena, tanto que tem determinado que os órgãos se abstenham de incluir em seus editais a vedação à participação nas licitações promovidas de empresas apenadas com a suspensão do direito de licitar, exceto nos casos em que a suspensão tivesse sido imposta pelo próprio ente realizador do certame. Nesse sentido, vale a leitura do Acórdão n.º 1727/2006, da 1.ª Câmara do TCU, e do Acórdão n.º 842/2005, do Plenário desse Tribunal.

18. Acreditamos que o entendimento adotado pelo TCU é o mais correto, pois permite uma ampliação dos parâmetros de aplicação das penalidades, sem admitir exageros. Dessa forma, a suspensão pode ser aplicada em inexecuções parciais que, embora não tão absurdas, mereçam repúdio proporcional pela Administração, o que não seria alcançado pela multa ou advertência e,

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provavelmente, seria extrapolado com a punição ampla (equivalente à declaração de inidoneidade), por dois anos. Isso não significa que atitudes acintosas de inexecução restariam impunes, pois, para tais, seria possível a aplicação da declaração de inidoneidade, de efeitos amplos. Essa maior diferenciação se justifica diante do tratamento diverso dado pelo legislador a essas duas sanções.

19. Prova de tal dissimilitude é o regramento disposto pelo legislador às duas sanções no art. 97 do estatuto. O dispositivo considera como crime admitir profissional ou empresa declarada inidônea, sem se reportar ao profissional ou empresa suspensa de licitar. Isso mostra o raciocínio legal de que a declaração de inidoneidade é mais grave (e por isso merece efeitos mais amplos) que a suspensão.

20. Outrossim, diferentemente do que ocorreu em relação à declaração de inidoneidade, não foi estabelecida competência exclusiva para aplicação da suspensão, motivo pelo qual esta pode ser aplicada pela autoridade responsável pela contratação (...)

21. Em conclusão, parece-nos que a corrente defendida pelo Egrégio Tribunal de Contas da União possui maior respaldo em nosso ordenamento, motivo pelo qual os efeitos impeditivos da sanção de suspensão restringem-se ao órgão sancionador.

22. De qualquer forma, deve-se observar que a adoção de posição diversa tem gerado reprimenda por parte do TCU. Por isso, impõe-se que a AGU se esforce para uniformizar entendimento sobre o tema, buscando o convencimento, seja junto ao TCU, seja junto ao Poder Judiciário (em eventuais impugnações judiciais), referente aos efeitos adotados pelo edital, para a sanção em debate.

(...) sugerimos o envio (...) ao DECOR, para uniformização de entendimentos em relação à matéria.

É o relatório. Passa-se a opinar.

4. De início, destaca-se que a extensão dos efeitos da sanção presente no inciso III

do art. 87 do Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos é tema bastante polêmico.

5. Como bem anotado pela Consultoria Jurídica da União no Estado de

Pernambuco – CJU/PE, há quem dê à penalidade denominada “suspensão temporária de

participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não

superior a 2 (dois) anos” alcance restrito, englobando somente o órgão que impôs a sanção;

outra corrente enxerga a penalidade de forma ampla, o que manteria a empresa penalizada

afastada das licitações e contratos com toda a Administração Pública.

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6. A Consultoria Jurídica da União no Estado de Pernambuco – CJU/PE segue a

linha adotada no âmbito do Tribunal de Contas da União e considera que os efeitos subjetivos

da sanção prevista no art. 87, III, da Lei n.º 8.666/93 restringem-se ao órgão sancionador.

7. Entende a CJU/PE que a palavra “Administração” contida no art. 87, III, da Lei

n.º 8.666/93 deve ser interpretada de acordo com o conceito que o próprio Estatuto das

Licitações e Contratos lhe dá no art. 6.º, XII (“órgão, entidade ou unidade administrativa pela

qual a Administração Pública opera e atua concretamente”).

8. Considera também que estender os efeitos da punição a toda Administração

Pública seria equiparar indevidamente as sanções dos incisos III e IV do art. 87.

9. De fato, o Tribunal de Contas da União possui reiteradas decisões no sentido

do alcance subjetivo mais estreito da suspensão temporária de licitar e contratar. A título

ilustrativo, vale transcrever abaixo trechos de alguns acórdãos do TCU:

Acórdão n.º 842/2005 – Plenário (...) Determinações: à Coordenação Regional da Fundação Nacional de Saúde na Paraíba (...) 2.3. abstenha-se de incluir em seus editais a vedação à participação, nas licitações promovidas pelo órgão, de empresas que tenham sido apenadas com a suspensão temporária do direito de licitar, à exceção dos casos em que a suspensão tenha sido imposta pela própria FUNASA; (...) Acórdão n.º 1727/2006 – 1.ª Câmara Voto do Ministro Relator (...) No tocante às determinações propostas, cabe também fazer alguns esclarecimentos. Na Auditoria levada a efeito na entidade, foi identificada, em alguns editais de licitação, cláusula proibindo a participação de empresas que estivessem cumprindo a penalidade de suspensão temporária, imposta por qualquer órgão da Administração Pública, motivada pelas hipóteses previstas no art. 88 da Lei n.º 8.666/1993. Segundo a unidade técnica, dispositivos dessa natureza afrontam o disposto no art. 87 da Lei n.º 8.666/1993, que prevê as penalidades aplicáveis às empresas por inexecução parcial ou total dos contratos celebrados, destacando-se aquelas constantes dos incisos III e IV, abaixo transcritas.

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‘Art. 87 - Pela inexecução total ou parcial do contrato, a Administração poderá, garantida a defesa prévia, aplicar aos contratantes as seguintes sanções: (...) III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com administração, por prazo não superior a dois anos; IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior’. Consignou a equipe encarregada da fiscalização que a suspensão temporária de participação em licitação deve ser entendida como uma penalidade a ser cumprida apenas perante o órgão que a impôs, sendo esse o entendimento já pacificado nesta Corte, a exemplo do contido nas Decisões 369/1999, 226/2000 e 352/1998, todas do Plenário. Consoante registrado, na Decisão 352/1998 - Plenário, ‘o Tribunal firmou entendimento de que as penalidades previstas na Lei se apresentam em escala gradativa de gravidade, deixando clara a intenção do legislador no sentido de disponibilizar ao gestor opções de sanções a serem aplicadas, levando-se em conta a infração cometida. Assim, aplicar-se-ia uma pena mais branda para faltas não tão graves, suspendendo-se temporariamente o direito de licitar, e uma pena mais severa para aquelas faltas revestidas de maior gravidade, declarando-se inidôneo o licitante infrator’. Ressaltou ainda a equipe de auditoria que a própria Lei n.º 8.666/1993, em seu art. 97, classifica como crime admitir a participação de licitante ou celebrar contrato com profissional ou empresa declarada inidônea, o que deixa claro a distinção entre os dois incisos. Sendo assim, concluiu que ‘a Lei repudia, tão-somente, a participação em licitação ou celebração de contrato com aquele declarado inidôneo. Quanto à participação ou celebração de contrato com empresa apenada com a sanção do art. 87, inciso III (suspensão temporária), a Lei não faz qualquer objeção, o que confirma o entendimento de que a proibição em licitar ou contratar com pessoa apenada por este inciso restringe-se ao órgão que aplicou a pena e não a toda a Administração Pública’. Diante disso, foi proposta, apropriadamente, determinação ao INCRA/PB, no sentido de que se abstenha de incluir em seus editais a vedação à participação, nas licitações promovidas pelo órgão, de empresas que tenham sido apenadas com a suspensão temporária do direito de licitar, à exceção dos casos em que a suspensão tenha sido imposta pelo próprio INCRA. (...) ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão de 1ª Câmara, ante as razões expostas pelo Relator, em: (...) 9.2.1. abstenha-se de incluir em seus editais a vedação à participação, nas licitações promovidas pelo órgão, de empresas que tenham sido apenadas com

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a suspensão temporária do direito de licitar, à exceção dos casos em que a suspensão tenha sido imposta pelo próprio INCRA; (...) Acórdão n.º 3858/2009 – 2.ª Câmara Relatório: (...) 4.4. quanto ao item 3.2.4 desta Instrução, referente à alegada declaração de inidoneidade: 4.4.1. foram apresentados trechos das Decisões 352/1998 Plenário e 36/2001 Plenário, proferidas por esse Tribunal (fls. 766, verso); 4.4.2. análise dos elementos: 4.4.2.1. a entidade argumenta que a sanção aplicada pela Caixa Econômica Federal à empresa Fortnorte foi a de suspensão temporária, prevista no art. 87, inciso III da Lei nº 8.666/93, e não a declaração de inidoneidade, prevista no inciso IV do mesmo dispositivo legal, in verbis: ‘Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.’ 4.4.2.2. Primeiramente, cumpre notar que a sanção publicada no DOU de 20/03/07 consiste, de fato, em ‘suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a CAIXA’ (fls. 92/93), ou seja, trata-se da sanção cominada no inciso III. Conforme o ensinamento de Marçal Justen Filho, (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª ed., pp. 821/823), a distinção entre as figuras dos incisos III e IV não é simples. Há diferenças em termos de (i) gravidade da conduta, (ii) amplitude dos efeitos das sanções, e (iii) autoridade competente para a aplicação de cada penalidade. Para fins de análise da impugnação da representante, importa averiguarmos mormente a questão da amplitude dos efeitos de cada inciso. Segundo o eminente jurista, o entendimento desse Tribunal, sistematizado na Decisão 36/2001, tem sido no sentido de que a sanção prevista no inciso III, de suspensão temporária, tem aplicação restrita ao órgão que a aplicou. Com efeito, breve pesquisa da jurisprudência dessa Corte de Contas nos permite constatar que esse entendimento tem se mantido, de maneira uniforme, em diversos julgados recentes, como os Acórdãos 1678/2008 – Plenário, 79/2008 – Plenário, e 2455/2007 – Plenário. No Acórdão 2455/2007 – Plenário, em particular, lê-se no Relatório do Ministro Relator: ‘Consideramos que as irregularidades identificadas, notadamente aquelas relacionadas à apresentação

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de propostas fraudulentas, são graves e devem ser objeto de processo administrativo, a ser instaurado pela ECT, com vistas à aplicação da penalidade prevista no art. 87, III da Lei 8.666/93 – suspensão temporária da SMP&B Comunicação Ltda. de participação em licitações e impedimento de contratar com a ECT – e pelo Ministro de Estado das Comunicações, nos termos do §3º do art. 87 da Lei 8.666/93, visando a aplicação da penalidade prevista no art. 87, IV – declaração de inidoneidade da agência de publicidade SMP&B Comunicação Ltda. para licitar e contratar com a Administração Pública.’ (...) 4.4.2.3. De resto, vale salientar que esse entendimento da Corte de Contas se mostra perfeitamente afinado com as definições de ‘Administração’ e de ‘Administração Pública’ constantes do texto da própria Lei 8.666/93, nos incisos XI e XII de seu art. 6, in verbis: ‘Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se: XI – Administração Pública – a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas; XII – Administração – órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente’; Ora, as definições constantes do texto da própria lei são cristalinas e permitem, a nosso ver, dirimir quaisquer dúvidas acerca da aplicabilidade das sanções dos incisos III e IV do art. 87 do referido diploma legal. 4.4.2.4. À luz desses elementos, concluímos que não assiste razão à representante em sua alegação de inidoneidade da empresa Fortnorte. Tampouco entendemos haver qualquer impedimento para que o Banco do Brasil contratasse a empresa Fortnorte, posto que a suspensão temporária aplicada pela Caixa Econômica Federal não atinge os demais órgãos e entidades da Administração Pública. (...)

10. No entanto, o posicionamento acima não parece o mais adequado.

11. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça em algumas oportunidades já

atestou o despropósito da distinção entre Administração Pública e Administração constante

dos incisos XI e XII do art. 6.º da Lei n.º 8.666/93. Desse modo, entendeu o referido

Tribunal, que é o guardião maior da legislação infraconstitucional no sistema jurídico pátrio,

pelo alcance amplo da suspensão temporária de licitar e contratar, irradiando os seus efeitos a

todos os órgãos da Administração Pública. Nesse sentido, podem ser citados os seguintes

acórdãos:

ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÕES. MANDADO DE SEGURANÇA. ENTES OU ÓRGÃOS DIVERSOS. EXTENSÃO DA PUNIÇÃO PARA TODA A ADMINISTRAÇÃO. 1. A punição prevista no inciso III do artigo 87 da Lei nº 8.666/93 não produz efeitos somente em relação ao órgão ou ente federado que determinou a

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punição, mas a toda a Administração Pública, pois, caso contrário, permitir-se-ia que empresa suspensa contratasse novamente durante o período de suspensão, tirando desta a eficácia necessária. 2. Recurso especial provido. (REsp 174274/SP, relatado pelo Ministro Castro Meira, julgado pela 2.ª Turma em 19/10/2004, DJ de 22/11/2004) ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – SUSPENSÃO TEMPORÁRIA – DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - INEXISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA – LEGALIDADE – LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III. - É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras. - A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum. - A limitação dos efeitos da ‘suspensão de participação de licitação’ não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública. - Recurso especial não conhecido. (REsp 151567/RJ, relatado pelo Ministro Francisco Peçanha Martins, julgado pela 2.ª Turma em 25/02/2003, DJ de 14/04/2003)

12. A doutrina também conta com importantes representantes da tese que admite a

ampla extensão dos efeitos subjetivos da sanção prevista no inciso III do art. 87 da Lei n.º

8.666/93.

13. O jurista Marçal Justen Filho assim distingue as penalidades inscritas nos

incisos III e IV do art. 87 da Lei n.º 8.666/93 e adota o entendimento no sentido da

repercussão subjetiva ampla da suspensão temporária de licitar e contratar:

A distinção entre os pressupostos da suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e da declaração de inidoneidade (inc. IV) não é simples. Ambas as figuras importam retirar do particular o direito de manter vínculo com a Administração. O que se pode inferir, da sistemática legal, é que a declaração de inidoneidade é mais grave do que a suspensão temporária do direito de licitar – logo, pressupõe-se que aquela é reservada para infrações dotadas de maior reprovabilidade do esta. Seria possível estabelecer uma distinção de amplitude entre as duas figuras. Aquela do inc. III produziria efeitos no âmbito da entidade administrativa que a aplicasse; aquela do inc. IV abarcaria todos os órgãos da Administração Pública. Essa interpretação deriva da redação legislativa, pois o inc. III utiliza apenas o vocábulo ‘Administração’, enquanto o inc. IV contém ‘Administração Pública’. No entanto, essa interpretação não apresenta maior consistência, ao

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menos enquanto não houver regramento mais detalhado. Aliás, não haveria sentido em circunscrever os efeitos da ‘suspensão de participação de licitação’ a apenas um órgão específico. Se um determinado sujeito apresenta desvios de conduta que o inabilitam para contratar com a Administração Pública, os efeitos dessa ilicitude se estendem a qualquer órgão. Nenhum órgão da Administração Pública pode contratar com aquele que teve seu direito de licitar ‘suspenso’. A menos que lei posterior atribua contornos distintos à figura do inc. III, essa é a conclusão que se extrai da atual disciplina legislativa. A mais nítida diferença entre as figuras é a o prazo. A suspensão temporária poderia ser decretada para prazo máximo de dois anos, já a declaração de inidoneidade prevaleceria por prazo indeterminado (até cessarem os motivos da punição ou até que fosse promovida a ‘reabilitação’ do punido). Outra, consiste na competência, a imposição da sanção de suspensão temporária cabe à autoridade competente do órgão contratante, enquanto a declaração de inidoneidade à autoridade máxima do órgão ou entidade.183

14. No mesmo sentido, manifesta-se o ilustre Professor José dos Santos

Carvalho Filho:

Na verdade, não conseguimos convencer-nos, data venia, de qualquer dos pensamentos que concluem no sentido restritivo dos efeitos punitivos. Parece-nos que o efeito deva ser sempre extensivo. Em primeiro lugar, não conseguimos ver diferença de conceituação naqueles incisos do art. 6.º [incisos XI e XII], já que o que podemos constatar é apenas uma péssima e atécnica definição de Administração Pública; com efeito, nenhuma diferença existe entre Administração e Administração Pública. Além disso, se um contratado é punido por um ente federativo com a aplicação de uma daquelas sanções, a razão só pode ter sido a inexecução total ou parcial do contrato, isto é, inadimplemento contratual, como está afirmado na lei (art. 87). Desse modo, não nos parece fácil entender por que tal infração também não acarretaria riscos para as demais entidades federativas no caso de alguma delas vir a contratar com a empresa punida. Quer dizer: a empresa é punida, por exemplo, com a suspensão do direito de licitar perante uma entidade federativa, mas poderia licitar normalmente perante outra e, como é óbvio, sujeita-la aos riscos de novo inadimplemento. Para nós não há lógica em tal solução, porque a Administração Pública é uma só, é una, é um todo, mesmo que, em razão de sua autonomia, cada pessoa federativa tenha sua própria estrutura.184

15. Destarte, percebe-se que a tese que considera a produção de amplos efeitos

subjetivos pelo inciso III do art. 87 da Lei n.º 8.666/93 conta com valioso respaldo

jurisprudencial e doutrinário.

16. Ademais, compreende-se que a citada tese encontra apoio na unicidade da

Administração Pública, que pode ser comprovada pela leitura atenta do art. 1.º, caput, da

Constituição Republicana de 1988, e faz todo o sentido.

183 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11.ª edição, Dialética, 2005, p. 623. 184 Manual de Direito Administrativo, 18.ª edição, Lumen Juris, 2007, p. 199.

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186

17. Também sustenta o entendimento o fato de que a Lei n.º 8.666/93 é uma norma

nacional, sendo de cumprimento obrigatório para todo o Estado brasileiro (art. 1.º da

mencionada lei).

18. Sem dúvida alguma, as penalidades previstas nos incisos III e IV do art. 87 da

Lei n.º 8.666/93 são distintas. Porém, isso não significa dizer que todas as suas

consequências devam ser diversas.

19. Afirma-se aqui que os alcançados pelas penalidades há pouco mencionadas

devem ser afastados das licitações e contratações de toda a Administração Pública. Os efeitos

subjetivos serão os mesmos, abandonando-se, dessa forma, com apoio na jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça, a absurda distinção legal entre Administração e Administração

Pública.

20. A questão da dosimetria das penalidades administrativas levantada por muitos

como um argumento contrário à interpretação aqui defendida não faz sentido, posto que a

sanção prevista no inciso III do art. 87 da Lei n.º 8.666/93 é imposta “por prazo não superior a

2 (dois) anos’, o que permite uma gradação absolutamente diversa da declaração de

inidoneidade constante do inciso IV do art. 87 do referido diploma. O administrador, a

depender da gravidade da conduta da empresa infratora, pode impor curtas e médias punições,

por exemplo.

21. Outro argumento manejado diz respeito ao art. 97 da Lei n.º 8.666/93, que só

classifica como crime a prática de “admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou

profissional declarado inidôneo’, nada dizendo sobre a suspensão temporária. Ora, tal

previsão legal só comprova que, de fato, a declaração de inidoneidade é punição mais grave

que a suspensão temporária do direito de licitar e contratar. Isso não é questionado.

Concorda-se com tal afirmativa. O que se diz é que a diferença de gravidade entre as sanções

não determina automaticamente alcances subjetivos diversos.

22. Portanto, seguindo a tese adotada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e

rejeitando aquela defendida pelo Tribunal de Contas da União, considera-se que a penalidade

presente no inciso III do art. 87 da Lei n.º 8.666/93 afasta o sancionado das licitações e

contratações promovidas por toda a Administração Pública brasileira.

23. Ante o exposto, entende-se que a aplicação da sanção denominada “suspensão

temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por

prazo não superior a 2 (dois) anos” prevista no inciso III do art. 87 da Lei n.º 8.666/93

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187

determina o afastamento das empresas apenadas das licitações e contratações promovidas por

toda a Administração Pública brasileira.

À consideração superior.

Brasília, 24 de agosto de 2011.

Antonio dos Santos Neto Advogado da União

Matrícula SIAPE n.º 1507736 OAB/DF n.º 24.052

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188

TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS DA UNIÃO, SEUS ÓRGÃOS E ENTIDADES

PARA CONSÓRCIOS PÚBLICOS COM PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO –

ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS COM VISTAS À EXECUÇÃO DE AÇÕES DO PROGRAMA DE

ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO - PAC

João Gustavo de Almeida Seixas Advogado da União

PARECER Nº 074/2011/DECOR/CGU/AGU PROCESSO Nº 00400.005458/2011-11 INTERESSADO: Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Esporte – CONJUR/ME. ASSUNTO: Transferência de recursos financeiros da União, seus órgãos e entidades, para

consórcios públicos com personalidade jurídica de direito público – associações públicas – com vistas à execução de ações do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.

ADMINISTRATIVO. FINANCEIRO. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS DA UNIÃO, SEUS ÓRGÃOS E ENTIDADES PARA CONSÓRCIOS PÚBLICOS DOTADOS DE PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS – COM VISTAS À EXECUÇÃO DE AÇÕES DO PAC. ART. 1º, DA LEI Nº 11.578/2007. POSSIBILIDADE. ENTIDADES INTEGRANTES DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DA UNIÃO, ESTADOS, MUNICÍPIOS E DISTRITO FEDERAL. ART. 6º, § 1º, DA LEI Nº 11.107/2005. I – Os consórcios públicos possuidores de personalidade jurídica de direito público – denominados associações públicas – constituem entidades pertencentes à administração indireta da União, Estados, Distrito Federal e/ou Municípios que os integrarem, nos termos do art. 6º, § 1º, da Lei nº 11.107/2005; II – Em assim sendo, estão contemplados pela letra do art. 1º, da Lei nº 11.578/2007, podendo, portanto, receberem recursos financeiros da União, seus órgãos e entidades para realizarem ações do PAC.

Senhora Coordenadora-Geral de Orientação,

- I -

1. Põe-se ao meu apreço conflito de entendimentos entre a Secretaria de Recursos Humanos

do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – SRH/MP e a Consultoria Jurídica junto

ao Ministério do Esporte – CONJUR/ME no que toca à diminuição proporcional dos

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vencimentos dos ocupantes do cargo de Assistente Social que tenham optado pela carga

horária semanal de 30 (trinta) horas.

2. Tal conflito fora suscitado no bojo da NOTA CONJUR/ME nº 040/2011, da lavra do

Advogado da União Hugo Pontes Cezário (cópia às fls. 48/49), e submetido ao exame deste

Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos – DECOR/CGU por

intermédio do OFÍCIO CONJUR/ME Nº 077/2011, de 25 de abril de 2011, subscrito pela

ilustre Consultora Jurídica Substituta do Ministério do Esporte, Elzita Maria de Lima (fl. 01).

3. Em breves palavras, enquanto a CONJUR/ME advoga, arrimada na jurisprudência do eg.

Supremo Tribunal Federal – STF, que a diminuição da carga horária semanal de 40 (quarenta)

para 30 (trinta) horas – operada pela Portaria SRH/MP nº 3.353, de 20 de dezembro de 2010,

que, com fulcro no disposto na Lei nº 12.317, de 26 de agosto de 2010185, modificou o anexo

da Portaria SRH/MP nº 1.100, de 6 de julho de 2006186 – não tem influência negativa nos

vencimentos desses servidores 187 , a SRH/MP entende que ela acarreta sua redução

proporcional, tendo determinado, por intermédio da Orientação Normativa nº 1, de 1º de

fevereiro de 2011188, que ela seja procedida em relação àqueles que tenham optado pela carga

horária semanal diminuída.

185 Tal diploma normativo giza o seguinte: “Art. 1o A Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 5o-A: ‘Art. 5o-A. A duração do trabalho do Assistente Social é de 30 (trinta) horas semanais.’ Art. 2o Aos profissionais com contrato de trabalho em vigor na data de publicação desta Lei é garantida a adequação da jornada de trabalho, vedada a redução do salário. Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.” 186 Vejamos o que dispõe a Portaria SRH/MP nº 3.353/2010: “O SECRETÁRIO DE RECURSOS HUMANOS DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, no uso das atribuições que lhe confere o inciso I do art. 35, do Anexo I ao Decreto nº 7.063, de 13 de janeiro de 2010, e tendo em vista o disposto no art. 10 do Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995, resolve: Art. 1º O Anexo à Portaria SRH/MP nº 1.100, de 6 de julho de 2006, publicada no DOU de 10 de julho de 2006, passa a vigorar na forma do Anexo a esta Portaria. Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

DUVANIER PAIVA FERREIRA

ANEXO (...)

ASSISTENTE SOCIAL 30 horas Lei nº 8.662/93, art. 5º-A, acrescido pelo art. 1º da Lei nº 12.317/1

187 Cf. o PARECER Nº 002/2011/CONJUR/ME (cópia às fls. 17/18). 188 Verbera a ON SRH nº 1/2011:

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4. Instada a se manifestar sobre o imbróglio (cf. despacho de fls. 53/54), a Consultoria

Jurídica junto ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – CONJUR/MP, órgão de

assessoramento jurídico da SRH/MP, exarou a NOTA Nº 1736 – 3.4/2011/JPA/CONJUR/MP,

da pena do Advogado da União João Pereira de Andrade Filho (fls. 64/68), onde noticiou que

o tema foi abordado no PARECER Nº 1794 – 3.4/2010/JPA/CONJUR/MP, do mesmo autor

(cópia às fls. 57/63).

5. Assentou-se em tal nota, em síntese, que: (a) por tratar de matéria trabalhista, a Lei nº

12.317/2010 não é aplicável aos servidores públicos federais; (b) por essa razão, os ocupantes

do cargo de Assistente Social na Administração Pública Federal não têm direito à jornada de

trabalho de 30 (trinta) horas semanais estipulada nesse diploma legal; (c) nos termos do art.

19, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, faculta-se à Administração Pública Federal

modificar discricionariamente a carga horária de trabalho de seus servidores em virtude das

atribuições dos cargos correspondentes; e (d) a Medida Provisória nº 2.174-28, de 24 de

agosto de 2001, incide sobre os servidores que tenham optado por reduzir de forma voluntária

sua jornada de trabalho.

6. Ainda em seu bojo, aduziu-se que a tese sustentada pela CONJUR/MP não foi albergada

no seio da SRH/MP, visto que a Portaria SRH/MP nº 3.353/2010, ao fixar em 30 (trinta) horas

a jornada de trabalho semanal dos ocupantes do cargo de Assistente Social com base na Lei nº

12.317/2010, foi de encontro à orientação jurídica expendida no PARECER Nº 1794 –

3.4/2010/JPA/CONJUR/MP.

7. Na sequência, foi ressaltado que a CONJUR/MP advogou a aplicação aos servidores

ocupantes do cargo de Assistente Social as disposições da MP nº 2.174-28/2001,

“O SECRETÁRIO DE RECURSOS HUMANOS DO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, no uso das atribuições que lhe confere o inciso I, do art. 35, do Anexo I, do Decreto nº 7.063, de 13 de janeiro de 2010, e tendo em vista o disposto no art. 19 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, na Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993, alterada pela Lei nº 12.317, de 26 de agosto de 2010, e na Portaria SRH/MP nº 1.100, de 6 de julho de 2006, cujo Anexo vigora na forma do Anexo à Portaria SRH/MP nº 3.353, de 20 de dezembro de 2010, resolve: Art. 1º Uniformizar procedimentos no âmbito do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal - SIPEC, acerca da aplicação da jornada semanal de trabalho reduzida aos servidores ocupantes dos cargos de Assistente Social. Art. 2º Para efeitos desta Orientação Normativa, o servidor ocupante do cargo efetivo de Assistente Social poderá ter sua jornada de trabalho adequada para (30) trinta horas semanais, mediante opção. A alteração sistêmica que trata este artigo deverá ser efetuada no cadastro do servidor pela transação CAALJORPCA. §1º A adequação de que trata o caput deverá ser requerida expressamente pelo servidor e resultará na remuneração proporcional à jornada de trabalho. §2º A redução da jornada trabalho de que trata esta Orientação Normativa também se aplica aos servidores ocupantes de cargos efetivos que tenham tido como requisito, para o ingresso no serviço público, a exigência de diploma de graduação em Assistência Social. Art. 3º Esta Orientação Normativa entra em vigor na data da sua publicação.

DUVANIER PAIVA FERREIRA”

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especialmente o art. 5º, a lhes franquear requererem a redução da jornada de trabalho para 6

(seis) ou 4 (quatro) horas diárias – 30 (trinta) ou 20 (vinte) horas semanais, respectivamente –,

com a consequente diminuição proporcional de seus vencimentos, e que em momento algum

se asseverou que a vigência da Lei nº 12.317/2010 acarretaria a automática redução da carga

horária semanal dos servidores em comento.

8. Alfim, desvelou-se divergência existente entre a ON SRH/MP nº 1/2011 e a Portaria

SRH/MP nº 3.353/2010 ao se afirmar o seguinte, in litteris:

13. Ora, se a SRH/MP, na qualidade de órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – SIPEC, houvera entendido, quando da edição da Portaria SRH/MP nº 3.353/2010, que os servidores ocupantes do cargo de Assistente Social se sujeitavam à jornada de trabalho de 30 (trinta) horas semanais, não há razão lógica e tampouco jurídica que justifique a feitura de uma Orientação Normativa que facultasse a essa categoria de servidores reduzir sua jornada de trabalho para as mesmas 30 (trinta) horas a que já estão – no entender da própria SRH/MP – sujeitos por força da aplicação da Lei nº 12.317/2010. Conforme dito, parece haver inconciliável contradição entre as determinações veiculadas nos dois atos da SRH/MP.

9. É o que cumpria apresentar à guisa de relatório. Passo ao opinativo.

- II -

10. Por reputar tratar-se de questão prejudicial para a ultimação do conflito de entendimentos

que me foi submetido, cabe investigar, preliminarmente, se a mera entrada em vigor da Lei nº

12.317/2010, tem o condão de, por si só, reduzir para 30 (trinta) horas a jornada semanal de

trabalho também dos ocupantes do cargo público de Assistente Social.

11. A seu respeito, concordo integralmente com a tese esposada pela CONJUR/MP em seu

PARECER Nº 1794 – 3.4/2010/JPA/CONJUR/MP, alhures apontado, e pela CONJUR/ME no

PARECER Nº 188/2010/CONJUR/ME, de autoria do Advogado da União Hugo Sinvaldo

Silva da Gama Filho (cópia às fls. 17/18).

12. Conforme foi bem colocado em tais opinios, na medida em que a relação estabelecida

entre o Estado (in casu, a União) e o servidor público ocupante do cargo de Assistente Social

é de matiz legal (estatutário), a norma a disciplinar sua carga horária semanal de trabalho é a

contida na Lei nº 8.112/1990, e não a que está na Lei nº 12.317/2010.

13. Deveras, esse último diploma teve por objetivo fixar a jornada de trabalho semanal dos

Assistentes Sociais submetidos ao regime de trabalho celetista (contratual), o que ressuma

claro da leitura do seu art. 2º, abaixo transcrito:

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192

Art. 2º Aos profissionais com contrato de trabalho em vigor na data da publicação desta Lei é garantida a adequação da jornada de trabalho, vedada a redução de salário. (sublinhou-se)

14. Ademais, é cediço que pertence ao Presidente da República a iniciativa de projetos de leis

que versem sobre o regime funcional dos servidores pertencentes aos quadros da

Administração Pública Federal, na dicção do art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal, com

a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional nº 18, de 5 de fevereiro de 1998:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...) II - disponham sobre: (...) c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (sublinhou-se)

15. Desse modo, a fixação da jornada de trabalho dos ocupantes do cargo público federal de

Assistente Social depende de lei cujo projeto tenha sido apresentado ao Congresso Nacional

pelo Chefe do Poder Executivo da União.

16. Todavia, segundo apurou a CONJUR/MP, o projeto que deu origem à Lei nº 12.317/2010

foi proposto por um parlamentar, Sua Exa. o Sr. Deputado Federal Mauro Nazif, o que leva à

conclusão de que é inconstitucional qualquer interpretação que venha admitir sua aplicação

aos servidores públicos da União, sob pena de constituir indiscutível afronta ao dispositivo

supra.

17. Portanto, vale para os ocupantes do cargo de Assistente Social integrante dos quadros da

Administração Pública Federal a norma geral insculpida no art. 19, da Lei nº 8.112/1990, que,

na redação que lhe atribuiu a Lei nº 8.270, de 17 de dezembro de 1991, assim determina:

Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente.

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§ 1o O ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado sempre que houver interesse da administração. § 2o O disposto neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis especiais.

18. Cumpre observar, nessa toada, que a jurisprudência segue a mesma esteira, conforme bem

assinalado pelas Consultorias Jurídicas interessadas. São diversos os julgados em que os

sodalícios pátrios decidiram que o Estatuto dos Servidores Públicos Federais prevalece sobre

outras leis que estabeleçam a jornada laboral de determinadas categorias profissionais quando

seus integrantes estiverem vinculados ao regime celetista. Vejamos alguns deles:

ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDORES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - JORNADA DE TRABALHO REDUZIDA - ART. 19 DA LEI Nº 8.112/90. 1. Os servidores públicos deverão cumprir jornada de trabalho que terá um mínimo de seis e um máximo de oito horas diárias, impondo-se reconhecer que a fixação dessa carga horária está adstrita ao interesse da Administração Pública, tendo em conta critérios de conveniência e oportunidade no exercício de seu poder discricionário, voltado para o interesse público e o bem comum da coletividade. 2. Com a edição da Lei nº 8.112/90, restaram superados os comandos da Consolidação das Leis do Trabalho, anteriormente aplicáveis a esses servidores, uma vez que a relação trabalhista foi absorvida pela relação estatutária, que passou a reger, de forma específica, as relações entre os servidores e o Poder Público. 3. Precedentes deste Tribunal. 4. Mandado de segurança denegado. (STJ, Terceira Seção – MS nº 4.334/DF, rel. Min. Anselmo Santiago – Julgamento em 25/11/1998 – Publicação no DJ em 01/02/1999, p. 101 – sublinhou-se) RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. REGIME JURÍDICO ÚNICO. JORNADA DE TRABALHO. ART. 19 DA LEI 8.112/90. 1. Os servidores públicos deverão cumprir jornada de trabalho que terá um mínimo de seis e um máximo de oito horas diárias, estando a fixação dessa carga horária adstrita ao interesse da Administração

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Pública, levando-se em conta critérios de conveniência e oportunidade, em prol do interesse público, restando superada, com a edição da Lei 8.112/90, a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho. Precedentes. 2. Malgrado a tese de dissídio jurisprudencial, há necessidade, diante das normas legais regentes da matéria (art. 541, parágrafo único do CPC c/c o art. 255 do RISTJ), de confronto, que não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, entre trechos do acórdão recorrido e das decisões apontadas como divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. Ausente a demonstração analítica do dissenso, incide o óbice da súmula 284 do Supremo Tribunal Federal. 3. Recurso especial não conhecido. (STJ, Sexta Turma – REsp nº 389.306/PR, rel. Min. Fernando Gonçalves – Julgamento em 15/10/2002 – Publicação no DJ em 04/11/2002, p. 276 – sublinhou-se)

Servidora pública federal (alteração de jornada de trabalho). Lei nº 4.950-A/66 (inaplicabilidade). Lei nº 8.112/90 (regência). Precedentes (aplicação). Agravo regimental (desprovimento). (STJ, Sexta Turma – AgRg no REsp nº 382.655/RS, rel. Min. Nilson Naves – Julgamento em 11/11/2008 – Publicação no DJe em 19/12/2008 – sublinhou-se) ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. MANUTENÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO DE SEIS HORAS DIÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO. LEGALIDADE DA FIXAÇÃO EM OITO HORAS DIÁRIAS. REGIME ESTATUTÁRIO. LEI Nº. 8.112/90, ART. 19. INEXISTÊNCIA DE DIREITO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA PROVIDAS. 1. A jornada de trabalho dos servidores públicos estatutários e o período de férias é fixada em lei específica (Lei nº 8.112/90, art. 19, caput e art. 77), que estabelece a duração máxima de quarenta horas semanais de trabalho, observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente, e o período de trinta dias para as férias, ressalvando a duração do trabalho e de férias estabelecida em leis especiais no seu §2º. 2. No tocante à carga horária, sua fixação está adstrita ao interesse da Administração Pública, tendo em conta critérios de conveniência e oportunidade no exercício de seu poder discricionário, voltado para o

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interesse público e o bem comum da coletividade. Assim, não há qualquer ilegalidade na exigência formulada pela Administração de uma carga horária semanal de trabalho de 40 (quarenta) horas, tendo em vista a inexistência de lei especial em sentido contrário. 3. Apelação e remessa oficial tida por interposta providas. (TRF1, Segunda Turma – AMS nº 2005.38.03.008656-3/MG, rel. Des. Federal Neuza Maria Alves da Silva – Julgamento em 06/04/2011 – Publicação no e-DJF1 em 26/05/2011, p. 207 – sublinhou-se) ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. CARGO DE LABORATORISTA. JORNADA SEMANAL DE 40 (QUARENTA) HORAS. LEGALIDADE. REGIME ESTATUTÁRIO. LEI Nº 8.112/90, ART. 19, CAPUT E §2º. INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECIAL PREVENDO JORNADA DE 30 (TRINTA) HORAS SEMANAIS. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E HIERARQUIA DAS NORMAS. DECRETO-LEI 1.445/76. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. O autor é servidor público federal estatutário ocupante do cargo de laboratorista desde 28/02/1994. A jornada de trabalho dos servidores públicos estatutários é fixada em lei em específica (Lei nº 8.112/90, art. 19, caput), que estabelece a duração máxima de quarenta horas semanais de trabalho, observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente, ressalvando a duração do trabalho estabelecida em leis especiais no seu §2º. 2. A fixação dessa carga horária está adstrita ao interesse da Administração Pública, tendo em conta critérios de conveniência e oportunidade no exercício de seu poder discricionário, voltado para o interesse público e o bem comum da coletividade. Assim, não há qualquer ilegalidade na exigência formulada pela Administração de uma carga horária semanal de trabalho de 40 (quarenta) horas para o cargo de laboratorista, à míngua de lei especial em sentido contrário. 3. A definição de jornada de trabalho somente pode ocorrer por lei, em sentido formal, sendo que mera Instrução Normativa (nº 30, de 26.12.1974), editada com base no Decreto nº 74.449/1974, prevendo uma jornada semanal de 30 horas para o laboratorista, não constitui instrumento normativo adequado para tal fim, pois não poderia ir além das previsões contidas na norma que visava regulamentar (Lei nº 5.645/1970), extrapolando os limites estabelecidos por esta lei, sob pena de ferir tanto o princípio da hierarquia das normas jurídicas quanto o da legalidade estrita, pelo qual a Administração Pública somente está autorizada a proceder de conformidade com o preceituado em lei. 4. O Decreto-lei nº 1.445, de 13.02.1976, nos seus artigos 15 e 16, estabeleceu uma jornada de trabalho semanal de 40 horas para o técnico de laboratório, ressalvando o caso daqueles que estavam em exercício na data da sua edição, que poderiam optar pela jornada semanal de 30 horas, pelo que tanto os laboratoristas quanto os

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técnicos de laboratório admitidos após 1976 estão sujeitos a uma jornada semanal de trabalho de 40 (quarenta) horas. 5. Apelação desprovida. (TRF1, Primeira Turma – AC nº 2004.33.00.023345-2/BA, rel. Juíza Federal Sônia Diniz Viana (convocada) – Julgamento em 19/11/2008 – Publicação no e-DJF1 de 13/01/2009, p. 28 – sublinhou-se)

19. Não destoa a doutrina a mais abalizada, consoante se infere do esclarecedor magistério de

IVAN BARBOSA RIGOLIN189:

Obriga-se pelo art. 19 cada servidor efetivo a prestar até quarenta horas semanais de trabalho, o que significa cinco dias de oito horas cada, bem conforme a tradição do serviço público brasileiro, encampada até mesmo pela Constituição Federal, art. 7º, XIII. Outras leis, entretanto, podem estabelecer duração diversa do trabalho, como seguramente o farão, e como já têm feito quando referentemente a profissões regulamentadas para as quais as leis federais preveem outras cargas horárias normais. É o caso dos médicos, dos professores, dos mecanógrafos, dos ascensoristas e de outros profissionais, e essa é a previsão, desde logo enunciada, do § 2º deste artigo. Seja como for, e ainda no § 2º, haverá de ser alguma lei de âmbito e escopo exclusivamente federal, destinada aos servidores federais independentemente do que disponha cada lei nacional regulamentadora de profissão, a fixadora de horários de diferente de quarenta horas semanais para os servidores federais. Essa legislação precisará dispor, expressamente, sempre que a carga horária deste ou daquele cargo federal seja diferente de quarenta horas semanais. Quer-se significar que a lei que crie os cargos, ou outra ainda se a eles referente, precisa prever-lhe a carga horária, sempre que for diferente daquela norma, prevista neste art. 19. Não se aplica o horário eventualmente estabelecido na legislação trabalhista disciplinadora de profissões aos servidores submetidos ao regime estatutário, mas tão-somente a trabalhadores celetistas, servidores públicos ou empregados da iniciativa privada, conforme já decidiu o STJ (...).

- III -

43. Não sendo a Lei nº 12.317/2010, de acordo com o exposto supra, aplicável aos

que ocupam o cargo público federal de Assistente Social, valendo para eles, à míngua de lei

especial de iniciativa do Presidente da República que disponha de modo diverso, o horário de

trabalho padrão versado no art. 19, da Lei nº 8.112/1990, transparece, no meu modo de sentir,

o equívoco em que incorreu a SRH/MP ao estabelecer, por intermédio da Portaria SRH/MP nº

189 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 68 e 69 – destaques no original.

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3.353/2010 e com supedâneo no primeiro diploma legal, uma jornada de trabalho semanal de

apenas 30 (trinta) horas para esses servidores.

44. E há de se notar que tal equívoco ocorreu mesmo após o alerta emanado da

CONJUR/MP, que em seu PARECER Nº 1794 – 3.4/2010/JPA/CONJUR/MP, engendrado

em reposta a consulta deduzida pela Coordenação-Geral de Elaboração, Sistematização e

Aplicação de Normas da SRH/MP – CGNOR/SRH/MP, concluiu o seguinte:

21. Do quanto se vem de aludir, é legítimo concluir que: a) a Lei nº 12.317/2010 dispõe acerca de matéria trabalhista, sendo inaplicável ao regime jurídico dos servidores públicos civis; b) os servidores públicos federais ocupantes de cargos de Assistente Social – estejam ou não no efetivo exercício das atribuições de seus cargos – não fazem jus à jornada de trabalho de 30 (trinta) horas semanais prevista na Lei nº 12.317/2010; c) o art. 19 da Lei nº 8.112/90 franqueia à Administração Pública a possibilidade de alterar, de acordo com seus critérios de conveniência e oportunidade, as jornadas de trabalho dos servidores em razão das atribuições inerentes aos respectivos cargos; d) aplica-se a MP nº 2.174-28/2001 aos servidores que optem por reduzir voluntariamente a sua jornada de trabalho.

45. Ou seja, além de ter assentado a ilicitude de se utilizar a Lei nº 12.317/2010

para pautar a jornada laboral dos servidores federais ocupantes do cargo de Assistente Social,

a CONJUR/MP apresentou como alternativa possível para lograrem uma carga de trabalho

semanal menor eles se valerem da faculdade prevista na MP nº 2.174-28/2001, sujeitando-se,

entretanto, à diminuição proporcional de seus vencimentos.

46. Todavia, o aviso do Órgão Consultivo não foi suficiente para impedir que fosse

editada a Portaria SRH/MP nº 3.353/2010, que, pelas razões expendidas neste opinativo e nas

manifestações produzidas pela CONJUR/MP, padece, ao meu aviso, do vício da ilegalidade.

47. Visando extirpá-la de nosso ordenamento, há dois caminhos a seguir pela

Administração Pública Federal.

48. O primeiro é a própria SRH/MP ou outro órgão ou autoridade de hierarquia

superior dentro da Pasta reconhecer que a Portaria SRH/MP nº 3.353/2011 não se coaduna

com a Lei nº 8.112/1990 e, exercendo o dever-poder de autotutela, revogá-la.

49. O segundo é o Advogado-Geral da União exarar opinativo ou aprovar um no

qual se contraste o posicionamento da SRH/MP a respeito da jornada de trabalho semanal dos

ocupantes do cargo de Assistente Social,

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À consideração superior.

Brasília, 22 de julho de 2011.

João Gustavo de Almeida Seixas Advogado da União

DESPACHO Nº 68/2011/MCL/CGU/AGU

REFERÊNCIA: Processo nº 00400.005458/2011-11

Sr. Diretor,

1. Estou de acordo com o PARECER Nº 074/2011/DECOR/CGU/AGU, do

Advogado da União, João Gustavo de Almeida Seixas.

2. Acrescento apenas, que o entendimento firmado no PARECER GQ-24 muito

bem se amolda à situação em apreço. Para ilustrar, segue o excerto:

“8. Essa matéria possui relevância suficiente para constituir-se em farta jurisprudência judicial,

cristalizada com a acepção de que o horário de trabalho e o salário-mínimo estabelecido para as

categorias que exercem profissão regulamentada inaplicam-se aos servidores públicos.”

3. Por fim, sugiro a apreciação conjunta deste processo com os de nº

00400.007636/2011-31 e 00400.013351/2011-39, que tratam do mesmo assunto.

À consideração superior.

Brasília, 03 de outubro de 2011.

Márcia Cristina Novais Labanca Advogada da União

Coordenadora-Geral de Orientação do DECOR/CGU/AGU

Page 202: Boletim Trimestral da CGU/AGU, v.1, n.2, abr./jun. 2012

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DESPACHO Nº 112/2011/SFT/CGU/AGU

REFERÊNCIA: Processo nº 00400.005458/2011-11

Senhor Consultor-Geral da União,

01. Estou de acordo com o PARECER Nº /2011/DECOR/CGU/AGU, que tratou

da necessidade de alteração da Portaria SRH/MP nº 3.353, de 20 de dezembro de 2010, tendo

em vista que a Lei nº 12.317, de 26 de agosto de 2010, não tem aplicação aos servidores

públicos estatutários.

02. O mesmo entendimento deve ser adotado com relação à Orientação Normativa

SRH nº 1, de 1º de fevereiro de 2011, que também utilizou como fundamento legal a citada

Lei.

03. A base legal a ser aplicada neste caso é a Medida Provisória 2.174-28/2001.

Portanto, esse instrumento legal deve servir de fundamento aos atos normativos a serem

editados pela Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e

Gestão – SRH/MP, que disciplinarão a matéria versada nestes autos.

04. Caso V. Exª acolha o posicionamento acima mencionado, recomendo, s.m.j, o

encaminhamento de cópia do referido Parecer à Consultoria Jurídica junto ao Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão, para ciência, bem como à SRH/MP, para conhecimento e

providências cabíveis.

À consideração superior.

Brasília, 06 de outubro de 2011.

SÉRGIO EDUARDO DE FREITAS TAPETY Advogado da União

Diretor do DECOR/CGU/AGU