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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA FABIANO ALMEIDA DA SILVA Body- Building e a confiança e medo no uso dos esteroides anabolizantes: uma análise sociológica João Pessoa 2012

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Page 1: BB e Anabolizantes

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

FABIANO ALMEIDA DA SILVA

Body- Building e a confiança e medo no uso dos esteroides anabolizantes: uma análise sociológica

João Pessoa

2012

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Body- Building e a confiança e medo no uso dos esteroides anabolizantes: uma análise sociológica

FABIANO ALMEIDA DA SILVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sociologia sob a orientação da professora Marcela Zamboni Lucena.

João Pessoa

2012

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S586b Silva, Fabiano Almeida da. Body- Building e a confiança e medo no uso dos esteroides

anabolizantes: uma análise sociológica / Fabiano Almeida da Silva.- João Pessoa, 2012.

115f. Orientadora: Marcela Zamboni Lucena Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA 1.Sociologia. 2.Esteroides anabolizantes – uso – problemas.

3. Transformação do corpo. 4. Hormônios – uso – confiança – medo – análise sociológica.

UFPB/BC CDU: 316(043)

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AGRADECIMENTOS

Escrever uma dissertação apesar de parecer uma produção individual ela envolve

a participação direta ou indireta de muitas pessoas. Mesmo sendo impossível destacar

todas agradeço especialmente:

A minha orientadora Prof. Dr. Marcela Zamboni Lucena, pela paciência em

administrar meus erros, ansiedades e inseguranças, além da sua importante orientação

que caso contrário a conclusão do trabalho seria impossível.

A toda minha família pelo apoio e confiança que depositaram em mim e ainda,

por suportar minha ausência em muitas ocasiões durante a elaboração do presente

trabalho.

À Universidade Federal da Paraíba pela disponibilidade da sua estrutura de

ensino e qualidade.

Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia em especial a excelência do

corpo docente.

Aos professores; Dr. Anderson Moebus Retondar; Dr. Mauro Guilherme

Pinheiro Koury e Drª. Simone Magalhães Brito, pelas preciosas sugestões apontadas

durante a qualificação, que possibilitou uma nova organização do trabalho, ampliando

assim a própria qualidade do mesmo.

À CAPES agradeço a bolsa concedida, ao qual foi vital para a realização da

pesquisa.

E a todos que participaram e apoiaram de forma direta ou indireta a realização

deste sonho.

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“O corpo é o vetor semântico pelo

qual a evidência da relação com o mundo é construída...”

(David Le Breton)

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RESUMO

O presente trabalho versa sobre o problema do uso intensivo dos hormônios

esteroides anabólicos androgênicos (EAAs), também conhecidos popularmente como

esteroides anabolizantes, por homens frequentadores de academia de ginástica de um

bairro popular na cidade de João Pessoa. Esta pesquisa tem como objetivo,

compreender, dentro de uma perspectiva sociológica, a relação de confiança e medo nos

usos dos hormônios esteroides anabolizantes, bem como, as próprias motivações para a

prática da musculação e a utilização destas drogas masculinizantes. Diante do exposto,

percebe-se que na sociedade contemporânea, o corpo tornou-se elemento central na vida

de muitos indivíduos, realidade esta, fruto do fenômeno do culto ao corpo que nas

últimas décadas tomou formas radicalizadas. Neste contexto, ao mesmo tempo em que a

corpolatria se intensifica, paradoxalmente cresce, nas mesmas proporções, a insatisfação

das pessoas com sua imagem corporal, principalmente quando comparados aos ideais

corpóreos amplamente valorizados socialmente. Esta realidade se agrava em uma

sociedade em que somos cobrados, julgados, classificados e identificados pela imagem

corporal. Assim, a supervalorização da imagem corporal está fazendo com que muitas

pessoas cometam excessos na utilização dos mais diferentes meios na busca pelo corpo

esteticamente “perfeito”. Estes excessos estão cada vez mais “cegos”, sintoma da

cultura do presenteísmo, onde sustenta o “agora”, como tempo mais importante para os

que procuram a transformação da forma corporal. Tais fenômenos condicionam muitos

indivíduos a embarcarem no submundo da utilização dos esteroides anabolizantes com a

intenção de construir um corpo “sarado” em um curto espaço de tempo. Nestas

circunstâncias a relação de confiança e medo tem importância particular, pois, a partir

destes dois elementos (e também de outros), os indivíduos direcionam suas ações e

discursos para o uso ou não uso destas substâncias.

Palavra Chave: Esteroides Anabolizantes; Transformação do Corpo; Confiança e

Medo.

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ABSTRACT

This paper discusses the problem of the intensive use of anabolic-androgenic

steroid hormones (AAS), also popularly known as anabolic steroids by male gym-goers

in a popular neighborhood in the city of João Pessoa. This research aims to understand,

within a sociological perspective, the relationship of confidence and fear in the uses of

anabolic steroid hormones, as well as their own motivations for the practice of

bodybuilding and the use of these drugs masculinizing. Given the above, it is clear that

in contemporary society, the body became a central element in the lives of many

individuals, this reality, the result of the phenomenon of the cult of the body that in

recent decades took radicalized forms. In this context, while the corpolatria intensifies,

paradoxically grows in the same proportions, the people's dissatisfaction with their body

image, especially when compared to ideal body widely socially valued. This situation is

aggravated in a society in which we are charged, tried, identified and classified by body

image. Thus, the overestimation of body image is causing many people to commit

excesses in the use of many different ways in the pursuit of body aesthetically "perfect."

These excesses are increasingly "blind", a symptom of the culture of presenteeism,

which maintains the "now" as most important time for those seeking the transformation

of body shape. These phenomena affect many individuals to embark in the underworld

of the use of anabolic steroids with intent to build a body "healed" in a short time. In

these circumstances the trust and fear is particularly important, because from these two

elements, individuals direct their actions and speeches for use or not use of these

substances.

Keyword: Anabolic Steroids; Body building; Confidence and Fear.

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SUMÁRIO 

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 09

CAPÍTULO I .................................................................................................................. 14

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS .................................................................... 14

1.1 METODOLOGIA DE COLETA DE DADOS .................................................... 14

1.2. GRUPO ANALISADO E CAMPO DE PESQUISA .......................................... 17

1.2.1. INCIDÊNCIA DOS USUÁRIOS ................................................................. 19

1.3. CAMPO DE PESQUISA .................................................................................... 22

1.3.1- ACADEMIA “A” ......................................................................................... 23

1.3.2. ACADEMIA “B” ......................................................................................... 26

CAPÍTULO II ................................................................................................................. 31

TIPOS DE MODELAGEM CORPORAL: DOS SUPLEMENTOS ALIMENTARES AOS QUÍMICOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES ................................................ 31

2.1. SUPLEMENTOS ALIMENTARES ................................................................... 31

2.2. ESTEROIDES ANABOLIZANTES ................................................................... 36

CAPÍTULO III ............................................................................................................... 46

TRANSFORMAÇÃO DO CORPO ANABOLIZADO: O QUE DIZEM OS USUÁRIOS? .................................................................................................................. 46

3.1. BODY-BUILDERS E A CULTURA DA “MALHAÇÃO” ............................... 46

3.2. CULTO AO CORPO: MOTIVAÇÕES PARA A PRÁTICA DA MUSCULAÇÃO E USO DOS HORMÔNIOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES .................................................................................................................................... 51

CAPÍTULO IV ............................................................................................................... 76

CONFIANÇA E MEDO NO USO DOS ESTROIDES ANABOLIZANTES ............... 76

4.1 CONFIANÇA E USOS DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES .................... 76

4.1.2- CONFIANÇA E RELAÇÕES DE “AMIZADE” NA UTILIZAÇÃO DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES .......................................................................... 85

4.2 – MEDO E O USO DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES ........................... 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 100

REFERÊNCIA ............................................................................................................. 109

Page 10: BB e Anabolizantes

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INTRODUÇÃO

Na sociedade contemporânea, os holofotes estão voltados para o corpo, nunca o

invólucro corpóreo foi tão venerado e adorado como no presente momento. O corpo

tornou-se um santuário, envolvido por uma “sagrada” atmosfera religiosa do corpo,

carregado por um conjunto de crenças, rituais e simbolismos (BAUDRILARD, 1995;

CASTRO, 2007). Tal fenômeno do culto ao corpo altera os estilos de vida de uma

parcela significativa da nossa sociedade e, deste modo, encontram-se facilmente

indivíduos condicionados por uma preocupação excessiva com a aparência corporal em

uma verdadeira idolatria ao corpo. Esta “corpolatria” faz do corpo um capital, um puro

empreendimento, ao qual o indivíduo tem que administrar da melhor forma possível.

Em suma, o corpo virou, na atualidade, objeto de investimento (financeiro e temporal),

tratamento, preocupação e manipulação; algo que deve ser criado, desenhado e

teatralizado no espetáculo da vida social, fazendo do corpo um elemento central na vida

cotidiana de muitos indivíduos (MAFESSOLI, 1995; GOLDENBERG, 2002).

Um dos efeitos colaterais deste fenômeno na contemporaneidade é o elevado

crescimento da insatisfação dos indivíduos com sua imagem corporal, proporcionando

crises de identidade pessoal e a propagação de sentimento de vergonha, quando

comparados aos cânones corporais amplamente valorizados socialmente1. Em tese, com

a radicalização da corpolatria, desenvolve-se paradoxalmente a intensificação da

insatisfação pessoal com imagem corporal.

Neste contexto, amplia-se o consumo de bens e serviços na intenção de

aprimoramento da estrutura corpórea. Assim, a busca por uma melhor forma corporal

faz com que muitos indivíduos procurem os mais diferentes meios que prometem a

realização dos objetivos traçados ligados à imagem corporal2. Um exemplo desta

1 A indústria do corpo ou da beleza, sob o ecoar da mídia e publicidade, desempenha uma papel estruturante do “culto ao corpo”, criando, divulgando e propagando novos signos e imaginários corporais, desenvolvendo uma realidade de dois gumes que proporcionalmente a supervalorização e criação de novos modelos corporais dominantes, cria-se em contra partida, a insatisfação das pessoas com sua imagem corporal gerando uma oposição entre o corpo visual ideal e o corpo real (SANTAELLA, 2004 BOLTANSKI, 1984; CASTRO, 2007). Para Mirian Goldenberg (2002, p. 7), “quanto mais se impõe o ideal de anatomia individual, mais aumenta a exigência de conformidade aos modelos sociais do corpo”. 2 Existe um amplo consumo de produtos ligados à questão estética tendo como base a indústria da beleza e da boa forma. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o Brasil é o segundo país em número de cirurgia plástica de caráter estético, sendo superado apenas pelos EUA. O interessante é que, segundo os dados desta instituição, houve um crescimento assustador do número de cirurgias

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realidade é a busca incansável pelas academias de ginásticas para execução de várias

modalidades, dentre elas, a musculação.

A prática de exercícios com pesos (através de máquinas e halteres) e repetições

em série dentro das academias de ginástica se faz presente, na atualidade, em diferentes

segmentos sociais, sendo praticado predominantemente por homens, e nos últimos anos,

com grande aceitação entre as mulheres. Este campo (no sentido de Pierre Bourdieu),

conhecido comumente como musculação, encontra-se carregado de elementos (disputas,

contradições, dominação, poderes, simbolismos, desigualdades etc.) de extrema

importância para o diagnóstico da realidade centrada na supervalorização da imagem

corporal que presenciamos nos dias atuais.

Muitos dos adeptos (normalmente do sexo masculino) da prática da musculação

buscam o hipertrofiar da massa muscular no sentido de representação da beleza

masculina, porém, discursos ligados à saúde e melhor qualidade de vida também fazem

parte deste universo3. Conforme Le Breton (2004, p. 7), “a vontade de transformar o

corpo tornou-se um lugar-comum”, principalmente porque na atualidade o sujeito não é

apenas responsável pelo seu jeito de ser, seu comportamento e conduta frente aos outros

indivíduos, mas também responsável pela sua forma corporal. O corpo não corresponde

mais a uma realidade inexorável, objeto de não alteração, muito pelo contrário, vemos o

corpo como alvo de construção pessoal extremamente manipulável e maleável, segundo

os desejos individuais, as condições objetivas e possibilidades disponíveis (LE

BRETON, 2009; GOLDENBERG, 2002; GIDDENS, 2002).

Como intensificação deste processo, o culto ao corpo contemporâneo traz como

uma das suas peculiaridades a demasiada importância do presente, alterando a própria

busca pela transformação da forma corporal. O imediatismo associado a uma realidade

em que faz do corpo uma propriedade e responsabilidade exclusivamente do indivíduo

tende a direcionar a radicalização da ação. Desta forma, muitas pessoas buscam atingir

os objetivos traçados em um curto espaço de tempo, utilizando-se das mais variadas

ferramentas produzidas e ampliadas pela indústria da beleza e da boa forma. Porém,

meios ilegais também são utilizados em prol das metas estabelecidas individualmente.

De qualquer modo, os frequentadores (homens e mulheres) de academias de musculação

plásticas com caráter estético realizadas em homens, apesar ainda da predominância feminina. Disponível em: www.cirurgiaplastica.org.br/. 3 Assim, a grande aceitação para prática da musculação, seja por questões ligadas à estética, à melhor qualidade de vida ou à saúde, corresponde ao reflexo do próprio fenômeno do culto ao corpo.

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estão envolvidos com este “presenteísmo” contemporâneo, condicionando muitos

adeptos desta prática corporal a buscarem as armas impostas pela sociedade de consumo

e consideradas por muitos como necessárias e indispensáveis na luta para realização do

sonho de modificar o invólucro corpóreo.

Com isso, o consumo de substâncias, na intenção de acelerar e potencializar o

processo de modificação da forma corporal, não é mais novidade entre os praticantes da

musculação. É um lugar comum afirmarmos o crescente consumo, nos últimos anos, de

substâncias como a suplementação alimentar e os esteroides anabolizantes entre os

partidários da musculação. Porém, outras substâncias também podem ser encontradas

neste campo como é o caso dos produtos para uso veterinário. Apesar de, muitas vezes,

a utilização destas ferramentas ser desnecessária (no caso dos suplementos alimentares),

ou até mesmo impróprias e ilegais (esteroides anabolizantes e produtos para usos

veterinários), muitos adeptos da musculação agarram-se a específicas armas da imagem

corporal, como forma de combater o mal-estar provocado pela dinâmica da mudança e

do presenteísmo contemporâneo, que faz da espera algo penoso e doloroso, não havendo

mais espaço para demora dos acontecimentos, vontades e desejos.

Dentro desta infinidade de ferramentas administradas com a intenção da melhora

da forma corporal, os hormônios esteroides anabolizantes ocupam um lugar de

destaque, sendo utilizados por muitos praticantes de musculação na confiança de que

estes aditivos possam proporcionar um corpo “sarado” em um curto espaço de tempo.

Diante disso, o que se tem observado nas últimas décadas é o crescimento assustador do

uso dos esteroides anabolizantes por razões puramente estéticas na intenção da

transformação da forma corporal.

Em direção oposta, os sistemas especializados (através dos mecanismos de

informação) alertam para o perigo da utilização indevida dos esteroides anabolizantes

como meios ilegais e bastante arriscados no que tange ao seu uso com caráter estético.

Assim, os partidários da musculação, usuários de esteroides anabólicos androgênicos

(EAA) ou não, se veem diante do seguinte dilema: de um lado a confiança no uso dos

esteroides anabolizantes como arma capaz de materializar sua vontade incondicional de

transformar a forma corporal, de outro, o medo no uso dessas substâncias postas pelos

sistemas especializados como meios ilegais e bastante perigosos.

Diante do cenário exposto e considerando a materialidade deste fenômeno no

mundo contemporâneo, o presente trabalho versa sobre o problema do uso intensivo dos

hormônios esteroides anabólicos androgênicos (EAAs), também conhecidos

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popularmente como esteroides anabolizantes, por jovens do sexo masculino e

frequentadores de academia de ginástica de um bairro popular na cidade de João Pessoa.

Esta pesquisa teve como objetivo, compreender, dentro de uma perspectiva

sociológica, a relação de confiança e o medo nos usos dos hormônios esteroides

anabolizantes, bem como as próprias motivações para a prática da musculação e a

utilização dessas drogas masculinizantes.

A importância do trabalho se faz devido à escassez de estudos sociológicos

ligados à utilização dos esteroides anabolizantes, principalmente em uma época

centrada na supervalorização da imagem corporal. Além do mais, os dados apresentados

podem fornecer contribuições significativas para a reflexão, no que envolve o fenômeno

do culto ao corpo como força motriz de excessos na corporeidade contemporânea.

Esta dissertação está dividida em quatro capítulos, subdivididos em itens que

procuram expor os pontos centrais do trabalho: 1- “Considerações metodológicas”; 2-

“Tipos de modelagem corporal: dos suplementos alimentares aos químicos esteroides

anabolizantes”; 3- “Transformação do corpo anabolizado: o que dizem os usuários?”; 4-

“Confiança e medo no uso dos esteroides anabolizantes”.

No capítulo primeiro, intitulado “Considerações metodológicas”, busca-se expor

a metodologia utilizada na pesquisa, apresentando alguns dados colhidos na realidade

estudada, além de definir a amostra, apontando o grupo estudado. Em linhas gerais,

apresenta alguns indicadores referentes aos usuários de EAA. Em seguida, é indicada a

incidência dos usuários que utilizam essas substâncias. Ainda neste capítulo se buscou

fazer uma breve exposição de duas academias de ginástica como cenário importante

para temos uma ideia de um campo que permeia toda a pesquisa.

O capítulo segundo, denominado “Tipos de modelagem corporal: dos

suplementos alimentares aos químicos esteroides anabolizantes”, visa apresentar estas

duas ferramentas bastante utilizadas (uma legalmente e outra ilegalmente) por

frequentadores de academia de ginástica, na busca de modificar a forma corporal. No

que se refere aos suplementos alimentares, buscou-se mostrar sua função e intenções

para seu consumo, além de oferecer as balizas para questionamentos ligados aos riscos

desta ferramenta exposta como “legal” e “saudável”. Em relação aos EAAs, procurou-se

apresentar de forma breve, sua história, sua função e intenções, bem como alguns dos

efeitos colaterais possíveis na utilização desses aditivos.

Já no capítulo terceiro, “Transformação do corpo anabolizado: o que dizem os

usuários?”, parte da definição do conceito de Body-builders, tendo por base a “cultura

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da malhação” e o fenômeno do culto ao corpo. Ainda nesse capítulo, serão apresentadas

as motivações para prática da musculação e usos dos esteroides anabolizantes, conforme

exposto nos depoimentos dos entrevistados. Mostrou-se que alguns fenômenos sociais

se configuram como elementos centrais para as específicas motivações apresentadas,

além da relevância de particulares sociabilidades para a fermentação deste processo.

No último capítulo, “Confiança e medo no uso dos esteroides anabolizantes”,

buscou-se mostrar a relação dos entrevistados com estes dois elementos importantes

para o direcionamento do discurso e da ação. Na parte referente à confiança, será

exposta, no primeiro momento, a importância deste elemento no contexto moderno,

principalmente dentro de um ambiente cercado por sistemas especializados. Assim, a

própria prática da musculação encontra-se envolvida com um conjunto de sistemas

especializados, em que se pode depositar ou não a confiança. Por fim, no que se refere à

parte da confiança, serão expostas as condições apresentadas pelos entrevistados para o

fortalecimento ou abandono deste sentimento em face ao uso dos esteroides

anabolizantes. Na segunda parte do capítulo, referente ao medo, partiu-se da hipótese de

que o medo é um sentimento social e culturalmente construído, estando presente em

todas as formações sociais. O medo é um fenômeno difuso na contemporaneidade,

estando presente na própria corporeidade humana. Assim, a própria prática da

musculação é uma realidade cercada pelo sentimento de medo, seja no que se refere à

insatisfação da sua imagem corporal (medo do não reconhecimento, da exclusão, do

estigma, do insucesso, da não realização do objetivo traçado etc.), na utilização ou não

de diversas substâncias (suplementos alimentares, esteroides anabolizantes, produtos

para uso veterinário), dentre outros. No final da parte referente ao medo serão

apresentadas as condições em que este sentimento foi reduzido ou ampliado, tendo em

vista os depoimentos dos entrevistados nas suas experiências quanto aos usos dos

esteroides anabolizantes e tudo o mais que envolve a utilização destas substâncias.

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CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES METODOLOGICAS

1.1 METODOLOGIA DE COLETA DE DADOS

A coleta de dados foi realizada através de entrevistas gravadas com usuários de

hormônios esteroides anabolizantes (EAA) que são frequentadores de academias de

ginástica, localizadas em um bairro popular da cidade de João Pessoa. O processo de

coleta de dados se desenvolveu segundo uma rede de relacionamentos, onde, a partir de

um usuário, criaram-se as condições para trilhar a rede de amigos e conhecidos também

usuários. Nestas circunstâncias, as entrevistas foram realizadas através do modelo semi-

estruturado de entrevistas com caráter metodológico qualitativo. A escolha desta

ferramenta de pesquisa se deve ao fato de se entender, que ela possibilita a profundidade

da entrevista, favorecendo a livre expressão das idéias dos entrevistados, que de acordo

com suas respostas, direcionam o pesquisador para novas perguntas, tendo sempre como

guia o roteiro pré-estabelecido. Desta forma, favorece a descrição dos fenômenos

sociais, a sua explicação e a compreensão de sua totalidade, além de manter a presença

consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta dos dados (TRIVIÑOS, 1987,

MANZINI, 1991, 2003). A construção do roteiro das entrevistas foi baseada em

conceitos ligados ao culto ao corpo, confiança e medo e cultura do consumo tendo por

base perguntas principais e secundárias para atingir o objetivo da pesquisa. A partir de

tais conceitos, foi elaborado no primeiro momento um roteiro de 12 perguntas. Foram

entrevistados 10 usuários de esteroides anabolizantes, frequentadores de academia de

ginástica de um bairro popular da cidade de João Pessoa. As entrevistas foram aplicadas

em sua totalidade pelo próprio pesquisador e todos os entrevistados passaram pela

entrevista de caráter semi-estruturado entre o período de maio de 2011 à fevereiro de

2012. Todas as entrevistas foram gravadas com o consentimento dos entrevistados;

duraram em média 45 minutos aproximadamente e todas foram transcritas na íntegra.

Quase todas as entrevistas ocorreram na “praça do coqueiral” no bairro de Mangabeira,

a pedido de alguns usuários, e também, para facilitar o acesso dos pesquisados

residentes na mesma localidade. A maioria dos entrevistados (70%) colocou algumas

condições tanto para a realização da entrevista como principalmente para o processo de

gravação das falas. Estes entrevistados aceitaram que o processo de gravação das falas

Page 16: BB e Anabolizantes

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fosse realizado na condição que o material fosse eliminado imediatamente após a

transcrição. Além do mais, a realização das entrevistas só foi possível através da

promessa do pesquisador ao manter o sigilo absoluto das informações e tudo mais que

de alguma forma pudesse “prejudicá-lo” e identificá-lo. Assim, o pesquisador garantiu

em vários momentos (antes, durante e depois da entrevista) o sigilo absoluto das

informações ligadas (direta ou indiretamente) a identidade dos pesquisados. E para

tanto, no presente trabalho, os nomes dos entrevistados ficaram ausentes. O pesquisador

pediu para cada um deles que de preferência, não expusesse nenhum nome (amigos,

fornecedores, usuários, dentre outros) na intenção de passar mais confiança aos

entrevistados e consequentemente proporcionar mais fluidez nas entrevistas. Porém, em

vários momentos ao citar alguns nomes ou informações “comprometedoras”, a maioria

dos entrevistados (oito deles) se sentiram desconfortáveis, contudo, foram reforçados

pelo pesquisador, do comprometimento do mesmo em manter o sigilo absoluto das

informações. Durante as entrevistas, foi possível perceber sinais de impaciência e até

mesmo pequenos níveis de agressividade por parte de alguns dos entrevistados quando

o tempo da coleta de dados excedia os 20 minutos.

Estas condições foram indispensáveis principalmente no que envolve um estudo

com os usuários de EAA, que como afirmam Sabino (2004, 2007) e Santos (2007),

existe um código de ética dos “bombados” que os “obriga” a não declararem

abertamente o consumo dos esteroides anabolizantes, os amigos usuários e os próprios

fornecedores destes aditivos. Dificuldade que se potencializa com o processo de

gravação das falas, mas que para a pesquisa foi de fundamental importância,

considerando a riqueza dos detalhes que envolve este universo do uso dos esteroides

anabolizantes e frequentadores de academia de ginástica.

Depois da realização das entrevistas, os dados coletados foram passados pelo

procedimento de transcrição para depois serem analisados. Antes do processo de análise

de dados foi realizada uma releitura completa de todo material colhido nas entrevistas,

atividade esta indispensável para o suporte do processo de categorização4 das falas. O

processo de categorização se fundamenta a partir do agrupamento dos dados,

4 O processo de categorização na presente pesquisa foi uma ferramenta fundamental para o processo de redução dos dados coletados, criando categorias como produto da síntese de todo material extraído da realidade social pesquisada. Desta forma, foi possível destacar os aspectos mais importantes nas falas dos entrevistados, a partir de um esforço e retorno periódico (dificilmente concluído) aos dados coletados, para com isso fazer o refinamento contínuo e progressivo das categorias tidas como importantes para o conjunto da presente pesquisa.

Page 17: BB e Anabolizantes

16

identificando as partes em comum dentro do todo, para assim, serem classificados

dentro do conjunto das falas, levando em consideração, as semelhanças ou analogias

presente no discurso. Por meio desse método foi possível extrair as regularidades

contidas nas falas dos entrevistados saindo do particular para o mais geral. Desta forma,

as regularidades semânticas serviram para a construção das categorias temáticas

analisadas teoricamente. Categorias como: corpo magro, vergonha do corpo,

insatisfação da imagem corporal, corpo “musculoso”, dentre outros, foram extraídas

com o procedimento de categorização dos dados colhidos nas falas dos entrevistados,

além daquelas pré-estabelecidas como confiança e medo.

Em princípio, o propósito da pesquisa foi entrevistar 15 pessoas em um período

de seis meses, prazo este estipulado pelo pesquisador para fechar a amostra, mas que

não foi possível por vários motivos. Alguns usuários (três no total) desistiram na última

hora em realizar a entrevista, dizendo: “quero fazer mais não...”, “pensei melhor e não

posso te ajudar não...” ou “não quero expor minha vida pra ninguém...”. Apesar da

insistência do pesquisador todos se mantiveram irredutíveis, demonstrando inclusive

níveis de agressividade. Outros usuários (dois no total) não quiseram conceder a

entrevista dentro do processo de gravação, mantendo-se avesso a esta ferramenta de

pesquisa. De qualquer modo, estes (dois) usuários passaram pela entrevista não gravada,

onde os dados obtidos na atividade de coleta foram transcritos no diário de campo.

Durante o período de coleta de dados, muitos contratempos ocorreram dentro do campo,

que mesmo com a interseção dos “porteiros” a dificuldade se fez presente.

Na transcrição das entrevistas gravadas, foram respeitadas as expressões dos

entrevistados, bem como o modo de falar de cada um deles, nas suas gírias e palavras

abreviadas. As palavras de baixo calão foram algo comum no discurso dos

entrevistados, porém, foram deslocadas da maioria das falas citadas no corpo do

trabalho.

Durante a análise, apareceram palavras em destaque, seja em negrito ou itálico,

para destacar pontos interessantes do texto ou das falas dos entrevistados. Estes

destaques são de responsabilidade do pesquisador. Outros destaques serão informados

em nota de rodapé, quando estes, não forem de responsabilidade do pesquisador.

Durante a análise, as regularidades nas entrevistas aparecem indicadas em expressões de

grandeza como: muitos, muitas, a maioria, a totalidade, dentre outros.

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1.2 GRUPO ANALISADO E CAMPO DE PESQUISA

A pesquisa foi realizada com 10 jovens usuários de esteroides anabolizantes,

todos praticantes de exercícios de força (musculação) e frequentadores de academias de

ginástica localizadas em um bairro popular5 na cidade de João Pessoa. Os critérios

adotados pelo pesquisador para escolha dos respectivos atores devem-se aos seguintes

motivos: 1- os homens são os maiores usuários dos esteroides anabolizantes em

academias de ginástica; 2- nas últimas décadas, houve um crescimento assustador no

consumo das “drogas masculinizantes” (EAA) por frequentadores de academias de

ginástica (principalmente do sexo masculino) alcançando proporções alarmantes; 3-

devido a menor dificuldade no acesso a rede de usuários do sexo masculino pelo fato da

sua contingência; 4- o culto ao corpo faz com que a utilização de “drogas da imagem

corporal” como os esteroides anabolizantes ganhe cada vez mais espaço entre os jovens

do sexo masculino apesar do relativo crescimento do uso pelo sexo feminino.

No que tange o perfil dos entrevistados, o pesquisador se ateve as percepções

extraídas através do campo e do contato com os atores. Conversas antes das entrevistas

ou depois das entrevistas também serviram de materiais para traçar o perfil dos

entrevistados. Ao sintetizar estes dados podemos apontar: idade, escolaridade, profissão

e gastos com ferramentas ligadas à transformação da imagem corporal, como esteroides

anabolizantes, suplementos alimentares e outros produtos.

Em pesquisa realizada pelo “Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas

Psicotrópicas” (CEBRID)6 foi apontado que os maiores usuários de EAA no Brasil são

homens entre 17 a 34 anos. Na presente pesquisa, a faixa etária dos entrevistados foi de

20 a 30 anos, porém, a maioria deles já fazem uso destas substâncias há alguns anos.

Em relação a escolaridade, verificamos conforme os dados que, 2 dos

entrevistados possuem segundo grau incompleto, porcentagem idêntica aos que

possuem segundo grau completo. Por outro lado, 6 dos usuários são universitários

matriculados em instituições públicas.

5 Uma das várias possibilidades de estudar a relação do indivíduo com sua corporeidade se dá considerando a realidade das classes sociais, principalmente em se tratando de uma sociedade tão diferenciada e desigual como a nossa. Desta forma, considerar a classe social é importante no que tange o estudo da corporeidade, apesar de na atualidade, se vivenciar uma tendência nas ciências sociais de negligenciar as classes como categorias explicativas importantes. 6 Ver o segundo capítulo “Tipos de modelagem corporal: dos suplementos alimentares aos químicos esteroides anabolizantes”.

Page 19: BB e Anabolizantes

18

No que se refere à ocupação profissional verificamos que 7 dos entrevistados

possuem alguma atividade remunerada e que 3 dos entrevistados está atualmente sem

nenhuma ocupação profissional. Porém, um dos entrevistados ao se colocar como

desempregado afirmou que consegue adquirir alguma renda com as vendas de

esteroides anabolizantes e de receitas médicas (falsificadas) para compra dessas drogas.

Além do mais, o entrevistado afirmou também, vender produtos para uso veterinários

(vitaminas e anabolizantes) onde muitas pessoas utilizam-se destas substâncias para

modificação da forma corporal. Este entrevistado confidenciou que antigamente era

vendedor destes produtos sem restrições, porém, hoje (por causa risco potencial) as

vendas são destinadas apenas aos amigos de confiança. Para Giddens (1991), dentro do

universo da relação de amizade o elemento confiança tem importância singular,

principalmente no contexto das sociedades modernas. É através da confiança nas

relações de amizade que se dão muitas das decisões tomadas cotidianamente levando

em conta a autenticidade e lealdade do amigo.

Por fim, sobre os gastos ligados as ferramentas para transformação da forma

corporal, a totalidade dos entrevistados (por serem usuários), destina parte (ou todo) do

dinheiro adquirido no consumo dos esteroides anabolizantes. Segundo Boltanski (1984),

do ponto de vista da posição social ocupada pelo indivíduo, existem diferenças no que

se refere às representações, às significações, às percepções, ás sensações, aos valores e

aos usos sociais do corpo ligadas a sua cultura somática. Além do mais, a própria

constituição corporal do indivíduo relaciona-se de uma forma ou de outra, às condições

materiais de sua existência e a sua posição de classe. Assim, os usuários sem nenhuma

atividade profissional alegaram que têm a possibilidade de compra dos esteroides

anabolizantes graças ao dinheiro que recebem dos seus pais e às vezes de empréstimos

com os amigos também usuários. No que se refere a outras ferramentas para

transformação da forma corporal, 9 entrevistados assumiram fazer uso de suplementos

alimentares com a intenção de força auxiliar da hipertrofia muscular e para melhorar a

performance na prática de exercícios de força de modo geral. Estes 9 usuários

afirmaram a dificuldade no consumo constante dos suplementos alimentares, devido ao

preço elevado de muitos produtos que muitas vezes é incompatível com a própria renda

mensal. Porém, a maioria dos entrevistados alegou se esforçar bastante para fazer uso

dos suplementos alimentares, porque associado ao uso dos esteroides anabolizantes, o

ganho da massa muscular e tudo mais (força, energia, queima de gordura corporal,

dentre outros) ligado a prática da musculação é intensificado. Um dos entrevistados

Page 20: BB e Anabolizantes

19

afirmou nunca ter consumido suplementos alimentares por causa da sua condição

material. Para ele, o raro dinheiro adquirido é destinado ao consumo dos esteroides

anabolizantes e também para o consumo de produtos para uso animal. Este entrevistado

manifestou vontade de consumir suplementos alimentares conforme as boas indicações

dos amigos no que tange a os efeitos “benéficos” para construir um modelo corpóreo

ideal. A pesquisa também verificou, que cerca 4 dos entrevistados fizeram uso de

alguma substância para uso animal na intenção de modificação da forma corporal. Para

os usuários destes produtos, esta ação seria um dos meios mais rápidos e baratos de

construir a forma corporal almejada, porém uma atitude mais arriscada.

1.2.1. INCIDÊNCIA DOS USUÁRIOS

Todos os entrevistados afirmaram contundentemente que são usuários

atualmente de hormônios esteroides anabolizantes. Apenas um dos entrevistados

começou a fazer uso dos esteroides anabolizantes no ano passado (2011), contudo, os

demais usuários, faz utilização destes aditivos em um período mínimo de 3 anos. O

período maior apontado por um dos entrevistados para o consumo dos EAA gira em

torno de 9 anos. E a idade mais precoce na utilização destas drogas da imagem corporal

(EAA), conforme observado nas entrevistas foi aos 14 anos, seguido de outro usuário

aos 16 anos. Portanto, em média, o consumo entre os entrevistados gira em torno de 4

anos. Exceto o entrevistado que começou a fazer o uso dos esteroides anabolizantes no

respectivo ano de 2011, os outros 9 usuários realizam no mínimo dois ciclos de

aplicações anualmente, que envolve várias aplicações em um período mínimo, que em

média gira de um mês a três meses. É importante ressaltar, que o período de aplicações

se modifica de acordo com o ciclo escolhido e a escolha dos esteroides ou até mesmo de

outras substâncias escolhidas para o consumo (utilização de substâncias para uso

veterinário).

Os esteroides anabolizantes são administrados na sua composição injetável e

oral. Nestas condições, a totalidade dos entrevistados fez uso dos EAA na sua versão

injetável, onde 5 deles também consumem na sua composição oral. As alegações dos

outros 5 entrevistados que não utilizam os EAAs por via oral gira em torno de três

argumentos: 1- Os EAAs na sua administração oral são mais prejudiciais à saúde

Page 21: BB e Anabolizantes

20

principalmente ao fígado; 2- O não conhecimento dos produtos; 3- A falta de

oportunidade para o consumo de drogas específicas.

A partir os dados coletados, se verificou que todos os entrevistados afirmaram

ter consumido o “Deca-durabolin” (Decanoato de nandrolona), seguido de 9 que

consumiram “Durateston” (Propionato de testosterona) e 7 entrevistados utilizaram

“Winstrol” (Estanazolol) como os esteroides anabolizantes mais comuns dentre os

usuários pesquisados. Porém, vários outros esteroides anabolizantes foram bastante

mencionados, entre tais substâncias podemos citar às seguintes:

• Androxon (Undecanoato de Testosterona)

• Deposteron (Cypionato de Testosterona)

• Hemogenin (Oxandrona)

• Primobolan (Mentelona)

• Testex (Cypionato de Testosterona)

Além do uso de substâncias como os esteroides anabolizantes, os suplementos

alimentares apareceu conforme os depoimentos, com a finalidade de auxiliar os EAAs

para transformação e construção da forma corporal. Exatamente 90% dos entrevistados,

afirmaram fazer uso de suplementos alimentares para ajudar a potencializar a

modificação corporal. Apenas um dos entrevistados nunca utilizou tais substâncias, na

alegação de não ter condições financeiras para o consumo. Porém, 7 entrevistados ao

alegarem fazer uso de suplementação alimentar, reiteraram constantemente a

dificuldade de uma regularidade no consumo de substâncias especificas, devido do

custo elevado dos produtos, principalmente os importados. Os suplementos alimentares

apontados pelos entrevistados são formados principalmente por compostos de

carboidratos, proteínas, aminoácidos, metabólicos e extratos. A partir dos dados

coletados, os suplementos nutricionais mais citados em ordem crescente foram o

seguinte:

• Maltrodextrina

• Albumina

• Whey Protein

• Hipercalóricos

Page 22: BB e Anabolizantes

21

• Creatina

• BCAA

• Mega Pack

• M’Drol

As substâncias para uso veterinário foram consumidas por 4 entrevistados, com

maior incidência do complexo vitamínico ADE7. Apesar desse produto não ser um

esteróide anabolizante, estas substâncias são frequentemente usadas por indivíduos na

busca de crescimento do tecido muscular (pelo menos aparentemente), mesmo não

possuindo propriedades para o desempenho desta função. O que chama atenção com

os dados coletados é que entre os usuários destas substâncias a preferência por este

produto cresce quanto maior o declive da condição material. Assim, o entrevistado

que apresentou a menor condição financeira faz uso constante do complexo

vitamínico ADE em associação com um tipo de esteroide anabolizante (Deca-

durabolin), pois, segundo relato do mesmo, a utilização de outros esteroides está fora

das suas condições econômicas. Em análise de preço feita pelo pesquisador em

clínicas veterinárias do bairro dos usuários aqui pesquisado, o valor médio do

complexo vitamínico ADE variou entre 12 a 15 reais. Anabolizantes de uso

veterinário foram utilizados por 3 entrevistados conforme os dados coletados, em

destaque para Androgenol (Propionato de testosterona) e Equifort (Undecilenato de

boldenona)8. Conforme os dados, as substâncias de uso veterinário utilizadas foram

às seguintes:

• ADE (Complexo Vitamínico)

• Potenay (Complexo Vitamínico e Estimulante)

• Revimin Plus (Complexo Vitamínico, Mineralizante e Anabólico)

• Androgenol (Anabolizante para uso animal)

• Equifort (Anabolizante para uso animal)

7 Utilizados no combate do enfraquecimento, falta de apetite, raquitismo e estimulante de engorda para gados e cavalos. 8 Ambos os medicamentos são utilizados no tratamento de deficiência do hormônio masculino e no preparo de animais para cobrições.

Page 23: BB e Anabolizantes

22

Uma vez esboçado o método de coleta de dados, alguns indicadores e a própria

incidência do consumo dos entrevistados, falta-nos agora contextualizar o ambiente

mais importante de sociabilidade dos entrevistados: a academia de ginástica.

1.3. CAMPO DE PESQUISA

A partir do momento em que o pesquisador tomou contato (através de um

porteiro e informante) com um usuário de esteroides anabolizantes e posteriormente,

seguiu trilhando a rede de relacionamentos, o mesmo criou as condições necessárias

para se ter acesso a outros usuários (amigos e conhecidos do primeiro usuário

entrevistado). Tal realidade corresponde ao fio condutor de todo o processo de coleta de

dados. Porém, conforme a realização das entrevistas, o pesquisador se viu na

necessidade de fazer observações mesmo que não sistemáticas, em um dos ambientes

mais importantes de consolidação das redes dos usuários aqui pesquisados, ou seja, as

academias de ginástica frequentadas pelos mesmos. Foram escolhidas duas academias

de ginástica a qual chamarei de academia A e B para que se mantenha o sigilo absoluto

das informações que de alguma forma leve a sua identificação. Os critérios para a

escolha de específicas academias foram os seguintes: Em primeiro lugar, 6 dos

entrevistados em nossa pesquisa estão distribuídos no universo destas duas academias

(A e B) escolhidas pelo pesquisador. Em segundo lugar, os percentuais dos valores das

mensalidades de ambas as academias escolhidas pelo pesquisador difere em mais de

100%, ou seja, a mensalidade da academia A é mais do que o dobro da academia B. Em

terceiro lugar, a academia B possui um dos menores valores (talvez o menor) de

mensalidade de todo o bairro (segundo sondagem prévia do pesquisador). Por outro

lado, a academia A é uma das que tem os maiores valores de mensalidades cobradas na

localidade.

Transcrever o ambiente das academias observadas, serve para ilustrar e

compreender a sociabilidade vivida dos entrevistados, através da indicação dos

símbolos utilizados e da relação de poder que envolve o invólucro corpóreo nesta

instituição social.

As observações nas academias A e B duraram 12 dias cada. A frequência do

pesquisador em cada academia observada era de 3 dias por semana e na medida do

Page 24: BB e Anabolizantes

23

possível, os turnos eram alternados. Já no que se refere a duração, a permanência do

pesquisador no ambiente analisado era por volta de 1 hora para não manter suspeita. O

pesquisador matriculou-se como aluno na busca de maior sigilo possível, além do mais,

este procedimento traria uma maior facilidade para a coleta dos dados. As informações

colhidas nos dias de observações (três vezes por semana) eram anotadas no diário de

campo (guardado na mochila do pesquisador) logo após a saída dos locais pesquisados.

1.3.1- ACADEMIA “A”

A primeira impressão que se tem ao chegar à academia é que ela tem um espaço

amplo para a prática da musculação, uma boa estrutura com aparelhos

consideravelmente “novos” e mantendo um bom aspecto de limpeza. Esta academia “A”

oferece outras modalidades permitindo que o aluno desempenhe outras atividades

físicas (caso pague uma taxa extra). Além de aparelhos para musculação, a academia

conta com várias esteiras (manuais e elétricas), bicicletas ergométricas, mini trampolim,

simuladores (corridas e caminhadas), colchonetes para abdominais, dentre outros. Ainda

no ambiente interno, os espelhos estão em todos os lugares e presos nas paredes,

encontramos diversos deles, estando presente também em qualquer modalidade. O

pesquisador constatou que existe uma prática de certa forma “viciosa” nos alunos (as)

que constantemente ficam diante do espelho, mesmo no intervalo ou ao finalizar a série

dos exercícios. Esta prática, bastante comum, parecia algo além de um simples cultivo

narcisista, mas, algo que parecia internalizado e de certo modo mecânico como reflexo

das ações no ambiente institucional. O corpo neste momento era colocado como “alter

ego”, um outro eu ou uma parceiro para usar a expressão de Le Breton9. Estas práticas,

também geravam disputas “simples” ou ligadas à própria relação de poder da imagem

corporal, no que envolve o corpo como objeto simbólico e detentor de valor. Nestas

condições, ampliam-se as disputas e os constrangimentos dentro deste campo de

práticas e ações. Em várias ocasiões foi possível notar duas ou mais pessoas se olhando

9 Para Le Breton (2009, p. 41) “milhares de homens e mulheres se matam pelo seu corpo colocando como alter ego (como haltere ego), sempre no espelho diante deles – porque as salas têm espelhos --, e os exercícios exigem sua presença.” O corpo na contemporaneidade se afirma como alter ego, uma personalidade diferente do eu. Isso é possível, porque a modernidade acabou com o dualismo homem/alma e estabeleceu o dualismo homem/corpo fazendo deste elemento salvação.

Page 25: BB e Anabolizantes

24

no mesmo espelho e quando se concretizava determinada realidade, às vezes, tal

fenômeno parecia sair de uma “simples admiração pessoal” da imagem corporal para

uma “severa” exibição da estrutura corpórea. Em outras várias ocasiões, quando

específica realidade se materializava, normalmente existia um constrangimento do aluno

ao dividir o reflexo no mesmo espelho com alguém (considerado por ele)

simbolicamente “superior”. Quando um aluno, por exemplo, estava se olhando no

espelho e outro mais “forte” (com volume maior de massa muscular) ficava diante do

mesmo espelho (ou até mesmo no campo de visão), sempre o aluno com menor

hipertrofia muscular desistia de ficar diante do mesmo espelho e consequentemente

perante o reflexo do outro. De qualquer modo, os alunos da academia gostam de ser

vistos por outros alunos da mesma academia frequentada, conforme observação do

pesquisador da linguagem corporal dos praticantes.

Foi notável que alguns frequentadores na academia (principalmente as mulheres)

estavam preocupados não apenas com sua imagem corporal como também com a

aparência de modo geral. Os trajes mais comuns entre os alunos eram: para os homens,

shorts ou bermudas com camisa normal, porém leves (com manga ou regata) e tênis ou

sapatilhas. Também grande parte dos alunos utiliza-se de acessórios como luvas para os

exercícios de força. As mulheres usam, na sua grande maioria, calças de lycra com tops

ou camiseta. No que envolve os trajes, foi possível perceber uma tendência que quanto

mais “sarado” o corpo estiver, menor e mais justa seria as peças de roupas utilizadas

pelos alunos da academia.

Além dos trajes típicos observáveis, outros elementos ganharam destaque como

companheiro inseparável de muitos alunos dentro do circuito de exercícios próprio de

cada praticante: a coqueteleira ou garrafa. Muitos alunos levavam dentro das garrafas ou

coqueteleira suplementos alimentares como força auxiliar e necessária para a prática de

exercícios dentro da academia. Na maior parte das vezes, foi possível notar que muitos

alunos ao chegarem à academia estavam portando uma garrafa com algum tipo de

substância em pó que era misturada com água. Estas substâncias, com várias

tonalidades, eram ingeridas na medida em que o circuito de exercícios era concluído. Já

outros alunos portavam coqueteleira que continham algum tipo de substância que era

misturada com água e ingeridas logo após da conclusão dos exercícios. Em vários

momentos foi possível perceber conversas entre os praticantes (homens e mulheres)

sobre os produtos ingeridos seja entre os que portavam garrafas ou coqueteleiras ou

entre os que portavam e os que não portavam. Nesta academia, conversas sobre

Page 26: BB e Anabolizantes

25

consumo de vários tipos de suplementos alimentares eram comuns entre os praticantes

segundo foi possível notar em vários dias de pesquisa. Dúvidas e dicas sobre o consumo

dos suplementos alimentares eram comuns entre os praticantes e também com os três

instrutores da academia em que várias vezes foi possível perceber homens e

principalmente mulheres pedirem sugestões de produtos para serem consumidos não só

com o intuito de melhorar a performance, mas, principalmente de modificar a forma

corporal. Em vários dias observou-se que alguns alunos pediram sugestões para o

consumo de suplementos alimentares (certamente outros também) e dicas de tipos de

exercícios para os alunos que se destacavam no interior da academia de ginástica pelo

seu volume da massa muscular (hipertrofia), portanto, os mais “fortes” da academia.

Porém, não foi possível detectar conversas abertas sobre o consumo dos esteroides

anabolizantes entre os frequentadores nos dos 12 dias de observações.

Como em qualquer outra academia de musculação, o som ambiente contava com

estilo de música típico para a prática de exercícios como mecanismo motivacional e de

distração da carga de esforço físico atingido. Porém, muitos alunos utilizavam-se de

aparelhos eletrônicos próprios (Celular, MP3, MP4, dentre outros) como forma de

controlar o próprio estilo musical no seu caráter individual.

A preocupação e cultivo das medidas corporais também foi uma realidade

presente na academia. Na recepção da academia, havia cerca de 3 três fitas métricas,

sendo constantemente utilizados pelos alunos na intenção de medir os ganhos e perdas

de determinadas partes do corpo. Assim, vimos homens medindo o volume do braço e

do tórax e as mulheres, medindo o volume das coxas, nádegas, barriga e panturrilha.

Certos imaginários e representações corporais também são alimentados nesta

academia, onde se encontra em várias partes da mesma, pôsteres com imagens de

corpos de homens e mulheres considerados “ideais”, conforme foi possível observar.

Muitos alunos aos conversarem entre si e ao mesmo tempo ao olharem para os pôsteres

expostos no ambiente da academia diziam: “um dia vou ser assim!”; “quando chegar

nessa forma física eu deixo de malhar!” ou “meu sonho é chegar nesse nível!”, dentre

muitas outras frases expostas pelos alunos. Apesar dos pôsteres estarem presentes no

ambiente da academia, estas imagens eram constantemente comentadas e visualizadas

pelos alunos nos seus momento de descanso, nas conversas ou no próprio caminhar de

um aparelho para outro. Tais imagens eram uma realidade bastante impactante. Assim,

imagens de corpos que dificilmente são atingidos (padrões hegemônicos) estão

presentes no ambiente da academia, podendo despertar, uma infinidade de sentimentos

Page 27: BB e Anabolizantes

26

como: angústia, ansiedade, medo, insatisfação da imagem corporal, vergonha do corpo,

dentre outros. Cartazes incentivando a modificação da imagem corporal na busca da

“boa forma” também encontram-se presentes no espaço desta instituição social,

incentivando os alunos a se manterem fiéis ao estilo de vida dos exercícios físicos, na

busca de um corpo saudável.

1.3.2. ACADEMIA “B”

Ao chegar à academia, logo se tem a impressão das suas péssimas condições,

realidade esta que se concretiza ao presenciar suas estruturas. O que chama atenção não

é apenas sua estrutura física, mas, os próprios maquinários presentes na academia. A

grande maioria dos maquinários que ali estão são produções artesanais. Os produzidos

industrialmente são arcaicos e bastante depreciados em suas condições. Esta realidade

desperta sensações de insegurança na própria execução dos aparelhos, sendo visível a

ausência de manutenção regular. Em sua totalidade os aparelhos presentes na academia

direcionam-se para a prática de exercícios de força estando ausentes maquinários de

outras atividades físicas. Assim, à academia não possui esteiras, bicicletas ergométricas

ou qualquer outro maquinário que direcione para outra prática fora dos exercícios de

força (musculação). Outra coisa que direciona a atenção é o aspecto de um ambiente

não limpo não só na estrutura da academia, como também, nos próprios aparelhos que

parecem não higiênicos.

Uma situação bastante intrigante nos primeiros dias de observação foi a ausência

da presença feminina no ambiente da academia, dando a impressão que não existia

nenhuma mulher matriculada. Esta realidade se materializou quando tivemos a

informação (do instrutor e dono da academia) que a presente academia contava

aproximadamente com cerca de 125 alunos, todos do sexo masculino. Esta situação

gerava brincadeiras no que tange a ausência da presença de mulheres no ambiente da

academia, mas que por outro lado, tal especificidade foi bastante elogiada e vista como

positiva por muitos alunos. Conversas sobre esta particularidade eram comuns, como

também, o consenso dos alunos ao afirmarem (durante as conversas) que específica

academia é destinada a quem quer modificar a forma corporal no hipertrofiar dos

músculos e não pra ficar olhando para o sexo oposto. No quinto dia de observação, um

Page 28: BB e Anabolizantes

27

dos alunos (em conversa ligada a não presença de mulheres) fez a seguinte alegação

perante todos: “quem vem malhar aqui, vem pra crescer e não pra ficar olhando pra

mulheres...”. Foi possível perceber, que tal característica é motivo de identificação e

satisfação dos próprios alunos ao fazerem comparações críticas com alunos que

frequentam outras academias na intenção de admirar o sexo oposto e não de se dedicar

plenamente ao objetivo de ganhar massa muscular. Conforme as várias conversas

observadas durante os dias de pesquisa, foi possível perceber que alguns alunos

acreditam que alunos de outras academias (principalmente as mais caras do bairro)

“nunca “conseguem ficar “fortes” porque estão na academia mais para a exibição de

roupas, bens materiais e principalmente para admirar as mulheres que ali estão, do que

propriamente para ficar forte ou usando a expressão deles: “pra crescer” ou “pra ficar

grande”.

Igualmente à academia A, os espelhos estão em vários lugares na academia B,

porém, a inferioridade da importância deste elemento em comparação com a outra

academia observada10 foi visível. As práticas e “disputas” frente ao espelho são fugazes

não gerando nenhuma surpresa. Só em alguns momentos logo após a execução de cada

exercício de força, alguns alunos da academia se olham, mas, rapidamente voltam à

prática dos exercícios repetitivos como se cada segundo fosse precioso.

Apesar da trivialidade, é importante ressaltar que durante os exercícios

praticados na academia, específicos estilos de músicas eram executados se adequando

ao lugar comum em todas as academias. Nenhum aluno foi observado utilizando-se de

qualquer aparelho eletrônico para a execução de estilos de músicas em nível individual

para a prática dos exercícios. Porém, alguns alunos ficavam cantando em vários

momentos, músicas que fazem apologia ao uso dos esteroides anabolizantes, dando

forte indício da identificação de determinado grupo social. É como se determinadas

músicas, que fazem apologia ao uso dos hormônios esteroides anabolizantes e situações

objetivas e “positivas” cantadas nelas, servissem como meio de adequação e

fortalecimento da identidade do grupo (grupo dos “bombados”) e consequentemente da

restauração e fixação da sua própria identidade. Também foi possível observar na

presente academia, a utilização de fitas métricas na intenção de medir o volume da

massa muscular. O interessante é que a preocupação exclusiva na medição se aplicava

ao volume do braço, fazendo desta parte do corpo o elemento mais importante.

10 Ver academia A.

Page 29: BB e Anabolizantes

28

A preocupação predominante na academia era com a imagem corporal, na

intenção de modificação da forma física, fato este bastante claro na observação. Assim,

a atenção com a aparência de modo geral era algo não presente entre os alunos, em que

os trajes dominantes, eram camisas regatas e bermudas acompanhadas normalmente de

tênis. A utilização de acessório como luvas, coqueteleiras ou garrafas com qualquer tipo

de substâncias ou até mesmo, contendo simplesmente água, foi uma realidade não vista

nos dias de observações. Contudo, mesmo não sendo uma prática a utilização e

consumo de suplementos alimentares em coqueteleiras ou garrafas no ambiente da

academia, foram percebidas constantemente, conversas entre os alunos sobre

suplemento. Em específicas conversas entre os alunos, foi possível notar o caráter

espetacular que assume o uso de suplementos alimentares no ambiente desta

instituição. Era surpreendente e simplesmente notório, a felicidade na face de certos

alunos ao falar que realizou um compra de suplementos alimentares para potencializar

seus objetivos, no que se refere não só a modificação da forma corporal, mas, para

melhorar o desempenho na academia ou até mesmo, no sentido de arma auxiliar para o

próprio consumo de EAA. Muitos alunos em conversas regulares colocaram o consumo

de específicos suplementos alimentares (normalmente os importados ou nacionais com

marcas e valores que se diferencia dos demais) como algo a ser buscado, chegando

muitas vezes a ser mais que uma necessidade, representando um verdadeiro “sonho”

que precisa ser alcançado. Bastava um aluno comentar entre os colegas algo ligado aos

suplementos alimentares (que vai comprar, que comprou ou que quer e precisa comprar)

para as conversas se expandiram no ambiente da academia. Dicas, conselhos e

experiências no que se trata do uso dos suplementos alimentares eram comuns entre os

alunos. Os sujeitos mais “fortes” da academia ao passarem dicas, conselhos e

experiências ligados ao consumo de suplementos alimentares, uso de EAA e a

formulação das séries de exercícios, despertava a atenção de todos, servindo como

paradigma da ação para os demais frequentadores da academia que tem como objetivo a

hipertrofia dos músculos. Em vários momentos durante a observação foi possível

perceber que muitas ações e “certezas” eram alteradas em “uma só palavra” dos alunos

considerados pelos demais, como referência para a própria prática da musculação. Os

alunos mais “fortes” da academia eram estimados, representavam à referência nas ações

ligada as práticas de musculação, servindo de modelos a serem seguidos, considerados

verdadeiros especialistas nos assuntos ligados a esta prática.

Page 30: BB e Anabolizantes

29

Conversas sobre o consumo dos EAAs e substâncias para uso veterinário eram

uma realidade não menos comum no interior da academia, porém com menor

intensidade. Durante os 12 dias de observações, foi constatado que os alunos conversam

abertamente sobre o consumo de EAA, produtos para uso animal e suplementos

alimentares. Os assuntos mais comuns entre os frequentadores, ligados ao consumo de

tais substâncias, giravam em torno dos seus efeitos “positivos”, dos efeitos colaterais, da

construção dos ciclos, das dosagens, dentre outros. Podemos afirmar que nesta

específica academia, existe um processo de naturalização dos assuntos direcionados ao

uso de esteroides anabolizantes, suplementos alimentares e substâncias para uso

veterinário.

Foi possível notar em vários momentos, a forte tendência que alguns

frequentadores apresentaram com a insatisfação da imagem corporal em níveis

acentuados, mesmo sendo visto pelos outros alunos como modelo corporal a ser

seguido. Esta realidade apresenta forte indício de “transtorno da imagem corporal”

conhecida por alguns como “dismorfia muscular” (ASSUNÇÂO, 2002), que caracteriza

o sujeito em nunca ficar satisfeito com o volume da sua massa muscular. Assim, existe

uma distorção da imagem corporal real fazendo das medidas dos tonos musculares algo

insuficientemente forte e musculoso não aos olhos dos outros, mas, exclusivamente aos

olhos de si. Desta maneira, alguns alunos na academia eram constantemente elogiados

(por amigos e os demais praticantes da academia) devido à elevada hipertrofia muscular

que apresentava, mas, que foi visível o não reconhecimento do mesmo. Em várias

situações, os alunos elogiados afirmaram ainda estarem “fracos” e “pequenos”, mas, que

um dia, chegarão a ficar “grandes” e “gigantes”11. Ao mesmo tempo em que eram

elogiados e admirados, eles apontavam para os diversos pôsteres fixados na parede da

academia, com imagens de fisiculturistas famosos como: Arnold Schwarzenegger,

Ronnie Coleman, Jay Cutler, Gunter Schierkamp, dentre outros. A própria associação

que determinados alunos faziam da sua forma corporal com imagens expostas dos

fisiculturistas, representava o ideal a ser buscado (apesar de diferir na intensidade do

modelo muscular valorizado socialmente), um verdadeiro objetivo de vida para muitos

frequentadores desta academia. As representações e imaginários corporais presentes nas

11 Segundo Assunção (2002), a “dismorfia muscular” que corresponde um dos vários transtornos da imagem corporal (como a bulimia e anorexia), pode fundamentar excessos e obsessões nas atividades físicas, causando prejuízos em outras atividades sociais devido a ausência de tempo para o funcionamento das mesmas.

Page 31: BB e Anabolizantes

30

imagens fixadas na parede da academia direcionavam os alunos para sensações de

insatisfação da imagem corporal, ansiedade, angústia ao mesmo tempo em que

correspondem a elemento de objetivação. Apesar de outros alunos da academia não

terem como ideal o corpo dos fisiculturistas, pois a busca se fecharia na hipertrofia da

massa muscular em menor intensidade (ideal socialmente aceito), a maioria deles não

escondia admiração pelo volume muscular dos body-building profissionais.

Podemos concluir, afirmando que as academias escolhidas (A e B) para a

observação possuem especificidades que as aproximam, como também, as diferenciam,

ambas fermentam a própria busca dos alunos para modificação da forma corporal,

fazendo com que não só o ambiente externo da academia direcione o sujeito para

transformação e construção da forma corporal, mas, o próprio ambiente interno e a

própria sociabilidade presente dentro das academias (A e B) impulsiona esta busca. É

exatamente o que Stéphane Malysse, analisando as academias de ginásticas do Rio de

Janeiro chamou de “verdadeiras instituições pedagógicas do corpo”, um local de

aprendizagem, uma legítima “universidade do corpo” (2002, p. 95).

Page 32: BB e Anabolizantes

31

CAPÍTULO II

TIPOS DE MODELAGEM CORPORAL: DOS SUPLEMENTOS ALIMENTARES AOS QUÍMICOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES

A aparência corporal é cada vez mais uma prioridade na vida do indivíduo

contemporâneo (LE BRETON 2004, 2007, 2011). Neste contexto, transformar o corpo

para muitos virou um projeto de vida e para tanto, muitos indivíduos utilizam-se

(mesmo ilicitamente) de ferramentas disponibilizadas pelo mundo moderno em prol dos

seus objetivos. Assim, um número crescente de pessoas está fazendo uso de substâncias

na intenção de potencializar a transformação da forma corporal em um curto espaço de

tempo, que por outro lado, estes métodos podem não ser os mais adequados a saúde e a

capacidade do seu corpo.

Os Esteroides anabolizantes por possuírem a capacidade de acelerar o

crescimento da musculatura (efeito anabólico), têm feito com que muitas pessoas façam

uso destas substâncias (apesar dos riscos) para melhorar o desempenho e a aparência

física em um mundo cada vez mais voltado para a valorização da beleza e da boa forma.

Realidade idêntica a outras substâncias como é o caso dos suplementos alimentares que

chega como a promessa de realizar verdadeiros milagres, além de ser uma alternativa

“saudável” e “legal” na busca do corpo esteticamente “perfeito”. Porém, algumas

pesquisas em várias partes do mundo apresentam resultados que colocam em dúvida se

os suplementos alimentares são realmente saudáveis e necessários12.

2.1. SUPLEMENTOS ALIMENTARES

A busca de um corpo esteticamente perfeito e a melhora do desempenho na

prática de atividade física (seja atleta ou não atleta) faz com que um número

12 Apesar do foco do trabalho ser sobre o uso de esteroides anabolizantes, a discussão em relação aos suplementos alimentares torna-se relevante porque, muitos indivíduos que fazem uso dos esteroides anabolizantes consideram ideal a sua combinação (quando possível) com os suplementos alimentares com a intenção de ampliar a potencialidade da transformação da forma corporal e da própria atividade física. Junto disso, alguns estudos de diferentes órgãos (SBME- Sociedade Brasileira Medicina do esporte; ANVISA- Agência Nacional de Vigilância Sanitária; FDA- Food and Drug Administration; dentre outros) apontam para a presença de esteroides anabolizantes em diversos suplementos alimentares ampliando a potencialidade do perigo da própria combinação.

Page 33: BB e Anabolizantes

32

incalculável de pessoas cometam abusos no consumo de substâncias na intenção de

potencializar e realizar seus objetivos. Uma nova tendência que se tem observado nas

últimas décadas entre os atletas ou simplesmente praticantes de atividade físicas é a

construção de habitus regulares na utilização de suplementação alimentar como forma

“saudável” e “legal”, capaz de melhorar o desempenho na prática da atividade física

(atleta e não atleta) de modo geral. Desta forma, os suplementos alimentares chegam

com a promessa de verdadeiros milagres, como ferramentas ideais para quem quer

melhorar a performance na atividade física, construir um corpo perfeito, além de

melhorar a saúde e a qualidade de vida.

De modo genérico, os suplementos alimentares foram criados com a finalidade

de suplementar a dieta com alguma deficiência, ou seja, em suprir uma possível

carência dos nutrientes necessários e essenciais a cada organismo humano. São

indicados para pessoas que não conseguem suprir suas necessidades básicas de

nutrientes somente com alimentação habitual. E por ser tratarem de alimentos sintéticos

de alta qualidade, são “recomendados” e principalmente utilizados por pessoas de todos

os sexos e todas as gerações. E não só isso, os suplementos alimentares também são

utilizados com a intenção de melhorar o desempenho em qualquer atividade física, seja

por um atleta de alto nível ou até mesmo, por qualquer pessoa que pratica exercícios

físicos. Esta realidade fez com que nas últimas décadas, houvesse um crescimento

assustador na utilização dos suplementos alimentares, estando presente na construção de

dietas de um número bastante significativo de pessoas. Além do mais, a cada dia surge

um produto novo e com eles, novas premissas para objetivação da satisfação e

necessidade pessoal, principalmente no que envolve a potencialização da performace e a

modificação da forma corporal.

Existe uma pluralidade de suplementos alimentares com finalidades específicas,

ligadas às práticas esportivas, a manutenção da saúde, a melhora da qualidade de vida,

dentre outras. Os suplementos alimentares são fabricados para serem administrados na

forma de pílulas, cápsula, géis, líquidos, pós, chicletes, balas, barras e muitos outros.

Essa variedade de suplementos alimentares podem ser comprados facilmente em

farmácias, supermercados, lojas especializadas, na internet, etc (PHILIPPI, 2004). E

apesar de conter em seus rótulos, o dizer – consumir sob orientação de um nutricionista

ou médico—, os suplementos alimentares podem ser adquiridos sem prescrição médica

ou de qualquer especialista (nutricionista ou profissional de educação física), além do

Page 34: BB e Anabolizantes

33

mais, muitos dos suplementos alimentares não oferecem qualquer tipo de contra-

indicação ou possíveis efeitos colaterais em suas embalagens.

Muitos dos suplementos alimentares que se consume, contêm nutrientes que

estão presentes em muitos dos alimentos ingeridos diariamente como é o caso das

proteínas, dos carboidratos, das vitaminas, dos minerais e muitos outros. De qualquer

modo, são nutrientes que podem ser administrado para uma infinidade de funções

orgânicas, seja energética; construção e manutenção de vários tipos de tecido;

manutenção e fortalecimento do sistema ósseo; além de outros elementos essenciais

para o organismo como todo, como por exemplo, as vitaminas e os minerais (ARAÚJO

& ANDREOLO & SILVA, 2002; PHILIPPI, 2004). Hoje é comum ouvir dos usuários

dos suplementos alimentares que tais substâncias administradas em “quantidade

apropriada” são benéficas a saúde e ao bem-estar do individuo, porém, não se tem um

consenso do que seria esta “quantidade apropriada” para tal benefício, ao mesmo tempo,

da quantidade excessiva que possa causar algum risco à saúde. A única certeza quando

se discute a importância, a necessidade e a quantidade do consumo de suplementos

alimentares é a relação conflitante das informações passadas pelos sistemas

especializados13.

Acredita-se o os suplementos alimentares são substâncias capazes de otimizar o

desempenho em qualquer atividade física, principalmente atlética. Capaz de

proporcionar ao atleta ou ao simples praticante de atividade física, a supressão dos

elementos básicos e essenciais extremamente importantes para qualquer prática de

exercícios físicos. Este fato faz com que se amplie o uso de ergogênicos (substâncias

que potencializam o desempenho das atividades físicas) como ferramentas inseparáveis

em qualquer prática de exercícios físicos. Uma modalidade de atividade física que vem

se destacando nos últimos anos na utilização de suplementos alimentares para fins

ergogênicos é a prática da musculação (ARAÚJO & ANDREOLO & SILVA, 2002;

CARVALHO, 2003). Observamos nas últimas décadas a tendência de muitos

frequentadores de academia de ginástica fazerem uso abusivo de substâncias 13 Os embates entre os conhecimentos especializados nas suas afirmações e contra-afirmações, proporcionando posições conflitantes, ao mesmo tempo, que dissemina diferentes teses sobre a mesma realidade, fermenta sensações de incertezas e inseguranças afetando de maneira decisiva as opções e escolhas individuais, principalmente no que envolve a construção dos estilos de vida. Para Anthony Giddens (2002, p. 10), “a modernidade institucionaliza o princípio da dúvida radical e insiste em que todo conhecimento tome forma de hipótese – afirmações que bem podem ser verdadeiras, mas que por princípio estão sempre abertas à revisão e podem ter que ser em algum momento, abandonadas”. Assim, ampliam-se as “discordâncias internas entre especialistas” (2002, p. 14).

Page 35: BB e Anabolizantes

34

nutricionais para potencializar a própria prática de exercícios nas academias e assim,

para concretizar os objetivos traçados. Alguns fatores contribuem para a intensificação

deste fenômeno, são eles: 1- a supervalorização da imagem corporal que acompanhamos

na contemporaneidade sob uma atmosfera do culto ao corpo; 2- a formação de

contornos corporais ideais cada vez mais difíceis de serem atingidos; 3- a produção e

difusão de produtos provindos da indústria da beleza e da boa forma que prometem

verdadeiros milagres na realização dos anseios individuais, principalmente sobre a égide

de nossa sociedade do consumo; 4- a ausência de controle de vigilância sanitária,

desencadeando um comércio ilegal de produtos funcionando muitas vezes no próprio

ambiente das academias de ginástica, contando com a participação (direta ou indireta),

de profissionais ligados à prática de exercícios físicos dentre outros; 5- a venda de

suplementos alimentares sem a necessidade de prescrição de um médico ou nutricionista

para aquisição dos produtos; além de outros fatores. Além de tais fatores evidenciarem

uma situação preocupante, alguns estudos (ARAÚJO & ANDREOLO & SILVA, 2002;

CARVALHO, 2003) apontam que uma quantidade cada vez maior de pessoas (que

desempenham alguma atividade física) acreditam que a própria prática de exercícios

físicos requer diretamente o próprio consumo de suplementos alimentares.

Os objetivos para utilização dos suplementos alimentares por frequentadores de

academias de ginástica são os mais variados. E desta forma, muitas pessoas que

frequentam academia de ginástica consomem suplementos alimentares para

desenvolvimento de massa muscular, queima de gordura corpórea, ganho de força,

aumento da energia, para a ingestão de nutrientes essenciais e “necessários” a quem

pratica exercícios físicos (como as vitaminas e minerais), para redução do catabolismo

igualmente da fadiga e cansaço, dentre muita outras motivações.

Apesar do uso cada vez maior de suplementos alimentares por frequentadores de

academia de ginástica, muitas vezes esta utilização é feita de modo errado ou

desnecessário, aumentado os riscos à saúde. Um estudo realizado pela universidade de

Montreal no Canadá verificou que a grande maioria das pessoas que fazem uso de

suplementação alimentar, não tem conhecimento necessário para o consumo destas

substâncias. Situação que se agrava principalmente porque a grande maioria dos

consumidores de suplementos alimentares não fazem nenhuma avaliação clínica que

mostrem a necessidade de utilização de tais substâncias. Ainda segundo esta pesquisa,

Page 36: BB e Anabolizantes

35

até mesmo os atletas possuem conhecimento deficiente para utilização de

suplementação alimentar, fazendo uso errado e muitas vezes desnecessário14.

Portanto, a grande maioria dos consumidores de suplementos alimentares não

tem conhecimento necessário para a própria utilização destes produtos ou ao menos,

desconhecem os próprios riscos que estão sujeitos ao fazerem mau uso destas

substâncias. Como aponta vários estudos (CARVALHO, 2003; PHILIPPI, 2004), apesar

do consumo exagerado dos suplementos alimentares estarem presentes nos habitus de

uma parcela significativa de nossa população, o uso destas substâncias pode

proporcionar sérios riscos à saúde15. Para o pesquisador Martin Fréchette da

universidade de Montreal16, os suplementos alimentares trazem alguns riscos à saúde,

pois, “sua pureza e preparação não são tão controlados como os medicamentos”. Assim,

para este pesquisador, os “suplementos geralmente contêm outros ingredientes além dos

listrados no rótulo” fazendo com que muitas pessoas façam uso de “substâncias

proibidas sem saber”17. Em uma reportagem no “New York Times” sobre a utilização

dos suplementos alimentares nos Estados Unidos (Study Urges More Oversight of

Dietary Itens)18, foi destacado os riscos do consumo inadequado de tais substâncias que

segundo o relatório divulgado pela FDA (Food and Drug Administration)19, em 2008

foram relatados 948 casos de problemas de saúde ligados ao consumo dos suplementos

alimentares. Destes 948 casos, 9 óbitos, 64 casos graves e 234 hospitalizações

associados a utilização de várias substâncias contidas nos suplementos alimentares.

Ainda segundo esta matéria, o relatório divulgado pela FDA aponta, que dezenas de

marcas líderes de consumo nos EUA continham substâncias ilegais que além de não

14 Disponível em: http://www.nouvelles.umontreal.ca/udem-news/news-digest/protein-supplements-are-misused-by-athletes.html 15 Vários órgãos nacionais (SBME- Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte; ANVISA- Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e internacionais (ADA- American Dietetic Association; FDA- Food and Drug Administration) tem divulgado constantemente os sérios riscos do uso abusivo de suplementos alimentares. 16 Disponível em: http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=suplementos-alimentares-mal-utilizados-pelos-atletas&id=4933 17 Na pesquisa realizada por Martin Fréchette, os suplementos com substâncias proibidas são principalmente os destinados para os atletas de alto nível ou amadores. Os suplementos de proteína foram apontados na pesquisa como os grandes vilões. Estes suplementos de proteína são produtos comumente utilizados por frequentadores de academia de ginástica, essencialmente no que envolve os exercícios de força. 18 Disponível em: http://www.nytimes.com/2009/03/04/business/04diet.html?_r=2 19 FDA (Food and Drug Administration) é um instituto governamental norte- americano que realiza o controle dos alimentos, dos suplementos alimentares, dos cosméticos, etc.

Page 37: BB e Anabolizantes

36

estarem presentes nos rótulos, poderiam colocar em risco a saúde dos consumidores20.

Nesta mesma linha, um estudo realizado pelo instituto “Adolfo Luiz” com vários

suplementos alimentares (principalmente aqueles consumidos por praticante de

musculação), materializou uma suspeita, apresentando um resultado assustador. Foram

analisados 111 produtos de diversas marcas (nacionais e internacionais), onde 25% dos

suplementos continham esteroides anabolizantes, evidenciando as várias suspeitas de

que muitos dos suplementos alimentares possuem substâncias prejudiciais a saúde. O

agravante (segundo esta pesquisa) é que muitas substâncias não informadas na

embalagem estavam presentes nos compostos suplementares analisados21, realidade

idêntica à observada pela FDA com os suplementos mais utilizados nos EUA.

Mesmo com as evidências, ainda existem várias divergências sob os verdadeiros

riscos à saúde do consumo dos suplementos alimentares embora, todos concordem com

os perigos do uso indiscriminado e indevido de tais substâncias (CARVALHO, 2003).

Philippi (2004, p. 76).

Por fim, embora que os diversos estudos apontem (apesar das controversas) para

os riscos da utilização (abusiva ou desnecessária) dos suplementos alimentares, ainda

assim eles são amplamente consumidos a fim de evitar doenças, melhorar a qualidade

de vida, potencializar o desempenho na atividade física, como também transformar e

construir a forma corporal.

2.2. ESTEROIDES ANABOLIZANTES

Os hormônios esteroides anabólicos androgênicos (EAAs), também conhecidos

comumente como esteroides anabolizantes, compreendem as substâncias ligadas aos

hormônios sexuais masculinos, mais precisamente a testosterona e seus derivados22.

Estas “drogas masculinizantes23” possuem tanto propriedades anabólicas como

androgênicas. Nas suas propriedades anabólicas são responsáveis pelo crescimento e a

20 Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2009/03/12/new-york-times-questiona-a-seguranca-dos-suplementos-alimentares/ 21 Disponível em: http://saude.abril.com.br/edicoes/0309/corpo/conteudo_448564.shtml?pag=2 22 Quimicamente, a fórmula estrutural da testosterona está na base de todos os anabólicos. 23 Cesar Sabino (2004) coloca os EAA, como “drogas masculinizantes” por serem drogas constituídas em geral, por hormônios masculinos, portanto, virilizantes proporcionando a hipertrofia da massa muscular além de algumas características essenciais da masculinidade.

Page 38: BB e Anabolizantes

37

divisão celular, provocando o desenvolvimento de diversos tipos de tecidos

principalmente o muscular e ósseo. No que se refere as suas propriedades androgênicas,

são responsáveis pelas características sexuais associadas à masculinidade. Tais

propriedades androgênicas dos EAAs em geral, são as responsáveis pela maioria dos

efeitos colaterais (SILVA & DANIELSKI, & CZEPIELEWSKI, 2002; SANTOS,

2007). Contudo, já se buscou desenvolver EAA para que se obtenha propriedade mais

anabólica do que efeitos androgênicos, porém, não se conhece hoje nenhum composto

sintético anabólico (esteroides anabolizante) que não apresente propriedades

androgênicas (MOREAU & SILVA, 2003).

É importante ressaltar que qualquer organismo humano (também animal), possui

um conjunto de processos metabólicos (positivos) chamados de anabolismo. Os

anabolizantes (esteroides ou naturais) são substâncias capazes de auxiliar (acelerar) este

processo, ou seja, a construção e crescimento do corpo físico (tecidos corporais),

principalmente a massa muscular do indivíduo de um modo geral. Por possuir esta

especificidade, os EAAs chegam com a finalidade de gerar uma ação anabólica como

arma auxiliar para potencializar a aceleração deste processo de construção da massa

muscular.

Os EAAs são medicamentos (drogas) a base de hormônio masculino,

sintetizado para que se obtenha o mesmo efeito da testosterona, podendo ser

administrado na forma de comprimido24 ou injeção intramuscular25 (SABINO, 2004;

SANTOS, 2007). Como características principais podem-se destacar: a sua capacidade

de fixar proteínas, de reter água e nitrogênio, de aumentar o número de glóbulos

vermelhos, de reduzir os estoques de gordura corporal, dentre outras. Tais condições são

indispensáveis para o desenvolvimento e aumento do tecido muscular (SANTOS,

2007).

Os esteroides anabolizantes surgiram por volta dos anos 30 do século passado,

mais precisamente na Alemanha e com o passar dos anos expandiu-se pelo mundo.

Foram inicialmente sintetizados para sua utilização terapêutica no tratamento de várias

doenças. Hoje é utilizado pela medicina no tratamento de algumas doenças e distúrbios

tais como: alguns tipos de cânceres, osteoporose, hipogonadismo, estados catabólicos 24 Os EAAs administrados via oral são mais arriscados, proporcionando uma maior probabilidade de aparecimentos de tumores e cistos hepáticos (SANTOS, 2007). 25 A maioria dos esteroides anabolizantes é administrada na versão injetável. Este processo de administração é o menos nocivos em face aos orais, por não passar pelo processo de alcalinização, ou seja, não sendo processados pelo fígado.

Page 39: BB e Anabolizantes

38

(raquitismo, HIV, graves queimaduras), deficiência nos níveis de testosterona,

problemas nos testículos, dentre muitos outros26 (SILVA & DANIELSKI, &

CZEPIELEWSKI, 2002; SANTOS, 2007). Existem, portanto, historicamente,

indicações médicas para a utilização dos esteroides anabolizantes no que se refere ao

tratamento de determinadas patologias e doenças27.

Não obstante, o uso dos esteroides anabolizantes não ficou restrito apenas ao

campo do tratamento de doenças, seu uso também se expandiu para o campo das

práticas desportivas (SABINO, 2004, 2007; SANTOS, 2007). Em meados do século

passado, os fisiculturistas e halterofilistas norte americanos começaram a utilizar os

esteroides anabolizantes para o crescimento do tecido muscular e respectivamente para

ganho de força. Além do mais, tinham por objetivos melhorar a estética corporal e o

desenho dos corpos (MOREAU & SILVA, 2003; SABINO, 2007; SANTOS, 2007).

Porém, segundo Santos (2007), na década de 60 este uso se expandiu para várias

modalidades no mundo do desporto, com a intenção de aumentar a força física, a massa

muscular e consequentemente o desempenho atlético. Em diversas outras modalidades

os esteroides anabolizantes tiveram grande aceitação, seja no boxe, no atletismo, na

natação, no ciclismo, nas lutas, dentre outros28 (SILVA & DANIELSKI, &

CZEPIELEWSKI, 2002; SABINO, 2007). Ainda para esse autor (2007. p. 30), na

atualidade o consumo de esteroides anabolizantes no esporte é ainda bastante elevado,

podendo até dizer que vem crescendo devido a “necessidade” de muitos atletas de

“vencer a qualquer custo” colocando a saúde, a carreira e até a própria vida em risco.

A partir dos anos 80 o uso dos EAAs sofreu profundas mudanças, efeito do

fenômeno do culto ao corpo onde os ideais de beleza e boa forma se acentuaram. Como

bem observou Castro (2007), neste período, a preocupação com o corpo alcançou uma

visibilidade e espaço no interior da vida social jamais vista anteriormente, fazendo com

que os cuidados com o corpo fossem uma prática do cotidiano. Esta realidade contou

com o aparecimento e proliferação das academias de ginásticas por todos os centros

26 A terapia androgênica pode ser utilizada também para o tratamento da anemia, problemas renais, estatura elevada, em situações especificas de obesidade, em doença obstrutiva pulmonar crônica, no tratamento de baixa estatura derivada da síndrome de Turner, no tratamento para crescimento peniano, etc. 27 Nos rótulos dos EAAs contêm uma faixa vermelha indicando: “venda sob prescrição médica” e/ou “só pode ser vendido com retenção da receita” (PHILIPPI, 2004, p. 107). 28 A partir de 1976 o comitê olímpico internacional (COI) estabeleceu proibições a certas substâncias endógenas e exógenas que estavam sendo bastante utilizadas na intenção de melhorar o desempenho do atleta em competições oficiais. A utilização de esteroides anabolizantes por atletas são ações proibidas no mundo do desporto conforme designações do COI.

Page 40: BB e Anabolizantes

39

urbanos, fazendo com que o uso dos esteroides anabolizantes atingisse (de forma ilícita)

um novo segmento da população, como os frequentadores de academias de ginástica ou

os Body-Building. Então a partir deste momento, o uso dos esteroides anabolizantes

tornou-se uma prática comum não só no campo da medicina e do desporto, como

também, ligadas a questões relacionadas à aparência corporal (estético) na busca pela

construção e modelação da forma corpórea (SANTOS, 2007; IRIART & CHAVES &

ORLEANS, 2009).

Atualmente, o crescimento no uso dos esteroides anabolizantes para fim

puramente estéticos tornou-se uma realidade bastante comum alcançando proporções

alarmantes como se pode observar em alguns estudos (MANETTA & SILVEIRA,

2000; RIBEIRO, 2001; MOREAU & SILVA, 2003; IRIART & CHAVES &

ORLEANS 2009; entre outros). Para Santos (2007, p. 34), o que estamos presenciando

em relação ao elevado consumo de esteroides anabolizantes é uma realidade parecida

com a que foi o fumo no início do século passado, onde o ato de fumar foi visto como

moderno, atraente e os usuários adquiriam problemas de saúde sem que tivessem acesso

às informações. Vemos com isso, muitos usuários de esteróide anabolizante com uma

aparência de boa saúde e uma bela forma corporal o que de certa forma camufla os

riscos e os problemas do uso destes aditivos.

Segundo dados do CEBRID29, nas últimas décadas, houve um crescimento

assustador no consumo das “drogas da imagem corporal” (EAA) que incluem os

frequentadores de academias de ginástica (Body-Building). Os índices destacam o uso

crescente e preocupante no Brasil, não só entre os atletas e pessoas na busca por uma

melhor aparência corporal, mas de forma assustadora em segmentos quase ausentes nas

outras pesquisas, como é o caso dos adolescentes e das mulheres. Nos adolescentes o

uso se torna bastante preocupante pelo fato de existir uma tendência de intensificação

do uso, a fim de, obter rapidamente uma forma corporal desejada, não havendo entre

tais usuários um conhecimento mais acusado dos ricos. Além do mais, o uso dos EAAs

em adolescentes pode descontrolar totalmente o seu desenvolvimento, seu crescimento e

o próprio quadro metabólico aumentando o risco dos efeitos colaterais graves. Já nas 29 O CEBRID é o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, que funciona no departamento de Psicobiologia da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), antiga Escola Paulista de Medicina. É uma entidade sem fins lucrativos. Esse centro ministra palestras, cursos e reuniões científicas sobre o assunto Drogas, publica livros, faz levantamentos sobre o consumo de drogas, mantém um banco de trabalhos científicos brasileiros sobre abuso de drogas e publica um boletim trimestral, sendo constituído por uma equipe técnica composta de especialista nas áreas da medicina, sociologia, antropologia, farmácia-bioquímica, psicologia e biologia.

Page 41: BB e Anabolizantes

40

mulheres, existe uma maior sensibilidade para danos provocados pelos efeitos colaterais

no uso dos EAAs por serem hormônios essencialmente masculinos.

Nos últimos anos, o consumo destas drogas praticamente triplicou sendo

possível a afirmação de que hoje o consumo de esteroides anabolizantes virou uma

epidemia, principalmente entre os frequentadores de academias de musculação. Em

pesquisa realizada pelo CEBRID em 2001, cerca de 540 mil brasileiros admitiram o uso

destes produtos, número este que passou para mais de 1,3 milhão em 200530. De acordo

com os dados desta pesquisa, o esteróide anabolizante foi a droga que ganhou mais

espaço entre os jovens superando a maconha, a cocaína e o crack. Ainda segundo esta

pesquisa, a principal motivação pela procura destas drogas foi à melhoria da forma

corporal no desejo de ficar com o corpo “sarado31”. Para Santos (2007), o crescimento

no uso dos esteroides anabolizantes no Brasil já corresponde uma realidade crescente

acompanhando os elevados índices de outros países como Estados unidos, Canadá,

Suécia, etc. Apesar dos números apontados pela pesquisa do CEBRID serem bastante

alarmantes, representando a situação caótica do consumo dos esteroides anabolizantes,

acredita-se que os índices apresentados encontram-se defasados na atualidade, devido

ao elevado período do último levantamento. Além do mais pouco se tem feito para

combater a produção (clandestina), a comercialização (branda fiscalização) e o próprio

consumo (com políticas públicas) como acreditam alguns autores (SABINO, 2004;

SANTOS, 2007), principalmente em períodos de radicalização do fenômeno do culto ao

corpo.

Outras pesquisas (ARAÚJO & ANDREOLO & SILVA, 2002; MOREAU &

SILVA, 2003; IRIART & CHAVES & ORLEANS, 2009) também apontam para o

crescimento assustador no uso dos esteroides anabolizantes, tendo como principal

motivação a preocupação estética na busca por uma melhor aparência corporal. Além do

mais, em uma pesquisa feita por Iriart & Chaves (2009), foi constatado que usuários de

diferentes classes sociais (classe popular e média) na cidade de Salvador BA, utilizam

esteroides anabolizantes por preocupações puramente estéticas. Esta realidade parece 30 Conforme dados desta pesquisa os maiores usuários são homens entre 17 a 34 anos. Porém nos últimos anos o uso dos EAAs vem crescendo entre as mulheres. Normalmente o consumo dos esteroides anabolizantes é uma prática mais comum entre os indivíduos do sexo masculino, isso devido à razão, de os usuários estarem em busca do crescimento da massa muscular, elemento este não muito bem aceito entre as mulheres. Ainda de acordo com dados da pesquisa, a região sudeste foi apontada como a área de consumo maior dos EAAs, apesar de na região nordeste, a utilização deste aditivo ter crescido consideravelmente em comparação com a pesquisa anterior.

31 Informações sobre a pesquisa no sítio: www.cebrid.epm.br.

Page 42: BB e Anabolizantes

41

representar um cenário mais global diante do fato que nos dias atuais existe uma

intensificação da preocupação com a imagem corporal estando cada vez mais

disseminadas em diferentes classes sociais, profissões e faixas etárias como bem

observou Mirian Goldenberg (2007). Porém, Luc Boltanski (1989) afirma que por mais

que diferentes classes sociais se preocupem com a imagem corporal, esta preocupação

não é a mesma em todas as classes, pois, as condições materiais e objetivas, as regras e

normas dentro da cultura somática enraizadas em cada classe social, tornam esta busca

diferenciada.

Em suma, muitas pessoas fazem uso dos hormônios esteroides anabólicos

androgênicos (EAAs), na busca de construir um corpo “sarado”, “bombado” em um

curto espaço de tempo e com menos esforço. Podemos dizer, de acordo com o

levantamento feito pelo CEBRID, que o consumo de esteroides anabolizantes no Brasil

já perdeu o controle, tornando-se um problema de saúde pública. Assim, indivíduos na

busca de construir, manter ou esculpir o seu invólucro corpóreo para uma melhora da

aparência corporal, vêm recorrendo cada vez mais aos esteroides anabolizantes,

desconsiderando a automedicação e a superdosagem na tentativa de realização dos

objetivos traçados. O problema torna-se mais grave, quando o uso abusivo se faz dentro

das academias de ginásticas na intenção de melhoria da aparência corporal, levando

muitas pessoas em uma rede de sociabilidade a utilizarem estas drogas ilícitas em

dosagens bem maiores das recomendadas pelos médicos em qualquer tratamento

terapêutico.

Conforme elucidou Santos (2007, p. 11), existe alguns motivos para os

indivíduos fazerem uso dos EAAs. Por questões ligadas ao esporte, com o objetivo de

melhorar o desempenho e aumentar a possibilidade de vitória. Por motivos ligados a

saúde na utilização dos EAAs em algum tratamento terapêutico. E por fim, por questões

puramente estéticas na busca de construir um “corpo perfeito”. Para este autor, as

motivações ligadas ao esporte e ao caráter estético são para fins socialmente

descartáveis, diferentemente do seu uso com fins terapêuticos. Além destes motivos

colocados por Santos, podemos acrescentar aqueles ligados ao mundo do trabalho como

é o caso dos “seguranças privados”, ao qual o uso dos EAAs pode potencializar o

acesso ao emprego como também a própria manutenção ocupacional.

Muito do consumo dos EAAs está ligado aos seus efeitos esperados, ou seja, na

confiança da eficácia das suas substâncias para o aumento da massa muscular em tempo

acelerado, para a redução do teor de gordura corporal, para o fortalecimento dos ossos,

Page 43: BB e Anabolizantes

42

para a redução do catabolismo e da fadiga muscular, dentre outros. Para muitos

indivíduos, os EAAs, ao serem utilizados proporcionam o aumento da autoconfiança, da

auto-estima, da motivação, do entusiasmo, da força, da energia, da explosão muscular,

do aumento do desempenho na atividade física em geral, etc. (ARAÚJO &

ANDREOLO & SILVA, 2002). Porém, apesar das controvérsias sobre os efeitos

“positivos” do uso dos esteroides anabolizantes para fins não terapêuticos, Santos

(2007) acredita que mesmo não existindo comprovações científicas conclusivas e

informações que comprovem significativamente os efeitos “positivos” do uso, alguma

coisa existe de concreto, pois, não haveria sentido utilizar se não tivesse alguma

“verdade” do efeito esperado.

Existe uma infinidade de esteroides anabolizantes que podem ser administrados

através de cápsula ou via injeção intramuscular. Para citar alguns podemos destacar;

QUADRO 1 Lista de alguns EAA segundo CEBRID

Nome comercial Substâncias Administração

Anabol

Anabolicum vister

Anadrol

Anavar

Androxon

Hemogenin

Deca- Durabolin

Decaland Depot

Depo-testosterone

Durabolin

Durateston

Parabonan

Primobolan

Testenat Depot

Winstrol

Metandrostenolona

Quimbolona

Oximetolona

Oxandrona

Undecanoato de testosterona

Oxandrona

Decanoato de nandrolona

Decanoato de testosterona

Cipionato de testosterona

Undecilenato de boldenona

Propionato de testosterona

Trembolone

Mentelona

Enantato de testosterona

Estanozolol

Oral

Oral

Oral

Oral

Oral

Oral

Injetável

Injetável

Injetável

Injetável

Injetável

Injetável

Injetável/ Oral

Injetável

Injetável/ Oral

Page 44: BB e Anabolizantes

43

Não obstante, o uso de esteroides anabolizantes pode provocar graves danos à

saúde podendo levar a óbito o indivíduo, devido a sua característica essencialmente

androgênica, responsável pelos diversos efeitos colaterais conhecidos pelo consumo

desses aditivos32. São inúmeros os efeitos colaterais de longo e curto prazo relacionados

as “drogas” da imagem corporal”. Para muitos autores (IRIART & ANDRADE, 2002;

SANTOS, 2007) os efeitos colaterais se acentuam com o consumo de altas dosagens

sendo administradas por um longo período de tempo. Os efeitos colaterais podem ser

classificados em dois níveis; os leves e os graves. Os efeitos colaterais leves são: o

aparecimento de acne, queda de cabelo (calvície), aparecimento e crescimento

exagerado de cabelos pelo corpo, seborréia, dentre outros. Já os efeitos colaterais graves

são: o desenvolvimento de doenças coronarianas (infarto, morte súbita, hipertrofia

cardíaca), cânceres (fígado e intestino), doenças hepáticas, hipertrofia ou atrofia

testicular, dentre muitos outros (SANTOS, 2007).

Segundo informações do CEBRID, o uso indevido dos EAA pode provocar:

• Nos homens e adolescentes: redução da produção de esperma,

impotência, dificuldade ou dor para urinar, calvície e crescimento

irreversível das mamas (ginecomastia).

• Mulheres e adolescentes: aparecimento de sinais masculinos como

engrossamento da voz, crescimento excessivo de pelos pelo corpo,

perda de cabelo, diminuição dos seios, pelos faciais (barba).

• Em pré-adolescentes e adolescentes de ambos os sexos: finaliza

prematuramente o crescimento, deixando-os com estatura baixa para o

resto da vida.

• Em homens e mulheres de qualquer idade: aparecimento de tumores

(câncer) no fígado, perturbação da coagulação do sangue, alteração do

colesterol, hipertensão, ataque cardíaco, acne, oleosidade do cabelo e

aumento da agressividade que pode manifestar-se em brigas33.

32 Os efeitos colaterais são diferentes no que se refere às questões de gênero. Nas mulheres, são mais agressivos porque elas possuem um nível baixo de testosterona. Nelas, pode-se conter: alteração da voz (efeito irreversível), aparecimentos de pelos no corpo com características masculinas, hipertrofia do clitóris, atrofia da mama, além de alguns efeitos que também são desenvolvidos nos homens. É importante reafirmar, que os riscos no uso dos esteroides anabolizantes nos adolescentes são maiores do que no indivíduo adulto devido às mudanças hormonais a que os adolescentes estão passando. 33 Segundo pesquisa do CEBRID de 2009, o consumo dos esteroides anabolizantes estimula a agressividade. Conforme a pesquisa, não é apenas o dano cerebral que induz à violência. “Aparecida Nappo” uma das responsáveis pela pesquisa, afirmou que a maioria dos usuários está em academias, em

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44

• Os usuários que injetam esteroides anabolizantes com técnicas

inadequadas e não estéreis ou dividem agulhas contaminadas com

outros usuários, correm o risco de contrair infecções como HIV,

Hepatite B e C.

• O consumo destas drogas podem provocar mudanças de

comportamento como: aumentando da irritabilidade, alteração de

humor, distração, esquecimento e confusão mental.

• A dependência química pode ser percebida nos usuários que

continuam tomando esteroides anabolizantes mesmo depois de terem

tido alguma consequência causada pelo consumo destas drogas.

• Para os usuários que vêm tomando altas doses de anabolizantes por

muito tempo além de não ser fácil deixar de usar estas drogas devido a

dependência química, podem ocasionar com o fim do uso: fadiga

constante dos músculos, perda de apetite, insônia noturna, redução do

desejo sexual e até depressão, que em casos extremos pode levar à

tentativa de suicídio.

Apesar dos sérios efeitos colaterais colocados acima, o risco do uso destas drogas

podem se intensificar, conforme a possibilidade de utilização dos EAAs (principalmente

por frequentadores de academia de ginástica) provindas do mercado negro. Desta forma,

o tráfico ilegal dos EAAs coloca em dúvida a própria qualidade do produto. Além do

mais, muitos dos EAAs que já não são mais fabricados continuam sua comercialização

(ilegal), dando forte indício que sua produção é realizada em laboratórios ilegais. Esta

realidade proporciona uma imprevisibilidade absoluta dos reais perigos e riscos do uso

dos esteroides anabolizantes, pois não se sabe exatamente a sua procedência e os danos

que podem causar (principalmente os falsificados).

Em suma, não há dúvida do sucesso destas drogas nos últimos anos,

principalmente entre os frequentadores de academias de ginástica, reflexo e efeito

colateral do fenômeno do culto ao corpo onde, uma quantidade crescente de indivíduos

em busca da perfeição corporal consome ilegalmente estes produtos perigosos.

busca de músculos. A força trazida pela droga tem impacto nas atitudes. A auto-confiança incentiva brigas. Ainda segundo esta pesquisadora, a maioria dos entrevistados apresentou algum sinal clássico do vício. Em suas palavras: “eles reduziam toda vida à malhação, ficavam afastados da família e amigos e suportavam qualquer sequela para atingir o objetivo de ficar maiores”. Informações no sito: www.cebrid.epm.br e www.globo.com do dia 15-03-09. Acessado em 17- 10-2011.

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45

CAPÍTULO III

TRANSFORMAÇÃO DO CORPO ANABOLIZADO: O QUE DIZEM OS USUARIOS?

3.1. BODY-BUILDERS E A CULTURA DA “MALHAÇÃO”

De modo genérico, o termo “body-building” (bodybuilding) corresponde ao

“corpo- transformado” ou “corpo em transformação” que são normalmente designados

por aqueles que frequentam academias de musculação (atletas ou não atletas), que por

meio de exercícios de força (utilização de aparelhos e alteres) buscam “modificar” e

“construir” seu invólucro corpóreo. Assim, os body-building ligam-se aos atores que

têm como objetivo principal desenvolver os músculos no sentido da sua hipertrofia,

realizando-a através de trabalhos intensos com pesos e repetições em série.

Por muito tempo, o termo body-building (body-builder)34 foi associado aos

fisiculturistas profissionais que por meio de exercícios com pesos buscavam modificar a

forma corporal, para a participação de eventos e posteriormente de torneios, na

exposição principalmente da força física (em maior intensidade) e das suas formas

corpóreas no seu caráter estético. Tais eventos e competições eram verdadeiros

espetáculos de exibição de forças e desenhos corporais, causando espanto aos que

presenciavam específicos acontecimentos35. Com o passar dos anos, as competições e

eventos de fisiculturismo foram tornando-se cada vez mais profissionais. Neste

momento, a importância da força física em si aos poucos foi sendo deixada de lado,

concentrando-se maior atenção a forma corpórea no seu caráter estético. Segundo Cesar

Sabino (2004, p. 45), com o passar dos anos e com o desenvolvimento do

fisiculturismo, “o uso da força passou a restringir-se às apresentações de halterofilismo,

enquanto o body-building constituiu-se gradativamente tendo por objetivo apenas a

apresentações da forma muscular.” No final do século XIX e principalmente no começo

34 O terno Body-builder foi criado por Friederich Wilhelm Müller mais conhecido como Eugen Sandow (nome artístico adotado pelo mesmo quando trabalhava no circo). Praticamente toda literatura ligada ao fisiculturismo e musculação considera Sandow como o primeiro fisiculturista famoso, portanto, o pai do body-builder. Ele foi o primeiro homem a organizar campeonatos de cultura física em 1901 dando os primeiros passos para esta modalidade esportiva. O termo body-builder foi exposto pela primeira vez em 1898 quando saiu à publicação da primeira revista (Sandow magazine) destinada ao fisiculturismo tendo como autor o próprio Sandow (SABINO 2004). 35 Sobre as origens dos body-builders ligados ao fisiculturismo ver Cesar Sabino (2004) e Jean Jacques Courtine (1995).

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46

do século XX houve uma expansão das atividades do fisiculturismo, com surgimentos

de campeonatos profissionais, inauguração de academias, publicações de revistas

ligadas aos body-building, criação de novos métodos e aparelhagens para execução dos

exercícios, dentre outros. Com a intensificação cada vez maior dos treinos, das dietas e

da disciplina; o físico dos fisiculturistas se consolidou como uma identidade própria se

distinguindo efetivamente das demais modalidades esportista e posteriormente, dos

simples frequentadores de academia de musculação na intenção não profissional e sim

estética ou de saúde. O crescimento do fisiculturismo neste período deve-se

principalmente aos seus pioneiros, como o alemão Eugen Sandow e os americanos

Bernarr Mac Fadden e Charles Atlas. Na metade do século XX o fisiculturismo nos

EUA se consolida como hegemônico, influenciando posteriormente também outras

partes do mundo como é o caso do Brasil. Como consequência desta realidade,

expandiu-se o exibicionismo muscular em todos os lugares, nas praias, nas revistas, no

cinema, na mídia, além da proliferação nas academias de musculação em todos os

cantos. Realidade que se intensificou anos mais tarde como os irmãos Weider (Bem

Weider e Joe Weider) e com o maior ícone dos Body-builders de todos os tempos, o

austríaco Arnold Schwarzenegger.

Paralelamente a este contexto, a sociedade americana de modo geral já vinha

sofrendo profundas mutações no que envolve a corporeidade, alterando a própria

relação dos indivíduos com seu corpo, desenvolvendo um processo que acarretaria mais

tarde na supervalorização da imagem corporal como reflexo do fenômeno do culto ao

corpo36. Com isso, novos imaginários, representações e valores frente ao corpo foram

desenvolvidos e consolidados. Esta realidade alterou com isso, os usos, as práticas, as

percepções ligadas ao corpo e até as próprias técnicas corporais. No final do século XIX

e no decorrer do século posterior, a preocupação com o corpo vai se ampliando,

desenvolvendo gradativamente o mercado do corpo (nos moldes de corpo magro e

esbelto feminino e corpo forte e musculoso masculino), o consumo de bens e serviços

ligados a manutenção e modificação da forma corporal, a indústria da beleza, da boa

forma, do espetáculo, dentre outros fenômenos ligados ao corpo que acabaram

ganhando força. Novos modelos corporais ideais foram criados e expostos (na

publicidade, mídia e indústria cinematográfica) ligados a propagadas de saúde, prática

de esportes, sucesso, bem estar, felicidade, etc. Tais acontecimentos estavam ancorados

36 Segundo Mirela Berger (2006), o culto ao corpo nos EUA se aprofundou a partir de 1980.

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47

sob a ideologia que aponta o corpo não mais como uma herança ou um fardo que se

deva carregar eternamente. Mas, uma realidade passível de modificação, como reflexo

da vontade e da aquisição dos meios necessários para realização dos anseios e objetivos,

principalmente sobre as bases da sociedade do consumo (COURTINE, 1995).

No que se refere à realidade brasileira, tais acontecimentos se fizeram presentes,

graças a influência norte-americana, porém, anos mais tarde. No começo do século XX,

novos imaginários invadem a sociedade brasileira, em um período de exposições de

imagens da indústria cinematográfica e de valores ligados à “revolução sexual” e ao

movimento feminista (LE BRETON, 2007; CASTRO, 2007). Em meados do mesmo

século, cresce em forma ampliada a indústria de cosméticos, da moda e da publicidade

direcionando as pessoas para a preocupação com a imagem corporal. Na esteira disso,

ideários de corpo esbelto, seguro e jovem ganham espaço cada vez maior no imaginário

feminino e em contrapartida, com a supervalorização dos músculos no âmbito

masculino, sob os moldes conhecidos popularmente de o corpo “bem definido” ou

“musculoso” (MARZANO-PARISOLI, 2004; GOLDEMBERG, 2007; LE BRETON,

2011). Neste período, novos habitus corporais como práticas de esportes, higiene

pessoal, busca pela beleza ocupam maior espaço nas preocupações pessoais sobre o aval

dos médicos e especialistas. Aliado a isso, a força da mídia e da publicidade na

exposição cada vez maior do corpo, além da venda de imagens e de produtos dentro de

uma cultura do consumo, transformando os estilos de vida da população no que se

refere a corporeidade e assim, difundindo novos habitus corporais e direcionando a

aparência para uma dimensão essencial da identidade de mulheres e homens.

(SANTAELLA, 2004; GOLDEMBERG, 2007; CASTRO, 2007; LE BRETON, 2010,

2011).

Depois do meado do século XX, o culto ao corpo atingiu uma magnitude social

jamais vista anteriormente. Neste momento, amplia-se a produção e mercantilização de

produtos ligados a beleza e a boa forma, intensificando neste contexto, a

supervalorização da imagem corporal igualmente aos cuidados e preocupações com o

corpo em geral (SILVA, 2001; CASTRO, 2007; GOLDEMBERG, 2007). Diante desta

atmosfera da supervalorização da imagem corporal, cresce de forma ampliada, neste

período, o aparecimento e a procura pelas academias de ginástica como reflexo deste

próprio fenômeno.

Em tal realidade do culto ao corpo, as academias de ginástica ou “musculação”

ocupam um lugar privilegiado, estando presentes nas grandes e pequenas cidades, nos

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48

bairros privilegiados ou periféricos como práticas comuns de diferentes classes e grupos

sociais. É o que Mirian Goldenberg chama (2002, p. 20), de “difundida ideologia do

body-building” ou a conhecida “cultura da malhação” que se fundamenta na concepção

de beleza e forma física como resultado do trabalho subjetivo sobre a estrutura corporal.

Ainda segundo esta autora, a “cultura da malhação” é o produto de movimentos

importados dos EUA e que vem atraindo cada vez mais adeptos na busca de

modificação da forma corporal para adequação aos modelos corporais hegemônicos.

Assim, no que se refere ao corpo masculino, a adoração do físico musculoso dos body-

building (exposto pelas mídias eletrônicas, publicidade e indústria cinematográfica)

rapidamente assumiu um dos ideais corpóreos de bastante aceitação social.

As atividades no interior das academias tornam-se uma rotina árdua de

exercícios repetitivos e anseios obsessivos, porém, muitas vezes inalcançáveis estando

ligados aos ideais corporais amplamente aceitos. Na contemporaneidade, o culto ao

corpo assumiu um caráter radical, fazendo das próprias práticas ligadas à

supervalorização da imagem corporal algo intenso, ao ponto, de se assemelhar as

próprias práticas desportivas. Muitos frequentadores de academias de musculação, por

exemplo, ficam várias horas executando exercícios repetitivos, preocupados com os

objetivos, com o peso, a forma física, com as medidas, o tempo, a imagem, as dietas,

etc. Realidade não muito diferente dos atletas profissionais. O body-building não

profissional é o caso mais fiel desta realidade, porém não se trata de encarar a

musculação como esporte e sim, como aprimoramento estético.

Como um dos elementos centrais que evidenciam e ao mesmo tempo legitimam

a cultura do corpo, os body-building destacam-se pela intensa dedicação em querer

hipertrofiar a massa muscular. Para Jean Jaques Courtine (1995, p. 82) “o body-building

participa plenamente da cultura do músculo” a ponto de a preocupação se centrar na

aquisição de massa muscular fazendo da existência uma realidade dedicada aos

músculos e a aparência (LE BRETON, 2009, p. 41). Neste caso, os músculos não

representariam simplesmente uma parte integrante do sistema funcional corporal, mas,

além disso, um elemento poderoso capaz de mudar toda uma vida. Assim, os músculos

são vistos como objeto que deve ser trabalhado de forma diferenciada para poder extrair

toda “magia” deste tecido fibroso, elemento simbólico de valorização, identificação e

hierarquização. O aumento do volume muscular para os body-building acarreta

proporcionalmente, a elevação do respeito, do sucesso e do poder, além de ser um

elemento importante de status social (LE BRETON, 2007, 2011; BERGER 2006). Em

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uma palavra, todos os seus pensamentos e atitudes no ambiente da academia de

musculação (e fora dele também) centram-se em torno dos músculos.

O body- building é um hino aos músculos, um virar o corpo do avesso sem esfoladura, pois as estruturas musculares são tão visíveis sob a pele viva dos praticantes quanto nas pranchas de Vesálio. (...) [porém], o body-building é uma fortaleza de músculos inúteis em sua função, pois para ele não se trata de exercer uma atividade física em um canteiro de obras ou trabalhar como lenhador em uma floresta canadense. É buscada a força muscular em si, em sua dimensão simbólica de restauração de identidade. (LE BRETON, 2009, P. 42-43).

O body- building é simplesmente o artesão do seu próprio corpo, que através da

sua inter-relação com as máquinas (da academia de musculação) juntamente com a

construção de sua dieta, e também, na utilização de várias substâncias, torna-se escultor

do seu próprio invólucro encarnado. Não é mais novidade para os body-building

(homens e mulheres), a utilização de hormônios esteroides anabolizantes e suplementos

alimentares na busca sem trégua pela modificação da forma corporal para uma melhor

aparência física. Conforme Le Breton (2009, p. 42), “o body-building forja para si um

corpo de máquina com acabamento cinzelado, cujo vigor é rematado pelos esteroides e

pela dieta”, fazendo do seu corpo modularmente fabricado.

Portanto, o corpo do body-building é uma máquina que precisa ser trabalhada

por partes, onde cada “perca” (partes do corpo) precisa passar por uma série de

exercícios repetitivos a fim de construir “seu corpo à maneira de um anatomista

meticuloso preso apenas à aparência subcutânea” para se chegar à forma corpórea

denominada de “corpo malhado” (LE BRETON; 2009). Tal modelo corpóreo é uma

realidade que se encontra em muitos lugares: nas mídias eletrônicas, nas academias, nas

ruas, nas praias, dentre outros, porque “o músculo está por toda parte” em um

verdadeiro espetáculo de exposição de corpos inflados de músculos (COURTINE, 1995,

p. 82).

Antes de tudo o espetáculo está nas ruas. Entre a multidão de passantes, os body-builders destacam-se por sua forma de andar: braços afastados, cabeça enfiada no pescoço, peito abaluado, rigidez , balanço mecânico. O body-builders não anda; ele conduz seu corpo exibindo-o como objeto imponente. Não ao modo do obeso, este indígenas das multidões americanas, que arrasta sua anatomia como um fardo que o entrava e o estigmatiza. O corpo do bodybuilder pretende, ao contrário, tirar todo o benefício do peso no campo do

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olhar, saturá-lo de massa muscular. Impor-se, pesar no olhar alheio, através da ação combinada de um efeito de massa e de uma deslocamento mecânico. O músculo marca. Ele é um dos modos privilegiados de visibilidade do corpo no anonimato urbano das fisionomias. (COURTINE, 1995, p 82-83).

Portanto, os body-building constitui uma das manifestações do fenômeno do

culto ao corpo, ligados as representações de beleza e forma física (masculina), ao qual,

exige do corpo o espetáculo da hipertrofia muscular e adequação aos modelos

hegemônicos socialmente, aqueles livre das gorduras e das marcas (físicas e simbólicas)

do corpo relaxado. Realidade cada vez mais presente em diferentes classes sociais,

apesar das limitações e especificidades típicas de cada uma delas (BOLTANSKI; 1984).

De qualquer modo, acompanhamos uma “universalização” da “cultura do músculo”

desencadeando segundo Courtine (1995, p. 82), uma reivindicação muscular cada vez

mais democrática, fazendo da prática dos body-building (não profissional)37 uma

obsessão para diferentes indivíduos das mais variadas estratificações sociais.

3.2. CULTO AO CORPO: MOTIVAÇÕES PARA A PRÁTICA DA MUSCULAÇÃO E USO DOS HORMÔNIOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES

A preocupação com a estética foi indiscutivelmente a principal motivação

apresentada pelos entrevistados, para a iniciação da prática da musculação38 e o

consumo de várias substâncias (esteroides anabolizantes, suplementação alimentar e

produtos para uso animal). Realidade que aponta para o fenômeno do “culto ao corpo”39

que, nas últimas décadas, tomou formas radicalizadas.

37 Segundo Courtine (1995, p. 83), o “body-building profissional não é mais do que uma das formas, extremas sem dúvida, de uma cultura visual do músculo”, porém, o simples praticante de musculação (o body-building não profissional) também corresponde o produto desta cultura dos músculos. 38 Em linhas gerais, muitas pessoas procuram as academias de musculação para realização de exercícios de força sendo considerado o meio principal (talvez exclusivo) para ganho de massa muscular na intenção de modificação da forma corporal. Segundo o presidente da “fitness Brasil” Waldyr Soares, o Brasil possui o maior número de academias de ginásticas da América Latina e não só isso, já representa o segundo maior mercado de academias de ginástica de todo o mundo. Disponível em: www.tramaweb.com.br/cliente_ver.aspx?ClienteID=164&NoticiaID=3177 ; acesso em 15/08/2011. 39 Muitos teóricos do corpo (sociólogos e antropólogos) vêm aplicando o termo “culto ao corpo” para esboçar uma realidade onde o corpo figura como elemento central na vida do indivíduo contemporâneo. Ana Lúcia de Castro (2007, p. 15), define “culto ao corpo” como “ um tipo de relação dos indivíduos com seus corpos que tem como preocupação básica seu modelamento a fim de aproximá-lo o mais possível do padrão de beleza estabelecido”, ligando-se as ações diretas para a busca da modificação da imagem

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Não é mais novidade dentro da nossa sociedade de consumo a elevada

importância que se tem atribuído à imagem corporal, fazendo com que uma parcela

significativa da nossa população considere o corpo como objeto “sacro”, assumindo um

lugar privilegiado nas referências simbólicas da nossa cultura (BAUDRILLARD, 1995).

Muitos teóricos do corpo (FOUCAULT, 1987; LE BRETON, 2007) afirmam que a

supervalorização corporal que vemos na atualidade e, portanto, o próprio fenômeno do

culto ao corpo é o resultado de transformações históricas ocorridas desde o

renascimento, e que ganharam força com a modernidade. Esta organização social

rompeu com as velhas aparências, formas e posturas corporais criando um novo pensar,

agir, usar e sentir do corpo, substituindo assim, por novas constituições corporais não

mais cristalizadas e sim diversificadas e multifacetadas. Tal contexto deriva de vários

acontecimentos que foram importantes para a edificação deste fenômeno do culto ao

corpo. São eles: 1- a secularização do corpo (a ciência como conhecimento hegemônico

criando novas representações e domínios sobre as ações e habitus dos homens frente ao

corpo); 2- as mudanças no mundo do trabalho (reflexos das revoluções); 3- novos

costumes e estilos de vida colocados pela burguesia (criando novos valores e

imaginários, alterando ações ligadas à higiene, à saúde, às atividades físicas, dentre

outras); 4- a exposição corporal imposta pela indústria cinematográfica (invasão de

novos imaginários corpóreos e fermentação de novos ideais corporais); 5- a revolução

dos costumes (com a difusão da pílula anticoncepcional, com a revolução sexual, com o

movimento feminista, dentre outros); 6- a ampliação da indústria da boa forma e da

beleza; 7- a exposição e valorização do corpo na mídia e publicidade; dentre outros

fatores.

Tais acontecimentos foram estruturantes para que na sociedade contemporânea a

valorização do corpo chegasse ao seu apogeu. O corpo tornou-se objeto de salvação e

adoração (BAUDRILLARD, 1995) em uma nova configuração do culto ao corpo40

corporal como por exemplo, a prática de atividade física, dietas, as cirurgias plásticas, o uso de produtos de cosméticos e tudo mais que responda à avidez de se aproximar do corpo ideal. Para Michel Maffesoli (1998) o que parece surpreendente atualmente é que o corpo é tomado em si mesmo; há uma espécie de culto ao corpo que ganha cada vez mais importância na vida social. Veste-se o corpo, cuida-se do corpo, constrói-se o corpo, e é neste sentido que se pode falar de culto ao corpo como sendo uma das marcas deste hedonismo. 40 Diferentemente de outros momentos na história, onde existiu uma valorização da imagem corporal, o fenômeno do culto ao corpo contemporâneo se diferencia de outros períodos principalmente em termos de ênfase e expansão. Reflexo da globalização, do avanço científico e tecnológico, além da expansão dos meios de difusão e da “democratização” das preocupações ligadas ao corpo. Estes fatores faz do culto ao corpo contemporâneo um fenomeno bastante específico.

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52

(GOLDENBERG, 2002; CASTRO, 2007). Seja por questões de saúde ou estética, a

preocupação com corpo virou a tônica de nossa sociedade (BAUMAN, 2010; LE

BRETON, 2004, 2007, 2011), objeto de elevado investimento (físico, temporal e

financeiro), preocupação, manipulação e reflexividade; adquirindo assim, uma

centralidade na vida do indivíduo como jamais visto anteriormente (GIDDENS, 2002;

MARZANO-PARISOLI, 2004).

A busca pelo corpo “musculoso”, denominado pelos entrevistados de “corpo

sarado”, “corpo forte”, “corpo grande” ou “corpo bombado”, representa um desejo

muitas vezes colocado como uma necessidade e até mesmo um projeto de vida. A

obtenção de específico modelo corpóreo é a concretização do corpo, considerado por

eles como “perfeito”. Nas falas dos entrevistados, conceitos como: “corpo sarado”,

“corpo forte”, “corpo grande”, “corpo bonito”, dentre outros, estão intimamente ligados

entre si, dando sinal de que o corpo musculoso seria este modelo de beleza masculina

atribuída por eles41. Durante muito tempo, o significado do corpo musculoso foi

associado negativamente a uma pessoa bruta, grosseira e rude, representava o corpo do

trabalhador braçal, do proletário, ligados a comportamentos sociais primitivos e

agressivos (MARZARO-PARISOLI, 2004; CORBIN, COURTINE e VIGARELLO,

2008). Porém, o corpo é uma construção social e cultural que apresenta significados

diferentes ao longo da história. Na visão de Le Breton (2007, 2011), não existe um

corpo universal em estado de natureza, de forma incontestável e imutável dentro das

várias formações sociais conhecidas pela humanidade. O corpo é para ele (2011, p. 18),

uma realidade efêmera, mutável e, portanto, passível de transformação no que envolve

sua estrutura, representações, valores e signos42. Por isso que o corpo deve ser visto,

como “uma construção simbólica, não uma realidade em si”. Até mesmo as próprias

“técnicas corporais”, no sentido de Marcel Mauss (2003), correspondem a um fenômeno

histórico43, estando ligadas diretamente aos condicionantes sociais e culturais

41 Goldenberg e Ramos (2002), em pesquisa realizada com homens e mulheres das camadas médias da Cidade do Rio de Janeiro, observaram a elevada valorização da aparência corporal, em um verdadeiro culto a aparência e a forma física. Nas palavras de Mirian Goldenberg (2002, p. 10), “o corpo invejado, desejado, e admirado pelos pesquisados aparece como um corpo “trabalhado”, “malhado”, “sarado”, “definido”, um corpo cultivado, que, sob a moral da “boa forma”, surge como marca indicativa de certa virtude superior daquele que o possui. Um corpo coberto de signos distintivos que, mesmo nu, exalta e torna visíveis as diferenças entre grupos sociais”. 42 O corpo neste sentido é um elemento natural e cultural a um só tempo, uma representação da cultura sobre a natureza que se faz presente nas formações sociais até então conhecidas. 43 Para Le Goff e Nicolas Truong (2006, p. 10), “a concepção do corpo, seu lugar na sociedade, sua presença no imaginário e na realidade, na vida cotidiana e nos momentos excepcionais sofreram modificações em todas as sociedades históricas”.

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(DOUGLAS, 1976). Nestas condições, a representação do corpo musculoso, mais

precisamente o corpo atlético dos “body-builders” tornou- se, na contemporaneidade, o

modelo cultural positivamente aceito e desejado, associado aos ideais de perfeição,

sucesso e felicidade44 (COURTINE 1995; MARZARO-PARISOLI, 2004; SABINO,

2004; LE BRETON, 2009, 2011). Diferentemente do século passado, onde o corpo

musculoso ligava-se moralmente a uma pessoa que não controlava seus instintos e

impulsos, hoje o “homem musculoso” (body-builder) exprime a força de caráter, a

energia, o poder, o controle dos instintos, a responsabilidade e a capacidade de controlar

sua própria vida45. Neste sentido, o corpo musculoso dos body-builders na

contemporaneidade não representa apenas um ideal estético como também uma retidão

moral (MARZARO-PARISOLI, 2004). Realidade relativamente similar à representação

dos músculos no período da Antiguidade e, por que não dizer, aos próprios contornos

corporais (COURTINE, 1995). Na Grécia antiga, por exemplo, considerada o berço da

história da civilização ocidental, o corpo hegemônico era o corpo masculino. Em tal

cenário, um imaginário de corpo ideal foi criado sobre os moldes de um corpo

musculoso (não exagerado), sinônimo de beleza, saúde e fertilidade. O corpo

musculoso, nesse período, era extremamente valorizado, exposto e adorado, visto como

superior não só fisicamente, como também sexual e moralmente46 (LAQUEUR, 1990;

GOLDHILL, 2007).

De qualquer forma, podemos supor que os ideais corpóreos amplamente aceitos

e valorizados socialmente, juntamente a seus imaginários e representações, influenciam

de alguma maneira as ações dos indivíduos frente a seus corpos, como foi possível ver

no discurso dos entrevistados, no que se refere à valorização dos músculos. Nas falas

dos entrevistados, a busca pela academia de musculação e posteriormente o uso de

44 Para Cesar Sabino (2004, 2007), na contemporaneidade existe uma ética masculinizante que se rebate, não apenas nas atitudes, nas práticas, mas, também no campo simbólico, refletindo uma estética corporal valorizando o cultivo muscular a ponto de hierarquizar a realidade a partir dos valores relacionados a este cultivo. 45Sabino (2007, p. 7) citando outros autores (Robert Connel em “Masculinities” de 1995 & Miguel Vale de Almeida em “Senhores de si” de 1995), afirma que na contemporaneidade o corpo “musculoso” representa a “masculinidade hegemônica”, ou seja, aquela que exerce uma subordinação a outros tipos de masculinidade, além de perpetuar a tradicional dominação masculina sobre as mulheres. 46 Para alguns autores (GONÇALVES, 1994; GOLDHILL, 2007), na Grécia, o corpo era considerado importante nas relações entre os indivíduos, pois por sua mediação, o homem poderia ganhar respeito e prestígio. Um corpo belo e “perfeito” era sinal de admiração e veneração, havia uma divinização da beleza; uma alma bela deveria habitar um corpo belo. Além do mais, o corpo era também de interesse do Estado, questão de ordem pública sendo bastante exposto (corpo ideal) em todos os lugares na Grécia antiga. (BARBOSA, MATOS & COSTA, 2011).

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esteroides anabolizantes (e outras substâncias) se verificou, em última instância, na

intenção do ganho de músculos como se o corpo humano, ou melhor, o corpo deles

fosse ausente deste elemento fundamental. Ficou claro nos depoimentos que a aquisição

da massa muscular, no que tange ao seu desenvolvimento (hipertrofia), representa a

modelação do self (eu), no sentido de restaurar ou construir um sentimento de

identidade ameaçada. Os músculos para os entrevistados tornam-se o emblema do self e

representam o meio de apresentação mais significativo de si. A tal ponto que a

exposição da hipertrofia muscular seria a verdade sobre si, em uma sociedade que não

consegue mais proporcionar qualquer verdade. Seria o controle e o domínio da sua

existência em um mundo totalmente sem controle e desgovernado. Nas palavras de Le

Breton (2009, p. 41), “substitui os limites incertos do mundo no qual ele vive pelos

limites tangíveis e poderosos de seus músculos” nos quais exerce domínio radical, seja

nos exercícios praticados na academia, como também, no controle da sua dieta. O

músculo seria o seu modo de vida (COURTINE, 1995, p. 85). Desta forma, os

entrevistados colocaram o corpo e seu projeto de hipertrofia como algo “certo” e

“seguro” sobre os quais representa o subterfúgio para descarregar o medo existencial

excedente ou do futuro incerto do mundo e de suas vidas.

“Eu queria ficar definido e musculoso por isso que eu tomo (EAA)... Hoje, eu vejo meu corpo e me sinto bem melhor, minha autoestima aumentou bastante, aumentou muito minha autoestima... você se olha no espelho, você se acha maior, bonito, musculoso... você se sente mais... masculino, você se sente mais homem...” (Entrevistado, 20 anos).

“Entrei na academia porque não tava mais gostando da minha aparência, do meu visual... O cara quando entra na academia entra com o intuito de ganhar músculos... todo mundo é assim, todo mundo... E comigo foi do mesmo jeito... Entrei na academia com o objetivo de ficar forte, ficar com corpo malhado, sem gordura nenhuma, ficar bombado como dizem... entrei com intuito de ganhar músculos...” (Entrevistado, 22 anos).

Tal modelo corporal se encaixa perfeitamente aos moldes de valorização do

corpo masculino na sociedade contemporânea. Reflexo de algo mais amplo dentro da

nossa cultura de consumo, onde presenciamos a formação e exaltação de formas

corpóreas amplamente aceitas socialmente e que se encontram presentes na vida

cotidiana do indivíduo contemporâneo. Como bem observou Ana Lúcia de Castro

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55

(2007, p. 66), presenciamos na contemporaneidade a tendência à supervalorização da

aparência, o que leva os indivíduos a uma busca incansável pela forma e volumes

corporais ideais. Na esteira disso, Lúcia Santaella (2004), em “Corpo e Comunicação”,

afirma que no culto ao corpo (contemporâneo) “a palavra de ordem está no corpo forte,

belo, jovem, veloz, preciso, perfeito, inacreditavelmente perfeito”.

É importante salientar que as formações de ideais corporais fazem do corpo um

valor especial, desenvolvendo um negócio bastante lucrativo em uma ordem

consumista. O corpo, dentro da nossa sociedade de consumo, corresponde a um objeto

de rentabilidade, assumindo aspecto mercadológico como qualquer outra mercadoria,

sendo produzido, consumido, divulgado e valorizado em uma dimensão simbólico-

cultural. Analisando pela ótica da sociedade de consumo, Baudrillard (1995, p. 136)

assinala que o corpo é “o mais belo, precioso, e resplandecente de todos os objetos...”.

Ainda para este autor, o corpo (belo) consome e é consumido; detentor de uma função

econômica e ideológica que fornece o suporte para venda de outros objetos. E por

possuir aspectos mercadológicos, ele se enquadra dentro da lógica da propriedade

privada, do valor e do fetichismo como qualquer outra forma mercadológica. Além do

mais, a retórica do corpo vem com a promessa de individualização, diferenciação,

inclusão social, status, poder, prazer e felicidade.

A mídia e a indústria da beleza desempenham um papel estruturante no processo

de hipervalorização do corpo na contemporaneidade, onde “constitui-se num dos

principais meios de difusão47 e capitalização48 do culto ao corpo como tendência de

comportamento” (CASTRO, 2007, p. 31). A mídia em geral e a publicidade

desempenham um lugar de destaque na formação de modelos corpóreos, imaginários,

signos e representações do corpo, como já discutido em vários estudos49

47 Difusão no sentido de mediar a temática, mantendo-se sempre presente na vida cotidiana do indivíduo contemporâneo, levando as últimas novidades no que se refere a imagem corporal, ligados ao avanço tecnológico e científico ditando e incorporando tendências (CASTRO, 2007). 48 Segundo Castro, (2007, p. 31 ) no sentido de garantir a materialidade da tendência de comportamento, que – como todo traço comportamental e/ou simbólico no mundo contemporâneo – só pode existir se contar com um universo de objetos e produtos consumíveis, não podendo ser compreendido desvinculado do mercado de consumo. 49 “São, de fato, as representações nas mídias e publicidade que têm o mais profundo efeito sobre as experiências do corpo. São elas que nos levam a imaginar, a diagnosticar, a fantasiar determinadas existências corporais, nas formas de sonhar e de desejar que propõem.” (SANTAELLA, 2004, P. 126). Para Mirian Goldenberg (2002, p. 8), “a mídia adquiriu um imenso poder de influência sobre os indivíduos, generalizou a paixão pela moda, expandiu o consumo de produtos de beleza e tornou a aparência uma dimensão essencial da identidade para um maior número de mulheres e homens”. Já Yoshino (2007, p. 112) afirma que “os meios de comunicação em massa emitem valores estéticos e

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56

(GOLDENBERG & RAMOS, 2002; SANTAELLA, 2004; CASTRO, 2007,

YOSHINO, 2007), sendo capaz de comunicar valores da sociedade contemporânea,

como também homogeneizar os gostos, as preferências e os comportamentos dos

indivíduos, mesmo em diferentes camadas sociais (MAZARO-PARISOLI, 2004). Para

Boltanski (1984), a publicidade e a mídia participam de maneira decisiva na difusão das

normas e dos estilos de vida das classes superiores para o conjunto das outras classes e

frações de classes, ajudando a produzir e reproduzir novas necessidades de consumo e

impondo as condições burguesas de satisfação, felicidade e beleza por via do consumo

de produtos corporais, desencadeando mudanças nos comportamentos e habitus dos

indivíduos de outras classes. Consequentemente amplia-se o consumo de produtos e

bens de serviço que prometem a adequação aos padrões estabelecidos e valorizados

socialmente (ideologicamente). Porém, apesar da força homogeneizadora desse

processo, Luc Boltanski (p. 145) afirma que quando se passa das classes populares para

as classes superiores, a tendência é uma maior valorização e preocupação com a

imagem corporal. Desta forma, por mais que indivíduos de diferentes classes busquem

uma melhora da imagem corporal, a própria busca não é a mesma, em todos os sentidos,

pois, tanto as condições materiais como as regras de decoro50 estabelecidas pela cultura

somática não são as mesmas para todas as classes. Além do mais, a preocupação como a

imagens de corpos e rostos perfeitos” que acabem influenciando as ações dos indivíduos frente aos seus corpos na intenção de se adequar aos valores estéticos e as imagens perfeitas. 50 As classes sociais possuem o que Luc Boltanski chamou (1984, p. 145) “regras de decoro”. Elas são o sistema de regras que direcionam os comportamentos físicos (corporais) estando inscritos na hexis corporal, ou seja, no habitus corporal como elemento estruturado e estruturante da ação humana. O habitus corporal organiza implicitamente a relação dos indivíduos de uma mesma classe social com seu corpos. Por ser uma estrutura estruturada e ao mesmo tempo estruturante, ele permite a criação e apresentação de conduta física diferenciada entre os indivíduos dentro de uma mesma classe social, entretanto, a unidade permanece ancorada na cultura somática específica do grupo social. Desta forma, essas regras são específicas para cada classe social que direciona a forma adequada de se posicionar frente aos atos corporais (físicos) da vida cotidiana, definindo a maneira de andar, vestir, cuidar do corpo, transformar o corpo e não só isso, também direciona a busca pela beleza, pela saúde entre outros. A própria maneira que o indivíduo deve proceder fisicamente em relação aos outros também é determinada por estas regras e normas, seja ao cumprimentar, na forma de olhar, tocar, etc., levando em conta o sexo, a idade, a classe social e as representações dentro da sua relação social (amigo, pai, mulher, namorada, parente, estranho, etc.). Tais regras colocadas por Luc Boltanski pode determinar muitas vezes “a maneira correta de falar do corpo, de seu aspecto exterior e das sensações física”, pois cada classe social possui uma espécie de “código de boas maneiras para viver com o corpo, profundamente interiorizado e comum a todos os membros de um grupo social determinado” (1984, p. 146). Assim, os usos do corpo, segundo a classe social, atuam como sinal de status social, de modo que atos que para alguns estratos sociais são considerados como sinal de educação e civilidade, em ouros estratos sociais, pode representar condutas sociais inadequadas aos papeis sociais exigidos para certos segmentos ou grupos Neste sentido, as regras e normas típicas a cada segmento ou grupo social, atuam como mecanismos de controle das ações e uso do corpo.

Page 58: BB e Anabolizantes

57

aparência corporal não difere apenas nas classes ou grupos, mas também, no que

envolve o gênero e a idade.

Conforme o discurso, ficou claro que a totalidade dos entrevistados ao praticar

exercícios de força (musculação) em academias de ginástica, (localizada em um bairro

popular da capital), estava em busca, em última instância, de modificar a forma

corporal, para assim, construir um modelo corpóreo mais adequado à ideia que eles têm

de si mesmos e aos ideais estéticos amplamente valorizados e ligados à adoração física

vigente em nossa sociedade. Tal realidade é um indicativo importante para se pensar

que a busca por uma melhor imagem corporal não se restringe apenas às camadas

sociais mais elevadas da sociedade51, apesar de se manter arraigada na ação a

especificidade de classe.

“(...) Eu entrei na academia porque eu me preocupava com minha aparência... foi a primeira coisa que eu pensei: “vou entrar na academia para ganhar peso, ganhar músculos...” aí eu entrei na academia pra aumentar de peso... teve uma hora aí... tive que entrar na academia mesmo... mas, enfim... o porquê de querer malhar é justamente isso... por estética mesmo...” (Entrevistado, 26 anos).

“(...) Aí comecei a me olhar no espelho, olhava umas fotos que eu tirava com a galera e via a diferença entre eu e os outros caras amigos meus... e cheguei à conclusão que eu tava feio demais e precisava melhorar a aparência... queria melhorar minha aparência (...) Aí comecei a malhar com a intenção de ficar forte, ganhar massa muscular, pra ser mais aceito, ficar mais bonito, ficar presença pra mulheres e também causar mais respeito entre as pessoas.” (Entrevistado, 23 anos).

“Eu quis malhar por vaidade, vaidade mesmo... quis entrar na academia pra crescer.” (Entrevistado, 23 anos).

A preocupação com a estética não apenas motivou os entrevistados para a

prática da musculação, mas também, para o uso dos esteroides anabolizantes e outras

substâncias, (suplementação alimentar e produtos de uso veterinário), na tentativa de

concretizar a transformação e construção da forma corporal. Como observado no

capítulo segundo, os EAAs são substâncias sintetizadas derivadas da testosterona

51 Realidade observada em outros estudos recentes como de Iriart & Chaves & Orleans em “Culto ao corpo e uso de esteroides anabolizantes entre praticantes de musculação” (2009).

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58

(hormônio masculino). O consumo intenso dessas drogas masculinizantes produz, além

de outras coisas52, efeitos anabólicos, proporcionando o crescimento da massa muscular.

Apesar de não existir um estudo preciso para quantificar o consumo dessas

drogas, é visível o aumento no uso dos EAAs com a intenção puramente estética.

Realidade presente em diversos países, inclusive no Brasil, como apontam os dados do

CEBRID. O consumo dos hormônios esteroides anabólicos androgênicos, que no

primeiro momento era restrito apenas a pacientes em alguns tratamentos terapêuticos e

depois passou a ser utilizado indevidamente por atletas, atingiu um novo segmento,

correspondente aos frequentadores de academias de ginásticas, na sua utilização para

fins estéticos. E por ser uma poderosa (e perigosa) ferramenta capaz de proporcionar o

crescimento da massa muscular em um curto espaço de tempo, fazendo com que seja

um meio rápido de obtenção de uma forma corporal objetivada, os entrevistados viram

nos esteroides anabolizantes a sua “esperança”, a sua “tábua de salvação”, não só para

resolver seus problemas imediatos, mas para potencializar e realizar os objetivos

traçados.

Para muitos dos entrevistados, o EAA é um composto capaz de realizar

milagres, e nele é depositada toda a confiança na esperança de transformar e construir

uma forma corpórea idealizada. Em tese, como foi relatado no discurso da maioria dos

entrevistados, o uso dos esteroides anabolizante desencadeou uma transformação não só

na forma corporal, mas também, na própria vida como um todo. Como observa Le

Breton (LE BRETON, 2009, p. 22), de maneira sucinta, mesmo que a ciência e a técnica

estejam passando por uma crise de confiança, elas ainda são consideradas por alguns

como a tábua de salvação e, a partir destas ferramentas, muitos indivíduos acreditam

que “mudando seu corpo, pretende-se mudar de vida” conseguindo assim a suposta

liberdade e salvação.

Na contemporaneidade é comum vermos uma manipulação constante do corpo,

que implica no uso de ferramentas técnicas (que incluem os EAAs, suplementos

alimentares, cosméticos, dentre outros) desenvolvidas pelo mundo moderno,

extremamente comum na vida cotidiana em que os indivíduos usam de remédios para

dormir, até próteses químicas para o corpo, para assim corrigir suas “falhas” impostas

pelas exigências contemporâneas e, com isso, se adequar a um mundo cada vez mais

dinâmico e exigente (LE BRETON, 2009; 2011).

52 Ver efeitos colaterais capítulo II.

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59

Os avanços científicos e tecnológicos disponibilizados pelo mundo moderno são

por muitas vezes considerados como “maravilhas”, contribuindo para que o homem faça

do seu corpo “uma possível matéria prima” na busca de transformar e construir uma

aparência corporal valorizada pessoalmente e socialmente (LE BRETON, 2007, p. 71).

Portanto, nos dias atuais, não é mais novidade, músculos definidos e inflados através do

uso de EAA, suplementos alimentares e produtos para uso animal. Além de tatuagens,

piercings, implantes de silicone, botox, bronzeamento artificial, cirurgias plásticas,

consumo de cosméticos e dietéticos, dentre outros meios capazes de modificar a

aparência corporal, estando esta realidade presente no cotidiano das grandes cidades e

na mídia atual (SABINO, 2004, 2007).

“Eu uso (EAA) porque eu quero ficar forte, uso pra... crescer, pra ficar bonito, pra ter um corpo sarado... pra ser diferente...” (Entrevistado, 25 anos, bairro popular).

“Um motivo que me motiva (ao uso dos EAAs) é em relação às meninas, né?... que... você quer se apresentar mais forte, mais bonito... é um dos motivos pra tomar (EAA). (...) [também]... hoje a pessoa quer crescer e ficar com um corpo legal, bonito que antes eu não tinha e hoje é diferente, entendeu?” (Entrevistado, 20 anos).

“O que me motivou para fazer uso... (EAA) foi que o cara quer crescer, quer ficar grande, quer ficar com um corpo legal, um corpo assim... bonito pra chamar atenção das mulheres... pra pegar as mulheres, né?” (Entrevistado, 23 anos).

Em nossa sociedade de consumo, não só as pessoas são transformadas em

mercadorias, mas elas próprias se comportam como tal, na medida em que as relações

sociais passam a ser mediadas cada vez mais pelo consumo (BAUMAN, 2009). O

mercado expõe e impõe os padrões (de beleza, de consumo, de estilo de vida, dentre

outros) em que os indivíduos sentem-se impulsionados ao consumo de mercadorias e de

bens simbólicos. Segundo Mirian Goldenberg (2002), muitos indivíduos dentro da

sociedade do consumo buscam conseguir se adequar aos padrões corporais

estabelecidos e impostos socialmente. Estes padrões são como qualquer outro

estabelecido pela cultura do consumo e chegam com a promessa de felicidade e

satisfação para assim preencher o “vazio” em que se encontra o indivíduo

contemporâneo, despertando neste o sentimento de pertencimento social (MAZARO-

PARISOLI, 2004; BAUMAN, 2009). A recusa à aceitação dos padrões estabelecidos

pela sociedade dos consumidores é vista como atitude desvirtuada, passiva de

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60

preconceitos e discriminação como forma de punição social. Surge, assim, o medo de

específica “punição”, colocando o “infrator” como uma criatura não vista, não aceita e

não reconhecida e, portanto, à margem da sociedade dos consumidores; transpõe a razão

e condiciona os indivíduos a buscarem incessantemente os meios para se adequar o mais

rápido possível aos modelos de consumo estabelecidos socialmente (BAUMAN, 2008,

2009). Situação que se agrava em um mundo onde impera o individualismo e a

competitividade dentro da cultura do imediatismo característico da sociedade de

consumo.

Vivemos em uma sociedade que a dinâmica da mudança se torna radicalizada

(GIDDENS, 1999, 2002), ampliando a intensificação do transitório, do efêmero, do

momentâneo, (BAUMAN, 1999, 2008,) fazendo da espera algo penoso e doloroso,

gerando um “mal-estar”, não havendo mais espaço para a espera dos acontecimentos,

vontades e desejos principalmente sobre os pilares de uma sociedade do consumo

(BAUMAN, 2009). Em um mundo cada vez mais competitivo, reflexo do dinamismo

das instituições modernas, a busca pelo reconhecimento, admiração, sucesso e prazer

tomam caráter de obsessão para o indivíduo contemporâneo. A nossa sociedade nos

avalia ao mesmo tempo em que nos julga, nos cobra os resultados a todo o momento

para assim nos qualificar no jogo da realidade social. Para atingir os objetivos tudo se

torna válido, principalmente no contexto moderno marcado por sensações de vazio,

insegurança, incerteza e medo. A cultura do imediatismo, característico da sociedade do

consumo faz do tempo um elemento extremamente importante na vida do indivíduo,

principalmente no que envolve o presente sobrepondo o futuro. Nesta cultura do

instantâneo, o futuro é esvaziado ou colonizado, não havendo mais porque esperar para

realizar (ou não) os objetivos traçados, se as exigências do mundo direcionam os

indivíduos a se preocuparem com presente imediato. Para Bauman (2008), os indivíduos

na contemporaneidade “vivem a crédito”, consumindo o futuro e acertando as contas

com ele depois. Esta realidade reflete não só na identidade como também, na própria

corporeidade contemporânea, fazendo com que muitas pessoas busquem transformar a

imagem corporal “para ontem” ou “para hoje”. Ao começar a frequentar uma academia

de ginástica, por exemplo, muitas pessoas querem atingir seus objetivos o quanto antes,

na busca do corpo esperado e idealizado. Na esteira disso, a sociedade do consumo,

oferece os meios que prometem em um curto espaço de tempo a realização dos sonhos

individuais. Então, existe uma busca dos indivíduos por atingirem os objetivos traçados

em um curto espaço de tempo, utilizando de armas que prometem verdadeiros milagres

Page 62: BB e Anabolizantes

61

tanto no resultado quanto no tempo para realização dos desejos e felicidades esperadas

(BAUDRILLARD, 1995; BAUMAN, 2008, 2009). Os EAAs ligam-se a busca pela

transformação da forma corporal em um curto espaço de tempo e com esforço reduzido.

Pra que malhar anos e anos se você pode atingir seu objetivo em questão de meses ou

dias? Por outro lado, é comum no discurso dos especialistas (fisiologista, profissionais

de educação física, nutricionista, dentre outros) que a modificação da forma corporal

exige muito treinamento (contínuo) e uma alimentação balanceada associada a um

período de tempo consideravelmente longo.

Conforme os depoimentos dos entrevistados foi observado demasiada

importância atribuída para o “agora” como tempo determinante da ação. No discurso,

foi possível perceber que o presente tem o poder de se sobrepor ao futuro e o agora

mesmo provocando certa angustia e ansiedade, corresponde o elemento primordial das

preocupações pessoais. Todos os entrevistados alegaram que começaram a fazer uso dos

esteroides anabolizantes com o propósito de concretizarem os objetivos traçados o mais

rápido possível, transformando e construindo a imagem corporal almejada. Em suma, o

sentimento de confiança e esperança nos EAAs estava visível no discurso dos

entrevistados, como meio capaz de impulsionar a modificação corporal, principalmente

devido ao tempo demasiadamente acelerado. Outras substâncias também são usadas por

alguns entrevistados com a intenção de modificar a forma corporal em tempo acelerado,

como foi o caso das vitaminas de uso veterinário (ADE), anabolizantes para uso animal

(Equipoise) e suplementos alimentares. A extrema relevância para o presente de acordo

com os depoimentos está ligada ao que Michel Maffesoli (1998) chamou de

“presenteísmo”, que significa o descarte do futuro em detrimento do vive-se o agora, o

presente e o instante imediato, reflexo da nossa sociedade do consumo.

“Olha, eu tomei (EAA) porque quero atingir meu objetivo o quanto antes... quero ficar torando (forte) nas festas de fim de ano... no verão, no carnaval e São João...” (Entrevistado, 26 anos).

“... Aí por isso que eu tomo (EAA e outras substâncias) hoje... eu não sou um profissional mais eu tomo todo ano com certeza... principalmente quando chega as festas, tá ligado?” (Entrevistado, 24 anos).

“(Eu uso os EAA para) Acelerar o crescimento mesmo... porque o cara fica na academia e tem um período que o cara dá aquela parada... sente que não ta crescendo mais rápido... e também porque eu não tenho muita calma, muita paciência para esperar os resultados... eu quero crescer o mais rápido possível... e isso me fez com que eu

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tomasse logo os EAA para crescer e se amostrar logo... ficar me exibindo mais por aí... entendeu?” (entrevistado, 27 anos).

“A minha procura pelos anabolizantes foi porque eu queria o crescimento rápido., queria ficar grande logo, ficar com um corpo bonito o mais rápido possível... Sabia que só malhando não... não ia só adiantar , teria que ter alguma ajuda, algum meio de crescer mais rápido.” (Entrevistado, 23 anos).

Em nossa sociedade contemporânea a atenção está voltada para o corpo

(BAUMAN, 2010), nunca o invólucro corpóreo foi tão mimado e adorado como hoje

(LE BRETON, 2011). Inúmeros são os domínios onde isso é observável, mostrando que

na sociedade de consumo sob a atmosfera do culto ao corpo, o invólucro encarnado é

uma realidade que deve ser levada a sério, na busca de transformá-lo para assim, serem

expostos na “teatralidade” da vida social (MAFFESOLI, 1995, p. 155). A exposição

corporal está em todos os lugares, nas mídias eletrônicas, nas revistas, na moda, na

publicidade, nas ruas e no cotidiano das pessoas, sintoma de uma realidade que o corpo

encontra-se em evidência. É interessante destacar, que no fenômeno do culto ao corpo,

quanto mais se valoriza a aparência corporal em uma dimensão simbólica sócio-cultural,

fazendo com que os indivíduos se preocupem cada vez mais com sua imagem corporal,

mais os modelos corporais hegemônicos parecem elementos irreais, principalmente

porque suas exigências ampliam-se constantemente.

A busca por atingir os padrões estéticos hegemônicos causa certa ansiedade ao

indivíduo contemporâneo, onde o aumento contínuo das exigências dos modelos sociais

do corpo provoca uma discrepância entre os ideais corporais “irreais”53 hiper-

valorizados e a capacidade física e orgânica subjetiva. Os ideais corporais que são

passados visualmente por várias formas de comunicação (as mídias, revistas, moda,

publicidade etc.) são mensagens que como bem observou Malysse (2002, p. 93),

significam “imagem-normas” que são destinados a todos que vêem e, por meio de um

diálogo contínuo entre os que vêem e o que são (corpo ideal x corpo real), os indivíduos

insatisfeitos com sua imagem corporal são convidados cordialmente a considerar seu 53 Segundo Malysse (2002, p. 93), “o corpo “visual” apresentado pela mídia (e outros mecanismos de comunicação simbólica) é um corpo de mentira, medido, calculado e artificialmente preparado antes de ser traduzido em imagens e de tornar-se uma poderosa mensagem de corpolatria”. Ao passo que, para Camargo e Hoff (2002, p 26), o corpo veiculado nos meios de comunicação de massa não é o corpo de natureza, ele representa um ideal impossível de ser alcançado (por não existir equivalentes na realidade). Este corpo passado e realimentado pela mídia corresponde um ideal a ser perseguido, fazendo com que muitas pessoas fiquem reféns de imagens perfeitas (editadas muitas vazes, pelos programas de computadores).

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63

corpo como um fardo, um peso que não precisa mais carregar, um verdadeiro objeto

defeituoso. Na esteira disso, Le Breton (2004, p. 7) afirma que na contemporaneidade,

“a vontade de transformar o corpo tornou-se um lugar-comum”. O corpo virou

ideologicamente uma matéria que deve se aperfeiçoar, se recuperar, um acessório que se

constrói, se modifica de acordo com os desejos e possibilidades54 (técnicas e materiais).

Ainda segundo este teórico do corpo (2004, p. 7), “nas nossas sociedades o corpo tende

a tornar-se matéria prima a modelar segundo o ambiente do momento”, fazendo do

corpo um acessório de presença e identificação do sujeito.

Um dos efeitos colaterais devastador desta supervalorização da imagem corporal

que vemos na contemporaneidade é o crescimento assustador da insatisfação das

pessoas com sua imagem corporal, no sentido que se pode dizer que a radicalização do

culto ao corpo (corpolatria) desenvolve paradoxalmente a intensificação da insatisfação

das pessoas com sua imagem corporal. Conforme os depoimentos que indicaram a

estética como a principal motivação para o uso dos EAAs e outras substâncias, a

insatisfação do seu invólucro corporal virou a tônica no discurso dos entrevistados, que

apresentou a “magreza” como a grande vilã, considerando esta forma corporal, como

um fardo, um mal-estar, um pesadelo, uma vergonha e sem exagero, a responsável pela

infelicidade pessoal. A categoria magro apareceu como uma das expressões mais

recorrentes no discurso, em que todos (sem exceção) atribuíram de forma negativa esta

característica de modelo corpóreo masculino.

“Eu me achava magro demais, magro demais... aí tomei (EAA e outras substâncias) por causa disso mesmo... eu era magrelo, eu era magro e não gostava de ser assim, não gostava...” (Entrevistado, 30 anos). “... O meu corpo era feio demais... aí me deu vontade de entrar na academia pra deixar de ser magro... aí tracei meu objetivo de ficar forte... hoje eu sei o quanto é feio o cara ser magro raquítico, tem até aqueles magros que tem um pouquinho de massa muscular até que vai... mas, tem uns que é só o “couro e o osso”... Deus me livre... eu não sei como esses caras não tem vergonha... é feio demais, pô, feio demais.” (Entrevistado, 22 anos).

54 A ampliação cada vez maior da corpolatria faz com que um número crescente de pessoas se preocupe cada vez mais com a imagem corporal. Porém, resguardando a generalizações, a intensidade da preocupação com a imagem corporal é de nível diferente conforme cada classe social, grupo, idade e gênero. Para Luc Boltanski (1989), a condição material influencia de maneira considerável as próprias escolhas e estilos de vida no que envolve a corporeidade, além das especificidades típicas de cada classe ou grupo social, reflexo da cultura somática no conjunto das suas regras e normas.

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“... e também pelo fato de também eu ser muito magro né? você vai ficando mais velho e vai dando conta que o cara magro só se dá mal... ele não tem muita aceitação entre os amigos né? principalmente entre as mulheres... você vai se comparando com seus amigos... com as outras pessoas e se sente diferente... se sente feio entendeu?” (entrevistado, 27 anos).

“Eu era muito magro, muito magro mesmo, e isso me incomodava bastante... Quando eu me via em fotos... quando eu tirava fotos com os amigos, nas fotos eu sempre me via murcho, magro, entendeu? Eu não me destacava aí foi também o que me motivou querer... digamos... melhorar minha aparência,” (Entrevistado, 23 anos).

Como se sabe, na sociedade contemporânea o paradigma de corpo em vigor e

supervalorizado é do corpo magro, chegando a tal ponto que para Fischler (2007, p. 70),

vivemos em uma época caracterizada pela “lipofobia” que corresponde à obsessão pela

magreza e a rejeição a obesidade55. Existe uma desvalorização do modelo de corpo

“gordo”, sinônimo de falência moral e física56 (MAZARO-PARISOLI, 2004;

YOSHINO, 2007; FISCHLER, 2007). O corpo do “sobrepeso” é desprestigiado não

apenas no seu caráter estético como também ligado a um modelo de corpo incompatível

com uma pessoa saudável (conforme as instituições de saúde). Diferentemente do

modelo de corpo magro (não exagerado e patológico) visto socialmente como corpo

saudável, esteticamente belo, símbolo de capacidade, felicidade, agilidade,

responsabilidade e controle. Em uma palavra, o corpo do “sobrepeso” se confronta aos

ideais de saúde e igualmente aos padrões hegemônicos de beleza instituídos pela

sociedade contemporânea. A obsessão moral ligada a “boa forma” intensifica este

processo, principalmente quando exige dos indivíduos o controle radical da sua

aparência física (YOSHINO, 2007, p. 112).

A obesidade na atualidade é associada a uma pessoa preguiçosa, descuidada e

incapaz, colocando o ser obeso como doente, ligando-o frequentemente a ideias de

55 Para Nair yoshino (2007, p. 116), “a conclusão apresentada por Goldemberg & Ramos (2002), se refere à cultura que julga, classifica e hierarquiza a forma física, não sendo apenas a gordura que incomoda. É preciso também ter um corpo firme, musculoso, livre da moleza, da gordura e da flacidez, que são símbolos do relaxamento moral, da indisciplina, da preguiça e da falta de investimento de si”. 56 Como bem colocou Sant’ana (1995, p 20), foram várias as sociedades que acolheram com alegria a presença dos gordos e com desconfiança a presença da magreza, vista de forma preconceituosa, associando a doença e a pobreza. Para Fischer (2007), houve um período em que os gordos eram amados, associados à saúde, riqueza e prosperidade eram bastante respeitados no seu convívio social. Entretanto, no decorrer deste século, as representações de magreza e gordura sofreram modificações radicais, reafirmando que o corpo não corresponde apenas um agrupamento de órgãos como acredita a biologia, a anatomia e a fisiologia, mas antes de tudo, representa uma estrutura simbólica passível de mudança, conforme cada sociedade e cultura. (LE BRETON, 2007).

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fracasso pelo ato de transgredir os padrões de beleza e sedução na contemporaneidade.

(MARZANO- PARISOLI, 2004; SANT’ANNA, 1995; FISCHLER, 2007; YOSHINO,

2007). O corpo gordo é desprezado57, é o “desvio” do modelo corpóreo hegemônico

socialmente, é uma forma corporal estigmatizada, um corpo que ameaça as normas e a

valorização vigente. O indivíduo obeso é por muito estigmatizado pelo seu desvio58,

colocado como diferente dos outros, motivo de “brincadeiras” e olhares

preconceituosos. O peso, ou melhor, o excesso dele, é um atributo que coloca o seu

possuidor como criatura estranha, defeituosa, estragada e diferente (YOSHINO, 2007).

Porém, por mais que seja hoje um lugar comum, colocar o corpo magro como o modelo

hegemônico socialmente, algumas ressalvas devem ser colocadas. Como bem elucidou

Marzano-Parisoli (2004, p. 35), o modelo de corpo magro se aplica ao corpo feminino,

o corpo das manequins (apesar de algumas mudanças), já o modelo de corpo masculino

se refere ao corpo atlético do “body-builders” aos quais, estes dois ideais corporais

(diferentes) estão em combate perpétuo contra a obesidade, a moleza e o relaxamento.

Portanto, o corpo magro em todas as suas especificidades não se aplica ao corpo

masculino totalmente, pois o ideal social do corpo masculino direciona o homem para

buscar construir este ideal através da prática de exercícios físicos a fim de torná-lo

compacto e musculoso. Não é à toa, que todos os entrevistados colocaram a “magreza”

como a forma corporal responsável pelas mazelas da sua vida, atribuindo a essa forma

corpórea um lugar de infelicidade, desprezo, incapacidade e insatisfação. Foi uma

composição corporal posta como responsável por diferenciar negativamente os

entrevistados no seu convívio social, por muito, um empecilho na sua aceitação social,

nos seus desejos e necessidades. Ao fugirem dos padrões amplamente aceitos

socialmente enfrentaram a “desigualdade” e a rejeição ressonando de forma dolorosa na

suas vidas individuais desencadeando emoções como o medo, a angústia, a ansiedade e

a frustração. Conforme os depoimentos dos entrevistados, o modelo corporal de

“magreza” corresponde também um desvio, em relação ao ideal corpóreo masculino

57 Para Fischer (2007), existe uma ambiguidade em relação ao corpo gordo na nossa sociedade contemporânea onde de um lado, “o gordo” representa a alegria, o bom humor, o gosto pela boa mesa e pelo convívio, por outro lado carrega o estereótipo de doente, depressivo, irresponsável, egoísta e sem controle de si mesmo. Assim, “o gordo”, por um lado, é simpático e extrovertido e por outro, suscita a reprovação e a discriminação social. 58 Para Nair Lumi Yoshino (2007, p. 116), “a obesidade pode enquadrar-se no que Goffman designou de “abominações do corpo”, como as deformidades físicas visíveis que afetam as relações sociais, tornando os obesos diferentes dos demais, com deformidades na aparência corporal que foge dos padrões idealizados socialmente (principalmente em nossa sociedade onde a valorização da estética e da beleza toma caráter radical).

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valorizado socialmente. Para os entrevistados, ser magro representa ser “feio”,

desprezado, desvalorizado, corresponde um defeito que precisa ser corrigido, “um

rascunho”, uma “matéria prima” que precisa ser modificada (LE BRETON; 2007;

2011).

Portanto, tendo em vista os depoimentos, podemos enquadrar o modelo de corpo

“magro” ao que Goffman (1998) designou de “abominações do corpo”, fazendo desta

forma corporal uma aberração, uma deformidade capaz de afetar negativamente as

próprias relações sociais. Assim, a insatisfação da imagem corporal no seu modelo de

“magreza” foi sem dúvida, um dos elementos fundamentais que direcionaram os

entrevistados para o uso dos esteroides anabolizantes59 e outras substâncias.

“E o cara magro pega ninguém! (...) Rapaz... eu era magro demais... eu era o mais magro de tudo... da rua, da turma, da galera todinha que eu andava, que eu conhecia, que eu já tinha visto... quando fui para o colégio e cheguei na sala os caras ficavam tirando onda porque eu era magro... essas coisas... aí isso me fez voltar a frequentar academia... tomei contato com a galera que tomava anabolizantes... eu via como eles eram fortes... aí eu falei ‘vou tomar esse negócio aí’! porque eu não aguento ficar assim mais não... aí comecei (fazer uso dos EAAs)...” (Entrevistado, 24 anos).

“... Minha vida todinha eu fui muito magro... muito magro mesmo... aí quando eu tinha 17 anos eu comecei a malhar... eu tava muito... raquítico... muito ranzinza... eu falei ‘tenho que melhorar...’ aí foi quando eu comecei a fazer uma dieta... fazer exercício... aí comecei a malhar...porque só a grade (magro) é fei (feio) demais pô... nenhuma mulher gosta de cara magro não... tu já viu alguma mulher dizer para uma cara magro que ele é gostoso...? quem gosta de osso é cachorro...” (Entrevistado, 26 anos).

59 Sabino (2004, 2007), argumenta que apesar dos consumidores das drogas (incluindo os EAAs) serem consideradas por muitos como desviantes, a utilização dos esteroides anabolizantes se realiza em contextos e visões de mundo diferenciadas daquelas que comumente são associadas aos usuários tradicionais de outros tipos de tóxicos. Nas suas palavras (2004, p. 9), “os indivíduos que “tomam bombas”, como eles mesmos dizem, têm, em geral o desejo de integração à cultura dominante. Seu “desvio” se realiza por intermédio de um processo que se constitui em tentativa de enquadramento no sistema social dominante. Processo de construção do corpo onde a forma física apresenta-se como atitude não-desviante. A utilização destas drogas (EAA) para construção de um corpo musculoso se faz não com o objetivo de subversão sistemática, mas sim como tentativa de se harmonizar com os padrões estéticos vigentes na cultura dominante, sintonia que possibilite aquisição de status, não apenas no interior do grupo, mas na sociedade geral.” Nestas condições postas por Cesar Sabino, os usuários de EAA não se encaixam (pelo menos momentaneamente) na categoria de estigma no sentido de Goffman que condiz com a capacidade de não aceitação social plena. Contudo, se consideramos os EAAs como drogas de “desviantes” tendo em vista os depoimentos dos entrevistados, se pode afirmar que o modelo corporal “desviante” (corpo magro) colocado nas entrevistas corresponde uma das forças motriz para o uso de ferramentas “desviantes” como é o caso dos EAAs. Em uma palavra, o “desviante” utiliza-se de ferramentas do desvio para integrasse.

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“Eu... sempre fui um cara muito magro (...) quando eu era magro... ia para festas, shows por aí entendeu? E... cansava vê meus amigos ficar com as meninas e... eu ficar... sem pegar ninguém ... na praia ficava com camisa porque... eu tinha vergonha de tirar a camisa, ficavam me apelidando e... mesmo que fosse na brincadeira eu não gostava. as meninas nem olhavam pra mim é.... como seu fosse nada entendeu...?” (Entrevistado, 25 anos).

“Eu me achava magro demais, magro demais... (as pessoas) ficavam magrelo pra lá, magrelo pra cá... e eu ficava só na minha mente “vocês vão ver o magrelo quando eu tomar as paradas (EAA)”, aí quando comecei a tomar bomba (EAA) e fiquei forte no instante pararam de tirar onda comigo.” (Entrevistado, 30 anos).

Os entrevistados afirmaram que foram alvos de diversas “brincadeiras”,

provocações, discriminações e preconceitos em face do seu invólucro corpóreo. Esta

forma corporal foi vista por eles, como o paradigma estético negativo, sinônimo de

falência moral e física, fazendo deste modelo corporal um “peso” no convívio social.

Conforme os relatos, as agressões (morais e físicas) eram uma realidade comum na vida

cotidiana dos entrevistados devido a sua forma corporal. Esta situação se fazia presente

tanto no círculo de amizade dos entrevistados como também, por pessoas estranhas

(segundo eles) agravando específica realidade. Um dos entrevistados, por exemplo,

afirmou que a porta de entrada para o consumo dos EAAs e outras substâncias foi o

conflito (agressões morais e físicas) sofrido por ele no seu convívio social. Segundo

palavras do próprio entrevistado, ele sofria de bullying, representando importante

evidência para que se possa concluir, que o entrevistado estava como afirma Erving

Goffman (1982, 1993), inabilitado para desfrutar de uma aceitação social plena,

caracterizando assim, um indivíduo marcado, estranho, estragado e diminuído. Portanto,

por sofrer uma espécie de “estigma”60 no sentido de Goffman, o entrevistado se viu

diante da “necessidade” de fazer uso dos esteroides anabolizantes para proporcionar

uma modificação da sua forma corporal, para com isso, intimidar e impor respeito em

face aos indivíduos que o estigmatizavam e os demais. Em conversa informal depois da

entrevista gravada, o entrevistado confidenciou que tinha medo de sair de casa e ir ao 60 Em Goffman (1982), o termo estigma está associado a um atributo profundamente depreciativo. Para este autor, o termo estigma (otíyua), foi criado pelos gregos, para designar os sinais corporais, que evidenciavam algum fato extraordinário ou mau sobre status moral de quem o apresentava. Segundo Goffman (1982, p. 12), o estigma corresponde “um atributo que o torna (o estranho) diferente dos outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída”. Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande.

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colégio para não ficar diante dos meninos da sua rua que os apelidavam, provocavam e

também os batia. Podemos supor, que o modelo corpóreo posto pelos entrevistados

como negativo (corpo magro), violava as normas e regras na sua comunidade social e na

sociedade em geral, passando a existir em um estado de transgressão, ou seja, em um

estado desviante. O modelo corporal de magreza representava um atributo que

diferenciava os entrevistados no seu convívio social, diferenciando eles dos outros,

passando a serem pessoas marcadas pelo desvio.

“É... na verdade tive alguns motivos para começar o uso (EAA e produto de uso veterinário), um deles foi que quando eu tinha por volta de 16 pra 17 anos... porque no meu colégio e na minha rua eu tava sofrendo... o que se chama hoje de bullying, né?... O pessoal me provocava e me procurava muito pra me bater então... eu achava que se eu tomasse anabolizante e ficasse com o corpo maior eu poderia intimidar esse pessoal que tava me provocando né?” (Entrevistado, 20 anos).

A insatisfação com a imagem corporal foi sem dúvida um dos principais núcleos

redundantes colhidos no discurso dos entrevistados. Em suma, a insatisfação da imagem

corporal desenvolve uma relação conflituosa entre o indivíduo e seu corpo,

impulsionando uma severa oposição entre os mesmos. Cria-se um estranhamento que o

indivíduo muitas vezes não se reconhece no seu próprio corpo proporcionando uma

tensão entre indivíduo/corpo. Esta discrepância se amplia em um cenário de

intensificação do culto ao corpo, proporcionando uma maior valorização social e

individual da imagem corporal.

Em nossa sociedade do consumo, a representação de corpo faz deste objeto, uma

propriedade em que cada sujeito é responsável pela sua forma corporal

(GOLDENBERG 2002; LE BRETON 2009, 2011) ou como bem observou Anthony

Giddens (2002, p. 98), na contemporaneidade “tornamo-nos responsáveis pelo desenho

de nossos corpos”. Para Mirian Goldenberg (2007, p 9), o slogan do mercado do corpo

se baseia na afirmação que “não existem indivíduos gordos e feios, apenas indivíduos

preguiçosos”, onde qualquer pessoa com esforço e utilizando as armas certas, pode

alcançar o corpo que sonha. Em outras palavras, a ideologia de nossa sociedade do

consumo, faz do corpo, ou melhor, da forma corporal o reflexo do nosso esforço, na

Page 70: BB e Anabolizantes

69

alegação que cada um tem a forma corporal que merece61. Porém, para Lipovetsky

(2000), esta realidade se fundamenta a partir princípios contraditórios, pois, quanto mais

se impõe o ideal de autonomia individual, mais se aumenta a exigência de conformidade

aos modelos sociais do corpo. Na esteira disso, Siqueira & Faria (2007) afirmam que ao

mesmo tempo em que a virtualidade liberta o corpo da massa, da gravidade,

paradoxalmente, há um estímulo cultural para que o corpo seja disciplinado em

academias de ginásticas ou nas salas de cirurgia estéticas, para que assuma uma

determinada forma, culturalmente considerada agradável.

Nesta linha, os entrevistados consideraram o próprio corpo como objeto

imperfeito, como “matéria prima” que precisava ser trabalhada. Alguns entrevistados

afirmaram que sempre foram insatisfeitos com seu corpo, com sua imagem corporal.

Por outro lado, a maioria deles indicou que no primeiro momento, não ligavam muito

para a forma corporal, mas, que as “adversidades” e “influências” ocorridas no convívio

social, impulsionaram uma nova forma de percepção e relação frente ao corpo.

O importante para os entrevistados seria construir uma forma corporal

modificando determinadas partes essenciais do corpo aos seus olhos e também dos

outros, para entrar em conformidade com a ideia que eles têm de si mesmo. Em outros

termos, os entrevistados colocaram-se fora de si para se tornarem indivíduos, em uma

espécie de interiorização constante e auto-regulada para sua exteriorização na

construção de sua identidade em um mundo de identidades descentralizadas62. Como

afirma Le Breton (2003, p. 22), o corpo é um elemento material de presença do homem,

não uma identidade ontologicamente falando, pois, esta hoje só se verifica depois de um

trabalho de transformação e construção da forma corporal como princípio de

reconhecimento de si.

Conforme exposto nos depoimentos, a insatisfação da imagem corporal dava-se

de várias maneiras, seja no sucesso dos outros (amigos, conhecidos ou estranhos) que

detinham uma forma corporal “diferenciada”, nas “brincadeiras” que eram alvo devido

61 Não precisamos ir muito longe para encontrarmos nos meios de comunicação discursos como: “você pode ter o corpo que deseja”, “mude seu corpo, mude sua vida”, “só depende de você” e dos meios necessários juntamente com as ações certas, para a obtenção de tal forma corporal desejada. Realidade esta, que proporciona uma maior reflexividade frente ao corpo, alvo de monitoramento e autocontrole constante. 62 Para Goldenberg & Ramos (2002, p. 20), em nosso contexto social e histórico onde impera o dinamismo, a instabilidade e o transitório, “no qual os meios tradicionais de produção da identidade (a família, a religião, a política, o trabalho, a escola, entre outros) se encontram enfraquecidos, é possível imaginar que muitos indivíduos ou grupos estejam se apropriando do corpo como um meio de expressão (ou representação) do eu”.

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70

ao seu modelo corporal “desviante”, nas decepções e fracassos em suas relações

(amizade e amorosa), no simples olhar ao espelho ou em uma foto, dentre outros. Nestas

condições, os entrevistados implementaram várias ações ligadas ao corpo, como

reflexos dos seus desejos e necessidade, na busca de transformar e construir um “corpo

que é seu”, ou melhor, uma forma corporal com assinatura própria, na tentativa de criar

ou restaurar sua identidade, uma aparência particular, um sentimento de pertencimento

de si mesmo. Por outro lado, segundo Jean Jacques Courtine (1995, p. 89), seria a

metamorfose para o renascimento individual, assim sendo, o desafio do inato para fazer

de você um outro. Para Le Breton (2003, p. 29), “o corpo torna-se emblema do self. A

interioridade do sujeito é um constante esforço de exterioridade, reduz-se à sua

superfície. É preciso se colocar fora de si para se tornar si mesmo”.

Os esteroides anabolizantes seriam para os entrevistados, a ferramenta

“necessária” e indispensável para construção de um “novo corpo” e portando, de uma

“nova vida” para que esta entre em conformidade e harmonia com seu eu interior. O uso

dos EAAs seria a tentativa de “sentir-se em casa no seu próprio corpo” (GIDDENS,

2002, p. 96) fazendo da modificação corporal um restaurar do self e um fortalecer de

sua identidade ameaçada.

“Hoje eu me reconheço nesse corpo que eu tenho hoje... é o melhor que já tive” (Entrevistado, 20 anos).

“Eu nunca gostei do meu perfil... do meu corpo muito menos e quando tive a oportunidade entrei na academia pra ficar diferente... pra mudar o que eu era... pra ficar com um corpo legal e me sentir bem, porque eu nunca fui feliz do jeito que eu era (...) hoje (com o uso dos EAA) me sinto diferente, melhor comigo mesmo...” (Entrevistado, 25 anos).

Para os entrevistados, a transformação do invólucro corporal através do uso dos

esteroides anabolizantes, foi de fundamental importância para a diferenciação, a

identificação e o reconhecimento no seu meio social. Isso seria possível, conforme

alguns teóricos do corpo (DOUGLAS, 1976; GOLDENBERG & RAMOS, 2002; LE

BRETON, 2004; CASTRO, 2007), porque na contemporaneidade (também em outras

sociedades e culturas) somos alvos de valorização, depreciação, qualificação,

identificação, estigmatização e adoração frente ao corpo. Pois, o corpo está carregado de

símbolos e valores que são compartilhados com outros integrantes da comunidade social

e cultural em que o indivíduo se encontra inserido.

Page 72: BB e Anabolizantes

71

O EAA foi à grande arma, a tábua de salvação, a ruptura de certas situações na

vida dos entrevistados, que os causavam mal-estar dentro do seu convívio social. Foi à

responsável pela mudança não apenas na imagem corporal, modificando a relação de si

como o próprio corpo, mas a relação de si com os outros. Assim, a totalidades dos

entrevistados afirmou que a modificação da imagem corporal (via esteroides

anabolizantes e outras substâncias) foi à responsável pela emancipação no nível de

aceitação frente a outras pessoas principalmente mulheres e amigos. Para eles, a

transformação corporal proporcionou uma alteração radical dentro das suas interações

sociais servindo de motivação para as regularidades no uso dos EAAs e outros produtos.

Segundo relatos, a transformação da forma corporal estaria ligada diretamente com a

satisfação pessoal (autoconfiança, autoestima) e reconhecimento dos outros

(intimidação, respeito, poder) principalmente no atrair o sexo oposto como ficou claro

nos depoimentos dos entrevistados.

“(...) hoje, vou pra festas e fico com meninas, as meninas olham pra mim, tá ligado...? me chamam de gostoso, de bombado e eu gosto disso... me sinto bem... vou pra praia tiro logo a camisa e vejo que algumas mulheres olham pra mim e isso me faz muito bem... Pra minha auto-estima né? pra meu ego... hoje me sinto diferente, melhor comigo mesmo entendeu...?” (Entrevistados, 25 anos).

“(depois do uso dos EAAs) quando cheguei (nos lugares que costumava frequentar) já foi outra coisa totalmente diferente... as negas (mulheres) já ficavam visando já... as meninas já me via né? era as meninas de olho em mim e os caras com inveja querendo quebrar o cara... porque o cara tava fortinho... oxe... eu não estava nem aí... não queria nem saber... eu pegava todas que vinha...” (Entrevistado, 24 anos).

“... na época que eu era magro, muito magro mesmo, saía na avenida e não pegava (sexo oposto) ninguém... depois que comecei a malhar e fiquei grande (ao fazer uso dos EAAs), braço grande, peitoral gigante e barriga trincada... foi tudo diferente (...) as coisas mudaram pra melhor na minha vida... se antes eu era colocado de lado. hoje as coisas são diferentes. Além do mais, depois que fiquei diferente arrumei uma namorada...” (Entrevistado, 23 anos).

Como se sabe, o corpo é considerado por muitos como lócus carregado de uma

multiplicidade de valores e signos determinados pela cultura (DOUGLAS, 1976;

BAUDRILARD, 1995; LE BRETON, 2011). Nestas condições, existem corpos

hipervalorizados como também, existem modelos corpóreos considerados como

desviantes, ou seja, que fogem dos padrões estabelecidos e valorizados socialmente. A

Page 73: BB e Anabolizantes

72

insatisfação da imagem corporal apresentada no discurso dos entrevistados estava de

alguma forma ligada ao sentimento de vergonha, que se configurava dentro das

interações sociais. O sentimento de vergonha com a imagem corporal surge quando o

indivíduo percebe que seu invólucro corpóreo não corresponde aos modelos corporais

valorizados culturalmente. E não só isso, quando o próprio indivíduo não é aceito em

certos grupos, sendo colocado como diferente, visto de forma negativa em face aos

outros. Tal realidade, pode proporcionar o aparecimento do sentimento de vergonha

frente a imagem corporal, a ponto de possivelmente considerar a forma corpórea, como

um atributo “impuro” diante da “normalidade” imposta na sua comunidade social. Na

visão de Luc Boltanski (1989), a propagação do sentimento de vergonha frente à

imagem corporal se verifica quando o indivíduo de classes inferiores comparam seus

corpos e estilos de vida aos padrões estabelecidos e valorizados socialmente, providos

das classes dominantes, sendo divulgados e propagados pela mídia e publicidade. Ainda

segundo Boltanski (1984, p. 183), esta vergonha que se propaga pela difusão e

valorização de específicos cânones dominantes, carrega a etiqueta de classe, “pois a

vergonha do corpo assim suscitada não é talvez senão a vergonha de classe”. De

qualquer modo, a forma corpórea correspondeu para os entrevistados o vetor de ligação

ou diferenciação, de rejeição ou aceitação na sua comunidade social, pois como bem

escreveu Le Breton (2003, p. 31), “é por seu corpo que você é julgado e classificado”.

Alguns entrevistados alegaram ter passado por vários constrangimentos, por

possuírem uma forma corporal que não era aceita e bem vista pelos outros, sendo

muitas vezes motivo de piadas, gozações, agressões (físicas e morais) e preconceitos.

Na visão de Giddens (2002. p. 65), a vergonha afeta diretamente a auto-identidade do

indivíduo, sendo estimulada por sentimentos de vivências de inadequação ou

humilhação. Assim para este autor (2002), o sentimento de vergonha pode ameaçar ou

destruir o sentimento de confiança em si, sendo um obstáculo para autoconfiança.

“[Tinha vergonha de ser magro] com certeza... os caras ficava me apelidando... até as meninas ficavam frescando da minha cara... eu ficava puto... morrendo de raiva... morrendo de vergonha... tentava comer tudo que via na minha frente para deixar de ser magro... pra melhorar... tentar engordar... mais não tinha jeito... eu era magro do mesmo jeito...” (Entrevistado, 24 anos).

“Não vou mentir, tinha vergonha de tirar a camisa, meus amigos ficavam dizendo que eu era só o palito, essas coisas... aí, morria de vergonha...” (Entrevistado, 23 anos).

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73

Foi possível perceber conforme os depoimentos, que o sentimento de vergonha

representava um entrave na ação e na participação de certos eventos do cotidiano. O

medo das “brincadeiras”, da discriminação, dos olhares alheios, da simples exibição

corporal, das agressões físicas e morais estavam presentes na vida cotidiana da maioria

dos entrevistados. O medo da vergonha como sentimento paralisante estava presente em

várias situações, seja na escola, na praia, em casa, diante do espelho, no círculo de

amizade e no contato com outras pessoas. Esta realidade foi à força motriz para prática

da musculação na intenção da emancipação do sentimento de vergonha da forma

corporal. Porém, a prática da musculação também pode despertar ou ampliar o próprio

sentimento de vergonha do corpo, tendo em vista o ambiente da academia. Muitos dos

entrevistados alegaram que sentiram vergonha e ao mesmo tempo “inveja” das formas

corporais de outros praticantes de musculação da academia frequentada. Sentiam-se

envergonhados em face aos outros (alunos da academias de musculação) que possuíam

formas corpóreas “privilegiadas”, a ponto de evitar passar pertos deles e de utilizar

paralelamente as mesmas máquinas de exercícios. Um dos entrevistados (em conversa

informal), afirmou que mudou o horário da sua “malhação” para não “dividir” o mesmo

ambiente com os “fortões” da academia e assim, não ficar exposto ao sentimento de

vergonha. Esta realidade é uma faca de dois gumes, que por um lado, é capaz de

potencializar a própria desistência da prática da musculação, por outro, pode

impulsionar a própria utilização de substâncias que prometem acelerar o crescimento da

massa muscular como é o caso dos esteroides anabolizantes e suplementos alimentares.

Para os entrevistados, o “fim” do sentimento de vergonha corporal se verificou

com modificação da forma corpórea graças à utilização dos esteroides anabolizantes

com a intenção de hipertrofia da massa muscular. Em outros termos, os esteroides

anabolizantes formam para os entrevistados, os responsáveis pela emancipação da

vergonha corporal e de todas as “algemas” que este sentimento lhes proporcionava.

Contudo, vemos constantemente pessoas cometerem exageros nos exercícios físicos

além de fazerem uso de ferramentas arriscadas em prol do reconhecimento social e do

expor do corpo sem nenhuma vergonha (GOLDENBERG & RAMOS, 2002;

MALYSSE, 2002).

Por fim, levando em conta o discurso dos entrevistados seguem alguns fatores

que impulsionaram a prática da musculação:

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74

• A Insatisfação da imagem corporal no seu modelo de corpo “magro”

• O sentimento de vergonha da forma corporal

• As influências dos amigos

• A importância do corpo na conquista de parceiros sexuais

• A relevância do corpo para aceitação e integração social

• À vontade ou necessidade para se encaixar aos padrões de beleza

massificados.

• A emancipação dos entraves vividos no meio social

• Exposição e desnudamento corporal

• Violência psicológica e física

• Emancipação dos estigmas pelo seu “desvio” (“brincadeiras”, “provocações”,

agressões morais e físicas, discriminações, preconceitos, dentre outros).

No que se refere aos fatores que direcionaram os entrevistados para o uso dos

hormônios esteroides anabolizantes podemos citar:

• Potencializar os objetivos traçados

• Concretizar a forma corpórea idealizada

• A importância do momento presente

• A exibição maior do corpo

• As influências dos amigos

• Melhorar o desempenho na prática da musculação (ampliação da força,

energia, explosão e da performance de modo geral).

Diante de específico cenário, a busca pela transformação da forma corporal liga-

se a uma realidade cercada de uma multiplicidade de opções e escolhas em que os body-

building têm que tomar decisões o tempo todo, tendo como vetor central a própria

forma corporal. Isso é possível, porque o corpo na contemporaneidade é cada vez mais

uma questão de opções e escolhas (GIDDENS, 2002), principalmente no que envolve a

busca pela sua modificação. E diante de uma realidade em que o corpo encontra-se

envolvido em uma pluralidade de possibilidades, ao mesmo tempo, que o indivíduo na

busca pela transformação da imagem corporal situa-se em um mundo cercado por

sensações de incerteza e inseguranças, a noção de confiança e medo tem importância

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75

particular. Assim, o medo e a confiança são extremamente relevantes, pois encontram

ligados às decisões que precisam ser tomadas, principalmente em uma existência

repletas alternativas e portanto, se tornam fundamentais na modelagem e no

direcionamento das condutas.

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76

CAPÍTULO IV

CONFIANÇA E MEDO NO USO DOS ESTROIDES ANABOLIZANTES

4.1 CONFIANÇA E USOS NOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES

O conceito de confiança vem sendo trabalhado por diversas áreas do

conhecimento, desde pesquisas no âmbito da psicologia até a economia. Já nas ciências

sociais tal termo tem sido utilizado e desenvolvido por vários autores relevantes (Georg

Simmel, Niklas Luhmann, Ulrich Beck, Antony Giddens)63. Como enfatizado por

Zamboni (2010, p.26), a noção de confiança é extremamente importante nas ciências

sociais, ligando-se com questões tais como interação social, ordem social, controle

social, entre outras.

A confiança é um mecanismo fundamental para qualquer organização social,

seja nas relações sociais, institucionais, na política, economia, etc. A confiança,

representa um elemento extremamente importante no contexto da modernidade,

principalmente porque vivemos em uma realidade em que as instituições estão

amplamente desencaixadas, ligando práticas locais em um mundo cada vez mais global;

organizando grandes aspectos da nossa vida cotidiana (GIDDENS, 1991). Assim, não

podemos sequer imaginar o mundo moderno sem este elemento fundamental, para

manutenção e desenvolvimento das relações sociais, das instituições sociais e da

sociedade como um todo. Esta centralidade se estabelece depois que a modernidade

demoliu as antigas estruturas tradicionais e junto com elas, as antigas formas de

interação social, sob as bases do parentesco, da religião, da tradição e da localidade

encaixadas. Com o estabelecimento de novas formas de interação social64 criou-se as

condições que faz da confiança algo imprescindível no contexto moderno. (GIDDENS,

1991, 2002).

63 Apesar da sua relevância na discussão atual nas ciências sociais, podemos dizer que esse conceito ficou por muito tempo esquecido, principalmente se levarmos em conta sua ausência na discussão da sociologia clássica. Em suma, mesmo com o desenvolvimento no estudo da confiança nos últimos anos, ainda se tem muito que avançar para uma abordagem mais sistemática da teoria da confiança. 64 Diferentemente das sociedades pré-modernas onde os encontros sociais se davam quase que exclusivamente no contato face a face, nas condições modernas as relações sociais são cada vez mais desencaixadas, ou seja, a relações sociais encontra-se amplamente deslocadas dos seus contextos locais e estão reestruturadas e distribuídas em extensões indefinidas de tempo-espaço.

Page 78: BB e Anabolizantes

77

Não é mais novidade colocarmos o mundo contemporâneo como uma época

marcada por sensações de incerteza e insegurança. Em suma, uma das fontes que

colocam em xeque o status de segurança e certeza é a institucionalização do princípio da

dúvida radical em uma realidade cercada por uma diversidade de opções e escolhas. Em

específico cenário, a noção de confiança é considerada decisiva, principalmente porque

na atualidade existe uma dependência crescente dos indivíduos em relação aos sistemas

especializados65. Como bem colocou Anthony Giddens (2002, p. 11), a confiança é um

fenômeno genérico fundamental para o mundo moderno, pois além de ser indispensável

na construção e desenvolvimento da personalidade, ela também tem relevância singular

em uma organização social com mecanismos de desencaixe e sistemas abstratos66.

Ainda segundo Giddens (1991, p. 87), “a natureza das instituições modernas está

profundamente ligada ao mecanismo da confiança em sistemas abstratos, especialmente

em sistemas peritos”.

Estamos cercados por sistemas peritos por todos os lados. Em casa, na rua, no

trabalho ou onde quer que seja, estamos envolvidos numa série de sistemas

especializados nos quais a confiança neles é fundamental. Em tese, a confiança seria o

veículo de interação dos indivíduos com os sistemas especializados. Estes sistemas

contribuem de maneira significativa para a segurança na vida cotidiana, prometendo a

soluções dos problemas (porém pode criar novos problemas com resultados indesejáveis

e não previstos) através da sua eficácia e da “certeza” do risco mínimo.

O indivíduo contemporâneo encontra-se cada vez mais dependente dos sistemas

especializados, tanto nas experiências básicas quanto nas extraordinárias. Estes sistemas

de conhecimentos especializados influenciam de maneira atuante em muitos dos

aspectos sociais vividos na atualidade. Esta dependência se completa quando os

indivíduos recorrem frequentemente aos especialistas para a tomada das decisões em

uma realidade cercada por uma pluralidade de opções e escolhas. Esta realidade se

verifica em amplas extensões da vida cotidiana fazendo parte do contexto dos

indivíduos modernos.

A própria corporeidade contemporânea encontra-se integrada com uma série de

sistemas especializados aos quais as pessoas depositam a confiança em específicos 65 Sistemas especializados ou sistemas peritos se referem a “sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje” (GIDDENS, 1991, p. 35). 66 Para Giddens (2002, p. 223), sistemas abstratos correspondem às fichas simbólicas (sistema monetário) e aos sistemas especializados tomados em conjunto.

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conhecimentos. Para Giddens (2002, p. 15), os sistemas peritos afeta de modo difuso o

corpo, onde este “é cada vez menos um dado extrínseco, funcionando fora dos sistemas

inteiramente referidos da modernidade”. Assim, muito da relação do homem com seu

corpo na atualidade passa pela integração e confiança nos sistemas especializados.

De maneira específica, a própria transformação da forma corporal liga-se à

confiança em um conjunto de sistemas especializados que são considerados por muitos

indispensáveis, considerando certos objetivos traçados. Os sistemas especializados

disponibilizam os meios técnicos necessários que prometem (através dos mecanismos

de informação), modificar a forma corporal para satisfazer os anseios do sujeito na

busca pela realização do prazer e uma dose de boa segurança, estando “disponível para

qualquer um, desde que tenha os recursos, tempo e energia para adquiri-lo” (GIDDENS

2002, p. 35). Estes sistemas estão presentes, por exemplo, nas cirurgias plásticas e

estéticas, nas dietas e regimes corporais, em muitas das atividades físicas, nas

academias de ginásticas e musculação, no consumo de suplementação alimentar, dentre

outros, dando o suporte “necessário” na busca para modificação do invólucro corpóreo.

Por isso, Giddens (2002, p. 201) afirma que “o corpo está agora plenamente disponível

para ser ‘trabalhado’ pelas influências da alta modernidade”, principalmente porque

vivemos em uma organização social que ninguém pode optar por sair completamente da

influência de tais sistemas abstratos, diferentemente do contexto das sociedades pré-

modernas, onde os indivíduos poderiam ignorar os pronunciamentos de sábios e

sacerdotes, (GIDDENS 1991, 2002).

Ao frequentar uma academia de musculação, por exemplo, o indivíduo toma

contato com um conjunto de sistemas especializados com a função de modificar a forma

corporal. Assim, ao executar uma série de exercícios nas mais diversificadas máquinas,

seguindo o roteiro preparado por um profissional de fitness (instrutor da academia e

personal trainer), envolve-se em uma rede de sistemas especializados aos quais deposita

confiança. Depois, ao consumir alguns produtos referentes à sua dieta e ao projeto

corporal, a exemplo dos suplementos alimentares, dietéticos, anabolizantes naturais e

até medicamentos, embarca em um universo diferente de outros sistemas especializados

com a intenção de modificar a forma corpórea.

A confiança torna-se fundamental diante desta relação dos indivíduos com os

sistemas especializados na busca pela transformação da forma corporal. Mas, para o

estabelecimento da confiança (da pessoa leiga) em tais sistemas não se faz necessário a

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79

“plena iniciação nestes processos nem o domínio do conhecimento que eles produzem.

A confiança é inevitavelmente, em parte, um artigo de ‘fé’.” (GIDDENS, 1991, p. 36).

Tomamos como exemplo o consumo de suplementos alimentares. Normalmente

um frequentador de academia de musculação (ou qualquer praticante de atividade

física), ao fazer uso de suplementação proteica (ou qualquer outro tipo de

suplementação), confia no consumo deste produto, mesmo não estando presente no

local onde foi produzida a embalagem do produto, nem quando o produto estava sendo

fabricado. Ou seja, ele estava ausente no momento da fabricação da embalagem, do

produto e ainda se encontra alheio às condições de higiene, a qualidade, e desconhece os

participantes do processo produtivo67. Além do mais, tem pouco ou nenhum

conhecimento das técnicas de produção e das substâncias contidas no produto, etc.

Mesmo assim, faz uso do produto na confiança, não necessariamente de quem fez ou

vendeu o produto (porém a confiança na competência e credibilidade também é

importante para o fortalecimento na confiança em sistema), mas no conjunto de

conhecimentos técnicos de específico sistema perito.

Os indivíduos nas sociedades modernas tendem a confiar relativamente nos

sistemas especializados (confiabilidade relativa aos mecanismos de desencaixe), mesmo

sob as bases da ignorância prática e do conhecimento em tais mecanismos sociais. Isso

só é possível porque no contexto moderno “só se exige confiança onde há ignorância”,

fazendo de toda confiança “num certo sentido confiança cega” (GIDDENS, 1991, p. 92

e 41). Em relação aos sistemas especializados, a confiança coloca entre parênteses a

própria ausência de conhecimento técnico que a pessoa leiga possui em face aos

sistemas especializados (GIDDENS, 2002). Porém, esta relação de ignorância dos

indivíduos com os sistemas especializados é um fenômeno ambivalente, podendo haver

respeito pelo conhecimento técnico ou medo como reflexo das inseguranças e

incertezas. Assim, a ignorância fornece o terreno para a confiança ou para o ceticismo e

cautela. Segundo Giddens (1991, p. 93), o respeito para com o conhecimento técnico

existe paralelamente em conjunto com uma atitude pragmática pelos sistemas abstratos,

baseada em atitudes de ceticismo ou reserva. Hoje em dia são poucos os indivíduos que

mantêm uma confiança nos conjuntos de sistemas especializados de forma

incondicional.

67 Nas palavras de Giddens (1991, p. 87), “em certas circunstâncias, a confiança em sistemas abstratos não pressupõe encontro algum com indivíduos ou grupos que são de alguma forma ‘responsáveis’ por eles”.

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80

A confiança ou sua falta para com os sistemas especializados são passíveis de

serem fortemente influenciados por experiências, como também, por atualizações de

conhecimentos devido à revisão constante a que estão sujeitos. Um partidário da prática

da musculação, por exemplo, ao ter uma experiência infeliz com o consumo de um

específico suplemento alimentar pode decidir vedar o contato com o representante

responsável pela venda, como também, com o próprio produto utilizado. Ele ainda pode

decidir não fazer (ou fazer) uso de determinado produto a partir de novos

conhecimentos expostos nos meios de comunicação.

De forma oposta, existem outras situações que o próprio conhecimento dos

sistemas especializados pode ser ignorado. Se por um lado pode existir desconfiança

para com o discurso “positivo” apresentado pelo conhecimento especializado, também

pode ocorrer o contrário, ou seja, que o leigo pode não levar em conta o lado “negativo”

apontado por esses mecanismos sociais. Tomamos como exemplo os adeptos da

musculação. Essas pessoas, ao desempenharem esta modalidade de exercício físico,

encontram-se integradas a um conjunto de sistemas especializados, ao qual, além de

disponibilizarem os meios práticos, também expõem os conhecimentos que são filtrados

pelos mesmos para o direcionamento do discurso e da ação. O conhecimento

especializado diz o que deve e o que não deve ser feito, em prol da redução dos riscos e

consequentemente de uma maior “segurança”. Contudo, o partidário da musculação

pode abandonar o posicionamento do conhecimento especializado, ignorando o risco ao

seguir o direcionamento oposto do indicado.

Ao decidirem fazer uso dos EAAs na intenção da modificação da forma corporal

para fins puramente estéticos seguem o direcionamento oposto ao indicado pelo

conhecimento especializado. A finalidade colocada por tais sistemas especializados para

o uso dos EAAs é exclusivamente de caráter terapêutico, ou seja, no tratamento médico

de várias doenças. Assim, as informações filtradas nos sistemas que são passadas a

comunidade leiga gira em torno de que o uso dos EAAs tem indicações específicas para

área da medicina e não devem ser utilizados com intuito puramente estético ou

esportivo. Para o fortalecimento do argumento, são passados através dos meios de

comunicação e de outras fontes os riscos na utilização dos esteroides anabolizantes com

caráter estético (ou esportivo), expondo os possíveis efeitos colaterais, as alterações no

quadro metabólico, dentre outros68. Além disso, a apresentação de experiência associada

68 Em relação aos efeitos colaterais, ver capítulo II.

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81

às consequências graves em vários eventos do uso indevido destas substâncias. Esta

realidade serve como mecanismo de ampliação dos medos e controle do discurso e da

ação sobre os leigos.

Estes pronunciamentos dos sistemas especializados são minimizados pelos

usuários de esteroides anabolizantes para fins estéticos, podendo até existir

desconfiança nas “verdades” lançadas por esses mecanismos sociais. Por outro lado,

usar EAAs, com caráter estético, implica em confiar numa ciência (mesmo contra o

próprio pronunciamento da ciência) que transformará rapidamente o corpo na busca por

construir um modelo corpóreo “perfeito”. Nestas circunstâncias, a estruturação da

confiança se faz a partir de condições bastante específicas, conforme o “rompimento”

com o discurso apresentado pelos sistemas especializados.

Todos os entrevistados afirmaram confiar nos esteroides anabolizantes no que

envolve suas manifestações anabólicas, ou seja, como ferramenta capaz de proporcionar

alteração da forma corporal, no sentido principalmente da sua hipertrofia muscular. A

confiança encontra-se presente, neste caso, ao depositarem específica forma de crença

no funcionamento do conhecimento técnico, seja para o crescimento da massa muscular,

ganho de força, energia, dentre outros. Sendo assim, “é mantida a fé no funcionamento

do conhecimento em relação ao qual a pessoa leiga é amplamente ignorante”

(GIDDENS, 1991, p. 91). Porém, quando ligado ao risco do aparecimento de algum

efeito colateral, a confiança no uso dos EAAs diminui, mesmo não sendo suficiente para

o abandono da utilização. Conforme observado nos depoimentos, a confiança nos

resultados é maior do que a desconfiança no não aparecimento de algum efeito colateral.

Grande parte dos entrevistados “desconsiderou” os EAAs como medicamentos

para uso exclusivamente terapêutico no tratamento de diversas doenças, utilizando-os

como produtos para desenvolvimento da hipertrofia muscular, portanto, próprios para

uso humano, seja em nível esportivo ou estético. Outros reconheceram os esteroides

anabolizantes como medicamentos, porém, também com a finalidade de hipertrofiar o

tecido muscular. Estas características citadas por alguns entrevistados são uma das

fontes da canalização do fortalecimento da confiança no uso dos EAAs em níveis

ampliados, ao mesmo tempo, uma forma de elevação da “segurança”, das “certezas” e

esperanças ligadas à utilização. Além do mais, esta visão dos hormônios esteroides

anabolizantes serve como mecanismo de “controle” dos medos, no que se refere ao

sentimento capaz de alterar o discurso e paralisar a ação. De modo geral, os esteroides

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anabolizantes são para os entrevistados a “chave mestra” capaz de proporcionar a

mudança da forma corporal ao qual foi objetivada subjetivamente.

“Confio sim! Porque sei que se eu tomar, vou crescer, se eu mantiver a disciplina tanto das dosagem como também na malhação, vou conseguir o que eu quero, né? vejo meus amigos fazerem uso e ficaram gigantes... eu, por exemplo, como já falei, era magrinho e hoje estou bem melhor... entendeu? Vejo hoje a mudança de forma visível no meu corpo o que eu era e o que eu sou hoje”. (Entrevistado, 20 anos)

“Confio. O cara cresce com certeza. O cara vê o resultado das outras pessoas, aí você já fica confiante que se tomar as paradas vai crescer também. Aí quando o cara toma e vê que ficou massa, que deu resultado, aí a confiança em tomar aumenta, sabe? Hoje eu sei por experiência própria, que se tomar anabolizantes não tem erro, o cara cresce mesmo, fica grande...” (Entrevistado 23 anos)

“Confio, pô!... com certeza!... anabolizante cresce... porque se eu tomar cresce... se tomar cresce tem erro não. Pode ser qualquer pessoa... porque isso foi feito pra desenvolver a massa muscular, tá ligado? Aí o cara toma pode malhar com força e esperar alguns dias que você já vê a diferença... uns vinte dias o cara já percebe a transformação do cara...” (Entrevistado, 24 anos)

“(confia?) Lógico que sim! Consegui esse corpo graças a eles, tá ligado? Eu sei que se eu tomar vou crescer, e por isso continuo tomando seguindo as dosagens certas, os ciclos das dosagens e dos exercícios...” (Entrevistado, 25 anos)

“Tá... todo mundo sabe que se tomar anabolizantes o cara cresce, pô... não tem nem pra onde correr... todo mundo que eu conheço cresceu... uns mais... uns menos, porque é normal... mas eu confio sim... todo mundo sabe que se tomar os anabolizantes o cara cresce... eles foram feito pra isso mesmo...” (Entrevistado, 26 anos)

Além da crença de que os esteroides anabolizantes são produtos destinados à

própria transformação da forma corporal, outros fatores são extremamente relevantes

para o fortalecimento ou não da confiança na própria utilização das drogas

masculinizantes. Um fator que serviu (ainda serve) como divisor de águas para

aceitação ou rejeição na utilização dos esteroides anabolizantes para o conjunto dos

entrevistados foram os resultados da contingência do uso, tendo em vista os amigos,

conhecidos e a própria experiência subjetiva. Em outras palavras, o conjunto dos

entrevistados tomou como parâmetro para o posicionamento das escolhas a própria

experiência da utilização do uso dos esteroides anabolizantes por pessoas próximas no

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83

seu convívio social, sejam eles amigos ou conhecidos. Como bem observou Giddens

(1991, 41), a confiança leva em consideração a credibilidade em face aos resultados

contingentes, porém, conforme os entrevistados, os acontecimentos mais significativos

para tomada das decisões não eram os fatos gerais, e sim os particulares ligados às

pessoas de confiança como os próprios amigos também usuários. Contudo, os eventos

levados em consideração não são aqueles ligados aos sistemas especializados

(divulgados pelos meios de comunicação e outras fontes), mas aqueles presenciados no

próprio convívio social. Esta realidade para os entrevistados é de fundamental

importância para os níveis de confiabilidade na própria utilização e escolha das drogas

da imagem corporal.

Portanto, todos os entrevistados afirmaram que a decisão de fazer uso, como

também, a escolha de específicos esteroides anabolizantes partiu, além de outras coisas,

das experiências alheias, servindo como fortalecimento da confiança ou da

intensificação do medo e da insegurança. Com efeito, muitos dos entrevistados

acreditam que os efeitos (positivos e colaterais) dos esteroides anabolizantes não são os

mesmos em todas as pessoas em que as substâncias utilizadas variam conforme cada

organismo. Esta discrepância servira muitas vezes como argumento a favor do uso,

mesmo que, por ventura, se tenha conhecimento de algum dano com terceiros. De

qualquer modo, esta particularidade não se aplica aos amigos próximos, por serem

importantes referências nas tomadas de decisão.

“... o cara tem que saber mesmo se presta, se um amigo meu já tomou, como foi, o que ele achou... então o cara analisa pra ver as vantagens e, se for bom mesmo, o cara toma. Porque o mundo da bomba, o que tem que aprender é com os erros dos outros... erros e acertos... se ele tomou e acertou e conseguiu, o cara toma também, se uma pessoa passou mal, aí o cara já não toma, entendeu? Já apareceu vários para eu tomar mais eu não tinha nenhum conhecimento, nenhum amigo meu tinha tomado aí não tomei...” (Entrevistado, 23 anos)

“Confio! Lógico que sim. Por causa dos exemplos dos meus amigos, entendeu? Eles já usavam e tinham a noção de como fazer... as dosagens, o ciclo, o anabolizante certo para o principiante... essas coisas... Já que eles tomavam e não acontecia nada de ruim com eles, me dava mais vontade de tomar... Já se alguma bomba fez mal a algum amigo meu, eu não tomo não.” (entrevistado, 23 anos)

“É... eu confio porque eu vejo o resultado nos meus amigos, né? eles tomavam e crescia e não acontecia nada de ruim com eles... aí me dava mais confiança em tomar também. já que eles tomaram e não aconteceu nada de mal... eles ficavam grandes, aí vou tomar também...

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fazia do mesmo jeito que eles falavam. Por que eles sabiam o que tava fazendo”. (Entrevistado 27 anos)

Em situação posterior à contingência dos resultados alheios (dos amigos e

conhecidos), a própria experiência subjetiva dos entrevistados também se configurava

como elemento relevante para a aceitação ou reprovação de específicos esteroides

anabolizantes. O próprio contato direto com a substância serviu para os entrevistados

como novo parâmetro para as decisões que precisariam ser tomadas posteriormente, não

se atendo apenas à sua visão dos EAAs, à contingência dos resultados alheios e às

indicações dos amigos também usuários. A experiência subjetiva fundamentaria a

abolição de “antigas verdades” para a introdução de “novas certezas” como mecanismo

integrante da ação. Agora, o fortalecimento da confiança na utilização dos EAAs não se

concretizaria somente a partir da transformação da forma corporal de pessoas próximas,

mas na própria “mutação” que foi alvo ao tomar contato com as substâncias esteroides

anabólicas.

“Aí, depois que tomei a primeira e cresci... e o cara se olha no espelho e vê que ficou maior, que o resultado no final das contas foi bom e não ocorreu nada de ruim... aí tudo certo! aí o cara continua tomando porque deu certo...” (Entrevistado, 23 anos)

“... Depois que tomei e vi que deu resultado e saiu tudo bem... Aí o cara confia mais ainda e deixa um pouco o medo de lado.” (Entrevistado, 27 anos)

A própria relação na utilização destas substâncias pode canalizar a possibilidade

do desenvolvimento para elevação da confiança, como também a sensação de incerteza

e inseguranças (elementos estes que alimentam o medo). Muitos entrevistados fizeram

referências a específicos esteroides anabolizantes e outras substâncias, aos quais eles

não possuem nenhuma crença. A ausência de confiança se aplica por motivos variados,

conforme foi observado pelo discurso dos entrevistados. No que se refere aos EAAs,

são eles:

1- “Baixa confiança” ou ausência dela em sua eficácia, ou seja, abandono da fé

no funcionamento do conhecimento ao qual é amplamente ignorante, fermentando a

incerteza dos resultados esperados. Assim, alguns esteroides anabolizantes foram

Page 86: BB e Anabolizantes

85

apontados pelos entrevistados como “incapazes” de proporcionar o desenvolvimento

esperado da hipertrofia muscular.

2- Por presenciar ou saber de algum dano causado pela utilização de específico

esteroide anabolizante por qualquer amigo ou pessoas próximas.

3- Ao sofrer algum efeito colateral no fazer uso de determinados compostos

sintéticos, desencadeando sensações de aversão e medo.

4- Por colocar em dúvida a legitimidade e procedência dos produtos, suas

funções e indicações.

A ausência de confiança em determinados esteroides anabolizantes, nas

condições observadas, se faz a partir da experiência subjetiva de cada entrevistado, o

que para um é sinônimo de baixa ou nenhuma confiança devido a algumas das

condições postas acima, para outros, são substâncias de alta confiança. Portanto, nas

falas dos entrevistados não existiu regularidade para os tipos específicos de esteroides

anabolizantes como sistemas não fidedignos e competentes, provocando a suspensão da

confiança do grupo entrevistado.

Tanto suplementos alimentares quanto produtos para uso veterinário também

tiveram índices de ausência de confiança. No que envolve os suplementos alimentares,

os fatores principais para a falta de confiança é o valor baixo dos produtos, a localidade

onde são produzidos e a própria marca. Para a maioria dos entrevistados, os produtos

importados são os melhores, pois, normalmente, são aqueles que possuem os valores

mais elevados e as marcas com maior credibilidade. Já os produtos que fogem a estas

características despertam uma tendência nos entrevistados de não confiarem no

funcionamento do conhecimento ao qual são leigos e amplamente ignorantes.

4.1.2 CONFIANÇA E RELAÇÕES DE “AMIZADE” NA UTILIZAÇÃO DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES

A confiança nos seus diferentes tipos e níveis está na base de muitas das

decisões que tomamos servindo como elemento de orientação das ações em nossas

vidas cotidianas. Neste sentido, a confiança torna-se fundamental em relação aos

sistemas especializados e/ou nas relações pessoais. Em específicas condições, a relação

de confiança pressupõe um salto para o compromisso, estando relacionada com a

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86

ausência no tempo e no espaço, como também, com a ignorância. Não precisamos

confiar em alguém quando suas atividades são totalmente transparentes, ou confiar em

algum sistema quando os procedimentos do mesmo forem inteiramente conhecidos e

compreendidos (GIDDENS, 1991, 2002).

Em particular, dentro do universo da relação de amizade, a noção de confiança

tem importância específica para o contexto moderno. A confiança nas relações de

amizade se coloca como elemento fundamental para muitas das decisões tomadas

cotidianamente, estando ligadas ou não aos sistemas abstratos. Nas sociedades

modernas, a natureza da amizade é alterada em relação ao que existia em contextos pré-

modernos, devido às novas configurações de interação social e à vasta extensão dos

sistemas especializados. Nos ambientes tradicionais, a confiança nos amigos além de ter

importância central era claramente definida, existindo o amigo no seu posto, o inimigo

e, por fim, o estranho. Em circunstâncias da modernidade “o oposto de ‘amigo’ já não é

mais ‘inimigo’, nem mesmo estranho; ao invés disto é ‘conhecido’, ‘colega’, ou

‘alguém que não conheço’” (GIDDENS, 1991, p. 121). Se na ordem tradicional a

amizade tinha como bases fundamentais os princípios de sinceridade e de honra, no

contexto moderno essas bases são substituídas por autenticidade e lealdade69. “Um

amigo não é aquele que sempre fala a verdade, mas alguém que protege o bem-estar

emocional do outro.”

Contudo, a maioria dos entrevistados apontou como influências para a utilização

dos EAAs (e outras substâncias) os próprios “amigos” ou “conhecidos” que fazem uso

dessas substâncias. Os amigos são, normalmente, os principais responsáveis por tudo

que envolve a utilização dos EAAs, seja influenciando o próprio uso, o tipo específico

de esteroides anabolizantes, a quantidade a ser administrada no organismo, a construção

do ciclo de aplicações e até mesmo a própria aplicação das substâncias. Porém, a maior

sensibilidade para a influência dos “amigos” ou “colegas” se dava na fase de

“inexperiência” dos entrevistados nas práticas ligadas à utilização dos EAAs. Vários

entrevistados alegaram que os “colegas” não tinham mais o poder para influenciar nas

suas decisões ligadas à utilização das substâncias, quando os mesmos passavam a

acreditar que seus saberes e experiências práticas já eram “suficientes” para o

69 Para Giddens (1991, p. 121), o companheirismo e a lealdade puramente pessoal existiram praticamente em todas as culturas, porém, nas sociedades tradicionais a amizade era direcionada a serviços e esforços arriscados ao qual a relação de parentesco ou comunal eram insuficientes para fornecer os recursos necessários em diversas atividades.

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87

direcionamento da ação, em face ao uso dos esteroides anabolizantes e outras

substâncias. Já no que se refere aos amigos, a influência era relativamente reduzida

pelos mesmos motivos, porém, as trocas de informações direcionadas ao uso

permanecem constantes. De qualquer forma, mesmo não possuindo nenhum

conhecimento especializado, os amigos detinham “total” confiança dos entrevistados,

no que se refere à própria utilização dos esteroides anabolizantes e outras substâncias.

Nestas condições, existe uma confiança pessoal, principalmente no que se refere à

relação com os ditos “amigos”, devido a familiaridade e fidedignidade estabelecida

entre os mesmos. Contudo, em alguns momentos nas falas dos pesquisados, não ficou

muito claro o estabelecimento das fronteiras de amizades dos mesmos, dando a

impressão da irregularidade da sua delimitação.

Tendo em vista os depoimentos, existe uma relação de mutualidade entre os

entrevistados e seus “amigos” usuários, que teve no próprio uso dos esteroides

anabolizantes um forte elo na relação, criando as condições necessárias para o

desenvolvimento e um maior fortalecimento da amizade. Em alguns casos, os EAAs

também foram responsáveis pela construção de laços de amizade em relação a pessoas

que para os entrevistados eram “colegas” ou apenas “conhecidos”. Alguns entrevistados

afirmaram que muitas das pessoas que passavam dicas, conselhos e informações ligadas

ao uso dos EAAs e outras substâncias tornaram-se seus grandes amigos posteriormente,

mesmo que, em princípio, existisse ceticismo e cautela. O uso em comum dos EAAs

serviu muitas vezes de elemento para maior aceitação do entrevistado dentro do seu

grupo de amizade, devido a proximidade dos interesses e práticas ligadas à utilização

dos anabolizantes sintéticos.

“Eu escolhi (EAA e substância para uso animal) por influência dos amigos da academia, e o próprio instrutor da academia que é meu amigo, ele toma anabolizantes...” (Entrevistado, 20 anos)

“Meus amigos me dão dicas de tudo, de anabolizantes, suplementos, alimentação e exercícios.” (Entrevistado, 23 anos)

“Meu amigo que me dá umas dicas de quais são os melhores para tomar (EAA e suplementação alimentar)...” (Entrevistado, 26 anos)

“Quem me influenciou, na verdade... foi muitos amigos que já malhavam e frequentavam academia comigo... aí quando eles falaram para eu tomar pra crescer mais rápido eu tomei também...” (Entrevistado, 27 anos)

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“...Você confia nos seus amigos que tomam (EAA) e são grandes, entendeu? Porque eles tomam e sabem o que acontece (...) aí eles me falam o que devo tomar, os tipos de anabolizantes, as dosagens e os ciclos também, essas coisas...” (Entrevistado, 30 anos)

Podemos dizer que os “amigos”, “colegas” e pessoas que utilizavam esteroides

anabolizantes e outras substâncias foram, para os entrevistados, o elo entre a confiança

pessoal e a confiança no EAA (e outras substâncias), pois mesmo tendo crença ou não

no funcionamento correto do sistema especializado (EAAs e outras substâncias), na

busca de cumprirem os resultados esperados, foi de fundamental importância para a

prática da utilização no primeiro momento, a relação com estes indivíduos usuários, no

que diz respeito a seu conhecimento, sua integridade, sua experiência prática, seu

exemplo de vida e estrutura corporal. Ficou bastante claro que o próprio uso dos

esteroides anabolizantes (e outras substâncias) não envolve apenas a confiança no

produto, mas encontra-se ligado, de alguma forma, à confiança pessoal. Porém, a

confiança em pessoas é relevante em determinado grau para a fé nas substâncias

indicadas, contudo, em última instância, sempre se leva em conta a confiança no

funcionamento adequado do sistema para o direcionamento da ação. Já quando as

informações eram passadas para os entrevistados por pessoas fora do seu ciclo de

amizade, elas eram recebidas com certo ceticismo no primeiro instante e passadas por

algum processo de revisão (através de opiniões dos amigos e pesquisas na internet), de

acordo com o nível de ceticismo frente aos informantes.

4.2 MEDO E O USO DOS ESTEROIDES ANABOLIZANTES

Mesmo sendo um sentimento comum em todos os seres vivos, algo bastante

natural e familiar em todas as sociedades conhecidas, o tema “medo” foi por muito

tempo ocultado e esquecido pelas diversas áreas do conhecimento (DELUMEAU,

1989). Contudo, nos últimos anos, a devida atenção para com este sentimento se fez

presente. Hoje, o tema medo está na ordem do dia, sendo objeto de estudo nas diversas

áreas do conhecimento como a psicologia, história, filosofia, ciência política e

sociologia. E não é só isso, ele é facilmente explorado e amplamente encontrado nos

diversos livros de auto-ajuda, na literatura, nos meios de comunicação, nos filmes, nas

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89

novelas etc. Portanto, na própria vida cotidiana do indivíduo contemporâneo. Esta

realidade se fundamenta devido a uma maior sensibilidade ao medo como reflexo do

mundo atual sobre atmosfera de inseguranças, ansiedades e incertezas.

O estudo sobre o medo vem ganhando cada vez mais espaço dentro das Ciências

Sociais, em um mundo cada vez mais cercado por esse sentimento que marca a vida

cotidiana das pessoas e molda seus comportamentos e habitus. Na sociologia, por

exemplo, o medo não corresponde apenas a um elemento psíquico ou orgânico, ele é na

verdade, acima de tudo, um fenômeno social. Assim, a sociologia não se interessa pelo

medo que se apresenta na sua forma natural, aquele como elemento da reação do

próprio organismo, ou até mesmo, ao medo que envolve uma abordagem com

pressupostos individuais, subtraindo a relação do medo com a ação humana dentro do

meio social.

O medo, fisiologicamente falando, é um sentimento universal, estando presente

em diversas espécies vivas, sendo compartilhado tanto por seres humanos quanto pelos

animais. Este sentimento comum em todas as espécies corresponde ao “medo natural”

que tem como característica sua universalidade e imutabilidade. Esta específica forma

de medo representa uma grande valia para os animais, tendo sido extremamente

importante para os primórdios da espécie humana, servindo de mecanismo de defesa

para a manutenção da sua espécie (BAUMAN 2008; DELUMEAU, 1989; 2007;

NOVAIS, 2007). Porém, a espécie humana conhece um tipo de medo exclusivo que os

diferencia das demais espécies. Nas palavras de Bauman (2008, p. 9), “uma espécie de

medo de ‘segundo grau’, um medo, por assim dizer, social e culturalmente70

‘reciclado’” que orienta o comportamento humano, quer esteja ou não frente a frente

com o perigo.

Por mais que o medo seja um sentimento natural para os seres humanos, ele não

é uma realidade imutável e invariável, pois os medos específicos e os sentidos que lhe

são atribuídos modificam-se de sociedade para sociedade, fazendo do medo um

sentimento reciclado, passivo de modificações em relação a todas as sociedades e

culturas (DELUMEAU, 1989; 2007; NOVAIS, 2007; BAUMAN 2008). Portanto, os

medos e seus sentidos não são os mesmos historicamente, onde cada período da história,

70 O medo social e culturalmente construído (segunda ordem), aqueles específicos dos seres humanos são mais complexos e diferenciados em comparação com o medo de ordem primária, comum em todas as espécies. (DELUMEAU, 1989)

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90

como cada sociedade e cultura possui uma fábrica de medos próprios, cada uma

possuindo formas particulares de produção e usos do medo, fazendo com que as

próprias significações do medo sofram variações (DELUMEAU, 1989, 2007). Como

assinala Novais (2007, p. 10), “nada há de mais diferente e mais oscilante no tempo e no

espaço que as formas de medo” e, assim, os medos de hoje não são iguais aos medos de

antigamente.

Em todas as sociedades até então conhecidas ou em toda e qualquer forma de

sociabilidade o medo encontra-se presente (KOURY, 2002). Antropologicamente, o

medo está presente no homem desde seu surgimento, faz parte da sua sociabilidade e da

sua natureza, por isso, “não desaparecerá da condição humana ao longo de sua

peregrinação terrestre” (DELUMEAU, 2007, p. 41; 2007). Na antiguidade, por

exemplo, o medo foi considerado um elemento de poder, capaz de direcionar o destino

dos indivíduos e das próprias sociedades. Desse modo, o medo foi representado como

algo exterior ao indivíduo, sendo considerado um poder maior que o próprio homem, e

não só isso, ele foi visto como um poder capaz de dominar os inimigos e conquistar

novos territórios (DELUMEAU, 1989, 2007).

Já no período da Idade Média, o indivíduo era tomado por medos reais e

imaginários que assombravam toda civilização. O medo da morte, do diabo, dos lobos71,

das epidemias72, da escuridão da noite73, da guerra, da fome, entre outros, foram os

principais perigos enfrentados pelo homem medieval (BEAUNE, 2006; BOURASSIN,

2006; DELUMEAU, 1989, 2007; VERDON, 2006).

Desta forma, nas sociedades tradicionais o medo estava em toda parte e, como

demonstrou Jean Delumeau (1989, p. 12), não só os indivíduos tomados isoladamente,

mas, também, a coletividade estava em um diálogo permanente com o medo. O clima de

insegurança fazia parte das sociedades pré-modernas, fazendo da vida do indivíduo uma

repleta escuridão. Por isso que o homem pré-moderno colocava nas mãos do destino o

71 Segundo Colette Beaune (Os lobos: cidade ameaçada, 2006, p. 48), “os lobos, além do temor real que causavam, acabavam também por simbolizar os muitos outros medos que marcavam o final da Idade Média.” Muitas histórias dramáticas sobre ataques dos lobos povoavam e habitavam a imaginação do homem medieval neste período. 72 Para Bourassin (2006, p. 48), o século XIV marcou a Europa como a época do medo e muito graças a “peste negra” (conhecida como “o mal”), que matou quase um terço da população européia. A “peste” ceifou milhões de vidas, sem fazer distinção de credo, gênero, idade e condição financeira. 73 Quando terminava o dia e a noite cobria as cidades e campos, um caldeirão de temores reais ou imaginários ganhava ainda mais importância e efeitos com a escuridão da noite na Idade Média (VERDON, 2006, p. 52).

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91

seu amanhã (devido à falta de conhecimento), ampliando assim o sentimento de

incerteza.

A modernidade seria o grande salto para a humanidade, o ponto de corte entre o

homem e o medo, a responsável por emancipar todos os homens deste sentimento que

os dominava (DELUMEAU, 1989, 2007). Assim, a modernidade veio com a promessa

de eliminar toda espécie de medo do qual o homem era escravo, subtraindo toda matéria

prima da qual são produzidos e sob o cajado da razão imaginaria, por fim em todos os

temores e incertezas, fazendo do homem soberano do seu próprio destino (BAUMAN,

2008). Contudo, a crença no prestígio da razão moderna não colocou um fim nos medos

e, segundo Novais observando Jacques Rencière (2007, p. 11-12), “o medo é o cúmplice

da razão”, portanto, “uma paixão irredutível, que jamais pode ser suprimida pela razão”.

De certa forma, houve uma frustração nas esperanças da emancipação dos

medos, das incertezas e da escuridão em que caminhavam os homens nas sociedades

tradicionais. Para Bauman (2008, p. 169), a modernidade cumpriu em parte sua

promessa de eliminar os medos, proporcionando uma maior segurança para os homens.

Assim, alguns velhos medos da era pré-moderna foram extintos, controlados e

superados, colocando um fim nas antigas inseguranças que dominava o período. Não

obstante, a modernidade não conseguiu concretizar sua promessa de superar por

completo todos os medos do homem e todos seus elementos constitutivos. A segurança

prometida pela era moderna não apenas deixou de se materializar em sua plenitude, mas

nem sequer chegou perto e pode até ter ficado mais distante.

Se nas sociedades pré-modernas os medos dominantes eram os que brotavam da

natureza, do sobrenatural e da fragilidade do corpo humano, na modernidade o medo

não tem raiz, possuindo uma lógica de desenvolvimento próprio e capaz de intensificar-

se por si mesmo, não precisando de nenhum estímulo para se difundir e crescer

(NOVAIS, 2007; BAUMAN, 2007, 2008). Para Zygmunt Bauman (2007, p. 15), “é

como se os nossos medos tivessem ganhado a capacidade de se autoperpetuar e se

autofortalecer; como se tivessem adquirido um ímpeto próprio”. Em suma, o ambiente

moderno foi visto como o lugar da emancipação humana dos medos, mas na verdade, se

verificou que os medos modernos e toda sua matéria prima tornaram-se mais complexos

e difíceis de diagnosticar.

No mundo contemporâneo o medo encontra-se cada vez mais difuso sem

endereço nem motivos claros, e isso faz do medo um sentimento mais assustador do que

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92

em outros períodos da história74. Vivemos “numa era de temores” (BAUMAN, 2008, p.

9), em um mundo do “medo” e como marca de nosso tempo, paralisa os indivíduos ao

mesmo tempo em que direciona suas ações, orientando seus comportamentos e relações

sociais dentro deste cenário sombrio. O medo na atualidade é uma realidade sempre

presente, um sentimento que acompanha o indivíduo em todas as esferas da sua vida.

Assim, o medo encontra-se presente dentro da própria corporeidade humana na

contemporaneidade, como um dos fatores estruturantes da ação, servindo não apenas

como força paralisante, mas também, capaz de impulsionar ações em prol da

transformação da própria condição. Tomamos como exemplo o medo da catástrofe

pessoal através da insatisfação com a imagem corporal. Como já observamos, a

intensificação da valorização da imagem corporal, como reflexo do culto ao corpo,

desenvolve paradoxalmente o crescimento da insatisfação das pessoas com sua imagem

corporal. Esta insatisfação com a imagem corporal pode provocar, além de outras

coisas, diversos temores principalmente quando o indivíduo credita a imagem corporal

como “divisor de águas” para o sucesso ou fracasso. Com isso, a insatisfação da

imagem corporal pode provocar: o medo do fracasso e da exclusão pessoal, o medo de

ser deixado pra trás e do não reconhecimento social, o medo do estigma frente ao corpo,

o medo de sentir-se estranho, dentre muitos outros. Esta realidade é possível porque,

como dizem vários teóricos da sociologia do corpo (GOLDENBERG & RAMOS, 2002;

LE, BRETON, 2004, 2009, 2011; CASTRO 2007), na contemporaneidade, somos alvos

de identificação, qualificação, diferenciação e valorização frente ao corpo. Além do

mais, como bem colocou Bauman (2008, p. 29), vivemos em um contexto onde vemos a

“inevitabilidade da exclusão” e a luta das pessoas para não serem excluídas, mesmo que

nesta batalha sejam comuns, “pessoas tentando excluir outras pessoas para evitar

serem excluídas75”. Neste contexto, as mídias eletrônicas, a indústria do corpo e a

própria sociedade do consumo tem um papel fundamental na proliferação destes medos

(alimentando a indústria do medo), impondo e divulgando os cânones da imagem

corporal, construindo assim, novos imaginários e representações ligados a estes

modelos corporais.

74 De acordo com Bauman (2008), para se pensar o medo na contemporaneidade temos que levar em conta não só os perigos reais e supostos, mais também, as nossas inseguranças, incertezas e ignorância, elementos estes fundamentais para se pensar o medo no contexto atual. 75 Grifo do autor.

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93

Em singular situação repleta de medos difusos, podem causar ações paralisantes

onde o indivíduo que se encontra insatisfeito com sua imagem corporal sente-se

impotente e pode decidir “abandonar” o próprio convívio social como indicativo de uma

identidade fragilizada. Isso é possível porque os medos podem nos estimular a assumir

uma ação defensiva (BAUMAN, 2007. p. 15). De outra forma, esta realidade repleta de

medos pode estruturar ações na direção da busca pela superação de tal situação, mesmo

não existindo certeza na sua concretização. Assim, coloca o corpo e sua transformação

(no sentido estético) como objeto de salvação e de emancipação dos medos, um

verdadeiro projeto de vida.

Atitudes extremas contra os medos também podem existir principalmente dentro

da cultura do imediatismo, fazendo da transformação corporal uma verdadeira obsessão.

Este é o caso de muitos frequentadores de academias de musculação que decidem fazer

uso de esteroides anabolizantes para fins puramente estéticos. Estas drogas

masculinizantes podem ser utilizadas por muitos jovens na esperança da eliminação de

algumas situações adversas (apesar de serem capazes de proporcionar novas situações

adversas) que possam despertar o medo, como é o caso, por exemplo, do não

reconhecimento social.

Porém, a própria transformação da forma corporal via uso dos EAAs é uma

realidade cercada pelo medo. Os sistemas especializados (através dos mecanismos da

informação) alertam para o não uso dos esteroides anabolizantes devido ao elevado

risco em que se encontram expostas as pessoas que se utilizam dessas substâncias com a

finalidade puramente estética. Estes mecanismos sociais utilizam-se do medo como

objeto de controle da ação e ainda no processo de disciplinarização e domesticação

corporal ou, no sentido de Foucault (1987), na produção do “corpo dócil”76. Assim, são

expostos (através das mídias eletrônicas) discursos de diferentes especialistas (médicos

de diversas especialidades, profissionais de educação física, nutricionistas etc.), no

76O corpo, em Foucault, não é apenas biológico, fisiológico, anatômico, mas também histórico-político. Ele demonstra isso ao afirmar que “em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições e obrigações” (1987, p. 118). Portanto, os poderes presentes na sociedade direcionam, transformam e alteram as condutas individuais, ou seja, estamos submetidos a um tipo de poder disciplinar modelador, normalizador das condutas. “O poder penetrou no corpo, encontra-se exposto no próprio corpo” (FOUCALT, 1982, p. 147). Assim, na sua concepção, o corpo é o lugar privilegiado de poder e controle social, estando mergulhado em um campo político, alvo de disciplina tanto na sua utilidade econômica como também para a passividade e submissão. Foucault define um corpo dócil como aquele “que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (p. 118-119).

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94

combate ao uso dos esteroides anabolizantes, além da divulgação dos ampliados riscos e

da contingência de eventos trágicos referente ao consumo destas substâncias, afetando

de maneira direta a própria ação e percepção dos indivíduos frente ao corpo.

Possivelmente, esta realidade afeta de maneira única as pessoas que decidem não

fazer uso dos EAAs ao despertar o medo na utilização destas substâncias. O medo, neste

caso, paralisante, se faz devido à possibilidade de uma ameaça que ponha em risco a

saúde do corpo ou a própria vida. Por outro lado, os indivíduos que decidem fazer uso

destas substâncias na intenção da transformação da forma corporal (com caráter

estético), também estão expostos aos pronunciamentos destes mecanismos sociais e por

eles são afetados (direta ou indiretamente), mesmo que a própria utilização represente a

rejeição do conhecimento técnico. Desta forma, o medo pode despertar não apenas a

paralisia frente ao perigo (real ou imaginário), mas também a transgressão77 dos

pronunciamentos dos sistemas de conhecimento, mesmo que o ato de transgredir

direcione para um novo cenário cercado por perigos de diferentes faces.

O corpo como projeto de vida e os medos difusos ligados à insatisfação da forma

corporal podem direcionar para atos de transgressão frente ao conhecimento

especializado, ao mesmo tempo em que exemplos de outros transgressores sirvam de

modelo a serem seguidos ou renegados. A partir de “vitórias” alheias que se deram em

circunstâncias de coragem, ousadia e determinação, e assim enfrentando qualquer outra

indicação dos mecanismos de conhecimento, os transgressores “vencedores” servem

como formas idealizadas para a ação de outros novos transgressores na constituição da

edificação de novas verdades.

A prática da musculação pode envolver uma realidade cercada por medos,

acompanhando a ubiquidade dos medos típicos da sociedade contemporânea. Dentro

desta modalidade de atividade física o medo é um dos elementos importantes para o

direcionamento de muitas decisões, pois o partidário da prática da musculação se vê

diante de uma multiplicidade de opções às quais tem que se posicionar. Esta realidade é

possível porque o corpo neste estágio da sociedade moderna é uma realidade de opções

e escolhas. Assim, o praticante da musculação está diante de situações onde tem que

tomar decisões78: consumir ou não suplementos alimentares; quais consumir; fazer uso

ou não de esteroides anabolizantes; quais usar; utilizar ou não medicamentos de uso

77 Sobre o significado do medo como transgressor, ver Koury (2002). 78As escolhas dependem, além de outras coisas, da condição material e da própria cultura somática, como bem observou Luc Boltanski (1984).

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95

veterinário; quais utilizar; consumir ou não qualquer outro tipo de substâncias para

prática da musculação; qual consumir. Estes são apenas alguns de muitos outros dilemas

típicos desta atividade. Além do mais, o medo pode se fazer presente não apenas

durante as escolhas, mas depois da própria tomada da decisão em que, a qualquer

momento, pode vazar alguma situação dentro dos sistemas especializados (ou fora

deles) que desperte o temor. Então, apesar dos sistemas especializados “garantirem”

nossa segurança na vida social, com a promessa de risco “mínimo” e eliminação de

nossos medos (reais, imaginários e toda matérias aos quais são produzidos), também são

responsáveis por perigos extremamente novos em que somos totalmente ignorantes.

Nestas condições ampliam-se nossas incertezas e inseguranças, consequentemente,

nossos medos.

Os medos ligados a algum revés que possa prejudicar os objetivos traçados

ligados à construção da forma corporal, também podem ser observados entre os

praticantes da musculação. O medo da impossibilidade da prática da musculação por

algum motivo, o medo da perda dos ganhos adquiridos, o medo da não realização dos

objetivos traçados, dentre outros. Portanto, os medos ligados à prática da musculação

são muitos e difusos, estando em todos os lugares, seja na insatisfação da imagem

corporal; no sentimento de vergonha do corpo; no medo da não aceitação social, da

exclusão, do estigma frente ao corpo; na escolha de alguma ferramenta para

transformação da forma corporal; em algum revés que possa aparecer dentro dos

mecanismos do conhecimento; em situações que prejudiquem o projeto corpo, dentre

muitos outros medos ao qual o partidário da musculação encontra-se exposto na

contemporaneidade.

Neste trabalho, a grande maioria dos entrevistados relatou que sentiu medo antes

de começar a fazer uso dos esteroides anabolizantes. Porém, a insatisfação com a

imagem corpórea (e toda espécie de medo por ele provocado), o desejo de

transformação do corpo e a esperança de mudar de vida fizeram do invólucro encarnado

um projeto, fazendo do medo subjetivo, um sentimento não suficiente para abortar as

metas estabelecidas. Os medos foram colocados de lado devido à necessidade “cega” de

transformar a forma corporal, criando uma “neblina” para a percepção dos perigos

potenciais. Associado a este contexto, a própria relação dos amigos, colegas e das

pessoas em geral com o uso dos esteroides anabolizantes, serviram como exemplos

capazes de diminuir (podendo também aumentar) o sentimento de medo que existia, por

outro lado, ampliava-se a confiança para a própria utilização. Então, os objetivos e

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96

anseios ligados à imagem corporal, aos exemplos “positivos” de amigos, colegas e

pessoas também usuários de esteroides anabolizantes, serviram como fiel da balança

para “redução” dos medos e elevação da confiança no uso dos EAAs.

Apesar do sentimento de insegurança e incerteza em algumas situações, os

entrevistados, de certa forma, colocaram nas “mãos” dos EAAs (e outras substâncias) a

sua tábua de sua salvação e escolheram correr o risco porque apesar da pluralidade de

escolhas eles se colocaram em uma realidade sem nenhuma alternativa. Este contexto

corresponde a uma situação muito dramática no que envolve a modificação da forma

corporal, por um lado, os entrevistados declararam sentir medo, por outro, a necessidade

incondicional de transformar a forma corporal.

“Antes de tomar pela primeira vez eu morria de medo, mas eu precisava (...) tinha medo disso... de um produto estranho entrar no meu corpo, não sei o que poderia acontecer... porque meu medo antes era esse, era o medo aquele que... todo ser humano tem... medo do desconhecido, né? a gente tem medo... como a gente não conhece... a gente tem medo do que poderia acontecer, então meu medo no começo era esse de uma coisa desconhecida e eu tinha medo de usar porque uma coisa estranha tá no meu corpo, um remédio dedicado a uma coisa e eu usar pra outra coisa, será que vai funcionar? então eu tinha medo do que poderia acontecer.” (Entrevistado, 20 anos)

“Olha, pra ser sincero, já tive muito medo no começo. Porque muita gente falava que se tomar pode morrer do coração, ter câncer no fígado, ficar impotente, essas coisas... aí eu morria de medo. Mas depois quando eu me aproximei da galera que tomava fazia muito tempo... e eles eram normais e não tinham tido nada de ruim, eu vi que tomar anabolizante não é certeza de se dar mal... e fui perdendo o medo... meus amigos conversavam comigo diziam o que era melhor, o que eu tinha que fazer e eu fiz e deu certo... aí o medo foi passando... mais eu já tive muito medo...” (Entrevistado, 23 anos)

“Tinha um pouco de medo sim... (mas) eu entrei na academia pra ficar diferente, então se for para ficar a mesma coisa era melhor nem ter entrado. Perder tempo e dinheiro. Eu tinha um objetivo... tinha que ficar diferente, então se eles (amigos e pessoas usuárias) diziam que pra crescer tinha que fazer “assim e assado” eu ia fazer...” (Entrevistado, 25 anos)

“Um pouco antes de você aplicar... o cara sempre sente um pouco de medo, né? vai que a aplicação sai errado, vai que, sei lá... acontece alguma coisa de ruim... o cara no começo não sabe de nada, aí tem um pouco de medo... medo do desconhecido, sabe? O cara não sabe o que pode ocorrer... Mas aí, quando o cara toma e vê que tá tudo normal, o medo passa... vê que nos amigos não aconteceu nada e quando você toma também não aconteceu nada... o medo vai embora.” (Entrevistado, 27 anos)

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97

Com a “experiência” na utilização dos esteroides anabolizantes, alguns

entrevistados afirmaram não sentir nenhum medo, no que se refere ao contato com estas

substâncias, já outros não ocultaram que ainda sentem medo em um nível bem inferior

em comparação com o mesmo sentimento que ocorreu antes do primeiro contato com as

substâncias. Porém, a grande maioria dos entrevistados apontou alguns específicos

esteroides anabolizantes onde não faria uso em hipótese alguma, devido algum efeito

colateral sofrido por eles ou pessoas próximas no caso seus “amigos” e “conhecidos”.

Contraditoriamente, mesmo aqueles que no primeiro momento afirmaram não sentir

nenhum medo no uso dos esteroides anabolizantes, apontaram sentirem medo na

utilização de alguma substância particular.

A redução do nível do sentimento de medo, conforme foi observado a partir da

realidade dos entrevistados, se aplica às seguintes condições:

1- A ausência de conhecimento de algum efeito colateral em pessoas próximas

mais especificamente amigos e conhecidos.

2- Não ter sofrido nenhum efeito colateral na utilização dos esteroides

anabolizantes.

3- O uso “contínuo” proporcionando maior experiência e aprendizado prático.

4- A confiança no uso de certos aditivos, criando uma “zona de conforto” no

próprio contato com substâncias específicas.

5- Ações para a redução dos riscos, por exemplo, consumo de medicamentos

com a função de proteção hepática e também na crença de intensificar ao máximo as

práticas de exercícios na academia de musculação.

6- A consciência dos danos e riscos não serem universais pela alegação que cada

organismo tem uma estrutura particular, existindo incertezas do desenvolvimento dos

efeitos nocivos a saúde etc.

Estas condições ampliam a sensação de “segurança” conforme foi dito pelos

entrevistados, para tanto, a relação com o sentimento de medo fica de certa forma

tolerável (ou posta em parênteses) em contrapartida com o fortalecimento da confiança

nesta prática.

Geralmente, o medo sentido pelos entrevistados antes do primeiro contato com

os EAAs se fundamenta a partir da preocupação com efeitos nocivos tomados como

imediatos, ou seja, as preocupações se voltam para o desenvolvimento de algum efeito

colateral logo após o primeiro contato com as substâncias. Por outro lado, os medos

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98

sentidos depois da experiência com as substâncias, se direcionam para uma preocupação

com algum dano que por ventura poderá acontecer no futuro. O caráter difuso e

desconhecido são os elementos de ambas as situações. Uma, tendo em vista o instante

imediato, e a outra o futuro “muito” distante. Contudo, o sentimento de medo pré-

consumo foi de certa forma controlável devido a alguns fatores já colocados. No que se

refere ao medo ligado às condições futuras, as sensações de incerteza e insegurança se

ampliaram como reflexo da intensificação do caráter difuso e desconhecido da

realidade.

“Hoje, digamos que eu tenho um pouco sim... só do que o uso pode me fazer no futuro, assim quando eu ficar velho... Só tenho medo do que pode me fazer no futuro, agora acho que não, só lá na frente.” (Entrevistado, de 20 anos)

“Tenho! já tive mais medo (do uso dos EAAs)... mas hoje eu ainda tenho um pouco... medo de acontecer alguma coisa ruim comigo no futuro... sei lá... desenvolver alguma coisa... uma doença... essas coisas...” (Entrevistado, 25 anos)

“Se eu falar pra você que eu não tenho medo eu estarei mentindo... tenho medo sim... eu admito (...) possa ser que dê um problema no cara no futuro... pode aparecer alguma coisa... sei lá... a pessoa que toma nunca sabe... mas ainda bem que até hoje não aconteceu nada comigo...” (Entrevistado, 26 anos) “No futuro eu tenho... vai que possa ter algum efeito colateral no futuro... algum efeito colateral que possa vir aí... mais na frente, mas... a pessoa nunca sabe exatamente, entendeu? Mas eu conto que não, eu espero que não, né? (rs, rs,rs)” (Entrevistado, 27anos) “Assim... sempre dizem que os anabolizantes podem fazer mal ao cara, né? os efeitos colaterais... estas coisas... talvez eu até me lasque no futuro... mas acho que agora se o cara fizer as coisas certas, acontece nada não... mas eu tenho um pouco de medo do que possa me acontecer no futuro...” (Entrevistado, 30 anos)

Como relação ao sentimento de medo no futuro, o imediatismo contemporâneo

direciona a preocupação para o instante imediato fazendo do futuro uma realidade

demasiadamente longe para se pensar. A cultura do instantâneo serve como processo de

“controle” do medo futuro e se atendo a esta estratagema, os entrevistados continuam

fazendo uso de tais substâncias em prol das suas preocupações e objetivos imediatos

(BAUMAN, 2008). Porém, deixando de lado a face negativa do futuro (no que envolve

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99

os possíveis danos colaterais futuros), os entrevistados, ao fazer uso dos esteroides

anabolizantes, tentam “consumir” o futuro, ou seja, a utilização dos EAAs seria a força

capaz de trazer o futuro direto para o presente, consumindo a satisfação da

transformação da forma corporal por antecipação.

“... a busca por um corpo bonito, forte é mais importante... porque eu posso ficar forte agora e daqui a trinta anos não posso mais... então o cara pensa.. “tomo anabolizante e fico forte hoje enquanto eu sou jovem que é o melhor momento para curtir a vida, ou não tomo anabolizantes e jamais vou ficar com o corpo legal? Isso faz o cara esquecer um pouco dos riscos que a gente corre... entendeu?” (Entrevistado, 27 anos)

As contradições surgiram no discurso de alguns entrevistados ao afirmarem no

primeiro momento não sentirem medo e posteriormente alegarem este sentimento: na

forma de aplicação, em específicos esteroides anabolizantes, na preocupação com

possíveis danos que poderão surgir no futuro, com a legitimidade do produto, dentre

outros. Além do mais, os mesmos entrevistados que afirmaram não sentirem medo ao

fazerem uso dos EAAs, executaram certos procedimentos para amenizar a possibilidade

de algum tipo de dano.

“... Aí meu primo me disse que se eu tomar a bomba no braço eu iria perder o braço... aí eu ficava com medo e aplicava na bunda... tá com a porra de aplicar na bunda e perder o braço (rs, rs, rs)... esse negócio de perder o braço é foda... até hoje, por causa que todo mundo fala que tomando estas paradas pra amimais e pra gente, o cara perde o braço... eu só tomo bomba no braço esquerdo ou na bunda... eu não tomo bomba no braço direito... porque é meu principal braço, aí, se caso aconteça alguma coisa com meu braço, será o esquerdo e não o direito... por isso que quando eu aplico ou chega um amigo meu para aplicar eu já falo pra aplicar no braço esquerdo e não no direito... por causa disso, né... porque se acontecer alguma coisa no meu braço será o esquerdo porque é o direito que eu faço tudo...” (Entrevistado, 30 anos)

Grande parte dos entrevistados alegou ter sofrido pelo menos dois efeitos

colaterais durante sua história de consumo dos EAAs. Em suma, a maioria dos

entrevistados apontou pelo menos uma situação traumática como reflexo de particulares

efeitos colaterais vividos que ampliaram o sentimento de medo. A intensidade deste

sentimento se fundamentou a partir de algumas condições, tais como: a impotência

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100

frente ao perigo, ignorância da situação vivida, ampliação das incertezas e inseguranças,

dentre outros. Em uma palavra, ao ficarem frente a frente com o perigo não sabiam

exatamente como agir diante da situação. Ao estarem diante da ameaça real, muitos dos

entrevistados sentiram-se vulneráveis diante desta realidade, despertando

momentaneamente o sentimento de arrependimento. Estes acontecimentos não foram

suficientes para fazê-los cessar definitivamente o uso dos EAAs, de modo geral, no

máximo perder a confiança “definitivamente” em específicos aditivos, fundamentando o

sentimento de medo “permanente” em face da substância utilizada. Porém, como já

exposto, acontecimentos danosos ligados aos amigos dos entrevistados também são

condições para fermentação dos medos e, consequentemente, para a não confiança em

determinado produto. De qualquer modo, a intensificação dos medos sentidos pelos

entrevistados, a partir de qualquer trauma referente à sua experiência particular ou de

outrem (amigo ou conhecido), não foi suficiente para sobrepor a vontade de

transformação da forma corporal via utilização dos EAAs.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir, que a busca pela prática da musculação e, posteriormente, a

utilização dos hormônios esteroides anabolizantes se consolidou a partir de questões

puramente estéticas, reflexos de um período dominado pela supervalorização da

imagem corporal. Desta forma, mesmo que os entrevistados sejam frequentadores de

academia de musculação localizada em um bairro popular da cidade de João Pessoa,

verificou-se que a intenção pela transformação do invólucro corpóreo se deve, em

última instância, a preocupações ligadas à “beleza corporal”, dando forte indício que as

ações para uma melhora da imagem corporal não correspondem apenas a uma realidade

intrínseca das classes privilegiadas e médias da sociedade. Porém, existem diferenças

relacionadas às questões materiais e às regras/normas correspondentes a cada “cultura

somática”, tal como definido por Luc Boltanski (1984).

Durante a pesquisa, foram realizadas observações em duas academias de

musculação, frequentadas por alguns entrevistados. Foi possível verificar que, em

ambas, a própria sociabilidade presente no interior dessas instituições, estimula a busca

pela perfeição corporal, ligadas principalmente aos cânones amplamente valorizados

socialmente, no que envolve suas representações e imaginários dentro desses ambientes.

Apesar de algumas diferenças significativas, entre as duas academias, verificou-se que a

própria sociabilidade presente nelas estimula (direta ou indiretamente) o consumo de

diversas substâncias que incluem suplementos alimentares e esteroides anabolizantes

como importantes ferramentas para a realização dos objetivos traçados frente a forma

corporal.

A insatisfação com a imagem corporal foi, sem sombra de dúvida, a força motriz

para a prática da musculação, uso de esteroides anabolizantes e outras substâncias como

os suplementos alimentares e produtos para uso veterinário. Dentro da insatisfação da

imagem corporal, os entrevistados colocaram o modelo corpóreo “magro” como o

grande “vilão”, responsável pela não aceitação social, estigma, não reconhecimento de

si, insucesso, desprezo e vergonha, portanto, por toda negatividade provocada no seu

convívio social. O modelo corpóreo magro foi visto como um “peso”, o responsável por

muitas das mazelas e medos vividos na vida social. Tendo como princípio o discurso

dos entrevistados, o modelo de corpo “magro” (masculino) liga-se ao que Goffman

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(1998) designou de “abominações do corpo”, fazendo desta forma corporal uma

aberração, ou melhor, uma deformidade capaz de afetar negativamente as próprias

relações sociais. E desta forma, conforme os depoimentos, o modelo corporal de

magreza corresponde também a um desvio, em relação ao ideal corpóreo masculino

valorizado socialmente. Para os entrevistados, ser magro representa ser feio,

desprezado, desvalorizado, corresponde a um defeito que precisa ser corrigido.

Particular realidade só é possível porque, na contemporaneidade, somos alvos de

identificação, qualificação, diferenciação e valorização frente ao corpo. Além do mais,

segundo Le Breton (2009, 2011), na sociedade contemporânea o corpo é visto como

descartável e imperfeito, um objeto considerado como matéria-prima, um verdadeiro

rascunho que precisa ser melhorado constantemente.

Contudo, os entrevistados colocaram o modelo de corpo “musculoso” como o

ideal a ser buscado, representando um desejo, uma necessidade e até mesmo um projeto

de vida. A obtenção de específico modelo corpóreo denominado por eles de “corpo

forte”, “corpo grande”, “corpo sarado” ou “corpo bombado” é a concretização do corpo

considerado (pelos entrevistados) “perfeito” ou a representação de beleza masculina.

Esta realidade condiz perfeitamente com os padrões corporais masculinos amplamente

aceitos e valorizados na sociedade contemporânea. Segundo Castro (2007, p.66),

presenciamos na atualidade a tendência da supervalorização da aparência, o que leva os

indivíduos a uma busca incansável pela forma e volume corporais ideais. Além do mais,

existe uma ética masculinizante que dentro do campo simbólico valoriza o cultivo

muscular, fazendo do corpo “musculoso” uma espécie de “masculinidade hegemônica”

(SABINO, 2004).

Para os entrevistados, a hipertrofia muscular seria a forma de mudança não

apenas do seu modelo corpóreo, mas na modificação de toda uma realidade vivida. Nas

palavras de Le Breton (2009, p. 2) “mudando seu corpo, pretende-se mudar de vida” e,

desta forma, a transformação do modelo corpóreo “magro” para o modelo corpóreo

“musculoso” representaria a emancipação de toda “negatividade” que se fazia presente

na vida dos entrevistados. Assim, o corpo “musculoso” foi posto como o elemento de

status, poder, prazer e felicidade. Além de representar a passagem para a aceitação

social e do próprio reconhecimento de si, colocando um fim na vergonha e no estigma

corporal. E para que os músculos se transformassem no emblema do self, ou seja, como

meio de apresentação mais significativo de si, os entrevistados decidiram fazer uso dos

Page 104: BB e Anabolizantes

103

esteroides anabolizantes como instrumento de realização de todos os seus sonhos,

felicidades e anseios.

Os entrevistados viram nos esteroides anabolizantes a única fórmula capaz de

concretizar a transformação do invólucro corporal e da própria vida. E assim,

compartilham da crença de que a simples prática da musculação sem a utilização dos

esteroides anabolizantes (também dos suplementos alimentares) não seria o suficiente

para concretizar os objetivos almejados. Além do mais, conforme os depoimentos foi

observada a demasiada importância atribuída ao “agora” para o tempo determinante da

ação, fazendo do presente imediato uma força capaz de se sobrepor ao futuro. Todos os

entrevistados afirmaram que a escolha dos esteroides anabolizantes se deu devido à

confiança nessas substâncias, que seriam as únicas capazes de materializar os objetivos

traçados em um curto espaço de tempo. Esta realidade está ligada à cultura do

“presenteísmo” contemporâneo em que o futuro é descartado em detrimento do viver-se

o presente imediato (MAFFESOLI, 1998). Esta cultura do imediatismo, característico

da sociedade do consumo, faz do tempo um elemento extremante importante para o

indivíduo, afetando todas as esferas da sua vida social, inclusive a própria corporeidade

humana. É o que Bauman (2008, 2009) chamou de “viver a créditos”, oferecendo a

possibilidade ao indivíduo de saborear as alegrias futuras no presente momento, para só

depois pensar em acertar as contas. Os EAAs ligam-se a esta realidade: pra que malhar

anos e anos se você pode atingir seu objetivo em questão de meses ou dias? Por que

esperar pra ter um corpo “sarado” se você pode desfrutar deste corpo em um curto

espaço de tempo? Se o futuro está fora do nosso alcance, os esteroides anabolizantes,

em um passe de mágica, trás o futuro para o presente, fazendo com que o indivíduo

desfrute dos “prazeres” e “satisfações” do futuro por antecipação.

Diante da realidade exposta, os entrevistados estavam diante de dilemas,

ansiedades, inseguranças e incertezas. Mesmo que o mundo moderno seja um contexto

marcado por uma multiplicidade de opções e escolhas, muitos dos entrevistados se

colocaram em condições sem nenhuma alternativa, principalmente no que envolve a

mudança de corpo para mudança de vida. A partir destas condições, a relação de

confiança e medo tem valor singular. Aos decidirem fazer uso dos esteroides

anabolizantes, estavam diante desses dois elementos fundamentais para a formação do

discurso e direcionamento da ação.

No que se refere à confiança, verificamos que todos os entrevistados confiam

nos esteroides anabolizantes no que envolve suas manifestações anabólicas, ou seja,

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104

como ferramenta capaz de proporcionar alteração da forma corporal no sentido da sua

hipertrofia muscular. A confiança neste caso encontra-se presente, ao depositarem

específica forma de crença no funcionamento do conhecimento técnico (que eles

acreditam ter), seja para o crescimento da massa muscular, ganho de força, energia,

dentre outros. O interessante é que os entrevistados atribuem aos esteroides

anabolizantes, propriedades que são condenadas pelos sistemas especializados, no que

se refere ao seu uso com intenções puramente estéticas. Assim, os entrevistados, ao

decidirem fazer uso dos esteroides anabolizantes, desconsideraram os pronunciamentos

dos sistemas especializados em prol do não uso destes aditivos.

Grande parte dos entrevistados “desconsiderou” os EAAs como medicamentos

para uso exclusivamente terapêutico, e atribuiu a essas drogas, propriedade

essencialmente anabólica, como produtos desenvolvidos para hipertrofia muscular, ou

seja, para uso humano no âmbito esportivo ou estético. Outros reconheceram os

esteroides anabolizantes como medicamentos, porém, também com a finalidade de

hipertrofiar o tecido muscular. De qualquer modo, eles atribuem conhecimento técnico

ao sistema ao qual o próprio sistema perito não legitima ao mesmo tempo em que

condena.

Estas atribuições feitas pelos entrevistados aos esteroides anabolizantes

condicionam de alguma forma o fortalecimento da confiança nestas drogas da imagem

corporal, assim, ampliam-se as sensações de “segurança” e “certezas” ligadas à

utilização. Além do mais, esta visão dos hormônios esteroides anabolizantes serve como

mecanismo de “controle” dos medos no que se refere ao sentimento capaz de alterar o

discurso e paralisar a ação.

Levando em conta a confiança na impossibilidade do aparecimento de algum

efeito colateral, esta diminui em níveis consideráveis e, junto com ela, a sensação de

certeza e segurança, mesmo que de modo geral, não sejam suficientes para o abandono

da utilização dos EAAs. Em síntese, a confiança nos resultados é maior do que a

confiança no não aparecimento de algum efeito colateral.

São observados, também, dois outros fatores que contribuem para o

fortalecimento ou não da confiança na utilização dos esteroides anabolizantes: 1- os

resultados da contingência do uso, tendo em vista os conhecidos e principalmente os

amigos, levando em conta os lados “positivos” ou negativos da experiência dessas

pessoas próximas; 2- a própria experiência subjetiva, levando em conta os lados

“positivos” ligados à concretização do desenvolvimento da hipertrofia muscular, como

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105

também, o aparecimento de algum efeito colateral. Estes outros fatores servem como

parâmetro para o direcionamento das escolhas em face do conjunto dos esteroides

anabolizantes. Como bem observou Giddens (1991, 41), a confiança leva em

consideração a credibilidade em face aos resultados contingentes, porém, conforme os

entrevistados, os acontecimentos mais significativos para a tomada das decisões não

eram os fatos gerais, e sim os particulares ligados às pessoas de “confiança”, como os

próprios amigos também usuários. Contudo, os eventos levados em consideração não

são aqueles ligados aos sistemas especializados (divulgados pelos meios de

comunicação e outras fontes), mas aqueles presenciados no próprio convívio social.

Esta realidade, para os entrevistados, é de fundamental importância para os níveis de

confiabilidade na própria utilização e escolha das drogas da imagem corporal de forma

geral e específica.

Podemos dizer, a partir do grupo aqui pesquisado, que muito do direcionamento

da ação e do discurso deles no que se refere ao uso dos esteróides anabolizantes e outras

substâncias contesta em certo sentido, com o argumento que no mundo contemporâneo

cada vez mais os indivíduos levam em consideração os pronunciamentos dos sistemas

especializados e dos peritos para o posicionamento das escolhas (GIDDENS, 1991,

2002). Para os entrevistados, os parâmetros de verdades em face ao mundo do uso dos

EAA e outras substâncias não estão ligados diretamente aos sistemas especializados

(apesar da relativa influência antes da primeira experiência com as substâncias

esteroides anabólicas), mas, aos acontecimentos presenciados e vividos na própria

sociabilidade. De qualquer modo, muitos dos pronunciamentos dos sistemas

especializados e dos peritos em relação ao uso dos esteroides anabolizantes e outras

substâncias foram colocados em parênteses pelos entrevistados, seja devido a vontade

incondicional de transformar a forma corporal para assim mudar de vida, ou até mesmo,

por qualquer condição que de alguma forma desperte algum tipo de ceticismo frente ao

discurso dos sistemas especializados. Assim, para os entrevistados, as verdades

extraídas do próprio convívio social se sobrepõem muitas vezes as verdades distantes

dos sistemas especializados no que se refere ao uso dos EAA e outras substâncias.

Situações de desconfiança que provocaram entrave para usos de específicos

esteroides anabolizantes e, consequentemente, sensações de medo e insegurança

também foram observadas, conforme as seguintes condições: 1- por presenciar ou saber

de algum dano causado pela utilização de específico(s) esteroides anabolizantes por

qualquer amigo ou pessoas próximas; 2- por sofrer algum efeito colateral ao fazer uso

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106

de determinados compostos sintéticos; 3- por colocar em dúvida a procedência dos

produtos, suas funções e indicações; 4- em não confiar no funcionamento do

conhecimento técnico ao qual é amplamente ignorante, fermentando a incerteza dos

resultados esperados, ou seja, na “incapacidade” de proporcionar o desenvolvimento

esperado da hipertrofia muscular.

Por fim, no que envolve a confiança no universo do uso dos esteroides

anabolizantes, a relação de amizade tem importância particular. A confiança nas

relações de amizade se coloca como elemento fundamental para muitas das decisões

tomadas cotidianamente. A maioria dos entrevistados apontou como influências para a

utilização dos EAAs (e outras substâncias) os próprios “amigos” ou “conhecidos” que

fazem uso dessas substâncias. Os amigos são, normalmente, os principais responsáveis

por tudo que envolve a utilização dos EAAs, seja, influenciando o próprio uso, o tipo

específico de esteroides anabolizantes, a quantidade a ser administrada no organismo, a

construção do ciclo de aplicações e até mesmo a própria aplicação das substâncias.

Porém, a maior sensibilidade para a influência dos “amigos” ou “colegas” se dá na fase

de “inexperiência” dos entrevistados nas práticas ligadas à utilização dos EAAs. Em

suma mesmo não possuindo nenhum conhecimento especializado, os amigos detinham

“total” confiança dos entrevistados, no que diz respeito à própria utilização dos

esteroides anabolizantes e outras substâncias.

Além do mais, foi possível perceber que existe uma relação de mutualidade entre

os entrevistados e seus “amigos”, também usuários, que teve no próprio uso dos

esteroides anabolizantes um forte elo na relação, criando as condições necessárias para

o desenvolvimento e fortalecimento da amizade. Assim, nestas condições, o uso dos

esteroides anabolizantes não é apenas consequência da relação de amizade, mas um

elemento capaz de fortalecer a relação, como também capaz de potencializar novas

amizades. Em alguns casos, os EAAs também foram responsáveis pela construção de

laços de amizade em relação a pessoas que para os entrevistados eram “colegas” ou

apenas “conhecidos”. Alguns entrevistados afirmaram que muitas das pessoas que

passavam dicas, conselhos e informações ligadas ao uso dos EAAs e outras substâncias,

tornaram-se seus grandes amigos, mesmo que no princípio existisse ceticismo e cautela.

E ainda, o uso em comum dos EAAs serviu muitas vezes como elemento para maior

aceitação dos entrevistados dentro do seu grupo de amizade, devido à proximidade dos

interesses e práticas ligados à utilização dos anabolizantes sintéticos.

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107

Podemos dizer que os “amigos”, “colegas” e pessoas que utilizavam esteroides

anabolizantes e outras substâncias foram, para os entrevistados, o elo entre a confiança

pessoal e a confiança nos EAAs (e outras substâncias), pois mesmo tendo crença ou não

no funcionamento correto do sistema especializado (para o qual eles acreditam ter), ou

seja, na busca de cumprirem os resultados esperados, foi de fundamental importância

para a prática da utilização (no primeiro momento), a relação com estes indivíduos

usuários, no que diz respeito ao seu conhecimento, sua integridade, sua experiência

prática, seu exemplo de vida e estrutura corporal. Estes elementos são tomados pelos

entrevistados como parâmetro de “verdades” em substituição das “verdades” postas

pelos sistemas especializados, que são desconsiderados e colocados como “verdades”

distantes.

Contudo, estes pronunciamentos dos sistemas especializados e o próprio

discurso comum, como produto destes pronunciamentos, são extremamente relevantes

na produção e controle dos medos, no que envolve o uso dos esteroides anabolizantes.

Os sistemas especializados (através dos mecanismos da informação) alertam para o não

uso dos esteroides anabolizantes devido ao elevado risco na utilização destes

medicamentos com a finalidade puramente estética. Esta realidade afeta de maneira

única as pessoas que decidiram não fazer uso dos EAAs ao despertarem o medo na

utilização destas substâncias. Por outro lado, os indivíduos que decidem fazer uso destes

aditivos na intenção da transformação da forma corporal (no seu caráter estético)

também estão expostos aos pronunciamentos destes mecanismos sociais, e por eles são

afetados, (direta ou indiretamente) mesmo que a própria utilização represente a rejeição

do próprio pronunciamento do conhecimento técnico. Assim, esta rejeição pode

impulsionar a partir de determinadas circunstâncias atos de transgressão em relação as

indicações dos sistemas especializados.

O corpo como projeto de vida e os medos difusos ligados à insatisfação da forma

corporal podem direcionar os indivíduos para atos de transgressão frente ao

conhecimento especializado, ao mesmo tempo em que exemplos de outros

transgressores sirvam de modelo a serem seguidos ou renegados. Com isso, a partir de

“vitórias” alheias, que se deu em circunstâncias de coragem, ousadia e determinação, e

assim, enfrentando qualquer outra indicação dos mecanismos de conhecimento, os

transgressores “vencedores” servem como formas idealizadoras para a ação de outros

novos transgressores, fundamentado a construção de novas verdades.

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108

Esta foi a realidade dos nossos entrevistados, que sentiram medo antes de

começar a fazer uso dos esteroides anabolizantes pela primeira vez. Porém, a

insatisfação com a imagem corpórea, o desejo de transformação do corpo, a esperança

de mudar de vida e, ainda, a vontade de emancipar os medos ligado a estas condições,

fizeram do invólucro encarnado um projeto. Assim, o medo no uso dos esteroides

anabolizantes como reflexo dos pronunciamentos dos sistemas especializados (e

também do discurso comum) não foi um sentimento suficiente para abandono das metas

estabelecidas. Os medos foram colocados de lado, devido à necessidade “cega”, de

transformar a forma corporal, criando uma “neblina” para a percepção dos perigos

potenciais anunciados pelos sistemas especializados. Associado a este contexto, a

própria relação dos amigos, colegas e das pessoas em geral, com o uso dos esteroides

anabolizantes, serviram como exemplos capazes de diminuir (podendo também

aumentar) o sentimento de medo que existia e, por outro lado, ampliava-se a confiança

para a própria utilização. Então, os objetivos e anseios ligados à imagem corporal, aos

exemplos “positivos” de amigos, colegas e pessoas também usuários de esteroides

anabolizantes serviram como fiel da balança para “redução” dos medos e elevação da

confiança no uso destas substâncias.

Com a experiência prática, alguns entrevistados afirmaram não sentir mais medo

na utilização dos esteroides anabolizantes, porém, outros afirmaram ainda sentir medo

em níveis bem inferiores, em relação à fase anterior da primeira experiência. De modo

geral, a maioria dos entrevistados apontou algum específico EAA ao qual não faria uso

por hipótese alguma. Esta realidade se deve à experiência com algum efeito colateral

sofrido, seja por eles ou pessoas próximas, no caso, seus “amigos” e “conhecidos”.

Estes eventos fundamentaram o sentimento de medo ampliado, paralisando a ação do

uso em específicos esteroides anabolizantes, porém, não suficiente para vedar a ação

frente a estes medicamentos em geral.

Conforme a realidade estudada, foi possível perceber que os níveis do medo se

reduzem a partir das seguintes condições: 1- na ausência de conhecimento de algum

efeito colateral em pessoas próximas, mais especificamente, amigos e conhecidos; 2-

não ter sofrido nenhum efeito colateral na utilização dos esteroides anabolizantes; 3- no

uso “contínuo” proporcionando maior experiência e aprendizado prático; 4- na

confiança no uso de certos aditivos, criando uma “zona de conforto” no próprio contato

com substâncias específicas; 5- em ações para a redução dos riscos, por exemplo,

consumo de medicamentos com a função de proteção hepática e também na crença de

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109

intensificar ao máximo as práticas de exercícios na academia de musculação, dentre

outros. Estas condições ampliam a sensação de “segurança”, conforme foi dito pelos

entrevistados, para tanto, a relação com o sentimento de medo fica de certa forma

tolerável ou posta em parênteses, em contrapartida com o fortalecimento da confiança

nesta prática.

Um detalhe interessante em face da natureza do medo, no que se refere à

antecedência do primeiro contato com os EAAs, é que as preocupações ligadas ao uso

normalmente giram em torno dos efeitos nocivos tomados como imediatos. A maioria

dos entrevistados antes da primeira experiência com as substâncias esteroides

anabólicas afirmaram que sentiram medo devido o risco do aparecimento de algum

efeito colateral logo após o primeiro contato. Realidade diferente dos medos sentidos

depois da experiência com as substâncias, que se direcionam para uma preocupação

com algum dano que, por ventura, poderá acontecer no futuro. Portanto, a partir do

momento que os entrevistados tiveram o primeiro contato com as drogas da imagem

corporal, novos medos mostraram sua face, como consequência de um cenário bem

mais imprevisível e difuso. O caráter difuso e desconhecido são os elementos de ambas

as situações: uma, tendo em vista o instante imediato e a outra o futuro “muito” distante.

De qualquer modo, o sentimento de medo pré-consumo foi de certa forma controlado

devido a relevância do projeto corpo e todas as suas consequências. Já em relação ao

medo ligado às condições futuras, as sensações de incerteza e insegurança se ampliaram

como reflexo da intensificação do caráter difuso e desconhecido de tal realidade.

O imediatismo contemporâneo que direciona os indivíduos às preocupações com

o “agora” faz do futuro uma realidade muito distante para se preocupar. A cultura do

instantâneo serve como processo de “controle” do medo futuro e, se atendo a este

estratagema, os entrevistados continuam fazendo uso de tais substâncias em prol das

suas preocupações e objetivos imediatos.

Foi possível observar na pesquisa que, além dos medos ligados aos

pronunciamentos dos sistemas especializados e aqueles do discurso comum, existem

outros tipos de medos no que envolve o universo do uso dos esteroides anabolizantes.

São eles os medos existenciais relacionados à insatisfação da imagem corporal, tão

comuns na contemporaneidade. O medo do não reconhecimento social, da rejeição, do

fracasso, de ser passado pra trás, da infelicidade, dentre muitos outros temores típicos

dos dias atuais. Estes medos existenciais ligados à insatisfação da imagem corporal, de

certa forma ajudaram a impulsionar os entrevistados para a própria prática da

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110

musculação e, posteriormente, utilização dos esteroides anabolizantes. Assim, os

entrevistados, ao decidirem fazer uso dos EAAs como forma de solucionar os medos

existenciais relacionados à insatisfação da imagem corporal, embarcam em um outro

universo, cercados por medos de todos os lados. Esta realidade mostra as diversas faces

do medo no que envolve o universo da utilização dos esteróides anabolizantes ligado

por razões puramente estéticas.

Podemos concluir que os entrevistados encontram-se diante de uma situação

muito dramática, considerando os elementos que envolvem as suas ações: 1- a vontade

que muitas vezes se torna uma “necessidade” de transformar sua forma corporal através

da hipertrofia muscular. 2- a “crença” que a mudança da forma corporal acarretaria a

emancipação de muitos dos problemas vividos no cotidiano, além, da eliminação dos

medos existenciais provocados por estes problemas; 3- a confiança nos esteroides

anabolizantes como a única ferramenta capaz de realizar os objetivos traçados frente ao

projeto corpo, em um período de tempo consideravelmente curto; 4- o medo no uso dos

esteroides anabolizantes produzido pelos sistemas peritos; dentre outros.

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