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BIC
Boletim da Indústria
e do Comércio Exterior
BIC, v. 1, n. 2, jan./mar.2010
DOCUMENTO DE REFERÊNCIA: COMMODITIES AGROINDUSTRIAIS
Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
BIC Boletim da Indústria e do Comércio Exterior – Ano I – No. 1 – maio de 2010 O Boletim de Indústria e do Comércio Exterior – BIC é uma publicação trimestral elaborada pelo GIC/IE-UFRJ, sob encomenda da APEX-Brasil. Seu objetivo é contribuir na montagem de um quadro de referência para o trabalho de inteligência comercial atualmente já desenvolvido pela agência. O BIC é uma realização do Grupo de Indústria e Competitividade do IE/UFRJ www.ie.ufrj.br/gic - [email protected] Equipe
David Kupfer Coordenador
Galeno Ferraz Redator
Marta Calmon Lemme Redatora
Felipe Araújo Gestor de Informações/RJ
Guilherme Pedretti Gestor de Informações/BSB
Julia Torracca Assistente de Pesquisa
Daniela Carbinato Assistente de Pesquisa
Carolina Dias Gerente Administrativa
Thelma Teixeira Secretária
John Wilkinson Redator do Documento de
Referência sobre Commodities Agroindustriais
Este Documento de Referência – Commodities
Agroindustriais é parte do Boletim da Indústria e do
Comércio Exterior e tem por objetivo examinar os
principais fatores estruturais para a competitividade
dos setores produtores de commodities
agroindustriais na economia brasileira.
SUMÁRIO
1. Apresentação ...................................................................3
2. Padrões de Concorrência e Competitividade nos Setores de Commodities Agroindustriais ......................................4
3. Estrutura e Características dos Setores de Commodities Agroindustriais no Plano Mundial ....................................7
3.1 Demanda e Acesso à Matéria Prima .................................7
3.2 Reestruturação dos Mercados Globais e a Dinâmica Tecnológica ....................................................................13
3.3 Regulação .......................................................................19
4. Caracterização do Setor no Brasil .....................................21
4.1 A Demanda e o Acesso à Matéria Prima ........................21
4.2 Estrutura de Mercado e Dinâmica Tecnológica ..............25
4.3 Regulação .......................................................................28
5 Considerações Finais .........................................................29
Referências ...........................................................................30
As opiniões aqui emitidas são de exclusiva responsabilidade dos autores e não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da APEX-Brasil.
B I C Boletim da Indústria e
do Comércio Exterior
Ano I – No. 1
maio de 2010
1. Apresentação
Esse documento faz parte do Boletim de Indústria e Comércio Exterior e pretende examinar os
principais fatores estruturais que afetam a competitividade dos setores de commodities
agrícolas na economia brasileira.
O grupo de setores de Commodities Agroindustriais compreende as atividades de trading de
matérias primas, do primeiro processamento de produtos intermediários e da elaboração
simples de produtos de consumo final. Por se tratar de produtos não ou pouco diferenciados,
as combinações de custos, a escala na produção e o controle sobre insumos e de distribuição
constituem componentes-chave do padrão de concorrência nesses setores. Ao mesmo tempo,
a natureza da atividade agrícola impõe estratégias de investimentos multi-planta cuja
localização varia ao depender da finalidade do produto – se intermediário ou de consumo
final. Incluídas nesse grupo estão as atividades apresentadas na Tabela 1, listadas de acordo
com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE – versão 1.2).
A abordagem adotada neste documento apoia-se na base analítica desenvolvida para o Estudo
da Competitividade da Indústria Brasileira, coordenado pelos Institutos de Economia da
Universidade Estadual de Campinas e da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1993/41.
Apoia-se também nos resultados da pesquisa Perspectivas do Investimento no Brasil,
coordenada pelas mesmas instituições em 2008/102. Dentro da perspectiva adotada, as
commodities agroindustriais compartilham boa parte das características das commodities
industriais discutidas no documento de referência contido no Boletim de Indústria e Comércio
Exterior nº 0, que aborda os setores de CI.
Esse documento compreende três partes além da apresentação e das conclusões finais. Na
primeira, apresentamos uma visão geral dos padrões de concorrência bem como dos fatores
que condicionam a competitividade para o conjunto de Commodities Agrícolas. Na segunda,
desenhamos o perfil desses setores em âmbito mundial. Na parte final, focalizamos as suas
características no contexto brasileiro. Duas ressalvas devem ser feitas. Primeiro, cabe ter
presente que as empresas dominantes na produção de Commodities Agroindustriais não
limitam a sua atuação exclusivamente a esses setores, estando, ao mesmo tempo, presentes
nos segmentos de maior valor agregado. Por exemplo, as empresas líderes no processamento
de grãos se posicionam cada vez mais no segmento de saúde/nutrição, enquanto na pecuária
as empresas de carnes buscam desenvolver produtos elaborados como refeições pré-prontas e
similares. Por isso, a dinâmica dos setores produtores de commodities agroindustriais não
deve se confundir com as estratégias das empresas dominantes nesses setores. Uma segunda
ressalva diz respeito às fronteiras entre o “contexto brasileiro” e o “âmbito mundial” que
1 Os resultados dessa pesquisa foram sintetizados no livro Made in Brazil: desafios competitivos para a
indústria brasileira, Ferraz, J. C., D. Kupfer. L. Haguenauer, Rio de Janeiro, Campus (1996). 2 Os resultados desta pesquisa encontram-se disponíveis em www.projetopib.org.
freqüentemente se confundem dado o elevado peso do setor e das empresas líderes
brasileiras no mercado mundial.
Tabela 1 Grupo de Setores de Commodities Agroindustriais
2. Padrões de Concorrência e Competitividade nos Setores de
Commodities Agroindustriais
Os setores de commodities agrícolas compreendem mercados de produtos pouco
diferenciados nos quais a competitividade origina-se da redução dos custos com base em
grandes escalas de operação no que se refere a insumos, processamento e distribuição. A
maioria dos segmentos de commodities agroindustriais já obedece a uma lógica de
organização internacional dos mercados há pelo menos um século. Dadas as escalas de
operação, o acesso ao financiamento pode se tornar um diferencial competitivo para
concorrer nesses mercados. A homogeneidade dos produtos e os efeitos de localização
definem o espaço para a operação de empresas como de nicho ou regionais. Mesmo com a
tendência de oligopolização dos mercados, as empresas enfrentam grandes incertezas de
CA
15
151
153 Produção de óleos e gorduras vegetais e animais
156 Fabricação e refino de açúcar*
157 Torrefação e moagem de café
16 160 Fabricação de produtos do fumo
20
201 Desdobramento de madeira
202
21
211
212 Fabricação de papel, papelão liso, cartolina e cartão
213 Fabricação de embalagens de papel ou papelão
214
Commodities Agrícolas
FABRICAÇÃO DE PRODUTOS
ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS
Abate e preparação de produtos de carne e de pescado
FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO
FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DE MADEIRA
Fabricação de produtos de madeira, cortiça e material trançado - exceto móveis
FABRICAÇÃO DE CELULOSE, PAPEL E
PRODUTOS DE PAPEL
Fabricação de celulose e outras pastas para a fabricação de papel
Fabricação de artefatos diversos de papel, papelão, cartolina e cartão
preços, que correspondem a flutuações não apenas na demanda, mas também na oferta de
matéria prima.
Nesse aspecto as commodities agroindustriais apresentam três elementos que as distinguem
das suas congêneres industriais e que exigem uma análise diferenciada: primeiro, a matéria
prima agrícola pode sofrer mudanças abruptas na oferta ocasionadas por fatores naturais
como secas, inundações, geadas e pragas que, mesmo se contornados por mecanismos de
seguro, não deixam de ter fortes impactos sobre preços e oferta física. Segundo, a oferta de
matérias primas agrícolas se dá em ciclos de mais longo tempo de maturação, o que exige
sistemas de financiamento mais complexos. Por fim, a produção agrícola, diferentemente da
mineração ou da indústria petrolífera, requer enormes espaços físicos e envolve grande
número de produtores, o que coloca desafios específicos de logística e de coordenação.
Por todas essas peculiaridades, os setores de commodities agroindustriais constituem objeto
de grande diversidade de regulações e políticas públicas, fazendo do Estado um ator-chave
para o seu funcionamento. Pelas mesmas razões, estratégias privadas visando tornar mais
previsível a oferta de matéria prima levam à promoção de um leque de arranjos de
coordenação envolvendo vários tipos de contratualização, incluindo em muitas situações
fortes incentivos à integração vertical.
Por volta dos anos 1970, a demanda por commodities agrícolas nos principais países
consumidores – a Europa, os Estados Unidos e o Japão – arrefeceu, com a estagnação ou o
declínio no consumo per capita de alimentos básicos. Essa mudança levou as empresas a
buscar estratégias de segmentação dos mercados e de diferenciação dos produtos. Essa
situação, no entanto, vem se revertendo com os grandes países emergentes, em plena
transição alimentar, assumindo o domínio da dinâmica do comércio mundial. Contudo, muito
mais do que um mero ressurgimento quantitativo da demanda de commodities agrícolas, o
funcionamento desses mercados, agora, vem repercutindo os valores associados à estratégia
de diferenciação do período anterior. Assim, hoje são as grandes cadeias de commodities, e
não apenas os mercados de nicho, que necessitam obedecer a diferentes especificações
negociadas entre os traders globais e os consumidores. Esse é o caso dos novos critérios
socioambientais impostos por organizações da sociedade civil, que envolvem rastreabilidade,
segregação da cadeia de suprimento, sistemas de certificação, enfim, novas formas de
coordenação que colocam em questão a tradicional dinâmica dos setores produtores de
commodities organizada em torno dos mercados spot das bolsas internacionais.
Durante todo o século XX a produção agrícola progressivamente especializou-se no
suprimento de alimentos, em detrimento da sua função de fornecedora de matéria prima
industrial e de energia, em que foi sendo substituída por fontes não-agrícolas, sobretudo no
complexo petroquímico. Hoje, vemos o início de uma reversão dessa tendência com o
desenvolvimento de agroenergia, produtos biodegradáveis (bioplásticos) de origem agrícola e
produtos de madeira de florestas plantadas. A agroenergia aproxima cadeias de commodities
que anteriormente seguiam caminhos separados, como o milho e a cana-de-açúcar, ambas
fontes de bioetanol. Como resultado, os traders globais de grãos agora começam a investir
pesadamente na cadeia de cana-de-açúcar. A segunda geração de agroenergia, baseada na
capacidade de transformar material celulósico, promete uma aproximação mais radical, dessa
vez entre a agricultura e a produção florestal. Produtos agrícolas e florestais são também
importantes nos novos mercados de carbono como parte das estratégias para mitigar os
impactos dos gases de efeito estufa.
As perspectivas de consolidação de mercados globais tanto para a agroenergia quanto para o
mercado de carbono atraem grandes empresas de setores antes antagônicos, mas agora afins
– o setor petroquímico – bem como de grandes investidores de outros setores mobilizados
pelas promessas desses mercados, apoiados em novas formas de alavancagem financeira
através de fundos de investimento. Face esses novos concorrentes as tradicionais barreiras de
entrada baseadas em escala se tornam inócuas. A transformação dos mercados globais de
commodities agrícolas passa também por um novo patamar tecnológico que provoca uma
onda de joint ventures de P&D que ameaça criar novas barreiras à entrada, dessa vez com base
na detenção de patentes, tanto genéticas quanto de processos industriais.
Essa redefinição dos mercados de commodities agrícolas produziu os seus primeiros efeitos no
forte aumento dos preços de alimentos em 2007-8, fenômeno para o qual o aumento do uso
de milho para a fabricação de etanol contribui de modo importante. As medidas
“protecionistas” de retenção de produtos por parte de países tradicionalmente exportadores
funcionaram como sinal de alerta em relação à capacidade do comércio global de garantir a
segurança alimentar. Como resultado, os governos de países que dependem estruturalmente
de importações de alimentos e também de energia, como a China e o Japão, vem ampliando
investimentos diretos em países fornecedores para assegurar o seu abastecimento. Esses
investimentos, que de acordo com estimativas disponíveis já abrangem uma área superior a 20
milhões de hectares, certamente terão influência no funcionamento dos mercados globais de
commodities agrícolas.
De modo geral, os segmentos de commodities agrícolas fazem parte de cadeias globais de
valor nas quais as atividades geradoras de valor agregado situam-se ou a montante, na
tecnologia genética e de processos, ou a jusante, na elaboração de produtos cada vez mais
diferenciados. Para lidar com esse duplo desafio, países exportadores precisam reforçar os
seus sistemas nacionais de P&D, agora estruturados em redes mais complexas que incluem
parcerias estratégicas com as empresas transnacionais, e ao mesmo tempo, promover a
internacionalização das suas empresas líderes, para poder disputar as oportunidades de maior
valor agregado que se situam nos grandes centros consumidores.
Mesmo com um mercado doméstico importante essa dinâmica é valida também para o Brasil.
Desde o início do século XX multinacionais já faziam parte da consolidação da indústria
agroalimentar no país. A partir dos anos 1980 e mais ainda na década seguinte a
transnacionalização avançou aceleradamente. No entanto, o Brasil ainda detém empresas
líderes na maioria dos setores das commodities agrícolas, para as quais essas estratégias se
tornam imperativas e, em alguns casos, como carnes e açúcar/álcool, já estão em curso.
Mesmo em segmentos já altamente transnacionalizados como o da soja, a rápida expansão da
produção agrícola em novas regiões geográficas e também para novos usos como o energético
abre oportunidades para o surgimento de novas empresas com capacidade de se tornaram
atores globais. Entre esses novos investimentos, o Brasil conta também com uma forte
participação da Petrobras e de outros grandes grupos empresariais brasileiros, já
transnacionais, dos setores de construção e de energia.
3. Estrutura e Características dos Setores de Commodities
Agroindustriais no Plano Mundial
3.1 Demanda e Acesso à Matéria Prima
A alta nos preços de commodities agrícolas em 2007-8 expôs, ou aumentou a percepção de
insegurança no abastecimento mundial. Políticas de retenções praticadas por importantes
países exportadores aceleraram a busca por esquemas alternativos de acesso à matéria prima
que discutiremos na próxima subseção. Embora a diversificação no destino das commodities
agrícolas, sobretudo a crescente importância dos biocombustíveis, seja considerada um fator
importante no comportamento dos preços, a dinâmica da sua demanda mundial é
determinada em grande parte pelo crescimento das economias dos países emergentes. A
característica fundamental desse crescimento é uma industrialização acompanhada de
urbanização, que traz consigo a mudança para um sistema de consumo alimentar baseado em
proteína animal, o que aumenta geometricamente a demanda para grãos e oleaginosos.
Em contraste com o Japão e a Coréia do Sul em décadas anteriores, a China e a Índia são países
com grandes bases agrícolas. No entanto, o ritmo e a persistência do crescimento desses
países, sobretudo no caso da China, que em 2008 virou importador líquido de alimentos,
deram um novo impulso ao comércio de commodities agrícolas. Essa demanda se reforça com
o crescimento de outros países asiáticos, da Rússia e do conjunto dos países do Oriente Médio.
Não se espera que esses países alcancem o consumo per capita de carnes que prevalece nos
países já industrializados, mas as dimensões desses novos mercados apontam para uma
demanda aquecida de médio e longo prazo (USDA, 2006).
Embora heterogêneas, as categorias de commodities agrícolas - fumo, celulose e alimentos -
compartilham uma mesma dinâmica de consumo/renda, todos tendo agora uma dinâmica de
crescimento maior nos países emergentes que nos países já industrializados. Algumas
commodities são produtos intermediários, como rações e celulose; outras podem ser
intermediárias ou produtos de consumo final – açúcar –; e outras constituem produtos finais,
mas de pouca elaboração, como carne, papel, cigarros. Nas décadas de 1980-90, quando a
dinâmica do comércio mundial de commodities agrícolas era predominantemente Sul/Norte, o
arrefecimento da demanda para produtos básicos no Norte impulsionou estratégias de “valor
agregado” e upgrading. Hoje, ao contrário, a demanda se volta prioritariamente para
commodities básicas – intermediárias ou mesmo matéria prima - ameaçando uma re-
primarização da pauta de exportações, como no caso da cadeia de soja do Brasil. Nos próximos
parágrafos consideraremos a dinâmica da demanda nos quatro blocos de commodities
agrícolas.
Fumo
O consumo de fumo per capita está em declínio nos países desenvolvidos, que hoje
representam menos de 30% do consumo global – declínio esse mais acentuado nos Estados
Unidos do que na Europa. Estima-se que essa tendência continue como resultado da
valorização da saúde, das campanhas públicas sobre o perigo do fumo e da forte regulação
que se impõe nesses países. Assim, os países em desenvolvimento respondem por mais de
70% do consumo de fumo, com a China sozinha representando 37% da demanda. Crescimento
populacional, elasticidade-renda e fraca regulação nos países em desenvolvimento
sustentaram a expansão da demanda num ritmo anual de 3,1% entre 1970-2000, enquanto
que nos países desenvolvidos a taxa de crescimento foi 0,2%.
Em geral existe uma forte correlação entre o nível educacional e a sensibilidade à publicidade
negativa sobre o cigarro. Além disso, para a primeira geração da nova classe média nos países
em desenvolvimento o cigarro exerce um forte apelo de status. Tendências demográficas
apontam para uma maior proporção de adultos nesses países, o que favorece a expansão do
mercado; a maior porcentagem de mulheres que fumam é também um fator de sustentação
do mercado nos países desenvolvidos. Podemos prever, porém, um aumento de políticas
restritivas mesmo nos países emergentes. Somado a isso, novas tecnologias de fabricação de
cigarros que reduzem a quantidade de fumo por unidade também contribuem para a
diminuição no ritmo de crescimento da demanda por fumo.
Tabela 2 Consumo de Fumo e Projeções de Demanda
(cenários – tendência demográfica e políticas públicas)
Atual Projetada
Tendência Política
1970-72 1980-82 1990-92 1997-99 2005 2010 2005 2010
Países Desenvolvidos
4 193.9 5 404.0 6 616.6 6 475.7 6 695.4 7 151.5 6 062.7 6 447.7
2 297.0 2 568.0 2 384.4 2 237.8 2 087.0 2 054.8 2 065.2 2 029.3
América do Norte 712.6 774.6 699.6 701.6 538.9 475.9 538.9 475.9
Estados Unidos 646.1 706.2 657.9 651.3 493.3 433.8 493.3 433.8
Europa 997.8 1 147.5 1 188.4 981 946.4 946.0 922.4 927.8
EU-15 715.4 811.4 905.9 730.7 696.4 690.6 690.0 690.4
Europa – Outros 282.4 336.0 282.5 250.3 250.0 255.3 232.4 237.4
Ex-URSS 319.3 362.9 248.2 311.3 383.3 442.3 349.9 403.8
Oceania 32.4 31.5 25.2 25.2 21.6 19.3 26.2 23.4
Países em Desenvolvimento
2 059.2 3 013.5 4 339.1 4 237.9 4 608.5 5 096.7 3 997.5 4 418.4
África 114.5 117.6 151.8 190.2 257.3 290.6 234.2 264.4
América Latina 340.5 429.5 375 457.4 473.6 530.7 412.9 462.2
Brasil 120.5 218.8 200.6 229.4 234.4 257.9 210.5 231.6
Oriente Próximo 130.4 218.4 242.8 265.5 271.5 306.8 242.2 273.7
Turquia 59.5 108.5 134.7 126.1 126.2 140.9 112.5 125.6
Ásiat 1 472.4 2 247.0 3 567.8 3 324.7 3 606.1 3 968.6 3 108.2 3 418.1
China 745.6 1 448.2 2 553.5 2 197.0 2 390.8 2 659.5 2 048.8 2 277.7
Índia 235.8 326.1 407.3 477.4 517.3 563.8 450.4 490.7
Indonésia 42.1 104.1 121.4 137.9 166.2 180.7 131.6 142.8
Fonte: Food and Agriculture Organization (2003).
Papel e celulose
No segmento de papel e celulose existe uma crescente separação entre os dois elos da cadeia,
com a produção de celulose se localizando onde houver vantagens comparativas de produção,
e a indústria de papel se situando preferencialmente perto dos pontos de consumo. O Brasil,
como veremos, tem uma posição de destaque no elo da celulose e é relevante em termos de
consumo doméstico de papel, mas fica distante dos mercados mais dinâmicos dos países
asiáticos emergentes. O quadro a seguir apresenta o cenário atual para a demanda de papel e
papelão, com projeções para 2015 e 2025, onde fica evidente a posição central da China, o
resto da Ásia e do Oriente Médio no próximo período:
Tabela 3 Cenário de Demanda para Papel e Papelão
Região 2005 2006 2007E 2015 2025 Crescimento 20066-2025
Milhões t/a %/a 1000 t/a América do Norte
97,8 98,3 94,8 92,4 89,8 -0,4 -376
Europa Ocidental
81,2 83,5 84,2 86,7 84,6 0,1 87
Europa Oriental
16,4 17,7 19,1 27,7 35,7 3,7 944
Japão 31,6 31,6 31,3 30,5 29,1 -0,4 -126 China e Hong Kong
60,4 66,7 73,7 114,1 154,9 4,5 4631
Oriente Médio e resto da Ásia
48,0 49,9 51,4 71,2 94,4 3,4 2347
América Latina
21,8 22,9 23,8 29,8 36,4 2,5 711
Resto do Mundo
10,9 11,3 11,4 14,0 16,8 2,2 298
TOTAL MUNDIAL
368,0 381,9 389,7 466,4 541,7 1,9 8517
Fonte: Villaschi (2009)
Calcula-se que China, Oriente Médio e o resto da Ásia responderão por 77% do aumento global
da produção de papel e cartão entre 2007 e 2025.
No caso de celulose e papel, os fatores de oferta e de demanda se alimentam reciprocamente.
As vantagens da fibra curta do eucalipto da América do Sul (sete anos até a corte) são
avassaladoras em comparação com as da fibra longa de pinos dos países do norte (20 anos até
a corte). Por muito tempo, porém, a produção de celulose a partir de eucalipto foi marginal. A
transformação se deve a quatro fatores: o amadurecimento do setor de eucalipto na América
do Sul, décadas de apoio governamental ao reflorestamento e aos investimentos industriais e
de pesquisa relacionados; o aprimoramento da tecnologia de fibra curta; a estagnação do
consumo de papel nos países do norte; e a explosão de demanda nos países emergentes, mais
especificamente a China, sobretudo para embalagens.
Embora tenha investido fortemente em florestas plantadas para celulose, a China não
consegue suprir a sua demanda e não compete em produtividade com os países do Cone Sul.
Assim, a perspectiva é de que a celulose do Cone Sul não apenas complemente a oferta
doméstica chinesa, mas também que ganhe cada vez mais espaço no mercado, dada a sua
competitividade em custos e qualidade.
A indústria de celulose é tradicionalmente vista como altamente poluente, e a sua re-
localização em países do hemisfério sul foi muitas vezes interpretada como uma estratégia de
exportação de atividades poluentes. Em vista disso, sobretudo nos países desenvolvidos, a
demanda por celulose passou a incorporar novos indicadores de qualidade, obrigando as
empresas exportadoras líderes a buscarem certificação ambiental. Com relação a esse ponto,
cabe observar que os países asiáticos ainda não são tão exigentes, o que pode afetar
negativamente a pressão pela adoção de tecnologias não-poluentes. De todo modo, um novo
patamar mínimo de qualidade ambiental já se difundiu entre as empresas líderes, o que
dificilmente permite retrocessos nessa tendência.
O comércio de papel é inviável em longas distâncias, o que implica que a cadeia se desdobre
na produção de celulose onde as condições para a produção de fibra são mais competitivas e
na confecção de papel perto dos centros consumidores. Essa estrutura coloca desafios
específicos de upgrading do ponto de vista do segmento de celulose, dado o tamanho
modesto dos mercados latino-americanos em comparação coma demanda chinesa. O
consumo per capita de papel na China gira em torno de 50 quilos per capita, enquanto nos
países do norte situa-se na faixa de 200 quilos. Assim, existe bastante fôlego para a expansão
desse mercado, mesmo que o perfil do consumo seja mais orientado para embalagens na
China.
Madeira
Diferentemente da celulose, no setor de madeira as florestas nativas, e não apenas as
plantadas, representam um componente importante da oferta de matéria-prima. Trata-se da
obtenção de produtos intermediários – madeira maciça, aglomerados/compensados e medium
density fibreboard (MDF) para a construção civil e para a indústria moveleira. Na composição
da demanda mundial a transformação mais importante tem sido o aumento de participação do
MDF. O baixo valor agregado, o peso e o volume da madeira limitam a divisão global da cadeia
levando a que a maioria dos países, com exceções importantes como a Itália, busquem
integrar a produção de madeira, painéis e móveis. O comércio mundial se concentra entre
países vizinhos, e no comércio intercontinental predominam as vendas entre a Europa e Ásia.
A demanda segue os ciclos das indústrias de construção e de móveis, que são fortemente
interligadas. Como em outros setores, e provavelmente de forma mais acentuada depois das
crises imobiliárias nos Estados Unidos e na Europa, é a China que se torna o maior pólo
importador de MDF.
Açúcar
A crise nos preços das commodities alimentares em 2007-8 mencionada anteriormente
respondeu a mudanças importantes no perfil da demanda global – a transição para uma dieta
alimentar urbana e, sobretudo, de proteína animal, nos países emergentes, e o uso crescente
dessas commodities para a produção de etanol e biodiesel. Ao mesmo tempo, a dinâmica da
demanda é fortemente influenciada pelas políticas agrícolas de subsídios, quotas e acordos
preferenciais dos países industrializados, com o açúcar sendo um dos produtos mais afetados.
O comércio mundial de açúcar se restringe à cana-de-açúcar, com o produto bruto
respondendo por pouco mais de 60% e o refinado com o restante. Entre 2000 e 2005 as
exportações mundiais de açúcar bruto em toneladas métricas aumentaram em 25% enquanto
as de refinado expandiram-se em 40%. O Brasil lidera de longe a exportação de açúcar bruto,
sendo responsável pela metade, mas fica em segundo lugar, um pouco atrás da União
Europeia, no caso do refinado, segmento em que cada um representa 50% das exportações em
proporções próximas. O aumento das importações de açúcar bruto nesse período ficou por
conta da Índia, Argélia e China; já o de açúcar refinado foi puxado pela Indonésia e Síria,
seguidas por um leque de países em desenvolvimento e emergentes. Vários grandes países
sofrem abruptas oscilações na produção e na demanda, sobretudo a Índia, onde, além do uso
crescente de cana-de-açúcar para etanol, há uma forte instabilidade na oferta e nos preços.
Café
No caso do café, os países industrializados ainda dominam a demanda global. A Finlândia é o
país com o maior consumo per capita (12 quilos), o que resulta num volume total de consumo
nesse país cinco vezes maior do que na China. Nos países desenvolvidos, porém, é a qualidade
que puxa a demanda, e o valor agregado da cadeia global é cada vez mais concentrado no
ponto do consumo, sobretudo na área dos serviços dos coffee shops. A demanda para
qualidade aumenta a preferência pelo café de tipo arábico, cujos custos de produção são mais
altos e cujo plantio exige mais cuidados do que o tipo robusta utilizado para produzir café
solúvel e compor blends. Como no caso do papel discutido anteriormente, a moagem do café
se faz em proximidade com os centros de consumo para manter a qualidade. Por outro lado, à
exceção do caso do café solúvel, segmento no qual a qualidade se concentra no processo
industrial, a qualidade dos cafés está associada à qualidade do grão e da sua origem, o que
permite estratégias de captura de uma parte do valor agregado a montante na agricultura,
através, por exemplo, de certificações de Indicação de Origem.
Embora os grandes países emergentes por enquanto não ditem o ritmo do mercado global,
existem muitas expectativas para o médio e o longo prazo. Tanto a Índia quanto a China são
países cuja bebida preferida é o chá. No entanto, o café é identificado com a modernidade, e o
crescimento em ambos os países, partindo de patamares mínimos, é vigoroso. No caso da
Índia o consumo per capita fica em apenas 75 gramas, mas as estimativas para os próximos 15
anos situam esse consumo em torno de um quilo. Nesse caso, os impactos sobre o comércio
global não são claros, porque a Índia é um produtor de café. No momento existe uma
defasagem entre a base produtiva dedicada ao tipo robusta e a demanda em torno de
especialidades que exigem arábica. Na China existe uma forte expansão no consumo tanto de
café solúvel, dominado pelas transnacionais, quanto de café de qualidade, esse associado à
difusão das coffee-shop. Para atender a essa demanda, a produção doméstica de café está
sendo estimulada, embora seja inevitável que um aumento contínuo no consumo de café no
ritmo atual de 30% ao ano acabará tendo fortes repercussões no comércio a médio prazo.
Calcula-se que se o consumo de café na China atingir um quilo per capita, isso irá equivaler a
toda a safra anual do Brasil, que é o maior exportador mundial, com mais de 30% do mercado
global.
Carnes
A transição de uma dieta de proteína vegetal para animal tem sido identificada como a
mudança mais significativa no consumo alimentar no contexto de industrialização e
urbanização. Um quilo de carne requer de dois a três quilos de rações, no caso de frango; três
a quatro quilos, no caso de suínos; um a dois quilos, para peixes de granja; e até oito quilos no
caso da carne bovina criada em forma intensiva. A explosão na demanda mundial de soja se
explica por ser o principal componente protéico nas rações. Esses quatro tipos de carne
predominam mundialmente e são substituíveis entre si, embora mantenham uma hierarquia
que se reflete em distintas elasticidades de preço/renda e dinâmicas culturais diferenciadas,
que se tornam centrais na consolidação de mercados globais.
Antes da segunda guerra mundial o comércio internacional de carnes se identificava com carne
bovina criada a pasto. No pós-guerra o padrão do comércio mundial mudou para carnes
brancas, liderado pelo frango. Um conjunto de fatores que definiram o modelo industrial de
produção de frangos – escala mínima, logística, pacote tecnológico disponível, adaptabilidade
agrícola, contratualização entre agroindústria e pequenos e médios agricultores – permitiu o
desenvolvimento de indústrias domésticas, primeiro nos países da Europa e depois em alguns
países em desenvolvimento, com destaque para Brasil e Tailândia.
Assim, o comércio mundial gira em torno das rações, sobretudo a soja que, como a carne
bovina, se baseia em fortes vantagens comparativas, favorecendo os Estados Unidos e os
países do Cone Sul. O comércio mundial de frangos focalizava inicialmente países em
desenvolvimento com renda crescente e pouca capacidade agrícola, sobretudo os países
petrolíferos do Oriente Médio, abastecidos, até a entrada competitiva do Brasil e, por um
tempo, Tailândia, por excedentes exportados com subsídios da Europa e dos Estados Unidos.
Hoje, com o crescimento sustentado de muitos países em desenvolvimento e a entrada dos
gigantes da China e da Índia, a demanda para os componentes do complexo de proteína
animal está em alta.
A demanda mundial de carnes sofre fortes influências culturais e de regulação, especialmente
sanitária, que no caso da carne bovina divide o mercado entre zonas livres ou não de aftosa.
Percepções negativas da relação entre o consumo de proteína animal e a saúde e mais
recentemente o meio ambiente se juntam a fatores demográficos e de renda para estagnar e
até diminuir o consumo per capita de carne bovina na Europa e em menor grau nos Estados
Unidos. Com a globalização, os países do Norte aumentam o consumo per capita de peixes e
frutos do mar; já os países asiáticos, aumentaram o consumo de carne de frango e bovina. A
produção de peixe e de frutos do mar se aproxima cada vez mais do modelo de carne
industrializada, com o uso dos mesmos insumos químicos, genéticos e de rações, e atraindo os
mesmo atores que lideram o setor das carnes.
A China, como a Europa central, é predominantemente consumidora de carne suína e
responsável pela quase totalidade do aumento mundial no consumo desse tipo de carne. No
entanto, são a carne bovina e, sobretudo, a carne de frango que mais aumentaram. China e
Índia são grandes países agrícolas e têm respondido ao aumento na demanda de carnes (em
muito menor grau e restrita à carne de frango no caso da Índia) com uma forte promoção da
produção doméstica. No entanto, apesar de ser o berço da domesticação da soja e de ter uma
zona tradicional de produção, a China tem optado por priorizar as importações da soja em
grande escala. Isso faz parte de uma estratégia adotada também por outros países emergentes
de outsourcing dos setores da agricultura mais demandantes em terra e, sobretudo, água. O
comércio dessas commodities agrícolas é crescentemente analisado como um comércio de
água ou água virtual. Enquanto a China tem 20% da população mundial, mas apenas 7% da
água doce, o Brasil, por exemplo, dispõe de quase 30% da água doce mundial com menos de
3% da população.
A China está utilizando o seu poder de barganha para redesenhar a dinâmica do comércio
global da soja mediante a construção de um parque de esmagamento da soja e produção de
farelo no seu próprio território, limitando-se somente à importar os grãos. Sob o impacto
desse “efeito China” (como também de novas medidas regulatórias internas como a Lei
Kandir), o perfil das exportações brasileiras de soja sofreu uma forte mudança desde os anos
1990, sendo agora prioritariamente de grãos ao invés de farelo, e os traders aumentam os
seus investimentos em plantas de esmagamento de grãos em China e países vizinhos, como
Vietnã.
3.2 Reestruturação dos Mercados Globais e a Dinâmica Tecnológica
Fumo
Consolidação, diversificação e aumentos de produtividade têm sido as respostas à estagnação
da demanda de cigarros, que é o destino de mais de 80% do setor de fumo. Como pode ser
visto na figura 1 a seguir, se deixarmos de lado a China, onde uma empresa estatal (CNTC)
domina 90% do mercado chinês, que por sua vez representa 30% da demanda global, três
firmas controlam 60% do mercado global. Fusões, bem como aquisições que aproveitaram as
privatizações de empresas estatais em muitos países em desenvolvimento, permitiram às
empresas líderes entrarem em mercados novos, muitas vezes em forma monopolística ou
duopolística.
Figura 1
Participação das Empresas Líderes na Produção Global de Fumo - 2009
Outras26%
Philip Morris International
24%
Imperial Tobacco Group
9%
Japan Tobacco
17%
British American Tobacco
19%
Altria5%
Fonte: Imperial Tobacco Group PLC (2010)
Um deslocamento da produção de fumo para os países em desenvolvimento (mais de 80%
hoje, contra pouco mais de 50% nos anos 1970) acompanha essa concentração e globalização
das empresas manufatureiras. Essas transformações estão provocando uma reestruturação
nas cadeias de suprimento com uma diminuição do número de fornecedores, a adoção de
estratégias regionais de abastecimento e avanços na integração vertical, sobretudo nos casos
da British American Tobacco e da CNTC, e mais timidamente nas outras empresas líderes –
Imperial, Philip Morris e Japan Tobacco.
A liberalização do comércio também tem dado um impulso à escala e a aumentos de
produtividade. Uma planta moderna hoje pode produzir 16.000 cigarros por minuto, contra
250 em 1910, e a planta mais moderna da Philip Morris na Holanda produz 90 bilhões de
cigarros por ano. Ao mesmo tempo a adoção de novas tecnologias de processamento diminui
a demanda de matéria prima por unidade de produto.
Papel e celulose
O setor de papel e celulose passa por uma reestruturação com fortes características de
ruptura. A substituição de pinus por eucalipto como matéria prima principal implica um
deslocamento radical da sua produção em direção aos países do sul com a adoção, também,
de um novo padrão tecnológico baseado agora em fibra curta. Esses fatores, combinados com
a necessidade de processar a madeira in loco, quebram as barreiras à entrada e permitem o
investimento de novos atores. O deslocamento da dinâmica do consumo também para o sul
confirma ainda mais essa tendência. As empresas estabelecidas diversificam os seus
investimentos geograficamente ou em green field sites ou em joint-ventures.
A forte demanda nos países emergentes estimula ondas de novos investimentos,
freqüentemente superdimensionadas em relação à capacidade de fornecimento da matéria
prima. Apenas no Brasil se fornece exclusivamente de florestas plantadas. O Brasil já se tornou
o quarto produtor mundial de celulose, mas ainda fica em 12º lugar na produção de papel.
Assim, dada a estrutura da indústria global descrita acima, que separa a produção de celulose,
localizada perto da matéria prima, da fabricação de papel, próxima aos centros de consumo, a
posição de destaque do Brasil na produção de celulose não se reflete no ranking das empresas
líderes, como pode ser apreciada na Tabela 4 a seguir.
Tabela 4 As 10 Empresas Líderes Mundiais da Indústria de Papel e Celulose em 2008
Rank Empresa País 2008 - Vendas
Líquidas (US$M) 2008 - Faturamento Líquido
(Prejuízo) (US$M)
1 International Paper Estados Unidos 24,829 (1,282)
2 Kimberly-Clark Estados Unidos 19,415 1,690
3 SCA Suécia 16,965 857
4 Stora Enso Finlândia 16,227 (991)
5 UPM Finlândia 13,920 (263)
6 Oji Paper Japão 12,788 114
7 Nippon Unipac Japão 11,753 55
8 Smurfit Kappa Irlanda 10,390 (73)
9 Metsäliitto Finlândia 9,335 (313)
10 Mondi Group Reino Unido / África do Sul
9,466 (310)
Fonte: Associação Brasileira de Celulose e Papel (2010)
Madeira
O setor de madeira e móveis evolui de uma atividade artesanal que trabalha com madeira
maciça para um consumo em massa baseado na produção em série de painéis e laminados
utilizando equipamentos automatizados. No entanto, o setor permanece altamente
segmentado com um perfil muito heterogêneo, onde pequenas e médias empresas convivem
com os grandes conglomerados que lideram o setor. Esses conglomerados (Ikea, Steinhoff)
estão se adaptando à globalização dos mercados com estratégias de integração a montante,
ou de forte coordenação de fornecedores, com a localização das atividades produtivas, desde
a floresta plantada, passando pela produção de painéis até a confecção dos móveis, cada vez
mais nos países em desenvolvimento, com destaque para China.
Mais do que barreiras de escala e concentração na fase de produção, a competitividade para
as empresas líderes passa pela gestão de uma cadeia global em torno de uma marca,
consolidada a partir de um trabalho de design e onde a logística, desde a floresta até o varejo,
se torna fundamental. Diferentemente da indústria alimentícia, os grandes players nesse setor
desenvolvem os seus próprios atividades de varejo.
Para o setor a montante existem graus variados de integração entre o fornecimento da
madeira, a produção de painéis e laminados e a confecção de móveis, mas a lógica da
organização global da cadeia sob a liderança dos grandes conglomerados tende para a seleção
de fornecedores privilegiados com base em critérios de custos, qualidade e capacidade de
resposta, que estreita os laços entre essas fases a montante. A valorização da madeira
certificada face ao uso continuado de madeira de florestas nativas reforça essa tendência. Por
outro lado, a crescente importância da demanda desse setor nos próprios países em
desenvolvimento abre possibilidades para upgrading em direção ao consumo. Podemos
esperar, portanto, o surgimento de novos atores para contestar ou se juntar às empresas
líderes globais.
Açúcar
Depois de ser ameaçado do lado do consumo pela preferência por produtos light e pelo lado
da produção com a introdução de concorrentes diretos como high fructose corn syrup (HFCS) e
outros adoçantes, o setor de açúcar tem sido sacudido pela crescente demanda dos países
emergentes e pela promoção de um mercado global de etanol. Na euforia em torno do etanol
antes da crise de 2008-9, alguns apostaram no surgimento de um setor exclusivamente
dedicado à energia a partir da cana e a sua separação da produção de açúcar. Hoje, porém, a
cana-de-açúcar ainda mantém sua dupla função. Por outro lado, o mercado de açúcar continua
sendo fortemente influenciado pela produção e exportação subsidiadas de açúcar de
beterraba da União Européia.
Face à evolução da demanda e os avanços tecnológicos que permitem a produção de
substitutos de açúcar com base em milho e outros substratos, as empresas líderes Tate & Lyle,
Tereol e Eridania Beguin Say diversificaram os seus investimentos para os cereais e oleaginosos
e agora investem na produção de ingredientes de maior valor agregado pela via de joint-
ventures e in-house P&D.
O setor de cana-de-açúcar esta sendo transformado pela perspectiva de um mercado global de
etanol, mas nos países asiáticos a demanda para açúcar prevalece. Assim, as atenções se
centram na América Latina e, sobretudo, Brasil, bem como no continente da África.
Argumenta-se que haja investimentos da ordem de US$470 bilhões para a construção de 2.000
biorefinarias nos países do sul, com uma capacidade de produzir 400 bilhões de litros de
etanol, o equivalente a 20% das necessidades de combustível para transporte nos países da
OECD (Matthews, 2008). Ainda que essa proposta seja extrema, as perspectivas do mercado
de etanol têm provocado um forte movimento de concentração entre os atores tradicionais do
setor. Muito importantes, porém, tem sido os projetos de novos investimentos, sobretudo no
Brasil, mas também em outros países de América Latina e de África, por parte de atores
globais de fora do setor, desde os traders de commodities agrícolas, aos líderes nos setores de
energia e de construção. Mais significativa, porém, tem sido a criação de novas empresas por
investidores internacionais, com a mobilização de expertise local, que alavancam fundos
financeiros de várias fontes, inclusive das novas bolsas e fundos de investimento verdes. Nesse
rol, incluem-se mega-investidores como Soros e CEOs das maiores empresas de informática.
Essas empresas não se limitam a buscar participação nas empresas que já atuam no setor, mas
prevêem investimentos em novas plantas com tecnologia de ponta e canaviais regidos por
boas práticas agrícolas.
Cada vez mais, avanços tecnológicos estão minando as fronteiras entre as principais
commodities agrícolas ao permitir o uso de distintas matérias primas para a mesma finalidade
– milho para fazer açúcar, cana ou milho para produzir etanol, soja para biodiesel. Com a
chegada da segunda geração de biocombustíveis com base em tecnologia celulósica esta
intercambiabilidade vai se estender também aos produtos da floresta, minando a distinção
milenar entre a agricultura e a produção florestal.
Café
No conjunto das commodities em análise, o café, assim como o fumo, mantém a sua
singularidade, que impõe uma dinâmica própria à organização desse mercado. O fim da
regulação pública dos mercados, tanto nacional quanto internacional, e a privatização do
sistema de estoques corresponderam a uma nova fase no desenvolvimento dos mercados nos
países desenvolvidos, onde o café solúvel cedeu lugar à explosão da cultura dos coffee shops e
do setor das máquinas de café expresso. Novas empresas, cujos ícones são Starbucks nos
Estados Unidos e Lilly na Itália, colocam a Nestlé e a Sara Lee, líderes de café solúvel, em
segundo plano. A concentração e o jogo de escala agora se organizam em torno de estratégias
de serviços de ocupação dos espaços de consumo.
A concorrência também passa por estratégias de diferenciação por qualidade que
transformam a dinâmica de funcionamento do mercado global desse tipo de commodity. O
apelo à qualidade do produto inclui dois componentes: um, gustativo, onde o padrão é o
mercado de vinhos, e a outra, origem, que valoriza o lugar e as condições de produção. Ambos
levam à substituição do mercado spot por relações contratuais entre as empresas líderes e os
produtores agrícolas. A pressão socioambiental de organizações da sociedade civil, e,
sobretudo, o comércio justo, muito forte em torno desse produto, reforça a relação direta
entre a produção e o comprador final. A separação entre a produção agrícola nos países em
desenvolvimento, de um lado, e a moagem e o serviço dos coffee shops nos lugares de
consumo, do outro, impõem grandes desafios para estratégias de upgrading. O pagamento
pela qualidade permite a geração de um preço prêmio no elo da matéria prima, mas isso
representa muito pouco em relação ao valor agregado ao ponto de consumo. Outra forma
seria a participação acionária de associações de produtores no capital de empresas detentoras
da rede de coffee shops. A situação mais favorável, porém, sempre será aquela em que o país
produtor também tem o potencial de desenvolver a cultura coffee shop.
Grãos
Nos anos 1990 houve um forte processo de concentração no setor dos traders de cereais e
oleaginosos. Tanto no Cone Sul quanto na Europa empresas regionais foram adquiridas,
consolidando o mercado global entre os três grandes: Cargill, ADM e Bunge. Critérios de escala
se impõem a todos os elos da cadeia – a originação do grão no lugar da produção,
esmagamento, transporte rodoviário, ferroviário, fluvial e marítimo, atividades portuárias.
Essa vasta articulação é lubrificada, por um lado, pelo acesso próprio ou privilegiado a
financiamento, e por outro pelo controle sobre o insumo mais importante da produção
agrícola, o fertilizante. Além de ser um mecanismo de pressão para baixo nas rendas agrícolas,
o fertilizante pode substituir o dinheiro quando sistemas de financiamento são inexistentes ou
ineficientes.
Dois outros desenvolvimentos transformaram ainda mais a dinâmica desse setor, um a jusante
e o outro a montante. A estagnação no consumo per capita de alimentos básicos nos países
industrializados foi acompanhada por uma aceleração na segmentação dos mercados e na
diferenciação dos produtos. Assim, para compensar a falta de dinamismo do comércio de
commodities, as empresas líderes investiram na produção de ingredientes cada vez mais
sofisticados. Como resultado os traders aumentaram a sua P&D in-house e estabeleceram
parcerias e joint ventures para o desenvolvimento de novos produtos muitas vezes protegidos
por propriedade intelectual. De empresas de commodities, essas empresas começaram a se
designar de empresas nutricionais.
A montante, a biotecnologia moderna, já prometida há muito tempo, finalmente lançou os
seus primeiros produtos, como sementes de soja geneticamente modificadas para poder
resistir à aplicação de herbicidas. Essa tecnologia foi adotada em tempo recorde pelos
agricultores, mas rejeitada por organizações da sociedade civil e a opinião pública na Europa,
com o apoio de atores econômicos ligados à demanda, sobretudo o varejo. Sem entrar nos
detalhes desse conflito, convém destacar um dos seus resultados: a promoção de novas
formas de coordenação das commodities baseadas na segregação de distintos tipos de grão,
indistinguíveis a olho nu. Esses sistemas de segregação também se tornaram necessários para
assegurar preços prêmios para outros produtos geneticamente modificados. Ao longo desse
período o setor dos traders estreitou laços com as empresas de fornecimento de insumos
genéticos – Monsanto, Dupont, Syngenta – até estabelecendo parcerias estratégicas,
Monsanto/Cargill, Bunge/DuPont.
O “efeito China” a partir dos primeiros anos do novo milênio trouxa de volta a centralidade do
comércio global das commodities, sobretudo a soja, que se tornou o carro-chefe. Agora,
porém, trata-se não apenas de um redirecionamento dos fluxos do comércio, mas de uma
mudança na sua dinâmica que ainda hoje não está consolidada. A China apesar de ser o berço
da soja optou por depender de importações como parte da sua estratégia geral de outsource
dos produtos agrícolas que exigem muita terra e muita água. Por outro lado, esse país quer
importar apenas grãos para serem transformados em rações e óleo nos portos chineses.
Assim, estimula um processo de transnacionalização controlada ao assegurar a montagem de
um novo complexo de esmagamento que, além de abastecer a própria China, pode se
transformar num hub regional para o Japão e outros países asiáticos. Os traders tem se
adaptado a essa estratégia investindo pesadamente em plantas de esmagamento na região, o
que representa um desafio para os países do Cone Sul.
Carnes
Na seção anterior, descrevemos a forte interdependência entre os setores de grãos e
oleaginosos e o setor de carnes. Não é de surpreender, portanto, que os traders Cargill e
Bunge também estejam presentes no setor de carnes. No entanto, os líderes de carnes –
Tyson, Brazil Foods, JBS Friboi – são agora especializados no setor. Devem-se destacar também
as especificidades dentro do setor de carnes, onde as trajetórias de cada segmento – peixes,
aves, suínos e carne bovina – mantêm bastante autonomia apesar de serem substitutos
parciais do ponto de vista do consumo.
Nas últimas duas décadas o setor de carnes tem sofrido uma série de transtornos. Em primeiro
lugar, a carne bovina se tornou cada vez mais o vilão nas orientações sobre dieta e saúde. Foi
objeto, também, do primeiro “pânico alimentar” como resultado da identificação da doença
da “vaca louca”, na Inglaterra, depois em alguns países da Europa e mais recentemente nos
Estados Unidos. Isso foi seguido rapidamente pela crise de aftosa, também na Inglaterra. O
resultado foi a adoção, primeiro na União Européia e depois estendida às importações de
carne bovina para essa região, de novos critérios de coordenação da cadeia, identificada pela
noção de “rastreabilidade”. A carne deve ser passível de identificação e localização desde o
nascimento do bezerro até a compra final pelo consumidor.
Outras carnes tampouco escaparam. Houve o escândalo de dioxina na Bélgica que contaminou
as rações para aves e suínos. Acima de tudo, houve a gripe aviária que dizimou a produção em
vários países asiáticos e ainda persiste. Nem o pescado ficou imune a crises provocadas pela
identificação de contaminação por metais pesados nos mares e por produtos químicos nas
granjas de peixe. As granjas de peixes têm sido alvos, também, de muitas campanhas
ambientais.
A amplitude dessas crises influenciou a dinâmica de organização dos mercados globais. No
caso de aves, a Tailândia, que ficou entre os primeiros quatro países exportadores e viu o
surgimento da transnacional Charoen Pokphand, assistiu o desmoronamento da sua produção.
Os Estados Unidos viram as suas exportações de carne bovina seriamente prejudicadas pela
descoberta da presença da doença “vaca louca” entre os seus rebanhos. Os principais
beneficiários, tanto no caso de aves quanto no da carne bovina, foram as empresas brasileiras,
que assumiram a liderança nas exportações de carne bovina e segundo lugar nas exportações
de frango. No caso das empresas de carne bovina esse avanço nas exportações foi consolidado
com base numa onda de aquisições que colocou a JBS Friboi na liderança do ranking mundial.
Diferentemente dos casos de muitas das outras commodities que examinamos nesta seção, o
mercado chinês não teve papel influente nessas transformações porque conseguiu
acompanhar o forte crescimento no consumo per capita de carnes com base num aumento
impressionante da sua produção doméstica.
3.3 Regulação
A dinâmica dos mercados globais de commodities agrícolas foi radicalmente redesenhada a
partir dos anos 1980 e mais aceleradamente na década seguinte. Nos países em
desenvolvimento houve a desregulamentação dos mercados domésticos agrícolas, sobretudo
alimentícios, que até então tinham sido em grande parte organizados pelo poder público. Um
novo quadro regulatório, muitas vezes sob a pressão de dívidas externas sendo negociadas
com organismos internacionais e em particular a FMI, abriu seus mercados domésticos ao
investimento direto externo (IDE). Ao mesmo tempo, reformulações legislativas para
reconhecer direitos de propriedade intelectual em relação a recursos genéticos aceleraram a
transnacionalização da indústria de sementes e da genética animal, agora reestruturadas com
base nos avanços da biotecnologia moderna, particularmente a engenharia genética.
Em relação ao comércio internacional, os países em desenvolvimento aboliram ou reduziram
radicalmente quotas e tarifas. A intervenção dos Estados nesses mercados através de
marketing boards ou monopólios estatais foi em grande parte eliminada com a privatização
dessas empresas e a liberalização dos canais de comercialização. Como conseqüência, houve
um grande avanço das empresas líderes do setor de commodities agrícolas tanto no controle
de novos mercados internacionais quanto na ocupação de espaços nos mercados domésticos
dos países em desenvolvimento.
Por outro lado, o novo regime que surgiu da Rodada de Uruguai e da formação da OMC na
década de 1990, embora estabeleça metas para a diminuição de quotas e subsídios nos países
industrializados, tomou como ponto de partida o quadro regulatório já em vigor nesses países.
Como resultado, os crescentes excedentes nesses países, eles mesmos resultantes dos regimes
de subsídios, se transformaram cada vez mais em exportações também subsidiadas,
distorcendo o funcionamento dos mercados internacionais. Os maiores perdedores foram o
grupo de paises denominados pela ONU como “Países Menos Desenvolvidos” (LDC na sigla em
inglês) que se transformaram em importadores líquidos de commodities agrícolas.
Apesar dessas distorções, a regulação dos mercados agrícolas sofreu uma profunda
transformação nas últimas duas décadas. Os diversos fatores que influenciaram esse processo
foram descritos nas seções acima, mas alguns pontos podem ser destacados. Em primeiro
lugar, as mudanças nos padrões de consumo e os pânicos alimentares discutidos
anteriormente levaram à adoção de critérios de qualidade não mais limitados às características
do produto final, mas abrangendo também os processos de produção e distribuição, tendência
reforçada pelo aumento da participação de produtos frescos no comércio internacional. Os
novos padrões de qualidade (boas práticas agrícolas, entre outros) deram origem a uma série
de regulações que, embora inicialmente voluntárias, progressivamente tornaram-se o novo
base-line para participar do comércio internacional, a exemplo do ISO e HACCP. Somadas a
outras barreiras não-tarifárias, os novos padrões de qualidade vem substituindo quotas e
tarifas como o mecanismo principal de regular o acesso aos mercados.
Em segundo lugar, um conjunto de fatores – incluindo os pânicos alimentares, a promoção
política de organismos de representação do consumidor na Europa, a parceria entre ONGs e
Ministérios nas políticas de cooperação internacional em vários países europeus, bem como a
legitimação de novos temas socioambientais como reguladores do comércio internacional (Rio
92, Protocolo de Kyoto) – está levando a uma participação cada vez maior de organizações da
sociedade civil na negociação e implementação de standards para o comércio internacional,
mais notavelmente hoje na série de roundtables para a regulação de critérios sustentáveis
para soja, dendê, pecuária e etanol, entre outras commodities.
Embora os subsídios, quotas e tarifas persistam e sejam fatores decisivos na dinâmica da
organização dos mercados de commodities agroindustriais, são os standards que começam a
definir o novo padrão de regulação global. A União Européia foi decisiva na promoção desses
padrões, bem como organismos internacionais tais como o Codex Alimentarius, agora
referência em disputas na OMC, mas o setor privado tem tido um papel protagonista na
elaboração e implementação desses padrões. A crescente oligopolização de muitos mercados
de commodities agroindustriais permite que acordos voluntários sobre standards sejam mais
facilmente monitorados, se tornando rapidamente obrigatórios para quem queira participar
nesses mercados. De fixadores e tomadores de preços caminhamos para mercados
constituídos de definidores e tomadores de padrões de qualidade. A relação entre atores
públicos e privados, de um lado, e standards obrigatórios e voluntários, de outro, é complexa.
Pode se pensar que a regulação pública se orienta à definição de novas qualidades mínimas
para o funcionamento dos mercados, enquanto o setor privado focaliza qualidades
diferenciadoras visando o estabelecimento de vantagens competitivas. Porém, essa distinção
não é tão simples assim e, de fato, o que está em jogo são as novas regras de funcionamento
dos mercados disputados e negociados hoje, não apenas entre os distintos interesses
econômicos, mas também com a participação das organizações e movimentos da sociedade
civil.
4. Caracterização do Setor no Brasil
4.1 A Demanda e o Acesso à Matéria Prima
Embora sem o porte da China ou da Índia, o mercado brasileiro começa a refletir o tamanho da
sua população de aproximadamente 200 milhões com a entrada cada vez maior das faixas de
renda C e D no mercado doméstico. Por outro lado, se a China se torna o destino privilegiado
do comércio global, o Brasil se destaca como a origem preferida para os produtos agro-
florestais em grande escala. Em algumas cadeias, como o fumo, a dinâmica se dá quase que
exclusivamente com base em exportações. Em outras, como a madeira, a dinâmica é dada pelo
mercado interno. Em várias cadeias, notavelmente as das carnes, a combinação de
exportações e do rápido crescimento do mercado doméstico tem permitido às empresas
líderes se posicionar em produtos de maior valor agregado, que agora viabilizam estratégias de
IDE em países anteriormente fornecidos apenas por exportações de menor valor agregado.
Com a retomada de crescimento interno e a consolidação do Brasil como maior exportador de
commodities agrícolas, a competitividade passa pela habilidade de combinar um mix de
estratégias de promoção do mercado doméstico, exportação e IDE, sempre buscando
oportunidades de maior valor agregado.
Em 20 anos o setor brasileiro de fumo dobrou em área plantada, número de produtores
agrícolas (essencialmente produção familiar) e volume produzido, ao responder ao aumento
da demanda na Ásia e na África, que tem mais do que compensado o declínio do consumo nos
países do norte. Segundo maior produtor mundial, o Brasil se tornou o maior exportador. A
demanda advinda do mercado doméstico está em baixa, com 17,2% de fumantes em 2008
contra 32,4% em 1989 segundo o IBGE, resultado de um endurecimento da regulação contra
tabagismo e uma maior preocupação com a saúde. O mercado doméstico ainda padece da
concorrência desleal do comércio clandestino que aproveita a alta taxa de impostos no
mercado formal. Aproxidamente 85% da produção de fumo é exportada e a cadeia global é
fortemente oligopolizada por empresas transnacionais. Embora existam poucas perspectivas
para estratégias de valor agregado (a quase totalidade do fumo é destinada à produção de
cigarros) mais de 200.000 famílias são contratadas para a produção da matéria prima numa
atividade com altos riscos à saúde, mas que remunera competitivamente dentro das
limitações da pequena propriedade. O dinamismo do setor resulta em grande parte do colapso
de outras fontes de fornecimento de matéria prima na África (Zimbabwe) e pode se tornar
vulnerável à eventual estabilização política desses países.
A demanda, no caso de madeira, segue predominantemente o ritmo doméstico dos setores de
construção e de móveis. São modestas as exportações das florestas plantadas, tanto pela
tendência de aproximação geográfica entre o elo primário e o da fabricação nessa cadeia,
quanto pela baixa qualidade do pinus brasileiro. Embora privilegiado com florestas naturais, o
Brasil avança mais na legislação de controle da extração predatória da madeira do que no uso
sustentável das florestas nativas. Apesar dos avanços na regulação e na fiscalização, algo em
torno de dois terços da madeira comercializada da região amazônica permanece ilegal,
segundo pesquisa do Observatório Social (2009). As exportações dessa região têm
experimentado um aumento importante, também envolvendo madeira ilegal, com os
principais destinos sendo os Estados Unidos, Europa e crescentemente a China. As exportações
aumentaram de 15% para 30% desde o final dos anos 1990. De todo modo, dois terços da
madeira dirige-se ao mercado doméstico, sobretudo do Centro-Sul, razão pela qual iniciativas
visando combater o comércio ilegal podem revestir-se de grande importância. Um exemplo é
dado por organizações civis e setores empresariais que, para responder aos desafios do
comércio ilegal, selaram o Pacto da Madeira, em relação à venda de madeira no Estado de São
Paulo, responsável por cerca de 30% do comércio doméstico brasileiro.
As florestas plantadas, sobretudo no Sul do país onde se situam os clusters moveleiros
maiores, se tornam uma fonte cada vez mais importante de matéria prima. Seguindo a
tendência mundial o uso de madeira maciça perde importância para os compensados e agora
o MDF e OSB que experimentaram um forte crescimento na última década. A exportação de
painéis está em declínio à medida que a madeira compensada é substituída por MDF. Alguns
clusters de móveis nos Estados do Sul conseguem exportar dentro da lógica da demanda das
cadeias globais, mas as exportações são limitadas como também as perspectivas de upgrading.
No caso do setor de celulose, o Brasil é o quatro maior produtor e exportador do mundo –
exporta 60% de sua produção e é o líder as de exportações entre os países do Sul. A demanda
maior ainda vem da Europa (51%), mas rapidamente a China, que está privilegiando o produto
brasileiro, vai suplantar os EUA para ocupar o segundo lugar. Os componentes da sua
competitividade foram identificados no subitem 3.1 – a preferência pela fibra curta, florestas
de rápida maturação, disponibilidade de terra e água. As exigências do mercado europeu, bem
como as pressões de movimentos sociais, organizações e redes da sociedade civil, tendo
levado as empresas a qualificar a sua matéria prima de acordo com as certificações variadas de
boas práticas florestais. O Brasil é também um exportador relevante de papel. Aqui, porém,
importa quase tanto quanto exporta, e a maior parte das exportações é dirigida aos países de
América Latina (>60%). Dada a dinâmica da organização da cadeia de celulose e papel, o Brasil
fica distante demais para aproveitar os mercados com perspectivas de maior crescimento na
Ásia. A perspectiva, portanto, é de se especializar como exportador de celulose, a menos que
as empresas líderes consigam se estabelecer dentro desses mercados, sobretudo a China. No
caso do papel, a demanda doméstica se beneficia da expansão do mercado escolar e o
consumo per capita passa por um período de crescimento vigoroso de 41 quilos em 2006 para
46 quilos em 2008.
Embora a participação relativa do valor do café nas exportações brasileiras tenha caído de 50%
nos anos 1950 para menos de 3% hoje, o Brasil é o maior exportador mundial com
aproximadamente 35% do mercado e é competitivo no seu segmento dinâmico - os países
emergentes - mesmo com a volta de Vietnã ao mercado. A demanda doméstica, que absorve
dois terços da produção, mostra um crescimento firme depois de um período de retração, e o
consumo per capita no Brasil agora se nivela ao de países europeus como a Itália e a
Alemanha. A demanda interna pelo café gourmet está em alta e houve um forte aumento de
consumo fora da casa, refletindo o avanço dos coffee shops. O perfil da oferta de matéria
prima está em forte processo de transformação. Hoje o Brasil tem o mesmo tamanho de área
plantada de 10 anos atrás, mas produz o dobro, resultado da adoção de um conjunto de novas
práticas agrícolas e tecnologias de produção. Nesse período, também, a qualidade da matéria
prima se transformou pela iniciativa do setor produtivo: a adoção do “Selo de Pureza”
estabeleceu um novo patamar de qualidade mínima. A proliferação de mercados de nicho
oferecendo preços prêmios – fair trade, orgânicos, indicações geográficas, cafés gourmet –
tem sido um forte estimulo à adoção de estratégias de qualidade. Tradicionalmente 75% da
produção tem sido do tipo arábica para cafés de qualidade, onde a pequena produção tem
forte participação, e 25% tem sido do tipo robusta, produzido em grande escala para café
solúvel e blends. Hoje essa distinção perde a sua importância com a adoção de novas técnicas
e o avanço do café para novas áreas. Apesar de todos os estímulos, a imagem do café não se
encaixa facilmente nas tendências de consumo saudável e o seu mercado sofre ameaças de
outras bebidas.
O crescimento da demanda mundial de açúcar se situa em torno de 2%, em grande parte
puxada pelos países emergentes, e o mercado se divide entre o Brasil e a Europa, como
discutimos no item 3.1. O açúcar no Brasil ainda é produzido majoritariamente em unidades
mistas, onde a metade da cana é destinada à produção de etanol, cujo mercado, ainda
fundamentalmente doméstico, tem crescido a taxas de 10% ao ano. Os novos investimentos
atraídos pelo etanol tendem a preferir plantas especializadas, o que futuramente pode separar
a dinâmica dos dois mercados. Hoje, porém, um grande desafio desse setor, agora plenamente
desregulamentado, é a gestão dos dois mercados. Diferentemente do que ocorre em outros
países, no Brasil, tanto por razões históricas quanto pela disponibilidade de terras e de mão de
obra, a matéria prima é produzida em condições de integração vertical, com apenas um terço
advindo de fornecedores. A cana brasileira se notabiliza pelo aumento contínuo de
produtividade – fruto de uma longa história de P&D – fazendo com que ela seja uma das mais
eficientes do mundo. Através do seu órgão representativo, a União da Indústria da Cana de
Açúcar - ÚNICA, o setor tem travado um debate prolongado sobre os impactos
socioambientais da sua expansão, sobretudo em relação à floresta amazônica e ao Pantanal.
Apesar da persistência de tensões, existe um grau de consenso no sentido de que essa
expansão tem avançado essencialmente para áreas de pasto e não de alimentos e de que a
ameaça da pecuária a biomas sensíveis advém da sua baixa produtividade. A expansão da cana
agora é disciplinada por uma política de zoneamento que proíbe a sua presença tanto na
região amazônica quanto na do Pantanal, bem como em áreas de conservação e florestas
nativas. Mesmo com essas restrições existem 65 milhões de hectares aptos para a expansão da
cana, cujo cultivo hoje ocupa, entretanto, menos de nove milhões de hectares.
Na nossa discussão das tendências mundiais destacamos a liderança do Brasil no conjunto do
complexo protéico animal. As Tabelas 5 e 6 a seguir apresentam a participação relativa de cada
segmento, bem como a inquietante mudança no perfil das exportações da cadeia de soja a
partir do início de década atual, quando o farelo cede em importância para a exportação em
grão.
Tabela 5 Exportações do Complexo Soja - 2009
2009 Volume
(1000 toneladas) Valor
(US$/tonelada) Valor
(US$ milhões)
Soja em grão 28.563 400 11.424
Farejo de soja 12.253 375 4.593
Óleo de soja 1.580 774 1.223
Total 17.240 Fonte: Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (2010)
Tabela 6 Exportações do Complexo Soja - 1999
1999 Volume
(1000 toneladas) Valor
(US$/tonelada) Valor
(US$ milhões)
Soja em grão 8.917 179 1.593
Farejo de soja 10.431 144 1.504
Óleo de soja 1.522 441 671
Total 3.768 Fonte: Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (2010)
Deve-se ressaltar que a competitividade brasileira se apóia também num mercado doméstico
de grande dinamismo nos últimos 20-30 anos, sobretudo para a carne de frango cujo consumo
per capita, irrisório até os anos 1970, hoje em dia alcança carne bovina na faixa de 37 quilos.
No caso da carne bovina, a liderança mundial se deve à capacidade do setor de aproveitar uma
série de reveses que atingiram sucessivamente os outros países exportadores – os EUA,
Austrália e Argentina. Para superar barreiras de acesso aos mercados, as empresas líderes se
transnacionalizaram e empreenderam estratégias de aquisições que simultaneamente deram
acesso aos mercados e à matéria prima. A capacidade de assumir a liderança nas exportações,
por outro lado, se apóia na disponibilidade de uma vasta fronteira no norte do país, mas ao
preço agora da adoção de princípios de sustentabilidade que excluem terras desmatadas,
tanto para a soja quanto para a pecuária. A rastreabilidade dos produtos representa uma nova
barreira de entrada ao mercado europeu, colocando novos desafios ao acesso a esse mercado
pelos produtores brasileiros.
Tabela 7 Exportações Brasileiras de Carnes - 2008
1999 Receita
(US$ milhões) Participação
(%)
Frango 6.948.783 48,55
Bovina 5.325.480 37,21
Suína 1.479.242 10,34
Peru 557.904 3,90
Total 14.311.409,00 100,00
Fonte: Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos (2010)
4.2 Estrutura de Mercado e Dinâmica Tecnológica
Mesmo que exista uma grande heterogeneidade na organização das distintas cadeias de
commodities agrícolas no Brasil, todas sofreram um forte processo de trans-nacionalização
que acelerou nos anos 1990 com a desregulamentação da economia.
O setor de fumo passou por uma forte expansão para ocupar brechas nos mercados
internacionais com base numa integração contratual com a agricultura familiar no sul do país
sob o domínio de um duopólio transnacional. O setor de madeira tem sido tradicionalmente
fragmentado e geograficamente disperso, mas com o deslocamento para madeiras
compensadas e, sobretudo, a forte entrada de MDF e OSB, o setor se especializa
regionalmente em torno das florestas plantadas dos estados do sul e em torno da entrada de
novas empresas com a tecnologia mecânica e química dos novos processos de produção de
painéis e laminados.
Desde os anos 1960 a indústria brasileira de papel e celulose vem recebendo forte apoio
público e sido dominada por empresas brasileiras até o início dos anos 2000. Com a mudança
para fibra curta com base em eucalipto descrita no item 3.1, houve uma aceleração de IEC no
setor, mas, como pode ser visto na Tabela 6 a seguir as empresas brasileiras mantêm a
liderança do setor. A crise financeira abateu fortemente a Aracruz e a Votorantim, e a
subseqüente queda na demanda mundial e doméstica está forçando reajuste tanto das
empresas nacionais, como a Klabin, quanto dos novos entrantes, com a Stora Enso. O câmbio
dificulta ainda mais o mercado, tanto pela perda de divisas nas exportações quanto pelo
aumento de importações de papel. Ao mesmo tempo, o setor precisa enfrentar o peso de um
mercado clandestino que desvia papel escolar beneficiador de isenções fiscais para outras
finalidades. Após um recuo devido à crise, a Votorantim e a Aracruz, com a forte participação
do BNDES, se fundiram ao criar a Fibria, a maior empresa do mundo, com a maior fábrica
mundial de celulose, inaugurada em 2010 na cidade de Três Lagoas, no estado de Minas
Gerais. Estudo de Almeida e Rocha (2007) concluiu que as empresas brasileiras competem em
igualdade com as empresas globais no que tange a sua adaptação às normas ambientais e a
ação de tecnologia limpa. As empresas nacionais apresentam desempenho igual ou melhor
que as transnacionais em gerenciamento ambiental, certificações ambientais e emissões de
poluentes.
Figura 2
Firmas de celulose e Papel: Uma Amostra
Empresas Principais produtos
Capacidade de Produção - 2005
ton/ano
Nº de Plantas
2005
Média de Exportações 2002-2004
% sobre produção anual
Polpa Papel Polpa Papel
Nacionais
Aracruz Polpa 3.000.000 40.000 3 97 -
Klabin Polpa, eucalipto e pinus em toras; sementes de eucalipto e pinus; papel para embalagens; papelão; quadros; caixas; papel para sacolas e envelopes; sacolas
1.200.000 1.500.000 18 - 55,7
Ripasa Polpa; papel de base industrial, cut size, papel couche; cartão
570.000 380.000 4 - 46,7
Suzano Bahia Sul
Polpa; cut size, papel couche; cartão
1.290.000 1.350.000 3 36,1 40
Votorantim Polpa; cut size, papel couche; cartão
1.300.000 635.000 4 44,3 28,7
TOTAL 1 7.360.000 3.905.000 32 - -
Estrangeiras
Cenibra Polpa 940.000 - 1 95 -
International Papel
Polpa, eucalipto e pinus em lascas, madeira melhorada de pinus, pinus; papel couche
450.000 600.000 2 Não disponível
Não disponível
Norske Skog Papel de imprensa 170.000 185.000 1 - 1,33
Rigesa Papel de embalagem e embalagens de papelão
220.000 320.000 9 Não disponível
Não disponível
TOTAL 2 1.780.000 1.105.000 13 - -
TOTAL 1+2 9.140.000 5.101.000 45 - -
Fonte: Almeida e Rocha (2008)
O café, tradicionalmente fragmentado internamente e regulamentado no comércio
internacional, viu um forte avanço de empresas internacionais no setor doméstico de
torrefação, liderado pela Sara Lee, que comprou as marcas Café do Ponto e Café Seleto, e dos
grandes traders no comércio internacional. Uma medida do avanço da consolidação do
mercado de torrefação e moagem no país é dada pelo grau de concentração das quatro
maiores empresas, que já está atingindo a casa dos 35%. Globalmente, a concentração do
valor agregado no segmento de serviços de coffee shops coloca grandes desafios para as
empresas líderes nacionais apontando para a necessidade de transnacionalização, com todas
as dificuldades que a entrada nesse segmento no estrangeiro implica, exemplificado no
investimento fracassado da cooperativa Coxupe que tentou estabelecer uma rede de coffee
shops na China.
Já vimos como o futuro do segmento de açúcar depende fortemente da onda de investimentos
e aquisições que está transformando o setor sucro-alcooleiro. Tradicionalmente pulverizado e
de capital nacional, o setor passa por um processo de rápida concentração e
transnacionalização (previsão de alcançar 50% em dez anos), mas com a permanência de
importantes empresas tradicionais, como a Cosan, e de empresas nacionais de outros setores
que agora investem pesadamente, como a Odebrecht. Ao médio prazo é provável que estes
dois mercados assumam maior autonomia com a aplicação de pacotes genéticos
diferenciados, mas por enquanto os dois segmentos precisam ser gerenciados mutuamente.
No complexo de proteína animal, o segmento da soja sofreu uma forte trans-nacionalização a
partir do início de década de 1990 com a venda da Ceval para Bunge e das operações de
esmagamento da Sadia para ADM. As empresas nacionais se especializaram em torno das
carnes brancas, com uma base forte no estado de Santa Catarina, rapidamente dominaram o
mercado nacional, que, no entanto, mantém uma estrutura competitiva nos segmentos de
frango inteiro e em cortes, para depois assumirem a liderança dos mercados internacionais. A
crise financeira bateu forte no líder do setor, a Sadia, levando a sua fusão com o seu grande
rival e segunda empresa nacional, a Perdigão, para formar a BrazilFoods, cujo sucesso ainda
está para se confirmar. A BrazilFoods é responsável para 40% das exportações brasileiras de
frango e se implanta nos países consumidores para aproveitar os mercados de maior valor, os
industrializados, cujas exportações, embora minoritárias, já somam meio bilhão de dólares. Em
terceiro lugar vem a Seara, ex-Ceval, depois Bunge e agora a Cargill, seguida por Doux-
Frangosul, a líder francesa de aves. Essas quatro empresas são responsáveis por mais de 60%
das exportações e a entrada do líder norte-americano Tyson promete acirrar a concorrência.
A liderança internacional alcançada por empresas brasileiras tanto em carnes brancas quanto
em carne bovina decorre, em grande parte, da estrutura da indústria que tradicionalmente se
beneficiou da qualidade da pesquisa pública e da independência das empresas globais de
genética em relação aos grandes processadores e traders de carnes. Com isso, as empresas
brasileiras sempre tiveram acesso à fronteira da tecnologia genética, fazendo com que
pudessem acompanhar os benchmarkings de qualidade e eficiência. No caso da soja, foi a
capacidade da P&D nacional ao abrir a vasta fronteira dos cerrados, impróprios às variedades
de soja das transnacionais, que estabeleceu as bases para a sua liderança global, agora sob o
comando dos global traders. Mesmo assim, o próprio deslocamento geográfico da fronteira da
soja abre perspectivas para a consolidação de novos atores nacionais e regionais. Por fim, no
setor sucro-alcooleiro, uma elevada capacitação em genética tradicional (agora compartilhada
com a Monsanto), combinada com um setor de bens de capital, liderado pela Dedini, capaz de
se manter na fronteira tecnológica do setor ‘tem sido uma das principais razões para a elevada
competitividade até agora exibida pelo setor. Resta saber se essa liderança pode ser mantida
frente à onda de novos investimentos, bem como a transição para a segunda geração de
biocombustíveis.
4.3 Regulação
De todos os mercados, são os dos produtos agrícolas e, sobretudo, alimentares que tem
sofrido mais os regimes de proteção e subsídios, apesar dos avanços no âmbito da OMC – que,
no entanto, ratificou os direitos adquiridos dos países industrializados como ponto de partida
num longo e muito gradual processo de liberalização. Mesmo assim, o quadro da OMC tem
criado condições para contestações bem sucedidas, como nos casos de algodão em relação
aos Estados Unidos e do açúcar contra a União Europeia, ambos promovidos pelo Brasil. Houve
um surto “heterodoxo” de protecionismo como resposta à crise de alta nos preços de alimento
em 2007-8, quando vários países exportadores impuseram contenções para não desabastecer
os seus mercados domésticos. O novo mercado de biocombustíveis também enfrenta barreiras
tarifárias.
Mais importante hoje, porém, são as novas regulamentações e acordos privados em torno de
padrões sanitários e socioambientais. As regulamentações agora sendo impostas nesse sentido
para as grandes commodities convergem com os sistemas de certificação anteriormente
criados para os mercados de nicho de qualidade superior – indicações geográficas, orgânicos,
produtos de comércio justo. Podemos prever num futuro não tão distante que as commodities
agrícolas serão tão reguladas quanto a indústria hoje. Dadas a liderança do Brasil nos
mercados globais de commodities agrícolas e a centralidade dos recursos brasileiros (a floresta
amazônica em primeiro lugar) para o bem-estar do planeta, a competitividade dos segmentos
que compõem esse setor dependerá do grau de aderência aos novos padrões socioambientais
e sanitários. O desempenho das empresas brasileiras em relação aos standards ISO e a
crescente disposição de participar em sistemas voluntários de auditoria socioambiental
sugerem que o setor está se adaptando às novas exigências, inclusive em cadeias
tradicionalmente refratárias como a pecuária. Muito embora a liderança na definição das
novas regras tenha sido tomada em grande parte por atores privados, sobretudo aqueles a
jusante nos sistemas produtivos (grande varejo em particular), uma posição protagonista nos
foros internacionais e nos roundtables, onde as novas regras são negociadas, se torna um
componente importante nas estratégias de competitividade. A atuação da ÚNICA na promoção
do mercado global de etanol é exemplar nesse respeito.
5 Considerações Finais
No seu conjunto o setor de commodities agrícolas no Brasil se ajustou à dramática
transformação dos mercados mundiais na última década, tanto na sua re-orientação para os
mercados dos países emergentes quanto na magnitude de expansão necessária para manter e
aumentar a sua participação nesses mercados. Ao mesmo tempo, embora fortemente
transnacionalizado, esse setor preservou um importante núcleo de empresas nacionais que
estão se mostrando capazes de se adaptar aos novos padrões de concorrência. Para tanto, tem
sido decisivo o apoio de uma política industrial que reconhece os novos pré-requisitos de
escala para concorrer globalmente. BrazilFoods, JBS Friboi, Fibria todos começam a ter
condições de concorrer com os global players não apenas no comércio exterior, mas também
em estratégias de IDE. No entanto, em alguns segmentos a participação brasileira se restringe
aos elos iniciais das cadeias globais, e, mesmo que hoje em dia exista uma maior valorização
da matéria prima e da origem dos produtos, o valor agregado se concentra perto dos centros
de consumo e crescentemente no setor de serviços desses centros. O grande desafio,
portanto, é a integração do setor das commodities agrícolas brasileiras em estratégias que
garantam uma participação cada vez maior dos produtos brasileiros no conjunto do valor
gerado pelas grandes cadeias, que se localiza cada vez mais nos mercados consumidores dos
países emergentes, sobretudo asiáticos.
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