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Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca 53 Doença Bipolar e Perturbação Borderline da Personalidade - Comorbilidade ou Continuum *Interna do Internato de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca ** Assistente Hospitalar do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca *** Directora de Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca Berta Ferreira*; Barbara Lopes*; Alexandra Lourenço**; João Melo**; Teresa Maia*** Resumo: A associação entre a doença bipolar e a pertur- bação borderline da personalidade tem sido alvo de vários estudos. Alguns autores salientam a fre- quente comorbilidade e apontam para um agrava- mento do prognóstico da doença bipolar, uma vez que sintomatologia relacionada com o abuso de álcool, drogas e outras substâncias, os comporta- mentos suicidários e impulsividade, frequente- mente associados à perturbação borderline, dificul- tariam o tratamento. Outros autores associam esta sintomatologia ao próprio diagnóstico de doença bipolar, defendendo um continuum entre estas duas entidades em que a perturbação borderline da per- sonalidade seria uma variante "ligeira" de uma per- turbação afectiva primária. Abordaremos as diferentes posições e as suas impli- cações clínicas e terapêuticas. Palavras-chave: bipolar; borderline; personali- dade; comorbilidade; diagnóstico. ABSTRACT: The association between bipolar disorder and borderline personality has been studied by seve- ral researchers. Comorbidity has been empha- sized by some authors which observe a prognos- tic impairment of bipolar disorder because the delay of the diagnostic. Symptoms related with alcohol and drugs abuse, suicidary behaviour and impulsivity, often present in borderline patients, make the treatment difficult. Other authors con- sider these symptoms as being part of the bipolar disease, proposing a continuum between the two entities. In this case, borderline personality would be a mild form of an affective disorder. We will discuss different opinions and their cli- nical and therapeutic consequences. K ey -Words: bipolar; borderline; personality; comorbidity; diagnostic. INTRODUÇÃO Na psiquiatria clínica actual tem-se assistido a uma grande polémica no que diz respeito aos limites entre doença bipolar II, perturbação ciclotímica e perturbação borderline da personalidade. A fre- quência com que, neste último caso, é diagnostica- da patologia do Eixo I 1 , tal como o abuso e dependência de álcool e outras substâncias, pertur- bações afectivas, perturbações da ansiedade e alte- rações do comportamento alimentar, complica adi- cionalmente o diagnóstico. Embora muito tenha sido escrito sobre cada perturbação de personali- dade ou perturbação afectiva, estudos definitivos não existem e o que tem sido publicado é contro- verso. PERTURBAÇÃO BORDERLINE DA PERSONALIDADE - COMORBILIDADE A perturbação de personalidade foi desde sempre alvo de muitos estudos por parte de vários autores dada a grande variabilidade na forma de apresen- tação e consequente dificuldade diagnóstica. Adicionalmente, muitos dos sintomas como a labi- lidade emocional se confundem na prática clínica com sintomatologia das perturbações do humor clássicas. A prevalência das perturbações afectivas, durante a vida, em doentes com perturbação borderline da personalidade é de 100%, e os casos tendem a ser

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Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 53

Doença Bipolar e Perturbação Borderlineda Personalidade - Comorbilidade ou Continuum

*Interna do Internato de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca** Assistente Hospitalar do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca*** Directora de Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Berta Ferreira*; Barbara Lopes*; Alexandra Lourenço**; João Melo**; Teresa Maia***

Resumo:A associação entre a doença bipolar e a pertur-bação borderline da personalidade tem sido alvo devários estudos. Alguns autores salientam a fre-quente comorbilidade e apontam para um agrava-mento do prognóstico da doença bipolar, uma vezque sintomatologia relacionada com o abuso deálcool, drogas e outras substâncias, os comporta-mentos suicidários e impulsividade, fre q u e n t e-mente associados à perturbação borderline, dificul-tariam o tratamento. Outros autores associam estasintomatologia ao próprio diagnóstico de doençabipolar, defendendo um continuum entre estas duasentidades em que a perturbação borderline da per-sonalidade seria uma variante "ligeira" de uma per-turbação afectiva primária.Abordaremos as diferentes posições e as suas impli-cações clínicas e terapêuticas. Palavras-chave: bipolar; borderline; personali-dade; comorbilidade; diagnóstico.

ABSTRACT:The association between bipolar disorder andb o rderline personality has been studied by seve-ral re s e a rchers. Comorbidity has been empha-sized by some authors which observe a pro g n o s-tic impairment of bipolar disorder because thedelay of the diagnostic. Symptoms related withalcohol and drugs abuse, suicidary behaviour andi m p u l s i v i t y, often present in borderline patients,make the treatment difficult. Other authors con-sider these symptoms as being part of the bipolardisease, proposing a continuum between the twoentities. In this case, borderline personalitywould be a mild form of an affective disord e r.

We will discuss different opinions and their cli-nical and therapeutic consequences.K e y - Wo rd s : bipolar; borderline; personality;comorbidity; diagnostic.

INTRODUÇÃONa psiquiatria clínica actual tem-se assistido a umagrande polémica no que diz respeito aos limitesentre doença bipolar II, perturbação ciclotímica eperturbação borderline da personalidade. A fre-quência com que, neste último caso, é diagnostica-da patologia do Eixo I1, tal como o abuso edependência de álcool e outras substâncias, pertur-bações afectivas, perturbações da ansiedade e alte-rações do comportamento alimentar, complica adi-cionalmente o diagnóstico. Embora muito tenhasido escrito sobre cada perturbação de personali-dade ou perturbação afectiva, estudos definitivosnão existem e o que tem sido publicado é contro-verso.

PERTURBAÇÃO BORDERLINE DA PERSONALIDADE - COMORBILIDADEA perturbação de personalidade foi desde semprealvo de muitos estudos por parte de vários autoresdada a grande variabilidade na forma de apresen-tação e consequente dificuldade diagnóstica.Adicionalmente, muitos dos sintomas como a labi-lidade emocional se confundem na prática clínicacom sintomatologia das perturbações do humorclássicas.

A prevalência das perturbações afectivas, durante avida, em doentes com perturbação borderline dapersonalidade é de 100%, e os casos tendem a ser

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de maior gravidade2. No entanto, Gunderson con-cluiu que a associação entre doença bipolar e per-turbação borderline da personalidade é fraca3. Aforte comorbilidade encontrada por este autor dedistimia (80%) e perturbação unipolar (20%), nosdoentes com perturbação borderline da personali-dade, foi valorizada por Akiskal. Segundo este autoras perturbações afectivas nestes doentes têm certasparticularidades, muitas vezes caracterizadas pela"atipia", que seriam assim enquadradas nos dia-gnósticos de perturbação ciclotimica e perturbaçãobipolar II5.

Estudos mais recentes indicam que a comorbili-dade na doença bipolar é uma regra mais do queuma excepção e mais de 60% dos doentes bipolaresapresentam comorbilidade com outros diagnósti-cos como o abuso de substâncias, perturbações daansiedade e perturbações borderline da personali-dade5,6. Brieger focalizou-se na prevalência de per-turbações da personalidade nas doenças afectivastendo verificado que 51% das perturbações unipo-lares e 38% das bipolares preenchem critérios paraperturbação de personalidade, sendo a pertur-bação de personalidade borderline uma das maisfrequentes, sem diferenças significativas entre asperturbações bipolares e unipolares7.

O próprio diagnóstico de perturbação borderlineda personalidade é motivo de discussão. Segundo aDSM-IV-TR, este diagnóstico caracteriza-se por umpadrão global de instabilidade no relacionamentointerpessoal, auto-imagem e afectos e impulsivi-dade marcada com começo no início da idade adul-ta8. Para além de critérios como a perturbação do

relacionamento social e os comportamentos deauto-mutilação, esta classificação salienta aindasintomas como a impulsividade, o sentimento devazio e a instabilidade afectiva (disforia, irritabili-dade ou ansiedade), que podem também serencontrados em perturbações afectivas puras. Oscritérios desta classificação, baseados nas con-cepções de Gunderson, têm sido alvo de muitascriticas nos anos 90, com vários trabalhos deAkiskal, Perugi, Delito, entre outros, que estabele-cem uma relação entre perturbação borderline dapersonalidade e doença bipolar, a qual assenta noconceito de Bipolaridade e Espectro Bipolar.Segundo estes autores a classificação DSM-IV-TRpara a perturbação borderline da personalidade émuito limitada, simplista, não dando um significadoà sintomatologia heterogénea destes doentes. Nestesentido, Akiskal estabelece uma correspondênciae n t re as características "core" da DSM e suaexpressão sintomatológica9 (Tabela 1).Outra crítica deste autor reside no facto de oscritérios operacionais da DSM não coincidirem comos utilizados pela escola psicanalítica quando dia-gnostica a organização borderline da personalidade.Mais do que uma entidade nosológica específica,K e rn b e rg defende a existência de uma estru t u r apsíquica vulnerável que funciona numa "estabilidadeinstável" entre as neuroses clássicas e as psicoses1 0, oque na opinião de Akiskal parece ser mais compatí-vel com as formulações psicobiológicas para esta per-sonalidade, situando-a nos limites de pert u r b a ç õ e spsicóticas esquizofrénicas, maníaco-depressivas eepilépticas e, neste sentido, borderline re f e r i r-se-ia af o rmas frustes de psicoses endógenas major(subesquizofrénicas, subafectivas e subictais). Num

Berta Ferreira, Bárbara Lopes, Alexandra Lourenço, João Melo, Teresa Maia

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entanto, Kraepelin, em 1889, unificou todos os tiposde doença afectiva na insanidade maníaco-depre s s i-va. Este conceito teve uma forte oposição, sobretudona escola alemã com Wernicke, Kleist e Leonhardque introduziram o conceito de unipolaridade ebipolaridade. A classificação proposta por estes

estudo realizado por Blumenthal que comparavadiagnósticos de perturbação borderline da perso-nalidade, segundo a concepção do Kernberg, comos doentes que preenchiam os critérios da DSM,observou-se uma concordância em apenas 61% doscasos11.

CONCEITO DE BIPOLARIDADE- "SOFT BIPOLAR"

Arataeus de Cappadocia, no séc. I AC, foi pro v a v e l-mente quem primeiro descreveu a mania e a melan-colia como dois estados fenomenologicamente dife-rentes da mesma doença. O conceito actual dedoença bipolar teve origem em França, com as pu-blicações de Falret (1851) e Baillarger (1854). No

Tabela 1 – Correlação entre critérios DSM e sintomatologia frequentemente encontrada na Pert. Borderline (Adaptado de Akiskal, 2003)

autores não teve muita aceitação, pela sua com-plexidade. Nos anos 60 assistiu-se a um renovadointeresse na distinção unipolar/bipolar com as pu-blicações de Angst, Perris e Winokur que veri-ficaram características clínicas e familiares que va-lidaram esta distinção. Nas últimas décadas, tem-seassistido à evolução deste conceito com a recupe-ração dos estados mistos de Kraepelin, a ciclotimia

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tomatologia da doença. Este espectro inclui pertur-bações com sintomatologia sublimiar à considera-da nesta classificação – "Soft Bipolar Spectrum"15-19.O "soft bipolar spectrum" é caracterizado porepisódios depressivos major com sinais "soft" debipolaridade4. A inclusão neste espectro está depen-dente da definição de hipomania 20, que no DSM-IV-TR requer uma duração mínima de quatro dias,cutoff não suportado cientificamente21. Embora amaioria dos autores -Akiskal, Perugi, Angst,Benazzi- considere este grupo, como um "subtipo"pertencente à doença bipolar II, há quem defenda a

e temperamentos afectivos de Kahlbaum e Hecker, aconcepção de espectro bipolar de Akiskal e a dis-tinção das perturbações esquizoafectivas em formasbipolares e unipolares12,13 (Tabela 2).

Marneros em 1999 defendeu o conceito de conti-nuum tanto para a perturbação bipolar como paraa perturbação unipolar14 (Figura 1).Ainda não reconhecido pela DSM-IV-TR, o recenteconceito de espectro bipolar incorpora todas asperturbações bipolares, em que o termo "bipolar"representa apenas dois pólos ou extremos da sin-

Tabela 2 – Evolução histórica do conceito de doença bipolar (adaptado de Baldessarini, 2000)

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criação de um grupo bipolar não I e não II22.Estudos epidemiológicos recentes põem em causa aprevalência de 1%, considerada para as doençasbipolares. Este valor é de 5% ou superior, quandosão incluídas as perturbações do espectro bipolar.Alguns estudos clínicos indicam que as doençasbipolares são quase tão comuns como as doençasunipolares. A proporção de doentes com depressãoque podem ser classificados como bipolar IIaumenta à custa do diagnóstico de perturbaçãodepressiva major, se o limiar de quatro dias paraepisódio hipomaníaco for reconsiderado. Nestesentido, estudos realizados indicam que doentesque apresentam episódios hipomaníacos de menor

Figura 1 – Continuum Bipolar e Unipolar (adaptado de Marneros, 1999)

duração apresentam também características típicasde bipolaridade (menor idade de início da doença,maior taxa de recorrências, depressão com carac-terísticas atípicas)23. Segundo outros estudos, aduração média de um episódio hipomaníaco é dedois dias; um episódio breve de hipomania comelevada taxa de recorrência pode ser tão curtocomo um dia, e quando complicado por depressãomajor, deve ser classificado como uma variante dedoença bipolar II 24.Outra variante do espectro é representada porepisódios depressivos major em indivíduos comtemperamentos com características ciclotímicas ouhipertímicas25. O temperamento ciclotímico está

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peramento afectivo à psicose com sintomatologiaafectiva30. Apesar de a herança genética explicarapenas uma parte da etiologia, Kelsoe inferiu asseguintes conclusões a partir deste estudo31:• A penetrância (probabilidade da doença se ma-nifestar na presença do gene alterado) é inferior a100%;• A expressividade dos traços associados à doençaé variável (variabilidade de apresentações clínicasque resultam dos mesmos genes);• Presença de heterogeneidade genética (a doençaé causada por múltiplos genes).Gershon propõe uma hipótese de herança oli-gogénica, em que a interacção de vários genes énecessária para a expressão fenotipica dos quadrosafectivos clássicos, presentes em 1% da população.Expressões mais ligeiras, como a doença bipolar II,envolvem menos genes e estão presentes em cercade 3-4% da população. Expressões ainda maisligeiras, como a perturbação ciclotímica e hiper-timia re q u e rem a interacção de ainda menosgenes32 (Figura 2).

A questão frequentemente levantada por estes estu-dos genéticos é se haverá ou não alguma vantagemgenética que venha a seleccionar os indivíduos quepossuem estes genes. Segundo Kelsoe, se pensar-mos em termos evolucionistas, dada a desinibição econsequente hipersexualidade destes indivíduos,traços bipolares dão origem a uma maiordescendência. Para além deste aspecto, a criativi-dade e energia características da hipomania levama um maior ajuste social 31.A contrariar esta tendência para a criação decritérios cada vez mais abrangentes das doenças

relacionado com o aparecimento de hipomaniasecundária à toma de antidepressivos e, segundoAkiskal, a sobreposição de episódios depressivosmajor em temperamentos ciclotimicos representauma variante da doença bipolar II mais instável –Bipolar II 1/2 - em que a idade de início da doençabipolar é menor, as depressões tendem a ser maisgraves e com características mais atípicas. Nestesdoentes existe uma maior taxa de comorbilidadepsiquiátrica e, em relação à história familiar, não sedistinguem de outros doentes com o diagnóstico dedoença Bipolar II4,26,27. As perturbações do humorinduzidas pelo álcool e outras substâncias tambémtêm bastante em comum com as perturbações doespectro bipolar II, em particular quando a labili-dade do humor é evidente. Finalmente, muitosdoentes incluídos no espectro bipolar II, especial-mente quando a taxa de recorrência é elevada e operíodo interepisódico não é livre de sintomas afec-tivos, podem preencher critérios para perturbaçãoda personalidade28. Este facto é particularmenteobservado em doentes bipolares II ciclotímicos,que são frequentemente mal diagnosticados comoperturbações borderline da personalidade devido àextrema instabilidade do humor que apresentam29.Estudos de gémeos realizados por Bertelsen reve-laram concordância em apenas 58 % dosmonozigóticos para as perturbações afectivas clás-sicas. Se forem utilizados critérios maisabrangentes, cerca de mais 25% são concordantes.Estes 25% incluem uma pequena percentagem depsicoses esquizofreniformes e uma grande percen-tagem de indivíduos com "temperamento afectivo".Este estudo sugere uma base genética comum paraum espectro fenotípico que se estende desde o tem-

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bipolares surge Baldessarini e Soares. Segundoestes autores, a aplicação destas definições podeconstituir um enviesamento para investigações etratamentos futuros. Deveriam ser criados critériosde diagnóstico que formassem grupos relativa-mente homogéneos o que facilitaria a possibilidadede serem definidos mecanismos neurobiológicoscomuns13, 33.Outros estudos, como o de Atre-Vaidya, onde asdimensões do carácter e temperamento são estu-dadas, contrariam as concepções de Akiskal, nãoencontrando qualquer relação entre a perturbaçãode personalidade borderline e doença bipolar,sobretudo no que respeita ao temperamento34.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A evolução do conceito de doença bipolar no senti-do de uma classe diagnóstica cada vez mais

abrangente tem contribuído para a sobreposição deentidades nosológicas cujos critérios dependem desintomas afectivos comuns. Surge então uma dúvi-da: qual dos diagnósticos valorizar? Pensa-se emcomorbilidade ou numa nova interpretação da sin-tomatologia? Um exemplo onde esta questão seaplica é o da perturbação borderline da personali-dade, que frequentemente apresenta um fenótipop redominantemente afectivo. Encontramosopiniões divergentes. Alguns autores defendem quese deve valorizar o diagnóstico de perturbação dapersonalidade como base para a realização de umprojecto terapêutico. Outros autores focalizam-seprincipalmente na fenomenologia para elaboraçãode um diagnóstico do Eixo I da DSM e actuam emconformidade. Independentemente da orientaçãoutilizada, dados que apontam para a atipia dosepisódios depressivos nestes doentes, para uma

Figura 2 – Modelo de transmissão oligogénica proposta por Gershon (adaptado de Akiskal,2003)

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Berta Ferreira, Bárbara Lopes, Alexandra Lourenço, João Melo, Teresa Maia

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