biodiversidade e propriedade intelectual
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7/18/2019 Biodiversidade e Propriedade Intelectual
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Biodiversidade e propriedade intelectual
Fernando Henrique Galisteu
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ASSUNTOS:
BIODIREITO
DIREITO COMERCIAL
DIREITO CONSTITUCIONAL
DIREITO ECONÔMICO
Numa breve análise acerca do atual sistema jurídico internacional percebe-se que estão
mais bem protegidos os direitos de propriedade industrial do que os direitos sobre os
conhecimentos tradicionais ou os direitos relativos à conservação da diversidade biológica.
1 INTRODUÇÃO
De maneira geral considera-se que, na América Latina, o Brasil, a Colômbia, a Venezuela,
o México, o Equador e o Peru são os países mais ricos em biodiversidade, aqui entendidacomo o conjunto de plantas, animais e microrganismos em interação com o ambiente em
que vivem. Nos outros continentes, destacam-se: África (Zaire e Madagascar); Ásia
(China, Índia, Malásia e Indonésia) e a Austrália, na Oceania (Valois, 2010, p. 1).
Entre todos esses países possuidores de megadiversidade biológica, o Brasil é o mais rico
em plantas, animais e microrganismo, possuindo cerca de 20% de todo o patrimônio
genético encontrado no mundo, e também é o dono da maior parte das florestas intactas
do planeta. O Pantanal, o Semi-árido, os Cerrados e a Amazônia, por exemplo, são
verdadeiros bancos naturais de recursos genéticos, que ainda estão sendo descobertos.
Além disso, a importância socioeconômica da biotecnologia pode ser ilustrada pelo valor
associado ao seu mercado mundial, estimado em mais de 50 bilhões de dólares por ano.
Diante desses dados, tornam-se evidentes a importância e a atualidade do vertente tema,
sobretudo em nosso país, especialmente no que se refere à proteção outorgada pelo
Direito Autoral aos recursos genéticos acessíveis em nosso território.
2 A TUTELA JURÍDICA DO ACESSO À BIODIVERSIDADE
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Na temática do acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional, a inter-
relação da proteção dos direitos humanos e da proteção do meio ambiente é ainda mais
evidente, devido ao valor intrínseco e essencial que a diversidade biológica representa
para a vida na Terra.
Consoante essa linha de raciocínio, conclui-se que a proteção da biodiversidade é um
direito humano fundamental e que a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) - acordo
internacional assinado durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
o Desenvolvimento em 1992 (RIO 92) - veicula normas de direitos humanos (Kishi, 2010,
p. 1).
Por essa razão, uma vez ratificada pelo nosso Congresso Nacional, foi incorporada a
Convenção ao ordenamento jurídico brasileiro como norma constitucional do art. 5º,
jungida àquele rol de direitos constitucionalmente protegidos por via da norma de extensão
de seu § 2º, e dotada, por conseguinte, de intangibilidade (art. 60, § 4º, IV, da CF/88) e deaplicabilidade imediata (§ 1º do art. 5º da CF/88), com fundamento em interpretação
teleológica do sistema jurídico constitucional e por força do primado da dignidade da
pessoa humana, pilar do Estado de Direito Ambiental.
No Brasil, já em 1988, ou seja, antes mesmo do surgimento da CDB, a Constituição
Federal já reconhecia a importância do patrimônio genético, tanto que lhe dedicou previsão
específica no capítulo sobre meio ambiente. O art. 225, §1º, inciso II, estabelece que
incumbe ao Poder Público: "preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético
do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético".
2.1 A Convenção da Diversidade Biológica e o TRIPS - Acordo sobreDireitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio
Um dos pontos fundamentais da Convenção da Diversidade Biológica – CDB -, que faz
com que os países nos quais está localizada a biodiversidade possam auferir ganhos
econômicos com a utilização desses recursos, é o reconhecimento pelo acordo dos
direitos soberanos dos Estados sobre seus próprios recursos genéticos (artigo 15 da
CDB).
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Um dos grandes problemas enfrentados pelo Brasil e por outros países ricos embiodiversidade e conhecimento tradicional é garantir que esses princípios sejam
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respeitados. O problema tem duas dimensões: em primeiro lugar, deve-se garantir que os
países detentores da biodiversidade tenham uma legislação nacional eficiente que regule e
fiscalize o acesso a esses recursos genéticos; é importante, outrossim, que haja
instrumentos internacionais que dificultem a exploração econômica de recursos que sejam
obtidos de maneira ilegal, ou seja, coíbam o que muitos países chamam de biopirataria
(Dutra, 2006, p. 1).
É alegado por diversas fontes em todo o mundo que pesquisadores e companhias de
países desenvolvidos estão utilizando recursos genéticos extraídos de países ricos em
biodiversidade, sem a autorização apropriada, a fim de obter novas tecnologias, novas
invenções, novas técnicas e novos produtos. Além disto, é dito que a orientação para
identificação e descoberta daqueles recursos genéticos e seus princípios ativos é obtida
através de membros de comunidades locais que cooperam com os pesquisadores, mesmo
sabendo que muito raramente eles receberiam qualquer tipo de pagamento.
No plano internacional, o debate ocorre principalmente acerca da concessão de patentes a
invenções que contenham recursos genéticos e/ou conhecimento tradicional associado.
Os países "megabiodiversos" defendem que a concessão dessas patentes seja feita
somente se forem respeitadas três exigências: os aplicantes devem revelar o país de
origem do recurso genético, mostrar evidência de que os recursos foram obtidos de
maneira legal (ou seja, respeitando a legislação do país proveniente através do
consentimento prévio informado) e finalmente, mostrar evidência de que os benefícios
serão divididos de forma justa e eqüitativa.
Esse grupo de países, liderado pelo Brasil e pela Índia, elegeu a Organização Mundial doComércio (OMC) como o melhor local para se discutir a questão. Esses países defendem
que o atual acordo de propriedade intelectual da OMC (o Acordo TRIPS, sigla em inglês
para o Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio)
permite a biopirataria, e tentam mudá-lo para que inclua essas exigências de declaração.
A questão é discutida desde 1999, mas encontra grande resistência dos países
desenvolvidos, principalmente dos Estados Unidos e do Japão.
Além de impor uma homogeneização das leis nacionais de propriedade intelectual, o
TRIPS exige mudanças na legislação interna dos países para cumprir com os padrõesmínimos de proteção da propriedade intelectual por ele determinadas. O TRIPS conta
também com um sistema internacional de solução de controvérsias no âmbito da OMC,
para solucionar os conflitos envolvendo comércio internacional, abarcando as questões
relativas à propriedade intelectual.
Ao colocar os direitos de propriedade intelectual sob a égide da OMC e submetê-los a seu
procedimento vinculante para a solução de controvérsias, os defensores de um regime
forte de direitos de propriedade intelectual tornaram possível a imposição de sanções
comerciais. Ou seja, quando os países membros não cumprirem, no âmbito nacional, com
as normas de regras mínimas sobre propriedade intelectual encontradas nas disposiçõesdo TRIPS, poderão sofrer as sanções decididas na OMC.
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Dessa forma, percebe-se que o nosso sistema de patentes, inexoravelmente, dá azo ao
monopólio institucionalizado, acompanhando os movimentos de globalização econômica,
porquanto se obrigou a observar os princípios fixados no já referido acordo TRIPS, o qual
entrou em vigor no Brasil em 1º de janeiro de 1995, após aprovação, pelo Congresso
Nacional, das deliberações assumidas na Rodada Uruguai do GATT.
Para comprovar isso, basta seja citado que o art. 3º do acordo TRIPS prevê que cada país
concederá aos nacionais de outro país "tratamento não menos favorável" que o conferido
aos seus próprios nacionais, enfraquecendo a soberania de cada Estado, em franca
contraposição aos princípios da Convenção da Biodiversidade e em rota de colidência com
o texto constitucional quanto ao princípio da soberania nacional, que é fundamento da
República Federativa do Brasil (art. 1º, I, da CF).
Demais disso, o acordo TRIPS estipula estrategicamente a uniformização nas legislações
dos países signatários quanto à disciplina jurídica da propriedade intelectual, de formacompatível com esse acordo internacional. No nosso sistema jurídico, informado pelo
princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais, a razoabilidade e a eqüidade devem
orientar o uso desses recursos, dando-se oportunidades iguais diante de casos
semelhantes. Ainda nessa linha de entendimento, pode-se dizer que a prioridade no uso
dos bens deve percorrer uma escala que vai do local ao planetário, passando pela região,
pelo país e pela comunidade de países.
3 A TUTELA JURÍDICA DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
A questão da propriedade intelectual do conhecimento tradicional associado é a mais
polêmica e complexa dentro da matéria do acesso à biodiversidade.
Conhecimento tradicional associado consiste na informação ou prática individual ou
coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial,
associada ao patrimônio genético, segundo o art. 7º, II, da MP n. 2.186-16/2001.
Além da impossibilidade da proteção via patente do conhecimento tradicional associado
aos recursos genéticos, visto que quase sempre não é novo, mas ancestral, e mesmo
quando recente, não há como patentear certos processos naturais, sendo que quase
sempre os conhecimentos tradicionais traduzem-se justamente nas informações sobre
esses processos naturais e no modo como elas são adquiridas, usadas e repassadas. Isto
já basta para afastar o requisito da atividade criativa humana ou da atividade inventiva,
necessário para o patenteamento.
Também não se revela possível proteger os conhecimentos tradicionais por meio do direito
do autor, que tem como requisito a originalidade da obra, além da novidade, consoante a
Lei n. 9.610/98. Ora, o "tradicional" não combina com o "original" ou "criativo".
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A Lei n. 9.279/96 (Lei de Propriedade Intelectual) nada dispõe sobre a proteção do
conhecimento tradicional. O acordo internacional TRIPS, específico para a área de
propriedade intelectual, também não contempla o conhecimento tradicional.
A Lei n. 9.279/96 prevê como requisitos para concessão da patente: a novidade, a
atividade inventiva e a aplicação industrial (art. 8º). Portanto, já de plano, exclui-se a
possibilidade de patenteamento do conhecimento tradicional, dada a ausência total do
pressuposto "novidade". Ora, o conhecimento tradicional é ancestral e não novo.
Importante destacar ainda que a Lei de Propriedade Intelectual não considera invenção,
não sendo patenteáveis, portanto, as descobertas e, ainda, o todo ou parte de seres vivos,
materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o
genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural, e os processos biológicos naturais
(art. 10, I, VIII e IX, da Lei n. 9.279/96).
A técnica adotada na nossa Lei de Propriedade Intelectual consiste no elenco de condutas
negativas. Ou seja, só pode ser objeto de patente o que não estiver expressamente
proibido por lei.
A fim de existir um registro de invenções que tenham sido desenvolvidas usando o
conhecimento tradicional de populações locais ou indígenas, tem sido proposto que os
pedidos de patente oriundos de recursos genéticos informem o país de origem destes
recursos, de modo que na ausência desta informação, o país de origem possa nomear os
titulares de tais patentes como infratores das leis nacionais que implementam a
Convenção sobre a Diversidade Biológica.
No âmbito interno, de lege ferenda, a legislação, especialmente dos Estados - Membros,
há de incorporar minimamente os seguintes requisitos: a) a identificação do material
genético utilizado no processo resultante da utilização de conhecimentos de comunidades
tradicionais; b) a proteção sui generis aos direitos intelectuais coletivos de comunidades
tradicionais não pode resultar em monopólio ou oligopólio dos detentores da biotecnologia,
com proibição de qualquer cláusula de exclusividade para determinada pessoa ou
empresa; c) a repartição de benefícios com os detentores de recursos genéticos; d) o
consentimento prévio informado (ou fundamentado) fornecido pelos detentores dos
recursos naturais e dos conhecimentos tradicionais.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar a questão da biodiversidade relacionada à propriedade intelectual, vê-se que
os problemas enumeram-se diante das soluções.
No que tange ao dissenso entre a CDB e o TRIPS, se no âmbito internacional encontram-
se obstáculos, pelo menos no plano nacional o Brasil deveria fazer sua tarefa de casa. A
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legislação atual é problemática e muitas vezes acusada de impor obstáculos
desnecessários à pesquisa nacional, sem ser eficiente para impedir os casos de
biopirataria. O primeiro passo para mostrar a importância que o Brasil dá ao nosso
patrimônio genético deveria ser protegê-lo nacionalmente.
Numa breve análise acerca do atual sistema jurídico internacional percebe-se que estão
mais bem protegidos os direitos de propriedade industrial do que os direitos sobre os
conhecimentos tradicionais ou os direitos relativos à conservação da diversidade biológica.
O futuro da regulação jurídica dessa disputa ainda é incerto. Contudo, o que deve ser
reconhecido e seguido na formação e aplicação das leis ambientais e de propriedade
intelectual é a necessidade da proteção integrada da biodiversidade e dos sistemas de
saberes e práticas culturais das populações indígenas e comunidades locais, como ações
imprescindíveis para garantir a qualidade de vida das presentes e futuras gerações, na
busca do desenvolvimento sustentável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Disponível em: <http://www.museu-goeldi.br/NPI/docs/resumos/ juliana%20Santilli.ppt>.
Acesso em: 21 set 2010.
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VALOIS, Afonso Celso Candeira. Biodiversidade, Biotecnologia e Propriedade Intelectual
(Um Depoimento). Disponível em:< http://webnotes.sct.embrapa.br/
pdf/cct/v15/cc15esp02.pdf>. Acesso em: 21 set 2010.
WOLFF, Maria Thereza. A biodiversidade na Propriedade Intelectual. Disponível em: <
http://www.dannemann.com.br/site.cfm?app=show&dsp=mtw3&pos=5.7&lng=pt>. Acesso
em: 21 set 2010
Leia mais: http://jus.com.br/artigos/20639/biodiversidade-e-propriedade-intelectual#ixzz2qxa8KhaV10