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BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO

REGIES METROPOLITANAS NO BRASILUm paradoxo de desaos e oportunidadesFernanda Magalhes (ed.)

Regies metRopolitanas no BRasil

BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO

Regies metRopolitanas no BRasilUm paradoxo de desafios e oportunidadesFernanda MagalhesEditora

2010, Banco Interamericano de Desenvolvimento. Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo, no todo ou em parte, ou a utilizao sob qualquer forma ou por quaisquer meios, quer eletrnicos ou mecnicos, inclusive fotocpias, gravao ou qualquer sistema de armazenagem ou recuperao de informao, sem a permisso prvia por escrito do BID. Banco Interamericano de Desenvolvimento 1300 New York Avenue, N.W. Washington, D.C. 20577 Estados Unidos da Amrica www.iadb.org As opinies expressas neste livro pertencem aos autores e no refletem necessariamente a posio oficial do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Cataloging in Publication data provided by the Inter American Development Bank Felipe Herrera Library Regies metropolitanas no Brasil : um paradoxo de desafios e oportunidades / Fernanda Magalhes, editora. 296p. 15,2 x 22,8cm. Includes bibliographical references ISBN: 978-1-59782-127-8 1. Metropolitan areas Brazil. 2. Metropolitan finance Brazil. 3. Metropolitan government Brazil. 4. Metropolitan areasLatin America. I. Magalhes, Fernanda. Inter-American Development Bank. HT334.B6 R44 2010

Para encomendar este livro, contatar: Prtico Bookstore 1350 New York Ave., N.W. Washington, D.C. 20005 Estados Unidos da Amrica Telefone: (202) 312-4186 E-mail: [email protected]

agradEcimEntos

O contedo deste livro foi elaborado por diversos autores convidados pela Diviso de Gesto Fiscal e Municipal, da Gerencia de ICF do Banco Interamericano de Desenvolvimento. O editor agradece a colaborao dos autores. Agradece em especial ao apoio recebido a esta iniciativa no BID do Chefe de Diviso, Vicente Fretes, do representante do BID no Brasil em exerccio durante a preparao do livro, Jose Luis Lupo, e a Eduardo Rojas e Jose Brakarz, meus colegas, que contriburam com seus valiosos comentrios. No pode ainda deixar de referir a colaborao das assistentes de projeto, Paula Cabral e Fernanda Campello em todos os temas de rotina.

sumrioPREFCIO ..................................................................................... ix INTRODUO ............................................................................... xi CAPTULO 1: GOVERNANA DE REGIES METROPOLITANAS DA AMRICA LATINA ....... .................................... 1 Eduardo Rojas CAPTULO 2: PANORAMA ATUAL DAS METRPOLES BRASILEIRAS ........ 19 Sol Garson, Luiz Csar Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro CAPTULO 3: EM BUSCA DE UM NOVO MODELO DE FINANCIAMENTO METROPOLITANO ........................................... 45 Fernando Rezende CAPTULO 4: A CONSTRUO DE NOVAS GOVERNANAS PARA AS REAS METROPOLITANAS: O CENRIO BRASILEIRO ...................... 99 Jeroen Johannes Klink CAPTULO 5: O PAPEL DO SETOR PRIVADO E DA SOCIEDADE CIVIL NAS NOVAS GOVERNANAS METROPOLITANAS BRASILEIRAS .......... 123 Andr Urani CAPTULO 6: POTENCIALIDADES DA COOPERAO INTERGOVERNAMENTAL PARA A GESTO DAS REGIES METROPOLITANAS DO BRASIL ..................................................... 169 Paula Ravanelli Losada CAPTULO 7: RADIOGRAFIA DO ASSOCIATIVISMO TERRITORIAL BRASILEIRO: TENDNCIAS, DESAFIOS E IMPACTOS SOBRE AS REGIES METROPOLITANAS .................................................... 197 Fernando Luiz Abrucio, Hironobu Sano e Cristina Toth Sydow EPLOGO: AS REGIES METROPOLITANAS NO CONTExTO DA GLOBALIzAO: UMA AGENDA POSSVEL ................................ 235 Nadia Somekh CONCLUSO .............................................................................. 249 SOBRE OS AUTORES .................................................................... 261

prEfcio

Uma das caractersticas mais marcantes do processo de urbanizao no Brasil a sua metropolizao. Em 2007, data do ltimo Censo, quase metade da populao brasileira vivia em regies metropolitanas. Esta concentrao populacional resulta especialmente de maiores oportunidades de emprego e melhor acesso a servios pblicos do que em outras regies. A economia das regies metropolitanas brasileiras em 2007 representava 58% do PIB nacional e albergava 80% das sedes das maiores empresas. Essa atividade econmica se extende sobre o territrio jurisdicional de vrios municpios, constituindo um sistema em rede com fortes interdependncias funcionais. Infelizmente, junto a estas grandes vantagens oferecidas pelas regies metropolitanas, coexistem graves problemas sociais e ambientais. Um em cada quatro habitantes metropolitanos vive em condies de pobreza, e um tero da populao no dispe de condies adequadas de saneamento bsico. A escassez de recursos para o financiamento dessa necessria infraestrutura um dos grandes gargalos ao seu desenvolvimento sustentvel. A gesto descentralizada desses territrios impe graves limitaes ao desenvolvimento econmico equilibrado e ao seu bem estar social. Uma boa governana que permita guiar o seu desenvolvimento futuro e uma adequada prestao de servios ao conjunto metropolitano populao e empresas constitui um dos maiores desafios a enfrentar. Esta publicao o resultado de uma reflexo, desenvolvida conjuntamente por membros do governo brasileiro, a academia e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, acerca do paradoxo que representa importncia das regies metropolitanas para o desenvolvimento brasileiro x a fragilidade de seus mecanismos de governabilidade e de financiamento. Enfocando as questes de governana e financiamento metropolitano, que vm gradualmente retomando importncia na agenda nacional, procura contribuir para o desenho de polticas pblicas que possam melhorar a qualidade de vida nas cidades. Essas questes so tambm particularmente pertinentes no caso geral da Amrica Latina e Caribe, um continente altamente urbanizado e po-

larizado por regies metropolitanas, moldado pela rpida disseminao do processo de descentralizao, que, com o objetivo de aumentar a competitividade e promover o crescimento da economia local, transferiu para os nveis subnacionais responsabilidades pblicas de prestao de servio e infraestrutura, sem o desenvolvimento de uma capacidade institucional, fiscal e financeira adequado. unanimidade entre os vrios autores do livro que, apesar do protagonismo e importncia desses territrios metropolitanos na estrutura urbana brasileira, os arranjos de gesto e organizao e o financiamento das reas metropolitanas so bastante frgeis. O presente livro foi organizado a partir dessa discusso e est estruturado em dez captulos. Os captulos foram preparados por especialistas de reconhecida competncia na matria, e oferecem, a partir de uma perspectiva do desenvolvimento e do planejamento urbano, uma viso multifacetada e multidisciplinar do assunto. A partir de um olhar centrado especificamente sob a realidade social, econmica e espacial das reas metropolitanas brasileiras, apresentam quer abordagens tericas, quer anlises de experincias internacionais e nacionais. Seu pblico alvo so as autoridades de governo, nas trs esferas de poder federal, estadual e municipal tomadores de deciso, tcnicos, estudiosos e acadmicos do setor.

Vicente FretesChefe de Diviso de Gesto Fiscal e Municipal (FMM) Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

introduo

Regies metropolitanas no Brasil: um paradoxo de desafios e oportunidadesFernanda MagalhesEsta introduo destaca os principais desafios que a temtica das regies metropolitanas apresenta no contexto brasileiro, considerando em particular sua relativa fragilidade institucional e de gesto e as dificuldades de financiar obras que possam colmatar suas carncias acentuadas de servios bsicos, infraestrutura urbana e habitao. O objetivo oferecer aos leitores um panorama geral da problemtica no Brasil que possa servir para um entendimento claro do contedo apresentado nos captulos seguintes, com o aprofundamento de temas especficos, e de suas implicaes na conformao de uma possvel agenda e encaminhamento da questo. Destaca o papel de protagonismo das regies metropolitanas no processo de estruturao territorial urbana do pas e a evoluo histrica que teve o tratamento do tema no mbito do poder pblico. Conclui apontando algumas possveis diretrizes de ao futura, em particular nos aspectos relativos a governo e financiamento metropolitanos.

Regies metropolitanas no Brasil: um paradoxo de desafios e oportunidadesUma das caractersticas mais marcantes do processo de urbanizao no Brasil a sua metropolizao. Esse processo se deu mediante um crescimento intenso das cidades durante o perodo de 1970 a 1990, polarizado por centros metropolitanos, conformando aglomerados urbanos que apresentam dinmicas que se estendem alm das fronteiras de uma autoridade local. Estas regies constituem sistemas com forte interdependncia funcional regional (econmica, social e poltico-administrativo)1 com mercados de trabalho e1

As aglomeraes urbanas concentram 50% da capacidade produtiva do pas e esto fortemente inter-relacionadas a outras aglomeraes nacionais e internacionais.

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servios envolvendo vrios municpios. Assumindo formas variadas, esses territrios locais em rede apresentam vantagens competitivas face economia globalizada (Krugman, 1996 e 97), mas tambm apresentam problemas caractersticos que afetam tanto as pequenas quanto as grandes cidades das reas metropolitanas. Em 1960, ano que inicia a dcada em que Brasil se torna um pas urbano, as regies metropolitanas detinham 21,4% da populao brasileira num total de 15 milhes. Em 1970 o valor cresceu para 25,3%, em 1980 para 28,9%, em 1991 alcanou os 29,2% num total de 42,7 milhes , e em 2000 correspondiam a aproximadamente 45% da populao (76 milhes de pessoas). Essa populao metropolitana possua, em 2000, uma renda agregada mensal de aproximadamente R$31 bilhes (61% da renda nacional)2 No mesmo perodo entre 1960 e 1970 a populao do pas teve um crescimento de 2,1 vezes (de 70 para 146,2 milhes de pessoas), enquanto nas regies metropolitanas esse valor alcanou 2,8. As regies metropolitanas que apresentaram no penltimo perodo censitrio (1991-1997) maior ritmo de crescimento anual foram as de Fortaleza, Salvador e Curitiba (acima de 3%), e, em todas trs, houve uma intensificao da concentrao nas periferias (3,04% ao ano na periferia contra 1,37% ao ano no polo). So Paulo e Rio de Janeiro, as duas maiores regies, acompanhadas de Recife, cresceram bem abaixo desses valores, respectivamente 1,85% ao ano para So Paulo e Recife, e 1,01% ao ano para o Rio. Em 1991 todas as regies metropolitanas brasileiras superaram a populao em um milho (Bremaeker, 2000). Nessas regies metropolitanas, que se constituem nos principais motores do desenvolvimento do pas,3 acumularam-se tambm os problemas. Na atualidade apresentam carncias acentuadas de servios bsicos e de infraestrutura urbana, elevados nveis de pobreza (50% da populao pobre do pas e 90% dos domiclios em favelas), problemas ambientais e de segurana. Nas 29 regies metropolitanas (30, se includa a Ride-DF) institudas por lei (num total de 463 municpios), 1 em cada 4 habitantes vive em condio de pobreza e 31% da populao enfrenta um servio deficiente de saneamento bsico (gua e esgoto). reas metropolitanas como So Paulo, com fortes caractersticas industriais, sofreram ainda um impacto direto da reestruturao da economia global dos anos 1990, e encaram a problemtica de grande2 3

Ribeiro, L. Agosto 2008. Le Monde Diplomatique Brasil.

No universo de 5.562 municpios brasilieros, 73% abrigam at 20 mil habitantes e apenas 10% concentram quase 80% da populao.

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concentrao de indstrias obsoletas, forando uma busca por alternativas econmicas de reestruturao da sua base produtiva. Esse processo de urbanizao intenso, que representou para o Brasil uma verdadeira revoluo econmica e populacional, foi acompanhado por um acmulo de desequilbrios fiscais, sociais e monetrios, culminando nos anos 1980 com a imploso do seu modelo de desenvolvimento. Entre 1980 a 2005, o pas estagnou economicamente. Perdeu-se uma gerao no Rio de Janeiro o crescimento do PIB foi de 0,27% ao ano, o de So Paulo foi de 1,5% ao ano. Ou seja, a populao cresceu, mas no gerou riqueza. As taxas de desemprego no perodo ficaram em torno de 12% ao ano. Durante esse perodo, presenciamos uma taxa de crescimento econmico maior nas regies metropolitanas que a taxa verificada no resto do pas (reforando a hiptese de que a espinha dorsal do crescimento do pas estava concentrada nas regies metropolitanas), na fase mais recente verificamos uma inflexo no papel das reas metropolitanas. Elas continuam a absorver uma parcela grande do acrscimo populacional, mas passam por estagnao econmica resultante de um processo de fraturas das cadeias produtivas, e tambm j no acompanham com a mesma intensidade a queda nos ndices de desigualdade verificados no pas. A dinmica econmica deixou de ser capaz de gerar oportunidades, com aumento do desemprego e precarizao das relaes de trabalho.Figura 1 Crescimento Anual mdio do PIB per capita (%)

4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 -0,5 -1 Brasil Metrpoles 1920-1980 1980-2005

Fonte: Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) Dados e tabulaes regies metropolitanas. Fonte: .

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Nos ltimos 10 anos, a desigualdade social no pas tem diminudo, mas continua sendo maior nas regies metropolitanas. Os municpios ricos e os mais pobres das regies metropolitanas esto separados por um sculo de desenvolvimento humano. Em uma mesma cidade, cruzando uma rua, possvel encontrar renda per capita 17 vezes superior, se ganham 13 anos de expectativa de vida, o analfabetismo decresce em 9% e se ganham 3 anos em mdia de escolaridade. Oito dcadas de diferena na qualidade de vida separam os bairros pobres dos menos pobres em municpios pobres. Muitas metrpoles j no tm capacidade de gerar riqueza, sendo muito dependentes das transferncias governamentais. No Rio de Janeiro, 29,3% da renda vm de aposentadorias e penses, o que pesa mais do que a renda proveniente das empresas. A pobreza e a indigncia caem lentamente.Desigualdade de renda ndice de Gini Brasil e RMs 1992 - 2006

Figura 2

0,61 0,6 0,59 0,58 0,57 0,56 Brasil BM

Fonte: Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) Dados e tabulaes de regies metropolitanas. Fonte: .

Apesar dos grandes desafios que representam, as regies metropolitanas brasileiras seguem constituindo um grande ativo para o desenvolvimento do pas concentram uma grande capacidade produtiva, que correspondia em 2005 a 58% do PIB nacional, 62% da capacidade tecnolgica e 80% das sedes das 500 maiores empresas do pas. Possuem tambm a maior capacidade de investimento pblico4 correspondendo a 70% da receita dos4 A grande maioria dos municpios brasileiros tem uma reduzida capacidade de tributao do territrio e fortemente dependente das transferncias intergovernamentais. Essa debilidade, comumente, acompanhada por uma fraqueza administrativa e institucional.

19 92 19 93 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06

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tributos municipais, a 46% das receitas/despesas totais municipais e a 42% dos investimentos municipais.

Tentativas de abordagem da problemtica metropolitanaAs primeiras tentativas de trabalho com o tema metropolitano no pas remontam aos anos 1960, e, embora j tenha sido prevista na Constituio de 1967, a constituio formal das regies metropolitanas se deu de forma autoritria e centralizada pelo regime militar por meio de uma lei federal em 1973.5 Durante o regime militar, as experincias de planejamento metropolitano foram amplamente apoiadas e promovidas pelo governo federal, contando com apoio financeiro para executar projetos de investimento nas reas de infraestrutura de transportes, habitao e saneamento. Entretanto, a crise dos anos 1980, que atinge tambm a capacidade de investimento do governo federal, somados recuperao da autonomia dos governos estaduais na transio para a democracia, esvazia essa iniciativa que foi responsvel pela consolidao de vrios rgos estaduais de planejamento metropolitano, alguns at hoje atuantes, possibilitando inclusive o acesso a fontes de financiamento exterior. A Constituio de 1988 delega definitivamente a competncia para a conformao e organizao das regies metropolitanas esfera estadual por meio das constituies estaduais, reforando simultaneamente a autonomia e o protagonismo dos governos municipais, fortalecendo sua base tributria e aumentando o volume das transferncias intergovernamentais, e elevando os municpios condio de entes federados. Ao transferir para os estados, de forma autoritria, a responsabilidade pelas regies metropolitanas, sem a alocao de recursos especficos, mais ainda, ampliando, num movimento contraditrio, os poderes tributrios dos municpios, se agudizaram as dificuldades de sustentao de um projeto metropolitano comandado e/ou coordenado pelos entes estaduais.6 Essa situao se agravou com o passar do tempo com o desaparecimento de fontes

5

A Lei Complementar Federal 14, de 08/06/1973 institui, de acordo com critrios uniformes, oito regies metropolitanas (So Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belm e Fortaleza), e a Lei Complementar 20, de 10/03/1974, institui a do Rio de Janeiro).

6 Um alto nvel de descentralizao fiscal, baseado na entrega de poderes tributrios aos governos muncipais, pode ser prejudicial a um projeto de financiamento metropolitano se a capacidade dos governos estaduais para articular esses recursos for fraca e se as disparidades de capacidade financeira dos governos locais for grande, aumentando as chances de conflito e de guerra fiscal.

xVi

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Figura 3

Mapa com as regies metropolitanas oficiais

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.

Vale do Ao Aracaju Baixada Santista Belm Belo Horizonte Braslia Campinas Carbonfera Curitiba Florianpolis

11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30.

Fortaleza Foz do Itaja Goinia Grande So Lus Grande Vitria Joo Pessoa Londrina Macap Macei Maring Natal Norte-Nordeste Catarinense Porto Alegre Recife Rio de Janeiro Salvador So Paulo Sudoeste do Maranho Tubaro Vale do Itaja

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cativas de financiamento, a privatizao de servios, a municipalizao de polticas sociais e o reforo das relaes diretas do governo federal com os municpios. Numa avaliao detalhada de 25 regies metropolitanas, Spink (2005) conclui que nenhuma dessas estruturas foi capaz de ultrapassar a funo de planejamento e articulao e avanar para a execuo efetiva. Graas ao cenrio favorvel dos anos 1990 de democratizao e crescente autonomia local, vrias regies metropolitanas vm ampliando suas obrigaes protagonizando aes de associativismo e cooperao intermunicipal e intergovernamental, buscando favorecer o desenvolvimento endgeno por meio de potencializar os ativos locais e mobilizar entes pblicos e privados para uma melhoria integrada da qualidade de vida, do entorno fsico e produtivo, a partir da identificao e execuo de projetos estratgicos estruturantes. Entretanto, essa experincia de cooperao intermunicipal e intergovernamental ainda muito incipiente em 59,4% dos municpios, concentrados exclusivamente na regio Sul e Sudeste, estas associaes correspondem a convnios concentrados e na rea de prestao de servios de sade. Nos setores de habitao e desenvolvimento urbano, o percentual muito inferior, alcanando somente 24,5%, e caindo para 17,9% no setor de transportes (IBGE, 2003). Apesar da sua importncia, essas estruturas de governana metropolitanas possuem uma institucionalidade precria e tm capacidade de investimento dbil. Recentemente, o governo brasileiro tem sinalizado com a retomada do tema metropolitano na agenda de poltica pblica. A prioridade dada pelo Programa de Acelerao de Crescimento (PAC) do governo Lula a 12 regies metropolitanas,7 a criao do Grupo de Trabalho Interfederativo (GTI), vinculado Secretaria de Relaes Institucionais da Presidncia da Repblica, com a atribuio de desenvolver propostas visando ao aperfeioamento da gesto de regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies, e mais recentemente a nfase do pacote habitacional com preponderncia para as reas metropolitanas, so sinais inequvocos da importncia dada questo pelo governo federal e o reconhecimento de que nelas esto as maiores concentraes de carncias. Com esta viso, o PAC estabeleceu uma meta de acrscimo da ordem de 27% nas infraestruturas de abastecimento de gua e 36,3% de esgoto, tomando como base os valores de atendimento no ano 2000.8 O investimento previsto do PAC no perodo de 2007 a 2010, no setor de saneamento e habita7

Belm, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, So Paulo, Campinas, Baixada Santista, Curitiba, Porto Alegre e Ride-DF. Censo IBGE 2000.

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xViii REGiES METRoPoLiTANAS No BRASiL

o, alcana 78 bilhes de reais, que somados a uma contrapartida estadual e municipal de 17 bilhes totalizar 96 bilhes de reais. A meta atender 7 milhes de famlias com abastecimento de gua, 7,3 milhes de famlias com esgotamento e 3,96 milhes de famlias no setor habitacional. O pacote habitacional prev ainda um aumento de 1 milho de habitaes em cidades com mais de 100 mil habitantes que esto em regies metropolitanas ou capitais.

Oportunidades e diretrizes de ao para as regies metropolitanasA tarefa de delegar funes e recursos a instituies relativamente fracas, por si s complexa, acompanhada de dificuldades na coordenao de diferentes jurisdies na prestao dos servios. A prestao dos servios em regies metropolitanas usualmente implica a utilizao de recursos e a operao de infraestruturas que ultrapassam as fronteiras de um municpio. Consequentemente, vrios governos locais devem articular suas aes, em alguns casos, entre diferentes nveis de jurisdio e de governo. A gesto metropolitana e sua governabilidade esto diretamente vinculadas a procedimentos participativos de tomada de decises das mltiplas partes interessadas. Do ponto de vista econmico, o bom governo das reas metropolitanas ganha importncia ainda maior em funo dos desafios que enfrenta, tais como adequada proviso de infraestrutura e servios urbanos visando aumentar a competitividade das empresas, entre outros. O processo de descentralizao no pas, consolidado a partir de fins dos anos 1980, resultou em redistribuio de funes entre diferentes nveis de governo. Mas a questo metropolitana continua sendo um problema em aberto, principalmente nos aspectos institucionais e de financiamento, o que tem contribudo para agravar as desigualdades socioespaciais e os desequilbrios regionais que se refletem igualmente nas diferentes capacidades econmicas, tributrias e administrativas. Um nmero cada vez maior de regies metropolitanas no Brasil assume novas responsabilidades sem que elas estejam formalmente estabelecidas como instncias de gesto. Fazem-no de modo informal, ou por meio de modelos institucionais diversos consrcios de cidades, fruns de desenvolvimento local, constituio de agncias de fomento ou desenvolvimento supramunicipais ou intermunicipais, contratos de cooperao com propsito especifico, cooperaes voluntrias etc. j que o marco atual do federalismo no reconhece uma entidade regional capaz de vincular os municpios horizontalmente e no

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permite acesso a fontes de financiamento de longo prazo. Em muitos casos, o ente estadual assume o papel de liderana ou de facilitador, mas a situao tende, ocasionalmente, a exacerbar a competio entre estados e municpios. A aprovao e regulamentao da lei de consrcios pblicos (Lei 11.107 de 6 de abril de 2005) representa um ponto de partida para o compartilhamento das solues e dos custos associados dentro de um quadro de segurana jurdica, permitindo avanar para uma situao de maior articulao e pactuao poltica (horizontal e vertical) entre entes federados na construo de uma ao compartilhada de mbito regional e intermunicipal, para a gesto consorciada e o financiamento de polticas pblicas. Antes da referida lei, os consrcios (de direito privado) estavam impossibilitados de prestar garantias e de assumir obrigaes em nome prprio, ou exercerem atividades de fiscalizao, regulao e implementao.9 Nesse contexto institucional, as regies metropolitanas enfrentam grandes desafios para resolver os problemas urbanos mais prementes que afligem seus municpios, compartilhando a busca de solues e promovendo seu desenvolvimento socioeconmico. A experincia com cidades demonstra, entretanto, que essas intervenes sero mais efetivas se tiverem um carter integral, combinando aes de carter multissetorial, de forma a oferecer solues mais completas aos problemas locais e regionais. O tratamento dos problemas metropolitanos no seu conjunto constitui uma estratgia de gesto pblica que melhora a eficincia do investimento e a soluo dos problemas, quando comparado a uma lgica estritamente setorial, ainda que operaes especficas possam ser setoriais. urgente consolidar a retomada da discusso metropolitana no Brasil, apoiada no desenvolvimento de uma nova cultura poltica e administrativa e de parceria e cooperao intergovernamental, com fontes definidas e estveis de financiamento e incentivos seletivos que estimulem a cooperao metropolitana.

Desafios correntes: principais problemas setoriais a ser tratados de forma multissetorial integrada.As regies metropolitanas so espaos de inovao e empreendedorismo, onde se concentram grande nmero de ativos, que em larga medida fi9

A lei ainda permite o consorciamento entre os vrios entes federados, inclusive entre os entes subnacionais e o governo federal, desde que a esfera estadual participe.

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cam comprometidos por um crescimento territorial desordenado. Nesses espaos, convergem desafios urbanos importantes referentes baixa qualidade de vida, pobreza, excluso social, altas taxas de desemprego, informalidade, desestruturao econmica, condies precrias de mobilidade, insegurana, ocupao irregular dos solos, deteriorao de fontes hdricas, saneamento deficiente e degradao ambiental, entre outros. Essas regies se deparam com dificuldades crescentes para induzir um padro de crescimento integral mais ordenado e sustentvel, que possa reduzir os desequilbrios caractersticos entre centro-periferia, impulsionar estratgias de descentralizao macroespacial das atividades econmicas e fortalecer polos sub-regionais. Estes constituem o desafio maior: estruturar e ordenar o prprio territrio de forma a integrar polticas setoriais.

Governana metropolitana e financiamento: arranjos institucionais e potencialidades difcil para as prefeituras enfrentar de forma individual problemas que ultrapassam seus limites territoriais e avanam sobre territrios vizinhos, ou seja, problemas de nvel metropolitano. No contexto atual, em que existe certo vazio de governabilidade das regies metropolitanas, produzir desenvolvimento sustentvel, nesse ambiente institucional de contornos indefinidos, parece ainda inalcanvel. Um dos principais desafios , portanto, a construo de um arranjo institucional adequado, que permita sustentar e operacionalizar uma agenda consistente que possa definir, executar e gerir aes pblicas em vrios horizontes temporais curto, mdio e longo prazo , definindo sua repartio fiscal e possibilitando a superao dos constrangimentos jurdicos, ultrapassando os arranjos de polticas tradicionais e evoluindo para modelos de acordos voluntrios flexveis e apoiados em uma gesto negociada por projetos e por consensos. Fundamental no perder de vista que demasiada flexibilidade, pragmatismo ou informalidade dos arranjos pode, a longo prazo, constituir uma debilidade considervel, na medida em que no logra sustentar um modelo de governana que possa perdurar para alm do contrato-programa consensuado, e essa ausncia de um mecanismo de gesto formal pode vir a apresentar um risco execuo e sustentabilidade de um projeto metropolitano.

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FinanciamentoNas regies metropolitanas, as grandes necessidades de investimentos pblicos e privados requerem uma ao orquestrada dos vrios atores, sob a forte liderana de um setor pblico que tenha uma viso estratgica de desenvolvimento regional, sendo um requisito importante para o envolvimento do setor privado no financiamento de projetos metropolitanos a confiana dos potenciais investidores com respeito estabilidade das regras aplicadas, em especial s que determinam as condies do retorno dos investimentos realizados. As condies seriam ainda mais atrativas ao financiamento de projetos metropolitanos pelo setor privado se estes estivessem ancorados num plano metropolitano apoiado por um compromisso de todos os municpios e ratificado pelo Poder Legislativo. necessrio tambm criar um ambiente favorvel para que estados e municpios cooperem no estudo, na busca de solues, no financiamento e na execuo de projetos que possam de fato resolver de maneira integrada problemas metropolitanos. A viabilidade de uma ao coordenada (horizontal e vertical) na execuo de projetos de interesse comum metropolitano depender em grande medida dos instrumentos financeiros disponibilizados. A introduo de um regime de contrapartidas federais ao aporte de recursos estaduais e municipais, inclusive o acesso a fontes de financiamento, vinculados ao plano metropolitano, poderia ser um incentivo eficaz de cooperao metropolitana. A organizao fiscal atual no facilita esse ambiente. A autonomia dos trs nveis de governo (Unio, estados e municpios) dificulta a cooperao, o exacerbamento de um municipalismo autrquico. E ainda o fato de no existir um ente no nvel metropolitano com existncia fiscal deixa a questo metropolitana unicamente na mo do ente estadual, obstruindo o enfrentamento da problemtica metropolitana. A estrutura fiscal dos municpios evidencia, a partir de 1993, o aprofundamento das relaes diretas da Unio com os municpios, com as transferncias dos estados limitadas quelas obrigatrias pela Constituio, enfraquecendo sua capacidade para coordenar polticas de interesse metropolitano. A carncia de recursos para a realizao de investimentos, as disparidades acentuadas na capacidade de financiamento, a falta de racionalizao das aes implementadas pelos vrios agentes em setores de infraestrutura e servios urbanos, nas quais h necessidade de investimento contnuo num mdio prazo de altos montantes, o decrscimo do gasto municipal nessas re-

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as entre 1998 e 2003, cedendo espao para os setores de educao e sade10 (que tm recursos assegurados constitucionalmente a cada exerccio fiscal) e para despesas com gastos correntes, um crescente engessamento e rigidez do oramento municipal,11 e a perda de capacidade fiscal dos municpios-ncleo das regies metropolitanas resultantes do baixo crescimento econmico, contribuem para agravar esse quadro. A composio das fontes de financiamento do investimento mostra tambm forte dependncia da poupana corrente e de recursos no assegurados em longo prazo e um reduzido nmero de municpios com acesso a crdito.12 Nas regies metropolitanas, onde h grandes assimetrias, mudanas na organizao fiscal poderiam ser capazes de dar conta das desigualdades na distribuio da riqueza e nas necessidades de investimento alocando os maiores recursos em que esto os maiores gastos e procurando redistribuir recursos entre municpios, de forma a instrumentar a cooperao financeira entre entes federativos, apoiando uma poltica de desenvolvimento regional. O condicionamento dos financiamentos de organismos e bancos a projetos metropolitanos integrados, ou o uso de incentivos seletivos, poderiam ser tambm instrumentos de grande envergadura para a promoo de um desenvolvimento mais equilibrado das regies metropolitanas brasileiras, dentro de uma atuao mais proativa de diferentes nveis de governo e de parceiros privados. Mudanas na atual estrutura de financiamento dependero em grande parte das restries impostas pela conjuntura econmica e estaro fortemente condicionadas realidade poltica. Enfrentar os desafios do financiamento e da governana metropolitana no Brasil uma rdua e complexa tarefa, que exige slido conhecimento multidisciplinar administrao pblica, urbanismo, direito, economia, entre outras disciplinas tanto terico como prtico. Este livro busca contribuir para enriquecer esse conhecimento, preenchendo uma lacuna e oferecendo uma viso multifacetada da problemtica por intermdio da exposio e da10

Dados do IBGE (despesas por funes) indicam uma diminuio de 10 pontos percentuais entre 1998 e 2002 no gasto com essas funes e uma reduo de 5% nos gastos com saneamento e habitao. Segundo Afonso e Biasoto Jr. (2006), o investimento pblico entre 1995 e 2003 caiu de 4,7% para 2,96% do PIB, sendo que a participao em infraestrutura caiu de 56,4%, em 1995, para 37,5%, em 2003. Na maioria das regies metropolitanas, mais de 70% dos gastos possuem forte inrcia. Das transferncias por partilha de receitas, 40% so vinculadas a sade e educao, ficando os demais servios dependentes dos tributos remanescentes. Segundo Sol Garson (2007), as receitas de operaes de crdito sustentam 14% do investimento dos municipos- ncleo de regies metropolitanas.

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reflexo de diversos autores que se dedicam matria e pertencem a prestigiadas instituies acadmicas e de governo brasileiras.

Subsdios para enfrentar os desafios de governana e financiamento metropolitanos no BrasilOs captulos deste livro pretendem aprofundar o debate apresentado na introduo sobre os modelos de governana existentes no Brasil, apontando para um perfil que oscila entre duas configuraes principais por associativismo de municpios ou atravs de uma ao de protagonismo de governos estaduais. Analisando como estes dois modelos possuem diferentes implicaes para a governana democrtica em termos de tomada de decises, prestao de contas e escolha de autoridades e para o financiamento fontes de recursos, endividamento etc., o livro contribui para o debate com aportes tericos, anlises de experincias internacionais e um olhar sobre a realidade social, econmica e espacial das reas metropolitanas brasileiras. Seu pblico-alvo so as autoridades de governo, nas trs esferas de poder federal, estadual e municipal , tomadores de deciso, tcnicos, estudiosos e acadmicos do setor. O objetivo principal oferecer subsdios para avanar com o debate e com o desenvolvimento de polticas pblicas para as metrpoles brasileiras, contribuindo para consolidar um arcabouo institucional mais adequado e um melhor equacionamento dos aspectos de financiamento. Tem como antecedentes as experincias do BID com cidades e regies metropolitanas na regio da Amrica Latina e Caribe, e em particular um trabalho de interao do BID no Brasil com os principais segmentos de governo e da academia envolvidos na temtica metropolitana na atualidade brasileira. Esse debate liderado pelo BID, que durou cerca de dois anos e implicou vrios eventos e encontros, explica em parte algum grau de convergncia dos autores sobre os encaminhamentos da questo metropolitana no Brasil. adotado aqui um enfoque multidisciplinar da temtica partindo de uma perspectiva setorial de planejamento e gesto territorial urbano-regional. Sendo assim esto excludas do livro analises econmicas ou de cincia poltica da questo metropolitana que extrapolem as dimenses requeridas para a abordagem especifica adotada. Apesar de tomar como foco o caso brasileiro, o livro inicia-se oferecendo um enquadramento da temtica na America Latina e Caribe. No primeiro capitulo, Governana de regies metropolitanas da Amrica Latina, Eduardo

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Rojas13 revisa alguns dos arranjos institucionais existentes de governana metropolitana na Amrica Latina e Caribe, de acordo com uma classificao de quatro tipos os modelos monista e dualista, a cooperao voluntria e os distritos para fins especiais. Mediante estudos de casos de cidades em grandes reas metropolitanas de pases da regio, como o Brasil, a Colmbia, o Chile, entre outras, revisa as estruturas de gesto existentes e destaca suas potencialidades e problemas, suas eficincias e deficincias. No captulo seguinte, Sol Garson, Luiz Csar Queiroz e Marcelo Gomes Ribeiro, com um trabalho essencialmente emprico, apoiados numa anlise substantiva de dados secundrios, traam um perfil socioeconmico e fiscal dos 15 grandes aglomerados urbanos metropolitanos (GEUBs) de modo a possibilitar uma melhor compreenso das estruturas mais adequadas de governana metropolitana no Brasil. Os dados centram-se especificamente no territrio brasileiro, oferecendo uma comparao entre as varias metrpoles do pas e revelando a existncia de grandes desigualdades intermunicipais, alem das inter-regionais. Toma como hiptese que diferenas socioeconmicas indicam tambm preferncias diversificadas quanto a prioridades e objetivos de polticas pblicas, e que, em casos extremos, podem vir a comprometer a definio de uma agenda comum para a cooperao metropolitana.14 O texto aponta ainda para as grandes diversidades e os desequilbrios intrametropolitanos e entre os GEUBs, que tambm podem vir a dificultar a cooperao, e chama a ateno para o fato de que, apesar de indiscutvel importncia e peso das regies metropolitanas, estas continuam sendo uma abstrao do ponto de vista da gesto urbana, sobretudo para as polticas que requerem uma abordagem a essa escala territorial, e que a composio da receita difere fortemente, com os municpios metropolitanos muito dependentes da arrecadao de ISS e ICMS, face ao elevado nvel de atividade econmica dos municpios, e destacam que as diferenas quanto dependncia de fontes tambm condicionam prioridades de gesto. Observa tambm que, como regra geral, quanto maior o municpio, menor a deficincia no atendimento dos servios urbanos, e que, em municpios de

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O tema das regioes metropolitanas na Amrica Latina e Caribe detalhado em outro livro do autor Gobernar las metropoles, BID, 2005.

14 Uma anlise detalhada dos municpios brasileiros de forma a possibilitar um desenho de polticas pblicas est em elaborao num outro trabalho com a participao do BID. Esse extenso trabalho, que se intitula Relatrio do estado das cidades no Brasil, dever estar concludo no inicio de 2011.

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porte mdio, com presena relativamente mais forte nas periferias metropolitanas, a base tributria fraca, salvo nos casos em que dispem de uma base industrial. Conclui destacando que, frente a figura apresentada, os desafios e necessidades no so iguais para os municpios metropolitanos, e portanto exigem tambm solues de governana adaptadas a cada contexto face s suas problemticas globais e setoriais o que dificultado, uma vez que o federalismo brasileiro no reconhece diferenas, estabelecendo as mesmas fontes de receitas e praticamente os mesmos encargos para todos. unanimidade entre os autores do livro que abordaram o tema da governana metropolitana o reconhecimento de que hoje, no Brasil, apesar do protagonismo e importncia desses territrios na estrutura urbana do pas, os arranjos de gesto e organizao e o financiamento das reas metropolitanas so frgeis. Todos os autores, entretanto, defendem a no existncia de um modelo nico timo de governana e apontam para possveis sadas aos impasses existentes, dentro da latitude de mudanas possveis, segundo as limitaes impostas pelo atual arranjo constitucional brasileiro. Entretanto, Fernando Rezende que desenvolve o tema em detalhe no captulo seguinte, intitulado Em busca de um novo modelo de financiamento metropolitano. Apesar de reconhecer a impossibilidade de encontrar um modelo de financiamento que se ajuste diversidade de situaes encontradas, Rezende identifica os aspectos mais relevantes a ser observados na construo do melhor arranjo, tomando como referncia algumas experincias internacionais (Madri, Milo, Montreal e Cidade do Mxico). Reiteradamente se faz referncia tambm s dificuldades que a rigidez e simetria fiscal e tributria brasileira constituem para o avano da questo metropolitana apresentadas. As disparidades regionais na capacidade de financiamento e a forte rigidez na composio dos gastos levam a um grande descasamento entre recursos e demandas no espao metropolitano. Rezende aprofunda esse debate, identificando as principais limitaes ao financiamento metropolitano (econmicas, institucionais, sociais e polticas) e prope solues. Sugere que uma boa capacidade financeira dos governos locais e a autonomia fiscal so desejveis, mas destaca que em casos extremos podem vir a comprometer um projeto metropolitano conjunto, em particular se as disparidades intermunicipais forem grandes, as possibilidades de conflito se ampliam. Por outro lado, argumenta, quando h um melhor equilbrio na repartio de recursos, com governos locais dotados de grande poder, a existncia de uma forte identidade local poder complicar a obteno de acordos para investimentos em torno de objetivos metropolitanos. Enfatiza ainda que

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em contextos de grandes desequilbrios regionais entre os municpios metropolitanos, como no Brasil, so requeridos mecanismos redistrubitivos que levem a uma maior equalizao da capacidade fiscal e propicie a cooperao. Rezende faz coro com outros autores deste livro, propondo que o governo federal lance mo de instrumentos para induzir a cooperao metropolitana e o fortalecimento do equilbrio e da capacidade financeira das regies de forma a permitir a implementao de um projeto comum por meio, por exemplo, do condicionamento ao acesso de crditos internos e externos controlados pelo Estado a programas e projetos metropolitanos. A esse respeito, afirma que o que falta no conhecimento, mas sim a formao de um compromisso poltico que d consistncia a um projeto metropolitano e que insira definitivamente o tema na agenda nacional. Reconhece ainda a crescente necessidade da busca de parcerias com o setor privado, medida que aumenta o hiato formado pelas limitaes e disponibilidades de financiamento e a crescente complexidade tcnica e custo das necessidades de investimento metropolitano. Destaca que nesta matria a importncia da qualidade institucional e a estabilidade de um marco regulatrio so fundamentais para permitir a formao e a manuteno dessas parcerias. Jeroen Klink, no quarto captulo, aprofunda o debate sobre os modelos de gesto existentes e o processo de construo de novas governanas. Depois de oferecer um breve arcabouo terico para o tema dos modelos de governana, analisa e classifica os arranjos institucionais existentes em regies metropolitanas brasileiras de maior dinamismo institucional (Grande ABC, Belo Horizonte, Recife e Curitiba), que variam entre o que chama um municipalismo regionalizado e um arranjo estadualizado. Dessa analise deduz que a o quadro institucional brasileiro complexo e diverso, e ultrapassa largamente a recorrente simplificao proposta pelo debate institucional dicotmico sobre o melhor arranjo que ope os consrcios aos modelos estadualizados. Ao olhar para essas regies, Jeroen encontra a presena de uma srie de mecanismos, imperfeitos e diferenciados, de governana colaborativa e de articulao setorial/territorial que resultaram de um processo poltico contnuo de negociao de conflitos entre escalas e atores e que no possuem contornos pr-definidos. Recomenda que essa pluralidade de arranjos institucionais para as regies metropolitanas existentes no Brasil deveria ser encarada como uma potencialidade, que devidamente impulsionada e aperfeioada num processo de repactuao federativa, alicerada em uma viso estratgica pactuada e apoiada em programas/projetos concretos, poderia

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adquirir uma conformao mais estvel e eficiente, com maior equidade e controle social, e daria substrato institucional a um programa nacional para as regies metropolitanas. Assim como outros autores deste livro, aponta para a necessidade de que o governo federal se fortalea como ator-chave na induo e mobilizao de uma agenda e de aes articuladas que fomentem a cooperao interfederativa no espao metropolitano e propiciem uma aprendizagem institucional entre os agentes. A respeito do tema do financiamento metropolitano, Jeroen sugere, por exemplo, que a Unio canalize recursos (internos e externos) em torno de programas e projetos de reconverso territorial e ordenamento metropolitano que possam funcionar para estimular a cooperao metropolitana entre os entes federados e que estejam articulados. No captulo seguinte, Andr Urani, com um olhar sobre a experincia americana e europeia, debrua-se sobre as mudanas no arcabouo institucional que permitiram nessas realidades um papel mais ativo do setor privado no enfrentamento da problemtica metropolitana, avanando com propostas especficas para o caso brasileiro. Destaca que a grande charada metropolitana se encontra em criar um arcabouo institucional capaz de gerar e gerir estratgias de desenvolvimento de longo prazo com ampla participao do setor privado em todas as etapas dos processos a serem engendrados. Essa nova governana dever ser capaz de focar simultaneamente a competitividade e a melhoria da qualidade de vida de um ponto de vista integral econmico, social, ambiental e poltico. Apresenta tambm a noo de governabilidade dos territrios metropolitanos no limitada somente a produo de bens e servios pblicos, mas sobretudo para a promoo do desenvolvimento e a capacidade de produzir polticas pblicas intersetoriais integradas capazes de equacionar solues para problemas multidimensionais. Paula Ravanelli, no captulo seguinte, depois de oferecer uma anlise das caractersticas do pacto federativo brasileiro, alicerado em grande autonomia municipal e uma descentralizao das polticas pblicas, apresentanos seu olhar sobre os desafios e as possibilidades da cooperao e coordenao federativa para a promoo de polticas pblicas de interesse comum nas regies metropolitanas. Trata ainda da ausncia de regulamentao de instrumentos de cooperao e do tema do consorciamento pblico. O estudo de Fernando Abrucio, Hironobu Sano e Cristina Toth Sydow, no stimo captulo do livro, detalha o tema dos mecanismos de articulao

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e consorciamento territorial entre as unidades da Federao, e tambm com a participao da sociedade civil e da iniciativa privada. Mediante um mapeamento das experincias de associativismo territorial no Brasil, oferece um olhar sobre as atuais tendncias e desafios, e procura entender os fatores que favoreceram ou dificultaram as parcerias. Por meio desse estudo, os autores argumentam que, apesar dos fortes empecilhos que ainda imperam cooperao consorciada, esta tendncia vem se fortalecendo, a partir dos anos 1990 com uma tomada de conscincia do governo da necessidade de maior coordenao federativa demonstrada pela adoo do conceito de sistema de polticas publicas, como estmulo articulao interfederativa, aplicados inicialmente s reas de sade e educao, e ampliadas posteriormente para a assistncia social e segurana pblica. Os autores chamam ateno para o fato de que apesar da autonomia municipal ter sido feita sem que muitas cidades no tivessem condies financeiras, institucionais e polticas para usufruir da nova condio, esta fomentou uma mentalidade autrquica em que a cooperao s aceita quando os custos da no cooperao so muito altos (i.e. bacias hidrogrficas). Do contrrio, a cooperao s acontece com muitos incentivos institucionais para produzir coordenao e colaborao. Assim como outros autores do livro, do particular destaque ao caso do Grande Consrcio do ABC paulista por sua importncia paradigmtica na construo do arcabouo legislativo dos consrcios pblicos, e tambm pela sua natureza multissetorial e metropolitana que inspirou outras regies brasileiras, mas destacam que os fatores presentes nesse caso dificilmente so encontrados em outros contextos metropolitanos brasileiros liderana poltica, capital social, identidade regional e projeto institucional. Ndia Somekh, no eplogo, enfatiza a necessidade de reorganizar as regies a partir de uma geografia das atividades produtivas e da necessidade de reterritorializao. Identifica a urgncia na conformao de novas estruturas institucionais capazes de inovar nos processos de planejamento territorial metropolitano com base em projetos urbanos e/ou metropolitanos, particularmente oportuno face ao grande desafio atual de organizao de dois grandes eventos desportivos com forte impacto e magnitude regional e nacional. Por ltimo, ancorado no caso do Grande ABC e referindo-se a algumas experincias internacionais, analisa as potencialidades do associativismo consorciado e da sua vinculao com o planejamento estratgico e projetos setoriais e/ou urbanos.

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No captulo conclusivo o livro retoma algumas das principais inquietudes dos autores e recapitula suas sugestes e recomendaes, no intuito de contribuir para a construo de uma agenda que possibilite a evoluo no encaminhamento da questo no Brasil. Estrutura-se procurando recolher as respostas dadas pelos autores s seguintes questes: Que modelo de governana metropolitana? Que recomendaes para o financiamento metropolitano? Qual o papel de cada um nesta empreitada? possvel falar de associativismo metropolitano? Termina por indicar possveis desdobramentos e evolues futuras do tema no Brasil. Espera-se que as diversas perspectivas apresentadas nos captulos deste livro possam oferecer ao leitor uma viso clara do vasto cenrio e dos desafios que representam a temtica hoje no Brasil, onde no existem solues fceis ou nicas. Procurou-se, entretanto, tambm oferecer um pouco de otimismo na medida em que se defende que as grandes oportunidades de enfrentamento ao desenvolvimento sustentvel do pas esto nas regies metropolitanas.

Referncias bibliogrficasBREMAEKER, F. Evoluo Demogrfica dos Municpios das Regies Metropolitanas Brasileiras, segundo base territorial de 1997. Rio de Janeiro: Ibam, 2000. GARSON, S. Regies Metropolitanas: obstculos institucionais cooperao em polticas urbanas, Tese de Doutorado, UFRJ, Rio de Janeiro, 2007. IBGE. Pesquisa de Informaes bsicas Municipais: perfil dos municpios: gesto pblica 2001, Rio de Janeiro, 2003. IBGE, Censo 2000; KRUGMAN, P. Geography and Trade, Leuven University Press e MIT Press, 1997. _________. Development, Geography and Economic Theory. Cambridge: The MIT Press, 1996. LOSADA, P. R. A Lei dos Consrcios Pblicos: uma estratgia de fortalecimento da federao brasileira para o desenvolvimento econmico e social do pas. Artigo apresentado no II Curso de Desenvolvimento Local e Regional da Associao Brasileira de Municpios, mimeo., 2006. ROJAS, E.; CUADRADO-ROURA, J. R.; FERNANDEz GELL, J. M. Gobernar las metropolis. Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2005. SPINK, Peter. The intermunicipal Consortia in Brazil: An institutional introduction, x Congresso del Clad sobre la Reforma del Estado y de la Administracin Pblica, Santiago, Chile, 18-21 out. 2005.

captulo i

governana de regies metropolitanas da amrica latina1

Eduardo Rojas

IntroduoA gesto metropolitana um tema de interesse universal, j que muitas cidades esto crescendo rapidamente e tornando-se reas metropolitanas. Em um mundo essencialmente urbano, as cidades de hoje desempenham um papel central na expanso das economias e no bem-estar das populaes. A concentrao de populaes e atividades econmicas nas cidades produziu um notvel progresso socioeconmico, j que a urbanizao vem sempre acompanhada de um aumento na renda per capita. Ademais, as economias crescem mais rapidamente em pases mais urbanizados, como resultado da maior produtividade de empresas e mo-de-obra. Da mesma forma, mais oportunidades de emprego, maior potencial de ganhos e maior acesso a servios propiciam s populaes urbanas condies de vida melhores do que aquelas de suas contrapartes rurais. As grandes reas metropolitanas requerem plataformas de infraestrutura e servios para a maioria das empresas que competem na economia global, bem como fontes de servios essenciais para uma melhor qualidade de vida dos habitantes. Uma oferta eficiente desses bens e servios requer uma boa gesto destas reas, o que representa um desafio para os governos. Este trabalho discutir questes ligadas eficincia da governana metropolitana, com nfase na Amrica Latina e no Caribe, doravante denominados Amrica Latina. No entanto, a discusso e as concluses tm maior abrangncia medida que podem ser aplicadas a reas metropolitanas em todo o mundo.1

Este texto foi originalmente preparado para ser apresentado no evento Urban Edge, organizado pela London School of Economics, em dezembro de 2008, em So Paulo.

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Urbanizao e desenvolvimento metropolitanoUma caracterstica marcante do desenvolvimento recente da Amrica Latina a urbanizao da populao e das atividades econmicas, bem como o surgimento de vrias cidades com caractersticas de reas metropolitanas. Em 2005, as cidades da regio concentravam 75% dos 523 milhes de habitantes e respondiam por mais de 50% do crescimento econmico. A composio do sistema de assentamentos urbanos mudou drasticamente nos ltimos 50 anos, com o surgimento de grandes cidades, cujos territrios se estendem alm das fronteiras jurisdicionais da autoridade local responsvel pela gesto da cidade original e cujos mercados de mo-de-obra e servios abrangem vrios municpios, frequentemente localizados em diferentes provncias/estados. Essas reas metropolitanas so muito importantes para o desenvolvimento econmico dos pases da Amrica Latina e possuem forte relao com outras aglomeraes nacionais e internacionais. Elas so importantes para o bem-estar de grandes populaes e tambm concentram a maior parte dos problemas sociais, como pobreza, excluso e violncia. A capacidade da instituio responsvel pela gesto das reas metropolitanas afeta a quantidade, a qualidade e a eficincia dos servios prestados e a distribuio de custos entre os beneficirios. As capacidades mais crticas incluem o fornecimento eficiente de energia, transportes, gua potvel e esgoto, disposio de lixo, alm de sade e educao. Ademais, a estrutura de governo existente impacta a ligao do cidado com seu governo, bem como a prestao de contas do governo aos seus cidados (Byrd e Slack, 2008).

Gesto da metrpole: questes de governana e opesO estudo da gesto metropolitana na Amrica Latina moldado pelo rpido e amplamente disseminado processo de descentralizao de funes do governo que vem ocorrendo na regio (BID, 1996; Daughter e Harper, 2007). Esse processo movido pelo objetivo de aumentar a competitividade e promover o crescimento da economia local. Para tanto, os governos nacionais tentam melhorar os servios e as infraestruturas, transferindo responsabilidades para nveis mais baixos de governo, os quais, segundo o princpio de subsidiariedade, so mais capazes de atender s necessidades das economias locais e de trabalhar com empresrios e organizaes da

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sociedade civil.2 Essas entidades incluem provncias, regies e municpios, alm de empresas de servios de utilidade pblica estaduais, municipais e privatizados.3 A despeito dos avanos no processo de descentralizao e na melhoria da governana local, a capacidade institucional, financeira e de coordenao desses governos subnacionais para enfrentar os desafios impostos pelas reas metropolitanas ainda insuficiente. As dificuldades de gesto metropolitana tm origem, na maioria das vezes, em estruturas obsoletas e ineficientes de relaes intergovernamentais que definem a atribuio de responsabilidades e o acesso aos recursos correspondentes entre diferentes nveis de governo. Em muitos casos, as responsabilidades atribudas aos nveis subnacionais de governo no so apoiadas por recursos suficientes (ou os incentivos para que governos locais gerem renda adequada so insuficientes), nem pelo desenvolvimento de capacidades institucionais efetivas na gesto da coisa pblica. Nas reas metropolitanas, o problema agravado pelas dificuldades para coordenar jurisdies diferentes na administrao de servios e outros insumos pblicos voltados para a promoo do desenvolvimento da aglomerao.4 governana poltica Dificuldades de governana poltica so comuns em reas metropolitanas, particularmente no que se refere participao dos habitantes nas decises que os afetam. medida que as atividades econmicas e as populaes penetram em territrios sob a jurisdio de vrias autoridades locais, ocorre um desalinhamento entre os territrios representados por autoridades eleitas e as reas afetadas por decises de investimento e prestao de servios. Geralmente, no h rgos eleitos para debater questes metropolitanas, o que cria a situao que Lefvre (2008) chama de falta de voz. A proliferao de arranjos de coordenao ad hoc e de instituies especiais criadas para en-

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O princpio da subsidiaridade sugere que a prestao efetiva de servios requer que as decises sejam tomadas pelo nvel de governo mais prximo do cidado (Barnett, 1997).

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Na Amrica Latina h mais de 100 estados e provncias (tambm conhecidos como departamentos ou regies) e mais de 14 mil municpios. Um exemplo o fornecimento de gua potvel, sistemas de esgoto e drenagem em reas metropolitanas, que requer infraestruturas em operao nos territrios que transcendem a jurisdio de um nico municpio, obrigando vrios governos locais a coordenar suas aes. Da mesma forma, a gesto do transporte pblico e as questes ambientais em bacias hidrogrficas e atmosfricas requerem a colaborao de diferentes jurisdies.

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frentar questes metropolitanas retira a capacidade decisria dos eleitores, o que, por sua vez, enfraquece a responsabilizao (accountability). capacidade institucional e arranjos de coordenao A capacidade institucional de governos locais e as diferentes estruturas empregadas para lidar com suas inter-relaes frequentemente so insuficientes para gerir a complexa gama de servios e infraestruturas de que necessitam as reas metropolitanas. Os arranjos de coordenao criados para prestar servios apresentam tanto potencial quanto problemas. No modelo monista de gesto metropolitana, um governo local presta todos os servios locais. Um exemplo desse modelo a constituio fragmentada de governos locais que, embora capazes de responder de forma mais efetiva s preferncias locais do que as instituies da esfera inferior, carecem de capacidade para lidar com as complexidades inerentes prestao de servios a metrpoles. Outro exemplo a estrutura centralizada de governo metropolitano, que dispe de capacidade institucional e de economias de escala significativas, mas enfrenta desafios para manter contato direto com os beneficirios e, portanto, tem capacidade limitada para atender a necessidades e preferncias diversificadas. A primeira estrutura pode ser encontrada na maioria das reas metropolitanas dos Estados Unidos, e exemplos bem-sucedidos da ltima podem ser vistos na Amrica Latina, como, por exemplo, no municpio de Bogot. No modelo dualista, frequentemente denominado modelo metropolitano (Lefvre, 2008), ou modelo supramunicipal (Klink, 2008), uma instituio de nvel superior, um governo regional ou uma autoridade metropolitana com jurisdio sobre uma vasta rea geogrfica coexiste com esferas inferiores de governo (municpios, cidades, aldeias, distritos municipais). O nvel supramunicipal presta servios com economias de escala e externalidades significativas em toda a regio, e as esferas inferiores continuam responsveis pelos servios locais. Um exemplo interessante do sistema dualista o caso da Greater London Authority, responsvel por questes pertinentes a transportes, gesto de lixo, polcia, proteo contra incndio, uso e planejamento da terra, qualidade do ar, biodiversidade, desenvolvimento econmico, cultura e turismo. As esferas inferiores de governo continuam a prestar os demais servios urbanos: educao, habitao, servios sociais, limpeza de ruas, coleta de lixo, manuteno de rodovias, planejamento local e a maioria dos servios relacionados a artes e lazer. Um caso no to bem-sucedido, que ser discutido mais adiante, o de Santiago do Chile.

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Os arranjos de cooperao voluntria, com uma estrutura menos formal para a gesto da coordenao necessria entre jurisdies em reas metropolitanas, tambm so comuns. Esses arranjos se constituem em rgos que cobrem toda a rea, formados voluntariamente por governos locais na aglomerao, sem status institucional permanente. Segundo Byrd e Slack (2008), arranjos de cooperao voluntria so atraentes por serem politicamente fceis de ser criados e desfeitos e por oferecerem aos governos locais alguma forma de representao em seus conselhos de administrao. Essas organizaes geralmente cobram contribuies dos municpios, mas h casos em que cobram impostos ou taxas de usurio, como pagamento pelos servios. Hermann, Horvh e Unguri (1999) discutem as diferentes formas que essas estruturas podem assumir, dentre as quais esto conferncias metropolitanas (Bolonha, Itlia), comunidades de comunas (Frana), autoridades intermunicipais conjuntas (Espanha e Blgica) e rgos pblicos ou entidades conjuntas (Pases Baixos). Esses modelos so capazes de prestar servios no territrio da aglomerao, mas enfrentam problemas de responsabilizao em virtude da multiplicidade de entidades envolvidas e da natureza voluntria de sua associao. Os distritos para fins especiais, outro modelo institucional comumente empregado em pases com governos locais fortes, so criados para prestar servios que transcendem as fronteiras municipais. Esses distritos, que Lefvre (2008) chama de autoridades intermunicipais monossetoriais conjuntas, prestam servios municipais semelhantes a diversos municpios ou administram servios regionais com externalidades significativas, tais como educao, sade e transportes. So eficientes no sentido de que abordam as necessidades especializadas do territrio onde ocorre a transcendncia; frequentemente contam com financiamento dedicado por meio de taxas de usurio, impostos e transferncias; e so capazes de envolver gesto profissional. No entanto, apresentam desvantagens, tais como aquelas destacadas por Byrd e Slack (2008): por serem entidades monossetoriais, no permitem facilmente compensaes entre despesas em diferentes servios; ao desvincular a responsabilidade pelo financiamento (por exemplo, por meio de impostos cobrados pelo municpio) e a prestao do servio pelo distrito especial, o modelo tem um impacto negativo na responsabilizao e, em ltima anlise, na eficincia; e a proliferao dos rgos de tomada de deciso e prestao de servios cria uma propagao da responsabilidade governamental na rea metropolitana.

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financiamento do desenvolvimento metropolitano O financiamento do desenvolvimento de reas metropolitanas apresenta muitas complexidades, uma vez que geralmente h opinies conflitantes sobre os tipos de atividades de governo que deveriam ser financiadas e sobre o nvel de governo que pode melhor desempenhar e financiar essas atividades. Impostos, taxas, transferncias e dbito podem ser usados em diferentes combinaes para fins de financiamento. A atribuio de uma fonte especfica a um servio metropolitano tem ngulos tcnicos e polticos. Impostos so adequados para financiar servios gerais (iluminao pblica, administrao local), enquanto taxas de usurio so mais bem empregadas para financiar servios de utilidade pblica (eletricidade, gua potvel, esgoto), ao passo que as transferncias apresentam melhor resultado no financiamento de servios com externalidades (sade, educao). Entretanto, outros fatores, como desigualdades de renda e segregao espacial de populaes de baixa renda em reas metropolitanas, podem forar o fornecimento de subsdios e outras transferncias intergovernamentais, a fim de assegurar nveis minimamente aceitveis de prestao de servios no territrio. Na ausncia de uma estrutura monista de governo ou de um distrito especial encarregado do fornecimento de uma determinada infraestrutura, o financiamento de grandes investimentos indivisveis requer arranjos de coordenao complexos, particularmente quando h a necessidade de emprstimos. o desafio da governana metropolitana As grandes cidades da Amrica Latina enfrentam uma tarefa complexa para desenvolver estruturas de governana eficientes e democrticas, capazes de promover o desenvolvimento econmico de suas reas metropolitanas e, ao mesmo tempo, oferecer os servios necessrios comunidade. Klink (2008) considera que a boa governana metropolitana envolve o estabelecimento de procedimentos participativos de tomada de deciso sobre bens coletivos, envolvendo os vrios interessados, alm de uma gesto eficiente de externalidades no territrio. Lefvre (2008) argumenta que a boa governana em reas metropolitanas sempre resultado de um processo poltico complexo, em que os cidados primeiro ganham voz; a seguir, representao e, gradualmente, desenvolvem capacidade institucional e fiscal para prestar servios e resolver problemas. A implementao bem-sucedida de modelos eficientes de governana metropolitana requer reformas coorde-

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nadas nas reas poltica, fiscal, institucional e financeira. Esses esforos exigem uma viso compartilhada de longo prazo e coragem poltica de todas as partes envolvidas. No h uma nica soluo para todos os casos, uma vez que estruturas jurdicas, histria institucional e tradies de governana variam entre pases, e cada rea metropolitana enfrenta desafios diferentes. Assim, o estudo de casos um ponto de partida relevante para identificar solues viveis. A Amrica Latina tem exemplos, com graus variados de sucesso, da maioria das formas de governana metropolitana mencionadas nesta seo: modelos monistas em Bogot; um modelo dualista em Santiago, um modelo de cooperao voluntria limitada na Regio do ABC em So Paulo, e rgos para fins especiais em Buenos Aires (Klink, 2008). Alguns modelos podem ser excessivamente centralizados, quer seja pelo domnio excessivo da cidade central (em Bogot), ou pelo domnio excessivo do governo central (no Chile). No entanto, a maioria das regies metropolitanas tem estruturas ruins (ou nenhuma estrutura) de governana, fragmentadas demais para uma prestao eficiente de servios.

Exploraes na prtica do governo metropolitano na Amrica LatinaMuitos governos latino-americanos, semelhantes a outros ao redor do mundo, adotaram medidas para enfrentar problemas metropolitanos. Klink (2008) documenta muitos esquemas de gesto metropolitana. Ainda assim, o que falta s metrpoles latino-americanas um processo adequadamente orquestrado (a la Lefvre), para o desenvolvimento de arranjos metropolitanos eficientes e sustentveis. As opes para estabelecer esquemas de gesto metropolitana viveis so limitadas pelos arranjos jurdicos dos pases. Em estados unitrios, como o Chile e a Colmbia, h uma presena excessiva do governo central nos assuntos locais. Nos estados federados, como o Brasil e o Mxico (que reconhecem a existncia de trs nveis distintos de governo: a unio federal, os estados e os municpios), ocasionalmente existem regras explcitas que probem a criao de nveis intermedirios de governo entre o estado e o municpio. Na Argentina, tambm um pas federado, a Constituio concede s provncias o direito de definir o regime municipal, o que leva proliferao de sistemas municipais, dentre os quais nenhum auxilia no estabelecimento de estruturas de governana metropolitana.

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O processo de construo de estruturas de gesto metropolitana provavelmente poder gerar solues subtimas, j que envolve negociaes entre atores sociais com diferentes interesses. aconselhvel que as experincias concretas sejam examinadas, para que se tenha ideia dos desafios envolvidos e sejam identificadas as oportunidades em situaes especficas. Para sugerir possveis cursos de ao, o restante deste trabalho examinar sucintamente experincias que se encaixam nos quatro tipos descritos e pertencentes a diferentes marcos jurdicos. Essas experincias envolvem as maiores reas metropolitanas da regio latino-americana, as megacidades de Buenos Aires, Cidade do Mxico e So Paulo, cuja gesto ocorre no contexto de estruturas de governos federados, e as grandes reas metropolitanas de Santiago e Bogot, cuja gesto se d no contexto de governos unitrios. modelos monistas: experincias bem-sucedidas em Bogot O modelo monista encontrado em Bogot provavelmente a experincia de gesto metropolitana mais bem-sucedida na Amrica Latina. A quase completa equivalncia entre os territrios da aglomerao metropolitana e aqueles sob a jurisdio do municpio tem, de longa data, facilitado uma boa estrutura de gesto metropolitana baseada na gesto municipal da maioria dos servios urbanos, e, por empresas municipais, dos servios de utilidade pblica. medida que as reas metropolitanas crescem, os arranjos de boa governana se tornam menos eficientes e requerem modificaes. O municpio de Bogot est encontrando dificuldades na coordenao do crescimento econmico e demogrfico, bem como na prestao de servios a um mercado de trabalho integrado, que hoje abrange outros oito municpios. Assim, para a gesto do territrio do rico vale de Sabana onde est localizada uma das maiores reas metropolitanas da Amrica Latina (com quase seis milhes de habitantes) , necessria a criao de um processo sistemtico de desenvolvimento de governana metropolitana. Considerando o peso econmico e demogrfico da rea metropolitana no pas, bem como da incidncia esmagadora da cidade central de Bogot na aglomerao, improvvel que o processo de governana metropolitana em desenvolvimento possa levar a uma estrutura de gesto metropolitana monista integrada. O mais provvel que as negociaes resultem no estabelecimento de arranjos de governana funcionais, que assumam responsabilidades por questes metropolitanas crticas. H discusses em andamento para estender a experincia bem-sucedida da Transmilenio S.A., a empresa pblica

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municipal que fornece transporte pblico rea metropolitana em Bogot. Essa experincia poder ser reaplicada na prestao de servios de sade e educao, em que a demanda da rea metropolitana est tributando servios no municpio de Bogot. arranjos dualistas complexos: a experincia de santiago Arranjos dualistas podem lidar mais facilmente com o problema da expanso territorial, tornando o territrio jurisdicional da esfera superior de governo suficientemente grande para abranger toda a rea metropolitana. No entanto, uma atribuio eficiente de responsabilidades e recursos entre as diferentes esferas de governo tambm necessria, conforme mostra a experincia de Santiago. O governo regional (o segundo nvel) financia investimentos de servios de responsabilidade municipal e coordena a ao nas reas metropolitanas dos ministrios setoriais, mas carece de autoridade em questes metropolitanas crticas, tais como gua e esgoto, que so gerenciadas por servios privados de utilidade pblica, regulados pelo governo central; transportes, controlados pelo Ministrio dos Transportes; a rede viria estrutural, sob a responsabilidade do Ministrio de Obras Pblicas; e gesto ambiental, a cargo de uma comisso interministerial. Os governos municipais em Santiago (42 deles na rea metropolitana) so responsveis pelo uso e planejamento do solo, remoo de resduos slidos, educao e assistncia mdica primria. Esse caso demonstra as dificuldades para definir a atribuio correta de responsabilidades entre diferentes nveis de governo com jurisdio sobre o mesmo territrio. Entretanto, h avanos em vrias frentes. Os municpios assinaram acordos de associao voluntria para a gesto conjunta dos servios de remoo de resduos slidos. O Plano de Despoluio Ambiental para a rea metropolitana outro mecanismo de coordenao criado que une instituies do governo central, regional e local na implementao, de forma coordenada, de intervenes pblicas para reduzir a poluio do ar na rea metropolitana. A Transantiago, sistema de transportes pblicos recentemente estabelecido, operada por uma parceria pblico-privada (o Operador Tcnico), com jurisdio sobre o sistema que serve maior parte da rea metropolitana e distribui pagamentos entre provedores privados que competiram pelo mercado em uma licitao internacional. No entanto, nessa metrpole em crescimento acelerado, mais mecanismos institucionais efetivos so necessrios para coordenar o planejamento do uso do solo com investimentos em infraestrutura

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e prestao de servios, tais como conselhos de planejamento conjuntos e a redistribuio de responsabilidades entre os governos municipais e regionais, bem como a transferncia de responsabilidades de entidades do governo central para governos regionais e locais. Em vista das tradies de governo altamente centralizadas do Chile, provvel que isso venha a constituir um processo complexo e polmico. arranjos funcionais de governana metropolitana: a experincia da grande Buenos aires A Regio Metropolitana de Buenos Aires (RMBA), como outras megacidades discutidas aqui, no tem existncia como rgo poltico e administrativo. De uma forma imprecisa, poderia ser definida como a rea de mercado econmico includa no territrio da Cidade Autnoma de Buenos Aires e seus 32 municpios adjacentes, com 3 e 9 milhes de habitantes, respectivamente. Na virada do sculo, essa rea urbana complexa gerava aproximadamente 52% do PIB da Argentina e concentrava 32% de sua populao. A governana dessa rea resultado de um conjunto de interaes complexas entre vrios atores, que incluem 32 governos locais (com autonomia relativamente limitada sob um estatuto definido pela esfera superior de governo, o governo da provncia de Buenos Aires), a Cidade Autnoma federada de Buenos Aires (com status e estrutura de um governo provincial) e as instituies do governo central, com jurisdio sobre questes metropolitanas que se sobrepem aos dois governos provinciais. As autoridades centrais e locais responsveis pela prestao de servios na rea metropolitana, que carecem de mecanismos formais de coordenao nos estatutos do governo subnacional, recorreram a arranjos de cooperao voluntria, formalizados sob diferentes formatos institucionais permitidos pela legislao: a Empresa do Mercado Central, empresa pblica para operar os mercados alimentcios atacadistas; o Acordo de Coordenao Ecolgica (CEASME), uma entidade tripartite (federal, provincial e municipal) para regular o fornecimento de gua e a disposio de esgoto; e o Comit da Bacia de Matanza-Riachuelo, um comit federal-provincial-municipal para executar e manter obras de drenagem em bacias de rios, administrar a disposio de lixo e coordenar polticas ambientais. Obter uma coordenao metropolitana mais forte na Argentina difcil, por causa da autonomia dos governos federal e provincial e da dependncia dos recursos e responsabilidades transferidos pelas provncias aos municpios.

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As ricas experincias de arranjos de coordenao especficos de setores e reas fornecem a base para mecanismos mais integrados de gesto metropolitana. Os exemplos incluem oportunidades para estabelecer um comit de parques (com a participao dos governos nacional, provincial e municipal), desenvolver e administrar parques para servir toda a rea metropolitana, aproveitando as vastas terras do governo no utilizadas ou subutilizadas na rea metropolitana; e criar um fundo de transferncia compartilhado, sob gesto provincial e municipal, para promover o planejamento e o desenvolvimento conjuntos do uso da terra entre municpios, em conformidade com os objetivos e padres de desenvolvimento no nvel metropolitano. Esses instrumentos metropolitanos de gesto conjunta podem ser estabelecidos em curto prazo e com boas chances de sucesso no cenrio poltico altamente fragmentado da Argentina. As experincias podem oferecer um insight no que se refere a formas viveis para estabelecer os complexos mecanismos de coordenao necessrios para a gesto de transportes pblicos metropolitanos e distribuio e tratamento de gua. coordenao fragmentada: a experincia de so paulo A regio metropolitana de So Paulo, que inclui a cidade de So Paulo e 38 municpios adjacentes, tem um total de aproximadamente 18 milhes de habitantes e gera mais de 1/3 do PIB e metade da produo industrial do Brasil. A regio carece de um sistema integrado de governana metropolitana. Os municpios so individualmente responsveis pelo planejamento e desenvolvimento do uso do solo e pela prestao da maioria dos servios urbanos (habitao, sade, educao), sem mecanismos de coordenao no nvel metropolitano, enquanto a prestao de servios metropolitanos cruciais gua, esgoto e transporte pblico est nas mos de empresas geridas pelo governo estadual, no coordenadas aos municpios. A natureza compartimentalizada e competitiva da federao brasileira impede o desenvolvimento de mecanismos para uma tomada de deciso compartilhada e permite competitividade acirrada entre governos municipais e estaduais na atrao de investimento privado. O sistema de relaes intergovernamentais impe restries oramentrias rgidas e promove a responsabilidade fiscal para estados e municpios, mas tambm prejudica a construo social de redes de polticas horizontais e verticais destinadas governana metropolitana. A cooperao voluntria entre municpios possvel em conformidade com a legislao, que permite a criao de associaes de municpios. Hoje, algumas entida-

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des de coordenao no nvel estadual, existentes desde o final da dcada de 1960, ainda esto em funcionamento, embora no haja nenhuma na regio metropolitana de So Paulo.5 Em So Paulo, h exemplos significativos de coordenao intermunicipal, que incluem o Programa de Gesto da Bacia Hidrogrfica do Guarapiranga para coordenar a proteo ambiental; a gesto de uso do solo e a gesto da gua no aqufero que reabastece a rea da regio de So Paulo, com o envolvimento de vrios municpios e rgos estaduais; e a Cmara do ABC, um conselho pblico-privado, cujo objetivo abrir as discusses de questes regionais entre a comunidade local, empresas, sindicatos de trabalhadores e os governos estaduais e locais no territrio dos municpios de Santo Andr, So Bento e So Caetano. Desde 1997, mais de 20 acordos de desenvolvimento econmico, social e territorial foram assinados entre os municpios, o estado e o setor privado nessa regio, incluindo a criao da Agncia de Desenvolvimento Regional para estimular e articular uma estratgia participativa de apoio recuperao econmica da regio (Klink, 2008). A regio metropolitana de So Paulo necessita de instituies para coordenar o planejamento e o desenvolvimento do uso do solo, o transporte pblico metropolitano e a proteo ambiental. O esmagador peso demogrfico, econmico e poltico da cidade central (o municpio de So Paulo abriga 11 dos 18 milhes de habitantes da regio) impe um obstculo significativo. Os polticos e gestores municipais de So Paulo veem pouca utilidade em buscar coordenao nas decises sobre investimentos e servios que eles, provavelmente, tero que financiar majoritariamente. Intervenes no nvel estadual tambm so de difcil implementao, em vista do peso poltico da estrutura municipal de So Paulo na poltica do estado. Esse impasse durou o suficiente, sendo necessrias solues para coordenar o transporte pblico em uma rea metropolitana, onde os trabalhadores gastam quase quatro horas diariamente nas deslocaes de casa para o trabalho e de volta para casa. A criao de uma agncia pblica metropolitana de transportes, de propriedade do municpio de So Paulo, do governo do estado e dos municpios da regio, operada por uma equipe de gesto profissional, constitui uma alternativa vivel a um conselho municipal ou a uma instituio supramunicipal para operar servios e investimentos metropolitanos, soluo que poder no ser aceitvel para a autoridade local da cidade central.5

So exemplos a Coordenao da Regio Metropolitana de Curitiba (COMEC) no estado do Paran e o Conselho de Desenvolvimento Regional (CONDER) no estado da Bahia.

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uma metrpole em busca de estrutura de governo: a experincia da cidade do mxico A zona metropolitana do Vale do Mxico uma das maiores metrpoles do mundo e impe complexos desafios de gesto, resultantes de suas dimenses geogrficas, demogrficas e econmicas, bem como da multiplicidade de entidades governamentais envolvidas em sua gesto. O territrio da aglomerao abrange 16 divises no Distrito Federal da Cidade do Mxico (DF), 58 municpios no Estado do Mxico e o municpio de Tizayuca, no estado de Hidalgo.6 A rea metropolitana abriga a maior concentrao de atividade econmica do pas, que gera mais de 1/3 do PIB do Mxico.7 No Mxico, a Constituio probe explicitamente a formao de um nvel intermedirio de governo entre os municpios e os estados, impedindo, assim, a estruturao jurdica das mais de 100 reas metropolitanas existentes no pas. Na Cidade do Mxico, as disputas polticas agravam as restries jurdicas, uma vez que os diferentes nveis de governo com jurisdio sobre o territrio ocupado pela zona metropolitana do Vale do Mxico, geralmente, esto sob o controle de partidos polticos diferentes. O financiamento de investimentos metropolitanos e a prestao de servios constituem uma questo contenciosa. Em um debate com forte carga poltica, o Estado do Mxico argumenta que o Distrito Federal explora muitos recursos do Estado, sem compensao apropriada, e o Distrito Federal sustenta que aqueles que vm do Estado do Mxico trabalham e consomem servios na capital, sem contribuir financeiramente.8 Alm disso, o governo federal, um importante financiador de projetos metropolitanos (por exemplo, o metr), recentemente reduziu seu envolvimento na rea metropoli-

6 A rea metropolitana cresceu de 9 milhes de habitantes em 1970 para quase 18 milhes em 2000, e aumentou de 2.127 km2 em 1970 para 4.902 km2 em 1995. A maior parte desse aumento ocorreu no Estado do Mxico, cujos municpios metropolitanos testemunharam um crescimento demogrfico de 320% de 1970 a 2000. Em contraste, a populao do Distrito Federal aumentou apenas 35% no mesmo perodo de 30 anos. No momento, mais de metade da populao vive no Estado do Mxico (Iracheta, 2002). 7

Nos ltimos 20 anos, em mdia, o Distrito Federal gerou 23% do PIB do pas, seguido pelo Estado do Mxico, com 10%. A maior parte da gua consumida no Distrito Federal vem do Estado do Mxico. No setor de transportes, h uma diferena notvel na qualidade dos servios e infraestrutura, que favorece o Distrito Federal. Em termos da disposio de resduos slidos, o Estado do Mxico produz menos lixo do que o Distrito Federal, mas recebe a maior parte do lixo do Distrito Federal (Iracheta, 2002).

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tana, arrastado pelas necessidades de outras regies e compelido por problemas financeiros. Essas restries jurdicas, polticas e financeiras impediram a formulao de polticas coordenadas de desenvolvimento urbano na maioria das reas nas quais o Distrito Federal e o Estado do Mxico interagem, tais como fornecimento de gua, transportes e disposio de resduos slidos. As tentativas de estabelecer mecanismos de coordenao no nvel metropolitano so sistematicamente proteladas, devido ao fraco apoio poltico das autoridades eleitas. Este o caso do Programa de Planejamento do Desenvolvimento da rea metropolitana do Vale do Mxico, concebido em 1998 pela Comisso Metropolitana de Assentamentos Humanos, um esforo conjunto dos governos do Distrito Federal, do Estado do Mxico e da Secretaria de Desenvolvimento Social do Governo Federal. O programa apresenta propostas de longo alcance para o crescimento urbano no vale e aborda algumas das preocupaes mais prementes, tais como a congesto do trfego e a degradao ambiental. O programa no foi implementado, por falta de mecanismos de coordenao institucionais. Esses problemas tambm impediram a expanso do metr para alm do territrio do Distrito Federal e outros municpios metropolitanos. Tambm h sucessos parciais, como o programa de despoluio, que tem conseguido manter os nveis de poluio do ar inalterados nos ltimos anos, apesar do crescimento da rea metropolitana. Esse progresso ocorreu aps um esforo sustentado para coordenar as aes de entidades municipais, estaduais e federais movidas por um senso de urgncia impelido pelos altos nveis de poluio sob os quais a populao urbana estava vivendo.

Sugestes para a criao de estruturas de gesto metropolitana na Amrica LatinaApesar da importncia da boa governana de reas metropolitanas para a economia e o bem-estar de grandes parcelas da populao, a maioria dos governos centrais e estaduais na Amrica Latina reluta em criar arranjos metropolitanos monistas ou supramunicipais. Os governos preferem estruturas dualistas e de cooperao voluntria quando voltados para a melhoria da gesto metropolitana. Ironicamente, se a necessidade de melhor gesto resulta da importncia econmica e poltica de reas metropolitanas, esse mesmo significado econmico e poltico que impede as esferas superiores

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de governo de criar arranjos supramunicipais monistas.9 Arranjos dualistas existem na regio, mas necessitam de melhorias para atender s condies de boa governana discutidas aqui, tais como responsabilidades claramente definidas para cada esfera de governo envolvida na rea metropolitana; recursos suficientes (financeiros, organizacionais, fora de trabalho) para cada uma delas, para que se desincumbam de suas responsabilidades em nveis socialmente aceitveis de desempenho; e mais voz e capacidade de superviso para os interessados no processo de tomada de deciso sobre questes e gastos metropolitanos. Essas condies so de difcil obteno no mbito das estruturas locais de governo altamente fragmentadas e competitivas, herdadas pelas metrpoles latino-americanas. O exame de casos indica que a melhor opo em longo e mdio prazos a criao de arranjos funcionais de governana metropolitana com a participao de todas as esferas de governo (local, estadual e central). Isso requer estruturas de governana que compensem o domnio econmico, demogrfico e fiscal dos municpios centrais, permitindo-lhes, ao mesmo tempo, influir suficientemente para no os afastar da participao. Arranjos de governana com poder de voto baseados em aes qualificadas podem funcionar e tambm ser usados para criar empresas pblicas, comisses ou comits para operar infraestruturas e servios cruciais para gua e esgoto, sade, educao, transportes, gesto do uso do solo, proteo ambiental e habitao a custos acessveis. Essas estruturas deveriam permitir o envolvimento total de interessados na tomada de deciso e, ainda, como arranjos setoriais, deveriam impedir a concentrao do poder fiscal e decisrio inerente a uma entidade supranacional monista. A construo de uma estrutura de gesto metropolitana to pulverizada, e ainda assim capaz, requer um bom nvel de consenso poltico entre as instituies municipais, estaduais e federais envolvidas na gesto metropolitana, bem como a colaborao do setor privado com interesses no desenvolvimento da rea em longo prazo. Esse consenso entre instituies do governo e a disposio do setor privado para contribuir podem ser obtidos de forma mais positiva quando a instituio que desenvolve o processo conta com a ampla participao de todos os interessados. Para apoiar a tomada de deciso no nvel metropolitano essencial que polticas e programas possuam boa capacidade de anlise de dados. Se-

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Os gestores dessas reas poderosas, do ponto de vista econmico e demogrfico, podem facilmente competir com autoridades nacionais ou federais eleitas, no controle de governos de nvel mais elevado.

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gundo Byrd e Slack (2008), estes dados so necessrios para analisar e discutir as relaes entre cidades centrais e subrbios, entre o setor pblico e o privado em diferentes cidades, e entre os ricos e pobres das regies metropolitanas. Especificamente, dados desta natureza possibilitam avaliar o desempenho dos mecanismos de coordenao voluntria e fornecem evidncias slidas para a promoo de melhorias. Esses dados possibilitam avaliar se as estruturas de associao voluntria representam um processo incremental de aprendizagem, na direo de uma melhor coordenao metropolitana, por meio de instituies formais de governana e mecanismos eficientes de coordenao intermunicipal que facilitem a acessibilidade, a responsabilizao e a transparncia.

Referncias bibliogrficasBARNETT, Richard. Subsidiarity, enabling government and local governance. In: HOBSON, Paul A. R.; ST-HILAIRE, France (eds.). Urban governance and finance: a case of who does what. Montreal: Instituto de Pesquisa em Poltica Pblica, 1997. BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Latin America after a decade of reforms. In: Progresso Econmico e Social na Amrica Latina, relatrio de 1997. Washington, DC: IDB, 1996. BYRD, Richard; SLACK, Enid. Fiscal aspects of metropolitan governance. In: ROJAS, Eduardo; CUADRADO-ROURA, Juan R.; GELL, Jos Miguel Fernndez (eds.). Governing the metropolis: principles and cases. Washington, DC: IDB/DRCLAS-Universidade Harvard, 2