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2 | Luiz Gonzaga Pinheiro

Solicite nosso catálogo completo, com mais de 300 títulos, onde você en‑contra as melhores opções do bom livro espírita: literatura infantojuvenil, contos, obras biográficas e de autoajuda, mensagens espirituais, romances palpitantes, estudos doutrinários, obras básicas de Allan Kardec, e mais os esclarecedores cursos e estudos para aplicação no centro espírita – iniciação, mediunidade, reuniões mediúnicas, oratória, desobsessão, fluidos e passes.

E caso não encontre os nossos livros na livraria de sua preferência, solicite o endereço de nosso distribuidor mais próximo de você.

Edição e distribuição

Editora EMECaixa Postal 1820 – CEP 13360 ‑000 – Capivari – SP

Telefones: (19) 3491 ‑7000/3491 ‑[email protected] – www.editoraeme.com.br

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Luiz GonzaGa Pinheiro

Capivari-SP– 2013 –

BerCoS´VazioS

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Ficha catalográfica elaborada na editora

Pinheiro, Luiz Gonzaga, 1948 Berços vazios / Luiz Gonzaga Pinheiro. – 1ª ed. dez. 2013 – Capivari, SP : Editora EME. 264 p.

ISBN 978‑85‑66805‑22‑2

1. Espiritismo. 2. Reunião mediúnica. Desobsessão.3. Aborto delituoso. Reencarnação. 4. Desdobramento. DoutrinaçãoI. TÍTULO.

CDD 133.9

© 2013 Luiz Gonzaga Pinheiro

Os direitos autorais desta obra são de exclusividade do autor.

A Editora EME mantém o Centro Espírita “Mensagem de Esperança”, colabora na manutenção da Comunidade Psicossomática Nova Consciência (clínica masculina para tratamento da dependência química), e patrocina, junto com outras empresas, a Central de Educação e Atendimento da Criança (Casa da Criança), em Capivari-SP.

CAPA | André StenicoDIAGRAMAÇÃO | Marco Melo e Victor Augusto BenattiREvISÃO | Maria Izabel Braghero de Camargo

1ª edição – dezembro/2013 – 4.000 exemplares

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Sumário

Introdução ................................................................................ 7Um pedido de socorro .......................................................... 11Separando os xifópagos ....................................................... 25Cansados de guerra .............................................................. 33Ideoplastia .............................................................................. 41Algo difícil de corromper ..................................................... 53Incursões ao passado ............................................................ 69A fadiga na luta ..................................................................... 79Possessão ................................................................................ 95O resgate de Felipe .............................................................. 109Estação do amor .................................................................. 121Recaídas ................................................................................ 137A outra frente de batalha ................................................... 145Trocando correspondência ................................................ 151Tecnologia ............................................................................ 157O vale da culpa .................................................................... 165Inferno sob a casa ................................................................ 173Um dia de pesca .................................................................. 183Buraco de minhoca ............................................................. 197

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Modelações .......................................................................... 207A fresta .................................................................................. 217Os loucos .............................................................................. 235Conclusão ............................................................................. 245ApêndiceApelos do bem ..................................................................... 247Vida e morte ......................................................................... 259

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inTroDuÇÃo

Madre Teresa de CalCuTá, disCursando em Washington cer‑ta vez, iniciou sua argumentação em defesa da vida, atitu‑de que manteve durante toda sua existência na carne, com a seguinte frase: eu sinto que o grande destruidor da paz hoje é o aborto, porque é uma guerra contra a criança, uma matança direta de crianças inocentes, assassinadas pelas próprias mães.

Na verdade estamos empanturrados de teoria. Todos sa‑bem que o primeiro e mais importante direito natural do ser humano é o direito de viver; os mais lúcidos estão convictos de que o espírito que pretende reencarnar neste mundo se liga ao zigoto no momento da concepção; isso faz do aborto, em qualquer fase da gestação, um crime, pois o impede de cum‑prir as provações ou expiações pelas quais haveria de passar.

No campo social, muitos tentam legalizar este tipo de delito, mencionando falsas vantagens para a mulher ou para a sociedade, induzindo incautos à sua prática, sem se darem conta de que quem semeia a morte nada pode colher além dela.

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Segundo estatísticas divulgadas pela internet aproxi‑madamente um milhão de abortos provocados são pratica‑dos por ano no Brasil. Cada um desses crimes gera conse‑quências proporcionais à participação dos envolvidos. São profissionais da saúde que juraram defender a vida; mães que prometeram cuidar do filho superando qualquer sacri‑fício; pais que deveriam educá‑los e encaminhá‑los ao bem, que se candidatam a futuros resgates dolorosos.

Não falamos aqui dos casos que, realmente, põem em risco a vida da mãe quando a gestação segue seu curso, mas da vida, maior investimento de Deus na criação. Não sabe‑mos criá-la, portanto, não temos o direito de eliminá-la.

Mesmo os anencéfalos podem viver por meses, como ocorreu com Marcela, a menina que percebia claramente a aproximação da mãe e com ela interagia, permanecendo encarnada por mais de um ano, distribuindo alegrias para toda sua família.

O que a ciência precisa saber e enfatizar é que por trás de toda especulação engendrada contra um feto existe um espírito ali encarnado que cumpre uma prova ou uma ex‑piação. Certamente há casos de natimortos em que não há espírito ligado ao corpo, mas mesmo nesses casos, impos‑síveis de serem confirmados no estágio científico em que nos encontramos, a vida deve ser preservada até que ve‑nha a se extinguir naturalmente.

Esta obra narra a história de uma família de codinome Cavalcante, encarnada no Brasil, hoje perseguida por uma falange de abortados que se uniu a “justiceiros” para levá‑-la à ruína e à morte.

Eveline, Laurindo e Laura, que no passado foram, res‑pectivamente, médico aborteiro, auxiliar de enfermagem e vampiro desencarnado, todos envolvidos e responsáveis

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pelo drama que infelicitou centenas de espíritos, retorna‑ram ao plano carnal como mãe, pai, e filha, em uma mesma família perseguida pelas antigas vítimas.

Laurindo, ex‑auxiliar de enfermagem que colaborava na prática abortiva, hoje é espírita, doutrinador e vibran‑te incentivador da “valorização da vida”, promovendo palestras contra o aborto em escolas, empresas, associa‑ções de bairros, centros espíritas e em qualquer local onde seja convidado.

Traz na consciência, vivo apelo gerado pelo compro‑misso firmado com seus guias espirituais para amparar os pequeninos, esclarecer pessoas quanto à preservação da vida, alertar casais desconhecedores desse grave atentado contra a vida, ou seja, da cruciante responsabilidade que assumem quando praticam o aborto.

Eveline, o ex‑médico, deveria desde jovem educar sua mediunidade para, através dela, iniciar o resgate dos espí‑ritos enlouquecidos pelo ódio, bem como auxiliar o marido em sua tarefa de esclarecimento aos encarnados.

A filha, Laura, traz complicações na área imunológica em virtude da prática vampiresca na qual agia em consór‑cio com os antigos comparsas, hoje pais.

Doutor Bezerra de Menezes, com sua bondade e paciên-cia, os acolheu e auxiliou no difícil combate entre as forças da morte e a beleza da vida.

Boa leitura e profunda meditação sobre a vida, essa fonte de poesia e de paixão.

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um PeDiDo De SoCorro

no ano de 2007 fui Convidado para fazer algumas palestras em outra cidade, ocasião em que meu anfitrião me confes‑sou estar sendo vítima de uma perseguição, da parte de um espírito que se dizia prejudicado por ele.

Esse perseguidor, agindo de maneira implacável, re‑chaçava todas as tentativas de reconciliação e interferia o quanto podia em assuntos profissionais, domésticos, na saúde e na paz de sua família, tornando a existência um tormento ministrado a conta-gotas.

Sendo doutrinador, esse amigo já conversara algumas vezes com ele, que em certa ocasião lhe revelou o motivo da cruel perseguição. O então obsessor nasceria como seu filho, mas fora abortado propositalmente a mando dele, o pai.

Meu amigo pediu‑lhe desculpas, tentou mostrar que hoje jamais cometeria tamanha agressão, que renovara seus hábitos e atitudes, mas não foi escutado. Argumentou ainda que fizera estudos, comprara instrumentos tecnoló‑gicos que lhe permitiam fazer palestras e campanhas con‑

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tra o aborto em escolas, associações de bairros, empresas, dedicando grande parte do seu tempo a essas empreitadas de valorização da vida, mas não conseguiu sensibilizar seu perseguidor.

Ainda tenho em meu apartamento, adesivos e chavei‑ros oferecidos por ele, cuja mensagem é uma categórica de‑saprovação ao aborto.

Nos sites de relacionamento colocado por ele na in‑ternet, a mensagem é a mesma: valorização da vida atra‑vés do esclarecimento e do apoio àqueles que, equivoca‑damente pretendem utilizar métodos como o suicídio, o aborto, a eutanásia, dentre outros, fugindo da vida como forma de resolver seus problemas, criando outros infinita‑mente maiores.

Nada disso modificou nem atenuou os ataques dirigi‑dos contra ele até que, em maio de 2010, recebi um pedido de socorro desse velho amigo dizendo estar à beira de um ataque de nervos. A esposa estava depressiva, a filha com leucemia e ele com tantas obrigações que, sem ajuda, certa‑mente entraria em colapso antes de realizá-las.

Imediatamente coloquei seu nome em nosso caderno de preces e vibrações e mentalmente solicitei aos amigos espirituais que o auxiliassem naquele momento de aflição. Coincidentemente estávamos na fase final de um processo desobsessivo, o que permitiria ao “Grupo de Emergência Mediúnica Bezerra de Menezes” empenhar‑se na resolu‑ção de outro.

Doutor Bezerra, com sua bondade costumeira aceitou auxiliar‑nos e naquela mesma noite enviou Tibiriçá à casa do perseguido, cujo endereço constava no livro de anota‑ções utilizado para registro de pedintes.

Ao chegar ao local o cacique encontrou a residência cer‑

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cada por quatro pontos riscados, velas acesas e guardiões velando pelos artefatos de magia negra. O exu (nome que se deu) que fiscalizava o trabalho foi trazido à reunião e convidado a desfazer a bruxaria, colaborando de maneira não espontânea na queima da mesma.

O perseguidor de Laurindo (amigo que nos pedira au‑xílio), sentindo a ameaça no ar compareceu furioso à reu‑nião acusando a todos de intrometidos e de defensores de criminosos.

– Como ousam se intrometer onde não são chamados? Por que querem me impedir de fazer justiça? Não deve o infrator ser cobrado por seus atos e levado ao cárcere para que pague pelo crime que cometeu?

– Sim, mas por juízes incorruptíveis ou pelas leis divi‑nas. Quem lhe nomeou juiz nessa tarefa?

– Tenho o direito de fazer justiça, pois fui vítima dele.– você não quer justiça, mas vingança. Quem quer jus‑

tiça aceita atenuantes, nesse caso, impossíveis de serem ig‑noradas. Deus quer que o pecador se arrependa e isso já aconteceu com ele.

– Fachada! Tudo aquilo que ele faz é enganação. Quando sai do corpo volta a ser o que realmente é, violento e enganador. Se quiser ter a certeza do que digo, venha comigo enquanto seu cor-po dorme e lhe mostro quem é ele. Prometo-lhe que nada de mal lhe faremos.

– Deixo a cargo do meu irmão Tibiriçá averiguar sua informação. Por enquanto aviso-lhe de que estamos en‑trando nesse drama. Nossa tarefa é tentar promover a paz entre os senhores.

– Olhe, moço. Isso é uma luta de séculos. Arrasta-se desde os tempos das conquistas tribais. Eu já o matei e a toda sua fa-mília. O mesmo ele fez comigo. A chance que ele teve de colocar

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um ponto final na batalha foi desperdiçada quando obrigou sua esposa a abortar.

– Você também está tendo a chance de terminar essa luta agora e se recusa a fazê-lo. A situação é propícia, pois terá toda ajuda possível para um recomeço de vida. Se está interessado em justiça e paz, esqueça a guerra, siga em frente e deixe que Deus administre o caso segundo Sua misericórdia que, inevitavelmente, acolherá a ambos. Caso contrário, mais dores se abaterão sobre todos os envolvi‑dos, atormentando muitos corações.

– Agora estou aliado a forças poderosas. Estou em vantagem e me pede para parar? Esta é a minha vez!

– Ninguém que se arme de ódio pode mencionar van‑tagem. Depois da sua vez virá a dele. O povo sabiamente diz que após o dia da caça vem o do caçador. Lembre-se de que, quem perdoa, beneficia a si próprio, pois segue livre da mágoa e do ódio, dois fantasmas que roubam a paz e destroem a saúde.

– Não adianta mostrar benefício onde só vejo covardia. Não desistirei de pegá-lo. Chumbo trocado não dói.

O comunicante deixou transparecer que não nesta oca‑sião, mas em existências passadas nasceria como filho de Laurindo e este impediu sua reencarnação. Acostumado a desdobramentos em casos assim preparei‑me para outros encontros, pois aquilo me pareceu apenas um fragmento no meio de um drama profundo.

Deixando sua ameaça no ar, o comunicante evadiu-se. Os guerreiros não tinham ordens para detê-lo. Aquela co‑municação foi o início de um longo trabalho, onde o sen‑timento mais exigido de todos os componentes do grupo mediúnico foi o amor.

vítimas de aborto são difíceis de tratar. O medo, o

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sentimento de rejeição, o trauma do assassinato, o aban‑dono por parte de quem mais deveria ampará‑las, fazem com que sintam terrível depressão, vontade de desapare‑cer, inexistir.

Portanto, o principal argumento nos diálogos deveria ser o doce acolhimento do amor. Como disse doutor Be‑zerra, deveríamos fazer o papel de jardineiros cuidadosos, procurando salvar rosas ameaçadas de toxinas emanadas de si próprias.

Entendendo o recado roguei a Maria, mãe de todos os sofredores, que me auxiliasse naquele drama profundo. Ela certamente inspiraria a todos, com as palavras adequa‑das para momentos tão angustiantes.

Em um drama que envolve abortos não faltam mães e filhos em desespero. O sentimento que a princípio deveria ser de amor, recusado por uma das partes nessa relação, degenera em loucura e vingança, caso a parte mais preju‑dicada não saiba administrar a perda sabiamente.

No lugar de guerreiros e suas lanças, certamente ne‑cessitaríamos mais de homens e mulheres sensíveis que soubessem dizer, não apenas palavras acolhedoras, mas, sobretudo, emitir sentimentos nobres, ternos, desses que abafam a dor e valem como um acalanto na solidão da noite.

Estava pensando nessas coisas quando uma médium deu o aviso de que estava em um ambulatório clandestino.

– Encontro‑me em uma espécie de ambulatório, não muito higienizado, e vejo um casal de profissionais da saú‑de em trabalho escuso. O homem veste um avental todo sujo de sangue e a mulher que o acompanha, também.

“Os instrutores que estão ao meu lado, doutor Bezerra e uma médica de fala suave, chamada Klébia, dizem que

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este era o ambiente no qual o casal que observamos, médi‑co e enfermeira, montaram uma clínica de abortos no Rio de Janeiro.

“Estamos no antigo local dos assassinatos. Doutor Be‑zerra extraiu as cenas do próprio ambiente para que to‑mássemos conhecimento do drama que agora fazemos parte na condição de trabalhadores. A doutora Klébia vai assumir a minha voz.”

– Este fato ocorreu no ano de 1893, na cidade do Rio de Ja-neiro e o casal que procuramos auxiliar, médico e atendente, faz parte do quadro de funcionários públicos do Estado. Ele, médico que veio da Itália, chamava-se Gláucio e ela, sua auxiliar, Elvira.

“O médico, sendo frio e insensível, montou uma clínica clan-destina de abortos, na qual centenas de jovens prostitutas e tam-bém da alta sociedade recorriam aos seus serviços de profissional da morte, impedindo muitos espíritos de cumprirem suas provas na carne.

“O aborto era feito de maneira inconsequente, resultando na morte de muitas mulheres, cuja família, temerosa com a divulga-ção do fato, abafava o crime. Esse casal hoje está reencarnado no Brasil com sérios compromissos a cumprir.

“O médico é a atual esposa de Laurindo e ele sua antiga as-sistente. No caso os sexos estão trocados. Laurindo, mais cons-ciente dos equívocos cometidos, luta para fazer avançar na senda do progresso o antigo médico, que vacila entre a descrença e o desânimo. Sua filha, espírito que à época estava desencarnado na condição de vampiro que se alimentava com o sangue dos aborta-dos, também está no centro da batalha.

“Laurindo precisa urgente de nossa ajuda para que continue seu trabalho espírita de valorização da vida e de doutrinação aos desencarnados. No meio desse drama familiar de tantas dores ele é a figura mais lúcida.

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“Como se constata, Deus não desampara nenhum dos Seus filhos. Este trabalho nos permitirá auxiliar muitos abortados, bem como mulheres que recorreram a este método gerador de sofri-mento. Durante todo o processo estaremos auxiliando o grupo e enviando ao “Hospital Mimos de Jesus”, aqui no plano espiri tual, especializado em casos de aborto, os espíritos que recolhermos.

“Que Deus, que tanto alívio espalha sobre as dores do mun-do, nos dê forças e inspiração para cumprirmos Sua vontade.”

Afastando‑se da doutora, a médium passou a descre‑ver os quadros que via.

– vejo crianças mutiladas. É um quadro aterrador. Sei que as imagens são virtuais, pois não ocorreram agora, mas vejo‑as nítidas, móveis, ensanguentadas, retratando as condições dos espíritos que passaram por esses crimes e cristalizaram as imagens em suas mentes.

“Embora a doutora diga que são imagens emitidas pelas mentes enlouquecidas das vítimas, vejo crianças já formadas, com órgãos decepados e sinto uma repugnância horrível diante dos quadros.”

De repente, quando a médium se aproximou para ver de perto uma das crianças, ela abriu dois olhos esbugalha‑dos fazendo-a recuar e dar um grande salto da cadeira. De imediato, o espírito que vitalizava a imagem, e que os olhos cuidadosos de outra vidente identificavam como uma som‑bra presa ao corpo mutilado assumiu a voz da médium.

– Odeio! Odeio! Não pode fazer isso comigo miserável! Não me corte! Não me corte! Não faça isso comigo!

A dubiedade era clara. O espírito ora revivia a condi‑ção de abortado, ocasião em que fora reduzido perispiri‑tualmente e sua mente agia como criança, e ora assumia a condição de adulto enlouquecido pela dor e pelo ódio. Essa alternância mental desorganizou seu sistema nervoso

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impedindo‑o de coordenar os pensamentos, devido princi‑palmente à repetição desses dois quadros durante décadas.

– Sei que está precisando de ajuda, e ela chegou. va‑mos levá‑lo para um local calmo e uma enfermeira cuidará de você.

– Preciso viver! Preciso! Não! Essa faca está me cortando!– você vai viver! Uma nova mãe lhe espera. vai ter

todo amor que lhe foi negado.– O sangue! O sangue! Não me corte! Minha mãe! Por que

fez isso? Te odeio! Te odeio...– Mas nós te amamos. Amamos de verdade. Durma!

Quando acordar estará nos braços de outra mãe.A impressão que tive é que o comunicante não escutou

uma palavra do que eu disse, mas dormiu. E aquele co‑meço me deixou profundamente feliz. Mas, como afirmara doutor Bezerra, veríamos vários ângulos desse angustiante problema, o aborto, por isso, passados alguns instantes do atendimento ao abortado, outra médium já se encontrava com Tibiriçá junto a outro local no plano físico.

– Estou em volta de um grande aterro sanitário, diria mesmo, um lixão, localizado aqui no plano dos encarna‑dos. Encontro-me com uma escolta de peso. Tibiriçá e mais dois índios cuja força assemelha-se à dele. Um dos acom‑panhantes do cacique é um exu das matas e a missão aqui é observar os efeitos do aborto nos dois planos, bem como resgatar espíritos vítimas desse crime.

“Nesse lixão há uma parte, separada, dedicada ao lixo hospitalar. Em volta dele observo vampiros que espreitam o movimento. Eles não nos veem, pois passamos sem que nos notassem. São viciados em sangue, restos de placentas, restos de fetos que, no lugar de serem incinerados, são lan‑çados aqui por pessoas irresponsáveis.

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“Tibiriçá e outro índio lançam as redes e capturam dois espíritos que permaneciam ligados aos corpos já mutila‑dos. Como estou próxima, um deles falará através da mi‑nha voz.”

– Não me comam! Saiam de cima de mim! Urubus malditos! Onde está Deus que não vê essas coisas? Saiam daqui abutres malditos. Maldita! Vou devolver tudo isso, desgraçada!

– Deus já ouviu seu chamado e enviou anjos para salvá‑-lo. Espantamos os abutres. Agora tente dormir, pois seu sofrimento acabou.

Atendido este necessitado, no centro espírita, outro es‑pírito que havia passado pelo cruel método do aborto lan‑çou no ar sua ameaça.

– Olha mãe! Olha de perto! Olha o que fez em mim. Por que recusou ser minha mãe? Agora eu chamo esse carniceiro de mãe. Olha o que fez comigo, miserável! Olha o meu corpo mutilado. Sente o gosto do sangue na boca, infeliz. Anda, me coloca no colo, mãe.

– Por que insiste em chamar o antigo médico de mãe?– Agora você vai me ver em tudo que fizer. Lembra-se de que

enfiou aquela tesoura que foi apertando a minha cabeça até esta-lar? A dor que me enlouquece tem de ser sentida por você.

– A dor que sente pode ser aliviada bem como qualquer ferimento que tenha. É um presente de Deus para você. Ele quer ver todas as crianças alegres e felizes.

– Quem está falando comigo?– Alguns amigos que querem ajudá-lo. Se estiver sen‑

tindo alguma dor, nossos médicos saberão como acalmá-la.– Não quero saber de médicos. Tenho medo deles. São assas-

sinos. – Podemos ajudá-lo. Queremos adotá-lo como nosso fi‑

lho e dar-lhe uma vida feliz.

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– Não quero. Quero me vingar!– E isso é melhor do que uma vida feliz em um novo lar?– Não quero mais nascer. Eles vão me tirar.– Isso ocorreu apenas uma vez. Foi um erro que os mé‑

dicos cometeram. Agora será acompanhado de perto pelos anjos que o adotarão. vai crescer feliz. É uma promessa que lhe fazemos.

– Mãe! Sente na boca o gosto de sangue. Mãe!– Ainda não respondeu a minha pergunta. Por que cha‑

ma de mãe ao médico que lhe feriu?– Por que ele zombava das vítimas que fazia dizendo: venha!

Venha! A mamãe está lhe esperando. E depois colocava o cor-po ferido nos braços daquela mulher que o ajudava. Foi isso que aconteceu comigo. Na ocasião eu estava com a cabeça esfacelada.

– Mas hoje você pode ter uma mãe de verdade. Dessas que embalam os bebês nos braços, dizem coisas bonitas, vestem nos filhos roupinhas quentes...

– Mãe do diabo é o que ela é. Não quero mais nascer. Tenho medo. Tenho muito medo. Ele matou minha mãe de verdade tam-bém. É um carniceiro que não me deixou viver.

– Como está muito cansado vamos colocá‑lo para dor‑mir. Estaremos ao seu lado para que nada de mal lhe acon‑teça. Os anjos velarão seu sono.

Sob ordem hipnótica para adormecer ele foi levado pe‑los auxiliares da doutora Klébia para o hospital já mencio‑nado. Ela própria levou uma das médiuns para que descre‑vesse o ambiente.

– É um hospital muito bonito, arborizado e limpo. Suas alas possuem arcos que permitem ampla ventilação. vejo alguns abortados dentro de berçários que na verdade são câmaras, segundo explicação dela.

“Alguns ficam aqui em uma espécie de coma induzido

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por longo tempo, à espera de outra encarnação. São espí‑ritos com fortes traumas motivados pelo aborto que preci‑sam dessa pausa para recuperar a ordem natural dos pen‑samentos, agora desalinhados.

“Quando forem despertados se lembrarão do que lhes aconteceu, mas sem o estresse do primeiro momento. O técnico que me orienta na visita diz que alguns espíritos vitimados pelo aborto, antes de encarnar, já são advertidos de que passarão por difíceis provas. São resgates que exi‑gem sacrifícios que poderiam ser feitos em nome do amor, mas os devedores ainda não o possuem. Esperar até que tenham tal moeda levaria séculos, por isso a dor é tão re‑quisitada como mestra em casos assim. Neste caso, a re‑cuperação posterior ao acontecido é mais rápida. Tomado de surpresa, o trauma é mais profundo, e a depender da evolução de cada um a recuperação pode durar dezenas de anos.

“Todavia, enfatiza o técnico, tudo isso poderia ter sido evitado se o médico não cometesse o escândalo, pois Deus tem maneiras sábias e justas de fazer valer Sua lei. Tudo poderia ser diferente, mas nesse caso – aponta para o espí‑rito em coma induzido – prevaleceu a vontade da mãe e a falta de escrúpulo do médico.

“O técnico pede que eu procure escutar a mente do es‑pírito e sinto que está ativa. Ele vive uma intensa confusão, pois ora pensa como bebê e ora externa o pensamento de adulto. Sua mente está conturbada e é por isso que precisa desse tratamento para apaziguá-la.

“Os que não se encontram aqui, falamos das vítimas do drama ora trabalhado, uniram‑se a vingadores que os manipulam. Devido à fragmentação dos pensamentos im‑posta pela confusão mental em que vivem, fortalecem o

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ódio pela monoideia da vingança, não sendo capazes de elaborar e coordenar planos em minúcias e detalhes.

“A dificuldade de planejamento também ocorre devi‑do a não estarem habituados à maldade, pois são, em sua grande maioria, apenas espíritos magoados, enquanto os que se propõem a ajudá‑los são vezeiros no mal, conhe‑cedores dos truques e vilanias próprios dos marginais do além.

O trabalho que teremos de executar depende muito mais do nosso amor do que do nosso conhecimento, esta é a conclusão a que chegamos, a técnica e eu. Retorno ao Centro para outras tarefas.”

Enquanto a médium retornava de sua missão, outra era aproximada a um espírito que queria permanecer no hos‑pital onde a filha de Laurindo estava hospitalizada com o diagnóstico de leucemia.

– Esses índios não me permitem mais entrar no hospital, mas aquela maldita vai me ver. Desgraçada! Não me matou? Agora aguenta! Mesmo escondida dentro do hospital vai me ver!

– Não acha que devia ter mais respeito pela dor alheia? É uma mãe desesperada e uma filha doente que precisam de paz para suportar o drama que enfrentam.

– Matou tem que morrer! Se não for ela será a filha dela. En-graçado! Agora todo mundo quer defender os assassinos. E nós, os verdadeiros prejudicados? Ficamos com o prejuízo?

– A quem quer atingir, a mãe ou a filha?– A que estiver ao meu alcance. Não me deixou nascer! Que-

ro que o sangue dela vire lama.– Mas por que tem raiva da filha se foi prejudicado

pela mãe?– Ali todos são criminosos. O corpo daquela menina abriga

um monstro. Vamos! Deixe-me passar, índio. Estou me vingan-

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do da família maldita. O médico monstro que me tirou a vida e seus auxiliares.

– Como se apresenta para a mulher?– Essa é a melhor parte. Como um vingador com uma lan-

ça. Enterro o meu tridente na coluna dela. Ela vê tudo e não pode fazer nada. Isso me causa um frenesi que não há dinheiro que pague.

– Como sua agressão está passando dos limites, ficare‑mos com o seu tridente e você terá que acompanhar meu irmão índio para uma conversa com nossos instrutores. Espero que tenha juízo suficiente para aceitar as propostas que lhe farão. Caso contrário o tratamento será mais duro, pois não pactuamos com gente que fere pelas costas uma jovem doente e indefesa.

Diante dessa ordem o homem disse alguns impropé‑rios e saiu raivoso, sob a escolta de Tibiriçá. Teria um en‑contro com doutor Bezerra e dessa conversa dependeria seu destino.

Por fim, Tibiriçá trouxe-nos um louco que fora coloca‑do dentro da casa de Laurindo para perturbar a paz do‑méstica e para que fosse avistado por sua esposa, vidente, mas sem a educação aprimorada para interpretar e enfren‑tar tais situações.

Este louco, como estava coberto de feridas, fora induzi‑do pelos inimigos do casal a passar sangue e restos de pla‑centa sobre o corpo para que as feridas secassem. Quando tentava se limpar, as feridas ressurgiam, pois recebera or‑dem mental através de hipnose para que assim ocorresse.

Levado à reunião o convencemos a se limpar e a ver que suas feridas desapareceriam com um bom banho. Sua alienação mental seria tratada pelos técnicos e enfermeiros da equipe do doutor Bezerra.

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Com tanto trabalho efetuado, o que é sempre moti‑vo de alegria, encerramos nosso primeiro contato com os perseguidores do antigo médico, agora irmão e ami‑go Laurindo.