boaventura relata ferreira

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Relato ao texto “ANALOGIAS: operações para construção de casos sobre a midiatização e circulação como objetos de pesquisa”, de Jairo Ferreira – Compós 2015, GT Epistemologia da Comunicação Katrine Tokarski Boaventura No texto apresentado, o autor se propõe a discutir as analogias como operações metodológicas para a pesquisa em Comunicação, particularmente para a análise de midiatização e circulação. Dada a preocupação específica com estes últimos processos, o texto apresenta os principais conceitos trabalhados acerca das lógicas de produção e de reconhecimento, a partir da proposta de Eliseo Véron. Ainda tratando da problemática proposta por Véron, o autor procede a uma análise metodológica a partir de três obras: Les spetacles scientifiques télévisivés (1985), Ethnographie de l’exposition l’espace, le corps et le sens (1989) e um texto mais recente, de 2007, escrito com Jean-Jacques Boutaud: Sémiotique ouverte. Itinéraires sémiotiques en communication. Em sua análise, Ferreira identifica tensões provocadas pela orientação semiológica do primeiro texto, segundo Barthes; e pela passagem à semiótica peirceana, posteriormente. A segunda observação do autor é quanto à tensão entre a semiótica, os estudos de recepção-apropriações (com características de linhagens de pesquisa no Norte) e os estudos sobre os usos (também desenvolvidos como linhagem de pesquisa no Norte), na análise das gramáticas de produção e/ou reconhecimento. Essa apresentação inicial contextualiza o porquê do interesse pelas analogias, pois no texto sobre a exposição, de 1989, Véron se utiliza dessas como instrumento da pesquisa, ainda na transição entre Barthes e Peirce, de acordo com o autor. Daí que o movimento seguinte seja no sentido de conceituar a analogia, a partir de três perspectivas: a analogia de acordo com o próprio Peirce; uma vertente filosófica que toma a biologia como objeto de reflexão; e uma terceira, a perspectiva sócio- antropológica. Após a apresentação detalhada das três conceituações, o autor se encaminha às conclusões com as “inferências finais”, em que ressalta que o objetivo é superar as análises de conteúdo comumente utilizadas pela área, em que as analogias são tomadas

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  • Relato ao texto ANALOGIAS: operaes para construo de casos sobre a

    midiatizao e circulao como objetos de pesquisa, de Jairo Ferreira Comps

    2015, GT Epistemologia da Comunicao

    Katrine Tokarski Boaventura

    No texto apresentado, o autor se prope a discutir as analogias como operaes

    metodolgicas para a pesquisa em Comunicao, particularmente para a anlise de

    midiatizao e circulao. Dada a preocupao especfica com estes ltimos processos,

    o texto apresenta os principais conceitos trabalhados acerca das lgicas de produo e

    de reconhecimento, a partir da proposta de Eliseo Vron.

    Ainda tratando da problemtica proposta por Vron, o autor procede a uma

    anlise metodolgica a partir de trs obras: Les spetacles scientifiques tlvisivs

    (1985), Ethnographie de lexposition lespace, le corps et le sens (1989) e um texto

    mais recente, de 2007, escrito com Jean-Jacques Boutaud: Smiotique ouverte.

    Itinraires smiotiques en communication.

    Em sua anlise, Ferreira identifica tenses provocadas pela orientao

    semiolgica do primeiro texto, segundo Barthes; e pela passagem semitica peirceana,

    posteriormente. A segunda observao do autor quanto tenso entre a semitica, os

    estudos de recepo-apropriaes (com caractersticas de linhagens de pesquisa no

    Norte) e os estudos sobre os usos (tambm desenvolvidos como linhagem de pesquisa

    no Norte), na anlise das gramticas de produo e/ou reconhecimento.

    Essa apresentao inicial contextualiza o porqu do interesse pelas analogias,

    pois no texto sobre a exposio, de 1989, Vron se utiliza dessas como instrumento da

    pesquisa, ainda na transio entre Barthes e Peirce, de acordo com o autor. Da que o

    movimento seguinte seja no sentido de conceituar a analogia, a partir de trs

    perspectivas: a analogia de acordo com o prprio Peirce; uma vertente filosfica que

    toma a biologia como objeto de reflexo; e uma terceira, a perspectiva scio-

    antropolgica.

    Aps a apresentao detalhada das trs conceituaes, o autor se encaminha s

    concluses com as inferncias finais, em que ressalta que o objetivo superar as

    anlises de contedo comumente utilizadas pela rea, em que as analogias so tomadas

  • como correlatos do idntico, levando a uma identidade de objetos. Ou seja, a analogia

    seria, na viso do autor, mais apropriada que as anlises de contedo, porque nos

    processos miditicos analisados, como a circulao, os objetos so heterogneos.

    Na posio do autor, os pesquisadores da Comunicao se encaminham para

    esse entendimento. Com o que identifica como uma ruptura epistemolgica, os

    investigadores da rea, ao tomar os objetos como no idnticos de acordo com a

    concepo de analogia esquadrinhada no artigo, poderiam, ento:

    [..] acentuar, na pesquisa emprica, os processos sociais constitudos pela midiatizao, sem deixar 'de lado', mas, pelo contrrio, partido dos processos miditico-comunicacionais ponto a ponto (ou seja, processos em que seria possvel identificar quem produz quem consome, e, portanto, quais so suas interaes em termos de circulao), dando um sentido metodolgico a proposta do modelo cannico de midiatizao (interaes e transformaes de atores e instituies constitudas pela midiatizao). (FERREIRA, 2015, p. 12-13)

    Destaco a relevncia da proposta e a propriedade e profundidade com que

    apresentada. Entretanto, as inferncias finais me pareceram abreviadas, no

    evidenciando as possibilidades empricas concretas que as analogias podem representar

    para a rea. Talvez por opo metodolgica do autor, qui pelas limitaes espao-

    temporais inerentes produo de um artigo, o ltimo movimento proposto pareceu ter

    peso menor em comparao com a contextualizao a partir de Vron e a apresentao

    da tipologia referente analogia.

    Coloco, ainda, alguns questionamentos mais pontuais, enquanto dvidas

    ocorridas durante a leitura atenta do trabalho. Primeiramente, no resumo, o autor

    comea dizendo que Neste artigo, sugerimos importncias das analogias como

    operaes metodolgicas para a pesquisa em comunicao quando essa est

    orientada para a construo de casos de investigao. (FERREIRA, 2015, p. 1,

    grifo nosso). Sabemos que a pesquisa constri seus objetos antes da anlise. Haveria,

    pois, um tom de crtica embutido na afirmao, de que existem pesquisas em

    Comunicao no orientadas para a investigao?

    Outro aspecto levantado diz respeito uma heterogeneidade epistemolgica

    entre os estudos semiolgicos e semiticas de Vron. De onde surge a dvida: seria

    apropriado referir a questo ao nvel epistemolgico? No estaramos falando do nvel

  • metodolgico? Ou ainda: a discusso que se desenvolve no texto no seria mais

    precisamente definida como metodutica?

    Destarte a evidente e relevante preocupao do autor com o avano da

    construo dos objetos de pesquisa na Comunicao, coloco uma questo: e quanto ao

    objeto de estudo especfico da disciplina Comunicao? Nesse sentido, faz-se

    necessria uma provocao: ser que os problemas encontrados nas pesquisas

    comunicacionais se devem prioritariamente a deficincias metodolgicas? No estaria,

    pois, a instncia epistemolgica da discusso sendo esvaziada pela exaustiva

    preocupao metodolgica, que se apresenta como a tnica da investigao para os

    principais programas de investigao em Comunicao nos anos recentes?

    Cabe lembrar, como uma contribuio a esse debate, a colocao de Charles

    Berger quanto ao que ele denominou obsesso metodolgica dos pesquisadores em

    Comunicao, no texto Por que existem to poucas Teorias da Comunicao, em que

    argumentava por que considera a produo terica da rea deficiente. Berger destaca

    que, ao privilegiar o rigor metodolgico, a instncia terica perde esforos no sentido de

    produzir conhecimento: [...] estas tcnicas no produzem necessariamente insights

    sobre a comunicao, ficando aqum dos nveis hiperblicos manifestados por seus

    defensores. (BERGER, 2007, p. 56). A pontuao de Berger se dirige pesquisa

    estadunidense realizada nas dcadas anteriores publicao do texto, em 1991.

    No estaramos ns, pesquisadores da Comunicao no Brasil, orientando as

    principais pesquisas de fundamentao da rea para uma preocupao

    predominantemente metodolgica em detrimento da instncia especificamente

    epistemolgica? A discusso epistemolgica deve se orientar para as questes de

    fundamentao do campo. Esses debates, que tiveram destaque nos anos 90 e no

    princpio dos anos 2000, no encontram igual repercusso nos dias de hoje. Os poucos

    fruns de debate dedicados epistemologia so frequentemente visitados por discusses

    no-epistemolgicas, como j assinalado anteriormente (MARTINO, 2001), e como

    podemos verificar por uma rpida leitura dos trabalhos apresentados. Mesmo nos

    espaos de debate mais especializados, como o presente GT, podemos perceber que os

    trabalhos tm se direcionado cada vez mais para preocupaes metodolgicas. No cabe

    aqui um julgamento, ou uma tentativa de marcar o certo e o errado. Apenas uma

    provocao, que se encerra com uma analogia, fazendo referncia a este importante

    instrumento discutido no artigo ora relatado, mas pontuando a preocupao

  • epistemolgica: quanto poderia a receita do bolo nos dizer sobre uma cincia

    gastronmica?

    Referncias bibliogrficas

    BERGER, Charles R. Por que Existem to Poucas Teorias da Comunicao? In: MARTINO, Luiz C.; BERGER, Charles R.; CRAIG, Robert T. Teorias da Comunicao: muitas ou poucas? Cotia, SP: Ateli Editorial , 2007.

    FERREIRA, Jairo. ANALOGIAS: operaes para construo de casos sobre a midiatizao e circulao como objetos de pesquisa, de Jairo Ferreira Comps 2015, GT Epistemologia da Comunicao.

    MARTINO, Luiz C. As epistemologias contemporneas e o lugar da Comunicao. In: LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. (org). Epistemologia da Comunicao. So Paulo: Ed. Loyola, 2003.