barros, josé d'assunção. projeto de pesquisa em história.pdf

239
29 EDIÇÃO PROJETO DE PESQUISA EM HISTÓRIA Da escolha do tema ao quadro teórico José D Assunção Barros A  EDITORA  VOZES

Upload: rafael-abreu

Post on 02-Jun-2018

1.026 views

Category:

Documents


304 download

TRANSCRIPT

Page 1: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 1/238

29 EDIÇÃO

P R O J E T O

D E P E S Q U I S A

E M H I S T Ó R I A

Da escolha do tem a

ao quadro teórico

J o s é D A s s u n ç ã o B a rro s

A  EDITORA

•  VOZES

Page 2: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 2/238

bt r in j iU .

Au Rio Branco,

 1J5,1110-Cer*My

O Pro je to de Pesqu isa em His tó r ia

/]///(&#> a ^ u í / J t ^

4QH

Page 3: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 3/238

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Barros, José D'Assunção

O Pro jeto de Pesquisa em História : da escolha

do tema ao quadro teórico / José D'Assun ção

Barros. - Petrópolis, RJ : Vozes, 2005.

ISBN 85.326.3182-7

Bibliografia.

1. Pesquisa histórica 2. Pesquisa - Metodologia

3. Pesquisa - Projeto I. Título.

05-4191

CDD-001 -4

índices para catálogo sistemático:

1. Pesquisa : Projeto 001-4

Page 4: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 4/238

José D'Assunçâo Barros

O Projeto de Pesquisa em

His tó r ia

Da esco lha do t em a ao quad ro t eó r i co

S [ è E D I T O R A

V V O Z E S

P e t r ó p o l i s

Page 5: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 5/238

© 2005, Editora Vozes Ltda.

Rua Frei Luís, 100

25689-900 Petrópolis, RJ

Internet: http:/ /www.vozes.com.br 

Brasil

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser

reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios

(eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada

em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

Editoração'.

  Fernando Sergio Olivetti da Rocha

Projeto gráfico: AG.SR Desenv. Gráfico

Capa

: Marta Braiman

ISBN 85.326.3182-7

Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.

Page 6: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 6/238

A p r e s e n t a ç ã o

O livro

  O Projeto de Pesquisa em História

  não p r e t ende desem -

penhar o papel de um mero manual , s implif icado e esquemático. Dá-se

uma importância muito grande à discussão de questões s ignif icat ivas

para o con hecim ento cient í f ico e para o conh ecim ento his tórico de uma

maneira par t icular . Em alguns casos , a explanação acerca da fei tura de

capí tulos específ icos de um Projeto de Pesquisa abre-se como pretexto

para uma discussão mais ampla sobre a própria natureza do conhecimen-

to, suas práticas e discursos.

Por outro lado, espera-se que - com a sua lei tura e aco m panh am ento

- o pesqu isador enc ontre nesta obra um a form a interessante de se aper-

feiçoar na elaboração de projetos de pesquisa, projetos de tese e outros

t ipos dc projeto . Em tod o o caso, evi ta-se radicalm ente a idéia de forne-

cer uma "recei ta de bolo" que possa ser seguida mecanicamente e sem

um a ação re flex iva e recriado ra. O princípio qu e norteia este l ivro é o de

discut i r a l ternat ivas e mo delos d ivers if icados que poderão ser operacio-

nal izados pelo pesquisador , pelos professores e es tudantes de pós-gra-

dua ção - qu e em últim a instância são os be nef iciá rios previstos para este

trabalho. B usca-se, além disto, preenche r um c onteú do básico para as dis-

cipl inas relaciona das ao cam po da

 Metodologia Científica,

  e m uitos dos

textos aqui apresen tados fo ram escr i tos pensan do-se na possibi lidade de

favore cer as discussões em sala de aula.

Um dos objet ivo s deste livro é desen volver um a ref lexão acerca das

funções e da es trutura fundamental de um Projeto , ao mesmo tempo em

que são discut idos também os diversos capí tulos de um Projeto de Pes-

quisa até o "Q uad ro Te ór ico". A "M etod olog ia" , capí tulo de um Projeto

que envolve uma sér ie de novos aspectos a serem discut idos, será obje-

to de uma outra obra no futuro.

Page 7: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 7/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

Ao final do texto deste l ivro, o leitor encontrará um

  Glossário

  que

em alguns casos tem a funç ão de esclarecer termo s ou expre ssões q ue apa-

recem no decorrer do texto, e que, em outros casos, tem a fun çã o de apre-

sentar in tertextos vol tados pa ra a discussão mais ap rofu nd ad a de aspec-

tos apenas m enc ionad os no tex to . Qua lquer pa lavra segu ida de um as-

ter isco (*) rem ete a um verbete correspon dente neste Glo ssár io .

Espera-se que o trabalho aqui desenvolvido possa contr ibuir tanto

para um auto-esclarecimento do estudante e pesquisador, bem como para

a consti tuição de materiais a serem util izados em disciplinas de Gradua-

ção e Pós-Graduação relacionadas à "Metodologia Cient í f ica" . Embora

o enfoque principal esteja vinculado às áreas de História e de Ciências

Hu ma nas, o lei tor irá ver i f icar que são fornec idos exem plos referentes a

diversif icados campos de estudo, incluindo as ciências da natureza e as

ciências exatas , e por is to espe ra-se que este t raba lho tam bé m enc ontre

a sua ut i l idade em discipl inas metodológicas associadas a es tes outros

campos do conhecimento humano.

— 6 —

Page 8: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 8/238

S u m á r i o

1. O Projeto de Pesquisa: fun çõ es e es trutura fund am ental 9 

1.1. Por que escrev er um Pro jeto de Pesqu isa? 9 

1.2. A s partes de um Pro jeto de Pesq uisa 14 

2. Introdução e De l imitaçã o do Tem a 23 

2.1. D ois t ipos de Introd uçã o 23 

2.2 . O "recor te temático" diante de suas motivações sociais e 

intradisciplinares 25 

2.3 . As escolhas que dependem mais diretamente do  

pesquisador 34 

2 .4 . Recor tando o Tem a 37 

2.5 . Rec or te espác io- temp oral 41 

2.6. Re corte serial e "rec orte na fon te " 47 

2.7 . Ar t iculando recor tes 51 

3. Re visão Bibl iog ráf ica 54 

3.1 . Por que elaborar um a Re visão Bibl iográf ica? 54 

3.2. Q ue livros incluir na Re visão Bib liográ fica? 55 

3.3. C om o organizar a Re visão Bibl iográf ica 61 

3.4. Dis tinção entre Bib liog rafia e Fonte s 63 

4. Just i f icat iva e Ob jet ivos 67 

4.1. Justif ic ativa 67 

4.2 . Ob jet ivos 75 

Page 9: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 9/238

5. Qua dro Teór ico 79 

5.1. Interações e diferença s entre Qu adro Teór ico

e M etodologia 79

5.2. Elem entos para o Qu adro Teó r ico 85 

5.3 . O Cam po Histór ico 94 

5.4. Conceitos pertinentes ao campo de estudos ou à

linha de Pes quis a 101

5.5. Co nceitos pertine ntes ao recorte tem ático 103 

5.6 . N orm as para a elaboraç ão de def in içõe s concei tuais 108 

6. Hip óteses 128 

6.1. Hip óteses : sua nature za e imp ortânc ia 128 

6.2 . A s funç ões da Hipótese na Pesquisa 137 

6.3. A elaboraç ão da H ipóte se 156 

6.4 . A Hipótese em seu m om ento cr iador 180 

6.5 . Considerações f inais : Hipótese Central , Hipóteses 

Secundár ias e Co m entár ios 185 

Conclusão 189 

Glossário 191 

Re ferências bibl iográf icas 227 

Page 10: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 10/238

1

O PROJETO DE PES QU ISA: FUN ÇÕ ES E ESTRUTURA

FUNDAMENTAL

1 .1 . Por que escrever um Pro je to de Pesqu isa?

In ic iar uma Pesquisa , em qualquer campo do conhecimento huma-

no, é par t i r para uma viagem inst igante e desaf iadora. Mas t rata-se de-

cer to de uma viagem diferente, onde já não se pode contar com um ca-

minho preexistente que bastará ser percorrido após a decisão de partir .

Se qua lquer viagem traz consigo um a sensação de novidade e de con-

f ron to com o desconhecido , a v iagem do conhecimento depara- se ad i -

cion alm ente com a inédi ta real idade de que o cam inho da Pesquisa deve

ser construído a cada momento pelo própr io pesquisador . Até mesmo a

escolha do lugar a ser alcançado ou vis itado não é mera questão de apon-

tar o dedo para um ponto do mapa, pois este lugar deve ser também ele

construído a partir da imaginação e da criatividade do investigador.

Del imitado o tema, o problema a ser invest igado, ou os objet ivos a

serem atingidos, o pesquisador deverá em seguida produzir ou consti tuir

os seus próprios materiais - pois não os encontrará prontos em um a ag ên-

cia de viage ns ou em um a loja de ar t igos aprop r iado s para a ocas ião - e

is to inclui desd e os instrumen tos nece ssár ios à emprei tada até os mo dos

de uti l izá-los.

É ass im que, se qualquer viagem necessi ta de um cuidadoso pla neja-

mento - de um roteiro que estabeleça as etapas a serem cumpridas e que

adminis tre os recursos e o tempo disponível - mais ainda a viagem da

Pesquisa Cient í f ica necessi tará deste instrumento de planejamento, que

neste caso tam bém será um instrumento de elaboração dos própr ios m a-

teriais de que se servirá o viajante na sua aventura em busca da constru-

ção do conh ecim ento. Este é o papel do P rojeto na Pesquisa C ient í f ica.

— 9 —

Page 11: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 11/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

O Projeto de Pesquisa deve ser, natura lme nte, um instrumento f lexí-

vel, pronto a ser ele mesmo reconstruído ao longo do próprio caminho

empreendido pelo pesquisador . Se o conhecimento é produto da perma-

nente interação entre o pesq uisador e o seu objet o de estu do , com o ten de

a ser considerado nos dias de hoje, as m uda nças de direção pode m ocor-

rer com algum a f reqüê ncia, na medida em q ue esta interação se proce ssa

e mod if ica não ape nas o objeto de es tudo, ma s o própr io es tudioso.

Ao se deparar com nov as fontes , ao reform ular hipóteses , ao se con-

frontar com as inevi táveis dif iculdades, ao produzir novos vis lumbres

de cam inhos possíveis , ou ao amadurecer no decorrer do própr io proces-

so de pesq uisa, o investiga dor deverá estar prep arad o para l idar co m m u-

danças, para abandonar roteiros, para antecipar ou retardar etapas, para

se desfazer de um instrumento de pesquisa em favor do outro , para re-

pensar as esque m atizações teóricas que até ali haviam orientado seu p en-

samen to. Ne ste sentido, todo Projeto é provisório, sujeito a mutaçõ es, ina-

cabado.

Diante deste caráter provisório e inacabado do Projeto, o pesquisa-

dor iniciante f req üen tem ente se vê tentado a supor que elaborar um Pro-

jeto é mera perda tempo, e que melhor seria iniciar logo a pesquisa. Da

mesma forma, o es tudioso que acaba de ingressar em um Programa de

M estrado não raro se põe a perguntar se não seria mais ade quado com e-

çar já a escrever os capítulos de sua dissertação, na medida em que vai

levantando e anal isando os seus mater iais (como na Histór ia ou na So-

ciologia) , ou à medida que vai realizando os seus experimentos (neste

úl t imo caso, conside rando ciências com o a Fís ica ou a Qu ímica) . Se ele

passa a elaborar o seu Projeto, a contragosto, é porque se acha obrigado

a isto

  institucionalmente,

  um a vez que deverá defend ê- lo a cer ta altura

do seu curso em um evento que nas unive rs idades b rasi leiras cham a-se

"exam e de qual i f icação" .

Já com relação ao pesquisador que par t icipa de um Programa de

Pós-G radua ção em nível de Do utorad o, este, na ma ior parte dos casos, já

deve ter elabo rado o seu Projeto antes de ter ingre ssad o no Prog ram a - e

neste caso o Projeto terá assumido para ele, para além do papel de uma

exigência insti tucional, a função de uma "carta de intenções" a partir da

qual ele procurou co nven cer a banca exa m inado ra de que era um candi-

dato interessante para o Programa.

— 10 —

Page 12: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 12/238

1. O Pro je to de Pesqu isa : funções e es t ru tura fundamenta l

Por ou t ro lado , para a lém dos ambien tes acadêmicos e un ivers i tá -

r ios , com freqüência uma pesquisa é proposta pelo seu executante para

ser finan ciad a por organ izaç ões na ciona is e internacion ais, por institutos e

órgãos de fom ento à pesqu isa, e tam bém por emp resas de caráter pr iva-

do ou estatal . Os professores que atuam nos meios univers i tár ios tam-

bém devem, na maior parte das vezes, registrar as pesquisas que estão

real izando como par te de suas at ividades docentes . Em todos es tes ca-

sos , a elaboração do Projeto de Pesquisa se apresenta novamente como

um a exigên cia necessár ia , e a incapacidade de atender esta exigência de

maneira minimamente sat isfatór ia pode implicar na perda de opor tuni-

dades prof iss ionais impor tantes .

Em que pesem estes aspectos institucionais de que se pode ver reves-

tido, um Projeto de Pesquisa é na verdade m uito mais do que isto. Assim,

contrariam ente à falsa idéia de que o Projeto é m eram ente um a exigência

forma l e burocrática, ou de q ue se consti tui apenas naqu ele recurso neces-

sário para a Instituição selecionar candidatos a pesquisadores ou avaliar

seu desem penh o, o estudioso m ais ama durecido sabe que o Projeto é efe-

tivamente uma necessidade da própria pesquisa. Sem o Projeto, ele sabe

que sua viagem se transformará em caminhada a ermo, que os recursos em

pouco tem po estarão esg otado s por falta de planejam ento, e que os pró-

prios instrum entos ne cessários para iniciar a cam inhada , para dar um pas-

so depois do outro, sequer chegarão a ser elaborados.

Sem o Projeto , o pesquisador mais exper iente sabe que não exis te

sequer um cam inho, um a vez que este cam inho dev e ser construído gra-

dualmente a par t i r de mater iais elaborados pelo própr io pesquisador -

sendo a elaboração do Projeto s im ultaneam ente o pr imeiro passo da ca-

m inh ad a e o primeiro instrum ento necessário para se pôr a cam inho. O Pro-

jeto de Pesquisa, desta maneira, mostra-se a es te pesquisador precisa-

m ente um g anho de tem po, um agi l izador da pesquisa, um ef icaz roteiro

direcionador , um esq uem a prévio para a construção do s mater iais e téc-

nicas que serão necessár ios p ara alcançar os objet ivos p retendidos.

O Q uadro 1 procu ra resumir algum as das pr incipais funçõ es de um

Projeto de Pesquisa. Ali encon traremo s as já m encion adas funç ões for-

mais ou burocrát icas que os pesquisadores iniciantes confundem com a

única razão de ser do Projeto , mas tam bém as fun çõe s operacionais , que

são inerentes à própria realização de uma Pesquisa em si mesma. Assim,

— 11 —

Page 13: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 13/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

se o Projeto é uma "car ta de intenções" (1) onde o pesquisador exibe a

sua proposta investigativa para uma insti tuição acadêmica ou científ ica,

e se ele é um "item curricular" nas insti tuições de Pós-Graduação (2) , o

Projeto é também um poderoso instrumento que cumpre as funções de

"direcionador da pesquisa" (3) .

Neste últ imo particular , o pesquisador que pretenda iniciar sem um

Projeto a sua viagem de construção do conhecimento cedo perceberá que

o próprio tema lhe parece fug ir constantem ente. Fa cilmen te o pesq uisador

pode se pôr a perder em uma floresta temática, que lhe oferece mil dire-

ções e possibil idades, até que perceba que, dentro de um tema mais am-

plo, é preciso recortar , criar um problem a, estabelecer um a d ireção, e que

o Projeto vai lhe permitir precisamente a efetivação destes múltiplos re-

cortes que tornarão a sua pesquisa possível, viável e relevante.

d ire cio na do r d a J M

| Pesquisa

  J

  j j

Roteiro de Trabalho

  ou

Instrumento de Planejamento

*f V

Page 14: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 14/238

1. O Pro je to de Pesqu isa : funções e es t ru tura fundamenta l

Esta const i tu ição gradual e s is temática de um objeto de pesquisa não

necessi ta apenas de uma direção e de um recor te del imitador , mas tam-

bé m de um plan ejam ento . Aqu i o Projeto vem trazer outra contr ibuição,

um a vez qu e em um a de suas ins tânc ias e le se cons t i tu i em um "ro te i -

ro de t raba lho " ou em um instrum ento de planejam ento (4) sem o qual o

pesq uisado r desperdiçar ia os seus recursos , perdendo-se em um a inves-

tigação não sistematizada para f icar a meio caminho dos objetivos que

sequer chegou a expl ici tar de maneira mais clara para s i mesmo.

Sobretudo, o Projeto é um ef icaz " instrumento para elaboração de

idéias" e para auto-esclarecimento de quem o produz (5) . Ao elaborar

um quadro teórico ou pensar metodologias, ao construir hipóteses e f i-

xar objet ivos, ao empreender uma revisão bibl iográf ica que colocará o

pesquisador diante da literatura já existente sobre o assunto, o Projeto vai

gradu alm ente esclarecendo aquele que o produz, dando-lhe elementos para

articular m elho r suas idéias e co nfro ntá -las com o que já foi feito naqu e-

le campo de conhecimento.

M ais ainda, o Projeto perm ite que a pesquisa em andam ento seja ex-

posta aos olhares de outros pesquisadores , sejam professores e prof is-

s ionais mais exper ientes que incluem o or ientador da disser tação ou da

tese, sejam os colegas de mesmo nível , também capazes de contr ibuir

s ignif icat ivamente para uma pesquisa que, sabe-se muito bem, nunca é

um trabalho exclusivam ente individual . O Projeto torna-se desta m anei-

ra um instrumento para o "diálogo cient í f ico e acadêmico" (6) .

Alg uns destes diálogos, em se t ratando das pesquisas de Pós-G radu-

ação, encontram precisamente o seu lugar nos momentos em que o pes-

quisad or expõ e o seu Projeto a profe ssore s e colegas nos vár ios sem iná-

rios que habitualmente consti tuem parte dos i tens curriculares de um

curso de Mestrado ou de Doutorado. O próprio "Exame de Qualif icação"

é precisa m ente um mom ento m aior nesta rede perm anente de diálogos -

um m om ento algo ri tualizado em qu e o pesquisad or apresenta o seu t ra-

balho a alguns professo res para receber cr í t icas e sugestões que o ajuda-

rão a aperfeiçoa r o seu t rabalho e a encon trar novos cam inhos.

O Projeto cumpre, desta forma, oferecer o "retrato de uma pesquisa

em an da m ent o" (7) . Neste m om ento , em se tratando de um a pesquisa que

visa a elaboração de uma Dissertação de Mestrado, é l ícito chamá-lo de

— 13 —

Page 15: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 15/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

"Projeto de Dissertação" (ao invés de "Projeto de Pesquisa", expressão

que implicaria em uma investigação que ainda está por se realizar ou que,

no máximo, anunciaria procedimentos ainda exploratórios) . No caso de

um "Projeto de Dissertação", que o estudante de mestrado apresenta na

m etade do seu curso, a Pesquisa já d eve se encontrar em estágio m ais ava n-

çado e definido, e daí a pertinência desta mud anç a de designaç ão.

Neste caso particular , é também aconselhável acrescentar ao Projeto

um "Plano de Capítulos", onde devem estar sum ariados, de m aneira sinté-

tica e preliminar, os capítulos pretendidos para o texto final da Disserta-

ção de Mestrado ou da Tese. Em tempo: este "plano de capítulos" é tam-

bém provisório, sujeito a mu dança s e redefinições, e as próprias sugestões

recebidas pela banca examinadora podem contribuir para este redirecio-

namento que poderá conduzir a uma nova organização de capítulos.

1 .2 . As par tes de um Pro je to de Pesqu isa

Conforme pudemos ver , o Projeto cumpre múlt iplas funções e f ina-

l idades no t rabalho de Pesquisa. Ele procura an tecipar algum as pergun -

tas fundamentais relacionadas à Pesquisa proposta, tanto no sent ido de

dar um a satisfação a terceiros (quando for o caso) co m o no sentido de pro-

mo ver um auto-esclarecimento pa ra o própr io pesquisad or e um del inea-

mento preciso do recorte temático, de cada etapa, de cada instrumento,

de cada técnica a ser abordada. Assim, ele responde de antemão às se-

guintes perguntas relacionadas à pesquisa proposta: O que se pretende fa-

zer? Por que faz er? Para que fazer? A par t i r de que fu nda m ento s? Com o

que fazer? Como fazer? Com que mater iais? A par t i r de que diálogos?

Quando fazer? Cada uma destas perguntas remete, a pr incípio , a uma

par te espec íf ica do Projeto - a um a espécie de com par t im ento redacio-

nal onde o pesquisado r procura esclarecer de ma neira clara e precisa, para

os outros ou para si mesmo, as várias instâncias que devem alicerçar o

seu trabalho (Quadro 2) .

"O que fazer?", por exemp lo, é um a pergunta q ue se busca esclarecer

logo de princípio, na "Introdução" do Projeto e, eventualmente, em um

capítulo denominado "Delimitação Tem ática" ou "Exposição d o Proble-

ma" (estes nomes variam muito, de instituição a instituição, e não devem

ser tomados como parâmetros absolutos) . Veremos mais adiante que a

— 14 —

Page 16: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 16/238

1 . O P r o j e t o d e P e s q u i s a : f u n ç õ e s e e s t r u t u r a f u n d a m e n t a l

resposta a esta pergunta deve sofrer sucessivas delimitações, bem como

integrar recortes simultâne os que podem remeter a um tem po, a um espa-

ço, a um problem a investigado. Por ora, de maneira sim plif icada, diremos

que é precisamente aqui que o pesquisador deve esclarecer ao seu leitor

qual é o objeto de sua investigação ou da sua realização científica.

"Po r que faz er? " é um a pergunta im portante, que interessa particular-

mente àqueles que irão decidir se o seu projeto deve prosseguir , se deve

ser financiado, se pode ser aceito em um programa de pesquisa ou de

Pós-G raduaç ão. O capítulo do Projeto que busca esclarecer isto, de fornia

bem convincente e argumentativa, denomina-se habitualmente "Justif ica-

tiva" (não raro tamb ém se acrescenta a esta den om inaçã o as palavras "re-

levânc ia" ou "viab ilidade", que no fund o não são ma is do que aspectos es-

pecíf icos de uma "justif icativa" no seu sentido mais amplo).

"Para qu e faz er? " vincula-se ao es tabelecime nto de objet ivos a at in-

g i r - dand o or igem a um capí tulo bastante conciso qu e se refere às finali-

dades a serem a lcançadas , f r eqüentemente enunciadas em ordem numé-

rica e da maneira mais simples possível. Este capítulo recebe habitual-

mente o t í tu lo de "Objet ivos" .

Q u a d r o 2 : ^ s  parles de um Projeto de Pesquisa

R ev isão

Bibl iográf ica

Pode ser deslocado

para a Introdução

ou para o Quadro

Teórico

D el im i t ação

T em át ica

(ou do Problema)

Pode ser des locado

para a Introdução '

Just i f icat iva

1 f In t roduç ão

PROJETO DE

PESQUISA

Ob je t i vo s  1  3

C r o n o g r a m a

Q u a d r o

Teór ico

Bib l iograf ia

H ip ó t eses

ontes e

Met o d o lo g ia

— 15 —

Page 17: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 17/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

"A par t ir de que fund am en tos? " reme te a todo um c onju nto de possi-

bi l idades teór icas ou mesmo de visões de mundo que, pelo menos em

parte, o pesquisador já deve trazer consigo ao iniciar a sua viagem pro-

dutora de conhec imen to. O capí tulo que busca co ncentrar a referência a

estes aspectos fundamentais , verdadeiros al icerces mentais que nor tea-

rão as ações e as escolhas fei tas pelo pesquisador , de nom ina-se "Qu adro

Teórico". Trata-se aqui de definir desde as f i l iações mais amplas até os

concei tos , expressões e categor ias que serão uti l izados na elaboração re-

f lexiva e na sua exposição de resultados.

"Co m o que fazer?" e "Co m o faze r?" são indagações que reenviam

respect ivamen te aos instrum entos e às técnicas de pesquisa. De fato , um

"instrum ento" é aqui lo com o que se faz, e rem ete aos rec ursos de natu-

reza mater ial ou mesmo abstrata que serão empregados como verdadei-

ras fer rame ntas para a pesquisa. Neste caso, são " ins trum en tos" um cro-

nôm etro, uma balança, um tubo de ensaio (para o caso de pesquisas nas

áreas das ciências exatas e biológicas) mas também um formulár io , um

quest ionár io , ou mes m o um g ráf ico que se elabora para acondicion ar os

dados colhidos e prepará-los para a interpretação.

Já uma " técn ica" remete ao modo de rea l izar a lgo , e abrange pro-

ced im ento s com o as coletas de informa ções, as entrevis tas , as man eiras

s is tematizadas de empreender observações, e também as anál ises de

conteúdo, as análises estatíst icas, ou outras metodologias destinadas à

interpretação dos dados qu e foram coletados ou captados. En fim , as "téc-

nica s" pod em se referir tanto à coleta de dad os e à con sti tuição de do cu-

mentação como também às anál ises destes dados e destas fontes .

Os instrumentos e técnicas são habi tualmente acondicionados em

um capí tu lo bas tan te impor tan te do Pro je to , e que se denomina "Me-

todologia" , "Métodos e Técnicas" , "Procedimentos Metodológicos" , ou

algo do gênero. Tam bém é ut i lizada, ta lvez de m aneira ainda mais a pro-

pr iada, a designação "Mater iais e Metodologia" ("Fontes e Metodolo-

gia", para o caso da História) . É uma designação interessante quando o

pesquisador precisa descrever também os materiais sobre os quais irá

t rabalhar - mater iais que não são propr iam ente a parelhos e fer rame ntas ,

ma s s im a matér ia-pr ima que sofrerá a in tervenção de fer ram entas e ins-

trumentais diversos. No caso da História, esta espécie de matéria-prima

fundamental da qual precisará partir o historiador que empreende a sua

— 16 —

Page 18: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 18/238

1. O Pro je to de Pesqu isa : funções e es t ru tura fundamenta l

v iagem ao pas sa do é a " f o n t e" ou o "doc um en to h i s tó r i co" . É conve-

ni en te dissertar sobre as "f on te s" que serão uti l izadas, antes de discorrer

sobre as metodo logias que serão ut i l izadas para consti tu í- las em um   cor-

pus

  docu m ental def in ido e para interpretá-las . Daí ser bem com um a de-

s ignação "Fo ntes e M etod olog ia" em um Projeto de Histór ia (equivalen-

te a "M ate r ià i s^ M eto do lo gia ' em pro je tos exper imenta is v incu lados ao

campo das ciências exatas) .

"A par t ir de que diá logo s?" é a pergunta que s i tua um a Pesqu isa em

uma rede de intertextualidades com outros autores. Dito de outra forma,

indaga-se aqui pelos " inter loc utores" da ref lexão a ser real izada. D if ici l -

m ente um a pesqu isa cient í f ica par te do "pon to zero " (se é que já exist iu

alguma que o tenha fei to na his tór ia do conhecimento humano) . Nem

que seja para contestar radicalm ente os autores precedentes q ue já se de-

bruçaram sobre o mesmo problema, o pesquisador precisa inser i r a sua

reflexão em um diálogo implícito ou explícito com a l i teratura e com o

conhecimento já exis tente. Mais comum é que, além das eventuais con-

tes tações e correções a autores precedentes , o pesquisador também en-

contre autores e obras que lhe servirão como pontos de apoio, como ala-

van cas para se impuls ionar para m ais adiante, com o inspiração para no-

vos caminhos.

É neste sentido que, em um Projeto de Pesquisa, não pode faltar o

que se poder ia chamar de um a "Re visão B ib l iográf ica". Alguns mode-

los de Projeto atr ibuem um cap ítulo especia l a este leva ntam ento crít ico,

onde o pesquisador irá apresentar e discutir algumas das obras preexis-

tentes que serão reapropriadas no seu trabalho, seja sob a forma de assi-

m ilação ou de confro nto. M as, por outro lado, o já men cionado "Quadro

Teór ico", que vimos ser aquele capí tulo em que o pesquisador expõe o

seu referencial teórico e os conceitos de que irá se valer , pode também

incluir como i tem a revisão bibl iográf ica , já que de algum m odo esta re-

visão também representa uma base de teor ia da qual par t i rá o pesquisa-

dor para elaborar as suas próprias reflexões.

O importante é que este i tem (ou seu conteúdo) esteja efetivamente

presente, embora sem repetições. Portanto, se foi destacado um capítulo

especial para a "Revisão Bibliográfica" (que muitas vezes aparece logo

depois da "Introdução" ou a da "Delim itação Tem ática") as obras ali men -

cionad as não dev em ser rediscutidas no Q uadro Teórico. É possível ainda

— 17 —

Page 19: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 19/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

discutir algumas obras mais diretamente l igadas ao tem a na "Revisã o Bi-

bliográfica", e deixar para o Qua dro Teó rico a discussão de outras que se

referem mais propriamente a instrumentais teóricos que serão uti l izados,

a conceitos importantes para a pesquisa, a categorias e abordagens.

Quando o Projeto de Pesquisa del imita um capí tulo especial para a

"Re visão B ibl iográf ica" , logo depois da apresentação do tem a e da def i-

nição da problemática, esta oportunidad e dev e ser aproveitada para a pre-

sentar as lacunas existentes no conhecimento sobre o assunto que será

^  abordado. Tornar claras as lacunas bibl iográf icas relat ivas ao enfoque

proposto, por sinal, é um excelente elo de l igação para o i tem "Justif ica-

t iva" , que pode pr incipiar precisamente ressal tando que, dadas as lacu-

nas ainda existentes neste ou naquele aspe cto, o Projeto proposto torna-se

extremamente relevante, já que poderá contr ibuir de alguma maneira

para supr i-las . Com isto , o pesqu isador já pa r te com um excelen te argu-

m ento a favor da necessidade de a sua pesquisa ser em preend ida.

Não é necessário, por outro lado, discutir toda a bibliografia que exis-

te sobre o assunto. Isto seria exaustivo, quando não impossível. Algu-

mas obras podem apenas ser referenciadas no compar t imento f inal do

Projeto , a "B ibl iogra f ia" ou "Refe rênc ias Bibl iográf icas" . Outras obras ,

consideradas po uco im portantes para a pesqu isa, sequer precisam apare-

cer . O que não po de faltar são as fontes ma is diretas, que no cas o de u m a

pesquisa his tor iográf ica, por exemplo, são os chamados "documentos"

ou "fontes his tór icas" . Estas "fontes pr imár ias" , a l iás , devem aparecer

separadas da "bibl iograf ia geral" , precedendo-a. Ou seja , no caso dos

projetos de Histór ia o capí tulo "Bibl iograf ia" deve ser organizado em

dois i tens distintos, um relativo à documentação de época ou mais dire-

tame nte ass imilada como m ater ial pr imá r io per tinente ao problem a exa-

m inad o, e outro relacionad o às obras de autore s vários que refletiram so-

bre o m esm o tema, e que const i tuem o diálogo intertextual es tabelecido

pela Pesquisa.

"Q uan do faz er?" é a pergunta que remete à temp oral idade relaciona-

da à duração da pesquisa, ao plan ejam ento das suas vár ias etapas . T oda

pesquisa deve ser proposta em relação a um intervalo de tempo def ini-

do, m esm o que passível de renovaçã o. Freqüen teme nte, e la será real iza-

da por etapas, e se abranger um período relativamente amplo (um ano ou

mais) será necessário dar à Insti tuição satisfações periódicas a respeito

— 18 —

Page 20: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 20/238

1. O Pro je to de Pesqu isa : funç ões e es t ru tura fu nd am en ta l

do anda me nto da Pesquisa, o que poderá ser fei to com a ut i l ização de u m

tipo de texto que é chamado "Relatór io de Pesquisa" .

Com relação ao Projeto , as vár ias etapas previs tas , as vár ias at ivi-

dades que serão realizadas, os diferentes trabalhos que integrarão a pes-

quisa - tudo isto precisa ser referenciad o em um " Cro nog ram a de Pesq ui-

sa", normalmente sob a forma de um quadro ou tabela que expõe de ma-

neira instan tâne a a relaçã o entre o co nju nto de ações previstas e o temp o

previs to para serem real izadas . O Cronograma é um instrumento não

apenas para o cont ro le da Ins t i tu ição , mas pr inc ipa lmente para o au-

tocontrole do pesquisador no que se refere ao andamento do seu t raba-

lho. Ele não é, naturalmen te, um a tábua sagrada e imp lacável, mas é um a

or ientação importante para a real ização do t rabalho.

Ficou fal tando mencionar o capí tulo relacionado às "Hipóteses" ,

que norm alm ente v em si tuado após o "Q uad ro Teó r ico" e antes do capí-

tulo r e l ac ionad o à "M etod o log ia" . D e ce rto mod o , a s h ipó teses cons -

t i tuem o verdadeiro cerne da pesquisa do t ipo " tese" . Veremos adiante

que uma hipótese corresponde a uma resposta (ou possibi l idade de res-

posta) que se relaciona ao problema formulado.

Uma hipótese representa uma direção que se imprime à Pesquisa,

mesmo que seja abandonada no decorrer do processo de investigação em

favor de outra. Ao mesmo tempo em que deve estar intimamente relacio-

nada ao "Quadro Teórico", as hipóteses também contribuem para definir

a "Metodologia" que será empregada. Desta forma, as hipóteses preen-

chem um certo espaço entre a teoria e a metodologia de um Projeto de

Pesquisa, razão por que se prefere localizá-la entre estes dois capítulos.

De certo modo, é somente quando se consegue elaborar uma ou mais

hipóteses de trabalho que a Pesquisa com eça a tom ar a form a requerida a

uma Dissertação de Mestrado ou a uma Tese de Doutorado. Caso contrá-

r io, tem-se apenas um trabalho descrit ivo, que pode ser adequado a uma

Monografia ou a um Livro que se proponha a desenvolver determinado

assunto, mas que não corresponde propriamente ao modelo de tese. Uma

tese não é uma reflexão livre, descritiva ou ensaística, mas sim uma refle-

xão sistematizada e orientada por um determinado problema.

Por outro lado, vale lembrar que nem toda Pesquisa corresponde ne-

cessar iam ente a um m odelo de Tese, e pod e se dar que o objet ivo do pes-

— 19 —

Page 21: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 21/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

quisador seja apena s o de levantar determ inado con junto de dados ou de

informaç ões. Este tipo de pesquisa é em diversas oc asiões reque r ido por

em presas que precisam se ma nter inform ada s para def inir suas l inhas de

ação. Pode-se, por exemplo, encomendar uma "pesquisa de mercado",

ou ainda um a "pesquisa de tendê ncias" que vise acom pan har um p roces-

so eleitoral com tal ou qual f inalidade. Pode-se visar o levantamento do

perf i l de determinado grupo de consumidores , ou empreender uma pes-

quisa descrit iva que busque levantar as característ icas de determinada

local idade. Neste caso, se o Projeto de Pesqu isa do qual es tam os fa lando

não  é um projeto problematizado no modelo de tese, obviamente não

tem sent ido um capí tulo relat ivo a "Hipóteses" .

Introdução

Quem fará?

Descrição de pessoal,  se houver (senão, este

item é suprido pelo registro do nom e do autor

na folha de rosto)

0 que fazer?

Delimitação Temática

 e Formulação do

Problema

Dialogando com quem?

Revisão Bibliográfica

Por que fazer?

Justificativa

Para que fazer?

Objetivos

Com que fundamentos?

Quadro Teórico

Hipóteses

Com que materiais?

Fontes e M etodologia

Com que instrumentos?

Fontes e M etodologia

De que modo fazer?

Fontes e M etodologia

Quando fazer?

Cronograma

Com que recursos?

Recursos  e  Aspectos orçamentários

Bibliografia

Em linhas gerais, as partes acima descritas compõem a totalidade do

Projeto de Pesquisa, pode ndo ainda ser incluído um cap ítulo relacionad o

a "Recursos" para o caso de serem requeridos a determinada insti tuição

financiamentos diversos, equipamentos, passagens, e também a contrata-

d o —

Page 22: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 22/238

1. O Pro je to de Pesqu isa : funções e es t ru tura fundamenta l

ção de pessoal técnico. O capítulo "Recursos", que pod e abranger um pla-

no de custos da pesquisa e um a exposição de suas necessidade s m ateriais,

estaria respondendo a uma nova pergunta: "Quanto vai custar?"

A tabela acima relaciona cada um a das pergun tas suger idas à sua se-

ção específ ica dentro de um Projeto de Pesquisa.

Pode-se dar , a inda, que para além dos recursos econômicos e mate-

riais seja neces sário plan ejar diversificados recursos hum anos . Ne ste caso,

estarem os falando de um a pesquisa que não será empreen dida por uma só

pessoa, mas por um a equipe q ue pod erá ser coorden ada pelo autor do Pro-

jeto. Trata-se, neste caso, de planif icar a contr ibuição e atuação de todos

os participantes, e de indicar eventualm ente entidades q ue estejam atuan-

do em conjugação com o Projeto. Em uma palavra, trata-se de responder

às perguntas "Que m vai fazer?" e "O que cada um vai faze r?"

Estes úl timos asp ectos , naturalm ente, fog em ao caso dos Projetos de

Disser tação ou de Tese , que im plicam ne cessar iam ente em trabalhos in-

dividuais . Quanto aos demais aspectos , correspondem ao t ipo de con-

teúd o qu e deve aparecer em qualque r espécie de Projeto ao qual se quei-

ra dar um tratamen to m inim am ente prof iss ional . Para s intetizar o que já

foi dito, o esquema da página 20 procura relacionar as várias perguntas

que se faz a um Projeto com os seus capí tulos corresponde ntes .

Por outro lado, embora os vários t ipos de conteúdo atrás descritos

marquem uma presença quase certa, deve f icar claro que não existe um

parâmetro oficial e único de Projeto de Pesquisa no que tange à sua or-

dem e def inição de capí tulos . Par t indo do mod elo atrás proposto, o pes-

quisador pode considerar adequado supr imir ou acrescentar capí tulos ,

reunir duas seções em uma única, modif icar a ordem de apresentação

dos capítulos propostos, e assim por diante - desde que isto faça algum

sent ido para a sua pesquisa o u que atenda a um padrão qualquer de lógi-

ca proposto pelo próprio autor do projeto. De igual maneira, um tipo de

pesquisa ou um cam po de conhec ime nto espe cíf ico pod e exigir a aber tu-

ra de um capí tulo que não ser ia necessár io , ou m esm o per t inente, em ou-

tro . En f im, qualqu er mo delo de projeto proposto em um a obra de Meto-

dolog ia Científ ica não po de ser mais do que isto: um m odelo, pronto para

ser alterado e adaptado de acordo com as necessidades do usuário.

  21

  —

Page 23: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 23/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

Outra coisa que deve ficar clara é a distinção entre o Projeto e a Pes-

quisa prop riam ente dita, ou ainda en tre o Projeto de Te se e a próp ria Te se.

U m p rojeto é um a proposta de realizar algo, é um roteiro, um instrume nto

de planejam ento. Sua linguag em , ou pelo men os sua intenção, está associa-

da a um temp o verbal futuro. Já a Tese, texto onde o pesqu isador registra o

resultado de sua pesquisa e reflexã o, é um trabalho realizado e concluído.

É a Tese que se transformará eventualmente em livro, não o Projeto. Em

vista disto, a linguagem da tese refere-se a uma pesquisa já realizada, en-

quanto a do Projeto remonta a uma Pesquisa p or se realizar .

Desta man eira, se em algum as ocasiõe s é possível aprovei tar para o

texto da Tese trechos que haviam sido escritos originalmente para o seu

Projeto de Pesquisa (um quadro teór ico ou metodológico, uma revisão

bibl iográf ica) , deve-se ter o cuidado de a daptar a l inguag em do "futu ro

ainda não real izado" que aparece no Projeto para a l inguagem do "pas-

sado já real izado", da pesquisa já concluída exposta na Tese .

Por f im, acrescentaremos que o modelo de Projeto de Pesquisa atrás

discutido, em suas instâncias fun dam entais, pode ser uti l izado d e m aneira

eficaz para a maioria dos cam pos de conhec ime nto, se jam os pertencen tes

ao universo das ciências huma nas, se jam os pertencentes ao universo das

ciências exatas e biológicas (universos que nem semp re têm fronteiras as-

sim tão nítidas, o que rem ete a questõe s que por ora não serã o discutida s).

Outrossim , as especif icidades do Projeto de Pesquisa em H istória ta m bém

serão discutidas nos próximo s capítulos, a partir dos quais exam inarem os

cada i tem que habitualmente consti tui um Projeto.

— 22 —

Page 24: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 24/238

1

I N TR O D U Ç Ã O E D E L IM I TA Ç Ã O D O TE MA

2 .1 . Do is t ipos de In t rodução

Um bom Pro je to deve pr inc ip iar com uma

  Introdução

  adequada.

Exis tem dois t ipos de Introdução que aparecem mais f reqüentemente

nos projetos de pesquisa. Se o Projeto não possui um capítulo especial

para a "Delimitação do Tema" ou para a "Exposição do Problema", es-

tes aspectos devem ser discut idos de maneira mais pormenor izada na

Introdução do Projeto. A Introdução será, neste sentido, um primeiro ca-

 

pí tulo do Projeto onde o Te m a é s imu ltaneam ente apresentado e discut i -

do já de form a aprofundad a .

Se, porém , já exis te um capí tulo especial para a "De limitação Te m á-

t ica" ou para a "E xp os iç ão do Prob lem a" - s i tuação que de nossa par -

te r ecomendamos - a " In t rodução" assumirá uma out ra função: e la se

const i tu irá em uma espécie de resumo do Projeto , com uma ou duas pá-

ginas , onde o pesquisador apresentará em termos muito sucintos o con-

teúdo do seu Projeto de Pesquisa.

Este tipo de Introdução é bastante interessante quando se trata de en-

caminhar um Projeto para uma Insti tuição da qual se quer obter algum

tipo de apoio ou f inanciam ento. Falan do m ais francam ente, os executivos

ou diretores de instituições não se mostram muito disponíveis para ler na

sua totalidade todos os projetos que lhes chegam às mãos. Estas pessoas

habitua lme nte consideram que não têm muito tempo a perder, e certamente

apreciarão bastante que os projetos que lhes forem dir igidos se iniciem

com um a Introdução d e um a, duas ou t rês páginas que resum am os pr in-

cipais aspectos da Pesquisa proposta. Interessando-se pelo Projeto apre-

sentad o nesta Introduç ão, eles certam ente se darão ao trabalho de ler os seus

demais cap í tu los para conhecer os vár ios de ta lhes e aprofundamentos

— 23 —

Page 25: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 25/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

da Pesquisa que está sendo proposta. Por outro lado, em se tratando de

uma Pesq uisa qu e não os interesse po r um m otivo ou outro , e les já per-

ceberão isto logo na leitura da Introdução e não perderão um tempo que

consideram tão precioso. A Introdução, desta forma , dev e conter todas as

inform ações que dirão a estes exam inadores se eles deve m continuar len-

do o Projeto ou se, efetivamente, ele não os interessa.

É possível que um execut ivo de um a grande em presa tenha a tendên -

cia a ignorar o seu Projeto se ele não aprese ntar este t ipo de Introd uçã o.

O mesmo poderá acontecer com os examinadores de Projeto l igados a

uma inst i tu ição acadêmica, como por exemplo os examinadores que fo-

ram enc arreg ado s de avaliar os Proje tos de Pesqu isa propo stos para o in-

gresso em um Programa de Pós-Graduação. Como muitas vezes exis tem

dezenas ou até centenas de candidatos para uma Seleção de Doutorado

em uma boa insti tuição universitár ia, você corre o r isco de não ter o seu

Projeto l ido, ou pior ainda, ter o seu Projeto

  mal lido,

  se não o iniciar

com um bom resumo de Projeto inteiro .

A Introdução do tipo resumo é o que assegurará que o seu Projeto

será bem compreendido nas suas l inhas gerais , mesmo que o aval iador

não tenha uma disponibilidade inicial para ler o Projeto inteiro. Por ou-

tro lado, se fo r realm ente um a boa Introdu ção , é prová vel q ue este avali-

ador se s inta motivado a compreender de maneira mais aprofundada a

pesqu isa que está sendo prop osta, os seus detalhe s e esp ecif ic açõ es, a ar-

gumentação que a sustenta, a sua viabilidade, e assim por diante. Para

assegurar es te efei to , a Introdução dev e fun cion ar com o um a espécie de

microcosmo do Projeto inteiro: deve conter de maneira extremamente

resum ida as informaç ões e aspectos que aparecerão discut idos de form a

mais aprofundada em cada um dos capí tulos do Projeto .

Em um Projeto de História, isto quer dizer que a Introdução deverá

me ncionar - de m odo ainda não apro fun da do - o Te m a com suas especi-

f icações mais fundamentais ( incluindo recorte temático e espacial) , as

fontes pr incipais , a lgumas indicações metodológicas e teór icas , e tam-

bém u m ou outro aspecto associado à just i f ica t iva ou viabil idade da Pes-

quisa. Tud o is to , a tente-se bem , de forma extrema m ente resumida, com

um ou dois parágrafos para cada um destes i tens . Os detalhamentos e

desdobramentos mais aprofundados virão cer tamente no coipo de cada

um dos capítulos do Projeto. A Introdução é só para dar ao avaliador

— 24 —

Page 26: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 26/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

uma idéia ainda s implif icada da Pesquisa proposta, e para motivá- lo a

examinar com maior especif icidade o que foi apenas enunciado nestes

parágrafos iniciais . A Introdução mostra-se desta forma como um con-

vite para que o avaliador examine o Projeto na sua totalidade.

Supondo que o seu Projeto iniciou-se com este t ipo de Introdução, o

capí tulo que deve vir a seguir é precisam ente aquele que se refere a um a

exposição já aprofundada do Tema ou Objeto da Pesquisa. Este capí tu-

lo, que é o verd ade iro ca pítulo inicial do Proje to (se consid erarm os qu e a

Introdução é apen as um resu m o ou um a s íntese) , pod e receber nom es di-

vers if icados:

 Delimitação Temática, Apresentação do Problema, Objeto

da Pesquisa -

  es tes são apenas a lgumas das des ignações que f reqüen-

temente são empregadas para nomear es te cap í tu lo que procura essen-

cialm ente e sclarecer o que será pesquisado ou real izado, caso o Projeto

seja aprovado ou encaminhado para execução. Por opção, chamaremos

aqui este capítulo de "Delim itação T em ática". Posto isto, lembram os q ue

- para o caso de proje tos que não opta ram pela Introd uçã o de t ipo sinté-

t ico - o capí tulo referente à "De limitação Te m ática " pode tomar para s i

s implesmente o nome de " In t rodução" .

Os com entár ios sobre es te capí tulo do Projeto de Pesquisa nos per-

mit i rão neste momento discut i r um problema mais amplo, que é aquele

referente à escolha de um Tema e à del imitação do seu recor te em uma

pesquisa histórica.

2 . 2 . O r e c o r t e t e m á t i c o d i a n t e d e s u a s m o t i v a ç õ e s

soc ia is e in t rad isc ip l ina res

A escolha de um tem a para pesquisa mostra-se diretamente interfer i-

da por alguns fatores com binad os: o

 interesse

  do pesquisado r , a

  relevân-

cia

 atr ibuída p elo pró prio autor ao tem a cogitad o, a

 viabilidade

  da inves-

tigação, a

  originalidade

  envolvida. Mas é preciso reconhece r que, por

outro lado, a estes fatores mais evidentes vêm se acrescentar inevitavel-

mente outros dos quais o própr io pesquisador nem sempre se apercebe.

Exis te por exem plo u m a pressão indelével que se exerce sobre o autor a

partir da sua sociedade, da sua época, dos paradigmas vigentes na disci-

plina em que se insere a pesq uisa, da Insti tuição em q ue se escreve o pes-

quisador, ou do conjunto dos seus pares vir tuais e concretos.

— 25 —

Page 27: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 27/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

Tudo isto incide de maneira irresistível e silenciosa sobre o autor, mes-

m o que disto ele nem sem pre se dê conta. Tornar-se con sciente d os l imi-

tes e desdobramentos sociais e epis temológicos de uma temática é uma

questão estratégica impor tante para aquele que se empenha em viabi l i -

zar uma proposta de pesquisa, sendo forçoso reconhecer que o sucesso

na boa acei tação de um projeto depende em par te da capacidade do seu

proponente em conciliar os seus interesses pessoais com os interesses so-

ciais mais amplos. Começaremos entãa por aqui .

Já se disse que um tema de pesquisa histórica (ou de qualquer outra

modal idade de pesquisa) deve ser relevante não apenas para o própr io

pesquisador , como tam bém para os hom ens de seu tem po - es tes que em

última instância serão potencialmente os leitores ou beneficiários do tra-

balho realizado. Daí a célebre frase, cunhada por Benedetto Croce e rea-

propr iada por Lucien Febvre ' , de que " toda his tór ia é contemporânea".

Sem pre escrevem os a par t i r dos olhares possíveis em nossa é poca, e ne-

cessar iamente escreverem os não só sobre aqui lo que de nossa par te con-

sideramos ser relevante, mas também sobre aqui lo que tem relevância

para nossos próprios contemporâneos. Tirando eventuais arroubos visio-

nários e prenunciadores de interesses futuros, todo historiador tem pelo

menos um de seus pés apoiado no seu tempo. Por trás de sua escrita, é a

um leitor que ele busca (conscientemente ou não).

Visto deste modo, o problema da relevância de um tema his tór ico

atravessa questões algo com plexas. É preciso considerar que aqui lo qu e

uma época ou sociedade considera digno de es tudo poderá ser ou ter

s ido cons iderado i r re levante em um out ro m om ento h is tór ico ou s i tua-

ção social . No século XIX, pouca gente imaginava no campo da his to-

r iograf ia ocidental que um dia i r iam se tornar tão atrat ivos os es tudos

sobre a Mulher nas vár ias épocas his tór icas . Mas a par t i r da segunda

metade do sécu lo XX es te tem s ido prec isamente um dos temas mais

cotejados pelos his tor iadores do Ocidente. Sem dúvida contr ibuíram

para isto os movim entos fem inistas, a gradual inserção da m ulher no m er-

cado de t r abalho , o recon hecim ento acadêm ico e po l í t ico das m inor ias

1. Benedetto C ROC E.  T eoria e storía delia storiografia.  Bari: Laterza & Figli, 1943. Lucien

FEBVRE.  Combates pela História.  S. Paulo: Ed. UNESP, 1992.

— 26 —

Page 28: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 28/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

e maior ias opr imidas , e outros tantos processos que se desenvolveram

no decurso do século XX.

Foi especif icamente sob o contexto destes processos mais amplos

qu e os silêncios histo riográ ficos a respeito da mulh er pas saram a ser cio-

samente preenchidos pelos his tor iadores das mais divers if icadas ten-

dências , e até com um a cer ta avidez que buscava com o que com pensa r o

tem po perdido pelas gerações anter iores . As própr ias mu lheres do sécu-

lo XX, por outro lado, passaram a par t i lhar também aquela função de

his tor iador que antes era exercida quase que exclusivamente pelos ho-

mens. De todos os lados surgiram obras sobre "A mulher na Idade Mé-

dia" , "A mulher escrava no Brasi l Colonial" , "A mulher na Revolução

Francesa" , e também obras sobre personal idades his tór icas femininas .

Na segu nda década do século X X com eça ram inclusive a ser publ icadas ,

pr im eiro na França e depois em outros países , obras panorâm icas sobre a

his tór ia das mulheres , em vár ios volumes, abarcando épocas e socieda-

des diversas.

Assim, um campo temático que em uma época anter ior poder ia ter

sido tachado de irrelevante, ou que naquele m om ento sequer ter ia sido co-

gita do no seio da disciplina histórica, passav a a constituir nesta outra épo-

ca uma escolha his tor iográf ica extremamente s ignif icat iva. Eis aqui os

olhares da sociedade presente e os seus movimentos internos fornecen-

do cam inho s em pont i lhado ao s his tor iadores que, por vezes sem perce-

bê- los , vão percorrendo-os quase que espontaneamente.

Exis te ainda, para além das questões relacionados ao re conh ecim en-

to social da relevância tem ática, a questão mais delicada das pressões po -

lí ticas e éticas que se exercem sobre o pesquisador q ue escolhe o seu tem a

ou delimita o seu problema de estudo. As escolhas éticas do historiador

const i tuem c er tame nte uma dim ensão intrincada e com plexa do t rabalho

histórico, sendo oportuno notar que esta dimensão ética se vê por diver-

sas vezes per turbada por fatores menos relacionados com a "ét ica" pro-

pr iamente di ta do que com a "pol í t ica" no seu sent ido mais corr iqueiro

e cot idiano.

Incorporar uma dimensão ét ica à pesquisa cient í f ica é , sem sombra

de dúvida, uma das maià legí t imas preocupações que devem assal tar o

pesquisador neste início de milênio. O cientista que inicia uma pesquisa

— 27 —

Page 29: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 29/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

sobre a possibi l idade de clonar seres humanos deve ref let i r demorada-

mente sobre as implicações sociais desta possibil idade. O físico que l i-

bera as energias do átomo de ve ref let i r preve nt ivam ente sobre as possi-

bil idade s de uti l ização das suas desco berta s para a indústr ia bélica -

para depois não precisar se refugiar naquele argumento vazio de "neu-

tralidad e" que advoga que o papel dos f ísicos é apena s desenvo lver tec no-

logia, deixando-se aos pol í t icos a obr igação moral de encaminhar ade-

quadamente a ut i l ização dos produtos desta tecnologia.

Da mesma forma, pode-se postular que a escolha de certos caminhos

historiográficos e sociológicos deva ser perm eada p or uma re flexão ética

cor respondente . A que in teresses servem o meu produto? Quais as fu-

turas implicações do que agora escrevo? Que caminhos aqui se abrem, e

que caminh os aqui se fech am ? Co ntribuo para um m und o melhor, ou pelo

m eno s mais divertido? É legítimo q ue o historiador interrogue a si me sm o

acerca das responsabilidades envolvidas n a leitura da História que ele m es-

mo produz. "Ciência com consciência"

2

  - têm clam ado nestas últ imas dé-

cadas os f i lósofos de um a nova ecologia do conh ecim ento. "H istória com

consciência histórica" - deveria ser um d os ecos deste clamor.

M as há tam bém o outro lado da questão . O "pol i t icam ente c orreto" é

uma construção social do momento, como bem sabem os his tor iadores .

O cu idado com o "e t icamente adeq uad o" e com o "pol i t icam ente cor re-

to" deve funcionar como fator

 enriquecedor,

  e não com o fator

  imobili-

zador.

  Assim , se a sensibi l idade do públ ico e da com unida de aca dêm ica

em relação a cer to tema ou abordagem benef icia-se de osci lações atra-

vés do tempo, para o desen volvim ento de stas osci lações não deixam de

contribuir também, com a sua iniciativa e com a sua práxis, os próprios

historiadore s. Para além disto, o tem po vivid o é sem pre o m aior avalista

de um ob jeto de es tudo. Quantos tem as his tór icos e perspect ivas inter -

pretat ivas - que um dia talvez tenham sido considerados emprei tadas

tão del icadas quanto caminhar através de um campo minado - não se

tornaram possíveis depois que se "esf r iaram" os acontecimentos

Co nsiderem os, a t ítu lo de exemp lo, os eventos t raum áticos dos rae-

gaaten tados terroristas às torres gêm eas do Wo rld Trade Center em N ov a

2. E. MOR IN.  Ciência com consciência.  Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

— 28 —

Page 30: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 30/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

Yo rk, no início deste no vo m ilênio. Sob o pes o do horror de m ilhares de

mortes , d if ici lmente um pesquisador ocidental poder ia enfrentar como-

damente - nas proximidades cronológicas e espaciais deste evento - o

desaf io de escreve r um a tese sobre "a impo r tância dos megaa tentados de

2001 para a redef in ição de uma futura pol í t ica internacional m ais social-

mente conduzida" . Passados alguns anos, cer tamente começarão a sur-

gir as teses e ref lexões pol í t icas menos comprometidas com as reações

emocionais imediatas àqueles acontecimentos , e por tanto mais acadê-

micas ou prof iss iona is . Ho je em dia qualquer his tor iador am ericano es-

tuda Saladino, o grande l íder is lâmico med ieval , sem se engajar em um a

cruzada. Mas qual deles se arr iscaria - nestes dias seguintes aos megaa-

tentados, com a fum aç a dos escom bros ainda chegando aos céus de Nov a

York - a escrever teses explorando alguns dos lados mais espinhosos

desta questão tão minada de ambigüidades?

Vale a pena visitar um ponto de vista exterior à Disciplina para i lu-

mina r a ref lexã o sobre o desejad o equi líbr io entre "envolvim ento ét ico"

e "dis tanciam ento cr í t ico" na pesquisa his tór ica. Ao exam inar os l imites

do conhecimento his tór ico, o antropólogo Da Matta tece alguns comen-

tár ios que devem ser considerados:

A eventos distantes no tempo corresponde uma predominân-

cia dc interpretações acadêmicas em contraste com interpre-

tações políticas; o evento está mais "frio", para usarmos um

qualificativo inventado por Lévi-Strauss. Concomitantemen-

te, um evento mais próximo no temp o é um fato ainda se de-

senrolando entre nós. Um episódio que não esgotou suas on-

das de impacto. D aí, certamente, as dificuldades de uma inter-

pretação  fria acadêm ica e a multiplicidade de interpretações

políticas. Trata-se de um episódio "quente", que se desenrola

diante dos nossos olhos, e que ainda depende de nossa ação so-

bre ele

3

A escolha de um tema, enf im, f reqüentemente se faz sob a força de

ondas de impacto que nem sempre são percebidas pelos pesquisadores .

Por outro lado, se os horizontes de expectativas de uma sociedade exer-

cem sua irresistível influência sobre os historiadores na escolha de seus

3. Roberto DA MA TTA . Relativizando - Uma introdução à antropologia social.  Rio dc Janeiro:

Rocco, 2000 (6

a

  edição), p.128.

— 29 —

Page 31: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 31/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

temas, tam bém as prát icas discipl inares vigentes em u m pe r íodo contri -

buem com a sua s i lenciosa pressão sobre os pesqu isadores , c om ou sem

a consciência destes . O "paradigma"* de uma determinada discipl ina

como a História, em certa época, estende-se acima de todos os seus pra-

t icantes como um manto invis ível , mesmo que haja diferenças radicais

entre vários dos setores deste campo disciplinar e também resistências

ao paradigma preponderante. Examinemos de per to es ta questão.

N o m undo ocidental , a Histor iograf ia do século XIX havia se const i -

tuído tradicionalmen te em torno do cam po político, direcionando -se m ais

especif icamente para o desenvolvimento dos Estados Nacionais. Ao lado

desta his tor iograf ia f rancamente nacional is ta , e f reqüentemente imbri-

cada nela, havia também a "Histór ia dos Grandes Homens"*, conforme

o modelo apregoado pelo his tor iador escocês Thomas Car lyle . No que

con cerne ao estilo do seu discu rso, de m odo ge ral a His toriog rafia tendia

a ser francamente narrativa (e pouco analít ica ou estrutural como ocor-

reria no século X X ). A própria narrativa histo riográ fica assim prod uzida

era essencialmente uma "narrat iva l inear" (não dialógica*, e não com-

plexa). Com relação ao ponto de vista em torno do qual se organizava

esta narrativa l inear , era sem pre o do poder insti tuído , e a História t inh a

um a tendência a ser quas e sempre um a "Histór ia Inst i tucional" . Era nes-

te "m odo historiográfico " que os historiadores estavam habitualm ente m er-

gulhados, e os temas que selecionavam para suas pesquisas e ref lexões

aí se inscreviam de maneira imperiosa.

Na His tor io graf ia do sécu lo XX , pe lo m en os a par t i r da sua te rce i -

ra déca da , instalou-se ou reforçou-se um a tendência no va, que foi se tor-

nan do cada vez m ais preponderante. A partir da cham ada

  Escola dos Anna-

les*,

  das novas formulações marxis tas e de tantas outras contr ibuições

his tor iográf icas , consol idou-se precisamente um novo t ipo de Histór ia ,

que relativamente ao seu modo de consti tuir o objeto de estudo e o dis-

curso do historiador pode ser cham ada de "Histó ria-Prob lem a" - expres-

são que será aqui tom ada no sent ido de um a "his tór ia problem atizada ",

construída em to m o de hipóteses e de análises de profu ndid ade , e não mais

com o um a Histór ia que é mera ordenaç ão factual ou descr i tiva.

De cer ta forma Kar l Marx (1818-1883) , no própr io século XIX, já

havia s ido um precursor deste novo t ipo de História jun tam en te co m ou-

tros historiadores isolados. O fundador do Materialismo Histórico* es-

— 30 —

Page 32: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 32/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

tava preocupado com um problema muito específ ico quando elaborava

as suas análises sociológicas e históricas: o problema do desenrolar da

luta de classes e de sua inserção em um modo de produção específ ico.

Esta história já

 problematizada

  proposta pelas obras de M arx contrasta-

va f rancam ente com a produ ção his tor iográf ica de seu tem po - s i tuação

que se veria invertida a partir do século XX.

Já não te r ia m ui to se n t ido para es te nov o sécu lo um a His tór ia m e-

ram en te d escr i t iva ou narrat iva, no sent ido exclusivam ente factual . Aos

his tor iadores im pun ha-se ag ora a tarefa não de s imp lesm ente descrever

as sociedades pa ssadas , m as de anal isá-las , comp reendê- las , de cif rá- las .

Trata va-se, por um lado, de con sti tuir um p roblem a central que guiasse a

reflexão historiográfica a ser realizada; de outro lado, cumpria trazer a

discussão desen volvida em torno do problem a escolhido para a superf í -

cie do discurso.

Ex em plif ican do com ca sos ma is concretos , não far ia m ais sentido -

a não ser em uma obra de divulgação para o grande público - produzir

uma his tór ia descr i t iva e narrat iva dos acontecimentos que marcaram a

Re volu ção Franc esa. O que se exigia do historiador agora era que ele re-

cor tasse um problema dentro da temática mais ampla da Revolução

Francesa - com o por exe m plo o problem a da "dessac ral ização do poder

públ ico na Revolução Francesa" , o problema da " inf luência das idéias

i luminis tas nos grupos revolucionár ios" , ou o problema da "evolução

dos preços na cr ise que preced eu o per íodo revolucion ár io" .

O " Pro ble m a" passou a ser um recor te que dever ia ser feito necessa-

r iamente no " tema", conforme os novos parâmetros da própr ia discipl i -

na histórica. A o lado disto, o pen sam ento historio gráfico passo u a ser ci-

ent i f icamente conduzido por hipóteses , e não mais pela mera ambição

descrit iva ou narrativa. Levantar questões torna-se a partir de então uma

dimensão fundamental para es te novo t ipo de Histór ia , conduzindo-a

para mu ito além das explic açõ es de tipo l inear dos antigos historiadores.

De igual ma neira, reconhe ceu-se na Histór ia que passou a preponde-

rar no século XX a existência de uma pluralidade de perspectivas possí-

veis - e passou -se a falar tam bém em um a "Histór ia vis ta de baixo", em

uma his tór ia das massas , e mesmo em uma his tór ia do indivíduo anôni-

mo (em contraposição à velha biograf ia dos heróis of icial izados) . Com

—   31  —

Page 33: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 33/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

tantos novos desenvolvimentos , uma inédi ta divers idade de temáticas e

de problem as poss íve is para o t r abalho h is tor iográf ico pôde ser pensa-

da pelos pesqu isadores do século X X, ao passo em qu e outras temáticas

mais t radicionais foram se ecl ipsando. Na pr imeira meta de de ste século,

por exemplo, decl inaram as biograf ias de grandes personagens his tór i -

cas , em bora nas úl t imas décad as deste m esm o século elas tenha m com e-

çado a retornar de forma totalmente distinta, mostrando-se já com o "bio-

grafias problem atizadas " que buscam iluminar através de um a vida os as-

pectos mais am plos da sociedade e não m eram ente i lustrar a vida de um

grande rei ou herói.

Ac om panh ando as novas tendências , os dom ínios da Histór ia amplia-

ram-se extraordinar iam ente pa ra âmbitos diversos - da cul tura m ater ial

até as me ntal idades - e m esm o o presente foi declara do ter r itór io de ex-

ploração para o his tor iador , com a proposta de um a "his tór ia ime diata"

(ou de um a "his tór ia do tem po presente") . Torna ndo -se m ais interdisci-

plinar , a História incorporou as abordagens de outras disciplinas como a

Antropologia, a Lingüís t ica e a Psicanál ise, am pliando ainda ma is a sua

disponibilidade temática. A velha história polít ica, com suas escolhas

tem áticas entre o institucional e o individual de elite, com seu olhar de cim a

e sua perspectiva eurocêntr ica, teve de ceder espaço a uma nova história

com a sua miríade de novos temas, a eclipsar os antes tradicionais obje-

tos de estudo que, agora, ter iam de esperar novas reviravoltas para recu-

perar algum espaço no palco h is tor iográf ico

4

.

Os cam pos temá ticos da historiografia, com o se vê, vêm e vão de a cor-

do com as próprias f lutuaçõ es histórico-sociais e em sintonia com as m u-

danças de paradig m as his tor iográf icos . Co m tudo is to , preten dem os dar

a perceber que os tem as e problem as seleciona dos para pesqu isas his tó-

r icas não const i tuem inteiramente um a escolha dos his tor iadores . A So-

4. Só nas últimas décadas do século XX começam a retornar, por exemplo, as possibilidades de

um historiador tomar para objeto de estudo uma grande batalha, como foi o caso da Batalha de

Bouvines,

  de Geo rges Dub y. E as biogra fias de grandes personage ns, depois de um longo ostra-

cismo, também retornam ein obras como o  São Luis  e o São F rancisco de Assis  de Jacques Le

Goff e com o  Eleito de Deus  (Oliver Cromw ell) de Chris topher Hill . Quan to às biografias pro-

blematizadas de Lucien Febv re - sobre Lutero, Rabelais e Erasm o - foram exceções na primeira

geração dos Annales, uma espécie de caminho prenunciado mas deixado a percorrer por gera-

ções bem posteriores.

— 32 —

Page 34: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 34/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

ciedade, a Insti tuição e a comunidade de historiadores na qual eles se

inscrevem exercem o seu papel de criar um universo d e temáticas possí-

veis a partir das quais os historiadore s fa zem as suas escolhas. D izer q ue

estas escolhas são inteiramente l ivres seria uma quimera. A historiogra-

f ia , ta l com o já ass inalou de m aneira bastante per t inente M ichel de C er-

teau, inscreve-se em um "lugar de produção" bem def inido

5

.

É claro que com pe te aos historiadores inov ar e prop or no vo s tem as e

problemas para as suas pesquisas his tór icas . Mas é somente à custa de

m uitas res is tências venc idas que os tema s radicalmen te inovado res pas-

sam a ser to lerados e respei tados, antes de passarem a compor com ou-

tros o repertório de temas historiográficos possíveis ou até de se torna-

rem a moda do momento .

Em se tratando de pesquisas históricas realizadas dentro de insti tui-

ções acadêmicas, ou mais especif icamente das teses de mestrado ou dou-

torado, temos de reconhec er que a m argem de escolha para os pesquisa-

dores de Histór ia é f reqüentemente ainda mais res tr ingida. Por vezes ,

es tes têm de se adequar às l inhas de pesquisa* ou áreas de concentra-

ção da Insti tuição em que pretendem se inserir . Uma vez aceitos, terão

de buscar um or ientador e nego ciar com este o tem a proposto. Não raro

o or ientador m anifestará o interesse de que o or ientando se encaixe em

um Projeto maior que está coo rdena ndo , ou de que o or ientando se s into-

nize com outros temas que já se encontram sob sua orientação. O inte-

resse do or ientador tam bém é um dado legí timo, se quiserm os falar mais

f ranc am ente , e es te dado passa a interagir de um mo do ou de outro com

o interesse mais específ ico do or ientando.

Um a so lução para o pesq uisad or que já possu i um in teresse tem át i -

co muito bem estabelecido, e que pretende ingressar em um Programa

de Pós-G raduaç ão, é invest igar previam ente qual a Inst i tu ição e quais os

orientado res desta Insti tuição que m elhor se sintonizarão com os seus ob-

jet ivos . Esta será uma boa estratégia para diminuir a margem de conf l i -

tos , em bora em um a cer ta me dida os conf l i tos sejam inevi táveis e até de-

sejáveis . Lidar habi lm ente com os conf l i tos de interesse que orbi tam na

5. Michel de CER TE AU . "A operação his tórica". In A Escrita da História.  Rio de Janeiro: Fo-

rense, 1982. p.31-64 e p.65-119.

— 33 —

Page 35: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 35/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

relação "Orientador/Orientando/Insti tuição" pode mesmo contribuir para

enr iquecer um tema, e não necessar iamente para despedaçá- lo .

2 . 3 . A s e s c o l h a s q u e d e p e n d e m m a i s d i r e t a m e n t e d o

p e s q u i s a d o r

Colocadas as questões per t inentes às pressões externas que se aba-

tem sobre um tem a de pesquisa ou que o ben ef iciam , consid erem os ago-

ra o que dev e ser levado em con ta do ponto de vista do próp rio pes quis a-

dor quando da escolha de seu tema.

Antes de mais nada, o pesquisador deve perguntar a s i mesmo se o

tem a escolhido efet ivam ente o interessa. N ad a pior do que t rabalhar em

um a pesquisa com a qual não nos ident i f icam os. Um a pesqu isa sobre um

tem a sem interesse para o autor , ap ena s com vis tas a asse gura r um t í tu-

lo de m estre ou de doutor (situação qu e tantas vezes se ve rif ica) , corre o

risco de se tornar mera m ente bu rocrátic a, e de repassar aos futu ros leito-

res e à banca que exa minará a tese a m esm a sensaç ão de enfa do que as-

saltou o seu autor durante a sua realização. O destino de uma tese como

esta é um arquivo que jam ais será consul tado pelos olhares interessados

dos futu ros pesquisadores, e que som ente será lembrada pe lo seu próprio

autor com o um a tarefa penosa q ue teve de cumprir um dia para c onqu is-

tar uma pequena promoção acadêmica ou salar ial .

É necessário, portanto, investir em um interesse efetivo quandp se

busca uma temática para iniciar uma pesquisa - interesse que, trazendo

as m arcas subjet ivas que afetam diferentem ente cada pesquisado r , p od e

estar m otivado tanto por um a s imples cur iosidade intelectual com o pela

intenção mais altruísta de fazer avançar o conhecimento científ ico.

Já o aspecto da

 relevância

  do tema escolhido é semp re um a que stão

del icada. Será relevante escrever uma tese sobre a minh a peq uen a cida-

de natal , apenas para preencher motivações afet ivas que provavelmente

me chegam dos tempos de cr iança? Não ser ia melhor me dedicar a um

assunto de interesse nacional , que correspondesse a um maior número

de interesses entre os meus possíveis leitores? Ou, pensando bem, a tese

sobre a pequena cidade em que nasci não poder ia se conver ter em um

excelente exercício de micro-história para com preende r a sociedad e m ais

ampla e acessar outras realidades similares?

— 34 —

Page 36: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 36/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

Procurar indagar sobre que interesse uma certa pesquisa poderá ter

para a socieda de correspo nde sem pre a um a ref lexão legít ima. Tal com o

já foi mencionado, a relevância que um autor atr ibui ao seu próprio tra-

balho tende a interagir com os critér ios de relevância que lhes chegam

através da sociedade ou da Insti tuição, ou ainda através do conjunto de

opiniões que o alcançam a par t i r de seus pares his tor iadores sob a for-

ma de comentár ios e in ter textual idades diversas . De qualquer maneira,

o que não se po de é class if icar um a pesquisa alheia com o "ir relevante"

apen as com base nos cr itér ios que nós m esm os resolvem os adotar . Já se

disse que "na da do que é hu m ano é alheio ao historiad or". D entro dos li-

mites ge nerosos do " tudo é his tór ia" , o pesqu isador deve se esforçar por

enco ntrar um tem a que o deixe s imu ltaneam ente em paz consigo m esm o

e em paz com o mundo que o cerca.

N ão e xistem parâm etros oficiais para me dir a relevância de um tema .

O que existe é um conse nso de que a questão da relevância dev e ser cons-

tantem ente refletida por aqueles que pretend em realizar um trabalho cien-

tíf ico. Esta con sciência dos aspectos que traze m relevância ao tema, aliás,

tam bém d eve aparecer no Pro je to de Pesquisa - m erece ndo um capí tu-

lo especial que chamaremos de "Just i f icat iva" e que discut i remos mais

adiante.

Ou tro aspecto fun dam ental a ser considerado por ocasião da escolha

do tema é a sua

  viabilidade.

  Por m ais que um tem a nos interesse, e por

m ais que o considerem os relevante, será inút il emba rcar na aventura da

prod uçã o de con hecim ento cient í f ico se es te tema não for viável . Exis t i-

rá um a do cum entaç ão adequ ada a part i r da qual o tema pod erá ser efet i -

vamente explorado? Se esta documentação exis te , conseguirei ter um

acesso efetivo a ela? Existirão aportes teóricos já bem estabelecidos que

m e perm itam abordar o tema c om sucesso? Se não exis t irem, terei p lena

capa cidade para for ja r eu m esm o o instrumental teór ico que m e perm it i-

rá t rabalhar co m a temática proposta? O tem a proposto requer exam e de

documentação escr i ta em l íngua estrangeira que não domino? Estarei

plenamente capaci tado para invest igar es te t ipo de temática? Em uma

palavra: o meu tema é viável? Eis uma preocupação que, com toda ra-

zão, deve pairar sobre a escolha do tema a ser investigado.

U m fantasm a que costuma rond ar a escolha de um tem a para pesqui-

sa é a obsessão do " inedi t ismo". Com freqüência se exige das escolhas

— 35 —

Page 37: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 37/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

temáticas que elas sejam perpassadas por algum nível de or iginal idade.

Não tem sent ido acadêmico empreender uma pesquisa que r igorosa-

me nte já foi real izada, ou escrever uma tese que repi ta com m ínim as va-

riações uma tese anterior . O caráter inovador é ainda mais exigido em

uma Pesquisa de Do utorado , mas tamb ém na Pesquisa de Mestrado é ha-

bitualmente solicitado.

Atente-se, porém , que a or iginal idade po de ap arecer de diversas m a-

neiras em uma pesquisa previs ta . Um his tor iador pode inovar no seu

tema propr iam ente di to , nas hipóteses propostas , nas fo ntes que ut i l iza-

rá, na metodologia a ser empregada, ou no seu aporte teórico. O seu

tema já tantas vezes percorr ido por outros his tor iadores pode merecer

um a interpretação inteiramente nova, mesm o ut i l izando fontes já conhe-

cidas . Assim, o pesquisador não deve deixar que o pers iga obsessiva-

mente a idéia de que é preciso encontrar um tema que ainda não tenha

sido t rabalhado. Tanto mais que, com um a superpo pulaç ão sem pre cres-

cente de dissertações de mestrado e teses de doutorado, os temas l i teral-

mente virgens tornam-se cada vez mais raros .

Na verdade, é sempre possível inovar - mesmo que a par t i r de um

caminho aparentemente já percorr ido. Um exemplo marcante é a obrayl

conquista da América

, de Todorov

6

. Este autor conseguiu construir uma

obra radicalm ente inovadora a par t ir de um tem a e de um problem a que

já haviam sido t rabalhados inúmeras vezes por diversos his tor iadores ,

alguns dos quais uti l izando as mesmas fontes das quais o escritor búlga-

ro lançou mão. A inovação, neste caso, es teve concentrada s imultanea-

me nte na abordage m teór ica empreg ada e na meto dolog ia ut il izada, que

incorporou as mais novas possibil idades de análise de discurso e de aná-

l ises semiót icas . A abordagem teór ica, e laborando de maneira or iginal

concei tos com o o de "al ter idade", con cedeu m ais um m atiz de or iginal i -

dade a es ta obra que é hoje uma referênc ia funda m enta l nos es tudos his-

tóricos sobre a conquista da América.

Daí pode ser extraída uma l ição impor tante. N ão é preciso necessa -

r iamente encontrar um tema novo, que não tenha s ido abordado antes

6. TODO ROV, T. A conquista da América -A questão do outro. São P aulo: Martins Fontes, 1993.

— 36 —

Page 38: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 38/238

Page 39: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 39/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

com eçar nos sucessivos parág rafos a discutir aspectos espec íf icos e diver-

sif icados que se desdobram deste tema, como "as causas sociais da vio-

lência urbana ", "as form as de preven ção ou de com bate à violência urba -

na", "a relação entre violência urban a e criminalidad e", e tantos outros.

Conforme veremos , "a v io lência urbana" pode ser um excelen te

tem a para um a redação escolar , para um ar tigo de jorna l ou me sm o para

um l ivro de divulgação jun to ao grande públ ico, mas não é um bom tem a

para um a dissertação de me strado ou para um a tese de doutorado. Espe-

ra-se, de um trabalho acadêm ico de t ipo m ono gráf ico , ou em mo delo de

tese, que o tema tenha mais especif icidad e. Pode-se por exe m plo tom ar

com o tema mo nográ f ico "A violência urban a no Rio de Janeiro dos a nos

90", ou, mais especif icamente ainda, "A interconexão entre a violência

urbana e o t ráf ico de drogas no Rio de Janeiro dos anos 90". Ou, que m

sabe, "Os discursos sobre a violência urbana nos jornais populares do

Rio de Janeiro dos anos 90". Pode-se dizer que, pelo men os no sent ido

acadê m ico, "violência urba na" é apenas um "assunto" um tanto vago, mas

os temas acima propostos s im, ser iam temas monográf icos dotados de

maior especif icidade.

Uma "Histór ia da América" , por exemplo, es tá muito longe de ser

um tema. É quando muito um "campo de es tudos" ou de interesses . A

"Conquis ta da Amér ica" é mais especí f ico , mas tampouco é a inda um

tema . Na verdade é um "a ssu nto" que pod e dar poster iorm ente or ige m a

um tema mais delimitado, mas para isto terá de sofrer novos recortes.

Pode-se es tudar por exem plo "a al ter idade entre espan hóis e nat ivos m e-

soam ericanos durante a conquis ta da Am érica, nas pr imeiras déca das do

século XVI". Este foi o tema escolhido por Todorov em uma de suas

ma is célebres obras . Ne le já a parecem recor tes ou dimen sões m ais esp e-

cíf icos: (1) um

  espaço

  mais delineado que é a região central do conti-

nente americano; (2) um   recorte de tempo  que se refere às primeiras dé-

cadas do século XVI; (3) um

 problema

  que é o da "al ter ida de" (ou do

"choque cultural" entre aquelas duas civil izações distintas) .

Em Histór ia é fund am enta l que o tem a de pesquisa apresen te um re-

corte espacial e temporal muito preciso. Isto corresponde a focar um as-

sunto ainda geral em um "campo de observação" mais circunscrito. As-

sim, não se estuda em um a tese de doutorado "o islam ismo ", emb ora este

seja um excelente tema para um l ivro de divulgação visando o grande

Page 40: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 40/238

Page 41: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 41/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

s is tência foram desenvolvidas pelas mulheres afegãs diante das res tr i -

ções à educ ação impostas pelo is lamismo tal ibã no final do século X X "?

Note-se ainda que um problema não precisa es tar necessar iamente

escrito sob a for m a interrogativa. O seu sen tido é que precisa ser inte rro-

gat ivo. Assim, se declaro que o meu problema corresponde às "funções

sociopol í t icas que ter iam motivado a res tr ição à educação feminina no

is lamism o afe gão do final do século X X ", já es tá em butida aí um a inda-

gação, mesmo que eu a apresente camuflada sob uma forma redacional

declarativa.

A incorporação de uma problemática é fundamental para a Histór ia

hoje que se escreve nos me ios acadêm icos e no âmb ito da prática historio-

gráfica profissional. Qualquer gê nero historiográfico - da história das ci-

vil izações à biografia - pode ser percorrido a partir de um problema.

O tema, por outro lado, não precisa ser at ravessado por um proble-

ma único. Ele pode ser perpassado por um "cam po de problem as" ou por

uma problemática que se desdobra em duas ou t rês indagações mais es-

pecíf icas . Se propo nho, sem um a m aior especif icaçã o, um a tese sobre "a

repressão à educação feminina no is lamismo afegão do f inal do século

XX", abro um claro espaço para alguns problemas inter l igados. Nenhu-

ma repressão é gratuita . Freqüentem ente ela tem bases pol í t icas , eco nô-

micas , imaginár ias , rel igiosas ou consuetudinár ias . Assim, uma pr imei-

ra questão, ou um primeiro problema que se cola a este tema, refere-se pre-

cisamente às

 motivações sociais

  que produzi ram o fenôm eno da repres -

são à educação feminina no Afeganis tão. Por outro lado, nenhuma re-

pressão existe sem gerar alguma forma de resistência. Estudar a repres-

são à educação feminina é indagar também pelas

 formas de resistência

que as mulheres afegãs desenvolveram em relação a es ta prát ica no pe-

r íodo considerado. Tem-se aí um segundo problema, que pode ser exa-

minado em contraponto ao pr imeiro. Outro problema implíci to poder ia

se referir ao caráter processual d este fen ôm en o. Por que ele eclode no f i-

nal do século XX? Qual a história deste padrão repressivo?

O tema proposto, como se vê, abre-se não só a um único problema,

mas a um campo de problemas que poss ive lmente apresen tam uma in-

terligação a ser decifrada pelo próprio pesquisador.

— 40 —

Page 42: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 42/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

Sintetizando o que vimos até aqui, pode-se dizer que um tema bem

delimitado de pesquisa h istórica deve trazer mu ito claramen te a definição

de três dimen sões fund am enta is: o recorte espacial , o recorte temporal e o

problema (Quadro 3) . Es tas t r ês d imensões devem aparecer adequa-

da m en te expl icitadas no capítulo "Delimitação T em ática" do Projeto de

Pesquisa (ou, se este capítulo não está previsto, na própria "Introdução"

do Projeto) . Além de serem dimensões necessárias para delimitar mais

adequadamente o tema, produzindo um verdadeiro "recorte temático", são

estas dimensões que tornarão a pesquisa efetivamente viável.

Não posso es tudar

  todos

  os países muçulmanos do f inal do século

XX (ausência de recor te espacial mais ci rcunscr i to) , nem o Afeganis tão

em  todas  as épocas históricas (ausência de recorte temporal) , nem todos

os problem as presentes no is lam ismo afe gão do f inal do século XX (au-

sência de um problema singularizado). Cada um destes três recortes ou

dime nsões de recor tes (espaço, temp o e prob lem a) s ignif ica dar um pas-

so adiante na conquista da viabilidade para a realização da pesquisa his-

tór ica proposta. S ign if ica tam bém um pa sso adiante no processo de ven-

cer a dispersão tem ática e encontrar um a conc entração tem ática bem de-

finida. Sob re este tr ipé repo usa um tem a bem delim itado, pelo m eno s no

que se refere aos dom ínios da Ciência H istórica e mais esp ecif icam ente

dos textos monográf icos de Histór ia .

2 . 5 . R e c o r t e e s p á c i o - t e m p o r a l

U m a del imitação a dequ ada do per íodo histór ico que será exam inado

é, naturalmente, questão de primeira ordem para qualquer historiador. A

escolha de um recor te qualquer de tempo his tor iográf ico não deve, por

  41

  —

Page 43: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 43/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

outro lado, ser gratuita. É inútil escolher, por exemplo, "os dez últ imos

anos do Brasi l Imp ér io" , ou "os cem pr imeiros anos do Egi to Antigo ". A

escolha de um recor te temp oral his tor iográf ico não deve co rresponde r a

um núm ero proposi tadam ente redo ndo (dez, cem , ou mil) , m as s im a um

problema a ser examinado ou a uma temática que será es tudada.

É o problema que def ine o recor te , e não qualquer coisa como uma

dezena de anos escolhida a par t i r de cr i tér ios come m orat ivos. Tam pou -

co tem sent ido deixar que uma tese em Histór ia mostre-se apr is ionada

pelos recor tes meramente governamentais . Pode ser que um recor te re-

lativo ao "Brasil dos anos JK" não corresponda aos l imites exatos do

problema que se pretende examinar . O mesmo ocorre com a questão do

recorte espacial . Pode ser não tenha sentido para um determinado pro-

blem a histór ico escolhido atrelar o seu espaço a um a determ inada unida-

de estatal adm inis trat iva (um país , um estado, um a cidade) . Um a propo-

sição temática, con form e verem os, vaza f reqü ente m ente as m olduras do

tempo estatal- inst i tucional ou dos recor tes adminis trat ivos . Um tema

pode muito bem atravessar dois governos pol i t icamente diferenciados,

situar-se atravessado entre duas regiões administrativas, insistir em es-

corregar para fora da quadratu ra insti tucional em qu e o historiad or dese -

jaria vê-lo encerrado.

Trata-se no entanto de uma tendência contra a qual é preciso pôr-se

alerta . Por veze s , a m enta l idad e his tor iadora é levada au tom atica m en te

a fazer suas escolhas dentro dos l imites governamentais-adminis trat i -

vos, quase que por um vício corporat ivo. Cedo o his tor iador de forma-

ção acadêmica vê-se habi tuado a recor tar o seu objeto em consonância

com im agens congeladas com o a do "espaç o nacio nal" ou do " tem po di-

nást ico": o "Por tugal durante o reinado de Dom Dinis" , a "França de

Luís XIV ", o "Egito de Ram sés I I" - pede-se ao pesqu isador um proble-

ma que se encaixe dentro de l imites como estes. Esta imagem de espa-

ço- tempo duplamente l imitada pelos parâmetros nacionais e pela dura-

ção de governos - talvez uma herança ou um resíduo de herança da ve-

lha História Polít ica que dominava explicitamente o século XIX e que

ainda insiste em do m inar implicitame nte boa parte da produ ção historio-

gráfica do século XX - estende-se de resto para a História que almeja

também o circui to extra-acadêmico.

— 42 —

Page 44: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 44/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

É sem pre possíve l, tal co m o se disse, que o prob lem a a ser investiga-

do requeira um recor te que co m ece na m etade de um gove rno e se es ten-

da para a prim eira m etad e do govern o seguinte, ou que faça m ais sen tido

abarcando dois países do que um único, ou ainda duas regiões perten-

centes a dois países distintos. A delimitação de uma região a ser estuda-

da pelo his tor iador não coincide necessar iame nte com um recor te admi-

nistrativo ou estatal: pode ser definida por implicações culturais, antro-

pológicas , econômicas , ou outras . Um grupo humano a ser examinado

não estará necessar iamente enquadrado dentro dos parâmetros de um

Estado-Nação. Um padrão de mental idade que se modif ica pode corres-

ponder a um enquadramento que abranja duas pequenas regiões per ten-

centes a duas realidades estatais distintas, ou corresponder a uma vasta

realidade populacional que atravessa países e etnias distintas, que se in-

terpõe entre duas faixas civil izacionais, e assim por diante.

Fica portanto este alerta. N ão a dianta partir do pressup osto de que os

melhores recortes coincidem necessariamente com um governo, um país,

um a cidade - quand o mu itas veze s o objeto construído desejar ia rompe r

de diversas maneiras estas muralhas artif iciais que insistem em contê-lo,

em a parar suas arestas e ângulos agu dos, ou em mantê- lo sól ido q uando

ele se quer f luido.

Que stões s imilares tam bém pod em ser encontradas nas teses que to-

mam por ob je to a obra de um determinado au tor ou ar t i s ta . Tem pou-

co valo r com o histór ia problem atizada a escolha de um recor te com o "A

obra de Machado de Assis" ou "A produção iconográf ica de Jean-Bap-

t is te Debret" . Pode-se dar por exemplo que a produção destes autores

passe por fases distintas, ou que intercale materiais bem diferenciados

do ponto de vis ta de uma problematização possível . Fazer um levanta-

mento integral da obra de Machado de Assis pode ter sent ido em uma

tese de l i teratura. Em Histór ia , um recor te que abranja fases heterogê-

ne as só terá sentido se f izer parte do problem a verif ic ar com o estas fases

se relacionam a momentos polít ico-sociais distintos, ou se f izer parte do

prob lem a com parar duas fa ses contrastantes de um autor na sua ar t icula-

ção a s ingular idades his tór icas espe cíf icas .

Do m esm o m odo, a uma tese sobre "a pintura de Debret nos tempos de

D. João VI" - mu ito vaga e dan do a impressão de que se tom a para objeto

uma questão comemorativa mais apropriada para um catálogo - deve-se

— 43 —

Page 45: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 45/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

preferir algo mais problematizado, como "a representação da sociedade

brasileira nas litografias de Debret (Brasil, 1816-1831)". Ao invés de tomar

para objeto toda a obra plástica deste pintor francês, que aqui esteve na pri-

meira metade do século XIX, recortou-se um problema referente à capta-

ção dos tipos sociais brasileiros pelo olhar europeu de um pintor-viajante

(Debret). Tam bém se evitou o bem -arrumado "recorte político-governamen-

tal", associado à chegada e ã partida de D . João VI, e permitiu-se que o re-

corte traspassasse dois períodos diferenciados que se relacionam à fase do

Vice-Reino e aos primeiros anos do Império (1816-1831). O problema es-

colhido, a "representação d os tipos sociais por um pintor francê s no Brasil

do século XIX ", sendo da ordem cu ltural ou mesm o da esfera da antropolo-

gia política, não teria por que prestar contas a uma cronologia institucional

ou estatal, típica da história política tradicional.

Pode-se dar também que o mais interessante seja não necessar ia-

mente se l imitar a Debret , mas s im proporcionar uma comparação das

estratégias de "representação social" ut i l izadas por es te pintor f rancês

com as es tratégias ut i lizadas por um seu contem porâne o de or igem simi-

lar , para ver i f icar a par t i r da í se ex is tem pontos em comum que habi -

l i tem a falar em um "o lhar europ eu" dos pintores-viaj antes sobre o B ra-

sil Colonial ou se, ao contrário, verif icam-se experiências inteiramente

subjet ivas . Deste modo, comparar Debret e Taunay, dois pintores que

est iveram no Brasi l da época de D. João VI como par t icipantes de uma

mesma missão ar t ís t ica, pode-se const i tu ir em um problema his tór ico

tão ou mais interessante do que um a invest igação em torno da prod uçã o

restr i ta a um só destes pintores

8

.

Os exem plos relat ivos a decisões sobre o recor te de temp o pod er iam

se estender ao inf inito , um a vez que um m esm o tem a pode se abr ir a inú-

meras problematizações possíveis , sendo que cada uma destas proble-

matizações irá conduzir a um recorte ou outro que lhe seja mais adequa-

do. Posto is to , pen sar os l imites de um recor te em term os de viab i l ida-

de para a pesquisa e de adequ ação a o problema é semp re a postura m ais

equilibrada.

8. M onike G arcia Ribeiro. A paisagem artística no Brasil como uma questão estratégica da m e-

mória - O olhar de dois pintores da missão a rtística francesa: Jean B aptiste D ebret e Nicolas

Antoine Taunay.  Rio de Janeiro: UNI-RIO, 1999.

— 44 —

Page 46: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 46/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

A mesma necessidade de problematização his tor iográf ica poder ia

ser abordad a co m relação ao "espa ço" construído pelo his tor iador . D eve

ser um espa ço problem at izado , e não um espa ço nacional ou com em o-

rat ivo. Para dar um exemplo cláss ico, convém lembrar a obra-pr ima de

Fernando Braudel

 - O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época

de Felipe II

  que de res to é tam bém uma obra revolucionár ia no que

concerne ao t ratamento do tempo, já que introduz pela pr imeira vez a

questão da articulação de durações distintas no tempo histórico traba-

lhado pelo pesquisad or

9

. A dem arcação do objeto de pesquisa nesta obra

extraordinária nada deve a critér ios nacionais, mas sim à construção his-

tor iográf ica de uma área "econômico-social-demográf ica-cul tural" , que

Braudel chamou de "mundo medi ter râneo"

1 0

.

O objet ivo de Fernando Braudel no pr imeiro volume desta obra foi

construir historiograficamente o mundo mediterrâneo do século XVI co-

m o um a unidade geo-his tór ica, embora percorr ida por dual idades diver-

sas que se referem às oposições rel igiosas (cr is tãos/muçulmanos) , aos

contrastes geográf icos (deser to/mar ; montanha/planície) , sem falar na

mu lt ipl icidade de real idades nacion ais que se es tabelecem sobre es te es-

paço. A este recorte espacial ampliado aplica-se neste primeiro volume

o " tempo longo", duração onde se tornam vis íveis as permanências , os

aspectos es truturais , as m udan ças m ais lentas que à dis tância oferece m a

impressão de uma h is tór ia quase imó vel relat ivam ente às interações en-

tre o homem e a natureza. Os t rês volumes de  O Mediterrâneo  consti-

tuem uma verdadeira revolução his tor iográf ica no t ratamento s imultâ-

neo do tem po e do espaço, e oferece m excelente e xem plo das novas pos-

sibil idades de recortar o tempo histórico trazidas pela historiografia do

século XX.

É verdad e que, em se t ratando das pesqu isas de Mestrado e D outora-

do nos dias de hoje - e ma is especif icam ente ainda em nosso país - , não

é possível optar por um recor te e por um projeto de pesquisa tão ambi-

cioso como aqueles real izados por Braudel em suas t rês obras monu-

m entais , todas elas divididas em três volum es ("O M editer râneo. .." ; " A

9. Fernando BRA UDE L.  O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II.  São

Paulo: Martins Fontes, 1984. 2 vol.

10. José Carlo s R EIS .  Nouvelle Histoire e Tempo Histórico.  São Paulo: Ática, 1994. p.74.

— 45 —

Page 47: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 47/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

Civi l ização Mater ial do Capi tal ismo"

1 1

; "A Ident idade da França"

12

).

Estas obras consumiram muitos e muitos anos de t rabalho. "O Mediter -

râneo", por exemplo, requereu duas décadas de envolvimento - já que

Braudel opta pelo tema em 1923, elabora as suas grandes l inhas até

1939, e aprofunda-as durante o per íodo de seu apr is ionamento em um

campo de concentração nazis ta . "A Civi l ização Mater ial" consome um

período de envolvimento que vai de 1952 (data do convite de Lucien

Febvre para que Braudel escrevesse um volume sobre a dimensão eco-

nômico-material da Europa pré-industr ial) até 1979 (data da publicação

da trilogia).

Pode-se ci tar um exemplo mais extremo de tese monumental com a

Tese de Pierre Chaunu sobre "Sevilha e o Atlântico", que foi consti tuída

em dez volumes e dos quais os volumes relativos à parte interpretativa

possuem mais de t rês mil páginas . Foi possivelmente a tese mais longa

já escrita. Ampla no recorte temporal (um século e meio), vasta no espa-

ço abordado (o Atlântico), extensiva e intensiva na exploração da série

documental ( toda a documentação produzida pela "Casa de Contratação

de Sevilha" entre 1504 e 1650). . . esta tese mostra-se por f im pródiga na

aprese ntaçã o f inal de seus resultados (7 vo lum es des crit ivos e três inter-

pretativos) . O t rabalho de Pierre Cha unu f icará m arcad o d ef ini t ivam en-

te com o um cláss ico da his tor iograf ia m onum ental que se tornou po ssí-

vel em m eados do século XX

13

. Exe mp los com o este , contud o, estão ob-

viame nte dis tanciados de nossa real idade m ais direta .

11. Fernando BRAUDEL,

  Civilização Material, E conomia e Capitalismo,

  São Paulo: Martins

Fontes, 1997. 3 vol.

12. Fernando BRA UDE L,  L 'identité de la France,  Paris: Flamarion, 1986. 3 vol.

13. Pierre e Huguette CHA UN U. Séville et l 'Atlantique.  Paris : SEV PEN , 1955-1956. Os primei-

ros seis volum es de "Sev ilha e o Atlântico ", escritos em colaboraçã o com Hug uette Chau nu, cor-

respondem à "Parte Estatística", e são acrescidos de um A tlas ("Constru ction g raphiq ue", vol. 7,

1957). A "Parte Interpretativa", constituída por mais três volumes que foram pelos autores nu-

merados como VIII1, VIII2 e VIII3, corresponde à Tese de Pierre Chaunu propriamente dita.

Esta obra inovadora e monumental introduz na historiografia o campo da História Serial, e os

sete primeiros volumes correspondem precisamente à montagem desta "série" que reconstitui o

tráfico entre Sevilha e a Am érica entre 1504 e 1650. A "Parte Interpre tativa" é pioneira ainda ao

int roduzir na h is tor iograf ia a opos ição conce i tua i "es t ru tura /conjun tura" . O pró prio Fernan-

do Braudel desenvolve comentários crí t icos à obra de Chaunu em "Para uma História Serial:

Sevilha e o Atlântico (1504-16 50)" ( Escritos sobre a História.  São Paulo: Perspectiva, 1978.

p. 125-142).

— 46 —

Page 48: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 48/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

Uma tese acadêmica, no Brasil, deve ser escrita em torno de dois anos

e meio para o caso das pesquisas de Mestrado, e em tom o de quatro anos para

o caso das pesquisas de Doutorado. Além disto, o pesquisador nem sem-

pre conta com alguma ajuda de custo, e quase sempre precisa exercer di-

versas atividades profissionais regulares durante a elaboração de seu traba-

lho. Seu tempo é literalmente dividido, e o pesquisador tem de se render

resignadam ente a esta constatação . Impõe-se aqu i, enfaticam ente, o crité-

rio da viabilidade, que deve interagir dialeticamente com os interesses do

pesquisador e da Insti tuição. Os projetos mais ambiciosos devem ceder

lugar às propostas m ais exeqüíve is, e é preciso neste mo m ento l idar com a

perda: abandonar (ou adiar) a utopia do conhecimento que desejaríamos

produzir em favor da concretude do conhecimento que pode ser efetiva-

m en te produzido. O s recortes, agora men os por razões científicas do que por

razões práticas, novamente se impõem...

2 . 6 . Recor te se r ia l e rec or te na fon te

Outro t ipo de recorte possível para os historiadores de hoje é o "re-

cor te ser ial" . Recor ta-se o objeto não propr iamente em função de uma

determ inada realidade histórico-social concerne nte a um a delimitação es-

pácio-temporal preestabelecida, m as mais precisamente em funçã o de uma

determinada série de fontes ou de materiais que é consti tuída precisa-

m ente pelo his tor iador . Este tipo de cam inho his tor iográf ico com eçou a

eme rg i r a par t ir de mead os do sécu lo XX , tendo co m o m arco a já m en-

cionada obra de Pierre Chaunu sobre

  Sevilha e o Atlântico.

Na chamada "Histór ia Ser ial" o his tor iador es tabelece uma "sér ie" ,

e é esta série que particularmente o interessa. François Furet, em seu

  Ate-

lier do Historiador

l4

, de f ine a Histór ia Ser ial em term os da const i tu i-

ção do fato histór ico em sér ies hom ogên eas e compa ráveis . D ito de ou-

tra forma, trata-se de "serializar" o fato histórico, para medi-lo em sua re-

petição e variação através de um período que muitas vezes é o da longa

duração. Na verdade a duração longa, ou pelo menos a média duração

(relat iva às conjunturas) , foram as que predominaram nos pr imeiros

trabalhos de História Serial - muito voltados nesta primeira época para

14. François FUR ET.  A Oficina da História.  Lisboa: Gradiva, 1991. v. I.

— 47 —

Page 49: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 49/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

a Histór ia Econ ôm ica e para a Histór ia Dem ográf ic a e com bina dos com

a perspect iva de uma Histór ia Quant i tat iva. Mas, na verdade, pode-se

proceder a uma ser ial ização relacionada também a um per íodo relat iva-

mente cur to , desde que o conjunto documental es tabelecido seja suf ici-

entemente denso

13

.

De certo modo, as possibil idades de tratamento serial permitiram

uma sensível ampliação de alternativas em termos de recorte historio-

gráfico, uma vez que as séries singulares a serem construídas por cada

his tor iador já não se enquadrar iam nas per iodizações t radicionalmente

preesta belec idas. C riar um a série é, em certa m edid a, recriar o tem po -

assumi- lo como "tempo construído", e não como "tempo vivido" a ser

reconsti tuído.

Por outro lado, optar pelo cam inho serial pressup õe nece ssar iam ente

escolher ou construir um pro blem a condutor mu ito espe cíf ico - proble-

m a este que é fator fund am enta l na const i tu ição da própr ia sér ie . A His-

tória Serial veio assim diretamente ao encontro de uma História-Proble-

ma, como as demais modal idades his tor iográf icas que passaram a pre-

dom inar na his tor iograf ia prof iss iona l do século X X.

Co m relação a es te aspecto, e em se tratando de uma sér ie doc um en-

tal homogênea, não ter ia sent ido examinar es ta sér ie evasivamente, de

m odo me ram ente im pressionis ta . A Histór ia Serial const i tu i-se nece ssa-

riam ente de uma leitura da realidade soc ial através da série qu e foi cons-

t ruída pelo his toriador em fu nç ão de um cer to problem a*. N ão se t rata ,

ass im, de optar in icialmente pelo es tudo de um a determina da sociedad e

para só depois buscar as fontes que permitirão este estudo ou o acesso a

esta sociedade, como poder ia se dar em outros caminhos his tor iográf i -

cos. O que o historiador serial estuda é precisam ente

  a série\

  este é basi-

cam ente o seu recor te e a essência de seu objeto . E pode -se com pree nde r

com o um a "sér ie" tanto os fatos repet i tivos que permitem ser a val iados

compara t ivamente como uma determinada documentação homogênea .

15. Sobre as possibilidades de utilização de técnicas seriais e quan tificação para estud os de Mi-

cro-História, veja-se Carlo GIZBURG, "O nome e o como: troca desigual e mercado historio-

gráfico". In A Micro-História e outros ensaios.  Lisbo a: Difel, 1991. p. 169-178 .

— 48 —

Page 50: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 50/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

No primeiro sentido, François Furet fala em termos de uma seriali-

zaçã o de fatos históricos qu e traze m en tre si um p adrão de rep etit ividade

(fatos históricos que serão obviamente de um novo tipo, não mais se re-

duzindo aos acontecimentos pol í t icos) . No segundo sent ido, ao exami-

nar os novos paradigmas his tor iográf icos surgidos no século XX, Mi-

chel Fo uca ult assinala que "a história serial defin e seu objeto a partir de

um conjunto de documen tos dos quais ela dispõe"

16

. Isto abre na turalm ente

um grande leque de novas possibi l idades:

Assim , talvez pela primeira vez, há a possibilidade de analisar

como objeto um conjunto de m ateriais que foram depositados

no decorrer dos tempos sob a forma de signos, de traços, de ins-

tituições, de práticas, de obras, etc.

17

Pprtanto, em que pese que fontes administrativas, estatíst icas, testa-

m entár ias , pol iciais e car tor iais se prestem adm iravelme nte a um traba-

lho de História Serial, é possível ta m bé m con stituir em série doc um enta -

ção l i terária, iconográfica, ou mesmo práticas perceptíveis a partir de

fontes orais. É mesmo possível consti tuir séries às quais não se pretenda

necessar iamente apl icar um tratamento quant i tat ivo propr iamente di to ,

m as s im um a abordag em m ais tendente ao qual i tativo - in teressada ain-

da em perceber tendências , repet ições , var iações , padrões recorrentes e

em discut i r o documento integrado em uma sér ie mais ampla, mas sem

tomar como abordagem pr incipal a referência numérica.

Uma das obras de Gilber to Freyre, por exemplo, const i tu i como sé-

rie do cum ental para o estudo da Escravidão no Nordeste os anúncios pre-

sentes em jorn ais da época - ond e os grandes senhores an unciavam a fug a

de escravos fornec end o descr ições detalhadas dos mesm os, inclusive s i -

nais corporais que falavam eloqüentemente das prát icas inerentes à do-

minação escravocrata

18

. Não é propr iam ente o escravo que é o seu obje-

to, m as "o esc ravo nos anú ncio s de jor na l", co m o o próprio t í tulo indica.

Ou seja, busca-se recuperar um discurso sobre o escravo a partir de uma

16. Michel FO UC AU LT . "Retornar à História". In Arqueologia das Ciências e História dos Sis-

temas de Pensamento.

  Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p.62-77. p. 290.

17. Michel F OU CA UL T. "Sobre as maneiras de escrever a História". In Arqueologia das Ciên-

cias e História dos Sistemas de Pensamento,  p.64.

18. Gilberto FRE YR E.

  O Escravo nos anúncios de ornais brasileiros do século XIX.

  São Paulo:

Brasiliana, 1988.

— 49 —

Page 51: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 51/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

série que coincide com os per iódicos exa m inado s pelo autor ; procura-se

dentro desta série perceber um a recorrência de padrões de representação,

mas tam bém as s ingular idades e var iações , e por t rás destes padrões de

representação os padrões de relações sociais que os geraram.

Quan titativos ou qualitativos, os cam inhos historiográficos ma rcados

pela ultrapassagem do docum ento isolado passaram a se integrar definiti-

vam ente ao repertório de possib ilidades d ispon íveis para o historiador. In-

teressa-nos dar a percebe r aqui que o recorte docum ental m ostra-se com o

um a outra possibil idade para o historiador delimitar o seu tema. D efinido

este recorte, surgirá então um a delimitação temp oral espe cíf ica, que será

válida para aquele recorte problemático e docu m ental na sua singularida-

de, e não para outros. Dito de outra form a, em algun s destes casos é um a

docum entação que impõ e um recorte de tem po, a partir dos seus próprios

limites e das aberturas metodo lógicas q ue ela oferec e.

Será bas tan te buscar um a exe m pl i f icaçã o f ina l com o própr io es tu-

do pioneiro de Pierre Chaunu. O recorte de sua tese, estabelecido entre

1504 e 1650, é criado a partir de um a prime ira data em q ue a d ocu m enta -

ção da "Casa de Contratação de Sevi lha" lhe perm ite um a construção es-

tat ís t ica, e ext ingue-se no marco de uma segunda data quando a docu-

mentação já não permite uma aval iação quant i tat iva dos fatos (precisa-

me nte um a data relativa ao mo m ento em que o com ércio at lânt ico deixa

de t razer a m arca do predom ínio espanhol e em que, conse qüen tem ente,

a documentação de Sevi lha se di lui como def inidora de uma total idade

atlântica). O recorte docume ntal problem atizado, e nfim , organizou o tem -

po do historiador.

O recorte serial é em boa parte dos casos um "recorte na fonte". Mas

existem, para além disto, outras possibilidades de recortar o tema de acor-

do com a fonte. Pode ser que o his tor iador pretenda exam inar um a obra

singularizada - ou para identif icar o pensamento de um autor, ou para

analisar a sua inserção nos limites da época - co m o se faz m uito h abitual-

m ente nos cam pos da H istória das Idéias e da História Social das Idé ias.

Pode ser que o interesse seja examinar uma detenninada produção cul-

tural , e que uma crônica, um cancioneiro ou uma seqüência iconográf i -

ca sur jam co m o objetos de interesse de um a Histór ia Cultural ou de um a

História Social da Cultura. Um mito ou um conjunto de mitos pode se

consti tuir simultane am ente nas fontes e objetos de um trabalho de An tro-

Page 52: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 52/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

pologia H istórica. As possibi lidades de empre ende r "recor tes na fonte" ,

conforme se vê, são inúmeras .

2 . 7 . A r t i c u l a n d o r e c o r te s

Retornemos à questão do "recor te temporal" . Nem sempre o tempo

his tor iográf ico pode ser conduzido l inearmente ao longo de uma narrat i -

va, anál ise ou descr ição his tór ica. Desde Fernando Braudel , coloca-se

inclusive a pos sibil ida de de que o historiador esta beleç a em seu trabalho

um a "dialét ica de duraç ões" . Braudel , tanto no "M edite r râne o" como na

"Civilização Material", ar t iculou três durações distintas em sua análise:

a longa duraçã o, a m édia d uraç ão e a curta dura ção - referin do estas du-

rações às es truturas , conjuntu ras e aos eventos propr iam ente di tos . Um a

anál ise desta r iquíss ima possibi l idade de t ratamento do tempo his tor io-

gráfic o ultrapassaria certame nte as possibil idades da presente obra. Con-

tudo que rem os le m brar, a partir deste exe m plo e de outras si tuaçõe s, que

um determinado objeto de es tudo pode requerer um tratamento comple-

xo do tempo, g erand o dif icu ldade s adicionais para a expl icitação do re-

corte temporal no Projeto.

Digamos por exemplo que o pesquisador pretende invest igar o en-

volv im ento d a Igreja com a questão social da terra em um ep isódio esp e-

cíf ico da Histór ia do Brasi l , ou, mais espec if icam ente ainda, em um cer-

to assen tam ento bem del imi tado espa cia lm ente e tem pora lm ente . Pode

ser que seja de interesse do pesquisad or escrever um grande capítulo con-

textual que situará o seu episódio mais específ ico em um processo de du-

ração mais longa, que estaria referido às formas como, no Brasil, os seto-

res mais progressis tas da Igreja se integraram aos movimentos sociais

dos trabalhadores rurais. Depois, um segundo capítulo estaria mais es-

pec if icam ente voltado para o objeto de estudo: um p rocesso singular , en-

volvendo um assentamento específ ico e uma conf iguração pol í t ica par-

ticular , em torno de atores polít icos e grupos sociais especif icamente de-

finidos. A tí tulo de exem plo , digam os que o perío do estu dad o seja, neste

caso , uma determinada fa ixa de tempo cont ida na fase po l í t ica da Di-

tadura Militar .

O contexto do primeiro capítulo, por outro lado, estaria referido a um

recorte de longa ou média duração que atravessaria vários períodos da

—   51  —

Page 53: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 53/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

História do Brasi l , e a sua fu nç ão seria prec isam ente a de perm it i r a inscri-

ção do processo de cur ta duração m arcado p elos acon tecime ntos pol í ticos

em um proc esso social e inst i tucional de duraçã o ma is am pla. Pe rgun ta-se

que recorte deverá ser exp l ici tado no Projeto de Pe squisa . O recorte relat i -

vo ao tema ma is especí f ico? Ou o recor te impl icado pela perspect iva m ais

ampla de longa duração, mesmo que esta esteja al i apenas para permit i r

uma visual ização mais p lena do problema a ser examinado?

A pr incíp io , deve-se d izer que é mais lógico apontar como recor te

his tor iográf ico da Pes quisa aque le que se refere ao ob jeto espec í f ico , to-

m ado na sua s ingu lar idade m ai s def in ida . Para o caso exe m pl i f i cado , se -

r ia m ais adequa do m en cion ar o recor te que se inscreve no per íod o da Di-

tadura Mi l i tar . É es te recor te que deve aparecer no t í tu lo do Projeto de

manei ra mui to c lara .

Is to não impede, por out ro lado, que o pesquisador antecipe no Pro-

je to a sua in tenção de exa m inar em um cap í tu lo in icia l um con texto be m

mais amplo , re lacionado a uma duração de r i tmo mais longo e a um re-

cor te de m aior extensão. Va le expl ic itar , nes te caso , tam bé m e ste recor te

- mas apenas no capí tu lo re la t ivo à "Del imi tação Temát ica" (não ter ia

sent ido mencionar es te recor te mais amplo no t í tu lo , pois dar ia uma fal -

sa idéia de que o t rabalho pretende recuperar in tensivamente a a tuação

da Igreja em vár ios per íodos da His tór ia do Brasi l ) .

Out ro t i po de ambigü idade ocor re quando a documentação exami -

nada inscreve-se em uma de te rminada fa ixa de t empo , mas re fe re- se a

acon tec imentos inscr i tos em uma  outra  fa ixa de t emp o . Pre t ende -se es -

tudar a Revolução de Avis (138 3-1384 ) a par t ir da

  Crônica de Dom João

I  do c ron i s t a por tuguês Fernão Lópes (

C

.1378-

C

.1460) , que a escreveu

algu m as década s depois dos eventos que se propô s a narrar

1 9

. Q ue recor -

te expl ic i tar no Projeto de Pesquisa? O das fontes , ou o dos eventos? A

resposta a es ta pergunta es tará , como sempre, no "problema" a ser abor-

dado . Pre t ende-se es tudar a Rev o lução de Avi s p ropr i am ente d i t a , com o

processo pol í t ico , ou pretende-se es tudar um discurso poster ior que se

es t abe leceu sobre a Re vo lu ção de A vi s? Em ou t ras pa lavras , o ob je t ivo

19. Fernão L ÓPE Z.  Crônica de el-Rei D. João.  Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda,

1973.

— 52 —

Page 54: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 54/238

2 . I n t r o d u ç ã o e D e l i m i t a ç ã o d o T e m a

é es tudar um mo vimen to social em si me smo , a recepção deste mo vime n-

to social ou a representação deste mov ime nto social? Se for o caso, é pre-

ciso recon hece r que será m ais adeq uado s i tuar o recor te temp oral em re-

lação às fonte s (ou à épo ca de Fe rnão L ópe s) . Se, por outro lado, dec laro

co m o objeto de es tudo os própr ios acontecim entos que f icaram co nheci-

dos com o "Re volu ção de Av is" , então o recor te tem poral deverá se refe-

r ir aos l imites cronológicos deste processo.

O mesmo r ac ioc ín io pode se r e s t end ido a inúmer os ou t r os ob je -

tos : p re ten do inves tigar a

  Guerra do Peloponeso,

  ou a visão que o histo-

r iador Tucídides (460-400 a.C.) desenvolveu a respei to desta guerra?

20

M eu objet ivo é reconstruir a t ravés da História Oral os horrores dos ca m-

pos de concentraçã o nazis tas , ou decif rar a m em ória dos horrores nazis-

tas que foi construída de form a com plexa pelas ví timas que i rei entrevis-

tar? Em um caso e outro , es tarei predominantemente tomando as fontes

como tes temunhos ou como discursos? A Guerra, o impacto da Guerra

sobre os seus contemporâneos , a r epresen tação da Guer ra , os d iscur -

sos sob re a Guerra. .. com o recor tar meu o bjeto por dentro do objeto? E

como deixar mais claras para o meu lei tor es tas complexidades?

Caso s com o estes pod em exigir que se expl icite já no capí tulo "De li-

mitação Temática" tanto o recor te das fontes examinadas como o recor-

te relativo ao período a que se referem as fontes. Em qualquer caso, o

pesquisador deve se guiar pelo bom senso. Não existe uma regra a ser

seguida. O que é fundamental , em úl t ima instância, é que o his tor iador

tenh a bem claro para si qua l é o seu verdade iro obje to, e tam bém se o seu

objeto é de uma natureza complexa que mereça ser melhor expl icada.

Desta reflexão sincera dependerá a articulação de recortes a ser traba-

lhada na Pesqu isa, com a conseqü ente ex plicitação prévia no Projeto que

a ela se refere.

20. A Guerra do Peloponeso foi um conflito de duração relativamente longa entre atenienses e

espartanos (431 e 404 a.C.). Exilado de Atena s a partir de 424 a.C., por ter falhado em um a mis-

são militar, o historiador ateniense escreveu a sua obra no exílio (TU CÍDID ES. História da Guerra

do Peloponeso.  Brasília: Editora UN B, 1985).

— 53 —

Page 55: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 55/238

1

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3 . 1 . P o r q u e e l a b o r a r u m a R e v i s ã o B i b l i o g r á f i c a ?

Muitos autores abrem nos seus projetos um capítulo especial para a

"Revisão Bibliográfica". Outros incluem esta revisão no capítulo "Qua-

dro Teórico". Há ainda quem inicie o seu Projeto com uma Introdução

que apresenta um a espécie de revisão da bibliografia existente para depo is

justif ica r o seu Projeto em termo s do preen chim ento de um a lacuna qual-

quer evidenc iada por esta revisão da bibliografia existente sobre o tem a.

Na verdade, como temos insis t ido em ressal tar , exis tem muitas al-

ternat ivas formais possíveis a um Projeto de Pesquisa. A real ização de

uma Revisão Bibl iográf ica dentro deste Projeto pode ocorrer de muitas

maneiras - o importante é que ela

 efetivamente se realize.

  Isto por algu-

mas razões que devem f icar bem compreendidas . Ninguém inicia uma

ref lexão c ien t í f ica ou acadêm ica a par t i r do ponto zero . O mais co m um

é iniciar qualquer trabalho ou esforço de reflexão científ ica a partir de

conquistas ou questionamentos que já foram levantados em trabalhos an-

teriores. Mesmo que para crit icá-los.

Partir do pressup osto de que voc ê foi o prim eiro e único qu e se prop ôs

a iniciar uma cam inhada de reflexão através de determinado tem a seria ou

prepotência ou ingenuidade. De fato, sempre que um pesquisador estiver

definind o um tem a, deve procurar realizar um levantam ento exploratório

da bib liogra fia já e xistente. Pod e até se dar que o seu recorte temátic o se ja

efetivam ente original ou em certa me dida pioneiro, mas sem pre existirão

recortes aproximados percorridos por autores anteriores que merecerão

ser considerados para um posicionamento perante o problema.

Neste sent ido, a idéia de uma Revisão Bibl iográf ica é enunciar al -

guns dos "interlocutores" com os quais você travará o seu diálogo histo-

— 54 —

Page 56: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 56/238

3. Rev isão B ib l iográ f i ca

r iográfico e científ ico. Estes interlocutores consti tuirão parte da r iqueza

de seu t rabalho, e não con vém negl igenciá- los .

Por outro lado, proceder a uma cuidadosa revisão da literatura já exis-

tente é evitar o constrangimento de repetir sem querer propostas já reali-

zadas ou de acrescentar muito pouco ao conhecimento científ ico. A revi-

são da literatura já existente sobre determinado assunto poderá contribuir

precisam ente para apo ntar lacunas que o pesqu isador pod erá percorrer de

ma neira inova dora, além de fun ciona r com o fonte de inspiração para o de-

lineamen to de u m recorte temático original. Ao se elaborar esta revisão da

literatura a partir de um espírito crítico poderão surgir ainda retificações,

contestações, recolocações do problema. A Revisão Bibliográfica, enfim,

contribui para aperfeiçoar uma p roposta temá tica inicial.

3 .2 . Que l i v ros inc lu i r na Rev isão B ib l iográ f ica?

A tarefa da Revisão Bibliográfica não é

  listar

  todos os livros que fo-

rem importantes para o seu tema (isto poderá ser feito no final do Projeto

de Pesquisa, em um i tem cham ado "B ibl iograf ia" ou "Referências Bibl io-

gráficas") . O que se ped e na Revisão B ibliográfica são

 com entários críti-

cos

  sobre alguns itens da bibliografia existente que você considera parti-

cularmente importantes, seja para neles se apoiar, seja para criticá-los.

Tam bém não é possível comentar  todos  os livros que serão importan-

tes para o seu trabalho, um a vez que isto consum iria mu itas e m uitas pági-

nas do seu texto, produzindo com isto uma dispersão em relação aos ver-

dadeiros objetivo s de síntese que deve m po ntuar um Projeto de Pesquisa.

As obras a serem discutidas na Revisão Bibliográfica devem ser reduzi-

das pruden tem ente às mais valiosas para a investigação e para a colocação

do proble m a. Em última instância, trata-se apen as de pon tuar o seu posi-

cio na m en to e m relação ao atual estado da questão a ser estudada, além de

m ostrar que você está perfeitame nte a par da bibliografia já existente.

Neste sent ido, vale lembrar que, ao mostrar em seu Projeto uma re-

visão bibl iográf ica sat isfatór ia , o pesquisador es tará apresentando uma

espécie de "cartão de visitas" pronto a atestar simultaneamente a serie-

dade de seu t rabalho e um nível adequado de conhecimento para o t ipo

de trabalho que pretende realizar .

— 55 —

Page 57: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 57/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

Na Revisão Bibl iográf ica devem aparecer tanto obras que apoiem o

caminho propos to pe lo pesquisador , funcionand o com o um a base a par-

tir da qual ele se erguerá para enxergar mais longe, como também obras

às quais o pesquisador pretende se contrapor. Pode-se dizer que, com a

elaboração da Revisão B ibl iográf ica, o pesqu isador bu sca apoios e con-

tras tes. Note-se, a inda, que é possível haver concord ância com algum as

das proposiçõe s de uma obra e discordância em relação a outras proposi-

ções desta m esm a obra. A Revisão B ibl iográf ica, em úl t im a instância, é

um e xercício de crítica. A travé s dela, o autor busca se us interlocutores.

A escolha de obras que deverão f igurar em um a R evisão Bibl iog ráf i -

ca acerca de determ inado tem a é desde já um a questão de bom senso. Se

convém me nciona r obras que já se tom ara m cláss icas , é impo r tante tam -

bém m enciona r obras novas e atualizadas. Este últ imo pa rticular irá ates-

tar, adicionalme nte, q ue o pesquisador es tá perfei tam ente a par dos úl t i -

m os t rabalhos que foram produzidos em torno da sua temática. M ostrar

uma atualização em relação à l i teratura pertinente ao seu objeto é, além

de uma obr igação, uma necessidade vi tal para o pesquisador que ambi-

ciona produzir um trabalho sério.

Um t ipo de texto publ icado que não deve ser esquecido na Revisão

Bibl iográf ica (e também na l is tagem bibl iográf ica ao f inal do Projeto)

são os art igos de per iódicos especial izados. E ntend e-se por "per ió dico s"

as publ icações que reaparecem após cer to lapso de tempo

21

. Normal-

mente es tas publ icações ocorrem a intervalos regulares . Neste sent ido,

e tam bém con form e o conteúd o por elas enc am inhad o, exis tem diversos

t ipos de per iódicos, desde os "magazines" até os jornais da imprensa

diária

22

. Mas os t ipos de per iódicos que interessam m ais par t icularmen te

a um pesquisado r ou estudioso de qualquer área são as "revis tas especia-

21. Miriam L ifchitz Moreira LE ITE. "O Periódico: variedade e transformação". Anais d o Museu

Paulista.  São Paulo, USP, 28: 137-151, 1977. p.78.

22.0 "Magazine", por exemplo, é uma alternativa de revis ta que traz uma ênfase nas fotos e

ilustrações, e que abre espaço para a publicidade de bens de consum o. Neste sentido, potenc iali-

za as características comerciais do gênero "revista" (Ana Luíza MARTINS.  Revistas em Revis-

ta . São Paulo: EDUS P, 2001 . p.42). Já o "jornal" comu m é uma pub licação c ujo principal objeti-

vo é informar, embora também contenha espaço para os classificados e, em algumas colunas,

para a reflexão crítica.

— 56 —

Page 58: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 58/238

3. Rev isão B ib l iográ f i ca

l izadas" , os " jorna is" tam bé m especial izados, e ainda os bolet ins de ins-

t i tu ições de pesquisa e anais de congressos que ocorrem regularm ente.

De um modo ge r a l , pode se r f e i t a uma d i s t inção f undamen ta l en -

tre os dois pr incipais gêneros de per iódicos (o " jornal" e a "revis ta") .

"O jornal , de inform ação ma is imediata , teria se enca m inhad o his tor ica-

m en te para a veic ulaç ão diária; já a revista, de elaboraç ão m ais cuidad a e

aprofundando temas , te r ia se encaminhado para a per iod ização sema-

nal , quinzena l , men sal , tr imestral ou semestral , por vezes anua l"

2 3

. Mas

é verdade que, em se t ratando de " jornais especial izados" , es ta dis t in-

ção em term os de per iodicida de de publ icação ou de apro fund am ento de

conte údo tende a se diluir, um a vez que exis tem jorna is especial izados

que têm per iodicidade sem anal e m esm o m ensal , e que há outros , sobre-

tudo r ios meios acadêmicos e e rud i tos , que apresen tam tan ta profun-

didade de conteúdo nos seus ar t igos como as revis tas especial izadas de

sua área.

Nestes casos , o que vai dis t inguir um jornal de uma revis ta é mais

um a que stão de form ato edi tor ial ou de supor te de publ icação. O jornal ,

assumindo um forma to em cadernos com uma d iagramação em co lunas ,

e prefer indo um t ipo de papel m enos sof is t icado, tende a ser ma is rapida-

m en te desca rtável do que a revista (mas este não é certa m ente o caso d os

jornais especializados de t ipo acadêmico, que contêm artigos que os pes-

quisado res costum am guardar) . A "revis ta" , editada em mo delo de enca-

dernaç ão s imilar ao do l ivro e produz ida em papel de qual idade, costu-

ma ser conservada por mais tempo (e cer tamente por muito mais tempo

nos casos das revis tas especial izadas de conteúdo acadêmico)

2 4

.

Para o caso de estudos eruditos, e particularmente no caso de uma

Revisão Bibl iográf ica direcionada a t rabalhos acadêmicos, o que inte-

ressa são os periódicos espe cializados (sejam jornais ou revistas) de con-

teúdo mais direcionado para o es tudo acadêmico ou erudi to . Exis tem,

23. Ana Luíza MA RTIN S, p.40.

24. Vale considerar ainda a definição de Clara ROCHA: "Uma revista é uma publicação que,

como o nome sugere, passa em revista diversos assuntos, o que [.. .] permite um tipo de leitura

fragmen tada, não contínua, e por vezes seletiva" (Clara ROC HA . Revistas L iterárias d o século

XXem Portugal.  Lisboa: Imprensa Nacional, 1985. p.33. Citada por Ana Luíza Martins,  op.cit,

p.45).

— 57 —

Page 59: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 59/238

Page 60: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 60/238

3. Rev isão B ib l iográ f i ca

A presença de periódicos, incluindo os mais recentes, é importante

porque indica que o pesquisador está alerta para as questões que estão

send o discutida s na sua área e em torno da sua tem ática. Em bora u m a bi-

bl iograf ia al icerçada em bons l ivros seja fund am ental , é preciso tam bém

estar atento para o fato de que as grandes p olêm icas do m om ento e as úl-

t imas descober tas não chegam aos l ivros com a mesma velocidade com

que chegam aos per iódicos especial izados, cuja função pr incipal é pre-

cisam ente a de dar um a cont inuidad e a um processo de atualização mais

ime diato do conhe cime nto, ou "passar em revista" todo um saber que está

sendo construído em determinado campo discipl inar .

Em síntese, as razões para o caráter imprescindível da consulta de

per iódicos durante a elaboração de uma revis ta são bastante evidentes .

Em prim eiro lugar, co nfo rm e já foi ressaltad o, um bom livro custa a ser

elabora do por um autor consciente, não contand o com a m esm a rapidez

co m qu e são prod uzid os os artigos em revistas e jorn ais. A lém disto,

quando o l ivro torna-se um clássico na sua área, ou uma obra de reco-

nhec ido valor , é verdad e que ele se ben ef iciará provavelm ente de suces-

s ivas edições , tendo se tornado um a espécie de patr imônio da com unida-

de científ ica. Mas por outro lado este conhecimento terá os seus l imites

de conteúdo associados à data da primeira edição da obra, a não ser que

o autor se emp enh e em reescrever edições atual izadas - o que nem sem-

pre será possível f ace ao jog o do m erc ad o editorial e fac e à própria carga

de atr ibuições do autor que, provavelmente, também estará ocupado em

produzir obras inteiramente novas.

A rede de artigos produzidos em periódicos, ao contrário disto, re-

presenta uma atual ização de conhecimento permanente e a in tervalos

bem m ais cur tos . Em um a rede de art igos produ zidos sobre d eterminad a

temática podemos captar precisamente o debate que se es tabelece entre

os vários autores, pois freqüentemente os artigos inseridos nos periódi-

cos espe cializa dos poss uem um alto teor de crít ica em relação às obras já

cons ol idada s e tam bém em relação aos outros art igos que vão sendo pro-

duzidos. Manter-se a par dos debates que se inserem nos periódicos é

manter-se inser ido em um intercâmbio dinâmico de idéias .

Vale a pena também dispensar uma atenção aos per iódicos já ant i -

gos, pois eles trazem um retrato das grandes polêmicas que foram esta-

belecidas no passado, e que mais tarde ganharam as páginas dos l ivros

— 59 —

Page 61: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 61/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

para serem m ais desenv olvidas . Recu perar uma rede de ar t igos especia-

lizados é recuperar a dinâmica vital de uma elaboração teórica, de uma

contínua reapropr iação de descobe r tas empír icas , e é toma r consciên cia

dos própr ios " lugares de produção" que organizaram pr imordialmente

estas elaborações teóricas e reapropriações empíricas.

Apenas para t razer um exemplo, o desenvolvimento do concei to de

"m odo de produçã o escravista colonial" , tão impor tante para ap rofu nd ar

uma ref lexã o cr í tica sobre o s is tema escravis ta n o Brasi l , ben ef íciou -se

de acurado debate durante a década de 1980 nos congressos de História

e em algumas das mais s ignif icat ivas revis tas his tor iográf icas brasi lei -

ras. A ssim , o nú m ero X III da revista

 Estudos Econômicos,

  publ ica da em

São Paulo no ano de 1983, conta com artigos de alguns dos principais

form uladore s deste concei to e de seus cr í ticos

25

  (entre outros, os artigos

de Jacob Go render , Ciro Cardoso e Rober to Borg es Mart ins) . É v erdad e

que, poster iormente, surgiram l ivros que resumem esta polêmica e su-

m ar iam as vár ias perspect ivas em torno daque la discussão teór ica. O l i -

vro Escravidão e Abolição no Brasil,  organizado por Ciro Flamarion Car-

doso, é um exemplo, par t icularmente o balanço cr í t ico real izado no ca-

pítulo I

26

. M as nada co m o recuperar a própr ia dinâm ica deste debate, re-

consti tuindo a sua intertextualidade.

Por todas as razões antes indicadas, os periódicos especializados re-

presentam u m a discussão de ponta que não pod e ser negl igenciada pelo

pesquisador . Com relação à seleção do que comentar cr i t icamente em

term os de periód icos, va le o que já foi dito sobre os l ivros: não é po ssível

comentar c r i t i camente , ou mesmo mencionar

  todos

  em uma "Revisão

Bibl iográf ica" de Projeto de Pesquisa. Haverá um espaço, no capí tulo

do Projeto referente à l istagem bibliográfica, para o registro de todos os

artigos im portan tes. M as aqui se trata ape nas de integrar cri t icam ente al-

guns i tens indispensáveis para situar o estado amai da questão que será

25. Ciro Flamarion CA RD OS O. "Escravismo e Dinâmica da população escrava nas A méricas";

Jacob GORE ND ER. "Q uestionamentos sobre a teoria econômica do escravismo colonial"; Ro-

berto Borges MA RT INS . "M inas Gerais , século XIX : tráfico e apego à escravidão numa econo-

mia não-exportadora". In  Estudos Econômicos, XIII, n° 1, 1983. p.45 -46 , 7-3 9 e 18 1-209.

26. Ciro F. CARDOSO. "Novas perspectivas acerca da escravidão no Brasil". In   Escravidão e

Abolição no Brasil.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. p. 16-71.

— 60 —

Page 62: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 62/238

3. Rev isão B ib l iográ f i ca

examinada. Comenta-se aqui lo que é fundamental para o t rabalho, seja

como apoio ou como contraste .

Para além dos per iódicos, outro setor de ponta em term os de conhe-

cimento atualizado é consti tuído pelas dissertações e teses. Muitas delas

não foram publ icadas , ou então encontraram edição mais resumida de-

pois de sua defesa, mas cer tamente todas poderão ser buscadas nas bi-

bliotecas das suas universidades de origem. Estabelecer um diálogo com

as teses que se dese nvolv eram em torno de tem áticas af ins com o t raba-

lho que se pretende realizar é não apenas trazer novos elementos para o

debate, mas potencializar a intertextualidade que será construída pelo

pesquisador com a incorporação das "revisões bibl iográf icas" que cada

uma destas teses já traz consigo. É, acima de tudo, inscrever o trabalho

em uma teia que se atualiza ininterruptamente.

3 . 3 . C o m o o r g a n i z a r a R e v i s ã o B i b l i o g r á f i c a ?

Co m relação ao mod o de organizar um a Revisão B ibliográfica de ma-

neira a assegurar coerência e lógica, pode-se subdividi-la em itens relati-

vos aos aspectos ou tipos de obras comentadas. Esta subdivisão em itens,

por outro lado, pode ser apenas implícita - isto é, não pontuada necessa-

riamen te por subtítulos - , correspond endo a um a seqüência lógica de blo-

cos de parágrafos conforme os assuntos que vão sendo discutidos.

Digamos, por exemplo, que o tema de invest igação refere-se à "Re-

pressão à Educação Feminina no Is lamismo Afegão do f inal do século

XX ". De um tema com o es te já se des tacam autom at icamente a lgumas

coordenadas que podem susci tar sucessivos i tens para uma revisão bi-

bl iográf ica. Posso com eçar discut indo obras que abordaram aspectos re-

lacionados à "repressão à educação feminina" de uma maneira geral .

Em seguida, posso discutir a produção científ ica que já existe sobre o "is-

lamismo no século XX", para depois apresentar cr i t icamente obras so-

bre o Afeg anis tão de suas úl t im as décadas. F inalm ente, unindo os vár ios

feixes antes propostos, poderei discutir as obras eventualmente existen-

tes sobre Repressão à Educação Feminina no Is lamismo Afegão. Caso

não exis tam o bras com esta especif icidade, valerá apontar aí um a lacu-

na, que será precisamente preenchida pela Pesquisa proposta.

  61

  —

Page 63: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 63/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

Naturalmente que a organização acima proposta é apenas uma das

muitas al ternat ivas que ser iam possíveis para uma Revisão Bibl iográf i -

ca relacionada ao tema proposto. Seria possível começar com as obras já

existentes sob re o A feg anis tão, partir daí para discutir a literatura já exis-

tente sobre a experiência islâm ica neste país, enfoca r em seguida a radica-

lização fundamentalista que culminou com o governo talibã, para f inal-

mente examinar os seus efeitos sobre a educação das mulheres afegãs.

Conforme se pode ver , não exis te uma única maneira correta de

apresentar a bibl iograf ia já exis tente sobre determinad o tem a - um a ve z

que todo tema incorpora habi tualmente vár ias coordenadas que poderão

ser discut idas na ordem que o pesquisador escolher , e com ênfa ses dife-

renciadas conforme a or ientação que pretende imprimir à Pesquisa.

Pode ser que ele dê m enor ou maior impo r tância a determ inada coorde-

nada, concedendo- lhe menos ou mais espaço de discussão na sua Revi-

são Bibl iográf ica. Is to sem pre será um a decisão do autor . Rig orosa m en-

te, os caminhos percorridos para a realização de uma revisão crít ica da

li teratura existente são escolhas do pesquisador, bem como a sua dosa-

gem. O importante é que ele sinta que a literatura relacionada ao seu tema

foi discutida nos seus principais aspectos.

Pode-se optar ainda por outras formas de organização da Revisão

Bibl iográf ica que não sejam necessar iamente aquelas que ordenam por

assuntos ou subtemáticas , conforme foi expl ici tado acima. É possível ,

por exemplo, construir um balan ço his tor iado de um a questão, m ostran-

do com o ela vem sendo t ratada a par t i r de mom entos anter iores da his to-

r iogra fia ou da li teratura existen te até cheg ar ao prese nte do próp rio p es-

quisador, quando então ele irá comentar as polêmicas mais atuais. Esta

al ternat iva pelo balanço do dese nvolvim ento his tórico da questão tem a

vantagem de mostrar que as teorias e polêmicas atuais são resultados de

teorias e polêmicas anteriores, com as quais estão em relação de desen-

volvimento ou de ruptura.

E possível ainda jun tar as dua s alternativas antes citadas ("org aniz a-

ção por subtemáticas" e "balanço his tor iado da questão") . Procede-se

neste caso a um a divisão m ais ampla por subtemáticas , agru pan do l ivros

e ar t igos af ins nos vár ios conjuntos separados de parágrafos (pode ser

oportuno separar entre si estes blocos de comentários através de sinais

como os "aster iscos") . Mas dentro de cada grupo busca-se organizar a

— 62 —

Page 64: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 64/238

3. Rev isão B ib l iográ f i ca

questão sob a form a de balan ço his tor iado, come ntando i tens mais ant i -

gos antes dos mais recentes e reveland o aí um processo de cont inuidade s

e rupturas.

Por exemplo, retomando o exemplo anter ior sobre "a repressão à

educação feminina no is lamismo afegão do f inal do século XX", posso

dedicar um bloco de parágrafos para discut i r obras que têm abordado a

"repress ão à educa ção fe m inin a" de um a maneira geral , e um outro para

discutir obras sobre o "Islam ism o no século XX ". Ma s dentro de cada um

destes blocos posso estabelecer uma discussão his tor iada, comentando

inicialmente as obras e perspectivas mais antigas até chegar às obras e

perspect ivas mais recentes .

Exis tem ainda muitas outras form as de dar um a organização lógica e

coerente à Revisão Bibl iográf ica. Agrupamento por "âmbitos teór icos"

(pr imeiro co m entar as obras m arxis tas qu e trataram a questão, depois as

estrutural is tas , e ass im por diante) ; "agrup am entos por af inidade no t ra-

tamento do tema" ( independente da f i l iação teór ica) ; ou mesmo estabe-

lecer um a divisão por gêneros bibl iográf icos , pr imeiro me ncion ando os

livros propriamente ditos e depois os periódicos. Estas e muitas outras

maneiras de organizar a "Revisão Bibl iográf ica" são igualmente vál i -

das. O que importa é estabelecer um padrão de organização interna, e

não s im plesm ente i r regis t rando com entár ios sobre livros diversos à me-

dida que eles aparecem na cabeça do autor .

3 .4 . D is t inção en t re B ib l iogra f ia e Fontes

Compreendidas as al ternat ivas de organização para es te capí tulo , é

preciso ainda chamar atenção para uma confusão que f reqüentemente

aparece na "Revisão Bibl iográf ica" de alguns projetos de Histór ia . De-

ve-se ter sempre em mente a dis t inção entre "fontes" e "bibl iograf ia"

propr iamente di ta .

A fonte histórica é aquilo que coloca o historiador diretamente em

contato com o seu problema. Ela é precisamente o mater ial a t ravés do

qual o his tor iador examina ou anal isa uma sociedade hum ana no temp o.

U m a fo nte pode pree ncher um a destas duas funçõe s: ou ela é o m eio de

acesso àqueles fatos históricos que o historiador deverá reconstruir e in-

terpreta r (fonte histórica = fon te de inform aç ões sobre o pass ado ), ou ela

— 63 —

Page 65: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 65/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

mesma.. . é o próprio fato histórico. Vale dizer , neste últ imo caso consi-

dera-se que o texto que se es tá tom ando naqu ele m om ento co m o fon te é

já aquilo que deve ser analisado, enquanto discurso de época a ser deci-

f rado. Neste sent ido, a fonte pode ser vis ta como "tes temunho" de uma

época e como "discurso" de uma época.

Há algum tem po atrás, cha m ava m -se as fontes de época das quais os

his tor iadores se ut i l izavam de "fontes pr imár ias" ou de "fontes de pr i -

me ira mão". H oje se ass inala a tendênc ia a ut i lizar s implesm ente a d eno-

minação "fonte" para a documentação his tór ica de todos os t ipos . Tam-

bém é ocas ionalmente empregada a expressão "documento h is tór ico" ,

que hoje em dia é prat icamen te um sinô nim o de "fonte his tór ica" - em -

bora os his tor iadores es tejam p refer indo ut i l izar cada vez m ais no lugar

de "documento" a expressão "fonte" que, além de ser uma expressão

m ais abrangente, é menos associável às prát icas his tor iográf icas do pas-

sado ( "docum ento" tomado exclus ivamente com o uma espécie de "pro-

va" ou " tes temunho do que aconteceu", à maneira posi t iv is ta)

27

.

De mo do bem dis tinto , a "bib l iogra f ia" propr iam ente di ta const i tu i o

con junto daquelas outras obras com as quais dialogam os, seja para nelas

nos apoiannos ou para nelas buscarmos contrastes . Não são obras que

func iona m com o mater ial d ireto para o es tudo do tema. São obras e scr i -

tas por outros autores que ref let i ram sobre o m esm o tema que tom am os

para es tudo, ou que contém de senv olvim entos teór icos impor tantes para

o nosso trabalho.

É este t ipo de biblio grafia que dis cutim os no capítulo relativo à "R e-

visão Bibl iográf ica" . Trata-se, como dissemos até aqui , de es tabelecer

um diálogo c om outros autores , de com para r os seus pontos de vis ta com

os nossos para buscar apoios e contrastes , de respaldar alguma s opiniões

que não queremos emitir sozinhos, de reaproveitar as idéias destes auto-

res no contexto de nosso trabalho para torná-lo mais r ico, mais plural ,

in terconectado com a com unidade cient í f ica da qual fazem os parte . Se o

lugar para a indicaç ão deste diálogo co m a "li tera tura" existente é a "R e-

visão Bibl iog ráf ica" , já as "fon tes" não devem ser descr i tas ou aval iadas

27. Sem falar ainda que a palavra "documento", de origem jurídica, parece remeter apenas a um

certo tipo de documentação escrita, em detrimento da enorme variedade de fontes que hoje são

utilizadas pelos h istoriadores.

— 64 —

Page 66: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 66/238

3. Rev isão B ib l iográ f i ca

neste m esm o capí tulo do Projeto . Para elas deve ser reservado um capí-

tulo especial , ou então inco rporar a sua desc rição e avaliaçã o ao capítulo

relativo à "M eto do log ia" (em muitos projetos es te capí tulo recebe a de-

s ignação de "Fontes e M etodolog ia") . Deix arem os para falar nos aspec-

tos relativos à con sti tuiçã o do

  corpus documental

  (co nju nto de fontes) , e

à sua integração ao Projeto de Pesquisa, no momento opor tuno.

O mesmo que foi observado em relação à dis t inção entre bibl iogra-

f ia e fontes deve ser observado com relação à dis t inção entre

  periódi-

cos

  ut i l izados como "bibl iograf ia" e per iódicos ut i l izados como "fon-

tes" . Valem alguns esclarecimentos .

Entre os diversos t ipos de docu m entaçã o à disposição do his tor iador

para constru ir a sua análise historio gráfic a po de se dar que - dep end en-

do do obje to de estud o - as revistas, jorn ais, m ag azin es e outros t ipos de

per iódicos const i tuam precisamente fontes pr ivi legiadas para que este

historiador se aproxime de uma época ou de uma situação histórica.

De fato , o his tor iador pod e lançar m ão dos per iódicos para com pre-

ender uma sociedade "através de registro múltiplo: do textual ao icono-

gráf ico; do extratextual - reclame ou propaganda - à segmentação; do

perf i l de seus propr ietár ios àquele de seus con sum idores"

2 8

. O mais ba-

nal m agaz ine, e talvez exatam ente por causa desta banalidade, constituir-

se-á para ele em uma fonte privilegiada para perceber a vida cotidiana,

os padrõe s de consum o, o vocab ulár io de um a sociedad e, os seus mo dos

de pensamento, sensibi l idade e representação.

No outro extremo, a própria "revista especializada" pode vir a se

consti tuir em ex celente fo nte para com preen der um setor social que se re-

laciona a este t ipo de publicação e de leitura. Uma tese sobre "o pensa-

m ento his tor iográf ico brasilei ro na segunda m etade do século XIX " terá

como fontes obr igatór ias a

  Revista do IHGB .

  Atente-se porém para o

fato de que, neste caso, estarei uti l izando o periódico como fonte, e não

como bibl iograf ia de apoio.

Se pretendo compreender o pensamento dos historiadores que no sé-

culo XIX se filiavam ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, esta-

rei exam inando as revistas desta época com o fon tes para analisar o discur-

28. Ana Luíza MARTINS,  op.cit.  p.21.

— 65 —

Page 67: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 67/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

so historiográfico de então, a posição polít ica de seus enunciadores, os

seus com prom etime ntos polít icos, e assim por diante. Pode se dar , porém ,

que eu uti l ize nesta mesma tese textos de historiadores atuais que foram

publicados na revista do IHGB, mas agora para estabelecer um diálogo

historiográfico com estes autores, meus contemporâneos, em tomo de

m eu ob jeto de estudo. Ne ste caso, já se trata de uti lizar o periódico com o

bibliografia de apoio. En quan to na primeira situação tratava-se de exa m i-

nar o pensa m ento da época para compre ende r a sociedad e que o produziu,

já na segunda situação lanço mão de textos atuais para enriquecer uma

discussão bibliográfica sobre uma sociedade do século XIX. Em outras

palavras, neste último ca so estarei em prega ndo os artigos dos periódicos

como textos com os quais concordo ou dos quais discordo.

Em vista do que foi visto até aqui, é fácil entender que no capítulo

Revisão B ibl iográf ica de um a tese sobre a his tor iograf ia oi tocent is ta só

deverão ser m encio nad os os textos que se enq uad ram nesta úl t ima s i tua-

ção ( textos atuais que discutem a historiografia do século XIX). Quanto

aos própr ios textos do século XIX que foram publ icados pela

  RIHGB,

estes deverão ser relacionados no capí tulo "Fontes e Metodologia" de

um Projeto , pois se referem às fontes pr imár ias que serão t rabalhadas

pelo historiador e sobre as quais se farão incidir metodologias específ i-

cas de análise.

— 66 —

Page 68: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 68/238

4

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS

4 .1 . Just i f ica t iva

Algumas vezes , o pesquisador que elabora um Projeto de Pesquisa

confunde inadver t idamente os elementos que dever iam f igurar no capí-

tulo "Just i f icat iva" com aspectos do capí tulo "Objet ivos" . Mas exis te

uma diferença bastante s ignif icat iva entre a expressão "por que fazer" ,

que se refere ao capí tulo "Just i f icat iva" , e a expressão "p ara que faz er" ,

que se refere ao capí tulo "O bjet ivo s" . "Po r que fa ze r" (ou a "Justi f icat i-

va") refere-s e às motivaç ões qu e o conduziram a propo r a Pesquisa, e às

razões que sustentam a sua pers is tência em real izá- la . "Para que fazer"

(ou "Objet ivos") corresponde às f inal idades que você pretenderá ter

atingido quando a pesquisa t iver sido realizada. O que separa "Por que

faz er" de "Pa ra que faz er" (ou "Just i f icat iva " de "Obje t ivos") é algo da

mesma ordem daquilo que separa "motivações" e "intenções". Posto isto,

é claro que ao prop or ob jet ivos intere ssantes e releva ntes voc ê já es ta-

rá , de um modo ou outro , a judando a esclarecer a impor tância da sua

Pesquisa, o que produz em úl t ima instância uma interação efet iva entre

estes dois capítulos do Projeto.

Outra confusão f reqüente é entre o conteúdo da "Delimitação do

Tema" e o da "Just i f icat iva" . Como estes capí tulos sucedem-se na or-

dem habi tual de um Projeto de Pesquisa, muitos acabam por se ut i l izar

equivocadamente do capí tulo Just i f icat iva para cont inuar a descrever o

tema e a explicitar o recorte temático. O objeto da pesquisa, na verdade,

deve ser mais adequadamente discut ido no seu lugar apropr iado, e não

neste capí tulo que tem um a fun ção mu ito específ ica no Projeto , confo r-

me se verá a seguir .

Justif icar um Projeto é convencer os seus leitores da sua importân-

cia, da sua relevância acadêmica e social , da viabilidade da sua realiza-

— 67 —

Page 69: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 69/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

ção, da pertinência do tema proposto. Pode-se investir , ainda, no con-

vencim ento do s leitores com relação ao fato de que voc ê é o pesqu isado r

ideal para realizar tal Pesq uisa, já qu e possui certas exp eriên cias e níveis

formativos. Vale a pena, por f im, mostrar neste capítulo a originalidade

do Tem a, inclusive apontand o lacunas que foram ou serão evidenc iadas

pela Rev isão Bib l iográf ica e ind icando-as co m o um a jus t i f ica t iva ad i -

cional para o Projeto.

O Quadro 4 s intet iza alguns dos campos que podem aparecer no ca-

pí tulo "Just i f icat iva" . Ta m bém aqui o capí tulo pode ser organizad o por

subitens explicitados no texto (relevância social , relevância acadêmica,

originalidade, viabilidade, etc.) . Ou, de outro modo, estes aspectos po-

dem apenas conduzir a organização dos parágrafos deste capí tulo do

Projeto, mas sem se optar pela pontuação de t í tulos subdividindo o tex-

to . Também não exis te uma ordem melhor do que as outras . Começare-

mos, a tí tu lo de exem plif icação , com o aspecto da relevância social.

Ao abordar atrás as questões relativas à escolha do tema, vimos que

a relevância social e a impor tância acadêmica de um tema trazem sem-

pre consigo um a dime nsão de relatividade. Um tem a é cons iderado soci-

almente relevante a par t i r dos olhares ancorados e m u m lugar e em um a

época . E é cons iderado academicamente re levante a par t i r das prá t i -

cas de uma determinada comunidade his tor iadora, ou mesmo de algu-

mas tendências da Inst i tu ição visada. Deste modo, in ter ferem decis iva-

me nte no "reco nhec ime nto de relevânc ia" tanto a socieda de inscr ita em

um determ inado tem po e circunstâncias , com o a real idade acad êm ica ou

profissional que se ergue em torno do historiador. De uma Insti tuição a

outra, por exemp lo, marge ns de acei tação ou rejeição de um tem a ou de

uma l inha interpretat iva podem mudar . E um tema que esteve na moda

há dois ou três anos atrás pode hoje sofrer resistências, para retornar no

futuro ao t ime dos mais relevantes.

Com o o capí tulo "Just i f icat iva " de um Projeto tem a funç ão de con -

venc er o leitor da imp ortânc ia e até nec essida de de realizaçã o da P esqu i-

sa, convém ao proponente de um Projeto de História desenvolver para si

mesmo uma ref lexão s incera sobre os l imites sociais e acadêmicos que

ele e seu tema deverão enfrentar . A arte de convencer reside, de certa

forma, nesta capacidade de se colocar no lugar do outro, de enxergar o

— 68 —

Page 70: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 70/238

4. Jus t i f i ca t i va e Obje t i vos

Q u a d r o 4 :  Itens para o capitulo Justificativa de um Projeto

R elevân c ia S o c ia l

( P o r q u e o s e u t e m a o u a s u a

p e s q u i s a é s o c i a l m e n t e i m p o r t a n t e ;

q u a i s o s b e n e f í c i o s q u e p o d e m

r e v e r t e r p a r a a s o c i e d a d e ; e t c . )

V i a b i l i d a d e

( P o r q u e a s u a p e s q u i s a é c o n c r e t a m e n t e v i á v e l n a s c o n d i ç õ e s

p r o p o s t a s . C i t a r f a c i l i d a d e d e a c e s s o à s f o n t e s ( e m a r q u i v o s )

I o u e m e d i ç õ e s i m p r e s s a s ) , a r q u i v o s e b i b l i o t e c a s q u e p o d e r ã o

s e r v is i t a d o s , f o r m a ç õ e s o u p o t e n c i a l i d a d e s c u r r i c u l a r e s q u e o

c r e d e n c i a m a e m p r e e n d e r a p e s q u i s a p o r p o s t a , e t c . )

P er t in ên c ia d o T em a

( M o s t r a r q u e o s e u t e m a é

c o n g r u e n t e , v a l e c i t a r

a u t o r e s q u e a s s i n a l a r a m

c a m i n h o s s i m i l a r e s e m

o b r a s a n t e r i o r e s )

Or ig in a l id ad e

( O q u e a s u a p e s q u i s a o u o s e u o b j e t o t r a z

p a r t i c u l a r m e n t e d e n o v o , s e j a e m t e r m o s

t e m á t i c o s , e m t e r m o s t e ó r i c o s , o u e m

t e r m o s m e t o d o l ó g i c o s )

R elevân c ia C ien t í f i ca e A cad êm ica

( P o r q u e o s e u p r o j e t o o u a s u a p e s q u i s a ó i m p o r t a n t e

d o p o n t o d e v i s t a a c a d ê m i c o : q u e l a c u n a s n a b i b l i o g r a f i a

j á e x i s t e n t e e l e v i r á p r e e n c h e r , q u e c o n t r i b u i ç õ e s

p o d e d a r a d e t e r m i n a d o c a m p o d a H i s t o r i o g r a f i a )

mundo através dos olhos do outro para, a partir daí, perceber que argu-

mentos melhor abr irão caminhos para uma acei tação da proposta que se

quer fazer passar . Escolhido um tema cuja relevância seja de algum

modo sustentável em vista dos leitores visados, o autor do Projeto deve

no capí tulo "Just i f icat iva" reunir argumentos a favor de seu tema.

Justif icar um tem a é antes de tudo assinalar as suas conexõe s. Pode-se

conectá- lo com outras pesquisas , com os avanços recentes do campo de

saber em referência, com a bibl iograf ia já con sol idada, com as necessi-

dade s de preench er lacunas de conhecim ento, com as possibi l idades efe-

tivas de levá-lo adiante (via bilidade). . . e, acim a de tudo , mostra r as suas

con exõe s sociais . A im portância de um tem a a ser t rabalhado cresce sen-

s ivelmente à medida que conseguimos l igá- lo ao mundo externo, pois

ele deixa de ser mero diletantismo ou exercício de erudição para se tor-

nar uma necessidade, algo que precisa ser feito.

Pode-se com eçar por mo strar com o a Pesquisa proposta trará um be-

nef ício efet ivo para a sociedade. São comuns as argumentações de que

tal ou qual tema favore cerá a elaboraçã o de um a maior conscient izaçã o

social acerca de determ inado pro blem a de importância recon hecida . Estu-

dar o nazism o - es te aco ntecim ento tão t raumático para a his tória m un-

dial - parece vir carregad o de relevância social em um a hum anida de que

— 69 —

Page 71: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 71/238

Page 72: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 72/238

4. Jus t i f i ca t i va e Obje t i vos

cias possíveis , os m ecan ismo s de sol idar iedade que conseguem sobrevi-

ver em uma estrutura polít ica de intolerância e autoritar ismo. Compre-

ender o nazism o da pr imeira m etade do século XX , por outro lado, pode

aju da r a com preen der o neonazism o deste f im do século, ou oferecer um a

opor tunidade comparat iva para entender as poster iores ondas de xeno-

fob ia na Eu ropa , de fana tism o de direita, de intolerância po lít ica e racial .

Tu do is to poder ia ser evocado c om o argum entaçã o para sustentar a rele-

vância social de um tema enquadrado dentro do nazismo.

De fen der a relevância social de um tem a é por tanto conectá- lo com a

sua presu m ível im por tância para a socieda de que está em torno, evi tan-

do que a at ividade cient í f ica permaneça isolada pelos muros da Acade-

mia ou qu e se torne mero exercício de erudição. Pode-se faci lm ente sus-

tentar a relevâ ncia d e estudo s voltado s para as m inoria s ou para as maio-

rias oprim idas de qualquer temp o em um a sociedade que se entenda c om o

dem ocrát ica. Um estudo sobre as m ulheres de cer ta sociedade em deter-

m ina do e spaço e tem poralidade po de ser justif icad o, antes de tudo, com o

um estudo que contr ibui para a compreensão da mulher de maneira ge-

ral . Sustenta-se como just i f icável um estudo sobre uma comunidade in-

dígena, com b ase na lemb rança de que os pov os indígenas estão perm a-

nentemente ameaçados de ext inção ou de acul turação.

Pode a inda ser evoca do o apelo da nacional idade , da necessidad e de

contribuir para a construção da identidade sociocultural mais imediata.

Os tem as relacionad os à Histór ia do Brasi l ocu pam , de fato , a m aior por-

centagem da produção his tor iográf ica deste país . Mas os brasi l ianis tas

americanos também estudam a nossa real idade social nos seus vár ios

m om ento s his tór icos , mostrand o qu e todas as his tór ias pod em ser escri -

tas por historiadores de todos os lugares. De modo similar , os historia-

dores brasi lei ros também estudam a Histór ia Antiga e Medieval , a His-

tória da África, ou qualquer outro objeto em que encontrem interesse.

Por outro lado, não deve haver um a preocup ação tão excessiva com a

aparente relevânc ia social de um tem a a ponto de inviabilizar o exam e de

temas históricos que se mostrem interessantes, embora revelem menor im-

pacto social. Para além da implicação social mais imediata, é preciso ter

em mente que nenhum tema é a princípio descartável, e que existe tam-

bém a dimensão da "relevância acadêmica". Grosso modo, possui rele-

vância do ponto de vista acadêm ico qua lquer objeto de estudo que se abra

para o preenchimento de uma lacuna já identif icada pelo historiador.

— 71 —

Page 73: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 73/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

De fato , const i tu i ó t imo argumento a favor da relevância cient í f ica

de um tema remeter às lacunas bibliográficas relativas ao assunto ou

âmb ito temático. Costum a-se, por is to , cr iar um a conex ão en tre es ta par-

te do capí tulo "Just i f icat iva" e a "Re visão B ibl iog ráf ica " local izada em

outra par te do Projeto . Pode-se argumentar algo ass im, por exemplo:

"conforme veremos na Revisão Bibl iográf ica apresentada noutra par te

deste Projeto , exis te uma lacuna de obras his tor iográf icas direcionadas

para o enfoque proposto " . Dizer que um cer to tema já foi d iversas v ezes

explorado, mas nunca co m o apor te teór ico ou metodo lógico q ue co nst i -

tuirá precisam ente a contr ibuição da Pesquisa propos ta, ou que, em que

pese o tem a não ser inédito, pela prime ira vez ele será percebid o atravé s

das fontes agora escolhidas para serem exam inada s - isto tam bém é sus-

tentar a relevância cient í f ica ou acadêm ica de um tema .

Existe ainda a possibil idade de co nectar a relevância científ ica de um

tema com os desenvolvimentos recentes do campo científ ico em que se

insere a Pesq uisa. Em H istória, por exem plo, os estu dos interdisciplinares

consti tuíram uma conquista fundamental do últ imo século, e naturalmen-

te ainda existe muito a fazer em termos de trazer para a historiografia

abordagens e perspectivas originárias de outros campos do saber. Desta

forma, uma pesquisa histórica de âmbito interdisciplinar encontra exce-

lentes argume ntos de relevância científica no simples fato de que está pron -

ta a promover um diálogo da História com esta ou aquela Ciência.

Relevância mais propr iamente "acadêmica" do que cient í f ica é as-

sociar o seu tema a uma das " l inhas de pesquisa" contempladas pela

Inst itu ição a quem se dir ige o Projeto . Argum enta r qu e a pesquisa q ue é

propo sta irá se integrar a um a rede de pesqu isas q ue já existe na Insti tui-

ção, ou me sm o fora dela, pode produzir um efei to s ignif icat ivo. De fato ,

quebrar o isolamento de uma pesquisa inter l igando-a potencialmente a

outras é semp re promissor , pois é inegável que o diálogo acad êm ico ten-

de a enr iquecer qu alquer objeto de es tudo. M ais um a vez, " just i f icar um

tema é apontar as suas conex ões" .

Se esta não for suficienteme nte clara, é preciso ainda justif ic ar o tem a

em termos de sua "pertinência". B usca-se m ostrar , de algum m odo , a sua

congruência, e vale para tal fim citar autores anteriores que assinalaram

caminhos que agora serão efetivamente seguidos. Deve-se, contudo, evi-

tar repetições. Se a Revisão Bibliográfica já discutiu estes caminhos em

— 72 —

Page 74: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 74/238

4. Jus t i f i ca t i va e Obje t i vos

aberto, tratar-se-á, aqui, apenas de estabelecer mais uma conexão. Da

m esm a form a, se o capítulo "Delim itação T em ática " já deixo u clara a per-

tinência do tema proposto, não é preciso retornar a este aspecto.

Qu anto ao "qu esito originalidade", que pode vir a se constituir em ex-

celente justif icativa para um tema, valem as consideraçõ es já assinaladas

na ocasião em qu e faláva m os dos critér ios a serem levad os em co nta para

a escolha do tema. Ser original, como dizíamos, nem sempre implica em

partir de um recorte temático inteirame nte novo, pois a originalidade p ode

estar presente em qu alquer um a das muitas dime nsões da Pesquisa, desde

as fontes utilizadas até a maneira de trabalhar estas fontes, e desde as co-

nexõ es teóricas estabe lecidas até as interpretações p ropostas.

A "v iabilidade", p or f im, é fator funda m ental para justif ica r um a pes-

quisà. De ve-se c onv ence r aos lei tores de um p rojeto que a pesquisa pro-

posta é viável, isto é, que poderá ser concretizada efetivamente. Pode-se

por exem plo m ostrar que as fontes são acessíveis , um a vez que se acham

local izadas em arq uivos qu e o his tor iador poderá f reqüe ntar . Ne ste caso,

vale a pena mencionar que arquivos são estes, qual a sua localização,

que t ipo de fontes cada um deles disponibiliza para consulta. É possível

também trabalhar com fontes impressas e editadas, e, neste sentido, citar

a exis tência de edições conf iáveis mostra-se como um i tem a mais para

reforçar a viab i l idade.

Se uma viagem a outros países ou local idades for imprescindível

para a realização da pesquisa, deve f icar bem claro se o historiador tem

como empreender es ta viagem através de seus própr ios recursos ou se,

com o próprio Projeto, estará requisitando a l iberação de verbas pela

Inst i tu ição f ina nciad ora. Com o se mp re, é preciso ut il izar o bom senso: é

preciso ref let ir sobre até que ponto o atrelam ento da pesq uisa a uma via-

jem previs ta poderá favorecer ou dif icul tar a acei tação do Projeto .

Entra também como argumento para a viabilidade mostrar que o pro-

ponen te do Projeto es tá perfei tam ente apto a real izar a pesquisa proposta

- a r ro lando nes te caso forma çõe s ou po tencia l idades qu e o credenciam

a empreender o t rabalho a ser real izado.

Justif icar um a pesquisa, enfim , é conectá-la argum entativam ente com

tudo aquilo que contribua para revelar a sua relevância, a sua originali-

dade, a sua viabi l idade, a opor tunida de de sua real ização pelo pesquisa-

— 73 —

Page 75: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 75/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

dor que a encaminha. Existe ainda a possibil idade de discorrer sobre a

"just i f icat iva do recor te" no i tem "Just i f icat iva" de um projeto de pes-

quisa em História.

No c apí tulo anter ior, v im os que a determinação p recisa de um recor-

te de tem po - imp rescind ível nas pes quis as em História - dev e ser orien-

tada por um "pro blem a" que se tem em vis ta , e não se pautar em núm e-

ros redondos, em propostas comemorat ivas , ou s implesmente na gratui-

dade. O capí tulo "Just i f icat iva" também pode incluir um i tem para ex-

plicitar os critér ios que levaram o pes qu isad or a optar por um dete rm ina-

do recorte de tempo.

Por outro lado, este t ipo de "justif icativa do recorte" também pode

aparecer no próprio capítulo referente ã "Delimitação da Pesquisa". Ao

m esm o tem po em que apresenta ou constitui o seu recorte, o historiador já

pode ir justif icando -o, não precisando nec essariame nte esp erar pelo capí-

tulo "Justificativa" para explicitar os critérios que orientaram as suas es-

colhas temporais. As du as alternativas são igualmen te válidas ( justif icar o

recorte no capítulo relativo à "Delimitaçã o T em ática", ou deixa r isto para

o capítulo "Justificativa") . O importante é não deixar passar em branco a

oportunidade de esclarecer para o leitor os critérios definidores da pesqui-

sa, mas sempre com o cuidado de não cair em repetições.

Como um l embr e te f ina l , deve- se a t en ta r a inda pa r a a s d i f e r en -

ças en tre a s just i f icat ivas per t inentes a um "Projeto de Pesq uisa " pro-

pr iamente di to e aquelas que podem ser evocadas para sustentar o cha-

ma do "Projeto de Disser taçã o" ou "Projeto de Tese" . O pr im eiro é aque-

le projeto que o pesqu isador enc am inha a um a Inst itu ição propo ndo ini-

ciar uma investigação científica ou um estudo acadêm ico com o seu apoio.

As seleções para Mestrado, e sobretudo as seleções para Doutora do, exi-

gem habi tualme nte es te t ipo de Projeto . Ne ste caso, pressupõe -se que a

pesq uisa ainda não foi iniciada, a não ser em um a fase exp loratória desti-

nada a lançar as bases para o objeto de estudo.

Já o Projeto de Tese ou de Dissertação refere-se a uma pesquisa em

andamento. A maior par te dos programas de pós-graduação das univer-

s idades brasi lei ras l idam com o que se chama de "exame de qual i f ica-

ção", que consis te em um a etapa intermediár ia entre a adm issão d o pes-

quisador no Programa e a defesa de Tese no seu momento terminal . O

— 74 —

Page 76: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 76/238

4. Jus t i f i ca t i va e Obje t i vos

Projeto de Tese - que deve ser defe ndid o pelo pesquisador no seu e xam e

de qual i f icaç ão - pressupõ e um a pesquisa em and am ento, que já es tá

sendo real izada, e seu objet ivo é oferecer à Banca Examinadora um re-

t rato do seu atual encaminhamento, no sent ido de receber sugestões e

contr ibuiçõ es que poderão bene f iciá- lo com acer tos e enr iquecimen tos .

Este úl t im o t ipo de Projeto refere-se por tanto a um seg undo m om en-

to. O Pesquisador já foi aceito pela Instituição, e neste sentido não é mais

p r ec i so ju s t i f i c a r a p r o po s ta exp on do o a ju s t e das suas qu a l i f i c aç õe s

pessoais ao t rabalho a ser real izado. Ao just i f icar a Viabi l idade, deve

m enc ionar a questão do acesso às fontes dentro de um m om ento presen-

te que já vai sendo percorr ido (a es ta al tura, o pesquisador já es tá pro-

vavelmente f reqüentando arquivos) . De cer to modo, entre o "Projeto de

Pesq uisa" e o "Projeto de Te se" de ve ser feito um a juste de l inguagem ,

tanto no capí tulo referente à Just i f icat iva e com o em outros. Pelo m enos

a coleta ou con sti tuição de fon tes já dev e ter sido iniciada, e um a p arte

da análise a ser empreendida.

Dito isto, o pesquisador deve refletir sobre a si tuação de seu Projeto

naquele mom ento , para jus t i f icá- lo adequadam ente .

4 . 2 . O b j e t i v o s

Co m relação ao capí tulo "Obje t ivos " , trata-se de uma seção relativa-

mente s imples do Projeto de Pesquisa. Convencionalmente, os Objet i -

vos são expostos sob a form a de sentenças que se iniciam com verbos na

form a de Inf init ivo. É com um , tamb ém , que eles sejam expostos dentro

de uma l is tagem sucessiva e numerada. Na verdade, o capí tulo "Objet i -

vo s" é o único do Projeto de Pesqu isa qu e tende a ser apres entad o por tó-

picos l is tados (os demais capí tulos devem ser apresentados em texto

cursivo e problematizado) .

Trata -se de um capítulo curto , pelo m eno s nos projeto s de História, e

neste sent ido não convém propo r um a quant idade muito grande de obje-

t ivos . Exis te m esm o um a tendência à supressão deste capí tulo nos proje-

tos m ais s intetizados, mas f req üen tem ente ainda é destacado um capí tu-

lo "O bje t ivo s" nos projetos de pesqu isa que são produzidos para o âm bi-

to acadêmico.

— 75 —

Page 77: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 77/238

Page 78: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 78/238

4. Jus t i f i ca t i va e Obje t i vos

sadores - isto pod e ser m encion ado com o objet ivo específ ico. N o caso

de pesquisas de me strado e doutorado, um p roduto ev idente será a Tese

(texto redigido para registrar a investigação e a análise do pesquisador) .

Como é um produto óbvio (

toda

  pesquisa de doutorado deve desembo-

car na redação de um a tese) , não deve aparecer regis t rado com o objet i -

vo. Contudo, se a Pesquisa i rá gerar adicionalmente um CD-Rom, um

Víd eo ou Banc o de Dados , a concretização destes produtos poderá ser m en-

cionada como objet ivos a serem alcançados. Por exemplo:

1 - Produz ir um víde o constituído pela edição de imagens e depoim en-

tos relativos à vida cotidiana nas com unidad es xiitas.

2 - Produzir um a rquivo de história oral form ado por depoim entos co-

lhidos entre pessoas que conviveram com a realidade de algumas das

comunidades examinadas.

3 - Elaborar um CD-Rom contendo informações detalhadas que não

aparecerão no texto da Tese (etc., etc.).

Em pesquisas relacionadas a campos de conhecimento que não os

das ciências hum ana s (âm bitos das ciências naturais e exatas) ap arecem

mais amiúde os p r odu tos ma te r i a l i zados : a e l abo r ação de uma ma-

qu ete de Enge nha r ia , a produ ção de um a vacina para determ inada doen-

ça, a real ização de um cer to programa de computação, a fabr icação de

determinada aparelhagem científ ica, e outros tantos exemplos. Como nas

Ciências Humanas o objet ivo central é sempre produzir anál ise e ref le-

xão, os subprodutos da pesquisa são quase sempre suportes de texto e de

informação .

A Tese - que em um cam po com o a M icrobiologia ou a Fís ica pode

even tualm ente vir a se const i tu ir apenas em u m "rela tór io" que não é ne-

cessar iam ente o ma ior objet ivo da pesquisa - é nas ciências hum anas o

objetivo últ imo. Em última instância, o que o pesquisador das ciências

humanas produz é uma ref lexão sobre a sociedade e sobre o homem.

Esta ref lexão será necessar iam ente regis trada sob a form a de texto para

ser comunicada a outros (ou sob a forma de outros t ipos de suporte de

comunicação , como o CD-Rom ou Vídeo , embora a inda não se tenha

not ícia de uma Tese apresentada sob esta modal idade) .

Em vista das especificidade s de cada tipo de ciência, o capítulo "O bje-

t ivos" pode v i r a se cons t i tu i r em um capí tu lo menos ou mais impor -

tan te . É bo m lemb rar a inda que , em determ inados m odelos de Pro je to ,

— 77 —

Page 79: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 79/238

Page 80: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 80/238

4

Q U A D R O T E Ó R I C O

5 . 1 . I n t e r a ç õ e s e d i f e r e n ç a s e n t r e Q u a d r o T e ó r i c o e

M e t o d o l o g i a

Na elaboração de projetos de pesquisa, costuma-se confundir com

alguma f reqüência o "Quadro Teór ico" e o capí tulo "Metodologia" . A

base de stas hesita çõe s entre o que é um a coisa e o que é outra é um a co n-

fus ão ainda m ais primo rdial entre "teoria"* e "m etod olog ia" - dois cam -

pos qu e, embora em algumas ocasiões ofereçam fronteiras

 difusas,

 são bem

distintos um do outro.

Esta confusão entre teor ia e metodologia ocorre mais amiúde nas

pesquisas da área das Ciências Humanas . Na área das chamadas Ciên-

cias Exatas , a dis t inção entre " teor ia" e "método" torna-se mais óbvia,

porqu e a " teo r ia" assum e um caráter mais abstrato (cujo extremo é a for-

mulação matemát ica) e a "metodologia" assume um cará ter mais con-

creto , envolvendo técnicas mais diretas de medição ou exper imentação

e também aparelhagens diversas . Já nas Humanas, nem a teor ia é ass im

tão abstrata, ne m a meto dolo gia é tão conc reta

30

, o que por veze s dá mar-

gem a hesi tações d iversas . Procurarem os então, antes de abordar possi-

bi l idades para a construç ão de um "Q uad ro Teó r ico", d iss ipar qu aisquer

dúvidas envolvendo estes aspectos .

A "teor ia " rem ete a um a maneira de ver o mun do ou de com preender

o cam po de fenôm enos que estão sendo exam inados. Rem ete aos concei-

tos* e categor ias* qu e serão empreg ados para encam inhar uma determi-

30. Para o caso da Metodologia, pode-se considerar por exemplo que um "quadrado semiótico"

- instrumen to de análise emp regado em C iências Huma nas com o a Lingüística, a Psicanálise ou

a História - é meno s concreto, no sentido mesm o de materialid ade, do que um barómetro utiliza-

do na Meteorologia ou um telescópio na Astronomia.

— 79 —

Page 81: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 81/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

nada leitura da realidad e, à rede de elaboraç ões m enta is já f ix ad a por ou-

tros autores (e com as quais o pesquisador irá dialogar para elaborar o

seu próprio quadro teórico). A "teo ria" remete a generalizações, ainda que

estas general izações se dest inem a serem apl icadas em um objeto espe-

cif ico ou a um estudo de caso del im itado pela pesquisa.

Já a "metodologia" remete a uma determinada maneira de trabalhar

algo, de eleger ou constituir materiais, de extrair algo destes m ateriais, de

se movimentar sistematicamente em torno do tema definido pelo pesqui-

sador. A metodologia vincula-se a ações concretas, dir igidas à resolução

de um problema; mais do que ao pensamento, remete à ação. Assim, en-

quanto a "teoria" refere-se a um "m od o de pensa r" (ou de ver)

31

, a "meto-

dologia" refere-se a um "modo de fazer", ou ao campo de atividades hu-

man as que em f i losof ia denom ina-se práxis*.  Para clarif icar esta diferen-

ça, retomarem os nossa analogia entre a "pes quisa " e a "via gem ", e com e-

çarem os por refletir sobre esta questão a partir de um a m etáfo ra.

Imaginaremos que o nosso objet ivo é real izar a famosa viagem co-

nhecida como "o cam inho de Sant iago de Co m postela " , que para m uitas

pessoas tem um signif icado s imbólico especial e pode-se const i tu ir em

uma singular exper iência de auto- i luminação.

O que leva um a série de pes soa s a percorrer este céle bre cam inho , si-

tuado entre a Espanha e a França, é a "teoria" de que esta peregrinação

trará consigo implicações místicas. Esta crença está alicerçada em mi-

lhares de elaborações mentais anter iores , em depoimentos de pessoas

que já percorreram o cam inho e que se sent i ram i luminad as, e an corada

ainda nesta ou naquela religião (a religião, grosso modo, é um sistema

de pensam entos a par ti r do qual o hom em procura equ acion ar as suas re-

lações com um mundo invisível que ele acredita ser bem real) .

É porque acredi tam ein um mundo para além da real idade f ís ica, e

nas propr iedades míst icas de uma peregr inação através do caminho de

31. "Theoria", para os filósofos gregos da Antigüidade, era a "contem plação". " M ais precisamen-

te, pode-se ver nela simultan eam ente a percepção, o conhecime nto e a aceitação da ordem das coi-

sas" [DELATTRE, P. "Teoria/Modelo". In Enciclopédia Einaudi, 21 (Método - Teoria/Modelo).

Lisboa: Imprensa Nacional, 1992. p.224]. Já em   A Lógica da Pesquisa Cientifica,  Karl POPPER

utiliza a metáfora de que "as teorias são redes, lançadas para capturar aquilo que denominamos 'o

mundo': para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo" (São Paulo: Cultrix, 1995. p.61).

— 80 —

Page 82: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 82/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

Santiago, que anualmente centenas de pessoas se propõem a uma via-

gem à qual não fal tarão as pr ivações e desconfor tos . Pode-se dar tam-

bé m que alguém elabore a sua própr ia teor ia acerca das vantage ns espi-

r i tuais de percorrer o caminho de Santiago, e isto já será suficiente para

qu e inicie esta empreitada, ao lado de outros que já se valem de um a "teo-

r ia" pronta e bem fundamentada em uma rede de elucubrações e depoi-

mentos anter iores .

Suponhamos que somos um destes peregr inos que, ancorados em

u m a d e t e r m i n a d a v i s ã o d o m u n d o e m u n i d o s d e d e t e r m i n a d a s c o n -

vicções religiosas, se propuseram a percorrer o caminho de Santiago. Pa-

ra real izar efet ivamente uma viagem destas , e sair do plano da " teor ia"

para o de uma real ização prát ica e concreta , será preciso que tomemos

um a sér ie de cuidad os e proce dim entos . I rem os a pé ou m ontad os? Com

que t ipo de vestuár io e com que equipa m entos? Se optarm os por um a ca-

m inha da a pé, es ta cam inhad a será efet ivada em que r i tmo de e volução:

a passos i r regulares , a passos medidos, lentamente, mais rapidamente,

al ternando caminhadas lentas com caminhadas mais rápidas , parando a

intervalos regulares ou i rregulares para alimentação e reaba stecime nto?

Como planejaremos os recursos al imentícios e a sua dis t r ibuição pelas

vár ias etapas da viagem? Donniremos ao relento ou em pousadas? Será

preciso fazer reservas?

Estas são decisões me todológ icas . Um a vez que já nos decidim os a

fazer algo, será necessá r io escolher os "m odo s de fazer" , nos m uniciar -

mos dos instrumentos necessár ios a es te "fazer" , p lanejar s is tematica-

m ente es te "faz er" . A escolha de um t ipo de calçado inade quado, de um a

maneira de caminhar inapropr iada, de uma técnica incompatível com o

tipo de solo ou clima - cada uma destas coisas poderá ser responsável

pelo f racasso da emprei tada. Se quisermos at ingir com menos r iscos e

desacer tos uma f inal idade, deveremos buscar conscientemente um con-

junto de "metodologias" , de instrumentos e modos de fazer . A própr ia

necessidade nos obriga a isto.

É verdade, ainda, que uma decisão " teór ica" pode encaminhar tam-

bém uma escolha "metodológica" . Fazer reservas de hospedagem para

uma peregr inação que se pretende míst ica pode ser incompatível com

esta ou aquela teor ia da auto- i lumina ção. Da me sma ma neira, um a h ipó-

tese - a de que a "ilu m ina çã o" só se torna possível para o and arilho que

  81

  —

Page 83: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 83/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

cam inha sozinho - pode def inir não apenas os objet ivos (cam inhar sozi-

nho) como também as metodologias para alcançar es te objet ivo (plane-

jamento para uma jornada auto-suf iciente) .

Tem -se ass im, para o exem plo propo sto, dois cam pos dis t intos . Per-

tencem ao cam po teór ico a "rel igião " ou o con junto de opiniões míst icas

que nos motivaram a iniciar a viagem , o conce i to de "a uto- i lum inaçã o",

a nossa própr ia visão de m und o, o patr imô nio form ado pelos p ens am en-

tos desenvolvidos por viajantes anter iores . Per tencem ao campo da me-

todologia os equipamentos e instrumentos , as técnicas escolhidas para

ut i l izá- los , os modos de combinar uma técnica e outra , o planejamento

relat ivo ao uso dos mater iais e aos momentos mais apropr iados de em-

pregar cada técnica.

Voltemos ao problema da Pesquisa Científ ica. Quando formulou a

sua teoria sobre a "Origem das Espéc ies" - edif icand o-a a partir de u m a

nova taxonomia e de conceitos como o da "seleção natural"

32

  - Darwin

estava se mo vim entand o no cam po teórico. A partir daqui, o m und o n atu-

ral passava a ser ordenado de acordo com u m a abordag em evolutiva on de

cada espécie viva ser ia considerada como por tadora de uma conquis ta

biológica obtida através de "variações favoráveis" que haviam passado

pelo crivo da natureza em meio ao desenrolar da "luta das espécies"

33

.

O que Darw in fez foi "ar ru m ar" a Na tureza de acordo com u m a n ova

cosm ovisão. A teor ia sobre a "O rigem das Espéc ies" é apena s um a cer ta

ma neira de "ver " a Naturez a, que a par t i r desta abordage m teór ica acaba

sendo reconstruída ao mesmo tempo como o palco de uma grande luta

envolve ndo o s seres vivos e com o um tr ibunal perma nente o nde as dife-

renças t razidas por cada indivíduo são julga das favoráve l ou desfa vora -

32. Sobre o conceito de "seleção na tural" criado por Darw in, é ele mesmo q uem o define: "dei o

nom e de seleção natural [. ..] a essa conservação das diferen ças e das variações fa voráv eis indivi-

duais e a essa eliminação das variações nocivas" (Charles D ARW IN.  A Origem das Espécies.

Brasília: UNB, 1992).

33. Mario Bunge assim registra a combinação de axiomas que sustenta a teoria elaborada por

Darwin: "A alta taxa de aumento populacional conduz à pressão populacional", "A pressão po-

pulacional leva à luta pela vida", "Na luta pela vida, o inatamente m ais apto sobrevive", "A s di-

ferenças favoráveis são herdáveis e cumulativas" e "As características desfavoráveis levam à

extinção" (Mario BUN GE. "Sim plicidade no trabalho teórico". In T eoria e Realidade.  São Pau-

lo: Perspe ctiva, 1974. p. 151).

— 82 —

Page 84: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 84/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

velm ente pe lo con junto dos dem ais (das d i ferenças favoráveis eme rg i -

r iam precisamente as espécies vitoriosas, que acabariam sobrevivendo e

se fixando) '

4

. Em vista disto, o sistema de D arw in procura organizar as vá-

rias espécies animais existentes como portadoras de diferenças de umas

em relações a outras, com o se resultassem escalas de seres vivos p roduzi-

das pela "seleção natural". Ocorre, assim um inevitável descentramento

da espécie hum ana , que passa a não ser nada m ais nada m enos do que um

ponto nesta rede de escalas naturais. O qu e a teoria sobre a "O rigem das

Espéc ies" propõe , des te m odo, é um a nova im agem do m undo.

Desta p ossibi l idade teór ica era preciso passar às possibi l idades de-

mo nstrat ivas , que permit i r iam que Darw in form ulasse as suas hipóteses

não m ais sob a form a de hipóteses , ma s sob a for m a de leis. Para isto, se-

r ia prec iso que o naturalista inglês iniciasse tam bé m a sua viage m , e que

concretamente coletasse uma inf inidade de exemplos de espécies ani-

mais que se permit issem a um encaixe dentro da nova ar rumação que

propunha para o mundo natural . Assim, Char les Darwin pôs-se ao cam-

po em um a s is temá tica viagem de obse rvação ao redor do mundo , a par-

t ir da qual pôde coletar dados, ordená-los, classif icá-los e analisá-los.

Em momentos como estes é que se passa ao ter reno da "metodolo-

gia" . Diante de um mater ial bruto escolhido ou produzido para sofrer

observações e exper imentações, ou diante de um campo de fenômenos

que se apresenta à experiência sensível ou à percepção crít ica, é preciso

adotar métodos e técnicas para coleta de dados, para análise destes da-

dos, para comparar as anál ises empreendidas , para cr iar condições de

exper imentação ou de observação que possam ser mais tarde reproduzi-

das cient i f icamente. Sem esta etapa demonstrat iva a par t i r de uma ob-

servação s is tem atizada e de método s e técnicas d ivers if icados para ela-

boração dos fatos , a teor ia da "Origem das Espécies" permanecer ia no

campo das conjecturas*.

U m a teor ia inteiram ente or iginal a respei to de algo é f reqüe ntem en-

te criada a partir da intuição, da reflexão, da observação assistemática

34. A imagem do m undo natural produzida por Darwin, ao apresentar a "contingência" como a

grande respo nsável pe lo desenvo lvim ento da s espécies, veio a se opor deste modo à "representa-

ção clássica" da Natureza, que a concebia como um conjunto ordenado e finalista. Por ora, é o

bastante para deixar registrad o que as teorias são visões de mund o (ou de um problema es pecífi-

co) que se defron tam.

— 83 —

Page 85: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 85/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

( já que a "obse rvação s is temá tica" virá depois , com o m étodo , para de-

monstrar ou apoiar as novas proposições teór icas) . Às vezes , um novo

veio teór ico pod e ser aber to me sm o por acidente, quan do se busca expe-

rimentalmente uma coisa e acaba se encontrando outra (ou mesmo quan-

do não se es tá busc ando nada) . De qualqu er mane ira, nestes casos es ta-

mos falando apenas de motivações que podem dar or igem a uma nova

sistematização teórica.

M as de um jeito ou de outro a elaboração de um a teoria pressupõe um

esforço de reflexã o, de abstração, de produzir um a gen eralização a partir

dos eventos particulares ( indução) ou de desdobrar suces sivam ente o pen-

same nto a partir de um a colocação ou constatação prim ordial (dedução).

Daí dizermos que a teorização está associada aos modos de pensar e de

ver, enquanto a metodologia está associada aos modos de agir .

Por outro lado, deve ser dito que não é precis o criar um a teoria nov a a

cada pesquisa. Lon ge disto, o pesquisador p ode explorar os recursos teóri-

cos já existentes e com biná-los de mo do a estudar um a situação, um caso,

ou um cam po que ainda não tinha sido abordado. Ao iniciar um a p esquisa

ou um estudo espec íf ico, o cientista já está habitualm ente m unid o de u m a

determinada forma de ver as coisas, de conceitos que direcionam o seu

pensamento e as suas escolhas. Pode ser que venha a transformar este

quadro teórico no d ecurso da própria pesquisa ou de seu trabalho de refle-

xão, mas quase sempre é preciso (ou até inevitável) partir de algo.

Compreendidas até aqui as diferenças fundamentais entre "quadro

teór ico" e "quadro m etodológico", poderemos nos aproximar m ais espe-

cif icamente da manifestação destas diferenças no campo da História. A

Pesquisa em História também envolve um confronto interativo entre teo-

ria e metodologia. O po nto de partida teórico, naturalm ente, é um a deter-

minada maneira como vemos o processo histórico (porque há muitas) .

Poderemos, por exemplo, alicerçar nossa leitura da História na idéia

de que esta é movida pela " luta de classes"* (es te é um concei to que

per t ence , embo r a não exc lus iva m en te , à t eo r ia do "m ate r i a l i sm o h i s -

tó r ico") . Mas se qu isermos iden t i f icar es ta " lu ta de c lasses" na docu-

mentação que cons t i tu ímos para examinar es te ou aquele per íodo h is -

tó r ico , t e remos de nos va ler de procedimentos técn icos e metodológi -

cos especiais.

— 84 —

Page 86: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 86/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

Será talvez uma boa idéia fazer um a "anál ise de discurso" sobre tex-

tos produzidos por indivíduos per tencentes a es ta ou àquela "classe so-

cial"* ("classe social" , a l iás , é também uma categor ia " teór ica") . Esta

anál ise de discurso poderá se empenhar em ident i f icar "contradições" ,

ou em trazer a nu as " ideologias"* que subjazem sob os discursos exa-

minados, e para tal poderá se valer de técnicas semióticas, da identif ica-

ção de temáticas ou de expressões recorrentes (análises isotópicas) , da

contraposição inter textual entre discursos produzidos por indivíduos

que ocupam posições de classe diferenciadas , e ass im por diante.

Da m esm a form a, se acredi tamos que as condições econômicas e ma-

teriais determinam a vida social e as superestruturas mentais e jurídicas de

uma determinada comunidade humana historicamente localizada (outro

postulado* teórico do marxismo) deveremos selecionar ou consti tuir me-

todologias e técnicas capaz es de captar os elemen tos que caracterizariam

esta vida material . Depe nde ndo do tipo de fontes históricas uti l izadas po-

deremos, por exemplo, realizar análises quantitativas ou seriais, utilizar

técnic as estatísticas para levantar as condições de vida de certos grupos so-

ciais dentro de uma determinada população, e assim por diante.

Perceb e-se, assim, que teoria e m etodologia pode m e deve m estar in-

timam ente articuladas, ma s isto não implica ein confu ndir estes dois cam -

pos, que deve m a parecer bem d efinido s no Projeto de Pesquisa. Verem os,

a seguir, de maneira ma is compartimentada, o que pode aparecer no "Q ua-

dro Teór ico" de um Projeto .

5 . 2 . E l e m e n t o s p a r a o Q u a d r o T e ó r i c o

O Quadro 5 propõe-se a s intet izar alguns campos de elementos que

podem aparecer em um Quadro Teór ico. Não necessar iamente nesta or-

dem, e não necessar iamente com todos es tes i tens , o pesquisador pode

expor os seus referencia is teór icos por setores bem def inido s.

Se ainda não se empreendeu uma "Revisão Bibl iográf ica" (1) das

outras obras que já trataram o tema proposto, será hora de fazê-lo - ou

no pr incípio , ou no f inal do Quadro Teór ico. As duas escolhas são de-

fensáv eis logicamente, den tro do pr incípio de organização do mais geral

para o mais específ ico.

— 85 —

Page 87: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 87/238

O P ro je to de P esqu i sa em H is tó r i a

QUADRO

TEÓRICO

R e v i s ã o B i b l i o g r á f i c a

(se não Uver sido feita em um item à

parte, e nem na Introdução)

C a m p o H i s t ó r i c o

Campo de Estudo no qual se insere

pesquisa (História Económica, História

Politica. História Cultural, etc.)

C a t e g o r i a s e C o n c e i t o s

(estabelecendo definições, conceitos

e categorias essenciais para a pesquisa

ao mesmo tempo em que dialogando

com autores que serão apropriados

ou rejeitados)

D i á l o g o s I n t e r d i s c i p l i n a r e s

(disciplinas ou campos com os

quais o seu trabalho dialoga)

P e r s p e c t i v a s e

H o r i z o n t e s T e ó r i c o s

P o s i c i o n a m e n t o s T e ó r i c o s

(adesão a linhas ou correntes

teóricas, se for o caso)

Q u a d r o 5 :  Elementos para o Quadro Teórico

Principiar o Qu adro Teó r ico com a Rev isão Bibl iog ráf ica é elaborar

um panorama mais amplo das diversas maneiras como tem sido t ratado

o tema (ou um balan ço da questão) , para depois chega r à sua man eira es-

pecíf ica, à com binação precisa de perspect ivas e concei tos qu e você de-

senvolveu d e maneira s ingular para o seu t ratamento do tema. Enc errar o

Quadro Teór ico com a Revisão Bibl iográf ica atende a um outro t ipo de

lógica, mas igualm ente vál ido, que expõ e pr imeiro as questões teór icas

ma is am plas , passa por conce i tos e categor ias que serão operac ional iza-

dos, e f inalme nte at inge a especif icidad e de um tema já recor tado, cha-

ma ndo atenção para obras que já o abordaram de um a ou outra m aneira

para, f inalmen te, deixar claras as própr ias escolhas do pesqu isador .

Co nform e se vê, não há um ú nico m odelo, ou um a "rece i ta" que fun-

cione para todas as ocasiões. É importante que o pesquisador adquira a

personalidade e a f irmeza intelectual requeridas para encontrar o padrão

de lógica que m ais se ada pte ao seu tem a e às esp ecif ic idad es da sua pes-

quisa. Digam os, agora, que a Revisão Bibl iográf ica já foi real izada no

pr incípio do Projeto , logo após à Del imitação do Tema (a organização

desta Rev isão Bib liográ fica já fo i discu tida em capítu lo anterior , na Pri-

m eira Parte deste livro) . N est e caso, há ainda um a série de coisas q ue po -

dem e devem ser discut idas no Quadro Teór ico.

— 86 —

Page 88: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 88/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

O pesq uisado r pode com eçar , por exemp lo, por def inir o cam po ou a

subárea do conhecimento em que se insere a sua pesquisa (2) . No interi-

or da disciplina da História, podem ser entrevistos vários domínios ou

cam pos, co m o a História Econ ôm ica, a Histór ia Cultural , a Histór ia das

M enta lidad es, a História Polít ica, e assim po r diante

35

. E não necessaria-

m ente o tem a precisará se ater a apenas um destes enfoque s, já q ue se

pod erá co mb iná- los a dois ou a t rês (um a Histór ia Regional que enfo qu e

essencialmente os problemas da Cultura ou os aspectos econômicos;

um a História Eco nôm ica na inserção com um a História Polít ica) . Exis-

tem ainda as combinações que relacionam estes t ipos de Histór ia com

outras class if icaçõe s que se referem m ais ao t ipo de abordag em em pre-

gada (uma História Polít ica pode associar-se a uma História Oral no que

se refere ao tipo de fontes ut i l izadas; um a Histór ia An tropológica pod e

ser ar t iculada à M icro-Histór ia* n o que se conce rne à escala de observa-

ção empregada, e ass im por diante)

37

.

Quando se opta pelo enquadramento dentro de um destes campos,

deve-se ter o cuidado de def inir também uma perspect iva dentro do

cam po e scolhido. A Histór ia Pol í t ica do século XIX, por exem plo, t inha

out ras p re oc up aç õe s que já não são exc lus iv am en te as da His tó r ia Po-

l í t i ca do sécu lo XX - es ta que superou a exclus iva preocupação an te-

r ior com a polít ica dos grandes Estados (conduzida ou interferida pelos

"grandes homens") , e que passou a se interessar também pelo "poder"

nas suas outras modal idad es (que incluem tam bém os m icropoderes p re-

sentes na vida cot idian a, o uso pol í t ico dos s is temas de represe ntaçõ es,

e assim por diante) . Para além disto, a Nova História Polít ica passou a

abr ir um espaço c orrespond ente para um a "Histór ia vista de Ba ixo", ora

preocupada com as grandes massas anônimas, ora preocupada com o

"indivíduo comum", e que por is to mesmo pode se mostrar como o por-

tador de indícios que dizem respei to ao social m ais amplo. Assim, m es-

mo q uand o a N ov a H istór ia Pol í tica toma para seu objeto um indivíduo,

35. Para um balanço da produção historiográfica pertinente a alguns dos diversos campos da

História , ver José D'Assunção BARROS.  O Campo da História.  Petrópolis: Vozes, 2004.

36. Para registrar um exemplo, a  História do Clima depois do Ano Mil, de Emmanuel Le Roy

LADURIE, inscreve-se na articulação de uma Geo-História com uma História da Cultura Mate-

rial (Paris: Flamarion, 1967).

37. Estas várias classificações serão mais bem especificadas posteriormente.

— 87 —

Page 89: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 89/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

não visa mais a excepcional idade das grandes f iguras pol í t icas que ou-

trora os historiadores posit ivistas acreditavam ser os grandes e únicos

condutores da História.

Conforme vemos, é impor tante não apenas f ixar um campo de es tu-

do ou uma combinação de campos, mas também def inir o t ipo de inser-

ção dentro deste campo. Voltaremos à questão dos vár ios campos em

que se divide a História no próxim o item . Por ora, av an ce m os na e xplici-

tação dos elementos que podem ser discut idos no "Quadro Teór ico" de

um Projeto de Pesquisa.

Dependendo da pesquisa, pode ser igualmente signif icativo mencio-

nar os "diá logo s interdisc iplinares" (3). A H istoriog rafia, a partir do sé cu-

lo XX, abriu-se de maneira muito rica a diversos diálogos com as várias

disciplinas das ciências hum anas e me sm o com as disciplinas das ciências

exatas. Este trabalho de História da Cultura pode dialogar com a Crítica

Literária, com a Semiótica, com a Psicanálise; aquele trabalho de História

Regional pode dialogar com a Geografia, com a Ecologia, com a Demo-

grafia, com a Antropologia; e um outro trabalho de História Econômica

pode dialogar (obviamente) com a Economia e com a Estatíst ica. Os diá-

logos interdisciplinares possíveis à Historiografia do nosso tempo são

múltiplos, gerando uma grande r iqueza de possibil idades

38

.

De f inidos os cam pos de inserção e os diálogo s interdisciplinares , o

his tor iador pode passar a clari f icar os seus "posic ionam entos teór ico s"

(4). Se ele achar conveniente, pode f irmar a sua adesão a l inhas ou cor-

rentes teóricas esp ecíf ic as, se for o caso. As sim , pod e defin ir a sua h isto-

r iografia como marxista, aderir às perspectivas estruturalista ou funcio-

nal is ta , adotar os modelos teór icos weber ianos, ou propor uma aborda-

gem neoposi t ivis ta , apenas para ci tar alguns exemplos.

E impor tan te ressa l ta r que a adesão teór ica a uma l inha ún ica não

é de modo algum obr igatór ia . É possível compor uma combinação de

abordage ns teór icas , desde que comp atíveis , ou uti l izar l ivremente con-

3 8 . 0 volum e 2 ("Novas abordagens") da série

 Novos Problemas, novas abordagens e novos ob-

jetos  (J. LE GO FF e P. NO RA . Rio de Janeiro: Francisco Alv es, 1988) constitui-se pre cisame nte

de textos de vários autores que enfocam os diálogos da História com a Arqu eologia, a E conom ia,

a Demografia, e outros. Sobre a questão mais ampla da "interdisciplinaridade", ver Hilton

JAPIASSU,  Interdisciplinaridade

  e

 patologia do saber  (Rio de Janeiro: Imag o, 1976). Para em-

basar um pouco mais a questão, ver no Glossário o verbete "interdisciplinaridade"*.

— 88 —

Page 90: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 90/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

cei tos or iundos de m atr izes diversas , contanto que de m aneira coerente e

fazendo as adaptações necessár ias . Porém, se o pesquisador declara as-

sumir uma l inha única, deve se mostrar famil iar izado com os seus pre-

cei tos e fund am ento s , com os seus desdobram entos e com as var iações e

subcorrentes pertinentes a esta l inha. Posto isto, não abordaremos neste

volume uma revisão das grandes l inhas teór icas nas ciências humanas,

até m esm o porqu e exis te um a inf inidade delas e porqu e cada uma exigi-

r ia uma discussão cr í t ica mais ou menos densa.

Por ora, cabe ressa ltar que a escolha a ssum ida de um re feren cial teó-

r ico mais ou me nos f ix o t raz naturalmente as suas implicações. Diga mo s

que o h is tor iad or par ta de um ho r izon te teór ico v inc ulad o a cer tas po-

s ições t radicionais do "mater ial ismo his tór ico". Coerentemente ele terá

de part i r de cer tos concei tos* fund am entais - com o os de "m od o de pro-

duç ão" , "form açã o social", "luta de classes", "ideo logia " - e de um a certa

visão da Histór ia a par t i r da t ransform ação dialét ica. Não estam os me n-

cion and o ainda a que stão, que será coloc ada m ais adiante, de que na ver-

dade não exis te um único marxismo, mas s im diversos marxismos.

De qualquer modo, o his tor iador que pretende se inscrever es tr i ta-

mente dentro dos l imites do "mater ial ismo his tór ico", e não apenas ut i -

l izar l ivrem ente alg uns dos seus con cei tos básico s , deve ter um proble-

ma central em mente: de que modo a produção da vida mater ial do ho-

mem determina a sua organização socia l e impuls iona o seu desenvol -

v imento h is tór ico? Ou a inda , de que manei ra as re lações econômicas

es t r u tu r am um a dada so c iedade e s e " r e f l e t e m " na sua p r odu ção cu l -

tural? De que form a, enf im , apresenta-se a " luta de classes" em um a so-

ciedad e his tor icam ente local izada, em fu nçã o destas relações entre vida

mater ia l e soc iedade?

Estas questões não fora m respondidas de um único m odo no inter ior

da teor ia marxis ta e de sua his toriograf ia . De sde a sua funda ção em mea-

dos do século XIX , o m ater ial ismo his tórico tem se desdo brado em inú-

m eros hor izontes e perspect ivas teór icas , de m odo qu e os seus concei tos

não estão na verdade imobil izados. Tomemos como exemplo o concei to

de "m odo de produç ão" . N os pr imórd ios do marx ismo , es te e ra def in i -

do como o conjunto das "forças produt ivas" e "relações de produção"

presentes em uma dada sociedade e em uma determinada etapa do seu

desenvolvimento his tór ico, coincidindo com uma "infra-estrutura" que

— 89 —

Page 91: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 91/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

determinava no f im da s contas a "supe restrutura" da sociedade (a " ideo -

logia", o sistema jurídico, a cultura, etc.) .

Esta l inha de determinação mais direta , que aparece nos pr imeiros

textos de Marx e Engels a partir de a

 Ideologia Alem ã

  (1846)

3 9

  - e que

depois dos funda dore s do mater ial ism o his tór ico viria muitas vez es a ser

retomad a - s intoniza-se apenas com um dos enfoqu es possíveis à histo-

r iograf ia marxis ta . Os própr ios fund ado res do m ater ial ismo h is tór ico, a

partir de certo momento, passaram a relativizar esta questão da determi-

nação econôm ica - sobretudo Engels , que corr igiu o determ inism o m ar-

xis ta com a idéia de "determ inação em úl t ima instância" , onde já adm i-

tia uma influência retroativa da superestrutura sobre a infra-estrutura.

Mais tarde vir iam muitas outras contr ibuições à teoria marxista. A

"Escola Marxis ta Inglesa"* (e Thompson em par t icular ) t rabalha com

uma compreensão ampliada do concei to de "modo de produção". Para

estes historiadore s, a esfe ra da cultura faz parte do próp rio m od o de pro-

dução , de m ane ira que estud ar a cultura é já es tuda r um aspe cto daqu ele.

Por isso, é tão com um entre estes autores a exp loraçã o prioritár ia de fon-

tes da História Cultural

De igual maneira, conceitos como os de "classe social", "luta de

classes" e "consciência de classes" também têm se benef iciado de inú-

meras f lutuações e var iações dentro do quadro teór ico do mater ial ismo

histór ico. Assim, por exemplo, o problema do encaminhamento da

  luta

de classes

  sofre na obra de E.P. Thompson uma interessante inversão.

Enquanto que para alguns autores marxis tas pr imeiro se forma uma

classe social,

  depois esta adquire um a

 consciência de classe,

  e f inalmente

se estabelece a

  luta de classes,

  para o historiador inglês verif ica-se pre-

cisamente o contrár io: par te-se pr imeiramente da

  luta de classes

  e, so-

m ente depois que um d etermina do grup o social atinge certo ponto da cons-

ciência de sua identidade , isto é, constrói a sua "co nsc iên cia de classe" , é

que vai s e cons t i t u i r p r op r i am en te um a nova  classe social

40

.  De cer -

ta forma, es te posicionamento não deixa de dialogar com sugestões já

39. MARX e ENGELS.  A Ideologia Alemã.  São Paulo: Martins Fontes, 1989.

40. Ver E.P. THOMPSON. "Lucha de clases sin clases". In  Tradición, Revuelta y Consciência

de Classe.  Barcelona: Editorial Critica, 1989. p. 13-61.

— 90 —

Page 92: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 92/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

presentes em Marx na Miséria da Filosofia

41

, ond e ele expres sa a idéia

de que a m assa do povo t ransfo rm ada em trabalhadores pode ser em cer-

to momento uma "classe em si" , mas ainda sem uma consciência de

classe, até que no próprio processo de luta ela se une para formar uma

"classe para si", já com plena consciência dos seus interesses. Por outro

lado, esta oposição entre "classe em si" e "classe para si"* é rejeitada

por Poulantzas

4 2

.

Os exemplos de concei tos redef inidos dentro das vár ias correntes

marx is tas es tendem-se indef in idamente . Já nem fa laremos , por exem-

plo, nas múlt iplas elaborações marxis tas do concei to de " ideologia"* a

par t i r de Kar l M arx, passando por diversos autores como Lê nin, G ram s-

ci, Lukács ou Althusser .

Diante de tantas nuances internas, f i l iar-se ao Materialismo Históri-

co pode parecer em algumas ocasiões muito vago, sendo por vezes ne-

cessá rio delinear um certo "horizonte ou perspectiva teórica" dentro desta

corrente mais ampla (5) . No mínimo, será necessário precisar alguns

"co nce i tos" (6), con form e eles es tejam mais ou me nos presentes na ins-

t rume ntal ização da pesquisa a ser desenv olvida e na exploração do tema

proposto.

Co nform e já fo i r essa l tado , a f i li ação a um a cor ren te de pe nsam en-

to def inida não é, em todo o caso, uma obr igator iedade. O pesquisador

deve ser l ivre para compor o seu quadro teórico da maneira que achar

m ais adequa da, contan to que haja coerência nas suas escolhas . Assim , é

possível combinar autores diversos , u t i l izando um concei to impor tante

deste , uma abordag em proposta p or um outro, e ass im por diante. Na tu-

ralmente que deve haver um cuidado especial para não combinar pers-

pect ivas incompatíveis .

A par t i r da cr ise dos grandes paradigmas total izantes - que preten-

diam até antes das úl t imas déc adas do século XX fornece r m odelos glo-

bais que ser iam capazes de expl icar toda a exper iência humana dentro

41. Karl MARX .  Miséria da Filosofia.  São Paulo: Mandacaru, 1990. Cap. II, 5.

42. Com relação aos usos de E.P. TH OM PS ON das noções de "classe" e "consciência de clas-

se", ver ainda o Prefácio de 1963 para A Formação da Classe Operária Inglesa  (Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1987. p.9-14).

  91

  —

Page 93: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 93/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

de um ún ico s is tema de pensa m ento - a tendência m ais atual das pe squi-

sas em H istór ia e nas Ciên cias S ociais pare ce ter pas sad o a ser a de es-

capar tangencialmente, de alguma maneira, a f i l iações exclusivas aos

grandes s is tem as unif icad os e às posições inf lexíveis . Ao contrár io , ho je

se uti l iza com maior l iberdade o repertório de possibil idades teóricas

das ciências humanas, d issolvendo-se os ant igos padrões de incompati-

bi l idade que pareciam bloquear a cr iat ividade teór ica. O que não quer

dizer , é bom fr isar mais uma ve z, que em teor ia tudo é perm it ido. Qua l-

quer posição torna-se permit ida, s im, quando o autor consegue susten-

tá- la de ma neira coerente e argum entat iva, dem onstran do a ap l icabi l ida-

de dos caminhos teór icos escolhidos em si tuações concretas t razidas à

tona pela pesquisa.

M ais impo r tante do que uma f i l iação parec e ser a já m encio nada ne-

cessidade de esclarecer um a determ inada persp ect iva teór ica que i rá or i-

entar o t rabalho em questão. Assim , se a perspect iva do "determ inism o

geográfico" é central em nosso trabalho, isto deve f icar bem estabeleci-

do desd e o princípio. Se o m eu obje to é o discu rso, torna-se im presc indí-

vel definir os horizontes teóricos a partir dos quais estou entendendo os

fenômenos da l íngua, da enunciação, da recepção. Por exemplo, a l in-

guagem representa e ref lete diretamente aquele que a ut i l iza?

4 3

  Exis te

uma correspondência entre o t ipo do discurso e as característ icas do seu

locutor ou do seu meio?

44

  A comunicação é um processo ou um dado?

Em cer tas pesquisas v incu ladas a temát icas per t inen tes ao imagi -

nár io* social , o posicionam ento de um h is tor iador quanto à questão das

mentalidades   tamb ém pode implicar em um t ipo de abord agem teór ica a

ser definida com maior precisão, à parte a própria escolha dos t ipos fon-

tes que irão constituir o  corpus documental.  Por exem plo: acredi tam os

em uma  men talidade coletiva? Exis te uma base comum presente nos

"m odo s de pensar e de sent i r" dos hom ens de determ inada socied ade -

algo que una "César e o últ imo soldado de suas legiões, São Luís e o

cam ponê s que cul t ivava as suas ter ras , Cr is tóvão Colom bo e o mar inhe i-

ro de suas caravelas"? Abraçando esta perspectiva teórica, o historiador

43. C.E. OS GO OD . "The representational m odel and relevant metho ds". In I. de Sola Pool (ed.).

Trends in content analysis.  Illinois: Urbana University of Illinois Press, 1959.

44. M.C. d 'URU NG .  Analyse de contenu et acte de parole.  Delarge: Ed. Universitaires, 1974.

— 92 —

Page 94: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 94/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

deve ampl iar necessar iamente a sua concepção documenta l . Conforme

assinala François Furet

45

, se o historiador das mentalidades procura al-

cançar níveis méd ios de comp ortam ento, nã o pode se sat isfazer com a li -

teratura t radicional do tes tem unh o his tór ico, que é inevi tavelmente sub-

jet iva, não representat iva, ambígua.

Lucien Febvre tentou ainda uma segunda via. Em sua famosa obra

sobre Rabelais

46

, o historiad or fran cês se pro põ e - a partir da investiga-

ção de um único indivíduo - ident i f icar as coo rdenad as de toda uma era.

A abordagem é cr i t icada pelo his tor iador i ta l iano Car lo Ginzburg que,

ao contrário, opta por instrumentalizar o conceito de  mentalidade de

classe

  em sua obra

  O Queijo e os Vermes

41

. Neste últ imo caso - onde

tom a com o docu m entaç ão p r incipal os "regis t ros inquis i tor iais" do pro-

cesso de um m oleiro i ta l iano perseguido pela inquis ição no século XV I

- Gin zbu rg ma ntém -se atento à questão da " inter textual idade", is to é , ao

diálogo que o discurso do moleiro Menocchio es tabelece implici tamen-

te com outros textos e discursos.

Deste modo, embora ambos his tor iadores par tam de um estudo de

caso individual , a abordagem tornou-se dis t inta . Além do discurso ex-

terno do própr io M eno cch io, Ginzb urg toma por objeto a m ult iplicidade

de discursos que o consti tuem; e, além disso, evita a pretensão de re-

const i tu ir uma "mental idade de época".

Outra sér ie de exemplos relat ivos à divers if icação de abordagens

pode ser buscada nas várias alternativas que se abrem para uma História

Polít ica. Se a minha pesquisa inclui um estudo das relações de poder, é

preciso definir , por exemplo, a partir de que perspectiva eu estou enten-

den do o pod er. O poder é gerado a partir de um cen tro ancorad o na orga-

niza ção e statal , ou está distr ibuído em rede s po r toda a socied ade?

48

  Que

concei tos fun da m enta rão minha anál ise do poder? Se ut i lizo, por exem -

plo, o conce ito de hegemonia, adotarei qual das diversas con cep ções q ue

45. François FURET,  A Oficina da História.  Lisboa: Gradiva, 1991. v. I. p. 93.

46. Lucien FEBVRE.

  Le problème de l'incroyance au XVIème siècle. La religion de Rabelais.

Paris: Albin Michel, 1962.

47. Carlo GIN ZB UR G. " Prefá cio à edição i taliana". In  O Queijo e os Vermes.  São Paulo: Cia.

das Letras, 1989. p.34.

48. Michel FOUCAULT.  Microfisica do Poder.  São Paulo: Graal, 1985.

— 93 —

Page 95: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 95/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

já foram empregadas para es te concei to? A adoção de uma cer ta pers-

pect iva teórica, relacionada a alguma q uestão esp ecíf ica, deve vir desta

form a articulada ao sentido preciso que se preten de atr ibu ir aos d iversos

conceitos, idéias e categorias teóricas que serão uti l izados, conforme se

verá mais adiante.

5 .3 . O Campo H is tór ico

Dizíam os atrás que, em alguns casos , m ostra-se adequ ado expl ici tar

no Projeto de Pesquisa a área de estudos em que se inscreve o trabalho a

ser realizado. Esta explicitação não é obrigatória, e pode ser que em al-

guns casos revele-se gratui ta (s i tuação em que deverá ser obviamente

dispensada) . Para o caso de que seja impor tante para o pesquisad or ex-

plicitar o campo histórico em que pretende atuar , serão úteis alguns es-

clarecimentos .

A divisão do Campo Histór ico em áreas mais específ icas const i tu i

uma questão extremamente complexa. Ainda ass im, tentaremos regis-

trar aqui um pequeno panorama relativo às suas várias possibil idades.

O Quadro 6 foi elaborado com o intui to de organizar melhor os vá-

r ios cr i tér ios em q ue habi tualm ente dividim os o cam po do s saberes his-

tór icos - d is t r ibuindo-os em "dimensões" , "abordagens" e "domínios"

da História - e bu sca nd o escla recer as várias divisões qu e estes critér ios

podem gerar . De certo modo, as três ordens de critér ios correspondem a

divisões da Histór ia respect ivamente relacionadas a " teor ias" , "méto-

dos" e " temas". Por al i veremos que uma pr imeira ordem de class if ica-

ções é gerada pelas várias

  dimensões

  da vida hum ana , em bora na reali -

dade social estas nunca apareçam desligadas entre si . Teremos então

uma Histór ia Demográf ica, uma Histór ia Econômica, uma Histór ia Po-

lí t ica, uma História Cultural , e assim por diante.

A maior parte destas dimensões é por si só evidente, e por isto não

nos deteremos em uma definição pormenorizada de cada um destes cam-

pos (o que exigir ia um livro específ ico com esta f inalidade). A   História

Demográfica,

  por ex em plo , enfa t iza o es tudo de tudo aqui lo que se re-

fere à "Po pu laçã o": as suas variaç ões qua ntitativas e qua litativas, o cres-

cimento e decl ínio populacional , os movimentos migratór ios , e ass im

por diante.

— 94 —

Page 96: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 96/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

Q u a d r o 6 : O

  Campo Histórico

A

  História da Cultura Material

  estud a os obje tos m ateriais em sua

interação com os aspectos mais concretos da vida humana, desdobran-

do-se por dom ínios históricos que vão do estud o dos utensíl ios ao estudo

da al imentação, do vestuár io , da moradia e das condições mater iais do

trabalho hum ano . Trata-se de uma espec if icidade da his tór ia que está in-

t imam ente associada

  k Arqueologia,

  m as es ta designação refere-se mais

a uma "abordagem" das fontes da cul tura mater ial do que à "dimensão"

de vida social que é t razida por es tas fontes . Relaciona da a um "m od o"

de desvendar vestígios materiais e de conectá-los para reconstruir a His-

tór ia , a Arq ueo logia relaciona-se ma is coeren teme nte com a segunda or-

dem de cr i tér ios indicada no Quadro 6 ("abordagens") . Neste sent ido,

qua ndo se t rata de indicar que a pesquisa deverá em pregar "m étodo s ar-

queológicos" para levantar fontes e dados empíricos, isto deverá ser fei-

to mais apropr iadamente no cap í tu lo "Metodologia" do que no cap í tu-

lo "Q ua dro Te ór ico " ( já que se t rata ma is de um "m odo de fa ze r" do que

um "m od o de ver") . M as, de qualqu er maneira, a

 História da Cultura Ma-

terial

  e a

 Arqueologia

  andam jun tas . Um bom exemplo de

  História da

— 95 —

Page 97: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 97/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

Cultura Material  foi concret izado por Ferna ndo Braudel , em um dos vo-

lumes de

  Civilização Material, Economia e Capitalismo

49

. Por outro lado,

M are Bloch pod e ser considerado um precu rsor , consid erando -se que te-

r ia empreendido um a modalidade de

 História da C ultura Material

  ao ana-

l isar a "paisagem rural" na medieval idade f rancesa

5 0

.

A

  Geo-História

  es tuda a his tór ia hu m ana em seu relacionam ento

com o ambiente natural e com o espaço concebido geograf icamente. É

ainda com F ernan do B raudel que este cam po com eça a se destacar , pas-

sando a se definir e a se encaixar nos estudos históricos de "longa dura-

ção"

51

. Já a

 História das M entalidades

  es tuda o m und o m ental e os m o-

dos de sent i r , f icando sob a rubr ica de uma designação que tem dado

m argem a grandes polêmica s que não pod erão ser porm enor iza das aqui .

Por outro lado, algum as das "dim en sõe s" propostas referem -se a cate-

gorias que se abre m a diferentes possib ilidades internas de tratam ento, p or

vezes antagônicas. Já discorremos sobre como a História Política  - que

seria um a história que enfatiza o estudo do "Po de r" - pode privilegiar des-

de o estudo do poder estatal até o estudo dos microp oderes que aparec em

na vida cotidiana. Algumas das dimensões propostas permitir iam ainda

novas subdivisões. A

 História Cultural

  - que enfatizaria o estudo de as-

pectos culturais - abre-se a estudo s da "cultura pop ular" , da "cultu ra letra-

da", das "representaçõ es", se bem que em alguns destes casos já entramo s

no âmbito dos "domínios da História", dos quais já falaremos.

A

  História Antropológica

  també m enfa t iza a "Cul tura" , mas mais

par t icularmente nos seus sent idos antropológ icos. Pr ivi legia problem as

relacionado s à "alteridade", e interessa-se especialm ente pelos povo s ágra-

fos , pelas mino r ias , pelos m odos de com portam ento não-co nvenc ionais ,

pela organização famil iar , pelas es truturas de parentesco. E m alguns de

seus interesses, irmana-se com a Etno-História,  por vezes ass imilando

esta últ ima categoria histórica aos seus quadros.

49. Fernando BRA UDE L.  Civilização Ma terial, Econom ia e Capitalismo,  3 vol. São Paulo:

Martins Fontes, 1997.

50. Marc B LOC H.  Les caractères originaux de l'histoire rurale française.  Paris: A. Colin,

1952.

51. A obra-prima de BRA UD EL neste campo é

  O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na

época de Felipe II.  São Paulo: Martins Fontes, 1984. 2 vol.

— 96 —

Page 98: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 98/238

Page 99: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 99/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

aparecer esta inserção é o capítulo Metodologia (mais do que o Quadro

Teórico).

Assim , por exem plo, é mu ito mais per tinente que o pesq uisad or dei-

xe para comentar no capí tulo "Metodologia" que o seu t rabalho ar t icu-

la-se com uma  História Oral, já que poderá aprovei tar es te comentár io

para descrever o t ipo de entrevista que será uti l izado na coleta de depoi-

mentos , os cuidados na decodif ícação e anál ise destes depoimentos , o

uso ou não de quest ionár ios pré-direcionado s, e assim po r diante. To dos

estes aspectos mais se referem a "m étod os e técnicas " do que a teor ia (e

por tanto ao capí tulo "Metodologia" de um Projeto , que não será objeto

deste livro).

Tam bém o cam po da

 História Serial

  refere -se a um t ipo de fonte s e

a um "modo de t ratamento" das fontes . Trata-se de abordar fontes com

algum nível de homogeneidade, e que se abram para a possibi l idade de

qua ntificar ou d e serializar as inform ações ali perceptíveis no intuito de iden-

tif icar regularidades. Num outro sentido, a História Serial l ida também

com a ser ial ização de eventos (e não apenas com a ser ial ização de fon-

tes) propondo-se a avaliar eventos históricos de um certo t ipo em séries

ou un idades repet i t ivas por de terminados per íodos de tempo. Enqua-

dram-se neste conjunto de possibi l idades os es tudos dos ciclos econô-

micos, a par t ir por exem plo da anál ise das curvas de preço s, e tam bém as

anál ises das curvas demográf icas .

A H istória Serial foi um cam po qu e se abriu com a História E conô m i-

ca, e que daí se estendeu à História D em ográfica e à História Social , ma s

que terminou por se difund ir para além destes l imites. É o caso dos estu-

dos de História das Mentalidades, quando se recorre à análise de séries de

testamentos a f im de verif icar quantas missas desejavam para depois de

sua m orte os hom ens de certa classe social em certa sociedade. N este sen-

tido, a série pode trazer à tona "testemunhos involuntários", permitindo

estabelecer uma História das Práticas Religiosas (rubrica que deve ser en-

quadrada no âmbito dos "do m ínio s" da História) . Da me sm a form a, é pos-

sível serializar "estruturas de parentesco", e neste momento a História Se-

rial estará se articulando à História Antropológica.

A Histór ia Ser ial , relacionada a determinados procedimentos meto-

dológicos (e que por tanto pod em ser com entado s mais aprop r iadam ente

— 98 —

Page 100: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 100/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

no capí tulo Metod ologia) ar t icula-se deste m odo a outros camp os h is tó-

r icos como a Histór ia Econô m ica, a Histór ia D em ográ f ica ou a Histór ia

das Mental idades, apl icando-se a objetos vár ios (como na Histór ia das

Práticas Religiosas ou na História da Família) . Por outro lado, com fre-

qüência ela se encontra int imamente relacionada com a chamada

  Histó-

ria Quantitativa,

  um a sub div isão da História que se refe re m ais ao crité-

r io "campo de observação", neste caso associado ao universo numérico

e às variações quantitativas.

Dentre as subdivisões per t inentes ao cr i tér io "campo de observa-

ção ", a co nfu são mais f req üen te que se faz es tá entre a

 História Regional

e a

 Micro-História,

  apesar de serem cam pos radicalme nte dis t intos . Va-

lem aqui alguns esclarecimentos .

Quando um his tor iador se propõe a t rabalhar dentro do âmbito da

História R egional, ele mo stra-se interessado em estudar diretamente um a

região específ ica. O espaço regional não estará necessariamente associa-

do a um recor te adminis trat ivo ou geográf ico, podendo se refer i r a um

recorte antropológico, a um recorte cultural ou a qualquer outro recorte

proposto pelo his tor iador de acordo com o problema his tór ico que i rá

examinar. Mas, de qualquer maneira, o interesse central do historiador é

estudar especif icamente este espaço, ou as relações sociais que se esta-

belecem dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda com-

pará- lo com outros espaços s imilares ou examinar em algum momento

de sua pesquisa a inserção do espaç o regional em um universo m aior (o

espaço nacional , uma rede comercial , e tc . ) .

A M icro-Histór ia não se relaciona necessa r iamente ao es tudo de um

espaço f ísico reduzido, embora isto possa até ocorrer . O que a Micro-

Histór ia pretende é um a reduç ão na escala de observação do h is toriador

com o intui to de se perceber aspectos qu e de outro m odo passar iam de-

sapercebidos. Quando um micro-his tor iador es tuda uma pequena comu-

nidade, ele não estuda propr iam ente

  a

  pequena comunidade, mas es tuda

através  da peque na com unid ade (não é por exemplo a perspect iva da

História Local, que busca o estudo da realidade microlocalizada por ela

mesma) . A comunidade examinada pela Micro-Histór ia pode aparecer ,

por exem plo, com o um m eio para atingir a com preensã o de aspectos es-

pecíf icos de uma sociedade mais ampla. Da mesma forma, posso tomar

— 99 —

Page 101: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 101/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

para es tudo um a "real idade mic ro" com o intui to de com preen der cer tos

aspectos de um processo de central ização estatal que, em um e xam e en-

caminhado do ponto de vis ta da macro-his tór ia , passar iam cer tamente

desapercebidos.

O o bjeto de es tudo do micro-h is tor iador não precisa ser desta form a

o espaço microrrecortado. Pode ser uma prática social específ ica, a tra-

jetór ia de determinados atores sociais , um núcleo de representações ou

qualque r outro aspecto que o his tor iador considere reve lador em relação

aos prob lem as socia i s que es tá se d isp on do a exa m inar . Se e le e labo ra

a biograf ia de um indivíduo (e f reqüentemente escolherá um indivíduo

anônim o) , o que o estará interessando n ão é propr iam ente b iogra far es te

indivíduo, mas s im os aspectos que poderá perceber através do exame

microlocalizado desta vida.

Para ut i lizar um a metá fora conhecida , a M icro-Histór ia propõ e a ut i -

l ização do microscópio ao invés do telescópio. Não se trata, neste caso,

de depreciar o segundo em relação ao prim eiro. O que imp orta é ter con s-

ciência de que cada um destes instrumentos pod e se mo strar m ais apro-

priado para conduzir à percepção de certos aspectos do universo (por

exem plo, o espaço s ideral ou o espaço intra-atôm ico) . D e igual m aneira,

a Micro-Histór ia procura enxergar aqui lo que escapa à Macro-Histór ia

tradicional , empreendendo para tal uma "redução da escala de observa-

ção" que não poupa os de ta lhes e o exam e in tens ivo de um a do cum en-

tação . Consideran do os exem plos antes citados, o que imp orta para a M i-

cro-História não é tanto a "unida de de ob servaç ão", m as a "escala de ob-

servaç ão" ut i lizada pelo his tor iador , o m od o intensivo com o ele obse rva

e o que ele observa.

Tal como se deu com as demais divisões da História pertinentes ao

t ipo de "abord agem ", é m ais apropr iado que o pesquisador declare a sua

opção pela Micro-Histór ia no capí tulo "Metodologia" do seu projeto ,

embora de cer ta forma a Micro-Histór ia também traga consigo cer tas

implicações teóricas. Em vista destas implicações, não é descabido men-

cionar a opção pelo cam po da Micro-H istór ia no Quad ro Teór ico. Ma s o

impo rtante é que não haja repet ições .

Com relação aos

  domínios

  da Histór ia ( terceiro campo proposto

pelo Quad ro 6) , e les são de núm ero indef inido, um a vez que se referem

— 100 —

Page 102: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 102/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

aos "agentes his tór icos" que eventualmente são examinados (a mulher ,

o margina l , o jov em , as m assas anôn ima s, e qualqu er outro), aos "am bi-

entes so ciais" (rural , urbano, vida privada), e aos "objetos de estudo " (ar-

te, direito, religiosidade, sexualidade). Os exemplos sugeridos são ape-

nas indicat ivos de uma quant idade de campos que não ter ia f im.

Pode se dar que seja ma is apropr iado deixar para m enciona r os "do-

mínios his tór icos" em que se inscreve a pesquisa por ocasião da "Deli-

mitação do Tema", já que r igorosamente es tes t ipos de subdivisões da

Histór ia se referem m ais do que tudo a cam pos tem áticos . O u, se já t iver

s ido real izada uma "Revisão Bibl iográf ica" , pode ser que al i tenha se

m ostrado u m a ocasião m ais opor tuna para es te t ipo de inserção, que nes-

te caso vir ia sob a forma de associação da pesquisa com a l i teratura já

exis tente em cada campo temático que tenha com ela cer tas af inidades

(uma tese sobre "a mulher no mundo is lâmico" dialoga s imultaneamen-

te com a "história das mulheres" e com a "história das religiões") . Tal

co m o se tem re ssaltad o, o im portan te é que não ha ja repetiçõe s inúteis, o

que tornaria cansativa a leitura do Projeto.

5 .4 . Conce i tos per t inen tes ao campo de es tudos ou à

l i n h a d e p e s q u i s a

É hora de discutir que conceitos e categorias deverão ser relaciona-

dos pelo pesq uisado r no seu Quadro Te ór ico. As vár ias respostas possí-

veis dep end em , obviam ente, da própr ia pesquisa que está sendo realiza-

da. O que pode ser s ignif icat ivo para uma pesquisa, já não o será para

uma outra.

Assim , a própr ia inscr ição da pesquisa em um cam po espec íf ico, ou

em uma de te r min ada " l inha de pesqu i sas"* , pode ab r i r po tenc ia lme n-

te um circui to concei tuai a ser discut ido. Tomaremos, apenas como um

exemplo entre outros possíveis , um campo his tor iográf ico específ ico.

Se, por exemplo, inscrevo a minha pesquisa na História Regional,

será talvez oportuno discutir conceitos como o de "região", "terr i tório",

"es paç o" - o que deixará claro não apen as o conce i to de região que esta-

rei empregando (e com is to uma concepção específ ica de Histór ia Re-

gional) como também os critér ios que privilegiei para definir a região

relativa ao meu recorte temático.

—1 1 —

Page 103: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 103/238

Page 104: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 104/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

5 .5 . Conce i tos per t inen tes ao recor te temát ico

Con siderando-se agora o tem a da pesquisa , que concei tos , ca tego-

r ias , noções ou te rmos devem ser esc larec idos ou d iscu t idos no Qua-

dro Te ór i co de um Projeto (ou m esm o na Tese a ser redigida futuram en-

te)? Esta é um a que stão que dev e ser or ientada sobretudo pelo bom sen-

so. Por um lado, o esclarec ime nto de concei tos e expressõ es-chav e m os-

tra-se uma necessidade decorrente do própr io movimento do pesquisa-

dor pela rede intertextual com a qual ele dialoga. Há expressões e concei-

tos que s ã o p o l i s s ê m i c o s , gera ndo a nec ess ida de de se prec isa r os sen-

t idos em que serão ut i l izados pelo pesquisador . Desta forma, será uma

boa medida def inir tanto os concei tos ou as expressões que poder iam

oferece r ao lei tor am bigüid ade s na interpretação, com o també m aqueles

que dese jamos que se jam compreendidos com um s ign i f icado bem es-

pecíf ico, mais adequado aos objet ivos da pesquisa.

Há outros concei tos que, mesmo que não sejam propr iamente pol is-

sêmicos, oferecem o pretexto para introduzir es ta ou aquela discussão

teórica im portan te para o Proje to e para a futura Te se ou texto de e xposi-

ção de resultados. Existe ainda a questão de que um Projeto de Pesquisa

não se dirige apenas a t rês ou cinco exam inadores que, desde sem pre, es-

tar iam fam il iar izados com q ualque r noção m ais técnica ou erudi ta a ser

em pregada no t rabalho. O Projeto de Pesquisa ou de Disser tação, depois

de qual i f icado, estará even tualm ente à disposição de outros pesquisado-

res e leitores (isto, em to do o caso, ocorrerá ne cess ariam ente p ara o caso

da Tese propr iam ente di ta) . Por is to, tam bém pod e ser um a boa m edida

defin ir conceitos pouco u ti l izados ou conhecidos qu e eventualm ente irão

apare cer ou ser operac ionalizado s na pesquisa, sobretudo aquelas noções

que fazem par te do domínio teór ico de um número re la t ivamente res -

tr i to de especialistas.

Em vista do que foi colocado, o pesquisador precisa orientar a sua es-

colha de definiçõe s e discussão de conce itos em torno de aspectos que vão

das exigências teóricas incontornáveis aos interesses de esclarecer o seu

trabalho para uma faixa de público mais ampla. Umberto Eco, em   Como

se faz uma tese,

  dá a perceb er de mane ira muito clara esta necessidade de

util izar o bom senso na escolha de e xpressões a serem esclarecidas:

De início,  definem-se os termos usados, a menos que se trate

de termos consagrados e indiscutíveis para a disciplina em cau-

Page 105: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 105/238

Page 106: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 106/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

a) Processo de p rodução de significados, signos e valores na vida social

b) Um corpo de idéias característico de um detenninado grupo ou classe

social

c) Idéias que ajudam a legitimar um poder político dominante

d) Idéias falsas  que ajudam a legitimar um poder político dominante

e) Comunicação sistematicamente distorcida

f) Aquilo que confere certa posição a um sujeito

g) Formas de pensamento motivadas por interesses sociais

h) Pensamento de identidade

i) Ilusão socialmente necessária

j) A co njuntura de discurso e poder

k) O veículo pelo qual atores sociais conscientes entendem o seu mundo

1) Conjunto de crenças orientadas para a ação

m) A confusão entre realidade lingüística e realidade fenomenal

n) Oclusão semiótica

o) O meio pelo qual os indivíduos vivenciam suas relações com uma

estrutura social

p) O processo pelo qual a vida social é convertida em uma realidade

natural

Diante da var iedade de usos do concei to de " ideologia" possíveis e

atualm ente circulantes nas Ciências Hu m ana s, o pesquisador que quiser

operac ional izar es te concei to ou enunciá- lo com maior precisão deve es-

clarecer, para os outros e para si mesmo, o que está entendendo por

"ideo logia" . Trata-se de um a dimen são "fals i f icad ora" da real idade? De

uma auto-expressão s imbólica colet iva? Esta auto-expressão s imbólica

se es tabelece a part ir da prom oção e legi timação de determinados inte-

resses socia is em face dos interesses de grupo s sociais opo stos? Estes in-

teresses sociais setorializados são restr ingidos às atividades de um po-

der social dominante? As idéias e crenças que ajudam a legitimar os in-

teresses de um grupo dominante são encaminhadas através da dis torção

— 105 —

Page 107: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 107/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

e da dissimulação? Ou a ideologia abrange crenças falsas ou i lusórias

or iundas da es trutura mater ial da sociedade como um todo?

Tivéssemos pretendido dar como exemplo o concei to de "cul tura" ,

não haveria letras suficientes no alfabeto para organizar um a tabela com o

a que foi at rás proposta para o concei to de " ideo logia " - e m esm o as pró-

xim as vinte pág inas não dariam conta desta op eraç ão - tantos são os sig-

n i f i cados a tua lmen te u t i l i zados pa r a "cu l tu r a" nos campos da H i s tó -

r ia , da Sociologia, da Antropologia, da G eog raf ia , e inclusive das ciên-

cias naturais.

Pode-se ter uma idéia ainda mais clara da multiplicidade de sentidos

que se relacionam a vários dos conceitos uti l izados na História e nas

Ciências Hum anas , com a leitura de obras que se prop õem precisam ente

a discut i r o vocab ulár io teór ico, ou mais espe cif icam ente o v ocabu lár io

socio lóg ico e h is to r iográf ico . É o caso , por exemplo , da obra

  Inicia-

ção ao Vocabulário da Análise Histórica

54

,

  de Pierre Vilar , ond e o autor

apresenta de forma crít ica a r iqueza conceituai e a diversidade de usos

em noções como "estrutura" , "conjuntura" , "classes sociais" , "povos" ,

"nações" , "estados" . Discussões deste t ipo também aparecem nos ver-

betes de dicionár ios especial izados em vo cabu lár io his tór ico, sociológi-

co, antrop ológic o e polít ico

55

. A

 Enciclopédia Einaudi,

  por sua vez , pos-

sui um bom número de volumes que se propõem a discut i r de maneira

aprofundada de tenninadas noções e concei tos , fo rnecendo ao mesmo

tempo u m a sér ie de indicações bibl iográf icas para cada caso

56

. Assim, o

volume denominado "Região" contém verbetes como " reg ião" , "c ida-

de", "aldeia", "população", etc. Por outro lado, a l i teratura teórica tam-

bém é r ica em livros inteiros que se pro põ em a discutir um a única noç ão,

54. Pierre V ILAR .  Iniciação ao vocabulário da análise histórica.  Lisboa: Sa da Costa, 1985.

55. Existem desde os dicionários especializados em um campo disciplinar como a História ou a

Sociologia (por exemplo o  Dicioná rio das Ciências Históricas,  organizado por André

BUR GU IÈRE ), até os dicionários especializados em um a única abordagem teórica, como o

 Di-

cionário do Pensamento Marxista,  organizado por Tom BOTTOMORE. Existem ainda os dicio-

nários especializados em um único objeto de estudos, como o  Dicionário Critico da Revolução

Francesa,  organizado por François FURET e Mona OZOUF.

56. Ruggiero ROM AN O (dir.) . Enciclopédia Einaudi.  Lisboa: Imprensa Nacional, 1984. 41 vo-

lumes.

— 106 —

Page 108: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 108/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

idéia ou conce ito, com o é o caso, por exem plo, da obra Da Revolução  de

Hannah Arendt

5 7

.

No q ue concerne a um Projeto, mostra-se particularmente importante a

definição de expressões-chave que, constituintes do próprio título da Pes-

quisa, possam dar margem a ambigüidades. Assim, uma Tese ou Projeto

que tenha o título: "Araribó ia: a construção de um m ito" pode requerer que

se esclareça no Qu adro Teórico o que se está entende ndo p or "mito". É pre-

ciso esclarecer ao leitor se a palavra está sendo empregada no seu sentido

vulgar, em algum dos seus sentidos antropológicos, no sentido de "mito po-

lít ico", ou em qua lquer outro. Se "mito " está sendo em pregad o com senti-

do antropológico, con vém iniciar um a discussão em torno deste conceito,

aproveitando para registrar os diálogos que o autor do trabalho pretende

estabelecer com esta ou aquela corrente da Antropologia.

Da m esm a fo rm a, se o tí tulo da Tese a ser desenv olvida é "Ideologia e

Música: apropriações políticas do nacionalismo musical no Estado Novo",

pod e ser adeq uado discutir o que se está entendend o por "ideologia", e o

que se está entend endo po r "naciona lismo m usical", para além de encam i-

nhar um a discussão teórica sobre o Estado Nov o que deixe clara a posição

do autor com relação a esta temática espec íf ica (este últ imo aspecto tam-

bém pode ser discutido na Revisão Bibliográfica, se esta consti tuir um

item separado do Quadro Teórico). De maneira similar , este tema pode

exigir que se tome um a posição a favor ou contrária em relação ao uso de

conceitos com o o de "po pulism o", "traba lhismo ", ou outros. Pode ser que

se ache necessário pôr o conceito de "nacionalismo musical" a dialogar

com o conceito de "modernismo", e assim por diante.

Co nform e já ressa ltamo s, a decisão de esclarecer ou discutir um con-

ceito, um termo ou uma expressão no Quadro Teórico deve ser orientada

na confluência das necessidades da própria pesquisa e do bom senso do

pesquisador. Os exemplos acima foram meramente i lustrativos.

57. É elucidativa a leitura do primeiro capítulo desta obra, no sentido de perceber com o pode ser

aprofundad a a discussão de uma única noção, a de "revolução" (Hannah AR EN DT . "O Signifi-

cado de Revolução". In  Da Revolução, São Paulo: Ática/UNB, 1998. p.  17-46). Também exis-

tem textos da autora onde se procura definir "política" ( O Que é Política?  Rio de Janeiro: Ber-

trand Brasil, 1990). Outro exemplo interessante, agora para o conceito de "estrutura", acha-se

em Roger BASTIDE (coord.).  Usos e sentidos do termo estrutura nas ciências humanas.  São

Paulo: Herder/EDUSP, 1971.

Page 109: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 109/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

5 . 6 . N o r m a s p a r a a e l a b o r a ç ã o d e d e f i n i ç õ e s

conceituais

Um a vez exam inado s os aspectos que envolvem as dec isõ es de se-

lecionar determinados concei tos para serem discut idos em um Quadro

Teórico seria úti l , agora, falarmos sobre os aspectos redacionais relati-

vos a esta operação.

Algu ma s norm as gerais pod em ser úteis para a or ientação de def ini-

ções ou de esclarecimentos concei tuais a serem elaborados ou corr igi-

dos pelo pesquisador-escr itor . Um a def iniçã o* deve ser tão breve q uan-

to possível na sua un idad e frás ica inicial . Em s eguid a a ela, se for o caso,

o autor pode desdobrar tantos comentár ios quantos achar necessár ios ,

ou mesmo situar por oposição a sua definição em relação a outras, indi-

car as suas referê ncia s teóricas ou critér ios, apo ntar as vanta ge ns de suas

escolhas, e assim por diante. Estaremos nos referindo, a seguir , apenas a

este momento frásico inicial , onde o autor procura sintetizar em duas ou

três l inhas a essênc ia do con ceito q ue tem em m ente , defin ind o-o a partir

dos aspectos que o singularizam.

Um a pr imeira preca ução na elaboração de def iniçõ es e de esclareci-

me ntos conce i tuais é evitar o uso de vulgar izaçõe s e def in ições cot idia-

nas . É preciso ter algum a de scon f iança , por exem plo, em relação às def i -

nições de dicionário (a não ser que seja um dicionário especializado),

porque na ma ior par te das vezes es tas def iniçõe s não são elabo radas de

maneira cient í f ica. A t ransferência de def inições de um dicionár io co-

m um , sem nenhu ma cr ít ica, para um a obra que pretende assum ir um a di-

co r

m ensão cient íf ica, pod e produ zir equívoco s drást icos . E m ais acer tado

confiar em obras teóricas mais densas, ou em livros e artigos especiali-

zados na matéria relativa à pesquisa.

Em alguns casos , o pesq uisado r não deve hes i ta r em reform ular e le

m esm o algum as def in içõ es , já ref le t idas a par t i r do que dizem os textos

especial izados, mas adaptando-as a par t i r do seu própr io senso cr í t ico.

Tam bém ocor re com a lgu ma f req üên cia a nece ss idade de cria r um con-

cei to inédito , e conse qüen tem ente de def ini- lo da maneira m ais apropr i-

ada possível para o lei tor (Char les Darwin, em exemplo atrás mencio-

58. Ver A.J. BACH RA CH. Introdução à pesquisa psicológica.  São Paulo: EPU , 1975. p.51-53.

Page 110: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 110/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

nad o, prec isou elab orar o con cei to or iginal de "seleçã o natural" , já que

es tava desenvo lvend o um a abordag em do m und o natura l a té en tão não

exis tente e para a qual o própr io instrumental teór ico ainda precisava

ser inventado) .

Alg uns cr i térios redacion ais pode m or ientar a elaboração correta de

um a de f inição a ser incluída em u m trabalho cient í f ico. Em p r imeiro lu-

gar , somente devem ser empregados em uma def inição termos suf icien-

temente claros por s i mesmos, ou então termos que, embora não sejam

nece ssar iam ente claros ou s imp les , já fo ram def inidos anter iorme nte n o

mesmo trabalho.

É nova m ente o bom senso o que deverá or ientar a decisão de esclare-

cer esta ou aquela expressão, de empregar esta ou aquela palavra menos

habi tüal ou ma is técnica sem m aiores esclarecimentos - sem pre evi tan-

do os extrem os de, por um lado, meno sprez ar a capacidade com preensi-

va do leitor , e de, por outro, considerá-lo um

  expert

  ou um conhecedor

de todas as exp ressõe s possíve is. Ou seja, aqu ele que redige o texto c ien-

t í f ico deve se movim entar eqüidis tante à obsessão ingênua de tudo def i-

nir e à negligência de deixar idéias obscuras pelo caminho.

Assim , por exemplo, em um tex to de Histór ia não é preciso se preo-

cupar com o esclarecimento da expressão "mater ial ismo his tór ico" que

foi ut i l izada em um a determ inada def iniç ão de concei to , porque esta ex-

pre ssã o já d eve ser fam iliar a qua lque r leitor m edia no de textos historio-

gráf icos . Mas, em uma Tese de Histór ia que atue em um regis t ro inter -

disciplinar com a Psicanálise, talvez seja interessante esclarecer pala-

vras com o "pulsão"* ou "dene gação", que podem não ser conhecidas por

todos os leitores de l ivros de História (embora sejam palavras bem co-

nhecidas entre os leitores especializados em Psicanálise) .

N ão se deve cair na armadilha de incluir na def inição, m esm o de m a-

neira disfa rçad a, a própria pala vra ou con ceito que se preten de de finir , o

que equivaler ia , grosso modo , a expl icar de maneira tautológica um a pa-

lavra pela própria palavra. Nem se deve enveredar pela operação inútil

de definir um termo pelo seu contrário. Por exemplo, é inútil e redun-

dante a def iniçã o de que "um a revolução é um mo vim ento social condu -

zido por revoluc ioná rios", ou de que "a guerra é a si tuação caracte rizada

pela presença d e bel icosidad e". D a me sm a fo rma , será inút il e sclarecer

— 109 —

Page 111: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 111/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

que se es tá entendendo "revolução" como "a s i tuação que produz um

rom pim ento e m relação à ordem p ol í tica vigente" , ou que se es tá concei-

tuando "guerra" como "a s i tuação que se opõe à paz" . Def inições como

estas não levam a lugar nenhum, e não têm nenhum "conteúdo" real

aproveitável para um trabalho científ ico.

A e laboração da def in ição de um concei to deve , e fe t ivamente , as -

sociar-se a um enr iquecimento ou a uma conquis ta na produção de co-

nhecimento, contr ibuindo s imultaneamente para ampliar ou redef inir a

"co m pree nsã o" que se tem de alguma co isa e para deixar claros os l imi-

tes dentro dos quais se aplica a conceituação proposta, o que em lingua-

gem f i losóf ica s ignif ica esclarecer a "extensão" do concei to ( já falare-

mo s sobre is to) . Even tualme nte, a def iniçã o pod e ainda clar i f icar a posi-

ção do concei to dentro de um a rede teórica mais am pla, com algum t ipo

de referênc ia.

Para além disto, deve-se atentar para o fato de que um c onc eito dev e

implicar em alguma form a de general izaçã o, deixan do de fora par t icula-

r izações que se ref i ram apenas a um objeto ou fenôm en o isolado. M uitas

das formulações concei tuais inúteis que aparecem nos Projetos de Pes-

quisa e em Te ses dev em -se ao fato de que o auto r não tem be m c laro para

si mesmo o que s ignif ica mais propr iamente um "concei to" . Começare-

mos então por aqui.

Um concei to* é uma formulação abstrata e geral , ou pelo menos

passível de generalização, que o indivíduo pensante uti l iza para tornar

alguma coisa inteligível nos seus aspectos essenciais, para si mesmo e

para outros. Visto desta forma, o conceito consti tui uma espécie de ór-

gão para a percepç ão ou para a construção de um conh ecim ento sobre a

realidade, mas que se dir ige não para a singularidade do objeto ou even-

to isolado, mas sim para algo que l iga um objeto ou evento a outros da

mesma natureza, ao todo no qual se insere, ou ainda a uma qualidade de

que participa.

Assim, muito habitualmente, os conceitos correspondem a categorias

gerais que defin em classes de objetos e de fenô m eno s dados ou construí-

dos, e o seu objetivo é sintetizar o aspecto essencial ou as características

existentes entre estes objetos ou fenôm eno s. Desta m aneira, a R evoluçã o

— 110 —

Page 112: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 112/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

Francesa ou a Revolução Americana não são conceitos, mas "revolução"

sim. Da m esm a form a, o concei to m arxis ta de "mod o de produção" p ode

encon trar um desdobram ento no "mo do de produção asiático" ou no "modo

de produçã o feu dal" : m as não tem sentido, por exem plo, dizer que se pre-

tende concei tuar o "modo de produção feudal" em uma determinada re-

gião da Europa M edieval. O q ue se está fazen do neste últ imo caso é des-

crever uma situação social específ ica, que pode até se enquadrar no que

habitualmente se define como "modo de produção feudal", mas que neste

tipo de operaç ão (a descrição de um fenô m eno ) virá misturada com singu-

laridades que não fazem parte do âmbito conceituai.

De maneira análoga, pode-se "expl icar" his tor icamente o que foi a

Re volu ção Fra nce sa a partir de um certo po nto de vista, mas não se pod e

"con cei tuá- la" , um a vez que a Rev olução Fran cesa const itu i um conjun -

to singular e único de situações e aspectos. Uma descrição histórica,

mesmo que s intet izada, não pode ser confundida com uma concei tua-

ção. A explicação construída sob re a Rev olução Francesa, por outro lado,

poderá se valer dentro dela do uso do concei to de "revoluçã o", me diante

o qual, se a explicação for levada até este ponto, o leitor poderá saber o

que há de com um entre a Rev olução Francesa e a Revolução Chinesa e a

Rev olução Cu bana , e o que habi li ta chama r a cada um daqueles eventos

e s i tuações de "revolução".

Por tanto, es te t ipo de concei to , quando bem formulado, representa

som ente os eleme ntos que são absolutam ente e ssenciais ao objeto ou fe-

nômeno considerado na sua general idade, e deste modo ele deve t razer

para a sua def in ição aspectos qu e são com uns a todas as coisas da mes-

ma espécie, de ixand o de fora fatores que são som ente par t icular izantes

de um objeto ou fenômeno s ingular .

Exemplos de concei tos que reúnem objetos par t iculares em uma

única classe podem ser encontrados na própr ia vida cot idiana. "Pássa-

ro", por exemplo, é um conceito construído a partir da abstração das ca-

racteríst icas que todos os pássaros têm em comum. Trata-se, por outro

lado, de um exe m plo de concei to muito men os abstrato que o de "revo-

lução", um a vez qu e as caracter ís ticas que todos os pássaros têm em co-

m um , e que const i tuem o concei to de "páss aro" , são faci lmen te observá-

veis ou mensuráveis . Já a elaboração do concei to de "revolução", con-

forme teremos opor tunidade de ver if icar mais adiante, requer um grau

 i n

 —

Page 113: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 113/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

maior de abstração que t ranscende a mera observa ção direta . Alguns au-

tores chamam a este t ipo de conceito construído a um nível de abstração

mais elevado de

  constructo*

59

.

Enquanto o concei to propr iamente di to tem os seus elementos mais

imediatamente apreensíveis (por observação ou por mensuração) , o

constructo* não permite uma apreensão ou mensuração direta de suas

propriedades ou aspectos essenciais, e muitas vezes tem de ser construí-

do ut i lizando-se de outros concei tos , de men or nível de abstração, com o

mater iais de base. As sim , "pe so" é um conc ei to de nível m ais direto de

apreensão ( já que os objetos se apresentam ime diatam ente à sensibi l ida-

de humana com o " leves" ou "pesados") . "Vo lum e" remete a apreensões

imediatas que estão relacionadas ao espaço ocupado por um corpo.

"Massa" é um concei to mensurável f is icamente com os instrumentos

adequados (a massa de um corpo depende s imultaneamente de quantos

átomos ele contém e da massa individual destes átomos) . "Densidade",

contudo, é um concei to que necessi ta de um nível maior de abstração:

pode ser def in ido no caso com o uma " re lação en tre 'm as sa ' e ' vo lu m e ' "

(massa  - volum e) . Ne sta s i tuação, a elaboração do constructo "densida -

de" necessi tou da ut i l ização dos concei tos de "massa" e "volume", de

menor nível de abstração

6 0

.

Retornando à idéia de "revolução", mais adiante veremos que este

conceito necessita da uti l ização de outros materiais conceituais para a

sua elaboração, construindo-se na combinação ou na relação entre .con-

cei tos e noções como os de "violência" , "mudança", " l iberdade", "mo-

vimento social" , que de um modo geral são concei tos mais imediata-

mente apreensíveis ( todos já es tão famil iar izados com a "violência" ou

com a idéia de "m ud an ça " a par t ir da sua própr ia vida cot idiana) . Assim ,

mais r igorosamente, "revolução" ser ia um constructo*. Para s implif i -

car , neste es tudo chamaremos de "concei tos" às diversas elaborações

59. Ver, entre outros, Ab raham KA PL AN . A Conduta na pesquisa: metodologia para as ciên-

cias do comportamento.  São Paulo: Herd er/Edusp , 1969.

60. Poderíamos prosseguir adiante na elaboração de novos constructos, cada vez mais comple-

xos. O constructo "densidade relativa", por exemplo, refere-se à "densidade de uma substância

particular comparad a com a densidad e da água". Portanto, é um c onstruc to de nível ainda m aior

de abstração, pois requer a utilização do constructo "densidade", que por sua vez já havia rela-

cionado os conceitos de "massa" e "volume".

— 112 —

Page 114: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 114/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

nos vár ios níveis de abstração, indepe ndentem ente de serem constructos

ou concei tos propr iamente di tos .

Vim os acima que "revo luç ão " ou "pá ssaro " são concei tos que s inte-

t izam as caracter ís t icas essenciais de fenômenos ou objetos do mesmo

tipo. Ma s vale lemb rar que existem conceitos que não se referem propria-

mente a categor ias gerais nas quais se enquadram objetos par t iculares ,

m as s im a propr iedade s, a processos ou s ituações general izadas que aju -

dam a compreender o mundo circundante. O concei to darwiniano de

"seleção natural" , por exem plo, foi cunha do para representar um proces-

so global relat ivo a um sis tema de mútuas interações do qual par t icipa-

riam todos os seres vivos na sua luta pela sobrevivência. O conceito de

"central ização pol í t ica"* ar t icula-se a uma cer ta maneira de ver o pro-

cesso.m ediante o qual determ inado s pode res e at ribuições de controlar e

organizar a sociedade pas sam a se conce ntrar em torno de um núcleo es-

tatal . O concei to de " imaginár io"* procura dar conta de uma dimensão

da vida hum ana associada à produ ção de im agens visuais, mentais e ver-

bais , onde são elaborados "s is temas s imbólicos" divers if icados e onde

se constroem "representações" . Estes t rês exemplos ("seleção natural" ,

"central ização", " imaginár io") referem-se a concei tos que não produ-

zem , necessa r iamen te, s is temas de class if icação. Da mes m a forma , at ri -

butos ou propr iedades podem ser concei tuados, como "just iça" , " l iber-

dade" , "dens idade" .

O im portante é com preen der qu e o concei to é um a  abstração  elabo-

rada a partir da generalização de observações particulares. Sobretudo, é

preciso ter em m ente que o concei to é um a construção lógica que tem o

objet ivo de organizar a real idade para o sujei to que busca conhecê- la ,

mas não se devendo confundir a abstração concei tuai com esta mesma

real idade. Assim, os conce i tos não exis tem com o fenôm eno s reais , me s-

m o que tentem representar os fenô m eno s reais (a não ser , é claro, em teo-

rias idealistas como a platônica, onde as idéias têm uma existência con-

creta para além do universo imaginário criado pelos homens na sua bus-

ca de compreender o mundo) .

N ão obs tante, apesa r de não possuir um a existência real, o conc eito é

um instrumento imprescindível não apenas para o conhecimento cient í -

f ico, como para a própr ia vida comum. Se os objetos e fenômenos não

pud essem ser conceb idos em term os de sem elhanças e diferenças , com a

— 113 —

Page 115: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 115/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

ajuda dos concei tos , a ciência e um a sér ie de outras at ividades hum ana s

fundamentais s implesmente não ser iam possíveis . Neste sent ido, o con-

cei to é um m ediador necessár io entre o sujei to pensa nte e a real idad e.

Em se t ratando de "concei tos cient í f icos" , acrescentar íamos que o

concei to deve possuir destacada clareza e suf iciente precisão, uma vez

qu e são eles que irão defin ir a fornia e o con teúdo da teoria a ser cons truí-

da pelo sujei to de conhecimento. Dis t ingue-se, por tanto, de outros ins-

t rumentos impor tantes mas cer tamente mais vagos e menos precisos na

com unicação humana, como os " termo s" - que são expressões que habi -

tualm ente passam a fazer par te do voca bulár io de um ca m po discipl inar

ou de um universo temático mas sem uma maior precisão concei tuai .

Poder-se- ia falar ainda das "noções" , que são "quase concei tos" , mas

ainda funcionando como imagens de aproximação de um determinado

objeto de conhecimento que ainda não se acham suf icientemente del i -

m itadas . É possível , neste sentido, que um estudioso cr ie um a "n oç ão " e

que, ao longo de diversos trabalh os cien tíf ico s - seus e de outros - esta

noção vá gradualmente se t ransformando em "concei to" ao se adquir i r

na comu nidad e cient í f ica um a consciência m aior dos seus l imites , da ex-

tensão d e objetos à qual se aplica, e tam bé m a o se clarif ic ar m elho r o seu

polissemismo interno com as conseqüentes escolhas dos estudiosos. Diga-

se de passagem, os " termos" e "noções" mais impor tantes para um tra-

balho também podem e devem ser esclarecidos no Quadro Teór ico de

um Pro je to . Serão igualmente " ins t rumentos" impresc ind íveis para o

estudioso, cumprindo notar que o conceito pode ser me taforicam ente com -

parado a um "instrumento de alta precisão".

Compreendido o que é r igorosamente um "concei to" , poderemos

agora passar a pontuar o t ipo de conteúdo que deve aparecer na sua defi-

nição, quando ela é registrada pelo pesquisador na sua Tese ou no seu

Projeto de Pesquisa.

D o pon to de vista f ilosófico, todo con ceito possui dua s dim en sõe s a

serem cons ideradas : a "ex tensão" e a "com preens ão" (às vezes tam bém

cham ada de "conteúdo") . Cham a-se "ex tensão " de um concei to prec isa-

mente ao grau de sua abrangência a vár ios fenômenos e objetos; e cha-

ma-se "compreensão" de um concei to ao esclarecimento das caracter ís-

— 114 —

Page 116: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 116/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

t icas que o const i tuem. À medida que um concei to adquire maior "ex-

tensão", perde em "compreensão". Para deixar mais clara es ta relação,

exempl i f icaremos com um caso especí f ico .

Quando se concei tua " revolução" como "qualquer movimento so-

cial que se produz de mane ira violenta" , dá-se a es te concei to uma "ex -

tensão" mui to grande , que passa a abranger d iversos movimentos so-

ciais mas que, em contrapar t ida, reduz a sua "compreensão" a dois ele-

m entos apen as ("movim ento social" e "violento") . Quando definimos "re-

volução" como um movimento social que se produz de modo violento,

implicando em mudanças efet ivas nas relações sociais entre os grupos

envolvidos, acrescentamos- lhe um elemento de "compreensão", mas di-

minuímos a sua extensão, já que proposto deste modo o conceito de "re-

vo luçã o" passa a abranger me nos mo vim ento s sociais (excluindo os que

imp licam em m eras trocas de poder, m as sem produzir m odifica çõe s reais

na estrutura social , sem falar nas meras agitações sociais) .

Hannah Arendt , no seu l ivro  Da Revolução,  com bina alguns ele-

mentos essenciais à "compreensão" do seu conceito de "revolução". Para

a autora, em pr im eiro lugar o conce i to mo dern o de revolução "está inex-

tr incave lme nte l igado à noção de que o curso da Histór ia com eça subi ta-

mente de um novo rumo, de que uma Histór ia in teiramente nova, uma

História nunca antes narrada está para se desenrolar"

6 1

. Atores e espec-

tadores dos m ovim ento s revo lucionár ios a par t i r do sécu lo XVII I pa s-

sar iam a ter um a consciência ou um a convicçã o mu ito clara de que algo

novo es tava acontecendo . É es ta consc iência do novo , da rup tura com

o anter ior , o que a autora considera essencial no moderno concei to de

"revolução" .

Desta forma, com este elemento essencial incorporado à "compre-

ensão" do que cham a de moderno concei to de Revolução, Hannah Arendt

separa as autênt icas revoluções, poster iores aos dois marcos modernos

das revoluções "f rancesa" e "americana", de insurreições ou revoluções

no sen t ido an t igo , onde os hom ens pens ava m nos seus mo vim entos po-

l í t icos como restauradores de uma ordem natural que havia s ido inter -

61. Hannah ARE ND T.  Da Revolução, p. 23.

— 115 —

Page 117: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 117/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

rompida, e não como algo que visava à inst i tu ição do "novo"

6 2

. Perce-

be-se que es ta ampl iação da "compreensão" do concei to de " revolu-

ção" produziu , inversamente , uma res t r ição da "ex tensão" des te con-

cei to , que passa a excluir uma sér ie de movimentos sociais da designa-

ção proposta.

Prosseguindo na ampliação da "compreensão" do seu concei to de

"revoluç ão", Arend t acrescenta que esta sem pre envo lve o desejo de ob-

tenção da " liberdad e", noção incorporada dentro da def iniçã o de revolu-

ção e que a autora dis t ingue m uito claramen te da noção de " l iber tação".

Enquanto a " l iberdade" é concei tuada em torno de uma opção pol í t ica

de vida ( implicando em par t icipação das coisas públ icas , ou em admis-

são ao mund o pol í t ico) , a " l iber taçã o" imp lica me ram ente na idéia de ser

livre da opressão (por exemplo, quando se l ivra um povo de uma tirania

intolerável , mas sem modif icar- lhe fundamentalmente as condições po-

lí ticas) . A ssim , emb ora a "libe rtaçã o" possa ser a co nd ição prév ia de "li-

berdade", não conduzir ia necessar iamente a ela . A noção moderna de

"l iberdade", pensada como direi to inal ienável do homem, difer ia inclu-

s ive da antiga noção de " l iberda de" proposta pelo m und o ant igo, relati -

va "à gam a mais ou men os l ivre de at ividades nã o-pol í t icas que um de-

terminado corpo pol í t ico permite e garante àqueles que o const i tuem".

Podemos ver, assim, que o conceito de revolução proposto por Han-

nah Arendt combina dois elementos essenciais, para além da mera mu-

dança polít ica matizada pela violência social, e m esm o da mod ificação na

estrutura social . De vem estar presentes nec essariam ente a idéia de "liber-

dade", na mod erna acepç ão já discutida, e a convicção dos próprios atores

sociais de que o ato revolucionário instaura um " no vo co m eço ". A m plia-

da a "com pree nsão " do conceito para esta comb inaçã o de elementos (m u-

dança política, violência, transformação social efetiva, liberdade política,

convicção de um "nov o com eço") , a "extensã o" de Revolução passa a en-

quadrar mu ito m enos situações, excluindo um a série de m ovim entos polí-

ticos e sociais aos quais Hannah Arendt assim se refere:

62. Neste sentido, Hannah Arendt assinala que "a Revolução Gloriosa, o acontecimento em que,

muito paradoxalmente, o termo encontrou guarida definitiva na linguagem histórica e política,

não foi entendida, de forma alguma, com o revolução, mas como uma reintegração do poder mo-

nárquico à sua antiga glória e honrade z" (Hannah AR EN DT ,  op.cit.  p.34).

— 116 —

Page 118: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 118/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

Todos esses fenômenos têm em comum com a revolução o fato

de que foram concretizados através da violência, e essa é a ra-

zão pela qual eles são, com tanta freqüência, confundidos com

ela. Mas a violência não é mais adequada para descrever o fenô-

meno das revoluções do que a mudança; somente onde ocorrer

mudança, no sentido de um novo princípio, onde a violência for

utilizada para constituir uma forma de governo completamente

diferente, para dar origem à formação de um novo corpo políti-

co, onde a libertação da opressão almeje, pelo menos, a consti-

tuição da liberdade, é que podem os falar de revolução

63

.

Percebe-se, a t ravés do exemplo atrás discut ido, que a concei tuação

cien t íf ica dev e ser m ui to m ais r ica e p rec isa do que a con cei tu açã o co-

t idiana. O concei to de "revolução" proposto por Hannah Arendt mos-

tra-se muito mais enr iquecido, ao propor uma ampliação da sua "com-

pree nsão " e um a redução da sua "extensão ", do que o concei to banal iza-

do proposto por um dicionár io comum.

Ass im, no  Dicionário Aurélio  (ediçã o de bolso ) po de-s e ler no ver-

bete "rev oluç ão" que esta é um a "rebel ião armada; revol ta; sublev ação".

Um ta l concei to , com tamanha redução da sua "compreensão" , mos-

tra-se extensivo a um tal número de movimentos sociais , ou mesmo de

golpes de Estado, ações cr iminosas e pr ivadas, insurreições espontâneas

e badernas , que mu ito pouco se poder ia fazer com ele em termos de pre-

cisão sociológica e his tor iográf ica

6 4

. Fo i com uma "compreensão" as -

sim reduzida do conceito de "revo luç ão " que a Dita dura M ilitar de 1964,

no Brasil , procurou afastar de si o estigma de que ali se t inha nada mais

nada menos do que um ar t iculado "golpe mil i tar" direcionado para a

conservação de ant igos pr ivi légios e para o abor tamento de um movi-

mento social e de consciência pol í t ica que começava a se for talecer .

Admitidas estas característ icas, o Golpe de 1964 encaixa-se mais na no-

63. Hannah AR END T,  op.cit.  p.28.

64. E verdade que, na versão completa, o Au rélio  acrescenta outras definições possíveis para

além desta que coincide com a sua segunda definição proposta. A de número 4 é praticamente

tão extensa quanto a segund a ("qua lquer transfo rma ção violenta da forma de um go verno "). Mas

pelo meno s a 3

a

 definição aproxim a-se do âm bito sociológico ao mencionar a transformação so-

cial para além da m udanç a política ("tra nsfo rm ação radical e, por via de regra, violenta, de uma

estrutura política, econômica e social"). [Aurélio B. de HOLANDA. Novo Dicionário da Língua

Portuguesa.  Rio de Janeiro: No va Fron teira, 1975].

— 117 —

Page 119: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 119/238

Page 120: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 120/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

m od o de governar (o t i rano tam bém "age e decide segundo a sua própr ia

determ inaçã o", par t icularm ente sem co nsul tar bases polí t icas e sociais) .

Assim, para tornar a segunda def inição de l iberdade mais cient í f ica

(já que a primeira não tem salvação), seria necessário acrescentar mais

elementos , ampliando a sua compreensão e diminuindo a sua extensão.

Está bem , " l iberdade é a facu ldad e de cada um se decidir ou agir segun-

do a sua própria determinação"; mas com respeito a que t ipo de ações,

obs ervan do que t ipos de l imites no que se refere ao confron to com a li -

berdade do outro? Fazendo acompanhar as decisões e ações de que t ipo

de consciência? Não ser ia necessár io nuançar também este úl t imo as-

pecto para dis t inguir o ho m em l ivre do hom em louco (que por vezes tem

a sua l iberdade enc errada dentro das paredes de um hospício exatam ente

porqu e "de cide e age segun do a sua própr ia determ inação ")? O u seria o

caso de dizer que "a l iberdade é a facu ldade

 socialmente restringida

  de

decid ir ou agir segundo a sua própria determinaçã o"?

66

  Como se vê, para

torna r um c onc eito uti l izáve l em um traba lho científ ico, é preciso lhe dar

um tratamento mais elaborado.

Ainda com relação ao esforço de elaborar a "compreensão" de um

conce i to , deve se des t aca r que um conce i to ma i s amplo pode i r s en -

do desdobrado em sucessivas divisões concei tuais . Assim, retomando o

concei to mais amplo de "revolução", del ineado de acordo com a "com-

pre ens ão " proposta po r Ha nnah Arend t, poderia ser o caso de se con struir

um a nov a divisão concei tuai , que cindisse a classe maior das revoluç ões

em "revoluções burguesas" e "revoluções social is tas" .

Por um lado todas as revoluções (de acordo com Arendt) possuem

em c om um certas característ icas - com o a m udan ça polít ica brusca e vio-

lenta, a conse cuçã o ou o projeto de um a transform ação social efet iva, a

presença da idéia de "liberdade polít ica" para além da mera "liberta-

ção", e a convicção de um "novo começo" por par te dos atores sociais .

66. Na v erdad e, a versão completa do  Dicionário Aurélio  acrescenta, para além da definição

proposta pela versão de bolso, pelo menos uma definição mais sofisticada (a de número dois),

ond e se diz que liberdade é "o poder de agir, no seio de uma sociedade o rganizada seg undo a pró-

pria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas" (Aurélio Buarque de HO-

L A N D A .  Novo Dicionário da Língua Portuguesa.  Rio de Janeiro: Nov a Fronteira, 1975).

— 119 —

Page 121: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 121/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

Este conjun to de atr ibutos indepen de de es tas revoluções serem "revolu-

ções burguesas" ou "revoluções social is tas" .

Por outro lado, no que se refere à participação ou ao t ipo de partici-

pação de determinados atores ou classes sociais no processo de luta, e

tamb ém ao seu resul tado ou intenções em term os da organiz ação social

alcançada ou a alcançar , podem começar a ser entrevis tas as diferenças

entre as "revoluções burguesas" (conduzidas pelas classes enquadradas

dentro da burgues ia e a lm ejand o uma socieda de fun dad a na prop r ieda-

de pr ivada individual e na expansão capi tal is ta) e as "revo luçõe s socia-

l istas" , cond uzida s por lideranças operár ias ou cam pon esas e mo tivadas

pela possibi l idade da dissolução das formas de propr iedade t íp icas da

sociedade burguesa ( is to é , considerando-se a concei tuação de "revolu-

ção social is ta" habi tualmente proposta pelo marxismo) .

Ser ia possível cont inuar conduzindo desdobramentos concei tuais

com o estes . Cindir , por exemplo, a class if icação das "revolu ções socia-

listas" entre aquelas que t iveram uma participação mais ativa do proleta-

r iado (como a Revoluç ão R ussa) e as que t iveram um a par t icipação ma is

at iva do campesinato (como a Revolução Chinesa) . Estar íamos deste

modo e laborando "com preensõ es" mais amplas e "ex ten sões" mais res -

tr i tas que se desdobrariam nos novos conceitos de "revolução socialista

proletár ia" e "revolução social is ta camponesa" . Cada um destes desdo-

bram entos co ncei tuais passa a se res tringir a um nú m ero m enor de ca sos

que, em contrapartida, seriam compreendidos de maneira mais r ic.a.

Mas chega um momento em que a operação de ampl iar a "compre-

ensão" de um concei to e de reduzir a sua "extensão", ou de desdobrar

um concei to mais amplo em novas subdivisões concei tuais , a t inge os

seus l imites. Saímos do plano generalizador de "revolução", para entrar

no plano par t icular izador de cada revoluç ão es pecíf ica. Se a Rev olução

Chinesa e a Revolução Albanesa podem ser caracter izadas como "revo-

luções social is tas camponesas" , o evento da "Grande Marcha" foi uma

especif icidade his tór ica da Re volução Chine sa. De screver os vár ios pro-

cessos e eventos inerentes a este acontecimento único e irrepetível que

foi a Revolução Chinesa já não é mais da esfera da concei tuação. Não

se pode concei tuar a Revolução Chinesa; pode-se enumerar as suas ca-

racteríst icas, desc rever aspec tos essenciais do seu dese nrola r histórico, e

assim por diante. Descr ições e def inições não-concei tuais também são

— 120 —

Page 122: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 122/238

Page 123: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 123/238

Page 124: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 124/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

"Revolução" , segundo a "compreensão" propos ta por Pomian , já

não é necessar iamente uma mudança brusca ("acontece que se alongue

por vários séculos") ou sequer violenta ("ela é muitas vezes silenciosa e

impercept íve l" ) . Tampouco é concebida como um novo começo ( "essa

esp écie de ano zero a partir do qual o m un do passa a ser radica lm ente di-

ferente do que era") . Por outro lado, implica neces sar iame nte n a passa-

gem de uma "estrutura" a outra . Desta forma, associada ao concei to de

"estrutura" tal foi como proposto pelos his tor iadores dos

 Annales,

  "re-

volu ção " passa a ter a sua "exte nsã o" apl icável a um a sér ie de outros fe-

nômenos para além dos movimentos pol í t icos , como a "revolução agr í-

co la" ou a " revolução dem ográf ica" .

Pode-se dar que o pol issem ism o possível de um concei to es teja pre-

sente èm um mesmo autor , mas refer indo-se a s i tuações diversas . Em

M arx e Engels , por exem plo, ocorre que às vezes - com o em

 A Ideologia

Alemã -

  a expressão "re vo luç ão" apareça relacionada com o sal to de um

modo de produção para o seguinte

70

. Neste sent ido, por tanto, também

pode incorporar fenômenos como a "revolução agr ícola" ou a "revolu-

ção urbana", de maneira s imilar ao enfoque de Pomian. Mas Marx e

Engels também empregam a expressão "revolução" no seu sent ido mais

propr iam ente pol í t ico, refer indo -se espec if icame nte a m ovim ento s soci-

ais - o que implica em um en foq ue mais próxim o do proposto por Han -

nah Arendt, embora bem mais f lexível (ou "extenso")

7 1

.

É preciso notar , ainda, que dois autores podem elaborar um conceito

a par ti r de um a "co m pre ens ão " idênt ica ou mu ito próxim a, e no entanto

difer i rem na sua conc epçã o conc ernen te à "exte nsão " deste concei to , no

que se refere a quais os casos observáveis que se enquadrariam neste

concei to . Assim, Gianfranco Pasquino, encarregado de compor o verbe-

te "revolução" para o  Dicionário de Política  coordenado por Norber t

Bobbio, não deixa de chegar a uma "compreensão" deste concei to bas-

tante compatível com a de Ha nna h A rendt , uma vez que nela com bina os

70. A idéia de "revolução" como substituição de um modo de produção por outro tornou-se típi-

ca do marxismo economicista da Segunda Internacional. O texto fundamental de Marx que auto-

riza este uso conceituai é o "Pre fác io" da C ontribuição  à Crítica da Economia Politica, de 1859.

71. Assim, m ovimentos sociais que não seriam considerados com o "revoluçõ es" por Arendt,

como a Revolução Gloriosa ou alguns movimentos sociais do século XVI, são referidos como

tais por Marx e Engels em obras diversas.

— 123 —

Page 125: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 125/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

aspectos da violência, da intenção de promover efet ivamente mudanças

profundas nas relações sociais , a lém do aspecto relat ivo ao sent imento

do novo

72

. N o entanto, no exa m e dos casos em píricos - isto é, na av alia-

ção de que processos históricos se enquadrariam na categoria "revolu-

ção" - discorda da afirmação de que a Revolução Americana tenha sido

efet ivamente um a Revolução, prefer indo enxergá- la com o um a "subespé-

cie da guerra de libertação nacio nal"

73

. Por outro lado, já adm ite que a R e-

volução Francesa teria introduzido uma mudança no conceito de "revolu-

ção", passando-se à fé na possibil idade da criação de uma ordem nova.

Assim, apesar de um a "com preensão " relat ivamente próxima ou co mpatí-

vel de um mesmo conceito, os dois autores divergem no que se refere ao

ajuste dos casos concretos à "extensão" atr ibuída a este conceito.

Estes exemplos, entre tantos outros que poder iam ser relacionados,

são suficientes para mostrar que, ao procurar precisar os conceitos que

irá uti l izar , o estudioso pode ter diante de si uma gama relativamente

ampla de al ternat ivas . E esta var iedade de possibi l idades - verdadeira

luta de sentidos diverso s que se estab elece no interior de um a única pala -

vra - o que torna desejáv el um a delim itaçã o bastan te clara do uso ou dos

usos que o autor pretende atr ibuir a uma determinada expressão-chave

de seu trabalho.

Para além do estabelecimento preciso da sua "compreensão" e "ex-

tensão" deve-se sal ientar ainda que a elaboração da def inição de um

concei to no Quadro Teór ico tamb ém pode inco rporar ar t iculações-inter-

textuais . Pod e ser que seja opor tuno , por exem plo, incluir um a referên -

cia teórica ou autoral no texto de uma definição.

Por exemplo, "ut i l izaremos a expressão ' in telectual orgânico ' no

mesmo sent ido proposto por Gramsci , apl icando-se àqueles que, saídos

72. Além disto, incorpora imp licitamente o fator da "l ibe rdad e" no me smo sentido com preen -

dido por Arendt ao dis t inguir a revolução da mera luta de l ibertação (Gianfranco PASQUI-

NO. "Revolução". In Norberto BOBBIO  et alii. Dicionário de Politica.  Brasília: UNB, 2000.

p.

 1125). Por outro lado, Pasquino restringe um pouco mais a "compreensão" do seu conceito ao

referir-se à revolução com o uma "tentativa" de m udanças, e não com o mo vimentos sociais  ne -

cessariamente   bem -sucedido s. A este respeito, me ncion a o subcon ceito de "revo lução frustra-

da". Já Arendt refere-se exclusivamente a movimentos sociais bem-sucedidos quando busca

exemplos de revoluções.

73. Gianfranco PASQU INO,  op.cit.  p.l 125.

— 124 —

Page 126: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 126/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

de dentro de um grupo social específ ico, representam os interesses de

sua própr ia classe social" . Ou então: "denominaremos ' l iberdade ' , in-

corporando alguns desenvolvimentos propostos por Hannah Arendt ,

como uma s i tuação complexa que inclui não apenas a faculdade social-

mente restr ingida que é atr ibuída ao indivíduo para decidir ou agir se-

gund o a sua própr ia determina ção, m as tam bém a sua

 admissão ao mun-

do político .

Quando se t rata de um autor conhecido como Gramsci ou Hannah

Arendt , não é necessár io acrescentar nenhuma outra indicação além de

seu nom e (a não ser que se queira pu xar um a nota de rodapé para indicar

com precisão a obra de onde foi extraído o conceito ou núcleo de pensa-

mento)

74

. M as em se t ratando de um autor men os fam il iar , ta lvez conve-

nha acrescentar um aposto ou puxar uma nota de rodapé esclarecedora,

registrando alguns dados deste autor para o leitor ( inclusive a sua f i l ia-

ção teórica) .

A s s i m , s u p o n h a m o s a s e g u i n t e d e f i n i ç ã o c o n c e i t u a i : " e m p r e g a -

r em os a noção de  'excepcional' norm al  com o m esm o sentido uti l izado

por Edoardo Grendi, ou seja, para tratar daquela espécie de casos que,

embora es tat is t icamente pouco f reqüentes , destacam-se da massa dos

dados disponíveis de maneira relevante e signif icativa, funcionando co-

mo indícios de uma real idade ocul ta que a documentação, de um modo

geral, não deixa transparecer".

O conce i to de "exce pciona l no rm al" tem sido operacional izado pela

corrente his tor iográf ica denominada Micro-Histór ia*. No caso da def i-

nição acima proposta para este conceito, ela foi elaborada a partir de

uma inter textual idade* relacionada a uma formulação do micro-his tor i -

ado r Edoar do Gr e nd i

7

\ Pela def inição dada com o exem plo, reduziu-se a

"compreensão" do concei to "excepcional normal" aos atr ibutos "esta-

t is t icamente pouco f reqüente" e "ocul to na documentação", mas tam-

74. É verdade que um autor como Gramsci po de ser um nom e fam iliar em um dom ínio do conhe-

cimento, como a História, e menos conhecido em outro, como o Direito. Para se decidir que co-

mentários explicativos acrescentar a um texto, é fundamental levar em consideração o tipo de

público qu e se espera ter com o leitor, ou a que campos de con hecim ento o seu trabalho interessa.

75. E. GRENDI. "Microanalisi e storia sociale". In  Quademi storíci,  35. Roma: maio-agosto

1977, p.512.

— 125 —

Page 127: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 127/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

bém aos atr ibutos "s ignif icat ivo e relevante" , a lém de "capaz de dar a

perceber um a real idade ma is ampla" . D ito de outra ma neira, u t i liza-se o

conceito "excepcional normal" para a identificação de certos detalhes apa-

rentemente gratui tos que aparecem em um a docum entação, m as que ape-

sar disto dão acesso a uma realidade mais ampla.

Co m relação às marcas de intertextual idade ex pl ici tadas pela def ini-

ção proposta, convém considerar que Edoardo Grendi é um autor bem

menos famil iar fora dos círculos da Micro-Histór ia do que Hannah

Arendt ou Gram sci , que são bem co nhecido s dos lei tores de Histór ia em

geral . Neste caso pode ser in teressante puxar uma nota de rodapé junto

à referência a Grendi , expl icando que este his tor iador t rabalha junto à

perspectiva da Micro-História* i taliana, esta que se propõe a uma tenta-

tiva de reconsti tuir o vivido a partir de uma escala reduzida de observa-

ção e que se coloca atenta a pequenas realidades cotidianas, aos indiví-

duos anônimos, aos detalhes que passam mais desapercebidos, à docu-

me ntação desp retensiosa, e assim por diante. Co m is to , a def iniçã o con-

cei tuai adquiri rá um enqu adram ento teór ico mais preciso, a lém de rem e-

ter o leitor a referências intertextuais que ele poderia desconhecer.

Ainda com relação aos aspectos redacionais de um concei to , con-

vém ressaltar que uma def inição deve valer para todos os sujei tos e obje-

tos que se incluem no âm bito da coisa defin ida , e só para estes su jeitos e

objetos (ou, uti l izando uma linguagem mais f i losófica, a definição deve

ser  conversível ao definido).  Assim , no exem plo acima extraído de um

dicionár io , a def inição de " l iberdade" proposta não val ia somente para

os sujei tos socialmen te integrados que estavam incluídos no seu âm bito ,

mas também para os t iranos e para os loucos (e mais ainda para os t ira-

nos do que para os hom ens m eram ente l ivres).

Da m esm a form a, dizer que a def inição deve ser "conversível ao de-

finido" imp lica na idéia de que , um a vez que se con side re que as revolu-

ções f rancesa , amer icana e ch inesa são exemplos au tên t icos de " revo-

lução", todos os elementos que se combinam para produzir a minha de-

f inição general izada de "rev oluç ão" devem aparecer em cada um destes

exemplos par t iculares de revolução, mesmo que cada um destes exem-

plos tenha as suas próprias singularidades em relação aos outros.

"Com preensão"; "extensão"; "general ização"; "clareza" e "precisão"

na exposição de seus termos; "conversibi l idade" a todos os casos que

— 126 —

Page 128: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 128/238

5 . Q u a d r o T e ó r i c o

se pretendam ajustar ao seu âmbito; "argumentação complexa" que su-

pere as noçõ es mais vulga r izadas da l inguagem cot idiana; "ajuste teóri-

co coe ren te" e, se pos sível, co m "re ferên cias intertextu ais" - é isto o que

se espera dos conceitos a serem discutidos no Quadro T eórico de um Pro-

jeto, ou na própria Tese.

Para além disto, pode ser boa medida esclarecer como o conceito

discutido articula-se ao objeto de Pesquisa, quais as justif icativas e as

vantag ens de sua escolha. Ne ste mo m ento s im, ser ia opor tuno discut i r o

caso par t icular nas suas s ingular idades, falar sobre a Re voluç ão France-

sa e não mais sobre a "revolução". Já não se es tá empreendendo mais ,

co m o atrás foi dito, um a análise do conceito, m as sim um a análise da sua

apl icação a um caso espe cíf ico, que é precisam ente a quele que interessa

à Pesquisa.

— 127 —

Page 129: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 129/238

6

HIPÓTESES

6 . 1 . H i p ó t e s e s : s u a n a t u r e z a e i m p o r t â n c i a

Em uma pesquisa que se dest ina a produzir um texto em modelo de

Tese , a Hipótese desempenh a um a impor tância fundam enta l . Ve jam os ,

em primeiro lugar, o que signif ica "hipótese" do ponto de vista da Filo-

sof ia e da Ciência, ou mesm o na vida cot idiana, para depois tentar com -

preender a posição por ela ocupada na pesquisa científ ica e o seu lugar

em um Projeto .

C on form e já se discutiu na pr imeira par te desta obra, a inv est igação

cient í f ica no Ocidente tem se edif icado basicamente em torno da inten-

ção de resolver "problemas" bem del ineados, que grosso modo const i -

tuem o ponto de par t ida do própr io processo de invest igação. C om a His-

tória, desde que ela assumiu o projeto de ser uma ciência, não tem sido

m uito diferen te. Isto se tornou , aliás, cada v ez mais cara cteríst ico da his-

toriog rafia ocidental - sobre tudo a partir do século XX , qua nd o se supe-

rou a Histór ia Narrat iva ou Descr i t iva do século XIX em favor de uma

"Histór ia-Prob lem a". Já não exis te sent ido, para a his tor iograf ia prof is-

s ional de hoje, em narrar s implesmente uma seqüência de acontecimen-

tos, se esta narrativa não estiver  problematizada.

A form ulaçã o de hipóteses , no processo de invest igação cient í f ica, é

precisam ente a segunda par te deste m odo de operar inaugurado pe la for-

m ulação de um problem a. Antes de m ais nada, a hipótese corresp ond e a

um a resposta possível ao problem a fon nu lad o - a um a suposição ou so-

lução provisór ia mediante à qual a imaginação se antecipa ao conheci-

mento, e que se destina a ser ulteriormente verif icada (para ser confir-

mada ou rejeitada).

— 128 —

Page 130: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 130/238

6. H ipóteses

A hipótese é na verdade um recurso de que se vale o raciocínio hu-

m ano diante da necessidade de superar o impasse produz ido pela formu-

lação de um prob lem a e diante do interesse em adquir i r um conhe cim en-

to que ainda não se tem. É um fio condutor para o pensamento, através

do qual se busca encontrar uma solução adequada, ao mesmo tempo em

que são descar tadas progressivamente as soluções inadequadas para o

problema que se quer resolver .

Um exemplo extraído da vida cotidiana poderá ajudar a esclarecer

este uso das hipóteses ao longo de um raciocínio que visa resolver ou es-

clarecer um problema. Suponhamos que em uma determinada noite al-

gué m está assistindo a um program a de televisão, com as luzes apagad as,

e que de repente a imag em do aparelho de TV se apaga, interrom pendo o

f i lme

-

e deixando a sala às escuras, já que o televisor era o único foco de

iluminação . Diante desta perturbação , o dono da casa formu la um proble-

ma claramente delineado: o que terá levado a televisão a se apagar?

Para sair deste impasse, ele formula uma primeira hipótese. Talvez a

tomada do televisor tenha se sol tado da parede, in ter rompendo o f luxo

de energia. É um a hipótese qu e pode ser facilm ente verif icada . Ele se le-

vanta e vai até a tomada, quando ver if ica imediatamente que ela ainda

está lá , corretamente conectada. Descar tada es ta hipótese, e le formula

um a outra. Talve z tenha sido o tubo de ima gen s do televisor que, já anti-

go, não resistiu mais esta noite.

Co m o não entende de eletrônica, e não poderá ver if icar diretam ente

esta nova h ipótese exa m inand o os circui tos internos do aparelho de TV ,

o don o do televisor tem a idéia de cam inh ar até o interruptor da sala para

ace nde r a luz: se a luz se acend er, é porq ue o problem a é somen te com a

televisão (e neste caso será preciso chamar no dia seguinte um técnico,

para saná-lo) . Mas se também a luz da sala não se acender, por hipótese

haverá um problema com a energia geral do apar tamento, e o desl iga-

mento do televisor será apenas um de seus aspectos. Ele se levanta e, ao

testar o interruptor, verif ica que a luz não se acen de, dem ons trando que a

hipótese vál ida é mesmo a de que a inter rupção da imagem da TV cor-

responde a uma inter rupção na energia do apar tamento.

Mas o que terá ocasionado então a inter rupção de energia global-

mente no apar tamento? O problema cont inua colocado e clamando por

 1

 129 —

Page 131: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 131/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

soluções (ou, melhor dizendo, o problema é agora  recolocado  em ter-

mos mais precisos: não se trata de um problema só com o televisor, mas

sim com o apar tamento na sua total idade) . Quem sabe não foi o fusível

geral do apar tamento que se queimou? Eis aqui uma nova hipótese, da

qual se pod e ver if icar a exatidão de sua proposição através de um mé to-

do ou operação bastante simples: substi tuir o disjuntor antigo, que hipo-

tet icamente ter ia se queimad o, por um novo. Fei ta a substi tu ição, perce -

be-se que a luz continua apagada, e que portanto esta nova hipótese for-

mulada não resistiu à verif icação.

Quem sabe, então, se a luz do apartamento não foi cortada por falta

de pagamento à Companhia de Energia Elétr ica? O método para ver if i -

car es ta hipótese é rapidam ente enc ontrado: at ravés de um a l igação tele-

fônica o dono do apar tam ento ver if ica jun to a um serviço de gravaçõ es

da Co m panh ia de Energia Elétr ica que os seus pag am ento s es tão em dia,

e que portanto a sua energia não foi cortad a por este m otivo ( tam bém po-

deria ter comprovado isto por outro método: o de examinar os seus reci-

bos bancários para verif icar se estavam em dia) . Se t ivesse vingado a hi-

pótese do corte de energia elétr ica por falta de pagamento, as ações do

invest igador tom ariam um novo rum o: seu nov o problem a ser ia o de sa-

nar esta si tuação , o que poderia ser feito no dia seguinte pa gan do a conta

de luz em um banco. Mas como não foi o caso, permanece em aber to a

indagação sobre as verdadeiras razões da interrupção de energia, e a in-

vest igação prosseguirá neste mesmo rumo.

Uma úl t ima hipótese é a de que o problema não seja só com o seu

apar tamento, mas com todos os apar tamentos daquela rua. Por algum

motivo, pode ter sido interrompido o fornecimento de energia elétr ica

àquele setor da cidade. O primeiro método para verif icar isto é levantar

as pers ianas para exam inar a vizinhança . Rea lme nte, e le percebe em um

relance de olhos que não há i luminação em nenhum dos prédios de sua

rua. Conf irma-se a hipótese de que exis te realmente um problema mais

geral no fornecimento de energia elétr ica. Para se aproximar de uma

compreensão ainda mais plena da extensão do problema, ele se ut i l iza

nova m ente do telefone e , entrando em contato com outro setor da C om -

panhia de Eletr icidade, recebe de um funcionár io a informação precisa

de que ocorreu um acidente que afetou a f iação que forne ce eletr icidade

àquele setor da cidade, mas que dentro de vinte minutos este impedi-

— 130 —

Page 132: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 132/238

6. Hipóteses

mento já es tará resolvido. O problema chegou ao f im, depois de terem

sido tes tadas algumas hipóteses e se ver i f icado que uma delas corres-

pondia à realidade.

Este exem plo, im aginad o a part i r de um a s i tuação da vida cot idiana,

permitirá esclarecer alguns aspectos sobre a uti l ização de hipóteses. Em

pr imei ro lugar , pudemos perceber que todas as h ipó teses são

  provisó-

rias.

  Elas foram form ulad as na tentativa de antecipar um a solução pos-

s ível ao problem a, e foram subm etidas em seg uida a um  processo de ve-

rificação  que busc ou com pr ová - l a s ou r e j e i t á - la s . Re je i t ada , uma h i -

pó tese cede lugar a outra mais verossímil , que será subme tida também a

um processo de ver if icaçã o. Deste mod o, a form ulaç ão de um a Hipótese

não inclui uma garant ia de verdade.

Nesta mesma l inha, deve ser considerado que a Hipótese

  não é uma

evidência,  ma s s im um a suposição. Se o vidro do tubo de imag ens t ives-

se se par t ido em ped aço s quand o ocorreu a inter rupção da image m, f ica-

r ia evidente de mane ira ime diata e óbvia que o problem a ocorrera com o

televisor, e não com o fornecimento de luz. Isto não seria mais uma hi-

pótese, m as uma af i rm açã o incontestável que não tem qualquer necessi-

dade d e verif icação, por ser dem ais evidente. Trata-se antes de um "enun -

ciado empír ico"* de comprovação direta e imediata . Uma hipótese, ao

contrário, é um a sente nça q ue se prop õe para um teste de verif ica ção , ou

que t raz consigo possibi l idades efet ivas de ser ver i f icada . Nis to a H ipó-

tese também se dis t ingue da mera Conjectura*, que, embora também

não corresponda a uma evidência imediata , não se pode ou não se pre-

tende submetê- la a ver i f icação.

Para o exe m plo p ropo sto, foi possíve l refuta r a hipótese do corte por

fal ta de pagamento através de um telefonema. Mas imaginemos que

tam bém as linhas de telefon e não estivessem funcio nan do, ou que o apar-

tamento não t ivesse um telefone que pudesse ser ut i l izado. Neste caso,

com o a suposição não p oder ia ser ver i f icada, não passar ia de mera "c on-

jectura" . Para que uma s imples conjectura sal te para a qual idade de hi-

pótese é preciso que ela traga consigo as possibil idades de uma verif ica-

ção sistemática.

A form ulaçã o da suposição de que existe vida em Saturno, por exem -

plo, const i tu i no atual es tado do conhecimento humano uma mera con-

jectura, qu e pod e ser fei ta pelos au tores de f icçã o cient í f ica. Ela só po-

—  1

 131

  —

Page 133: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 133/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

derá passar a ser um a hipótese qua ndo surgirem m eios efet ivo s que p er-

mitam comprová- la . Se um dia for conf irmado, de maneira def ini t iva e

incontestável , que exis te efet ivamente vida no planeta Saturno, a af i r -

mação deixará de ser uma hipótese e passará a const i tu ir um conheci-

mento adqui r ido . Também ocor rem casos em que uma h ipó tese com-

provada (ou aparentemente comprovada) passa a ser acei ta como uma

"lei" em um determ inado sistema científico (a "seleção natura l" é um a "lei"

para os darwinistas) .

Voltando ao exemplo atrás proposto, pudemos perceber que, para

ser verif icada, foi uti l izado para cada hipótese um   método  específ ico.

Por exemplo, para verif icar se a queda de energia não se deu em vir tude

da queima de um fusível , procedeu-se à sua subst i tu ição por um outro.

Houve também momentos em que mais de um método poder ia te r s ido

usado, al ternat ivamente, para conf irmar ou rejei tar uma hipótese. Por

exemplo, para ver i f icar se o fornecimento de luz não foi in ter rompido

por falta de pagamento, tanto se poderia uti l izar o método de consulta

jun to à Co m panh ia de Eletr icidade, com o o mé todo de checar os recibos

bancár ios para ver i f icar se todos os pagamentos es tavam em dia. Para

ver if icar se o problem a era só com o apar tam ento, tanto se pôd e exam i-

nar a vizinhança para ver i f icar se não havia problem as s imilares com os

dem ais apartamentos da rua, com o se pôde consultar por telefo ne a C om -

panhia de Eletr icidade.

Uma hipótese, conforme a sua natureza, encaminha o pesquisador

para a ut i l ização destes ou daqueles métodos (não necessar iamente um

apenas, mas de qualquer mo do sem pre métod os adeq uado s ao t ipo de hi-

pótese proposta) . Portanto, é ela que em última instância orienta o pes-

quisador na escolha dos métodos

7 6

.

Da m esma m anei ra , a u t i l ização de h ipó teses no exe m plo cons id e-

rado perm it iu ao invest igador que este desenvo lvesse um a l inha de ação

concreta, desfazendo uma situação de imobilidade inicial . Dito de outra

forma, cada hipótese forneceu a seu tempo uma

  direção para a pesqui-

sa .

  Mesmo quando não comprovada, cada hipótese tes tada mostrou ser

76. Por isto, do ponto de vista formal mais rigoroso, o lugar mais apropriado do capítulo de Hi-

póteses em um Projeto é antes do capítulo relativo à Metod ologia, já que os métod os depen derão

em boa medida das hipóteses formuladas.

Page 134: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 134/238

6. H ipóteses

um e f iciente instrumento para o enca m inham ento da pesquisa, perm it in-

do que se che gass e, ao f inal de um proce sso de dutivo de hipóteses inter-

l igadas , à solução def ini t iva do problema.

Ainda com relação aos processos de ver if icação de cada hipótese,

vimos que estes puderam ser encaminhados em alguns casos através da

observação  de suas possíveis conseq üências (exam inando dados em pí-

r icos com o a correta cone xão da toma da do televisor ou com o a presença

de outras luzes apaga das nos e dif ícios da vizinhança) . Assim, para q ue o

problema fosse só com o televisor , ser ia necessár io que nenhum outro

eletrodomést ico t ivesse s ido afetado. Da mesma forma, se o problema

fosse só com o apar tamento, o res tante da vizinhança não dever ia es tar

afetado. Por tanto, examinando-se a

  conseqüência

  que seria nec essária

para que um a hipótese fosse verdade ira e observand o que em pir icame n-

te os dado s não a con f irm ava m , pôd e se deduzir que a hipótese geradora

ser ia falsa. Ou, ao contrár io , se ao ser exam inada a conseq üência neces-

sária da hipótese foss e ve rif ica do que ela ocorre, ter-se-ia o sinal de um a

possível ver idicidade da hipótese, ou ao menos uma s inal ização para

cont inuar a invest igação nesta direção.

Para dar um exem plo já dentro do campo da Histór ia , supo nham os a

hipótese d e que, "no século XV III , o per íodo revolucionár io f ran cês foi

prec edid o por um a alta secula r e geral de preç os" . Para que esta hipótese

seja r igorosam ente v erdadeira , é preciso que o preço do t rigo em M arse-

lha tenha t ido uma alta no período, que o preço dos cereais na Provença

tenha sofr ido aumentos análogos, e ass im por diante. Caso contrár io ,

não ter ia ocorr ido efet ivamente uma al ta

 geral

  dos preços. Se também

em u m ce r to núme ro de cidades a alta de preços t iver correspondido ape-

nas às duas últimas dé cadas do século, neste caso também não teria ocor-

r ido uma alta

 secular

  dos preços. A af i rm ação de que ocorreu um a al ta

de preços s imul taneamente  geral  e  secular  deve resistir nestes casos a

um exame da ver if icabi l idade das conseqüências que esta af i rmação hi-

potét ica implicar ia

  {generalidade

  relativa aos produ tos e

  secularidade

em rela ção à abrangê ncia do recorte tem poral) . Em sum a: para que tal ou

qual hipótese seja verossímil, é preciso que

  todas

  as suas conseqüências

necessár ias se mostrem conf irmáveis com dados empír icos .

Retomemos o exemplo da fal ta de energia atrás aventado. Naquele

caso, outro meio além da observação  pôd e ser uti l izado para a verif ic a-

—  1

 133

  —

Page 135: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 135/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

ção das hipóteses . Tratou-se, em um caso ou outro , de proced er tam bém

à

 experimentação.

  Foi o caso, por exem plo, quan do se expe r imen tou um

fusível no lugar do outro para ver se es te não estav a que im ad o. A exp e-

r imentação é uma espécie de intervenção do pesquisador na real idade.

Enquanto na observação o pesquisador examina os fenômenos nas con-

dições em que eles se apresentam, na experim entação o pesq uisador exa-

mina os fenômenos em condições determinadas ou produzidas por ele

m esm o. É a diferença entre

 observar

  a realidade através da jane la do apa r-

tamento e

  experimentar

  um a peça no lugar de outra para ver se há um

defei to com a pr imeira.

Experimentação

  e

 observação sistemática,

  diga-se de pass age m , são

os dois proce dim entos b ásicos ut il izados nos métod os cient í f icos . Ciên-

c ias com o a F ís ica ou a Quím ica cos tuma m em pregar f reqüen teme nte a

exper im entação . Ciências com o a Histór ia costu m am se ater aos proces-

sos de observação s is tematizada (neste caso, exa m inan do dad os o bt idos

das fontes e anal isando-os com métodos diversos)

7 7

.

Ex am inem os até aqui o que já sab em os sobre as Hipóteses , não ma is

considerando o seu uso na vida cot idiana, mas s im na Fi losof ia e na

Ciência. Sabemos por exemplo o que a Hipótese  não  é. Ela não é um

mero enunciado empír ico (embora possa ser comprovada precisamente

pela invest igação de um enunciad o em pír ico)

7 8

. A hipótese também não

é uma evidência incontestável , e é por is to mesmo que necessi ta de de-

m onstra ção . Nes te sentido, a Hip ótese d ifere do Ax iom a* , que na- l in-

guagem f i losóf ica corresponde a um pr incípio indemonstrável mas con-

siderado imediatamente evidente por todos aqueles que lhe compreen-

dem o sentido.

77. Por outro lado, existem exp eriências que não deixam de ser tentativas de introduzir a experi-

mentação na História, como as empreendidas pela historiografia que lida com a Econometria e

com a utilização de variáveis contrafatuais (como na chamada   New Economic History  que sur-

giu a partir de 1960). Sobre estas possibilidades contrafa tuais na Nova H istória Eco nôm ica, ver:

(1) E.H. HUNT. "The new economic his tory: Professor Fogel 's s tudy of the American rail-

ways". In History, vol. LIII, n° 177, fevereiro de 1968; (2) Ernest NAGEL. "Os Condicionais

Contrafatuais". In  The Structure of Science, P roblems in the Logic os Scientific Explan ation.

New York: Harcourt Brace Janovich, 1961.

78. "A tomada está desligada" é mero enunciado empírico. Já "a televisão não está funcionando

porque a tom ada está desligada" é um a hipótese, que poderá ser encaminh ada para uma corrob o-

ração quando for confirmada a veridicidade da afirmação de que "a tomada está desligada".

Page 136: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 136/238

6. H ipóteses

Assim , não é um a hipótese a af i rmaçã o de que " todos os hom ens são

mortais" (no sent ido da conservação do corpo f ís ico) . Não temos aqui

um a hipótese porque, por um lado, es ta af i rm ação ser ia indemo nstrável

(para demonstrá-la seria preciso matar todos os homens, e não sobraria

nen hum para conco rdar com a dem onstração) . Po r outro lado, es ta af i r-

m açã o tem um a dim ensã o axiom ática, já que ela parece evidente a qual-

quer um pelo s im ples fato de que não se conhec e o caso de nen hum ho-

m em que, depois de determin ado pe ríodo de vida, tenha escapa do à morte

do corpo f ísico.

A H ipótese, por outra par te , é ma is do que um a C onjec tura*, já que

está l igada à idéia de que pode ser submetida a um processo de

  verifica-

ção,

  onde se poderá com prov ar ou refutar a sua ver idicidade. D izer que

exis t iu uma sociedade em algum ponto do passado que foi chamada

Atlânt ida e que subm ergiu sob as águas devido a um grande catacl ismo

ser ia , no amai es tado dos conhecimentos cient í f icos , mera conjectura,

um a vez que não exis te ao que se saiba nenh um elem ento h is tor iograf í -

camente acei tável para comprovação desta af i rmação.

Para que uma conjectura sal te para o

 status

  de hipótese, é preciso

que haja meios ou possibil idades de comprová-la; em História isto está

ligado à pres enç a de fonte s, e às possib il idades efetiv as de subm etê-las a

uma anál ise mais s is temática para poster ior in terpretação. As conjectu-

ras têm menor valor científ ico. Elas só são admitidas para preencher os

espaços vazios do conhecimento que sequer as hipóteses conseguiram

preencher , e mesmo assim exis te uma tendência na at i tude cient í f ica

ocidental em rejei tar o uso de me ras conjec turas dentro de uma expl ica-

ção cient í f ica

79

.

A Hipótese deve por tanto se conservar eqüidis tante em relação à

"f icção" l ivremente concebida e aos "fatos" evidentes ou inquest iona-

velmente comprovados. Ela es tá neste "caminho do meio": t raz em si o

potencial im aginat ivo da f icçã o (mas sem pre par t indo de bases verossí-

79. Carlo GINZBURG discute a possibilidade de preencher as lacunas da documentação com a

imag inação histórica e com o uso de con jectur as, desde que fique esclarecido na obra quando se

tratam de trechos conjecturas , separando-os das partes demonstradas (C. GINZB UR G. "Provas

e possibilidades à marg em d e ' il ritorno de Martin Gue rre' , de Natalie Zem on D avis". In A Micro

História e outros ensaios.  Lisboa: DIFEL, 1991.

 p.

 179-202).

—  1 135 —

Page 137: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 137/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

meis e fundamentadas) , e a possibi l idade de ser comprovada em algum

m om ento por fatos concretos que deverão ser discut idos argum entat iva-

me nte. A Ficção e a Evidência são os hor izontes em relação aos quais a

Hipótese m arca sua dis tância. Da m esm a form a, pode-se d izer que a Hi-

pótese vale-se da imagina ção e dos fatos , ma s não se co nfu nd e com eles .

É tamb ém em fu nç ão de sua l igação a um p rocesso de ver if icaçã o ou

dem onstração que a Hipótese d is t ingue-se da figura f i losóf ica do Postu-

lado*, que é um a proposição q ue se faz adm it ir dentro de um a argum en-

tação, com o assent imento do ouvinte, embora se reconheça que esta

proposição não é nem suf icientemente evidente para que seja impossí-

vel colocá- la em dúvida (como o axiom a) e nem passível de dem onstra-

ção (como a hipótese) .

Cabe ainda dis t inguir a Hipótese da Def inição*. Esta não af i rma

nem n ega nada, m as apenas procura dar exat idão do s ignif icad o daqui lo

que se fala . Dizer que a "seleção na tural" é "a conserv ação das diferen-

ças e das var iações favoráv eis individuais e a el iminaç ão das var iações

nocivas pelo cr ivo da N atur eza " (Darwin) não é um a Hipó tese, ma s ape-

nas o enunciado de uma Def inição* (no caso, uma "def inição" que pro-

cura esclarecer a "compreensão" de um "concei to") . A Def inição é por-

tanto um ponto estático, um esclarecimento úti l para facil i tar o processo

de com unicaç ão e perm it i r que um termo ou expressão ut i l izado pelo au-

tor seja com preendido de acordo com o sentido que este lhe em prestou.

A argumentação científica e filosófica se estabelece a partir de enun-

ciados empíricos*, princípios*, fundamentos*, axiomas*, postulados*, de-

finições*, conc eitos*, e até m es m o conje ctura s*. Ao lado desta s figuras a

hipótese* ocupa um espaço privilegiado na argumentação e na investiga-

ção desenvolvida de aco rdo com o mod elo de Tese, e é por isto que é pre-

ciso comp reend er mu ito be m o seu signific ado e a sua finalidade.

A Hipótese, para resumir o que foi visto até aqui, é uma asserção

provisória  que, longe de ser um a proposição evidente por si mesm a,

pod e ou não ser verdade ira - e que, dentro de uma e laboração cient í f ica,

deve ser necessar iamente submetida a cuidadosos procedimentos de

  ve-

rificação  e dem onstração.  Con st i tui-se em um dos elos do proce sso de

argum entação ou invest igação (na pesquisa cient í f ica ela é gerad a a par-

t i r de um problema proposto e desencadeia um processo de demonstra-

— 136 —

Page 138: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 138/238

6

Hipóteses

ção depo is da sua enunciaçã o) . É por is to que, et imo logicam ente, a pala-

vra "hipótese" s ignif ica l i teralmente "proposição subjacente" . O que se

"põe embaixo" é precisamente um enunciado que será cober to por ou-

tros, ou por uma série articulada de enunciados, de modo que a Hipótese

desempenha o papel de uma espécie de f io condutor para a construção

do conhecimento .

Ap esar do seu caráter provisór io , a Hipó tese tem sido a base da argu-

mentação cient í f ica e desempenha uma sér ie de funções dentro da pes-

quisa e do desenvo lvime nto do conhe cim ento cient í f ico, com o se verá a

seguir . . .

6 .2 . As funções da H ip ó te se n a Pesqu isa

São vár ias as funç ões dese m pen had as pela Hipótese na Pesquisa C i-

entíf ica, tanto no que se refere a uma pesquisa específ ica que está sendo

concre tam ente rea l izada , com o no que se refere ao conh ecim ento c ien-

t í f ico de uma maneira geral . O Quadro 7 enumera algumas destas fun-

ções , organizan do na par te som bread a aque las funçõ es referentes a um a

pesquisa determinada ou ao seu Projeto . Na par te não sombreada estão

as funções que a Hipótese desempenha em relação ao desenvolvimento

científ ico em geral.

Em pr imeiro lugar , a Hipótese e s tabelece um a "direção ma is def ini-

da para a Pes quisa " que está sendo real izada - seja f ixando f inal idades

relacionadas a etapas a serem cumpridas , seja implicando em procedi-

m ento s me todológico s espe cíf icos . Dito de outra form a, ela possui um a

"fu nç ão nor tea dora" (1). Assim , no exem plo desenvolvido no i tem an te-

r ior , v imos que cada hipótese pontuou uma etapa no enfrentamento do

prob lem a a ser solucionado, da m esm a form a em que implicou em m éto-

dos espe cíf icos para a sua invest igação.

U m a hipótese é nor teadora precisa m ente porqu e art icula as diversas

dimensões da pesquisa, funcionando como um verdadeiro ponto nodal

ond e se encontram o tema, a teor ia , a m etodolo gia e os ma ter iais ou fon-

tes da pesquisa. Um bom teste para verif icar se você está no caminho

cer to no que se refere à form ulaç ão de hipóteses é já associar cada hipó-

tese aos seus poss íve is p rocedimentos de ver i f icação ou às metodolo-

g ias a serem empregadas , aos mater ia i s a par t i r dos quais es ta ver i f i -

—  1 137  —

Page 139: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 139/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

Quadro 7: Funções das Hipóteses na Pesquisa Cientifica

caç ão pode rá ser em preen dida, pa ra além da sua ba se teórica e da sua ar-

t iculação com o tema.

Bem entendido: se não ex is tem fontes e metodologias adequadas

para com pro var a hipótese, e la será inút i l , pois não ul t rap assa rá o es ta-

do de mera conjectura. Se não exis t i r uma ar t iculação teór ica, retorne

ao quadro teór ico do seu projeto de pesquisa porque ele f icou incom-

pleto (no m ínim o, é preciso def in ir todo s os term os im por tan tes incluí-

dos nas hipóte ses) . Se a hipótese nã o está ar t iculad a a algum dos aspe c-

tos do tema, ou ela é i r relevante, ou o recor te temático de seu Projeto

não fo i bem formulado com re lação ao que você pre tendia ver i f icar

com a sua pesquisa.

Para evitar as armadilhas de investir em uma hipótese inútil , desarti-

culada , ou irrelevante - isto é, um a hipótes e que não irá cum prir a deq ua-

dam ente a sua "fu nç ão nor tead ora" - , um a excelente es tratégia é organi-

zar ima ginar iam ente um a espécie de quadro associando as hipóteses ao s

procedimentos metodológicos, fontes e aspectos teór icos com ela rela-

cionados. Digamos, por exemplo, que a sua pesquisa desenvolve-se em

torno de três ou quatro hipóteses, cada uma delas com os seus próprios

— 138 —

Page 140: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 140/238

6. Hipóteses

pr oc e d im e n tos e pos s ib i l i da de s de doc um e n ta ç ã o c om pr oba tó r i a . O

qua dro de a r t i cu lação das h ipó teses com os dem ais aspec tos da pesquisa

poder ia ser a lgo ass im:

Fontes a

serem

utilizadas na

comprovação

Metodologi-

as a serem

empregadas

Articulações

teóricas

(ex.:

conceitos

com os quais

a hipótese

dialoga)

Articulações

com o tema

(ex.: fatores

levados em

consideração)

Hipótese 1

Hipótese 2

Hipótese 3

Hipótese 4

(Quadro para registrar a articulação da  ipótese

com outras dimensões da pesquisa)

M ais ad ian te vo l ta rem os a es te quad ro , exe m pl i f ica nd o com um a s i-

tuação concre ta . Por ora , r e tornemos às múl t ip las funções da Hipótese

na pesquisa .

Além de impor uma direção à pesquisa re lac ionando-se previamente

aos procedimentos metodológicos e recursos teór icos e documentais que

serão em prega dos , as hipóteses cum prem a f inal idade pr imo rdia l de " res-

t r ingir o campo de pesquisa" , impondo um recor te mais específ ico ao

Tema. Neste sent ido, a hipótese possui uma "função del imitadora" (2) .

Ass im, por exemplo , e s tudar a "Conquis ta da Amér ica" cons t i tu i

uma temát ica mui to ampla , ou mesmo vaga . Para sa l ta r da condição in-

sa t i s f a tór ia do inves t igad or que tem d ian te de s i um pan oram a de inúme-

ras poss ibi l idades . . . e entrar na condição de uma inves t igação concreta a

se rea l izar , será preciso del imitar dentro des te campo temát ico um s is te-

m a de problem a e h ipó tese . Ve jam os a lguns desdobram entos des ta exem-

pl i f icação .

—  1

 139

  —

Page 141: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 141/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

N a Histór ia da Co nquis ta da Amé rica, um dos prob lem as m ais fasci-

nantes que têm sido enfrentados pelos historiadores é o de tentar enten-

der como impér ios tão bem organizados como o dos as tecas e o dos in-

cas , habi tados por milhões de nat ivos, foram derrotados por apenas al-

gumas centenas de soldados espanhóis em tão cur to espaço de tempo e

com tão aparente fac i l idade.

As hipóteses que têm sido propostas com o respostas possíve is a es te

problem a são mu itas , " indo desd e a infer ior idade do arm am ento indíge-

na (Las Ca sas) , até as divisõ es polít icas no interior dess es im pério s (B er-

nal Diaz, Cieza de León); desde os erros de estratégia mili tar apontados

para expl icar a derrota de Atah ualpa em C ajam arca (Ovied o) , a té as so-

fisticadas exp licaçõ es dos estudios os m ode rnos que co nsid era m a derro-

ta dos índios com o con seqüên cia de sua incapacidad e de deco dif icar os

signos dos conquis tadores (Todorov)"

8 0

.

Ora, a mera del imitação do problema acima proposto já impõe um

primeiro recor te ao tema mais amplo da Conquis ta da América. Em se-

guida, a escolha de uma ou de algumas hipóteses combinadas como so-

luções provisór ias ou com o cam inhos para a pesquisa de l imitarão ainda

mais o recorte temático.

Desta maneira, quando Todorov formulou a hipótese da rápida e

dramática derrota dos nat ivos mexica nos com o conseq üênc ia de sua " in-

capacidade d e decodif icar os s ignos dos conqu is tado res" e de ass im ilar

a al ter idade radical com a qual se confrontaram diante da chegada dos

espanhóis , es tava abr indo um a espécie de t ri lha em u m a f loresta de pos-

sibil idades. Esta tr i lha, na verdade, conduzir ia o estudioso búlgaro a in-

vestigar aspectos relacionados ao imaginário, ao confronto entre as vi-

sões de m undo de conquis tadores e conquis tados, aos s is tem as de s ignos

em confronto. Da mesma forma, es te recor te t ransversal no tema apon-

tar ia para a possibi l idade do uso de metodologias que dialogam com a

l ingüís t ica, com a semiót ica, ou mesmo com a psicanál ise.

80. Héctor BRUIT. "O Traum a de uma Conquista Anunciada" em GE BR AN , P. e Lemos, M .T.

(org.).

 América Latina: Cultura, Estado e Sociedade.

  Rio de Janeiro: ANPHLAC, 1994. p.18.

— 140 —

Page 142: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 142/238

6. H ipóteses

Também a escolha das fontes , que dever iam incluir textos a par t i r

dos quais fosse possível acessar tam bém o discurso dos nat ivos mex ica-

nos, surgiu de m aneira mais ou men os conseq üente - cond uzindo Todo -

rov a examinar com especial a tenção fontes como aquelas que foram

produz idas pelos nat ivos as tecas no período imediatam ente subseqüente

à Conq uista. Por outro lado, era preciso co nfro ntar estas fon tes - repre-

sentat ivas do ponto de vis ta as teca, embora em alguns casos com med ia-

ções - com fontes representat ivas do ponto de vis ta dos conquis tadores

espanhó is , com o é o caso das fam osa s "Car tas de Fernando C or tês ao rei

de Castela" . Esta com bina ção d e fontes permit i ria com preend er m ais de

perto o "choque cultural" entre as duas civil izações, e as reações das vá-

rias partes envolvidas diante deste confronto.

Ar t i cu lando conven ien temen te todos o s a spec tos ac ima cons ide -

rados , a i luminação do tema problemat izado da Conquis ta da Amér ica

a par t i r de um a hipótese be m co locada e inovadora conduziu T odorov a

produzir um dos mais interessantes l ivros sobre o assunto escritos neste

úl t imo século

81

.

A t í tu lo de exemplif icação, poder ia ser elaborado para a Hipótese

proposta por Todorov um quadro como o que foi proposto mais at rás

(ver adiante o Qu adro represe ntand o a ar ticulação da Hipótese de To do-

rov com outras dimensões da Pesquisa) .

Vimos , enf im, um bom exemplo das funções "nor teadora" e "de l i -

m itado ra" de um a hipótese de pesquisa. Estas funçõe s ar t iculam-se, na-

turalmente, com a função básica da Hipótese que é a de "propor uma

possível solução para o Prob lem a invest igado", e que poder íam os deno-

m inar "fu nç ão interpretat iva" (3) . A este respei to , é preciso lem brar qu e

um problema cient í f ico, sobretudo na área das ciências humanas, nem

sem pre apresenta uma única so lução. Isto pode ocorrer com u m proble-

ma matemático, mas não com estudos sociais que envolvem complexas

questões de interpretação e de leituras que são produzidas na interação

entre sujei to e objeto de c onhe cim ento.

81 .Tzve tan TODOROV.  A conquista da América - A questão do outro.  São Paulo: Martins

Fontes, 1993.

Page 143: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 143/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

Hipótese

Fontes

M etodolo- Articulação

Articulação

gia

Teórica com o Tem a

da Con-

quista da

América

A rápida e

• "O s infor- • A nálise se-

Conceitos de Razões prin-

devastadora

mantes de

miótica • "choque

cipais para a

sujeição de

Sahagún"

• A borda- cultural"

ocorrência

milhõ es de • Cartas de

gem compa-

• "alterida- da "conquis-

astecas por

Fernando rativa

de " ta" no que se

apenas algu- C ortês

refere à ra -

mas centenas

pidez  com

de conquis- que aconte-

tadores espa-

ceu e à  des-

nhóis expli-

proporcio-

ca-se, sobre-

nalidade nu-

tudo, pela in-

mérica.

capacidade

dos astecas

em assimila-

r em o"cho-

que cultural"

produzido

no confronto

entre as duas

civilizações

e pela sua

incapacidade

em d ecifrar

os códigos

dos conquis-

tadores.

( Q u a d r o r e p r e s e n t a n d o a a r t i c u l a ç ã o d a H i p ó t e s e d e T o d o r o v c o m o u t r a s d i m e n s õ e s

da pesqu i s a )

Re tom a r e m os c om o e xe m pl i f i c a ç ã o o p r ob l e m a da Conqu i s t a da

Am ér ica . O Qu adro 8 procura esque ma t iza r o prob lem a propos to - o da

s u j e i ç ã o de m i lhõe s de na t i vos m e s oa m e r i c a nos o r ga n iz a dos e m im pé -

r io s de s e nv o lv id os c om o o dos a s t e c a s , e m t ã o pou c o e s pa ç o d e t e m po

e para apenas a lgumas cen tenas de conquis tadores espanhóis . Pe rgun-

ta - se pe lo f a tor ou pe la combinação de f a tores que te r iam favorec ido

— 142 —

Page 144: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 144/238

6 . H ipó teses

es te acon tec im ento , t ão s ign i f ica t ivo para o des t ino subseq üente do con-

t inen te amer icano .

O c í r cu lo à esqu erda enq uadra o prob lem a propos to , que é t am bém a

pr im eira par te de um a hipóte se a ser redigid a . À dire i ta são apres entad as

a lgu m as r espos tas poss íve i s pa ra o problem a , que cons t i tuem a segund a

parte da redaç ão propo sta para a Hipó tese a ser form ulad a. Assim , um a das

vár ias h ipó teses ind icadas no esquema (a h ipó tese de Todorov a que já

nos r e fe r imos) poder ia se r r ed ig ida da seguin te forma:

a su jeição de milhões de nativos m esoamericanos, organizados

em impérios centralizados e desenvolvidos como o dos astecas,

em curto espaço de tempo e para apenas algumas centenas de

soldados espanhóis, ...deveu-se fundam entalmente à dificulda-

de dos astecas em lidar com a alteridade e com o choque cultu-

ral produzido pelo seu contato com os conquistadores.

Bas ta subs t i tui r o segundo termo (depois das re t icências . . . ) por qual-

quer das a l te rna t ivas propo s tas , ou por um a com bin açã o de duas ou t rês

das a l te rna t ivas propos tas , e t e r emos out r as poss ib i l idades pa ra o mes -

m o p r ob le m a .

Quadro 8 : A Conquista da América: Um problema e algumas hipóteses

O P r o b l e m a

A sujeição de impérios

mesoamer icanos

extremamente organizados,

habitados por milhões de nativos,^

em tão pouco espaço de tempo e

por apenas algumas centenas

de conquistadores espanhóis

mm

Deveu-se a

3. Divisões políticas no interior destes

impérios que favoreceram ou foram

exploradas habilmente pelos espanhóis

4. Aspectos da mitologia dos povos meso-

americanos. que favoreceram a identificação

dos conquistadores espanhóis com deuses

5. Choque cultural entre espanhóis e mesoamericanos.

Que teria desfavorecido estes últimos devido a uma

menor capacidade de lidar com a alteridade

6. Doenças transmitidas pelos espanhóis, para as quais os

nativos não possuíam capacidade de resistência orgânica

 1

 143 —

Page 145: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 145/238

Page 146: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 146/238

6. Hipóteses

o obje to da inves t igação) e  interpretativo  ( p r opon do so luções p r ov i -

sór ias para um problema) . Mas, para além dis to , as hipóteses ainda de-

sem pe nha m dentro de um trabalho cient í f ico espe cíf ico um a importante

f unção

  argumentativa

  (4).

Assim, de acordo com o método de raciocínio "hipotét ico-dedut i-

vo", as hipóteses devem atuar como focos para o desencadeamento de

inferên cias* - no sentido de que das suas con seq üên cias vã o ser geradas

novas proposições , e de que estas mesmas proposições desdobradas da

hipótese or iginal também irão produzir novas inferências . Esta forma-

ção de uma sér ie ar t iculada de enunciados, onde cada um vai preceden-

do a outros de m aneira lógica e encadeada, consis te no que se den om ina

"dem onstraç ão". É al iás es ta "fu nç ão argum entat iva" da Hipótese o que

autor iza o seu sent ido et imológico d e "proposição subja cen te" - de pro-

posição que se coloca embaixo de uma outra. Toda hipótese apresenta

grosso modo is to que podemos chamar de uma "potência inferencial"

(capacidade de dar or igem a outras proposições) . É desta potência infe-

rencial das hipóteses, em articulação às verif icações empíricas, que vive

o discurso científ ico.

A "função argumentat iva" da hipótese é desempenhada, por outro

lado, não apenas a par t i r dos desdobramentos de suas conseqüências ,

mas também através da ar t iculação destes desdobramentos com outras

hipóteses , de m odo que duas ou mais hipóteses com binad as també m po-

dem produzir novas inferências .

U m ex em plo de ar ticulação lógica de enunc iados hipotét icos é apre-

sentado na obra

 O Suicídio,

  de Ém ile Durkheim

83

. O problem a constitui-se

em torno de um a inda gaçã o acerca da dimensã o social do suicídio , exa-

minando-o não apenas como um evento individual , mas como um fenó-

meno social que se expressa através do indivíduo. Cumpre investigar as

m otivações e as imp licações do suicídio para a exper iência hum ana.

Em primeiro lugar, apresenta-se a hipótese de que o suicídio é moti-

vado por tensões e ansiedades não aliviadas (a) . Depois é proposta uma

hipótese que logo virá convergir para o problema: a "coesão social" de

um grupo proporciona mecanismos para al iviar ou combater as tensões

83. Émile DURKH EIM.  O suicídio.  São Paulo: Martins Fontes, 1999.

—  1

 145

  —

Page 147: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 147/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

e ansiedades viveneiadas por alguns indivíduos (b) . Em seguida, aven-

ta-se a hipótese de que determinados t ipos de grupos sociais possuem

ma ior coesão social do que outros (um a form a de rel igião em contraste

com outra, por exemplo) (c) . Logo, será possível prever um índice me-

nor de suicídios naqueles grupo s de m aior coesão social qua ndo com pa-

rados com o de menor coesão (d) .

Naturalmente que esta cadeia de inferências a par t i r de hipóteses

convergentes foi sustentada nesta s íntese abreviada de maneira exclu-

s ivamente argumenta t iva . Em uma pesquisa , a "demons t ração lóg ica"

deve vir imbricada com uma "ver if icação empír ica" . Os supor tes empí-

r icos devem prec isamente sus ten tar cada uma das af i rmações com da-

dos concretos . Pode-se por exemplo propor um método qualquer para a

me nsuração de aspectos re la t ivos à "coe são so cia l" em um t ipo de gru-

po humano específ ico (os membros de uma comunidade catól ica, por

exem plo) . Depois , quant i f ica-se os índices de suicídio neste grupo. Pro-

cede-se com as duas operações anteriores para um outro t ipo de grupo

que p r oduza uma compar ação pe r t inen te ( o s membr os de uma comu-

nidade protestante, por exemplo) . O confronto entre os índices obt idos

para cada grupo, tanto os indicativos de "coesão social" como os que se

mater ial izam em taxas de suicídios , permit i rão conf irmar ou refutar a

idéia de que as suposições propostas produzem efet ivamente uma ar t i -

cula ção pertinente (a hipó tese articula dora de que a "co esã o so cia l" é in-

versamente proporcional à "quant idade de suicídios") .

As t rês próximas funções a serem comentadas (Quadro 6 , par te não

som breada) correspondem ao papel da Hipótese não apenas dentro de um a

única pesquisa tomada isoladamente, mas dentro do conjunto maior da

ciência. Falarem os por um lado da potencial idad e de algum as hipóteses

para preencher lacunas do conhecimento , e por ou t ro lado de h ipó te-

ses que, por algum as razões , acabam faze ndo um a inter ligação entre vá-

r ias pesquisas - seja por desdobramento de suas possibi l idades em ou-

tras pesquisas, seja por sua capacidade de aglutinar séries de dados em-

pír icos produzidos por pesquisas diversas .

Em pr imeiro lugar consideraremos que hipóteses bem fundamenta-

das , m esm o que não possam ainda ser plenam ente co m prov ada s ou refu-

tadas , podem apresentar a s ignif icat iva funçã o de "preen cher lacunas do

conhecimento". A hipótese tem neste sent ido uma espécie de

  função

— 146 —

Page 148: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 148/238

6. H ipóteses

complementadora

  (5). No tadam ente para per íodos mais recuados do

passad o, quan do com eça m a escassear as fontes e as informa ções dispo-

n íve is , o h is to r iador pode ser conclamado a preencher es tes s i lêncios

e vazios de documentação, até que a sua interpretação provisór ia seja

subst i tu ída por uma outra que tenha encontrado bases mais seguras de

sustentação.

Este papel desem penh ado p ela hipótese no sentido de preencher espa-

ços vazios do conhecim ento nã o é estranho à Ciência de um a man eira ge-

ral . Sabe-se por exemplo da existência dos intr igantes "buracos negros"

do espaço cósmico, mas como não existem atualmente maiores possibil i-

dades de compreend er de forma fundam entada estes fenômeno s astronô-

micos, ou de produzir experimentos para testar a natureza dos "buracos

neg ros", os cientistas não raro form ulam teorias provisórias sobre a ques-

tão. Espe cula-se, tam bém em for m a de hipóteses, sobre a "origem do uni-

verso " (como na célebre  teoria do Big-Bang).  A s próprias lacunas de co-

nhecimento concernentes à "or igem do Homem" têm gerado sucessivas

hipóteses na Ciênc ia e na Religião: o hom em com o criação direta de D eus

{Gênesis),

  o hom em como descendente evolutivo do macaco (Darwin) , o

hom em com o descendente de um "elo perdido " que teria dado or igem si-

mu ltaneam ente à ramif icação human a e à ramif icação dos demais pr ima-

tas (retif icações na Teoria da Evolução), o homem como pertencente a

um a matriz evolutiva inteiram ente independ ente da do macaco (pesquisas

recentes) . Em cad a um destes casos, um a hipótese preenche um v azio ge-

rado pela inquietação diante das origens humanas.

Out ro t ipo de h ipó teses que t r anscen dem o me ro âmbi to da pesqui -

sa onde foram geradas refere-se àquelas que, uma vez propostas , reve-

lam um potencial de "aplicabilidade a outras pesquisas". A hipótese vem

aqui desempenhar uma

 função multiplicadora

  (6). Qu ando se desenv ol-

ve para um es tudo de caso especí f ico uma argumentação bem funda-

m entad a em torno de cer ta hipótese, provan do-se a sua per t inência, pode

ser que esta venha a se mostrar aplicável a outros estudos, beneficiando

desta man eira outras pesquisas possíveis e o conhecim ento cient í f ico de

maneira geral .

Assim, ao desenvolver a hipótese da impor tância predominante do

"choque cul tural" na sujeição das sociedades as tecas , Todorov abr iu a

possibi l idade de que a m esm a hipótese fosse ut i lizada para c om preend er

—  1

 147

  —

Page 149: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 149/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

a sujeição da sociedade inca, ou outras si tuações similares. É claro que,

para cada caso, devem ser respeitad as as singu laridad es, o que dev e f icar

como um lembrete impor tante relat ivo às possibi l idades de se impor tar

uma hipótese de um para outro campo de pesquisa.

Por f im, um a úl t im a fun ção das hipóteses é que, em nível mais am -

plo, elas podem se prestar à organização ou unif icação de conhecimen-

tos já ad quiridos, inclusive através de gen eraliz açõ es de stinada s a expli-

car cer tas "uniformidades empír icas" que tenham sido eventualmente

constatadas em pesquisas diversas . Falarem os aqui de um a

 função unifi-

cadora

  (7) . Pode se dar o caso em que uma hipótese explicativa contr i-

bua para dar sent ido seja a um cer to conjun to de dados, seja a um con-

junto de outras hipóteses. Um exemplo poderá esclarecer este uso das hi-

póteses explicativas.

Vár ias pesquisas sobre crescimento urbano, tomando como campo

de estudos as cidades americanas , levaram alguns es tudiosos da chama-

da Escola de Chicago* e outros sociólogos à percep ção de um cer to pa-

drão de crescime nto das cidades, par t icularm ente no que conce rne à dis-

t r ibuição da população

84

. Diante das uniformidades empír icas percebi-

das , a lguns autores procuraram formular hipóteses que correlacionas-

sem estes fenô m eno s - entre eles Ernest B urgess , que elaborou a sua cé-

lebre hipótese dos "círculos concê ntr icos" .

Para sustentar sua hipótese original, Burgess idealizou seu famoso

"ideograma de desenvolvimento urbano", onde o crescimento se ver i f i -

ca em torno de um núc leo de pontos fo cais que se consti tu i predo m inan-

teme nte pelas atividades com erciais e industr iais . O esquem a é natural-

mente vál ido no âmbito das cidades t ip icamente americanas da moder-

n idade (m as não no âmbi to das c idades euro péias , por exem plo) , e ba-

seia-se nos processos de "etnic suce ssion" e da "resident ial invasion". A

idéia básica é a de que a cidade organiza a população a partir de zonas

concêntricas, residindo a alta burguesia nos subúrbios periféricos, e nes-

te caso a prog ressã o so cial evoluir ia do cen tro para a periferia, de m ane i-

ra que cada grupo social vai aban dona ndo esp aços m ais próximos d o cen-

tro e conqu is tando os ar redores mais valor izados socialmente.

84. E.W. BURG ESS; E. PARK; R.D. McKENZ IE.  The City.  Chicago: University of Chicago

Press, 1925.

— 148 —

Page 150: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 150/238

Page 151: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 151/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

acerca de um a evolução c oncên tr ica e a proposta de cresc ime nto por fa-

tias tr iangulares aventada por Hoyt

88

.

Este exemplo pode nos ajudar a perceber que as hipóteses também

têm uma função s ignif icat iva como organizadoras , mesmo que provisó-

r ias, dos própr ios dados em pír icos produzidos através do con hecim ento

cient í f ico. Funcionam, neste caso, como compar t imentos que retêm de

m aneira organizada e coerente es tes dados, ou com o "cr iado ras de senti -

do" que imprimem novos s ignif icados a conhecimentos construídos a

par t i r de pesquisas diversas . Neste sent ido, algumas h ipóteses t ranscen-

dem largamente o âmbito mais restr i to de sua pesquisa singular , e cr iam

unidades maiores entre vár ias pesquisas produzidas . Não importa que

em um segundo momento estas hipóteses sejam subst i tu ídas por novas

hipóteses . O importante é que através delas o conhecimento cient í f ico

pode t ransi tar l ivremente, sendo reelaborado de maneira permanente.

É precisamente quando determinadas hipóteses conseguem reunir

em conjuntos ma iores e coeren tes um a d ivers idade de fa tos , un i fo rm i-

dades empír icas e resul tados obt idos em pesquisa - e par t icularmente

quand o se m ostrarem sustentáveis ou vál idas as relações propo stas para

estes fatos - que ocorre a form aç ão de um a teoria

8 9

. Partindo destas rela-

ções propostas e das hipóteses pr imordiais , são dedu zidas no vas hipóte-

ses , de modo que vai sendo consol idada um a nova teor ia ( inclusive com

a elaboração de novos concei tos*, sempre que necessár io) .

Mais uma vez podemos ci tar o exemplo da "Teor ia sobre a Origem

das Espécies" , de Char les Darwin. O que o natural is ta inglês fez foi

precisamente reunir uma sér ie de fatos e dados construídos a par t i r da

observação da natureza sob a or ientação de algumas novas hipóteses ,

com o a da " luta das espécies" e a da "seleção natural" . Em seguida, sen-

do validadas por um determinado setor de cientistas as suas observações

sis tema tizadas (não sem en frentar res is tências) , o con junto de hipóteses

proposto saltou para o status  de " teor ia"* - considerada aqui como um

88. Ch. HARR IS e E.L. UL LM AN . "The N ature of Cities". In Annates of American Academy of

Political and Social Science,  CCLII. New York: 1945.

89. É neste sentido que Good e e Haat afirmam qu e as hipóteses podem form ar um elo entre fatos

e teorias (Will iam GOODE e Paul K. HATT.  Métodos em Pesquisa Social,  p.74).

— 150 —

Page 152: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 152/238

6. H ipóteses

corpo co erente de hipóteses e concei tos que passam a const i tu ir um a de-

terminada visão cient í f ica do mundo.

Foi também o que f izeram os sociólogos da

 Escola de Chicago

* ao

reunirem suas hipóteses , deduções e expl icações para cer tas uniformi-

dades empír icas em uma teor ia da "Ecologia Urbana" - que por s inal

tem elementos de t ransposição para o campo social de alguns aspectos

da "Teor ia da Origem das Espécie s" , proposta por Darwin. Aqu i se per-

cebe que uma teoria pode dar origem a outras, através da incorporação

de novas hipóteses ou de nov os desd obram entos d e hipóteses , ou através

da transferência de certos sistemas hipotéticos e conceituais para outros

campos de apl icação (do campo natural para o social , por exemplo) .

De resto , deve ser lemb rado que um enunciad o teór ico deve ser con-

siderad o sem pre em relaçã o à teoria à qual ele se articula. U m enu ncia do

que em um momento, ou dentro de um detenninado referencial teór ico,

pode ser considerado uma hipótese, em outro momento pode ser consi-

derad o uma lei, e em um terceiro m om ento ser encarado com o uma con-

jectu ra. Assim , a hipótese da "seleçã o natural" , por exemplo, é conside-

rada

  le i

  dentro da "Teor ia da Origem das Espécies" de Darwin, é consi-

derada um

 princípio

  que deve ser com binad o a outros fatores na "Te or ia

Sintética ou Mod erna da Evo lução ", e é considerada um a conjec tura ou

hipótese refutada na "Teor ia do Planejamento Biomolecular Intel igen-

te" , de Michael Behe.

Para f inaliz ar , seria bo m le m brar ainda um tipo muito espec ial de hi-

póteses , que desempenha uma função bastante específ ica na ciência: as

chamadas h ipó teses

  ad hoc*.

  Como const i tuem um t ipo especial de hi-

póteses , m eno s f reqüen te que as hipóteses com uns, não regis t ramo s sua

fun çã o no Qua dro 8 - que poder ia ser def inida com o a de "proteger ou-

tras hipóteses"

  {função protetora).

M ais r igorosam ente, a hipótese

  ad hoc

  ser ia um a espécie de conjec-

tura que tem por f inal idade proteg er de contradições um a outra hipótese,

qua ndo esta se vê con fronta da com teor ias já acei tas , ou até m esm o com

os dados já dispon íveis que não a conf irm am . Lakatos e M arconi ci tam

um exemplo bastante interessante de hipótese

  ad hoc

  bem-sucedida:

—  1 151  —

Page 153: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 153/238

Page 154: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 154/238

Page 155: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 155/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

perspect ivas divers if icadas e de uma determinada seleção de fontes e

dados que foram escolhidos pa ra mater ial h is tór ico

91

.

As hipóteses propostas pela Histór ia não levam a "uma evidência

que se impõ e"

9 2

  como nas ciências exper imentais . Elas permanecem ao

nível da con gruê ncia em relaç ão aos dado s e à próp ria análise elabo rada,

mas não chegam ao nível de al to grau de comp rovaç ão que se torna pos-

s ível em algumas das ciências naturais e exatas . Em tempo: pode-se

comprovar a ocorrência de determinado evento, à maneira de uma per í-

cia que recupera os dados objet ivos de um de term inado acontecim ento.

M as não há, por exem plo, com o julga r melho r uma entre duas interpre-

tações histór icas dis t intas sobre o m esm o co njun to de dado s, a conside-

rar que as duas sejam interpretações igualm ente cong ruentes .

A his tor iograf ia de determinado tema ou objeto sempre oferecerá

aos seus leitores uma rede diversif icada de interpretações plausíveis e

congruentes (descontando as absurdas) , e a única exigência que poderá

ser feita ao historiador é que ele bas eie as suas interpretaç ões em m ateri-

ais legít imos, que são as próprias fontes históricas analisadas com os

métodos adequados.

Vejamos então as implicações desta natureza da pesquisa his tor io-

gráf ica com relação à possibi l idade de ut i lização d e hipóteses  ad hoc,]k

tendo s ido compreendido que a Histór ia não t rabalha com "hipóteses

preditivas", e sim com hipóteses post-factum.  Uti l izar um a hipótese  ad

hoc

  na História com o objetivo de "proteger" uma outra, a partir dá qual

se pretende desenvo lver um a argum entação dedut iva, ser ia ut i lizar um a

hipótese que não pôde buscar apoio em documentação exis tente. Ser ia

propor uma hipótese ainda no nível conjectural , sem qualquer embasa-

91. Pode ser que o uso do computador permita aos historiadores do futuro lidarem com realida-

des virtuais, experim entando sucessivas vezes uma m esma situação histórica e testando a inclu-

são ou exclusão de determin ados fatores para verificar o que teria aconte cido. Estes recursos, e

outros que poderiam ser imaginados pela ficção científica como "visores do tempo" ou "máqui-

nas do tempo", poderiam reformular totalmente a natureza do trabalho historiográfico, introdu-

zindo junto á sua prática observacional-interpretativa uma prática experimental. Mas isto, por

ora, perm anece ob jeto da ficção. De qualquer m aneira, sempre restará uma parcela m uito signifi-

cativa de subjetividade no faze r historiog ráfico, uma vez que as situações hum anas o btidas expe-

rimentalmente sempre deverão ser interpretadas.

92. Expressão uti l izada por Rob ert K. M ER TO N (Sociologia: teoria e estrutura.  São Paulo:

Me stre Jou , 1970. p. 162).

— 154 —

Page 156: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 156/238

6. H ipóteses

mento empírico obtido a partir de análise de fontes históricas, talvez na

esperança de que um dia fossem encontradas as fontes que permit i r iam

sustentar a hipótese

  ad hoc

  proposta.

Já dissem os q ue é questão controversa a ut i lização de co njecturas no

trabalh o h istoriográfico. A m aioria dos historiadores rejeita esta possibili-

dade, e alguns a aceitam apenas como preenchimento provisório de lacu-

nas - geralm ente em ex plicações paralelas com relação a determina do as-

pecto da socieda de ou a determ inado con junto de fatos obscuros. Mas di-

f icilmente um historiador, mesmo os do grupo que aceita conjeturar em

determinadas ocasiões, empreenderia um trabalho historiográfico que t i-

vesse por Hipótese Central uma suposição não fundamentada em fontes.

A não ser , é claro, que este historiador a ceitasse deslizar do gê nero histo-

r iográf ico propr iam ente di to para o gênero da f icçã o his tór ica.

O uso de hipóteses  ad hoc  na Histór ia só poder ia desempenhar um

papel extremamente per ifér ico, pelo menos de acordo com os parâme-

tros atualmente vigentes na his tor iograf ia ocidental . As hipóteses , em

Histór ia , só podem ser "salvas" a par t i r da comprovação dos seus ele-

m entos em pír icos m ais diretos e da ver if icaç ão empír ica de seus desdo-

bram entos , ou e ntão a par t ir de deduç ões de hipóteses precedentes que,

pelo menos elas , es tejam ancoradas em bases documentais - ou, mais

propr iamente, que estejam ancoradas em anál ises congruentes es tabele-

cidas sobre bases documentais. O uso sistemático da fonte histórica é

ainda o que g aran te ao historiador o direito de reivind icar para a sua prá-

tica o

 status

  de "ciência" .

M as, enfim , m ais do que qualquer outra ciência ou prática crít ico-re-

f lexiva, a História vive da formu lação e reform ulaçã o de hipóteses. O his-

toriador marc a um a distância prudente das conjec turas e outra da preten-

são de descobrir verdades absolutas. Neste caminho do meio a História

pod e ser definida com o a ciência de formula r hipóteses sobre o passado, e

co m o a arte de sustentar estas hipóteses de ma neira c riativa e cong ruente a

partir das fontes utilizadas pelo historiador. Na oficina da História, as hi-

póteses são sem pre instrumentos im portantes - m ultifuncion ais na sua ca-

pacidade de

  nortear, delimitar, interpretar, argum entar, comp lementar,

multiplicar  e  unificar  os materiais e a pesquisa histórica.

Para além destes usos das hipóteses de pesquisa, que na prática his-

tor iográf ica adquirem tanta relevância, o quadro de funções discut ido

—  1 155  —

Page 157: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 157/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

neste i tem procurou destacar o papel decisivo das hipóteses na Pesquisa

Científ ica de uma maneira geral - tanto no que se refere a um trabalho

específ ico que se realiza (Projeto ou Tese), como no que se refere a as-

pectos mais amplos do conhecimento.

6 . 3 . A e l a b o r a ç ã o d a H i p ó t e s e

Um a h ipótese bem formu lada deve a tender a de termina das carac te-

r íst icas que serão discu tidas a seguir (Qu adro 9) . Prov isória, dec larativa,

concisa, logicamente coerente, c lara, concei tualmente exata, relevante,

teoricamente articulada, pertinente, plausível, verif icável - não são pou-

cas as qual idades exigidas a um a hipótese que se quer bem redigida. E m

primeiro lugar , consideraremos a necessidade de que a Hipótese es teja

diretamente ar t iculada ao Problema ou à problematização da pesquisa.

• A Hipótese deve estar articulada ao Problem a

Pede-se antes de mais nada que uma hipótese contenha, explícita ou

implici tamen te, um Prob lema para o qual ela funcion ar ia co m o

  solução

12

5

— 156 —

Page 158: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 158/238

6. H ipóteses

possível  (1) . De fato, vim os até aqui que o raciocínio hipotético corres-

pon de a um a espécie de antecipa ção em preendida pela imaginação cien-

t í f ica, que se es tabelece em torno da form ulaçã o de um a af i rm ação pro-

visór ia a ser poster iormente comprovada ou refutada. Esta antecipação

relaciona-se, naturalme nte, a um problem a que está na base da form ula-

ção hipotética.

Contudo, deve-se ressal tar que, embora a hipótese

  inclua

  o proble-

m a em um a de suas dim ensõ es, e la não deve s im plesme nte repet i - lo (di-

zer que a hipótese deve conter o problem a não s ignif ica dizer que a hipó-

tese deve coincidir com o problem a) . Re tom em os por exem plo o proble-

ma sobre a Conquis ta da América, que ass im poder ia ser enunciado:

"u m a das questões m ais intr igantes da Histór ia da Am érica foi a derrota

de milhões de nat ivos mesoamericanos, organizados em impér ios bem

estabelecidos, para apenas algumas centenas de conquis tadores espa-

nhóis em um per íodo de apenas algumas décadas no início do século

XV I" . O Problema indaga pe las razões que te riam favorec ido es te f a t o -

ele chama atenção para a estranheza desta ocorrência histórica, e portan-

to clam a por um a expl icação qu e a torne com preensível . Form ular o pro-

blem a tal com o foi proposto ac ima , em um P rojeto de Pesquisa, es taria

correto . Apesar da sua redação aparentemente af i rmativa, o problema

propo sto tem um a natureza inter rogat iva ou indagadora, com o se espera

de qualquer problema (e não de uma hipótese, como logo veremos) .

Por outro lado, o problem a atrás formu lado tam bém apresenta dados

em pír icos . Ele nos diz que milhõ es de nat ivos me xicanos fo ram derrota-

dos por algumas centenas de espanhóis , em algumas décadas do século

XVI. Estas são evidências já registradas pela História, ninguém irá dis-

cut i - las . O que se coloca com o proble m a é que estes acontecim entos te-

nha m se dado assim, e que deve m ter exis t ido fatores bastante s ignif ica-

tivos para que tudo não tenha oc orrido de outro m odo

93

. Assim, os dados

em píricos , registrados nas fon tes e já e viden tes para a historio grafia, não

constituem o "problema". O qu e consti tui o "problema" é a indagação que

sobre estes fatos se estabelece (por que ocorreram?).

93. Se é possível dizer que a sujeição das civilizações pré-colombianas pelas sociedades euro-

péias seria inevitável em longo prazo, em virtude da superioridad e bélica, o que causa estranheza

é precisam ente a rapidez com qu e tudo se deu, e o pequen o efetivo de hom ens que foi suficiente

para consolidar a conquista.

 

157 —

Page 159: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 159/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

Ora, a Hipótese não pode nem coincidir com o Problema (embora

possa ou deva incluí- lo na sua essência) e nem coincidir com a mera

enunciação dos seus dados empír icos . Não ser ia uma hipótese af i rmar

que "milhõe s de nat ivos am ericanos foram derrotados em algum as dé ca-

das por algum as centenas de conqu is tadores e spanh óis" . I s to não é hipó-

tese, ma s meram ente um a evidência em pír ica (que al iás ne m precisa ser

invest igada, já qu e é um dado óbvio da H istór ia da Am érica)

9 4

. Uma h i -

pótese, para ser

 pertinente,

  não deve ser óbvia, nem indicar um a cer teza;

m as s im uma probabi l idade, um a suspei ta , um a ref lexão m ais co m plex a

(ver aspecto 10). Dev e consti tuir , acim a de tudo, uma prop osição q ue m e-

reça ser investigada ou que instigue a curiosidade científ ica.

Co m o existiram vários fatores em jog o na sujeiçã o dos nativos m eso -

am ericanos pelos espanhóis, estará semp re em discussão atribuir um m aior

peso a este ou àquele fator ou combinação de fatores. Uma Hipótese que

proponha uma certa explicação para a Conquista da América, nas condi-

ções em q ue ocorreu, será sempre um a instigação à curiosidade cien tíf ica.

Também deverá sempre ser formulada como uma probabi l idade, como

um a suspeita, e caberá ao historiador sustentá-la com inform ações extraí-

das das fontes, com análises estabelecidas a partir destas informações e

com argumentações desenvolvidas pelo próprio historiador.

Assim seria possível agregar algo à afirmaçã o empírica atrás form ula-

da para transformá-la efetivam ente em um a hipótese. Seria possível dizer

que "milhões de nat ivos mesoamericanos foram derrotados em algumas

décadas por algumas centenas de conquistadores espanhóis. . . devido às

divisões polít icas que existiam n os seus impé rios e que os co nquistadores

souberam manipular". A Hipótese, assim formulada, reúne, problemati-

zando-os, dois blocos de enunciados empíricos ("a derrota dos nativos

mesoamericanos.. ." e "as suas divisões polít icas internas". A essência da

94. Da m esma forma, para além de enunciados em píricos já co nfirmados, não consti tuem hipó-

teses os pressupostos já aceitos sem discussão no âmbito teórico-metodológico adotado. Tal

com o faz notar A. J. SEVE RIN O, "h ipótese é o que se pretende dem onstrar e não o que já se tem

demonstrado evidente desde o ponto de partida. Muitas vezes ocorre esta confusão ao se tomar

como hipóteses proposições já evidentes no âmbito do referencial teórico ou da metodologia

adotados. E, nestes casos, não há mais nada a dem onstrar, não se chegará a nenh um a con quista e

o conhecimento não avança"  {Metodologia do Trabalho Cientifico.  São Paulo: Cortês, 2000.

p. 161).

— 158 —

Page 160: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 160/238

6. Hipóteses

hipótese vive não propriamente de cada um dos seus blocos de enuncia-

dos empíricos, mas sim da relação que entre eles se estabelece.

É muito comum, nas Ciências Sociais, a uti l ização deste t ipo de hi-

pótese (a chamada "hipótese anal í t ica") . Ao invés de uma suposição l i -

near , ou de um a m era "hipótese d escr i t iva" que se enuncia com uma úni-

ca seqüênc ia, as hipóteses his tor iográf icas e sociológicas são f reqüente-

mente construções mais complexas que envolvem dois ou mais fatores ,

pelo menos hoje em dia. E a

 relação,

  e não propr iamente a

  enunciação

dos dois fatores, o que consti tui a substância principal da hipótese.

Por outro lado, também marcam presença constante na Histor iogra-

f ia as "hipóteses casuís t icas" , que es tabelecem uma af i rmação mais ou

menos l inear como "o padre Manuel da Nóbrega, e não o padre José de

An chieta , é que fund ou a cidade de São Paulo"

95

) . Mas é preciso ter em

m ente que, a par t i r da his tor iograf ia "prob lem atizad a" do século XX, as

hipóteses casuís t icas , bem com o aquelas de natureza me ram ente descr i -

t iva, aparecem muito mais como mater iais de passagem do que como

"hipótese s ce ntrais" de um a obra his tor iográf ica. Já na his tor iograf ia po-

sit ivista do sécu lo XIX , este tipo de hipóte se narrativa ou descrit iva -

que procurava informar s implesmente "algo que acon tece u"-p od er ia ocu-

par o pr ime iro p lano.

Por exemplo, consideremos a hipótese formulada por Sigmund Freud

em seu livro

  Moisés e a Religião Monoteísta,

  segund o a qual "M oisés não

era judeu, mas egípcio" . Comprovar que "Moisés era egípcio" poder ia

ser bastante instigante para um historiador factual do século XIX, po-

dendo esta vir a se consti tuir na hipótese central de uma de suas obras.

M as dif ici lm ente um his tor iador do século XX - contem porâne o da His-

tó r ia-Problema dos

 Annales

  e dos m odern os desenv olvim entos marxis-

tas - pode r ia se contentar em m eram ente girar em torno desta hipótese

linear-descrit iva, aqui formu lada com um ú nico predicado, e que se mo s-

tra como uma s imples captadora de fatos .

O historiador moderno certamente ir ia querer saber não apenas que

"M oisés era egípcio" , mas també m

  por que

  a literatura hebraica posterior

95. Hipótese men cionada por Antônio Carlos GIL em  Como elaborar projetos de pesquisa.  São

Paulo: Atlas, 1996. p.36.

 1

 159 —

Page 161: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 161/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

à sua época teria falsif icado ou reconstruído e sta informa ção . Assim , para

um historiador problematizador dos nossos dias, esta hipótese teria de ser

refinada para algo como: "Embora Moisés fosse na verdade egípcio, foi

reconstruída e consolidada mais tarde uma imagem de que ele era judeu,

em virtude de tais e tais interesses sociais (etc.)". Aliás, é preciso destaca r

que Freud tratou a hipótese da nacionalidade egípcia de M oisés neste sen-

tido relacional ma is amp lo, não visando apenas d escrever esta si tuação hi-

potética, mas sim refletir sobre suas implicações

96

.

Na his tor iograf ia de hoje em dia, as "hipóteses casuís t icas"* tendem

a ser englobadas por hipóteses mais amplas, do t ipo "analít ico"*, que in-

dagam pr ior i tar iamen te pe la relação entre vár ios fatores e que procuram

compreender  por que motivo  os fatos ocorreram de determinada manei-

ra e não de outra . Ass im, não é que hipóteses casuís t icas ou m eram ente

descrit ivas estejam ausentes do discurso historiográfico (na verdade, es-

tão sempre presentes ao longo da argumentação) - t rata-se somente de

perceber que este t ipo de hipótese nem sem pre func iona adeq uada m ente

como uma "Hipótese Central" (aqui entendida como aquela ou aquelas

que orientam globalm ente a Pesquisa ou um sistema d edutivo, e que c ons-

t i tuem a dimensão nor teadora da argumentação) .

Para discutir estes aspec tos em ou tros termo s, seria dizer que a histo-

r iograf ia do século XIX foi construída predom inan tem ente em torno de

"hipóteses fenomenológicas" , e a his tor iograf ia do século XX prat ica-

m ente exige as hipóteses "representacionais" . B em en tendido, as "hipó-

teses feno m eno lógica s"* são aquelas que perm ane cem na superf ície dos

fenô m eno s, l imitando-se a descrevê-los. Seu objetivo é fund am enta lm en-

te o de esclarecer o funcion am ento externo de um sis tema ou as caracte-

r ís t icas de um determinado fenômeno.

96.0 objetivo de Freud nestes dois textos é demonstrar que Moisés teria se tomado uma figura

emblemática não por ser divinizado, mas precisamente por ter se mostrado uma figura extrema-

mente hum ana. Além d isto, em associação às idéias que já h aviam sido desen volvida s em

  Totem

e Tabu,  a argumentação desenvolvida pelo fundador da Psicanálise conduz à proposição de que

a religião é uma tentativa de resgatar o assassinato primitivo do pai da h orda (ou da religião) ado-

rando-o. A hipótese casuística sobre a nacionalidade de Moisés, neste sentido, e mero ponto de

partida para hipóteses relacionais mais amplas. Sigmund FREUD.  Moisés e a Religião Mono-

teísta.  Lisboa: Guimarães, 1990.

— 160 —

Page 162: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 162/238

6. Hipóteses

Traduzindo para o âmbito his tor iográf ico, as "hipóteses fenomeno-

lógicas" (que vêm juntar ao interesse pelo "eventual" das hipóteses ca-

suís ticas o interesse "descr i t ivo ") es tão apenas preoc upa das em mo tivar

ou organizar a narração de uma sucessão de eventos ou de um proces-

so, ou em pontuar a descr ição de uma determinada sociedade his tór ica

na sua r iqueza de aspectos.

Já as "hipóteses representacionais"*, que tendem a coincidir com

aquelas que têm um aspecto anal í t ico, es tão preocupadas não apenas

com a descr ição das socied ades e dos processos his tór icos , ou em expor

um fato cur ioso ainda que s imbolicamente impor tante; e las preocu-

pam-se sobretudo em perscrutar as condições que estão na base da pro-

dução destes processos e si tuações histórico-sociais, ou em descobrir o

iceberg

  por deba ixo desta pon ta de gelo que é o eve nto. Assim , para to-

m ar emp restada um a me táfora das ciências exatas que é bastante ut il iza-

da nas ciências sociais , essas hipóteses preocupam-se em compreender

os "mecanismos" que regem as sociedades, os s is temas sociais , os pro-

cessos históricos.

Enfim, a historiografia do século XX - mais ancorada em hipóteses .

representacionais do que fenomenológicas - dá menos importância ao

que Braudel chamou de "as espumas dos acontecimentos", e privilegia as

"correntes profu nd as que as produ zem ". Assim, em relação à historiogra-

fia de supe rfície do século XIX , a historiografia do século X X apresenta

uma profundidade maior, e trabalha com hipóteses mais complexas, mais

relacionais, mais analíticas... mais representacionais (uma das exceções

do século XIX foi, sem dúvida, a Filosofia da História de Marx e Engels,

que já buscava na profundidade social as suas dimensões econômicas) .

Por outro lado, é prec iso acre scen tar que as últ imas dé cad as do sécu-

lo XX promoveram um maior equi l íbr io entre descr ição e expl icação,

evi tando o repúdio extremo ao evento que marcou a "era Braudel" , e

permitindo-se a uma alternância mais salutar entre as descrições de su-

perf ície e as expl icações de profundidade.

Em todo o caso, vol tando ao aspecto da interação entre um a Hipóte-

se e o seu Problema, é preciso dizer que mesmo a hipótese casuística e

fenomenológica, se a quisermos bem formulada, deve esconder dentro

de si o prob lem a, intera gind o com ele. Propo r a hipó tese de que "M oisé s

—  1

 161

  —

Page 163: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 163/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

era egípcio" é tentar responder a um p roblem a com o "Qu al a verdad eira

nacional idad e (ou etnia) de M oisé s?" E esta pergun ta levará inevi tavel-

mente a outras (ou dever ia levar) no decorrer da argumentação. O Pro-

b lema, enf im, é sempre a sombra que acom panha um a Hipótese .

• A hipótese deve ter a forma de uma sentença declarativa

Re tom and o os aspectos redacionais , deve-se ter em me nte que a Hi-

pótese deve vir necessar iamente na forma de uma  sentença declarativa

(2). O Problema, c onfo rm e já vim os, pode até ser form ulad o sob a form a

de uma indagação ("quais os fatores que favoreceram a rápida sujeição

dos as tecas pelos espanhóis com and ado s por Fernand o Co r tês?") . Ma s a

h ipó tese é sem pre um a af i rm ação ( "a ráp ida su je ição do Imp ér io As te-

ca pe los espanhóis comandados por Fernando Cor tês deveu-se funda-

mentalmente à super ior idade bél ica destes úl t imos") . Uma af i rmação,

naturalm ente, que tem um a natureza provisória, destinada à posterior ve-

r i f icação. Mas sempre uma af i rmação.

• A hipótese deve ser concisa

Outra característ ica que se exige de uma boa hipótese é a

  concisão

(3) . A hipótese deve expressar todos os elementos necessár ios , com a

menor quant idade possível de palavras . Nem devem fal tar informações

necessár ias à especif icidade da hipótese e à sua compreensão, nem de-

vem abundar informações inúteis que, mesmo que estando corretas , es-

tar iam tornando o enunciado da hipótese desnecessar iamente prol ixo.

Co nsiderem os, ainda aprovei tando o exem plo da Con quis ta da A m érica,

uma hipótese que fosse ass im formulada:

a rápida sujeição do Império Asteca, que naquele m omento era

governado por Atahualpa, pelos espanhóis comandados pelo

nobre Fernando Cortês - autorizado pela realeza espanhola

para encaminhar expedições de conquista no território me-

xicano e motivado pelas riquezas e honrarias que o sucesso do

empreendimento poderia lhe oferecer - deveu-se fundamen-

talmente à superioridade bélica dos espanhóis, conhecedores

que eram da pólvora e equipados com armaduras e espadas m e-

tálicas, para além dos cavalos de guerra, que para os nativos

mexicanos pareceram monstros terríveis.

— 162 —

Page 164: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 164/238

6. Hipóteses

Existem informações na formulação acima proposta que, neste mo-

mento, são francamente desnecessárias. Não é preciso alertar ao leitor ,

neste mo m ento em qu e se deve pr imar pela concisão, para o fato de que

os as tecas eram governados por Montezuma, de que Fernando Cor tês

era um nobre que acei tara o com and o da expe dição de conquis ta em bus-

ca de r iquezas e de honrar ias , nem mesmo especif icar a super ior idade

bél ica dos espanhóis com as inform ações de que estes conheciam a pól-

vora, o armam ento de metal e o uso de cavalos de guerra (estas inform a-

ções poderã o até ser m encion adas d epois , m as não no m om ento s intet i-

zador da formulação da hipótese) . Muito menos é preciso mencionar

aqui que os cavalos pareceram aos mexicanos "monstros amedrontado-

res" . Estas informações são excessivas e desnecessár ias .

Por outro lado, exis tem informações que poder iam ser acrescenta-

das, co m o o fato de que tudo isto se deu em alguns po uco s anos (ao invés

da informação mais vaga de que se t ratou de uma "rápida sujeição") .

Exis tem, por tanto, a lgumas informações de menos, e muitas informa-

ções demais . A hipótese apresentar-se- ia mais concisa se ass im fosse

formulada:

a sujeição do Império Asteca pelos espanhóis comandados por

Fernando Cortês, entre 1519 e 1524, deveu-se fundamentalmen-

te à superioridade bélica destes últimos.

E este t ipo de concisão que deve ser buscado na elaboração de hipó-

teses: um cuidadoso equi l íbr io entre uma economia de elementos reda-

cionais e uma r iqueza mínima de aspectos que necessar iamente devem

ser definidos ou explicitados.

• A hipótese deve apresentar consistência lógica

Dizer que a hipótese deve apresentar uma

  consistência lógica

  (4) -

ou que ela de ve mostra r uma co erência interna - signif ica dizer que, en-

tre outras coisas, a hipótese nunca deve contradizer o seu enunciado, nem

deve conter inconsistências ou tautologias, e que os seus vários elemen-

tos devem ter um encadeamento lógico ou uma interação efet iva.

Apenas para dar um exemplo t íp ico de er ro de enunciação, deve-se

rejei tar qualquer espécie de

 proposição tautológica.

  A proposição tau-

tológica, à qual já nos refer imos quando discut imos os problemas de

—  1

 163

  —

Page 165: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 165/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

"def inições" , refere-se a  este t ipo de discurso que se movimenta em cír-

culos - e que f ing ind o afirm ar algo acab a não por não a firm ar nada . Re-

tomando o exemplo relat ivo à Conquis ta da América, ser ia tautológico

dizer que "os espanhóis foram super iores bel icamente aos mesoameri-

canos, porque estes possuíam menos armamentos e menos potencial bé-

lico do que aqueles". Não se disse evidentemente nada de úti l com esta

relação de enunciados (é análogo a dizer: "Pedro é mais rápido do que

Paulo, porque Paulo é mais lento do que Pedro") .

Ainda a propósi to das inconsis tências lógicas , ocorre também que

dois enunciados podem ser in teiramente verdadeiros sem que a relação

estabelecida entre eles tenha qualquer consis tência. Por exemplo: "a

A m éric a foi descoberta pelos europeus porque a cultura renascentista apro-

pr iou-se de cer tas perspect ivas es tét icas da Antigü idade Clássica" . N ão

há nada de er rado com cada um dos fatores tomados isoladamente. O

que é inadequada é a sua relação. Não parece ser possível relacionar es-

tes dois fatores, que se colocam na verdade e m referência a questões be m

diferentes . M eram ente sobrepo stos com o se fossem dois azulejos de de-

senhos diferentes , e falseados por um a inadequ ada m ediaçã o da con jun-

ção "porque", os dois fatores propostos por esta hipótese inconsistente

carecem de encadeamento lógico e de interação efet iva.

U m e xem plo de incoerência interna relat iva a contradiçõ es no enun -

ciado está na seguinte redação de hipótese:

A R evolução A mericana, movimento revolucionário ocòrrido

na América em 1776, não foi verdadeiram ente um a revolução,

uma vez que não implicou em mudanças sociais radicais, mas

apenas em uma libertação nacional.

Alguns problemas são evidentes na redação deste enunciado de hi-

pótese. Se o que se pretende é sustentar que a "Revolução Americana"

não foi efet ivam ente uma "revoluçã o", por que o enunc iado intermediá-

r io esclarece que a Revolução Americana foi um "movimento revolu-

cionár io" ocorr ido na Am érica em 1776? Talve z seja sequer rec om endá -

vel acei tar , para es ta hipótese, a designação "Revolução Americana"

com relação ao movimento de independência americano, uma vez que

esta categorização estaria tam bém em contradição evidente com o que p re-

tende demonstrar o autor da hipótese. Por outro lado, talvez o que a hi-

pótese pretend a esclarecer é que este "mov im ento social de l iber tação"

— 164 —

Page 166: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 166/238

6. Hipóteses

ocorr ido na América não foi uma "revolução" no moderno sent ido do

termo (no sent ido, por exem plo, proposto por Han nah Arend t ou por ou-

tros cient is tas pol í t icos) . Talvez seja interessante, para evi tar mal-en-

t end idos , t ambém espec i f i ca r que "compr eensão" e s t á s endo a t r ibu í -

da ao concei to de "revo luçã o". U m a nova redação poder ia corrigir es tes

problemas:

O movimento de libertação nacional ocorrido na América em

1776, c que muitos autores denominam "Revolução America-

na", não foi efetivamente uma "revolução " no moderno senti-

do proposto por Hannah Arendt.

Com esta nova redação conseguiu-se a desat ivação de uma sér ie de

contradições internas ao antigo enunciado da hipótese. Ao definir os

acon tecime ntos ocorr idos na Am érica em 1776 com o "m ovim ento de l i-

bertação nacional", o autor sai fora do circuito das contradições inter-

nas , e ao me sm o tem po c ham a atenção para o fato de que a contradição

na verdade está naqueles autores que ut i l izam a denominação "Revolu-

ção Americana". Da mesma forma, deixa bastante claro que a sua af i r -

mação está ancorada no uso moderno do concei to de revolução, e até

ci ta uma refe rência teór ica m ais precisa (Han nah Aren dt) .

Contudo, pode ser que ainda f ique uma ambigüidade no ar . Em pr i-

meiro lugar, é preciso esclarecer ao leitor em que consiste este moderno

concei to de revolução proposto por Hannah Arendt . Em segundo lugar ,

com relação ao caso da Revolução Americana em especial , a autora

Hannah Arendt era de opinião que este processo histórico representou

de fato de uma revolução no sent ido compreendido modernamente.

Seria interessante - nos com entários à hipótese que pode riam ser fei-

tos logo em segu ida - escla rece r ao leitor de que o con ceito de "revolu -

ção" proposto por Arendt vai além da mera idéia de um movimento so-

cial violento que subverte as estruturas polít icas, implicando (a) não

apenas em mudança pol í t ica, mas em transformações sociais efet ivas;

(b) não apenas em "l iber tação", mas em um novo sent ido de " l iberda-

de"; (c) não apenas na idéia de que se vai restaurar uma ordem que fora

perturbada por uma tirania injusta, mas na noção de que se está constru-

indo algo efet ivamente novo ("um novo começo") . Ou is to , ou como

uma outra al ternat iva es tas especif icações do "moderno concei to de re-

volução" dever iam aparecer na própr ia hipótese, supr imindo-se neste

—  1

 165

  —

Page 167: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 167/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

caso a indicação relat iva a Hannah Arendt e deslocando-a, ta lvez, para

uma nota de pé de página.

Em segun do lugar, é prec iso esclarece r ao leitor que se está to m an do

de Hannah Arendt  apenas  a sua formulação de um "moderno concei to

de Revo lução ", e não as suas opiniões ou análises sobre os poss íveis en-

quadramentos de processos his tór icos específ icos na categor ia "revolu-

ção". Af inal , nestas análises Hannah A rendt considera o m ovim ento so-

cial que gerou a Independência Americana como efet ivamente uma "re-

volução", por razões que ela apresenta argumentat ivamente. Diante de

uma hipótese que af i rmasse que este movimento social não foi uma re-

volução segundo o concei to proposto po r Arendt , poder ia parecer ao lei-

tor que o autor da hipó tese está caindo em con tradição . E prec iso qu e ele

esclareça que concorda com a formulação teór ica de Arendt mas não

com a sua avaliação histórica.

Ser ia possível também desdobrar mais comentár ios esclarecedores ,

explicando-se para o leitor (de forma ainda sintetizada) por que motivo

o movimento da Independência Americana não cumpre na opinião do

autor este ou aquele aspecto que seria elemento consti tutivo do "moder-

no concei to de revolução". Desdobrar a hipótese mais ampla em um ou

mais dos aspectos par t iculares relacionados ao concei to de revolução

propo sto seria encadear um a sub ipótese que passaria a especif icar um ou

mais elementos da hipótese principal, o que seria bastante válido.

Ap roveitam os aqui para salientar que, habitualmente, dep ois de enun-

ciar a hipótese proposta de maneira s implif icada e econômica, vale a

pena desdobrar alguns comentár ios mais esclarecedores . Neste caso, o

texto da hipótese propr iam ente di ta deve vir com algum recuo e com le-

tras de tamanh o diferente, para diferenc iar claramen te da parte que é ape-

nas comentár io .

• A hipótese deve ser clara, e apresentar exatidão conceituai

No último subitem, vimos que a uti l ização de termos ambíguos, ou

ainda o confronto indevido de expressões contraditórias, podiam prejudi-

car seriamente a consistência interna de uma hipótese. O saneamento de

determinadas expressões, a sua substi tuição por outras mais ad equa das e a

explicitação do sentido em que estariam sendo uti l izadas podem colabo-

— 166 —

Page 168: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 168/238

6. H ipóteses

rar sensivelm ente para a produ ção de um texto com ma ior nível de

  clareza

(5) e

  exatidão conceituai

  (6) , eliminando confusões e ambigüidades.

Para que um a hipótese seja clara, é preciso que ela só inclua "co nce i-

tos comunicáveis"

9 7

. Da m esm a for m a não adianta ut i lizar termos vagos

e imprecisos. Seria pouco úti l do ponto de vista da ciência histórica di-

zer , por exemplo, que uma determinada sociedade at ingiu seu ponto de

dese nvo lvim ento "ide al" no século XII. O que se quer dizer com "ideal"?

C om o se m ede , ou a que se refere es ta " ideal idad e"? D a mes m a form a, é

desprop osi tado dizer que "a ar te bizant ina apresentou desen volvim entos

mais interessantes do que a ar te romana do mesmo per íodo". "Interes-

sante" é adjet ivo vago, e de qualquer modo os diversos cr i tér ios possí-

veis de apreciação ar t ís t ica são sempre excessivamente carregados de

subjet ivida de ( r igorosam ente ser iam m ais vál idos em uma obra de "cr í-

t ica de arte" do que em um trabalho historiográfico sobre a arte) .

Seria mais úti l af irmar que uma certa sociedade atingiu seu ponto

m áx im o de centralizaç ão estatal no século XII, ou que a arte bizantina de

determinado período caracterizou-se por um predomínio de tais ou quais

técnicas , por um interesse mais específ ico nestas ou naquelas temáti-

cas , ou por um a cer ta form a de interaçã o en tre o ar t ista e a sua socied a-

de. Nes te caso, as af i rm açõ es deixam de ser vagas e com eçam a receber

um del inea m ento mais esclarecedor , qu e as torna ut i lizáveis do ponto de

vista científ ico.

Dizer , por exemplo, que uma cer ta comunidade apresenta um nível

de religiosid ade m ais intenso do que outra, pode parece r m uito vago. Di-

zer que esta comunidade manifesta a sua rel igiosidade com uma f re-

qüência aos cul tos rel igiosos que supera amplamente a f reqüência aos

cul tos análogos em um a outra com unida de - isto s im já a presenta infor-

mações mais precisas , inclusive passíveis de serem mensuradas no de-

correr da demonstração da hipótese (através , por exemplo, da quant i f i -

cação da média de idas ao culto dominical nos dois grupos e numa faixa

específ ica de tempo) .

A par t ir destes exem plos deve se com preen der que cer tas expressões

- dem asiado vaga s ou impregna das de valorações de gosto ou afet ivida-

97. Madele ine GRAW ITZ. Métod osy técnicas de las ciências sociales.  Barcelona: Hispano Eu-

ropea, 1975. V.I. p.81-82.

—  1

 167

  —

Page 169: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 169/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

de - dev em se r ev i tadas em um enun c iado de h ipótese ( com o tam bé m na

de f iniç ão de con cei tos) . Tra ta-se , sem pre , de evi tar a todo cu s to o uso de

" c onc e i to s i nc om un ic á ve i s " .

Gro sso mod o, ex is tem c inco grup os de s i tuações que pode m d i f icu l -

ta r ou impedi r a comunicabi l idade de uma h ipótese : ( a ) quando e la se

u t i li za de expressõ es vagas ou mes m o vaz ias de sen t ido ; (b) qu and o e la

representa f ranc am ente juíz os de valor ou afer ições de cunh o pessoal ; (c)

quando, u t i l i zando expressão pol i s sêmica , não se f az acompanhar por

um c om entá r io esc la recedo r ace rca do sen t ido que lhe em pres ta o au tor ;

(d) qu and o são u t il i zadas expressões po uco conh ec idas , a não se r da pa r -

te de um grupo m ui to r eduz ido de espec ia l i s ta s ; (e ) qua ndo a r edaçã o é

de m a s i a do c o n f us a ou e xc e s s iva m e n te p r o lixa .

Apenas pa ra exempl i f ica r a lguns des tes casos , ve jamos c inco exem-

plos de hipóteses respect ivos a cada uma des tas s i tuações :

(a)  Ut i l ização de expressões vagas .  " Jân io Quadros , P res idente do

Bras i l que r enunc iou ao m and a to em 1962, fo i exc lu ído do pod er cen t r a l

em de cor rênc ia da a tuação de forças ocul tas , que inv iab i l i za ram o pros -

seguimento da sua a tuação pol í t i ca" .

Comentário: " força s ocul tas" , na tura lm ente , não f az ne nh um sent i-

do em aná l i se po l í t i ca ou h i s tor iográ f ica , a não se r como e lemento

de um discur so que deve se r dec i f r ado e ana l i sado . Da mesma for -

m a , é prec i so pres ta r m aiores esc la rec im ento s a r espe i to do que con-

s is t i r ia , de acordo com a hipótese proposta , es ta "a tuação pol í t ica"

de Jân io Q uadro s que te r ia ge rado a res i s tênc ia de um a de te rm inad a

col igação de forças po l í t i cas ( cu ja na tureza e compos ição , a l i á s ,

t ambém deve se r e spec i f icada na h ipó tese ) . Fa la r em " forças ocul -

tas" ( expressão do própr io pres idente depos to) pode f ica r bem em

um a f r ase de e fe ito pron unc iad a pa ra a míd ia , m as não em um a obra

de His tó r ia e de Ciência Pol í t ica que pre ten da ref le t i r ser iam ente so-

bre aque les acontec imentos po l í t i cos tão marcantes do in íc io da dé -

cada de 1960.

(b) Em issã o de juízos de valor . "D . Afon so X fo i o melhor governa n-

te da Península Ibér ica no século XII I , tendo promovido amplamente a

cul tura e empreen dido, na pr imeira par te de seu gov erno, um a centra l iza-

ção pol í t ica que permit iu o apr im oram ento d as ins t ituições m oná rquic as" .

— 168 —

Page 170: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 170/238

6. Hipóteses

Comentário: "m elh or " pa ra qu em ? Para que se tores da soc iedade?

Ou terá s ido "melhor" para o autor da hipótese , que s impat iza com

um de te rminado es t i lo de governar ou com um de te rminado padrão

de organização es ta ta l? "Melhor" , mesmo cons iderando que ta l ex-

pressão não ind icasse um ju ízo de va lor , em comparação a que ou-

t ros governantes e em conf ronto com que contex tos? O conteúdo

pre tendido para a expressão "melhor" , u t i l i zada nes te enunc iado de

hipótese , é na ve rdade incomunicáve l do ponto de v i s ta c ien t í f i co .

Poder íamos segui r ad ian te no r as t r eamento da incomunicabi l idade

de de te rm inad as exp ressões ou a f i rmaçõ es presen tes nes ta h ipó tese :

por exemplo , o que s ign i f ica "promover amplamente a cu l tura"?

Que t ipo de cu l tura? Ou a inda , por que a condução de um processo

de "cent r a l ização pol í t i ca" é apontada como jus t i f i ca t iva pa ra uma

'va lor ização pos i t iva do r e i Afonso X pe lo enunc iador da h ipó tese?

Se fosse poss íve l f aze r um d iagnós t ico da h ipó tese propos ta , po-

der - se - ia d ize r que os seus momentos de incomunicabi l idade pro-

vêm da in te r f e rênc ia de ju ízos de va lores que passam como se fos -

sem pressupostos por todos acei tos , a lém da ut i l ização de termos

que ca recem de esc la rec imentos e de maior prec i são .

(c)  Uso de expressões pol i s sêmicas não esc larec idas .  " J oa qu im

José da Si lva Xavier , o Tiradentes , foi mui to menos um herói do que um

mito; a cons trução de sua imagem de már t i r foi produto da ideologia" .

Comentário: "m ito " e " ideo logia " são conce itos importantes nas Ciên-

c ias H um an as , e de ve m ser ut i l izados (não é o mes m o caso de expres-

sões como "melhor" ou " interessante") . Contudo, são expressões po-

l issêmicas , qu e po de m apresentar sent idos diversos co nfo rm e o âmb i-

to teór ico ou as intenções do autor , e por is to convém que se jam me-

lhor esc la rec ido s quan do aparecerem em um enu nc iad o de h ipótese .

I s to não prec i sa ocor re r necessa r iamente no própr io enunc iado da

hipótese . Para tornar a redação da hipótese mais s inté t ica , o esc lare-

c imento sobre os sent idos que se pre tende a t r ibuir a es tes concei tos

pode se r encaminhado após a enunc iação da h ipó tese , em um con-

jun to de comentá r ios que v i sem esc la rece r es tes e ou t ros aspec tos .

" Ideologia" , por exemplo , deve tan to te r seu sen t ido c la ramente es -

c la rec ido no conjunto de comentá r ios , como deve v i r mais espec i f i -

cada no própr io corpo da hipótese (por exemplo: " . . . a cons trução da

sua imagem de már t i r fo i p roduto da ideo logia expressa pe la h i s to-

 1

 169 —

Page 171: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 171/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

r iogra f ia da pr imeira República, que estava preocupad a em erigir s ímbo-

los na c io na i s que pu de s s e m s e r c on t r a s t a d os c om os a n t ig os s ím -

bo los de um a r e a l e z a a inda ba s t a n t e p r e s e n t e no im a g iná r io popu-

la r " . Quanto a "mi to" , pode- se empregar uma expressão mais prec i -

sa como "mi to po l í t i co" , pa ra ev i ta r confusões com out ros sen t idos

poss íve i s pa ra es te conce i to , e a inda podem se r ac rescentadas r e fe -

rências teór icas , mesmo que a t ravés de notas de rodapé, para que a

expressão u t i l i zada adqui ra uma maior inse rção teór ica

9 S

.

(d )  Us o d e e xp r e s s õe s p ou c o c on h e c id as s e m m aior e s e s c lar e c i -

m e n t os . " Du rante a pa r t i c ipação de Por tuga l nas lu tas da Recon quis ta , o

per íodo s i tuado en t r e 1175 a 1230 cor respo ndeu a u m esm orec im ento

em te rmos de avanços te r ri to r ia i s , o que ocas ion ou u m a in te r rupção na-

quela dis t r ibuição de ter ras que vinha sendo real izada à medida que se

ava nça va para o sul e qu e a té então ben ef ic ia ra tanto a no bre za senh or ia l

com o as prop r iedade s v i lã s a lod ia i s; em v is ta d i s to , p rod uz iu - se um de-

sequi l íb r io en tr e o f r anco c resc ime nto d em og ráf ico e os recur sos econ ô-

micos do pa í s , ocas ionando um   excesso social de população .

Comentário

: A pr im eira vis ta , a lgu ém po de es t ran har a exp ressão

"excesso soc ia l de população" , ao invés s implesmente de "excesso

de população" . Pode f icar no ar a impressão de pleonasmo, por apro-

x imação en t r e " soc ia l" e "população" . Tra ta - se na ve rdade de um

conce i to espec í f ico e laborado por Norber t E l ias em   O Processo Ci-

vilizador,

  e que n ing uém é obr igado a con hece r a não se r que es te ja

fam il iar izado co m es ta obra . Em vis ta dis to , se o auto r de um a hipó-

tese pre tende incluir es te concei to em seu enunciado, e com o mes-

mo sentido empregado por Elias , convém prestar esclarecimentos adi-

c ionais ao le i tor , remetendo à própr ia obra de onde o concei to foi

adaptado . Ser ia suf ic ien te , no grupo de com entá r io s apresen tad o em

seguid a à hipó tese , ou então por intermé dio d e no tas de pé de pág ina ,

t ranscrever o seguinte t recho de  O Processo Civilizador.  " O ' e xc e s -

so de po pu laçã o ' é ac ima de tudo uma exp ressão desc r i t iva do c res -

98. Sobre o "mito político", já existe uma bibliografia significativa. Pode-se começar por con-

sultar o verbete "mito político" de Tiziano BONAZZI, incluído no  Dicioná rio de Politica  orga-

nizado por Norberto Bobbio (Brasília: UNB, 2000, p.754-762). O diálogo teórico deve ser bus-

cado em autores como Jean SOREL, GURVITCH, ou Roland BARTHES (este últ imo na obra

Mitid'oggi.  Milano : Lerici, 1962). Tem -se um periódico inteiramente dedica do ao "mito políti-

co" nos  Cahiers Internationaux de Sociologie,  julho-dezembro de 1962.

— 170 —

Page 172: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 172/238

6. H ipóteses

c imento demográf ico em uma dada á rea a té o ponto em que , na es -

t rutura socia l exis tente , a sa t is fação das necess idades bás icas só é

poss íve l pa ra um número cada vez menor de pessoas . Por i s so mes -

m o , de pa r a m os c om " e xc e s s o de popu la ç ã o" a pe na s e m r e l a ç ã o a

cer tas formas socia is e a cer to conjunto de necess idades , ou se ja , um

excesso soc ia l de população" (Norber t E l ias ,  O Processo Civiliza-

dor.  v .2 . p .40/41) .

(e )

  Re d aç ão c on f u s a ou e n t ão p r o l ixa .

  "Adolf Hi t ler , p intor f rus-

t rado que acabou direc ionando-se para a pol í t ica radical de dire i ta (em-

bora a m enç ão ao aspec to de f rus t r ação com re lação à p in tura ta lvez não

passe de es t r a tég ia deprec ia t iva desenvolv ida pe la h i s tor iogra f ia euro-

pé ia pos te r ior à p r im ei ra guer ra ) , m ani fes tou desde cedo o seu ódio aos

judeus , que procurou canal izar ao longo da sua a tuação pol í t ica a t ravés

do cu l to ao t ipo ideal a lem ão d e raça ar iana ( t ipo f ís ico, a l iás , do qu al e le

m e s m o nã o e r a um bom r e p r e s e n t a n t e ) , m a s de ve ndo- s e no t a r que a s

cau sas da ascensão do naz ismo n ão se r es t ringem som ente ao âm bi to da

f igura de Hi t le r, j á q ue são mu i to m ais profu nd as e r em etem na verda de

a um a com bina ção de f a tores que inc luem o a t raso da Al em an ha na po l í -

t i ca imper ia l i s ta europé ia (um a vez que a A lem anh a só conse guiu ta rd i -

am ente a sua un i f icaç ão a pa r t i r da a tuação de Bism arck no ú l t imo quar -

te l do século XIX) , e que também incluem a cr ise socia l em que se viu

m ergu lhad a a A le m anh a após a sua de r ro ta na P r imei ra Gue r ra M undia l ,

na qua l Ado l f H i t le r j á pa r t i c ipa ra co m o cabo do exérc i to a lemã o, sem

conta r a inda out ro f a tor imp or tan te que fo i o f en ôm en o do an t i - semi t i s -

mo, j á p resen te na Alemanha em per íodos bas tan te an te r iores aos even-

tos polí t icos ma is imediatos que cond uziram à Primeira e à Segund a G ue r-

r as Mundia i s " .

Sem comentários...

Formula r uma h ipótese com c la reza , enf im, s ign i f ica cu idar da e la -

boração do texto a tentando para inúmeros fa tores , que vão desde a ut i l i -

zação de "conce i tos comunicáve is" e da expressão a ten tando para uma

eco no m ia de enun c iado , a té o cu ida do de des faze r poss íve i s am bigüid a-

des e de deixar esc larecidas as escolhas do autor dentro de um eventual

pol i s semismo ex is ten te .

Page 173: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 173/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

• A hipótese deve interagir com a teoria e com os métodos

Fora a necessária in teração da hipótese com o Problema , já discut i -

da, espera-se da Hipótese s imultaneamente uma interação com a Teor ia

e com a Metodologia (7). Este aspecto já foi m encion ado p or ocasião da

discussão da "fun ção nor teadora " da hipótese, mas vale a pena rediscu-

t i - lo em maior profundidade. De cer ta forma, a hipótese pode ser vis ta

com o um a espécie de elo entre a teor ia e a me todologia qu e serão em pre-

gada s na pesquisa. E de um Qua dro Teó r ico mais am plo que as hipótese s

em erge m , e é a par t ir delas que serão esc olhidos as técnicas , os m étodo s,

os instrumentos nec essár ios a sua própr ia v er i f icação.

Vimos isto no primeiro i tem deste capítulo, quando a partir de um

problema imaginado no âmbito da vida cotidiana (a súbita falta de ener-

gia em um aparelho de televisão) , foram sen do formu ladas hipóteses su-

cessivas que implicaram, cada uma delas , em uma metodologia de ver i-

f icação. Para problema s cient í f icos , as hipóteses tam bém irão gerar ne-

cessar iamente metodologias , ou pelo menos permit i r uma escolha den-

tro da infinidade de recursos metodológicos existentes. Se se trata de

uma hipótese que faz referência a valores quant i f icáveis , pode ser que

sejam apropriados métodos quantitativos ou estatíst icos; se for uma hi-

pótese que faz referência à presença de aspectos ideológicos em um de-

termina do t ipo de discurso, ta lvez consis tam em um a boa escolha os di-

vers if icados métodos de anál ise textual , que contam com desenvolvi-

mentos importantes nos campos da crít ica l i terária, da semiótica, da aná-

lise de discurso, da lexicografia, e assim por diante.

A Teor ia , representando uma determinada maneira de ver o mundo

ou um cer to campo de es tudos, também deve apresentar in teração com

as hipóte ses, consti tuindo -se na verda de no seu alicerce. Se acred ito qu e

a história é a expres são da luta de classes, é m uito possível q ue as hipó te-

ses por mim encam inhadas para a resolução de determ inados problem as

apontem para a ident i f icação e esclarecim ento das contradiçõe s sociais .

Se vejo a sociedade como u m gran de organ ismo social , é possível qu e lo-

go surjam hipóteses relacionando as insti tuições e os grupos sociais a

fun çõ es a serem desem penh adas no inter ior deste grande organism o. Se

enc aro a socieda de a partir de estruturas inva riantes de fund o, m inha s hi-

póteses enunc iarão por sob a divers idade de fen ôm enos sociais e de p ro-

— 172 —

Page 174: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 174/238

6. H ipóteses

dutos cul turais a presença de cer tos elem entos qu e ser iam c om uns a to-

dos os povos ou culturas.

Cada uma destas maneiras de ver o mundo, por outro lado, anseia

por encontrar determ inadas m aneiras de agir no mund o. As teor ias bus-

cam métodos para se concret izarem através da resolução de problemas

espe cíf icos , e o cam inho que perm ite es te acordo entre o "ve r" e o "fa-

ze r" é prec isam en te a Hip ótese - interm ediária nece ssária entre o geral e

o espe cíf ico, entre o m und o abstrato dos concei tos e o m und o concreto

dos métodos que são concebidos como caminhos para at ingir objet ivos

determinados .

• A hipótese deve ser suficientemente específica

Se possível , uma hipótese deve conter referências empír icas que a

del imitem e a tornem mais precisa (8) .

Uma h ipó tese expressa em termos demas iados "gera is" f reqüente-

m ente nã o pode ser ver i f icad a ( retornarem os a isto mais adiante, quan do

discut i rm os o subi tem " ver if icabi l idade ") . Por is to , em geral cada hipó-

tese deve se refer i r a um a un idade de observaç ão b em def inida, que esta-

rá associada a uma análise de populações, objetos, atividades, insti tui-

ções , sociedades ou acontecimentos concretos que const i tuem o objeto

da pesquisa.

Em Histór ia , a espec if icação requer ida a um a hipótese vem habi tual-

mente acompanhada de delimitações temporais, espaciais e sociais. Uma

vez que se reconheça que qualquer sociedade está sujei ta a constantes

mu tações, tanto s incrônicas com o diacrônicas , não é possível pretender ,

por exemplo, que um determinado padrão de crescimento urbano vál ido

para cer tas cidades americanas do século XX seja também percept ível ,

sem variações, nas cidades européias da Idade Média ou do princípio do

per íodo moderno .

Por is to uma hipótese general izadora como a dos "círculos concên-

tr ico s" de Bu rges s deve f ixar as suas referên cias emp íricas, o seu espa ço

de val idade, a sua temporal idade. De igual ma neira, uma hipótese co m o

a de Todorov sobre o papel do choque cultural nas sociedades astecas

deve vir encaminhada a partir de referências empíricas precisas, e a sua

—  1

 173

  —

Page 175: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 175/238

Page 176: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 176/238

6. H ipóteses

o caso da pesquisa historiográfica, convém lembrar o célebre texto de

M ichel de Cer teau sobre a

 operação historiográfica

, ond e o autor res-

sal ta que qualquer pesquisa his tór ica encontra-se necessar iamente ins-

cr i ta em um determinado " lugar de produção".

Freqü entem ente o que def ine a relevância de um tem a ou de uma hi-

pótes e, queira o historiad or ou não, é um lugar social bas tante com plex o,

que possu i d imensões soc ia i s mais amplas e também dimensões ins t i -

tucionais muito específ icas . É este " lugar social" que abre espaço para

determinados temas, ao mesmo tempo em que interdi ta outros . Assim,

pode se dar que o corpo de pesquisadores de uma certa insti tuição - ou

mesmo a Diretor ia desta inst i tu ição - mostre uma extrema resis tência

com relação ao encaminhamento de determinado tema ou à formulação

de determinad a hipótese. N este caso, o m elhor que po de faze r o his tor ia-

dor interessado é buscar uma outra insti tuição ou um outro contexto em

que o tem a ou a hipótese seja m me lhor acei tos.

Assim, por exemplo, dif ici lmente alguém poder ia obter o f inancia-

mento do Museu Vil la-Lobos do Rio de Janeiro para uma pesquisa que

apresentasse como hipótese central a sugestão de que a projeção nacio-

nal e internacional do compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos só se

concret izou em vir tude das al ianças pol í t icas do composi tor com o es-

quema pol í t ico de Getúl io Vargas . Se o Museu Vil la-Lobos foi cr iado

precisam ente p ara preservar a obra e m em ória deste comp osi tor brasi lei-

ro, tal hipótese, ao desqualif icar a importância estética da produção mu-

sical de Villa-Lobos, coloca em xeque a própria Insti tuição na qual ela

pretende se inscrever.

Da m esm a form a, para dar um exem plo ainda mais extremo , ser ia i r-

relevante, ou na verdade absurda, uma pesquisa de Mestrado em Histó-

ria em que o autor susten tasse a hipótes e de que o con hec im ento históri-

co é efe tiva m en te impos sível ou desne cessá rio. Se o autor acredita que o

conhecimento histórico é impossível, desnecessário, ou irrelevante - e

que portanto a disciplina História simplesmente não deveria existir - ,

por que razão ele deseja se tornar "Mestre em História"? Melhor seria

99. Michel de CE RT EA U. "A operação his tórica". In A Escrita da História.  Rio de Janeiro: Fo-

rense, 1982. p.65-119.

  1

  75 —

Page 177: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 177/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

que esta tese fosse defendid a em um a Faculda de de Fi losof ia , lugar ins-

ti tucional em que não estaria mais deslocada. Em tempo: o que é irrele-

vante, neste caso, não é a enunciação da hipótese, mas a sua enun ciação

em um lugar inst i tucional específ ico que está em f lagrante contradição

com a hipótese enunciada.

Pode se dar ainda que a hipótese apresente irrelevância, ou mesmo

total incompatibi l idade com relação ao " lugar social" mais amplo, para

além do mero espaço inst i tucional . O tema do nazismo, por exemplo, é

extremamente relevante na atual idade, sobretudo em vir tude do caráter

t raumático que este fenômeno social desempenhou na his tór ia mais re-

cente da hum anidade . Mas ser iam po uco sustentáveis , nos me ios ac adê-

m icos europeus da atual idade, hipóteses que se mostrassem simpá t icas à

ideologia nazis ta . Dif ici lm ente encontrar ia um espaço inst i tucional um a

tese de doutorado que se propusesse a demonstrar que Hit ler efet iva-

m ente t inha razão ao propor o extermínio de m ilhares de jud eu s e de ou-

tros grupos humanos que estavam apr is ionados nos campos de concen-

tração da Alemanha por ocasião de seu governo. Uma hipótese sobre a

superioridade da raça ariana ou seria considerada irrelevante, já que se

desenvolveram mais recen temente pesquisas que comprovam a insus-

tentabilidade de teorias de superioridade racial , ou seria considerada so-

cialmente per igosa, em vir tude da existência de grupos ne onaz is tas ain-

da na Europa dos dias de hoje.

Tam bém pode se dar que um cer to tema, acompa nhado de de termi-

nadas h ipó teses , não apresen te re levância com re lação às expecta t i -

vas atuais da disciplina em questão. Seria considerada irrelevante uma

tese em História ou em Sociologia que propusesse a hipótese de que "os

em erge ntes do Rio de Jane iro, em contraste com as eli tes tradicio nais da

mesma cidade, têm prefer ido esta ou aquela marca de perfume nos úl t i -

mos dez anos". Mas pode ser que uma certa indústr ia de cosméticos se

propusesse precisamente a f inanciar uma pesquisa direcionada por es ta

hipótese, com a f inal idade de lançar um novo produto que almejasse

conquis tar as preferências de um determinado públ ico-alvo. A relevân-

cia de um a hipótese pode se t ransform ar , con form e vem os, à medida que

deslocamos as coordenadas do seu " lugar de produção" ou que al tera-

mos os objetivos da pesquisa em que ela se insere.

— 176 —

Page 178: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 178/238

6. H ipóteses

• A hipótese deve ser pertinente

A hipótese deve const i tu ir uma proposição que mereça ser invest i -

gada ou que instigue a curiosidade científ ica (o que em alguns casos re-

m ete aos aspectos que já fo ram discut idos no subi tem anter ior) . Da m es-

ma form a, a hipótese não deve ser óbvia, nem indicar um a cer teza; m as

sim uma probabi l idade, uma suspei ta , uma ref lexão mais complexa.

Dev e ser

 pertinente

  co m relaçã o à sua própria cond ição de hipóte se (10).

Conforme já foi d i to , uma af i rmação evidente

  não

  é uma hipótese.

Pode ser me ramen te um enunciado empír ico , j á am plamente com prova-

do , ou mesmo um ax ioma* , que é uma a f i r mação ace i t a s em con t r o -

vérs ias e sem a necessidade de ser comprovada. Não pode ser colocada

como hipótese a af i rmação de que "as mulheres na Idade Média eram

submetidas a uma organização social regida por um poder essencial-

m ente m ascu l ino", porqu e esta af i rma ção já se mostra evidente por tudo

o que já se conhece do per íodo medieval e não haver ia qualquer per t i -

nência em desenvolver uma pesquisa para demonstrá- la . Per t inente se-

r ia a hipótese de que, "m esm o den tro de um espaço de pode r essencial-

m ente m ascul ino , a m ulher encon trou estes ou aqueles espaços de res is-

tência" (neste caso, para tornar esta hipótese mais pertinente, seria o

caso de especif icar que espaços de resistência seriam estes) .

Para ser pertinente, a Hipótese deve superar a

 obviedade

  e se torn ar

mai s

  complexa,

  ma is ref inada. De ve superar a

 superficialidade

  das me-

ras af i rmações empír icas para adquir i r uma maior

 profundidade

  que re-

lacion e estas afirma çõ es. Ela deve, por f im, conter algo de nov o - e não

repet i r s implesm ente algo que já se sabe ( fator

  originalidade).

• A hipótese deve ser plausível

O critér io da plausibil idade como requisito necessário a uma boa hi-

pótese é o mais sujei to a controvérs ias . Alguns autores sugerem que a

hipótese deve ser necessar iamente compatível com o conhecimento ci-

ent í f ico já exis tente ou com outras hipóteses já c om provad as. M ário

Bu nge, por exem plo, considera esta "com patibil idade com o corpo de co-

nhe cim ento s científicos" com o um aspecto relacionado à "consistência ló-

gica" da hipótese, mais propriamente à sua "consistência externa".

 1

 177 —

Page 179: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 179/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

Este aspecto, contudo, é problem ático quan do exa m inam os a r iquís-

s ima his tór ia do conhecimento humano. Feyerabend, em um l ivro br i -

lhante

100

, procurou m ostrar precisam ente qu e, se as hipótese s cient í f icas

não tivessem ao longo da História da Ciência contrariado os preceitos

cient í f icos já acei tos e tam bém transgredido as regras m etodo lógicas

exis tentes , o conh ecim ento c ient í f ico não ter ia efet ivam ente progred ido.

Se ass im não fosse , a cham ada revo lução cope rnicana da ciência não po-

der ia ter proposto a hipótese do hel iocentr ismo em op osição ao s is tema

vigente que era o geocentr ismo de Ptolomeu.

• A hipótese deve ser verificável

De nada adianta form ular um a hipótese que não t raga consigo possi-

bi l idades efet ivas de ver if icação (12), seja para ser conf irm ada ou para

ser refutada. É verd ade , por outro lado, que diversas hipóte ses que fo ram

demonstradas apenas no âmbito dedut ivo, ou outras que durante muito

tempo permaneceram nas proximidades do âmbito conjectural , só t ive-

ram a sua comprovação empír ica muito tempo depois , com a real ização

de exper imentos ou com a percepçã o poster ior de determinados fenô m e-

nos com ela relacionados. Diversos dos desdobramentos da "Teor ia da

Relat ividade" de Einstein , por exemplo, só puderam ser conf irmados

bem p oster iormen te à enunc iação daq uela teor ia e de suas implicações.

N o caso da História - um a ve z que esta não l ida com

  hipóteses pre-

ditivas* com o a Fís ica, m as s im com hipóteses construídas sobre anál i -

ses de fatos, de dados e de indícios do passado que lhes chegam através

das fon tes e docu m entos - a "co m prov açã o em pír ica " de h ipó teses sob

a form a ime diata de "diálogo co m as fontes " é a prát ica corrente do his-

toriador. Isto não impede, por outro lado, que trabalhos posteriores pos-

sam reforçar as conclusões de uma pesquisa primeira, funcionando como

reforços posteriores de ver if icação. Ma s em todo o caso, t ratando-se de

ver if icações imediatas ou de ver if icaçõ es poster iorm ente incorporadas,

a Histór ia modernamente concebida não l ida com comprovações def ini-

t ivas, a não ser no âmbito dos dados empíricos (vale dizer , posso com-

provar def ini t ivam ente um a inform ação , ma s não a val idade de um a de-

100. P. FEY ERA BEN D.  Contra o Método.  Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.

— 178 —

Page 180: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 180/238

6. Hipóteses

terminada anál ise interpretat iva que estabeleci sobre uma cer ta cone-

xão de fatos) .

Com relação aos processos de

 verificação,

  esta po de ou ser obtida de

m aneira d ireta a partir do próprio enunciado da hipótese (quando este enun-

ciado é con fronta do com os dados empíricos que o confirm arão ou que o

contestarão) ou pode ser obtida mais propriamente a partir de suas conse-

qüências. Nes te caso, o qu e se faz é deduzir da hipótese m atriz certas im-

plicações passíveis de comprovação empírica. Assim, lembrando outra

vez as hipóteses centrais apresentadas por Einstein na "Teoria da Relati-

vidade", estas conduziram por dedução a algumas implicações passíveis

de posterior comp rovaç ão emp írica.. . com o a de que, nas proxim idades de

corpos de grande m assa, a luz sofreria um de svio perceptível

101

.

Gutro aspecto a ser considerado para que uma hipótese conserve um

razoável potencial de ver if ícabi l idade relaciona-se à busca de uma dosa-

gem entre "general ização" e "especif icidade". Tal como já foi mencio-

nado antes, para além de seus aspectos generalizadores uma hipótese de-

ve ser por um lado "min im am ente espe cíf ica" (8) , e por outro lado deve

ser dotad a de "precis ão co nce ituai" (6) . Estes aspe ctos, já discu tidos, in-

ter ferem diretamente sobre a ver i f ícabi l idade de uma hipótese.

Assim , um a hipótese dem asiado generalizadora, ou form ulada em ter-

mos muito gerais, freqüentemente não pode ser verif icada. É necessário,

am iúde, espe cif icar na própria hipótese o que se pretende ou o que se pode

verif icar . Para lembrar um exemplo atrás mencionado, uma hipótese que

se refira de m aneira m uito geral à.. . ma ior "religiosidade " de um a deter-

minada comunidade em relação a uma outra. . . pode ser substi tuída por

uma hipótese mais eficaz, mais específ ica e portanto verif icável, que se

refira à "freqüência aos cultos religiosos". Isto porque "religiosidade" é

um a form ulaç ão dem asiado geral e imprecisa, mas "freqü ênc ia aos cultos

religiosos" é um a form ulaç ão mais específ ica, e que pode ser mensu rada.

Em síntese, a ver i f ícabi l idade de uma hipótese de pend e por um lado

de alguns aspectos internos ao seu enunciado, co m o a presença de refe-

rências empíricas mensuráveis ou passíveis de análise, ou ainda a preci-

são concei tuai . Por outro lado, depende também de aspectos externos,

101. Esta implicação foi comprovada em 1919, por ocasião de um eclipse solar.

—  1

 179

  —

Page 181: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 181/238

Page 182: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 182/238

6. H ipóteses

de um andar i lho mais exper iente na viagem do conhecimento. Não exa-

tam ente para copiá-lo , m as para adaptar uma determ inada possibi l idade

ao novo ob je to de e s tudos que con s t r u ímos . U m a h ipó tese , nes t e s en -

t ido, pode ser obt ida através da analogia com outra já bem-sucedida, e

que mostre apl icabi l idade em pesquisas que não aquela para a qual ela

foi or iginalmente produzida.

Para retomar o exem plo da hipótese de Tod orov sobre "a im por tân-

cia do cho que cultural na sujeiç ão dos pov os astecas ", é poss ível aventar

que esta hipótese, que foi uti l izada com tanta maestr ia para examinar a

conq uis ta do impér io as teca, seja tam bém apl icável ao es tudo da "sujei-

ção dos povos incas" . Estaremos neste caso invest indo na "analogia" ,

com base no fato de que os povos mexicanos t inham muitas coisas em

comum em relação aos incaicos , par t icularmente no que se refere ao

mesmo modo de confrontação cul tural que foi produzido diante da che-

gada dos espanhóis .

Para criar uma hipótese por analogia, naturalmente, o historiador

deve agir com a prudência de ver if icar se são realme nte efet ivas as con-

dições existentes entre a sua realidade de estudos e a realidade de estu-

dos que havia produzido a hipótese original. Não há maior perigo para o

historiador, e nem maior crít ica a ser recebida dos seus pares, do que o

desl ize do "anacronismo", que consis te em importar uma anál ise ou re-

f lexã o que é vál ida para determ inada real idade his tórica para outra , sem

a devida reflexão crít ica e as necessárias adaptações.

Munido das devidas precauções, um historiador pode criar uma nova

hipótese inspirado na leitura de uma certa obra. A adaptação de uma hi-

pótese a uma nova real idade, ou mesmo à própr ia real idade que havia

sido t rabalhada por outro autor ma s agora vista de um novo pr ism a, p ode

ensejar modif icações substanciais na hipótese inspiradora. Vimos atrás

como a hipótese do crescimento em "círculos concêntr icos" de Burgess

gerou outras possibi l idades , propostas por sociólogos como Hoyt , Har-

r is ou Ullman.

A analogia como fonte geradora de hipóteses pode se dar não apenas

por observaç ão ou inspiração de outras hipóteses, mas tamb ém por inspi-

ração de processos diversif icados perceptíveis em outros campos do co-

nhecimento ou mesmo na vida cot idiana. Fundamentalmente, a "analo-

—  1 181  —

Page 183: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 183/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

gia" é aquele processo de conhecim ento através do qual o sujeito prom o-

ve associações entre dois ou mais fenômenos através da captação de as-

pectos similares (ou percebidos como similares) que existiriam entre eles.

Assim, pode se dar o caso de que observações do universo circun-

dante ou de fenômenos na tura is p romovam a cons t rução de h ipó teses

por analogia. Foi por analogia em relação ao crescimento da célula ,

que passou a ser ident i f icado com maior precisão pelos cient is tas a

par t i r do uso mais s is temático do microscópio, que alguns sociólogos

da cham ada "Ecologia Urba na" cons t ru í ram um mo delo teórico de cres -

c imento urbano .

Da mesma forma, a analogia em relação a um outro campo do conhe-

cimento humano pode ajudar a formular hipóteses. Para continuar com

mais um exemplo relativo à Ecologia Urbana, o fenômeno da "segrega-

ção", relacionado à coexistência em uma mesma superfície vegetal de t i-

pos de popu lação de microo rganism os qu e exerc em atividades diferencia-

das e que não se misturam, gerou a possibil idade de importar este m odelo

de visualização para os fenôm eno s de divisão social que se opera m no in-

terior de uma cidade, dando origem tanto à formulação da noção de uma

segregação espacial , claramente localizada em uma distr ibuição de t ipos

de população por bairros específ icos em diversas cidades, como também

dando origem à idéia de uma segregação social não espacializada, que

discrimina através das relações no m und o do trabalho, do acesso a deter-

minados ambientes, do poder econômico, e sobretudo da dimensão sim-

bólica (um automóvel de últ imo tipo como indicativo de nobreza, o uso

do vestuário como demarcador social , e assim por diante)

103

.

Ta m bé m os posi t iv is tas e outros pensa dores do século X IX produz i-

ram analogias diversas entre as sociedad es e o m und o natural . A ugu sto

Comte e Spencer , por exemplo, construíram por analogia hipóteses que

comparam o desenvolvimento das sociedades ao desenvolvimento de

organismos vivos

104

. Comte chegou a falar em uma "f is iologia social" ,

ao mesmo tempo em que na "Teor ia dos Três Estágios" compara o pro-

103. Um dos responsáveis pela adaptação do conceito de "segregação" ao campo da sociologia

urbana foi HOLLINGSHEAD, da Escola de Chicago*.

104. A obra de Herbert SPENCER que se desenvolve nesta direção é  Princípios de Sociologia

(1876-1896).

— 182 —

Page 184: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 184/238

6. Hipóteses

cesso de amadurecimento da sociedade ao processo de amadurecimento

de um indivíduo humano. Do mesmo modo, Spencer formulou a hipóte-

se de que as sociedades e civil izações atravessam fases semelhantes às

da história de vida dos organismos biológicos, partindo de estágios com

maior s implicidade de es truturas para es tágios mais complexos de ama-

durecimento, ver i f icando-se também uma analogia entre a decadência

de uma civi l ização e o envelhecimento de um organismo.

As analogias , con form e já ressal tamos, d evem ser elaboradas com o

devido cuidado. Mas são, fora de dúvida, fontes importantes para a ela-

boração de hipóteses .

• Elaboração por

  Indução

Alguns exemplos de hipóteses criadas a partir de indução, ou mais

par t icularmente a par t i r de general izações elaboradas com base em ob-

serv açõ es em pír icas , enc ontra m -se entre as já ci tadas hipóteses da So-

c io log ia Urban a sobre o cresc im ento das c idades . De observações s is -

temát icas e de comparações en t re vár ios casos e levantamentos rea l i -

zad os, autores com o Burgess cr iaram hipóteses com o a do "crescim ento

urbano por círculos concêntr icos" .

A hipótese criada por indução procura dar sentido a um certo con-

jun to de dados coletado s, cr iando co nexõ es entre eles para formula r um

enunciado geral que os expl ique. Naturalmente que, depois de chegar a

um a hipótese por indução de alguns elemen tos ident i f icados na pesquisa

exploratór ia , o pesqu isador dev e real izar um c am inho de volta , tes tando

a sua hipótese no confronto com um conjunto de dados empír icos mais

abrangente ou examinando-a em si tuações mais divers if icadas . Assim,

se a indução g erou a hipótese, tam bém o pesquisador d everá se valer da

indução para testá-la.

Por outro lado, pode-se produzir uma hipótese por indução não ape-

nas a par t i r de dados empír icos ver if icados, mas de hipóteses específ i -

cas que em etapa poster ior alcançam um nível maior de general ização.

Assim, retomando a hipótese de Todorov acerca da importância do "cho-

que cul tura l" para expl icar a faci l idade com que fo ram sujei tados os as-

tecas , pode -se aventar em um segu ndo m om ento que, já que exis t iam

outras soc iedades pré-co lom bianas s imi lares à as teca , a me sma h ipó te-

se se aplicaria também a elas.

—  1

 183

  —

Page 185: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 185/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

Assim, o "choque cultural" ter ia desemp enhado um papel determinante

não apenas na sujeição da sociedade asteca, mas nas civilizações pré-co-

lombianas de uma maneira geral. Naturalmente que também neste caso o

caminho de volta é necessário. Para sustentar que a hipótese do "choque

cultural" não é válida só para o caso asteca, seria interessante realizar um

estudo comparativo com relação à sujeição dos incas em situações simila-

res, e assim por diante. Som ente testada a hipótese ne ste nível mais am plo

de abrangência pode ser confinnada a validade de sua generalização.

• Elaboração por

  Dedução

Outra fonte imp ortante para a criação de hipóteses é o pensa m ento de-

dutivo. Uma hipótese pode ser deduzida de uma teoria, ou também de

uma outra hipótese mais geral e mais ampla. Neste últ imo caso, pode-se

tomar um a hipótese ma is geral já formu lada por um outro estudo e propor

a sua aplicabilidade a si tuações mais específ icas, empreendendo, se ne-

cessário, as devidas ad aptações. A ssim, se um autor t ivesse já chega do à

fonnulação de que o "choque cultural" foi o fator dominante na sujeição

das civil izações pré-colombian as de mane ira geral , outro autor poderia se

propor a estudar esta hipótese no circuito mais restrito das civilizações

dos maias ou dos incas. Isto seria deduzir uma hipótese mais específica e

circunscrita de uma hipó tese mais am pla e m ais generalizado ra.

• Elaboração por

  Aper f e i çoamen to

  de hipótese ou teoria anterior

Pode-se dar o caso de que uma determinada hipótese formulada em

outro trabalho científico seja retificada ou aperfeiçoada à luz de novas

evidências em píricas ou de novas considerações que não haviam sido pre-

vistas. Já se citou o caso da hipótese do crescimento urbano por "círculos

concê ntricos" de Burgess, que se bene ficiou de adaptaçõ es em preendidas

por Harris e Ullm an ao se considerar a possibil idade de que o crescimento

urbano se daria a partir de "núcleos m últiplos", e tam bém das adaptações

empreendidas por Hoyt no sentido de um "crescimento axial".

• Elaboração por

  Intuição

Não raro os cientistas formulam suas hipóteses a partir da intuição.

A mera observação de situações da vida cotidiana, às vezes casual, pode

— 184 —

Page 186: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 186/238

6. Hipóteses

conduzir o cientista ou o pesquisador a intuir descobertas inicialmente

formuladas sob a forma de hipóteses .

Um exem plo célebre é a his tória que Plutarco conta sobre Arquim e-

des (c.287-212 a.C.) , f i lósofo grego que teria elaborado a hipótese do

"empuxo e repuxo". Diante da necessidade de resolver um problema

prático e esp ecíf i co que lhe fora coloca do pelo rei Hie rão da Siracusa -

que era o de verif icar se uma coroa q ue man dara fa brica r havia sido feita

realmente de ouro maciço ou se cont inha alguma percentagem de outro

me tal - Arq uim edes es tar ia pen sand o neste problem a quand o, ao se ba-

nha r em um a banh eira, sua ate nçã o se dir igiu para o fato de que seu cor-

po se tornava m ais leve qu an do estav a imerso na água. A partir desta ob-

serva ção a princíp io distraída, teve a idéia de que para reso lver o proble-

ma bastar ia comparar o deslocamento de l íquido produzido pela coroa

com o volum e de l íquido deslocado p or um a outra com o peso que deve-

ria ter se fosse apenas feita totalmente de ouro. Estendendo o caso para

um âmbito mais genér ico, Arquimedes formulou mais tarde o famoso

princípio de hidrostática que leva o seu nome. Conta-se ainda que, ao re-

alizar a sua descob erta, A rqu im ed es teria saído à rua, desp ido, gritando a

palavra "heureca" , que s ignif ica "descober ta" .

6 . 5 . C o n s i d e r a ç õ e s f i n a i s : H i p ó t e s e C e n t r a l , H i p ó t e s e s

S e c u n d á r i a s e C o m e n t á r i o s

U m a tese ou projeto de pesquisa pode apresentar ma is de um a

  hipó-

tese central,

  ou tam bém u m a única hipótese central que, even tualmen te,

se desdobra em subipóteses ( formulações subsidiár ias que se desenvol-

ve m ded ut ivam ente desta hipótese central ou que espec if icam alguns de

seus aspectos) .

Para exem plif icar es te úl t imo caso, a hipótese extrema m ente genér i-

ca de que "o período de crise social que deu origem à R evo luçã o France-

sa foi precedido por um a al ta secular de preço s" pode ser desdobrada em

subipóteses m ais espec íf icas e por isto mesm o m ais ver i f icáveis , como a

de que teria ocorrido uma alta no preço do tr igo em Marselha, uma alta

no preço da aveia em Toulouse, e assim por diante.

—  1 185 —

Page 187: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 187/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

Também poderiam ser desenvolvidas hipóteses subsidiárias que preen-

che ssem o espaç o que vai da alta de preços à crise social e à agita ção po-

l í t i ca propr iamente d i ta . Nes te caso , a h ipó tese cen t ra l es tar ia in ter -

polando, entre seus termos, outras hipóteses mais desdobradas. Por exem-

plo, poder-se-ia dizer que a alta geral de preços produziu simultanea-

m ente a falência de negócios diversos e a impossibi l idade de subsis tên-

cia das fam íl ias de menor pode r econôm ico; que a falência de em preen -

dime ntos produziu desem prego n os me ios urbano s e desestabi l ização de

propr iedades que ut i l izavam mão-de-obra camponesa nos meios rurais ;

que o desemprego também incrementou mais ainda a misér ia; que tudo

isto foi gerando perturbaçõ es sociais que, canalizadas politicamen te, trans-

formaram-se em agi tações revolucionár ias . Desta forma, os caminhos

ent re a a l ta de preços e a ag i taç ão p o l í t ica to rna ram -se m ais exp l íc i tos

a par t i r da formulaç ão de hipóteses interme diár ias .

Para além de desdob rar uma hipótese central em hipóteses subsidiá-

r ias, cada hipótese, depois de formulada de maneira sintética e objetiva

dentro dos cri tér ios já discut idos, pod e vir acom panh ada em seguida de

comentár ios mais específ icos . Neste caso, em termos de exposição tex-

tual , costum a-se form atar o corpo da hipótese propr iam ente di ta com re-

cuo diferenciado e outros cri térios de destaque (com o um tam anh o de le-

tra distinto, outro espaçamento, etc.) . É importante que f ique claro para

o leitor uma distinção entre a hipótese e os seus comentários adicionais

(pode-se inclusive assinalar cada enu nciação de hipóteses e cada seqüê n-

cia de com entários com as palavras "Hipó tese n° 1", "C om entá rios", "H i-

pótese n° 2" , "Co m entár ios" , e ass im por diante.

A fun ção do "co m entá r io" é expl icar melhor a hipótese, fornece r de-

finições adiciona is para term os ou exp ressõe s do seu enu ncia do que ev en-

tualmente possam gerar dúvidas , acrescentar eventualmente referências

empír icas que não tenham f igurado no enunciado da hipótese, ass ina-

lar possibil ida des de caminhos pa ra a sua verif icação, exem plif icar si tua-

ções que possam deixar mais claras as possibil idades de aplicação da hi-

pó tese genera l izadora , e p res tar esc larec imentos em gera l . Exempl i f i -

ca rem os c om a redação da Hipótese de Todorov sobre a Conquista da Am é-

r ica, seguida de um Comentár io correspondente:

— 186 —

Page 188: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 188/238

6 . H ipó teses

Hipótese:

" A v i t ó r i a d e u m r e d u z i d o n ú m e r o d e c o n q u i s t a d o r e s e s p a n h ó i s , d e f o r m a r e -

l a t i v a m e n t e r á p i d a e c o m a p a r e n t e f a c i l i d a d e , s o b r e m i l h õ e s d e a s t e c a s q u e c o m p u -

n h a m u m a s o c i e d a d e b e m o r g a n i z a d a , d e v e u - s e p r i n c i p a l m e n t e a o ' c h o q u e c u l t u r a l '

q u e d e s f a v o r e c e u a o s a s t e c a s n o c o n f r o n t o c o m o s h o m e n s d e F e r n a n d o C o r t ê s " .

Com e n t ár io :

Durante a ação de conquis ta movida cont r a as soc iedades as tecas

que encontrou no México em 1519, Fernando Cor tês dispunha ape-

nas de quatroc entos ho m ens em co nfro nto com u m milhão de as tecas .

A conquis ta , embora com episódios dramát icos e a lgumas s i tuações

de r isco, deu-se co m relativa rap idez e facil idad e, o que até ho je intr i-

ga os his tor iadores dand o m arg em a divers i f icadas expl icações e aná-

l ises interpre ta t ivas acerca daqu eles acon tecimen tos . Su s tenta-se aq ui

que, embora a super ior idade bél ica espanhola e outros aspectos de-

vam ser cons iderados , o fa tor que pesou decis ivamente na conquis ta ,

de acordo c om a form a com o ela se deu, foi o "choq ue cul tura l" entre

as duas c ivi l izações . Es te "choque cul tura l" , produzido pela "a l ter i -

da de " entre os dois grupo s hum ano s , ter ia s ido ass imilado de m aneira

muito mais favorável pelos espanhóis , que já conheciam diversas c i -

vil izações diferentes da sua, tanto no que se refere a aspectos étnicos

como no que se refere a hábi tos socia is , formas de organização e as-

pecto s cul tura is divers i f icados . Já os as tecas só con heciam grup os hu -

m an os não m uito diferenc iados do seu própr io padrão de ident idade, e

po r is to mes m o t iveram um a extrem a dif iculdad e de ass imilar o "cho -

que cul tura l" produzido pela chegada dos espanhóis , o que implicou

tanto no es t ranham ento de aspectos socia is e cul tura is diversos co m o

também na incapacidade de decif rar os s ignos dos conquis tadores . A

hipó tese pode ser ver i f icada com a nál ise dos discursos dos espan hóis

e dos as tecas , presentes em fo ntes co m o as  Cartas de Fernando Cor-

tês

  ou os

  Testemunho s dos informantes de Sahagún.

O comentá r io ac ima ac rescenta à formulação obje t iva da Hipótese

a lgumas r e fe rênc ias empí r icas impor tan tes , como números mais espec í -

ficos dos efe t iv os esp an hó is e da c ivi l iza ção as teca e um a esp ecif ica ção

no tempo mais prec i sa . Também esc la rece que o processo de conquis ta

não de ixou de te r os seus m om ento s dramát icos , emb ora de um a m ane i -

ra gera l se ja int r igante a rapidez com que se deu a ação espanhola con-

—  1 187 —

Page 189: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 189/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

tando com um tão reduzido efet ivo de hom ens em com paraçã o com a ci-

vi l ização a ser subm etida. O concei to de "cho que cul tural" é m ais clar i -

f icado, e f icamos sabendo que envolve questões de "al ter idade" entre

dois grupos hum ano s que apresentam c aracter ís t icas sociais , cul turais e

s is temas de s ignos diferenciados. Por outro lado, o Comentár io acres-

centa um a abordag em sobre o t ipo de fontes que podem ser em prega das

para a ver i f icaçã o da hipótese proposta. Poder ia ser me sm o o caso de se

incluir uma exemplif icação com um trecho ou outro das fontes propos-

tas, o que não foi feito aqui para atender a objetivos de síntese.

Co mo vem os , o Com entário buscou acrescen tar mais in formações e

dados empír icos à formulação s intét ica da Hipótese, prestar esclareci-

m en tos adicionais, definir m elhor o seu conceito fun dam ental, sugerir fon-

tes uti l izáveis na verif icação.

Os Co m entár ios sobre as Hipóteses não const i tuem subi tens obr iga-

tórios nos Projetos de Pesquisa, mas ajudam sensivelmente a esclarecer

mais as hipóteses a que se referem. É neste sentido que po dem ser uti l iza-

dos, devendo ficar claras em termos redacionais a sua separação em rela-

ção às hipóteses correspondentes - particularm ente p ara que o leitor não

fique com a imp ressão de que, no caso de um texto onde não estejam bem

delimitadas estas divisões, trata-se de uma hipótese demasiado extensa,

quand o é consensual que a hipótese deve ser o mais sintética possível.

A adoção da prática de comentar as hipóteses enunciadas, em todo o

caso, é uma opção daquele que elabora o Projeto, com o aliás vários ou tros

de seus aspectos, inclusive a disposição e a inclusão de determinados ca-

pítulos. A orientação deste trabalho, co nfo rm e já destacam os em outras

oportunidades, não tem sido a de impor modelos, mas sim a de oferecer

um q uadro de alternativas para que o próprio pesqu isador con strua o mo -

delo de Projeto de Pesquisa mais adequado às suas especif icidades.

— 188 —

Page 190: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 190/238

C O N C L U S Ã O

O Projeto de Pesquisa, conforme se procurou mostrar neste l ivro, é

instrumento precioso para a pesqu isa cient í f ica, e par t icularmen te para a

pesquisa his tor iográf ica. Através dele o pesquisador logra es tabelecer

um plane jam ento decisivo para as etapas que terá de percorrer , tom a cons-

ciência de sua pesquisa ao mesmo tempo em que a constrói , e municia-

se do instrume ntal necessár io para em preender es ta viag em singular que

é a da busca do conhecimento.

Planejar - ou construir previam ente no seu mun do me ntal o esboço

de algo que se verá conc retiza d o no plano real através de um esfo rço sis-

tem ático - é precisam ente o que diferencia o hom em dos animais . A este

respeito, já dizia Karl Marx:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a

abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia.

Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele

figu ra na mente sua construção antes de transformá-la em rea li-

dade. No fi m do processo do trabalho aparece um resultado que

já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador.

Ne sta época em que se busca "ciência com consc iência" , a antevisão

responsável do que se pretende produzir cient i f icamente é uma motiva-

ção a mais para ut i l izar es te instrumento de autoconsciência e planeja-

m ento q ue é o projeto de pesquisa.

Dos i tens iniciais pertinentes a um Projeto de Pesquisa, discutidos

nos quatro prim eiros cap ítulos desta obra, o ma is essenc ial , um a vez que

dele se desdobrarão todos os outros , é a "Del imitação Temática" . Con-

forme vimos neste l ivro, consti tuir um objeto de estudo já implica em

atender a determinadas motivações que deverão ser coerentemente ex-

pl ici tadas no capí tulo "Just i f icat iv a" , bem c om o signif ica se com prom e-

ter com determinados "Objet ivos" . De igual maneira, ao del imitar o

— 189 —

Page 191: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 191/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

tema o pesqu isador já es tá imediatam ente se direcionand o para um diá-

logo com a l iteratura exis tente que m antenh a pon tos de af inida de com a

sua temática, o que se expressa adeq uad am ente na "Revisã o B ibl iográf i -

ca". Não importa se para absorvê-la ou contestá-la em alguns pontos o

pesquisador com o seu tema acaba por mergulhar necessar iamente em

uma inter textual idade formada por tudo o que se escreveu em torno do

seu campo temático.

Para além da "De limitação T em ática" , capí tulo fun da do r de um Pro-

jeto de Pesquisa, vimos nos dois capítulos f inais deste l ivro que o "Qua-

dro Teór ico" e as "Hipóteses" , ao lado da Metodologia, const i tuem o

verdadei ro núcleo do con junto de requis i tos e p roce dim entos neces sá-

rios para u m pesqu isador lançar-se ao seu trabalho, uma ve z definido c om

clareza o objeto da pesquisa. São aspectos int imamente relacionados,

mas que devem ser bem compreendidos nas suas especif icidades.

Um trabalho futuro, na esteira deste que até aqui foi desenvolvido,

buscará desenvolver os aspectos per t inentes à Metodologia, encadean-

do-se ao que até aqui foi exposto. Te or ia e Metodo logia, qua ndo habi l -

mente conectadas por algumas hipóteses de t rabalho per t inentes e bem

elaboradas, const i tuem o grande segredo dos sucessos de empreendi-

mentos relacionados à produção do conhecimento humano de t ipo cien-

tíf ico. Não importa o campo de estudos ou a disciplina a que se dedique

o pesquisador , é sobretudo neste núcleo mais elementar que começam a

aparecer as grandes soluções, a or iginal idade c ient í f ica, os avan ços pos-

s íveis no conhecimento a ser produzido.

— 190 —

Page 192: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 192/238

GLOSSÁRIO

A

A l i e n a ç ã o .  Es tado no qual o indivíduo ou o grupo socia l torna-se a lheio

ou es t ranho aos resul tados ou produtos de sua própr ia a t ividade (ou,

a inda , o a lheamento r e la t ivo à própr ia a t iv idade em s i mesma) . Com

es te sen t ido , é um dos conce i tos fu nd am enta i s da aná l ise ma rx is ta das

re iações en t r e Capi ta l e Traba lho .

Alt e r id ad e .  S e n t im e n to de d i f e r e nç a , p r inc ipa lm e n te no que c onc e r ne

a aspectos cul tura is e é tnicos . A expressão tem s ido bas tante ut i l izada

na Ant ropologia e na His tór ia Cul tura l .

A m o s t r a .

  Par te r epresen ta t iva de uma de te rminada população ou con-

ju n to de fon tes que se pre ten de es tudar .

A n a l o g i a .  1  - Sem elhan ça , cor respo ndên c ia , cor re lação . 2 - Iden t idade

de re laçã o qu e un e dois a dois os term os de dois ou m ais pares . Na  Re-

pública  e n o  Timeu  de Pla tão, por exemplo, a idéia de analogia es tá

expre ssa na com paraç ão entre o B em e o Sol, indicando que o pr ime iro

desempenha no mundo in te l ig íve l o mesmo pape l que o segundo no

mundo sens ível . Na escolás t ica , o "modo de fa lar análogo" cor respon-

de à s i tuação em que se aplica aos term os co m uns e m sent ido não inte i -

r am ente idên t ico , po rém se me lhante a pa rt i r de um a ce rta prop os ição .

A n n a l e s .  V e r  Escola dos Annales*.

A s s u n t o .  V e r  Tema*.

A x i o m a .  P rem issa cons ide rada ev id ente e ve rdad e i r a por s i p rópr ia , sem

necess idade de demonstração, por par te de todos aqueles que lhe com-

preendem o sen t ido . Os ax iomas , que na matemát ica cor respondem a

pr inc íp ios não demons t r áve is mas ev identes , t e r iam a propr iedade de

impor a sua acei tação de imedia to. Na f i losof ia e na c iência contem-

porân eas, tenden tes à relativização, este caráter imediato do axiom a vem

sendo r ev is to , e o ax ioma tende a se to rnar s inônimo de pos tu lado* .

M elho r a inda , pod e- se d ize r que c las s i f ica r um a premissa com o ax io-

— 191 —

Page 193: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 193/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

mática ou como postulado var ia de suje i to a suje i to , ou de s is tema a

s i s tema de conhec imento .

B

Bas e  ( in f r a -es t ru tura ) . Noção que , conjuntamente com a noção comple -

menta r de " superes t ru tura" , compõe a metá fora do ed i f íc io u t i l i zada

por Marx e Enge ls a pa r t i r de  A Ideologia Alemã.  A e s t r u tu r a e c o -

nômica da soc iedade cor responder ia a uma base que condic ionar ia as

form as do Estad o e da con sciênc ia socia l . Es ta idéia pr im ordia l imp l i -

ca r ia no desd obra m ento de que a es t ru tura não é au tô no m a (ou , ao m e-

nos , de que não é in te i r amente au tônoma) , sendo de te rminada pe las

re lações de produção soc ia l . O tex to c lás s ico de Marx que consol ida

es ta metáfo ra , de fornia mais expl íc ita , está no "P refá cio " à Co ntr ibui-

ção à cr í t ica da econom ia política: " [ . .. ] o co nj un to dess as re laçõ es de

prod ução form a a es t ru tura econô m ica da soc ied ade , a base r ea l sobre

a qual se ergu e a supe res t rutura jur ídic a e po l í t ica e à qua l cor re spo n-

dem determinadas formas de consciência socia l [ . . . ] " . Por outro lado,

é bo m lem brar que, em textos ma is específ ico s, tanto Marx co m o En ge ls

combate ram as in te rpre tações meramente r educ ionis tas da imagem

da " ba s e - s upe r e s t ru tu r a " . D o c um e n to s s ign i f i c a t i vos pa r a a i de n t i f i -

c a ç ã o de s t a nua nc e r e l a t i v i z a dor a no ú l t im o pe ns a m e n to de E nge l s

são a lgumas das ca r tas produz idas a pa r t i r de 1890 . Ve ja - se , em es -

pecial , a car ta a C. Schmidt de 27 de outubro de 1890, e a car ta a F.

M e hr ing de 14 de j u lh o de 1893 [ a m ba s f o r a m pub l i c a d a s e m F lo -

r e s t a n F E R N A N D E S ( o r g . ) .  Marx e Engels.  São Pau lo: Át ica , 1984.

p .458-468] , "Esses senhores esquecem com f reqüênc ia e quase de l i -

be radamente que um e lemento h i s tór ico , uma vez pos to no mundo

através de outras causas , econômicas no f inal das contas , agora tam-

bém reage sobre a sua c i rcuns tânc ia e po de r e t roagi r a té m esm o sobre

as suas própr ias causas" ( "Car ta a Mehr ing" ) .

C

Categor ias .  D iferen tes c lasses do ser , ou difere nte s c lasse s dos p redica -

dos que podem se r a f i rmados de um su je i to .

Ce n t r a l i z aç ão .

  Fen ôm en o soc ia l de conc ent ração em torno de um l íde r,

de um grup o, ou de um co nju nto de idéias . E m te rm os pol í t icos , a cen-

t ra l ização es ta ta l cor responder ia à concentração de cer tas prer rogat i -

vas de cont ro le soc ia l por um de te rm inado s i s tema pol í t i co- ins t i tuc io-

na l que co inc ide com o apare lho governamenta l .

— 192 —

Page 194: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 194/238

G l o s s á r i o

Clas s e  ( socia l ) .  1  - Class i f icação que, no seu sent ido mais gera l , d ivide

uma soc iedade em grupos mais ou menos amplos de homens a pa r t i r

de c r i t é r ios r e lac ionados à na tureza da função que exercem na v ida

soc ia l e à pa rce la de vantagen s (ou desv antag ens ) qu e ex t r aem de tal

função. Neste sent ido, os subconjuntos socia is que podem ser denomi-

nados "c lasses" são de f in idos em te rmos de status,  pr ivi légios , de be-

nef íc ios r e lac ionados à d i s t r ibu ição des igua l de bens econômicos , de

ace ssos discr im inató r ios a valo res cul tura is , de lugar nos processo s de

pro du ção e con ôm ica , de d iv i são pre fe renc ia l das pre r roga t ivas r e la ti -

vas ao poder e à au tor idade , ou me sm o no s te rmo s de um a ide nt i f ica -

ç ã o de s i m e s m o que um de t e r m ina do g r upo s oc i a l c ons t r ó i i de o lo -

g i c a m e n te . E s t e s c r i t é r i o s , que f r e qüe n te m e n te a pa r e c e m c om bina -

dos , podem também se cont r ad ize r em uma soc iedade complexa . As-

s im, em uma de te rminada soc iedade h i s tor icamente loca l izada a c las -

se a l ta t r ad ic iona l pode es tar r e la t ivam ente em pob rec ida . 2 - Em um a

acep ção m ais r est ri t a , a s "c lass es" dev em se r d i f e renc iadas das m eras

"es t r a t i f i cações soc ia i s "* a t r avés da ênfase mais no aspec to da

  rela-

ção  do que no da dis t r ibuição dentro da es t rutura socia l . Nes te sent i -

do, buscar -se- ia enfa t izar que as c lasses são menos agregados de indi-

víd uo s do que grup os socia is rea is , ident i f ic ado s por sua his tór ia e por

sua pos ição na organização da soc iedade . 3 - Em M arx e Eng e ls , ex i s-

tem tex tos que ora au tor izam o uso genera l izado de c las se c om o ca te -

g o r i a q u e p o d e s e r u t i l i z a d a p a r a q u a l q u e r p e r í o d o h i s t ó r ic o , e q u e

ora autor iz am a idéia de qu e o con cei to "c las se" apl icar -se- ia mais es-

pec i f icamente à soc iedade cap i ta l i s ta . Em  O Ma nifesto Com unista,

por exemplo , Marx e Enge ls a f i rmam que "a h i s tór ia de todas as so-

c iedades que a té hoje exis t i ram é a his tór ia da luta de c lasses" . É as-

s im que, na sua teor ia gera l da evolução das sociedades , Marx tende a

des taca r pa res de c las ses an tagônicas ( esc ravos / senhores ; se rvos / se -

nho res f euda is ; p ro le tá r ios /burgu eses ; e a s s im por d ian te) . Ao m esm o

tem po , em a lguns ou t ros t ex tos os fun dad ores do mate r ia l ismo h is tó-

r ico admitem que a classe ser ia uma caracter ís t ica s ingulannente dist in-

tiva das sociedades capitalistas. Assim, em   A Ideologia Alemã,  afmna-se

que "a própr ia c las se é um p rodu to da burgu es ia" . E m

  O 18 Brumário

(par te VII ) , Marx inves te na idéia de que uma c lasse sempre se cons-

t ró i por opos ição a ou t r a ( s ) : "Na medida em que mi lhões de f amí l ias

v iv em sob condições econômicas de ex is tênc ia que separam seu m odo

de vida , seus interesses e sua cul tura das outras c lasses e as colocam

em op os içã o hos t i l a e s tas ou t r as c las ses , e las form am um a c lasse . . ."

— 193 —

Page 195: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 195/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

4 - A c om pa nh a nd o o r a c ioc ín io d i c o tôm ic o , G a e t a n o M os c a ( 1896)

também formula uma teor ia das "c lasses governantes" e "c lasses go-

ve r na da s " , c om o g r upos que s u r g i r i a m a qua lque r m om e n to e m um a

soc ieda de pr imi t iva . 5 - Co ns ide rand o o pan o de fun do do s i s tem a

eco nôm ico cap i ta li s ta , W ebe r de f ine a "co ndiç ão de c las se" de um in-

d iv íduo como de te rminada pe las opor tun idades de vender bens e ha -

b i l idades prof i s s iona is . 6 - A o esc rever de um a per spec t iva anarqu is -

ta , Jan Wac lag M achassk i (1904) en fa t iza o aspec to das "c lasses cu l -

tu ra i s " , cha m and o a tenção para a imp or tânc ia da des igu a ldad e educ a-

c iona l na pe rpe tuação das des igua ldades soc ia i s e p red izendo o r i sco

da forma ção de um a fu tura c las se form ad a por um a  intelligentsia  téc-

n ica , a c las se dos de ten tores do conhec imento ( idé ia r e tomada mais

tarde por Alvin Gouldner , 1979) .

Classe-para-s i .  Concei to que aparece em  Miséria da Filosofia  (cap.  II,

5) , e que M arx t rabalha em oposição ao de "c lasse-em -s i" . A idéia é a

de que, na luta revolucionár ia , a m assa do po vo t ran sform a-se em traba-

lhadores unidos que, já fo rm and o um a "classe-em -s i" por opo sição ao

capi ta l, acabam n o própr io proc esso de luta desen volv end o um a " con s-

c iência de c lasse" , requis i to para que se tornem um a "classe-em -s i" . N o

m od ern o pensamen to marxista, alguns autores adotam esta oposição p ro-

pos ta por Marx e outros a re je i tam. Poulantzas (19 74) , por exem plo, re-

je i ta a opo sição entre "c lasse -em -s i" e "c lasse-p ara-s i" .

Con c e i t o .  Form ulação abs t r a ta e ge ra l , ou pe lo m eno s pass íve l de ge ne-

ra l ização , que o ind iv íduo pensante u t i l i za pa ra to rnar a lguma co isa

inte l igível nos seus aspectos essencia is , para s i mesmo e para outros .

Habi tua lmente , os conce i tos cor respondem a noções ge ra i s que de f i -

nem c lasses de ob je tos e de f enômenos dados ou cons t ru ídos , e que

s inte t iza m o aspec to essencia l ou as caracte r ís t icas exis ten tes entre es-

tes ob je tos . Um conce i to bem fonnulado deve r epresen ta r somente

aque les e lementos que são abso lu tamente es senc ia i s ao ob je to ou f e -

nô m en o cons iderad o , e por tan to os e lem entos qu e são com un s a todas

as co isas da mesma espéc ie , de ixando de fora aspec tos que são so-

m e n te pa r t ic u l a r iz a dor e s de um ob je to ou fe nô m e no c ons ide r a do . U m

conce i to pode se r e fe r i r a uma propr iedade , a um processo ou a uma

s i t u a ç ã o q u e a b r a n g e v á r i o s o b j e t o s . D o p o n t o d e v i s t a d e s u a n a -

t u r e z a f i l o s ó f i c a , t o d o c o n c e i t o p o s s u i d u a s d im e n s õ e s a se r e m

cons ideradas : a "ex tensão" e a "compreensão" (ou "conteúdo" ) . Cha-

ma -se "ex ten são" de um conce i to prec i samente ao grau de sua abran -

gênc ia a vá r ios f enômenos e ob je tos ; e chama-se "compreensão" de

— 194 —

Page 196: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 196/238

G l o s s á r i o

um co ncei to ao esc larecim ento das caracter ís t icas qu e o con st i tuem . À

m e d ida que um c onc e i to a dqu i r e m a io r " e x t e ns ã o" , pe r de e m " c om -

pr e e ns ã o" .

Conce i tos polares .

  Concei tos que adquirem a ident idade a t ravés de uma

o p o s i ç ã o r e c í p r o c a . E x e m p l o s : s e r / p a r e c e r ; l u z / e s c u r i d ã o ; m a s c u -

l i no / f e m in ino .

C o n d i c i o n a l .  Q ua lqu e r p r opos i ç ã o na f o r m a " s e p ,  en tão  q".

Con d ic ion a l c on t r a f a t u a l .  Condic iona l apresen tado na forma " se

 p

  ti-

ve s s e a c on te c ido ,  q  ter ia acontecido" .

C o n j e c t u r a .  Sup os ição ou propos içã o que é propo s ta sem a in tenção de

se r subm et ida a com pro vaç ão ou a um proce sso de dem ons t r ação . D i -

fere , nes te sent ido, da hipótese - uma vez que es ta é assumida como

uma assunção provisór ia que se pre tende submete r a um processo de

demons t r ação que v i sa rá comprová- la , r e fu tá - la , ou pe lo menos de -

mo ns t r a r a sua na tureza ve ross ími l den t ro de um de te rm inado s i s tema

Con s t r u c t o .  Co nce i to * ca rac te r izado por um n íve l mais e levado de abs -

t ração, que é conscientemente cr iado, e laborado ou adaptado para uma

f ina l idade c ien t í f i ca espec í f ica . Habi tua lmente , pa ra a formação de

um construc to uti liza-se de conceitos de men or abstração. Assim , o cons-

t ructo "dens idade" é formado a par t i r da re lação (por divisão entre os

valores numér icos envolvidos) de dois concei tos mais percept íveis e

m ensu ráveis , qu e são a "m ass a" e o "vo lum e" . 2 - Por outro lado, Ma -

r io Bu nge form ula um a def in ição mais amp la de "cons t ru to" as soc ian-

do-a à "cr iaçã o m enta l" . Nesta l inha , have r ia quatro tipos fundam entais

de constructos: "conceitos", "proposições", "contextos" e " teorias".

Corpus  d oc u m e n t a l .

  C on jun to de fontes ou docum ento s cons t ituído pelo

his tor iador para a rea l ização do seu t rabalho de anál ise his tór ica , de

com preen são de um a de te rminada soc iedade do passado a t ravés de um

cer to problem a , ou de comprovação de in formaçõ es que deverão cons -

tar da sua síntese histór ica.

Crít ica externa .  E xa m e de fon tes ou de do cum ento s h i s tór icos com vis -

tas a ver i f icar a sua autent ic idade.

Crít ica in terna .

  1 - Ex am e do con teúdo d e um a fonte h i s tórica , com a

f ina l idade de ve r i f ica r se apresen ta ou não coerênc ia de in formações

c om r e l a ç ã o a um d e t e r m ina do f a to ou qu e s t ã o h i s tó r i c a . 2 - A n á l i -

se do conteúdo de uma fonte h i s tór ica , u t i l i zando técn icas d ive r sas e

cont rapondo-a a ou t r as fon tes .

— 195 —

Page 197: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 197/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

Cu l t u r a l i s m o .  Lin ha teór ica qu e par te da idéia de qu e a es t rutura da p er -

sona l idade é es t r e i tamen te depen den te da cu l tura ca rac te r í s ti ca da so-

c iedade par t icu la r que a contex tua l iza - de f in ind o- se "cu l tura" , n es te

caso , com o o s i s tema de va lores fund am enta i s de um a soc iedade . Para

o cul tura l is ta Kardiner , o "eu" ser ia uma espécie de "precipi tado cul-

tu ra l" . O cu l tura l i smo, des ta ma ne i r a , p ressup õe qu e os va lores e ou-

t ros e lementos do s is tema cul tura l são plenamente inter ior izados pelo

indivíduo, vind o a cons t i tui r um a espécie de pro gram a qu e passar ia en-

tã o a r e g u la r m e c a n i c a m e n t e o s e u c o m p o r t a m e n t o . N e s t e s e n t i d o ,

a c a d a " v a l o r c u l t u r a l " c o r r e s p o n d e r i a u m a " n e c e s s i d a d e i n d i v i -

du a l " po r e l e ge r a da [ re f e rê nc i a s: ( 1 ) A . K A R D I N E R ,  The individual

and his society

  ( 1 9 3 9 ). ( 2) D . C . M c C L E L A N D ,

  The achieving so-

ciety (1961)].

D

D e d u ç ã o .  M étodo de r ac ioc ín io em que se pa r te de um a ou mais a f i rma-

ções gera is e tenta-se chegar a um caso par t icular , ou então à expl ic i -

tação uma par t icu la r idade q ue já e s tava imp l icada nas a f i rma çõe s ge -

nér icas . F reqü entem ente , o a rgu me nto dedut ivo pa r te de dua s prem is -

sas in te r - re lac ionadas : q uan do es tas duas prem issas são ve rdad e i r as , a

conclusão deverá ser também verdadeira . Por exemplo: todas as es t re-

las po ssu em luz próp ria; o sol é um a estrela; logo, o sol pos sui luz pró-

pr ia . O raciocínio de dut ivo opõe-se ao rac iocínio indut ivo, qu e par te de

um cas o particular ou de vários caso s particula res e tenta alcan çar a partir

daí um a conclu são m ais gera l ou de maior a lcance . Po r exem plo: o sol

possui luz própr ia ; milhares de outras es t re las já observadas possuem

luz própria; logo, todas as estrelas possuem luz própria. Estes dois mo-

delos de rac ioc ínio - o ded ut ivo e o indu t ivo - tê m co nst i tuíd o na t ra-

dição ocidenta l a base do pensamento f i losóf ico e c ient í f ico

De f in i ç ão .  O p e r a ç ã o d a c o m u n i c a ç ã o h u m a n a q u e c o n s i s t e e m e x p l i -

ca r um te rmo a pa r t i r de uma seqüênc ia de pa lavras que dêem conta

de esc larecer as caracter ís t icas essencia is daqui lo que se quer def inir

(ou, se não com palavras , a t ravés de outros recursos de comunicação,

como ocor re na chamada

  definição ostensiva*).

  As s im , já para Ar is tó-

te les a de f in ição cor respondia à fórm ula que dever ia e xpr im ir a e s sên-

c ia de um a coisa . N a argu m ent açã o f ilosófica, a de f ini ção de um con -

ce i to* tem a fun çã o de esc la rece r e to rnar r econh ec íve is a s suas ca rac -

te rí s ti cas, d i s t ingu indo-as de cono tações qu e não lhe pe r ten cem (mais

— 196 —

Page 198: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 198/238

G l o s s á r i o

espec i f icamente , a de f in ição cons i s te em de te rminar a "compreen-

são" que ca rac te r iza um conce i to) .

De f in i ç ão os t e n s iva .  D ef in içã o na qu al se l imita a m ostrar o que é inten-

c iona do . A s s im , pode - s e de f in i r o s t e ns iva m e n te um a de t e r m ina da

tona l idade de cor ex ib indo um exemplo (um obje to com a cor que se

pre tend e de f in i r ) .

De f in i ç ão n om in a l .

  D ef in iç ão obt ida a t r avés da desc r ição de propr ieda-

des suf ic ientes para que se possa dis t inguir o obje to ou a espécie de

obje tos refer idos (uma espécie animal ou uma subs tância química , por

exem plo) , de ou t r as espéc ies de ob je tos . Por exem plo , a de f in ição da

"água" como um l íqu ido incolor , necessá r io e adequado para o orga-

n ismo humano inger i r e t ambém com e la se r h idra tado .

De f in i ç ão r e a l.  Def in ição que procura se r e fe r i r à e s t ru tura in te rna ou

á ' es sê nc ia do que se que r de f in i r . Por exemplo , a de f in ição de "á gu a"

a pa r t i r de seus componentes qu ímicos , como sendo a subs tânc ia r e -

presen tada pe la fórmula H

2

0 .

De f in i ç ão ve r b a l.  De f in içã o de um a ou m ais pa lavras a t r avés de ou t r as .

Às vezes , e s ta espéc ie de de f in ição confunde- se com a de f in ição no-

mina l* .

D i a c r ó n i c o .  Conce i to que se co loca por opos ição a " s inc rônico" . Com

diacrónico , r e fe r im o-n os a even tos ou a um proc esso qu e se sucede n o

tempo, ou a s i tuações que cor respondem a momentos d i s t in tos . Com

sincrônico , r e fe r imo-nos a s i tuações que ocor rem s imul taneamente .

Dialé t ico .  Na acepção de Hegel , e depois de Marx, a dia lé t ica cor res-

ponde a uma " lóg ica do conf l i to" . Os cont rá r ios cons t i tuem ver so e

a nve r s o de um a m e s m a r e a li da de , na qua l de s e m pe nh a m um a a ç ã o re -

c íproca : ao mesmo tempo em que se an tagonizam, os cont r á r ios se

ident i f i cam , e a sua r e lação produz m ovim ento e t r ans formação . A pa-

lavra "dia lé t ico " tam bém pod e refer i r - se a diá logo e a " interação rec í-

pro ca" de e lem entos que, na sua re lação, t ransform am -se m utua m ente .

Dia lóg ic o .  Que se co loca em d iá logo ou em in te ração . Na aná l i se t ex-

tual , o dia lo gism o corresp on de a um a abordag em qu e encara o texto na

sua rede de interação com outros textos e contextos . Também pode se

refer i r à exis tência de vár ias vozes no inter ior de um mesmo texto. O

conce i to de "d ia lóg ico" co loca- se por opos ição ao de "m on ológ ico" .

D i f u s ã o . P ro paga ção d e conhe c im ento ou de t r aços cu l tura i s en t r e os in-

d iv ídu os ou grupos de um a me sm a soc iedade , ou en tão en t re duas so-

c iedades dis t intas .

— 197 —

Page 199: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 199/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

E

Ec o log ia .  Ciência que es tuda as re lações entre o organismo vivo e o seu

me io . Por ex tensão , cor ren tes soc io lógicas com o a da "eco logia urba-

na" , p reconizada pe la cé lebre Escola de Chicago , r edef in i r am um

nov o campo , o da "Eco logia H um an a" , com o o do "es tudo da in te rde-

pendênc ia en t r e as ins t i tu ições e os grupos humanos no espaço" . De

acordo com D. P ie r son , "a eco logia humana in te ressa - se pe la forma-

ção e pela des in tegraçã o de com unid ades ; o u, di to de outra form a, pelo

processo de compet ição e pe las r e lações s imbió t icas que es ta compe-

t ição desenv olve e m od i f ica . . . " C on fo n ne se vê , e s te m od o de ava l ia r

as r e lações humanas incorpora a lgumas cont r ibu ições das teor ias de

Darwin , adaptando-as pa ra a soc io logia .

E m p í r i c o .  T erm o re lac ionado à obse rvação de um a rea l idade ex te rna ao

indiv íduo , ou mais espec i f icamente r e lac ionado à exper iênc ia .

Em p ir i s m o .

  Conhecimento do verdadeiro a partir da experiência (em opo-

sição ao "racionalismo", que ser ia o conhecimento baseado na razão) .

Ta m bé m se refere a correntes científicas ou f i losóficas que só ad m item o

conhecimento adquir ido a par t i r da exper iência dire ta da rea l idade

Ep is t e m olog ia .

  Teor ia do conhec imento . Cor responde ao campo da r e -

f lexão humana que tem como a lgumas de suas ques tões cen t r a i s "a

or igem do conh ec im ento" , "as r e lações en t r e o con hec ime nto e a ve r -

dad e ou a cer teza" , as form as de con hec ime nto" , as sucess ivas m ud an -

ças nos pa rad igm as c ien t í f i cos , e tudo o m ais que conce rne ao con he-

c imento humano tomado como obje to de r e f lexão c r í t i ca .

E p i s t e m o l ó g i c o

  (cor te) . Ruptura entre dois paradigmas ou entre duas

or ien tações de pensamento produtoras de conhec imento . Opõe- se à

idé ia de cont inu idade ou de t r ans formação gradua l de um parad igma

em outro.

Es c o la d os An n a le s .  Escola h i s tor iográ f ica f r ancesa fundada por Mare

Bloch e Luc ien Febvre , que encont rou seu ve ícu lo má xim o de ex pres -

são na Revista dos Annales  edi tad a a par t i r de 1929. O s pr im eiro s his -

tor iadores dos  Annales  são v i s tos com o respon sáve is por um a nov a

con cepç ão h i s tor iográ f ica , pe la ampl iação da noç ão de " fon te h i s tór i -

ca" , pe la va lor ização de um a "h is tór ia es t ru tura l" em o pos içã o à "h i s -

tór ia fac tual" , por uma prá t ica interdisc ipl inar e por uma sér ie de ou-

t ras contr ibuições . Da geração seguinte à de Bloch e Febvre des taca-

se o no m e de Braudel , que revoluciono u a abo rdage m his tór ica da tem -

— 198 —

Page 200: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 200/238

G l o s s á r i o

pora l idade ao propor aná l i ses h i s tór icas que buscar iam opera r s imul -

tane am ente em t r ês r eg is t ros ou le i tu ras d i f e ren tes do tempo : a " lon-

ga" , a "m éd ia" e a "cu r ta" duraçõe s . Pa ra o pe r íodo p os te r ior, a lguns

autores r e fe rem-se a uma " te rce i r a ge ração dos Annales" (Peter Bu r-

ke , 1989) contando-se aqui com his tor iadores como Georges Duby e

Jacques Le Gof f . Out ros au tores , contudo , enxergam uma espéc ie de

so lução de cont inu idade en t r e es ta ge ração que compõe a chamada

Novelle Histoire

  e os his to r iado res dos

 Annales

  a té a épo ca de Brau-

de l . Os pr imei ros te r iam buscado a " to ta l idade h i s tór ica" , enquanto

que os segundos te r iam encont rado a " f r agmentação" da His tór ia em

múltiplos domínios e abordagens particulares (François Dosse, em obra

po lêm ica , refere-se a um a "His tór ia em M igalhas") . Existem ainda his -

tor iadores marxis tas que podem ser associados aos Annales,  c o m o M i -

che l Vove l le .

Es c o la d e Ch ic ago .  Escola soc io lógica amer icana surg ida em Chicago ,

na déca da de 1920 , que encarava a c idade com o "o

 habitat

  natura l do

h o m e m " . D e s e n v o l v e n d o u m c a m p o e s p e c í f i c o d e e s t u d o s q u e d e -

no m ina r a m " e c o log i a u r ba n a " ( c a m po e s pe c í f i c o de n t ro da E c o log i a

Humana) , os pr inc ipa i s mentores des ta esco la procura ram adapta r a l -

gu m as per spec t ivas da eco logia e da b io logia pa ra o es tudo das form a-

ções urbanas . A obra -mes t r a do grupo fo i o l iv ro   A Cidade  (1925) ,

contando com es tudos de E .W. Burgess , E . Park , E .R.D . Mckenz ie ,

Louis Wir th , entre outros autores .

Es c o la d e F r an k f u r t .

  Ver ten te do marx ismo surg ida em Frankfur t na

déc ada de 1920 , que propun ha um m arxism o "aber to e c r í ti co" . A es ta

ver tente do mater ia l ismo his tór ico associa-se a expressão "Teor ia Cr í-

t i ca" , cunhada pe los seus idea l izadores . A Escola de F rankfur t nasce

de um a c r í ti ca ao s ta l in i smo. R eco nh ece nd o que , na sua ve r são s ta li -

n i s ta , o marx ismo havia se to rnado uma ideologia r epress iva , e que

por tan to nem sempre um pos ic ionamento dent ro do mate r ia l i smo h is -

t ó r i c o c onduz  necessariamente  à ve rda de ou à me lhor poss ib i l idade

em term os pol í t ico s , os filósofos d e Fra nk fur t pro cura ram em pree n-

der uma c r í t i ca do marx ismo de seu tempo. Em pr imei ro lugar , opu-

se ram-se à in te rpre tação l inea r do "de te rminismo" , que cons idera -

vam um aspec to "pos i t iv i s ta" presen te em cer tos se tores do pensa-

mento marx is ta . Ass im, embora sem abandonar o mate r ia l i smo h is tó-

r i c o , a E s c o l a d e F r a n k f u r t q u e s t i o n o u a s c o n c e p ç õ e s q u e s u s t e n -

tavam que o soc ia l i smo e ra uma tendênc ia inev i táve l no desenvolv i -

— 199 —

Page 201: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 201/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

m ento da His tór ia . Ao mes m o tempo , a con t r ibu ição de M arx passav a

a se r v i s ta como uma base necessá r ia mas não suf ic ien te pa ra a com-

preensão da soc iedade contemporânea , pa ra a qua l os f r ankfur t ianos

esperavam se aprove i ta r t ambém das cont r ibu ições de au tores como

Weber e Freud. Uma das preocupações des ta escola era inves t igar co-

mo os in te resses , conf l i tos e cont r ad ições soc ia i s expressavam-se no

pe ns a m e n to e no d i s c u r s o , e t a m bé m c om o s e r e p r oduz e m os s i s t e -

mas de dominação . A Escola de F rankfur t pode se r desdobrada em

duas tendênc ias pr inc ipa i s . A pr imei ra es teve assoc iada à fundação

do Instituto de Pesquisa Social  em Frank fur t (1923) , contando com M ax

H or khe im e r , T he odor A dor no , E r i c h F r om m , H e r be r t M a r c us e , L e o

Lowentha l e Wal the r Benjamin . A segunda ver ten te é mais espec i f i -

camente as s ina lada pe las obras de Jürgen Habermas .

Escola Inglesa  (dent ro do m arx ism o) . Gru po de h i s tor iadores ma rx is tas

a tuantes na segunda metade do século XX que r eve lam uma espec ia l

preocupação com a His tór ia Cul tura l , e que foram responsáve is por

uma propos ta moderna e f l ex ib i l i zadora do mate r ia l i smo h is tór ico ,

t r aba lhando dent ro de uma abordagem in te rd i sc ip l ina r e ocupando-se

de novo s ob je tos que a té en tão e ram pou co es tud ado s pe las c or ren tes

mais t r ad ic iona is do marx ismo. Seus nomes mais impor tan tes são

Raymond Wil l i ams , Edward Thompson, Er ic Hobsbawm, Rona ld Hí l -

ton, Go rdo n Chi Ide e Chr is thop er Hil l .

Estrat i f icação Soc ia l .  Conce i to que r emete a agregados de ind iv íduos

de t e r m ina dos po r n íve l s e m e lha n te de e du c a ç ã o , r e nda ou ou t r a s c a -

racter ís t icas relativas à desigualdade social. Enqu anto a "classe", no 'seu

sentido mais restrito, enfatiza a relação entre grupos sociais, a "estratifi-

cação soc ia l" r emete mais propr iamente a uma topogra f ia soc ia l .

Estrutura .  N o sent ido mais es t ri to e m atem ático, cor respo nde a um con-

j u n t o a r b i t r á r i o d e e l e m e n t o s d o t a d o s d e u m a o u m a i s r e l a ç õ e s ,

op e r a ç õ e s ou f unç õ e s . N a s c i ê nci a s hum a na s , e s ta e xp r e s s ã o a de -

quou-se a sen t idos d ive r sos , desde a lguns dos conce i tos formulados

pe lo própr io Mate r ia l i smo His tór ico* ( in f r a -es t ru tura* e superes t ru-

tura*) a té os usos des ta noçã o pe las cor ren tes qu e com põ em o cha m a-

do Es t ru tura l i smo*, passando a inda por apropr iações d ive r sas como

na chamada "h is tór ia es t ru tura l" p ropos ta pe la

  Escola dos Annales*.

Es t r u t u r a l  (His tór ia ) . Tendênc ia ou propos ta h i s tor iográ f ica que passa

a predominar ao longo do século XX, em opos ição à chamada His tó-

r ia Factual ou à His tór ia Narra t iva ta l como era fe i ta no século XIX.

— 200 —

Page 202: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 202/238

Glossá r i o

C o m Braud el, a Histór ia Estrutural passa a incorporar o conceito de "lon -

ga duração" , cor respondente a um per íodo longo onde o h i s tor iador

pode pe r c e be r de t e r m ina da s " pe r m a nê nc i a s " .

E s t r u t u r a l i s m o .

  C o r r e n t e s t e ó r i c a s d o t i p o q u e e n f a t i z a m o u p r i v i -

leg iam as inves t igaç ões s inc rôn icas* , com o obje t iv o de descobr ir a s

caracter ís t icas es t rutura is ou universa is da sociedade humana e , mais

rem otam ente , qu e busc am re lac ionar es tas caracterís t icas às es t ruturas

universa is da mente humana. Vár ios são os autores es t rutura l is tas , re-

presen ta t ivos das mais va r iadas cor ren tes . Um dos p ione i ros do pen-

samento es t ru tura l i s ta fo i Saussur re , ao formula r uma abordagem da

Lin gü ís t ica o nd e a l íngua se apresen ta com o um s i s tema es t ru turado .

Es ta l inha fo i mais t a rde desenvolv ida em out ras d i r eções pe lo cam-

po do conhecimento que passou a ser chamado de Semiót ica*, a t ravés

de a u to r e s c om o Ro la nd Ba r the s . T a m bé m s e a po ia ndo no c a m inho

aber to por Sa uss ur re e ap l icand o-o ao estudo dos mi tos , Lévi -S t r auss

apresenta-se como o grande nome associado à antropologia es t rutura l .

J á A l t h u s s e r e B a l i b a r t e r i a m i n v e s t i d o e m u m m a r x i s m o e s t r u t u -

ra l i s ta ao buscar enxergar as " formações soc ia i s " como combinações

es t ru turadas de e leme ntos s im ples . N o cam po da Ps icaná l i se , a cont ri -

bu ição es t ru tura l i s ta é enca m inhad a por Lacan , que prop õe a idé ia de

qu e "o inconsc iente é es t ruturado com o a língua" . Por outro lado, ao in-

terpre tar a His tór ia das Ciências co m o um a grand e seqüência de t rans-

formações es t ru tura i s (ou de subs t i tu ições de "ep is temes dominan-

tes") , o Foucaul t de As palavras e as coisas  tem s ido também tachado

de es t rutura l is ta , embora o própr io autor re je i te es te rótulo.

E x i s t e n c i a l i s m o .  Co r r e n t e f i l o s ó f i c a pa r a a qua l , e m um un ive r s o a b -

s u r do que nã o a p r e s e n t a ne nhum a f ina l i da de ou s e n t ido i n t r í n s e c o ,

cada se r humano es ta r ia co locado d ian te da l ibe rdade i l imi tada de

escolha , devendo assumir to ta l r e sponsabi l idade pe los seus a tos . É

nes te sen t ido que Jean-Paul Sar t r e , um dos pr inc ipa i s expoentes do

E x i s t e n c i a l i s m o F r a n c ê s , a f i r m o u q u e " o h o m e m e s t á c o n d e n a d o a

se r l iv re" . A idé ia de l ibe rdade d ian te de sua ex is tênc ia - que pa ra

m ui tos e s p í r i t o s pode im p l i c a r no de s e s pe r o de nã o t e r m a i s um a

dou t r ina , um a c onve nç ã o ou um a c r e nç a na qua l s e a po ia r - im p l i -

c a a inda na i dé i a de que c a da e xpe r i ê nc i a hum a na de ve p r oduz i r o

seu própr io sen t ido . Da í a cé lebre f r ase de Sar t r e , segundo a qua l "a

e x i s t ê nc i a p r e c e de a e s s ê nc i a " .

E x p e r i m e n t o .  S i tuação c r iada a r ti f i c ia lmente em labo ra tór io - ou mes-

m o fora de laboratór io m as com a ut i l ização de técnic as rigorosas -

— 2 0 1 —

Page 203: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 203/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

c o m  a  f inal idade de observar , sob controle , a re lação que exis te entre

de t e r m ina dos f e nôm e nos . D a m e s m a f o r m a , pode - s e d i z e r que o e x -

per imento é uma operação c ien t í f i ca que se r ea l iza com a f ina l idade

de se ve r i f ica r h ipó teses . U m t ipo de exp er im ento m ui to co m um con-

s is te em const i tui r dois grupos iguais ou semelhantes ; um deles será

de no m ina d o " g r upo e x pe r im e n ta l " , e o ou t r o se r á c ha m a do de " g r upo

de controle" . A idéia é apl icar ao grupo ex per im enta l , ou dele subtra i r ,

um e lem ento ou ma is que cons t i tuem os " f a tore s exp er im enta i s " , co n-

se rvando -se o ou t ro grupo sobre cont ro le ( sem a l te rações , ou ap l ican-

do sobre e le um " fa tor de cont ro le" ) . Os r esu l tados do exper imento

mostrarão se a adição ou subtração de um determinado fa tor inter fere ,

e como inter fere , no grupo ex am inado , permit indo qu e se che gue a um a

conc lusão por com paração com o grupo que perm ane ceu ina l te rado .

Exp l i c aç ão .  No sent ido mais amplo, processo verbal izado a t ravés do

qual se procura dar conta de um fenôm eno com plexo, decif rand o os pro-

cessos internos que o const i tuem e es tabelecend o inter - re lações d o fe-

nômeno com out ros contex tos e f enômenos que a judam a compreen-

dê- lo . Já na d iv i são en t re "expl ic açã o" e "co m pre en são " propos ta por

Dil they, a "expl icação" implicar ia em preocupação com as causas , en-

quanto a "compreensão" impl ica r ia em preocupação com o sen t ido .

F

Fato . R esultado de um a ação; acontecim ento; dado da realidade em pír ica.

F e n ô m e n o .  Do grego: "aqui lo que aparece" . Conforme es ta e t imologia ,

f enômeno compor ta os seguin tes desdobramentos de sen t ido : 1 -

a qu i lo pe lo qua l a ve r da de s e m a n i f e s t a , ou o c a m inh o pa r a o ve r da -

de i ro ; 2 - o que é ao m esm o tem po aparen te e ev idente ; 3 - aqui lo que

encobre a ve rdade , ou o f a l so se r . No sen t ido mais amplo propos to

pela c iência , a expressão es tará associada "a o qu e acon tece" , e que cabe

ao c ient is ta examinar .

F e n o m e n o l o g i a .  Postu ra filosófica qu e pr io r iza a co ns ciê nc ia h um an a

e sua exper iênc ia d i r e ta no mundo, ao invés das abs t r ações menta i s .

A expressão es ta r ia em re lação d i r e ta com as co locações de Edmund

H us s e r l ( 1859- 1938) , que t r a t a va a f e nom e no log ia c om o um c a m po

do pensamento f i losóf ico que buscava es tabelecer um "discurso sobre

os f en ôm en os" e que pro pu nh a um " re torno às co isas m es m as " (i s to é ,

um re torno aos f enôm eno s , àqui lo que aparece à con sc iênc ia e que se

— 202 —

Page 204: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 204/238

G l o s s á r i o

dá como seu obje to in tenc iona l ) . Nes te ú l t imo sen t ido , ao a f i rmar

qu e os f en ôm en os do "m un do v iv ido " dev em guia r a r e f lexã o filosó-

f ica, Husserl se opõe a correntes f i losóficas que compreendem a reali-

dad e com o cons t rução do in te lec to , em bora tamb ém se opo nha ao em-

pir ismo puro. Para Husser l , o inte lec to não constrói a rea l idade, mas

intera ge co m e s ta . Em apo io a es ta pos tura , o concei to de " intencion a-

l idade" da consc iênc ia adqui re uma impor tânc ia fundamenta l ( segun-

do Husse r l , " toda consc iênc ia é consc iênc ia de a lgo" ) . Como desdo-

bramento des te concei to , a re lação entre o suje i to e o obje to é mais

impor tan te que cada um des tes pó los em separado . Sar t r e se va leu

des ta no ção , ad apta nd o-a pa ra o Ex is tenc ia l i sm o, encarando a " in ten-

c iona l idade " como a "vontad e hum ana c r ia t iva em um u niver so absur -

do" . Es ta mesma pos ição aparece em Heidegger (1889-1976) , que de -

nominava sua f i losof ia de " fenomenologia exis tencia l" - o que o tor -

na um dos i n s p i r a do r e s do E x i s t e nc i a l i s m o* . P o r ou t r a pa r t e , M e r -

leau-Ponty também se apropr iou do conce i to de " in tenc iona l idade" ,

ao encara r o m und o com o um a mul t ip l ic idade in te ra tiva de in tenções .

N a soc io logia , a incorpo ração da a t i tude f en om eno lógic a es teve a ca r -

go de Al f r ed Schutz .

F igu r aç ão S oc ia l .

  Conce i to u t i l i zado por Norber t E l ias em a lgumas de

suas obras , a começar por  O processo civilizador,  con soa nte as quais

as " f igu raçõ es soc ia i s " r em etem a d i f e ren tes m oda l idades de in te r- r e -

lac ionamentos humanos concre t izadas nas formações sociais  especif i -

cas . Em  Introdução à Sociologia,  E l ias ac rescenta que "um a  figura-

ção  é um a form açã o soc ia l cu jo tam anh o pode se r mu i to va r iáve l (os

jog ad or es de um jo go de cartas , a tertúl ia de um café , um a turma de a lu-

nos de um a esco la , um a c idade , um a nação) , em que os ind iv íduo s es -

tão l igados uns aos ou t ros por um modo espec í f ico de dependênc ias

rec íproca s e cu ja r eprod ução supõ e um equi l íb r io m óve l de tensõ es" .

F on t e H i s t ór i c a .  Os vár ios regis t ros e res íduos da a t ividade humana e

q u e a b r a n g e m d e s d e t e x t o s d e v á r i o s t i p o s a t é f o n t e s i c o n o g r á f i -

ca s, o b je to s da cultura ma ter ial , registros de histór ia oral , ou o qu e que r

que permita um acesso a sociedades menos ou mais remotas . Es ta

abrangênc ia da noção de fon te h i s tór ica ocor re mais s ign i f ica t iva -

mente no século XX, quando os h i s tor iadores superam cada vez mais

a u t il i zação ex c lus iva de do cum en tos e c rônicas of ic ia i s e passa m a se

va le r de reg is t ros os m ais d ive r sos do pensam ento e da ação h um ana

para compreender as soc iedades do passado . Cont r ibu í r am para es ta

no va con cep ção de fon te h i s tór ica os Annales  e os novo s marx ism os .

— 203 —

Page 205: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 205/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

F or ç as p r od u t ivas .  Na teor ia do mate r ia l i smo h is tór ico , abrange os

meios de produção e a força de t r aba lho . Des ta forma , o desenvolv i -

mento das forças produt ivas cor responde a desenvolvimentos his tór i -

cos como: (1) desenvolv imento de maquinar ia ou de tecnologia ; (2)

modi f icações nos modos e processos de t r aba lho; (3) descober ta ou

exploração de novas maté r ias -pr imas e meios de energ ia ; (4) desen-

volv imento de habi l idades nos grupos humanos que cons t i tuem as

forças produt ivas (por exemplo , educação do pro le ta r iado , desenvol -

v imento de consc iênc ia po l í t i ca , e tc . ) . A superação de um modo de

produção dever - se - ia às cont r ad ições en t r e as forças produtivas  e as

relações de produção* (sendo es tas úl t i m as con st i tuídas pela pro pr ie-

dade das forças produt ivas ) . De acordo co m M arx , a té ce r to m om en to

as forças produt ivas condic ionam as r e lações de produção . Porém o

dese nv olvim ento das forças produ t ivas levar ia a um a contradição cres-

cente em re lação às re lações de produçã o, qu e a par t ir de cer to m om en -

to passar iam a ser obs táculos à sua expansão. A intens if icação des ta

contradição levar ia a uma cr ise ou colapso no modo de produção e de

sua estrutura, que por is to tenderia a ser superado através de uma revo-

lução ins tauradora de um novo modo de produção , mais adequado ao

novo quadro de desenvolv imento das forças produt ivas . E cont rovér -

s ia pos ter ior a M arx se o pr im ado das t rans form açõ es socia is es tá rea l-

mente a ca rgo das forças produt ivas ou das r e lações de produção .

F or m aç ão s oc ia l . A expressão pod e impl ica r em dois âmbi tos d i s t in tos :

(1) t ipos de sociedade ( feudal , capi ta l is ta , e tc . ) ou (2) sociedades , es-

pec í f ica s (F rança do século XVII I , Bras i l Colonia l , soc iedad e dos ín -

d ios iano m am i , e tc . ). Na obra de M arx , por exem plo , a expressã o apa-

rece mais f reqüentemente como s inônimo de sociedade (como no "Pre-

fácio" à "Cr í t ica da Economia Pol í t ica" de 1859) .

F u n ç ã o .  Noção que chegou às c iênc ias humanas por emprés t imo da l in -

guagem da biologia (exemplo: função glicogênica do f ígado) , ou da l in-

guagem adm inis t r a tiva ( fu nçã o d i r e t iva , e tc . ) .

F u n c i o n a l i s m o .  Linha teór ica que, nas c iências humanas , encara a so-

c iedade com o um a es t rutura com plexa de grup os socia is - em um a per -

m ane nte in te ração en tr e ações e r eações - ou com o um s i s tema in te-

grado de ins t i tuições onde umas agem e reagem em re lação às outras .

O func iona l i smo t r aba lha com a imagem de um organismo soc ia l que

represen ta r ia um todo em fun c ion am ento . D e um m odo gera l , pod e- se

— 204 —

Page 206: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 206/238

Glossá r i o

dize r que os au tores fun c iona l i s tas enfa t izam a f ace consen sua l e ha r -

m onio sa da soc ieda de . Co m re lação às va r iedad es de enfo qu es de nt ro

d o f u n c i o n a l i s m o e a o s e u d e s e n v o l v i m e n t o d i a c r ó n i c o , d e v e - s e

pr inc ip ia r por no ta r que a expressão " func iona l i smo" te r ia surg ido

nos anos 30 do século XX, com Mal inowski e Radc l i f f e - Brown, em-

bora ambos enxergassem a soc iedade de uma mane i ra d i f e renc iada .

Mal inowski ava l iava a ordem soc ia l em te rmos de sa t i s f ação das ne -

cess idade s dos ind iv íd uos - no que se r e fe re à a l imentaçã o , p ro teção

contra a agressão, à reprod ução biológica ou ao acesso ao gozo sexual.

R ad c l i f f e -Br ow n tendia a ava l ia r a o rde m soc ia l em te rmos de norm a-

t izações impos tas aos ind iv íduos . Mais t a rde , Ta lco t t Pa r sons e Ro-

ber t Mer ton t rouxeram novos enfoques ao func iona l i smo [ r e f . : Rad-

c l i f f e - B r o w n ,  Structure and function in primitive society.  Parsons ,

The present position andprospects of systemathic theory in sociology

( 1945) . M e r ton ,  Social theory and social structure  (1949)] .

F u n d a m e n t o .

  Prop osição g era l e s imples de ond e se dedu z todo um con-

jun to de prece i tos ou mesmo um s i s tema comple to de pensamento .

Por exemplo, um fundamento do Mater ia l ismo His tór ico é o de que as

condições de produção da v ida mate r ia l de te rminam, em ú l t ima ins -

tância , todos os aspectos da vida socia l .

G

Grupo soc ia l .  S ubc on jun to de um a c om un ida de hum a na e m que s e us

m em bro s são def inidos por a lgum t ipo de re lação de equivalência , com o

um a ocu paç ão s imi la r , um n íve l cu l tura l aná log o , um a f i l iação à mes -

m a Igre ja , ou pod er eco nôm ico sem elhante . Ne s te caso , a "c lasse so-

c ia l " se r ia no seu sen t ido m ais habi tua l um t ipo de grupo soc ia l on de

a r e lação de equiva lênc ia en t r e os ind iv íduos que ne la se enquadram

é dada por um semelhante poder econômico ou pre r roga t ivas po l í t i -

cas s imilares .

H

H ip ót e s e .  Enunc iado , em forma de sen tença dec la ra t iva , que procura

antec ipar provisor iamente uma poss íve l so lução ou expl icação para

um p roblem a - e que necessa r iam ente d everá se r subm et ida a t e ste ou

ver i f icação em a lgum momento (podendo nes te caso se r comprovada

ou refutada) . Em Fi losof ia e na Ciência , a Hipótese deve dar or igem a

— 205 —

Page 207: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 207/238

Page 208: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 208/238

G l o s s á r i o

t i ca (por exemplo : "ex is te v ida em Mar te" ) . Também cor responde ao

grup o de h ipóteses desc r i tivas aque las que se r e fe rem a um a f r eqü ên-

c ia de acontec im entos , ou qu e bus cam es tabe lece r a ex is tênc ia de un i -

f o r m ida de s e m pí r i c a s . T a m bé m s e e nc on t r a m p r óx im a s a e s t e t i po

as h ipó teses que , não apenas se l imi tando a desc rever un i formidades

e m pí r i c a s , p r oc u r a m r e l a c iona r de t e r m ina da s un i f o r m ida de s e m pí r i -

cas (por exe m plo , a hip óte se de Ernes t Burg ess de qu e a c ida de rea l iza

o seu processo de expansão em "c í r cu los concênt r icos" .

H i p ó t e s e f e n o m e n o l ó g i c a .  Hipótese que se r es t r inge à super f íc ie dos

f e n ô m e n o s , ou q u e s e r e f e r e m a o f u n c i o n a m e n t o  externo  de um s i s -

t e m a , s e m s e p r e oc upa r e m c om os a s pe c tos i n t e r nos do s e u f unc io -

n a m e n t o .

H i p ó t e s e r e p r e s e n t a c i o n a l .  H ipó te s e que p r oc u r a e xp l i c a r o f unc io -

na m e n to de um s i st e m a , o s p r oc e s s os que s ub j a z e m s ob os f e nôm e nos

ou que e s pe c i f i c a m m e c a n i s m os .

H is t or i c i s m o .

  Tendência his tór ica que surge no século XIX a par t i r da

h is tor iogra f ia a lemã , opo ndo -se por um lado à an t iga v i são univer sa l i -

zante da His tór ia t raz ida pelo I luminismo f rancês do século XVIII , e

po r outro lado à tend ênc ia pos i t ivis ta que se des env olv e no pró pr io sé-

cu lo XIX (es ta que propõ e um a ident i f i cação en t r e ob je t iv idade e H is -

tór ia Cien t í f i ca ) . O pon to de pa r t ida do His tor ic i smo é um a v isão es -

pec í f ica e pa r t i cu la r da His tór ia (e não univer sa l izan te ) , cons id erando

os f a tos h i s tór icos com o único s e não- repe t íve i s . Cont ra um a h is tória

unive r sa l , vá l ida pa ra todos os povo s , o h i s tor ic i smo p ropõ e h i s tórias

na cion ais e par t icu lares . Seu interesse m ais esp ecíf ic o é a His tór ia P o-

l í tica , e um a de suas grande s contr ibuições foi o apr imo ram ento da cr í -

t i ca in te rna dos documentos h i s tór icos . Por ou t ro lado , o H is tor ic i s -

m o das pr imei ras década s do século XIX a inda com par t i lha da c rença

do Pos i t iv i smo em a lcançar uma verdade única e abso lu ta ( a inda que

apl icada a es tudos pa r t icu la r izadores ) . R anke , por exem plo , v ia o tr a -

ba lho h i s tor iográ f ico como in te i r amente ob je t ivo e não encarava o

seu r e la to com o um a exp ressão par t icu la r sua , m as com o um a expres -

são dos f a tos " ta l como e les e fe t ivamente se de ram" . Contudo , g ra -

du alm en te o his to r ic ism o vai se liber tando dos res íduos pos i t ivis tas . A

par t i r de 1870, his tor ic is tas co m o Droyse n, Di l they e Rick er t já pro pu -

nham a idé ia de que o conhec imento ob je t ivo do passado só se r ea l i -

za a través da exp er iên cia ob je t iva daqu eles que rea l izam o seu es tud o.

Neste caso, ressa l ta-se a permanente intervenção do his tor iador na se-

Page 209: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 209/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

l eção e na organização dos f a tos que compõem o seu r e la to ou a sua

aná l i se h i s tórica . Nes tes t e rmo s , mina- se o mi to da "ne ut r a l id ade " p o-

s i t ivis ta que era pos tulada para o c ient is ta socia l , de forma análoga à

que se esperav a dos c ient is tas da natu reza . O que m ais tarde vir ia a ser

c r i t i c a do no H i s to r i c i s m o , p r inc ipa lm e n te pe l a E s c o l a dos  Annales

no século XX e pe lo campo dos h i s tor iadores marx is tas , se r ia a sua

não- superação de uma "h is tór ia po l í t i ca" no sen t ido r es t r i to , o rgani -

zada com o "h is tór ia na r ra t iva" que prior iza r ia o "ev entu a l" (pass and o

ao la rgo das poss ib i l idades de um a h is tór ia est ru tura l* e de um ex am e

m ul t i d im e ns iona l do c a m po h i s tó r i c o ( a s pe c tos e c onôm ic os , c u l t u -

ra is , socia is , para a lém do "pol í t ico" no sent ido mais res t r i to) .

I

Idé ia .  1  - A qu i lo a t r a vé s do qua l e l a bo r a m os os pe ns a m e n tos ( c on f o r -

m e Lo cke , "aqui lo de que se ocup a a men te quando pensa" ; e confo rm e

De scartes, "aquilo que está na men te de qualqu er ser pen sante"). 2 - Co n-

form e a Teor ia das Form as de P la tão , as idé ias te r iam um a ex is tênc ia

obje t iva e a tempora l (P la tão ,  Timeu).  Dito de outra maneira , a idéia

corresponder ia à " forma de uma real idade" . 3 - Mais do que cr iações

independentes da mente ind iv idua l , a s idé ias depender iam das es t ru-

turas socia is e sobretudo das es t ruturas l ingüís t icas .

Ideolog ia .  Expressão que apresen ta a tua lmente inúmeros sen t idos em

uso nas Ciênc ias Hu m anas . P or ou t ro lado , no in ício do século X IX , a

I de o log i a e ra c ons ide r a da u m a d i s c ip l i na f i l o s ó f i c a , c u jo ob j e to e r a

a anál ise das idéias e das sensações . Serão discut idos aqui apenas os

conteúdos r e la t ivos à " ideologia" enquanto um conce i to u t i l i zado nas

c iênc ias soc ia i s . A ideologia pode se r v i s ta por exemplo como um

con jun to de c renças ou de con cep çõe s r e fe ren tes à soc iedad e , ao lugar

do ind iv íduo na soc iedade , à o rgan ização d a com un idad e e ao co nt ro-

le po l í t i co da mesma. Pode se r a s soc iada a inda a uma c lasse ou gru-

po soc ia l e spec í f ico , surg indo conce i tos como " ideologia burguesa"

ou " ideologia pro le tá r ia" . Conforme se ja uma ideologia impos ta , ou

consc ien temente ou por processos de d i fusão median te o qua l não se

dão conta nem mesmo os seus pr inc ipa i s in te ressados , pode- se f a la r

e m " ide o log i a dom ina n te " . E x i s t e m t a m bé m os s e n t idos de i de o log i a

assoc iados à idé ia de inver são ou f a l seamento da r ea l idade . Na ver -

dade , o conce i to de ideo logia , t r ibu tá r io de seus múl t ip los desenvol -

vi m en to s n o cam po d o ma ter ia l is m o histór ico, é polêmico, pol issêmico

— 208 —

Page 210: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 210/238

G l o s s á r i o

e complexo, admit indo diversas acepções e poss ibi l idades de emprego

teór ico . Por es te mot ivo , é r ecomendáve l que se ja u t i l i zado somente

dep ois de um a pro fun da re f lexã o re la t iva ao sen t ido que se lhe pre ten-

de empres ta r .

I m a g i n á r i o .

  S is tema ou univer so complexo e in te ra t ivo que abrange a

p r od uç ã o e c i r c u l a ç ã o de im a ge n s v i s ua i s , m e n ta i s e ve r ba i s , i nc o r -

porando s i s temas s imból icos d ive r s i f icados e a tuando na cons t rução

de representaçõ es diversas . O concei to de " im agin ár io" parece ter s ido

pe la pr imei ra vez apropr iado para a aná l i se h i s tór ico- soc ia l por Cor -

né l ius Cas tor iad is em   A Instituição Imaginária da Sociedade  (1975) .

A par t i r da í , o conce i to tem se m os t r ado p olêm ico nos cam pos da H is -

tór ia e da Ant ropologia , merecendo def in ições d ive r s i f icas das qua is

reg is t r a rem os a lgum as . 1 - Co nju nto de imag ens não-gra tu i tas e das

r e l a ç õe s de im a ge ns que c ons t i t ue m o c a p i t a l c ons c i e n t e e pe ns a do

d o s e r h u m a n o ( G i l b e r t D u r a n d ,  As Estruturas Antropológicas do

Imaginário).

  2 - "C on jun to de ima gen s e r e lações de imag ens produ-

z idas pe lo ho m em a pa r t ir , por um lado , das form as tan to quan to po s -

s íve l un ive r s a i s e i nva r i a n t e s e que de r iva m da s ua i n s e r ç ã o f í s i c a

e c om po r t a m e n ta l no m u nd o e , de ou t r o , de fo r m a s ge r a da s e m c on-

tex tos pa r t icu la res h i s tor icamente de te rmináve is" (Te ixe i r a Coe lho ,

Dicionário Crítico de Política Cultural).  3 - "C on jun to de r epresen-

t a ç õe s que e xo r b i t a m do l im i t e c o loc a do pe l a s c ons t a t a ç õe s da e x -

periê ncia e pelos encadeamentos d edutivos que estas autorizam" (E vely-

ne Pa t lagean , "A h is tór ia do imaginár io" . In Le Gof f ,  A História

Nova). II P o r ou t r o l a do , c u m pr e no t a r qu e a P s i c a n á l i s e e a F i lo s o -

f ia j á t r aba lham há mais t empo com o campo do imaginár io . Va le

lemb rar os t ex tos L'Imagination  e L ' Imaginaire,  de Jean -Paul Sar t re

(1940) , que abordam a ques tão do ponto de v i s ta da f enomenologia e

que s e e s f o r ç a m por de s c r e ve r o " f unc iona m e n to e s pe c í f i c o da im a -

g ina ç ã o" , d i s t i ngu indo- o do c om por t a m e n to m né s i c o ou do c om por -

t a m e n to pe r c e p t ivo . D a m e s m a f o r m a , j á de s de 1938 G a s ton Ba c h e -

la rd ocup ou -se com um a sé r ie de obras sobre os s i s temas de im agen s

{Psychanalyse du feu

, de 1938;

  L ' Eau et les rêves,

  de 1942;

 L Air et

les songes,  de 1943;  La Terre et les rêveries de la volunté  e La Terre

et les rêveries du repos,  am ba s de 19 48) . N a His tór ia , em bo ra sem ut i -

l izar expl ic i tamen te o concei to de imagin ár io , deve-se c i tar a obra pio-

ne i r a de Joh ane s Huiz inga , que ana l i sa s imul tane am ente im agens v e r -

ba i s e imagens v i sua is em   O Declínio da Idade Média  (1919) . Mas é

nas proximidades dos anos 70 do século XX que i r á se desenvolver

— 209 —

Page 211: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 211/238

Page 212: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 212/238

Glossá r i o

I n t e r t e x t u a l id ad e .  Re lac ion am ento d ia lóg ico en t r e do is t ex tos . A ques -

tão da in te r tex tua l idade é complexa , uma vez que e la pode aparecer

tanto no texto qu e o his to r iado r se põ e a anal isar (as inter textua l idades

expl íc i ta s e impl íc i ta s ine ren tes à cons t rução tex tua l do documento

es tudad o) com o tam bé m n a própr ia aná l i se do h i s tor iador , que na sua

le itu ra do docu m ento es tabe lece in te r tex tua l idades em d iver sos n íve i s

- se ja co lo cand o a fon te em d iá logo com out ras fon tes , se ja co locand o

a sua anál ise do texto e m diá logo co m as aná l ises de outro s autores . É

por i s so qu e E l i seo Veró n esc reve que "não se ana l i sa j am ais um tex-

to: anal isa-se pelo m en os dois , quer se t ra te de u m seg un do texto e sco-

lh ido expl ic i tamen te pa ra a com paração , quer se t ra te de um tex to im-

pl íc i to , vi r tual , in t roduzido pelo anal is ta , mui tas vezes sem que e le o

s a iba " ( E l i s e o V E - RO N .  A produção do sentido,  p.2) .

J

Ju íz o .  P ropos ição que es tabe lece uma re lação en t r e conce i tos .

Juízo categór ico .  Af irmação que não tem condição nem al ternat iva . Sua

form a m ais s impl i f ica da cons i s te na a f i rmaç ão ou negação de um a t ri -

buto re la t ivo a um suje i to .

L

Lei . Na p rodu ção c ien t í f i ca , a pa lavra " le i " cos tum a se r e fe r ir a enun c ia -

dos que buscam desc rever r egula r idades ou normas . Des ta forma ,

um a lei dec lara a exis tê ncia d e um p adrã o es tável entre eventos , s i tua-

ções ou obje to s . De ve- se con s idera r , a inda , que o cam po ou univer so

de ap l icação de um a le i é hab i tua lmen te l imi tado , abrangen do apenas

uma de te rminada c lasse de f enômenos ou um de te rminado c i r cu i to de

observ ação . Ass im , as l e is da me cânica c lás s ica formula das por New -

ton têm va l idade espec i f icamente no âmbi to in t r ap lane tá r io , pe rden-

do es ta val idade no espaço interes te lar ou no âmbito int ra-a tômico.

Lin h a d e P e s q u i s a .

  N oç ão a cadê m ica e ins t ituc iona l , r e f e r indo - se a um

ou mais cen tros de interesses de pesq uisa pr ior i tár ios qu e a Ins t i tuição

ou Univers idade procura cr iar para t razer coerência ao t rabalho de

seus pesquisadores , docentes e programas de pós -graduação .

M

M at e r ia l i s m o .  N oç ão qu e surge pela pr im eira vez com a fi losofia grega,

quando escolas f i losóficas como a estóica e a epicurista opuseram-se

— 2 1 1 —

Page 213: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 213/238

Page 214: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 214/238

G l o s s á r i o

autores , de m od o que hoje em dia pode m ser encon tradas diversas cor -

rentes a par t i r des ta perspect iva de anál ise his tór ico-socia l .

M é t od o . ( 1 )  C a m i n h o a t r a v é s d o q u a l s e p r e t e n d e a t i n g i r d e t e r m i n a -

dos r esu l tados . (2) Conjunto de procedimentos que são s i s temat iza -

dos com vis tas a r eso lver um p roblem a. N a pesquisa c ien t í f i ca , o m é-

todo impl ica em escolhas de técn icas e de a l te rna t ivas pa ra encami-

nha r a ação com vis tas à so luçã o de de te rm inado prob lema . " M éto do "

também pode se r e fe r i r a uma de te rminada mane i r a de conduz i r a a r -

gum entaç ão ou de encam inhar um exam e da r ea lidade (a pesquisa c ien-

t í f i ca conhece bas icamente do is métodos de r ac ioc ín io fundamenta i s :

a indu ção* e a dedu ção* ) . No qu e se r e fe re aos aspec tos ma is a m plos

do e n f r e n t a m e n to de um p r ob le m a , o c onhe c im e n to c i e n t í f ic o é ba s i -

camente cons t i tu ído pe los métodos da obse rvação* e da exper imenta -

ção* . No sen t ido r est r ito , "m éto do " es tá as soc iado a abo rdagen s m ais

espec í f icas , o que inc lu i a s d ive r sas t écn icas pa ra o enc am inha m ento

da observação , da exper imentação e da aná l i se de r esu l tados ob t idos

em um processo de pesquisa .

M é t o d o d e d u t iv o .  Método de encaminhamento de r ac ioc ín io que pa r te

de formulações mais ge ra i s pa ra chegar a formulações mais espec í f i -

cas , ou para expl ic i tar as conseqüências necessár ias da af i rmação ini-

c ia l proposta .

M é t o d o e x p e r i m e n t a l .

  M é todo ou d im e ns ã o m e todo lóg ic a da i nve s t i -

gação c ien t í f i ca que se funda na exper imentação* , compondo com a

observação* a base da prá t ica c ien t í f i ca no Ocidente .

M é t o d o i n d u t i v o .  M é t o d o d e e n c a m i n h a m e n t o d e r a c i o c í n i o q u e p a r -

t e de f o r m ula ç õe s m a i s e s pe c í f i c a s pa r a c he ga r a f o r m ula ç õe s m a i s

gera i s , ou que busca conec ta r in formações empí r icas pa ra da í ex t r a i r

uma formulação gera l que as abarque ou que jus t i f ique os aspec tos

e m pi r i c a m e n te obs e r va dos . V e r i nduç ã o* .

M ic r o- H is t ór ia .  Perspectiva histor iográf ica surgida na I tál ia a par t ir das

ú l t imas décadas do século XX, e que propõe ao h i s tor iador uma re -

dução na sua esca la de obse rvação , pe rmi t indo-o enxergar aspec tos

que passar iam desapercebidos ao his tor iador t radic ional . A mudança

de perspect iva e de escala de observação na Micro-His tór ia não s igni-

f i c a n e c e s s a r i a m e n t e e x a m i n a r u m a r e a l i d a d e e x t r e m a m e n t e r e c o r -

tada no aspec to espac ia l ou tempora l ( como ocor re nos es tudos de

caso da His tór ia Regiona l ) . O aspec to mic rossoc ia l examinado pode

Page 215: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 215/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

ser uma determinada dimensão da real idade, a t rajetór ia de determi-

nados a tores soc ia i s , uma v ida , um padrão mui to especí f ico de d is -

curs os, um a prática, um peq ueno núc leo de representações. N ão se tra-

ta necessar iamente de escolher um universo l imitado como uma vizi-

nhança ou uma aldeia, em bora is to també m pos sa ocorrer. U m aspec-

to importante a perceber, nestes últ imos casos, é que a Micro-História

não estuda propr iamente  a  aldeia, mas  através  da aldeia. Habitual-

me nte o objet ivo da Micro-H istór ia , ao es tudar real idades ou aspectos

da real idade microlocal izados, é perc ebe r algo da real idade mais am -

pla que não poder ia ser percebido através da perspect iva da Ma-

cro-Histór ia t radicional . Metafor icamente, pode-se dizer que se t rata

de um a opçã o pe lo m ic r osc óp io ao invés do t e l e sc óp io . A ind a u t i -

l izan do um a metáfora , pode -se d izer que - dep end end o do seu ob je -

to de es tudo - alguns micro-his tor iadores procuram "compreender o

oceano inteiro a par t i r de uma gota d 'água". Para encaminhar a sua

prática historiográfica calcada em uma escala reduzida e intensiva de

observ ação , a M icro-História procura dar um a atenção ao particular , ao

detalhe, aos indícios reveladores. Da mesma forma, um dos caminhos

abertos pela perspectiva da Micro-História reabili ta a possibil idade

his tor iográf ica de examinar a t rajetór ia dos indivíduos (não necessa-

r iamen te os indivíduos célebres , m as tamb ém os indivíduos com uns) ,

buscando nes tes casos reconhecer um espaço de l iberdade dos a to-

res sociais dentro dos s is temas prescr i t ivos e repressores , bem como

as estratégias e margens de manobras uti l izadas por estes atores para

conciliar os imperativos do sistema com os interesses específ icos que

c o e xi st em d e n t r o d e l e . D e u m m o d o g e r a l , a M i c r o - H i s t ó r i a l e v a

a re je i ta r as g randes genera l izações processuais no que e las têm de

demas iado redutoras , p ropondo-se em cont rapar t ida um enfoque na

complex idade e na p lura l idade . Do ponto de v is ta metodológico , a

proposta dos micro-his tor iadores vol ta-se para um estudo intensivo

do m ater ial docu m ental , de m odo a não deixar escapar nem m esm o os

indícios e porm enores , já que eles pod em ser s intomas reve ladores de

uma real idade social mais ampla. Entre alguns dos micro-his tor iado-

res em m aior evidência nas úl t imas dé cada s do século XX estão Car lo

Ginzburg e Giovanni Levi [ referência:  Jogos de Escalas - A expe-

riência da microanálise,

  l ivro organiza do por Jacqu es Revel (1999)

que reúne textos de vár ios autores e s impat izantes do m ovim ento, t ra-

zendo inclusive uma divers idade de posicionamentos no inter ior da

própr ia Micro-Histór ia .

— 214 —

Page 216: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 216/238

Glossá r i o

M o d e l o .  Representação idea l izada de uma c lasse de ob je tos r ea i s .

M o d o d e p r o d u ç ã o .

  Conce i to fundamenta l do "mate r ia l i smo h is tór i -

c o" , c o r r e s ponde ndo à m a ne i r a c om o um a de t e r m ina da s oc i e da de

produz as condições pa ra a sua sobrev ivênc ia , pe rpe tuação e desen-

volv imento , ao t r ans formar os mate r ia i s à sua d i spos ição a t r avés de

" fo rças prod ut iv as" e ao es tabe lece r , pa ra ta l f im , de te rm inadas " r e la -

ções de produção" que es tão na base da or igem das "c lasses soc ia i s "

e ou t r as d iv i sões no in te r ior do grupo humano cons iderado . O Modo

de Produção cor responder ia à es t ru tura fundamenta l que dá or igem a

toda orga nizaç ão soc ia l e impl ica r ia em d i f e ren tes form as de propr ie -

dade dos meios de produção e de r e lações com as forças produt ivas .

U m tex to s ign i f ica t ivo de Kar l Marx que exp õe es ta pe r spec t iva pode

se r encont rado em  Contribuição à Crítica da Econom ia Política'. O

conjunto das r e lações de produção (que cor responde ao grau de de -

senvolv imento das forças produt ivas mate r ia i s ) cons t i tu i a e s t ru tura

eco nô m ica da soc ied ade , a base concre ta sobre a qua l se e leva um a su-

peres t ru tura ju r íd ica e po l í t i ca e à qua l cor respondem de te rminadas

form as de consc iên c ia soc ia l . O mo do de r eprodu ção da v ida m ate ria l

de te rm ina o desen volv im ento da v ida soc ia l , po l í t ica e in te lectua l em

geral . Não é a consciência dos homens que determina o seu ser ; é o

seu  ser social  que , inver samente , de te rmina sua consc iênc ia" .

N

N e o p o s i t i v i s m o .

  Diz - se de ce r tas cor ren tes de pensamento do século

XX que recuperam alguns precei tos do pos i t ivismo* do século XDÍ,

embora os adaptando a abordagens mais modernas .

O

O b s e r v a ç ã o .  P rocedimento c ien t í f i co que cons i s te em i r a té o f enôme-

no a se r exa m inad o , com ou sem ins t rume ntos de in te rmediação . N es -

te caso , não oco r re in te r f e rênc ia na r ea l idade , co m o no caso da "ex pe-

r im e n ta ç ã o" .

O r g a n i c i s m o .  T ipo de abordagens dos es tudos soc ia i s segundo o qua l

a s s oc i e da de s c om por t a m - s e c om o o r ga n i s m os a ná logos a os i nd iv í -

duos ou seres vivos , obedecendo por tanto a le is s imilares às que re-

ge m a Biologia . Entre a lguns de seus representantes po dem ser c itados

Spencer , L i l i enf ie ld e Worms .

— 215 —

Page 217: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 217/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

P

P ar ad igm a. 1 - M ode lo de pe ns a m e n to , a ç ã o ou c om por t a m e n to a se r

seguido , ou que é ace i to con sensu a lm ente du ran te de te rmin ado per ío-

d o p o r u m g r u p o s o c ia l o u h u m a n o e s p e c í f i c o . C o m o d e s d o b r a m e n -

tos des te campo de sen t idos , "pa rad igma" pode ind ica r t an to ( a ) uma

" m a t r i z d i s c ip l i na r" ou um " pa d r ã o" dom ina n te , c om o ( b) um " e xe m -

pla r concre to" ou "exemplo a rque t íp ico idea l" a se r imi tado . 2 - Na

teor ia da c iênc ia , "pa rad igma" cor responde habi tua lmente a um con-

jun to de formulações teór icas que se rvem para leg i t imar problemas e

m é todos de n t r o de um de t e r m ina do c a m po do c onhe c im e n to , no r t e -

ando o pensamento de ge rações de pesquisadores duran te um de te r -

m ina do pe r íodo de t e m po ( c on f o r m e p r opos i ç ã o de T hom a s K uhn ,

1962). Co m o ex em plos , po de m se r c it ados a F i loso f ia de A r i s tó te les ,

que func ionou como o pa rad igma predominante duran te a esco lás t ica

med ieva l , e a F í s ica Ne w tonia na a té o adven to dos novos pa rad igm as

da c iênc ia m od erna , com o a F ís ica Qu ânt ica ou a Teo r ia da R e la t iv i-

dade de E ins te in . 3 - Pod e- se res sa l ta r a inda que , m esm o em Ku hn, o

conce i to de "parad igma" osc i la en t r e os do is s ign i f icados expos tos

em nossa pr ime i ra de f in ição ( "m at r iz" e "ex em pla r " ) . Ass im , é o pró-

pr io Thomas Kuhn quem dis t ingue dois s ign i f icados pr inc ipa i s pa ra

"para d igm a" , em um pós -esc r i to de 1970 para a Estrutura das revolu-

ções cientificas: 1: "co ns te la ção in te i ra de c ren ças , va lo res e t écn i -

c a s c om pa r t i l ha dos pe los m e m br os de um a de t e r m ina da c om un ida -

de " (pa rad igm a no sen t ido de "m at r iz" ) e 2 : "u m a espéc ie de e leme n-

to des ta cons te lação , a s so luções concre tas de quebra -cabeças qúe ,

empregadas como mode los ou exemplos , podem subs t i tu i r r egras ex-

p l íc i ta s como base pa ra a so lução dos r es tan tes quebra -cabeças da

c iênc ia norm al" (pa rad igm a no sen t ido de "ex em pla r " ) . 4 - C om re la -

ção ao pr imei ro sen t ido (pa rad igma c ien t í f i co como "mat r iz" ) , Tho-

ma s Kuh n sus ten ta a idé ia de que o con hec im ento c ien t í f i co se desen-

volve não por inc rem ento ou enr ique c ime nto de um ún ico p arad igm a,

mas por subs t i tu ições sucess ivas de pa rad igm as . Ne s te sen t ido , adm i-

t indo - se que toda teor ia ge ra as suas ano m al ias e caso s exc epc ion a is ,

ha ve r i a um m om e n to e m que s e a c um ula m de t e r m ina da s e xc e ç õe s à

regra e em q ue a teor ia vai pe rden do a sua cap acid ad e de superá- las . E

nes te m om ento q ue as t eor ias conc or ren tes gan ha m es ta tura , e em de-

corrência deste processo pode advir a substituição de um paradigma cien-

t í f ico por outro capaz de dar conta de um número maior de casos e de

— 216 —

Page 218: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 218/238

G l o s s á r i o

certas necessidades gerad as pela realidade empír ica. 5 - De cer to m od o,

a noção de "ep is tem e" in t roduz ida po r Foucaul t em sua aná l i se soc ia l

da H i s tó r i a da s C iê nc i a s ( ou t a m bé m dos s i s t e m a s r e p r e s s ivos ) é

c om pa t íve l c om a i dé i a de " m uda nç a de pa r a d igm a s " f o r m ula da po r

Thomas Kuhn. A "ep is teme" cor responder ia a um "s i s tema de d i scur -

s o s s o c i a l m e n t e d e f i n i d o " , e e m c e r t o s m o m e n t o s h i s t ó r i c o s o c o r -

r e r ia a mudança de uma "ep is teme dominante" pa ra ou t r a [ r e f . : T .

K u h n ,  A estrutura das revoluções científicas; M . Fou caul t ,  As pala-

vras e as coisas].

P e s q u i s a e xp e r im e n t a l .  Inves t igação empí r ica na qua l o pesquisador

manipula ou cont ro la de forma s i s temát ica uma ou mais va r iáve is in -

dependentes e obse rva as va r iações decor ren tes des te cont ro le sobre

as va r iáve is dependentes .

P e s q u i s a

  expostfacto Inves t iga ção em pí r ica na qua l o pesq uisado r ob-

se rva ou ana l i sa f enômenos que já ocor re ram, ou en tão f enômenos

qu e es tão ocor rendo m as que por sua na tureza não são ma nipu láve is e

não permi tem, por conseguin te , um t r a tamento exper imenta l do t ipo

em qu e o pesq uisad or exerce a lg um a form a de cont ro le sobre as va r iá -

ve i s dependentes .

P o p u l a ç ã o .  Uma to ta l idade de ind iv íduos ou grupo de ob je tos que pos -

suem uma ou mais ca rac te r í s t i cas em comum.

P od e r .  1  - Ca pac id ade de con t r ibu i r pa ra r esu l tados que a fe tem um ou -

t ro indivíduo, um ou mais se tores da sociedade, ou a té mesmo a socie-

dade inte i ra . 2 - Mecanismos socia is que se vol tam para a disc ipl ina

do s ind iv íduos , mod e lan do seus d i scur sos , seus dese jo s e a té m esm o a

sua própr ia subje t ividade (Michel Foucaul t ) . 3 - "Poder é a produção

de efe i tos pre tendidos" (Ber t rand Russel , 1938) .

Pos i t iv i smo.  C orrente de pen sam ento que, nos séculos XVIII e XIX , par -

t iu de propostas de equiparação de aspectos e métodos ut i l izados nas

ciências humanas com aspectos e métodos ut i l izados nas c iências exa-

tas . Pos tulava-se , por exemplo, que a obje t ividade c ient í f ica era s imi-

lar nas c iências hu m an as e na s c iências natura is ou exatas . Ou tra idéia

co m um era a da "neu t r a l ida de" qu e o c ien t is ta soc ia l dever ia as sumir

d ian te do seu obje to de es tudo . As pr inc ipa i s cor ren tes pos i t iv i s tas

co l oc ava m -se com o em pir i s tas , no sen t ido de que o c ien t is ta soc ia l só

dever ia t r aba lhar com da dos apreen s íve i s na rea l idade concre ta , r e je i -

tando qua lquer pensamento especula t ivo . Por ou t ro lado , no seu es -

— 217 —

Page 219: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 219/238

Page 220: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 220/238

G l o s s á r i o

P r e m i s s a .  P rop os ição da qua l se in fe re um a out r a propos ição (ve r in fe -

r ênc ia*) .

P r e s s u p os t o .  Af i rmação ace i ta sem contes tação e não inves t igada no

âmbi to de uma pesquisa à qua l se ap l ica .

P r in c íp io .  P r opos i ç ã o que f unda m e n ta um p r oc e s s o de de duç ã o ou um

s i s t e m a t e ó r i c o , nã o s e ndo de duz ida de ne nhum a ou t r a p r opos i ç ã o

no s is tem a con siderado e funcionan do com o proposição dire t iva à qual,

em s in ton ia com ou t ros pr inc íp ios , todo desen volv im ento u l te rior de -

ve se r subord inado .

P r o b l e m a .  Q ue s t ã o p r opos t a pa r a que s e l he dê s o luç ão . 1 - 0 c ha m a do

"problema c ien t í f i co" , do t ipo que aparece nos pro je tos e t ex tos em

modelo de te se , co inc idem com um de te rminado padrão que , em a l -

guns casos , os d i s t inguem dos "problemas" da v ida co t id iana e t am-

bém dos "problemas f i losóf icos" . Em pr imei ro lugar , o problema c i -

en t í f i co deve te r uma na tureza indagadora . Não prec i sa necessa r ia -

mente se r formulado como pergunta , mas deve pe lo menos conte r

um a pergu nta den t ro de s i. Em segu ndo lugar , deve apresen ta r c la reza

e prec i são - o que impl ica em um recor te mu i to espe c í f ico dent ro do

qu a l e le enc on t ra rá os seus l imi tes . N ão é prop r iame nte um p roblem a

his tor iog rá f ico indagar qua l é "a na tureza ou essênc ia das r e vo luçõ es"

( e m b o r a e s t e s e j a c e r t a m e n t e u m " p r o l e m a f i l o s ó f i c o " in t e r e s s a n -

te . Mas é um problema h is tór ico cor re tamente de l imi tado indagar

qua is os " f a tores econômicos que cont r ibu í r am para a ec losão da Re-

volução Francesa" . Es te exemplo i lus t r a t ambém uma ca rac te r í s t i ca

que deve aparecer no "problema c ien t í f i co" : e le deve conte r uma d i -

m en são e mp í r ica , r e fe r indo- se a um a rea l idade concre ta e pass íve l de

se r inves t igad a . Já o "proble m a f i lo sóf ico " não prec i sa apresen ta r ne -

cessa r iam ente es ta d im ensã o emp í r ica , po den do f ica r no âmbi to espe-

cu la t ivo , e m esm o se r o pon to de pa r t ida pa ra um a re f lexão ace rca de

"va lores" ( como por exemplo os problemas de na tureza é t ica ) . J á os

problemas c ien t í f i cos , inc lus ive no âmbi to das c iênc ias humanas , de -

vem se a fas ta r t an to quanto poss íve l dos va lores e t r aba lhar com no-

ções que tenham uma base empí r ica (não a "comunidade ca tó l ica

m ais r e l ig iosa" , mas a "co m un ida de em que se de tec ta um a maior f re -

qüê nc ia aos cu l tos r e l ig iosos dom inica i s" . 2 - Em um pro je to ou em

um t e x to no m o de lo de t e s e , o p r ob l e m a c e n t r a l pod e s e r c om pr e e n -

d ido c o m o um a inda ga ç ã o que a t r a ve s s a o t e m a , re c o r t a ndo ou d i r e -

c ionando a sua e laboração. Neste sent ido, o problema mostra-se como

um recor te mais espec í f ico que se impr ime ao tema , t r azendo um ca-

Page 221: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 221/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

rá ter ques t ionador ao es tudo ao invés de deixar que e le se desenvolva

como um t r aba lho meramente desc r i t ivo . Um de te rminado r ecor te t e -

mát ico pode se abr i r , por ou t ro lado , pa ra a lguns problemas funda-

menta i s ( e não somente um) que podem se r t r aba lhados s imul tanea-

mente pe lo es tud ioso . Nes te caso , e s tes problemas desdobrados que

c om põe m jun to s a p r ob l e m á t i c a da pe s qu i s a pod e m c a da qua l c o r r e s-

pon der a um a das h ipó teses in ic ia i s de t raba lho , qu e deverão aparecer

no cap í tu lo do pro je to r e fe ren te às H ipótese s* .

Q

Q u an t i t a t iva  (His tór ia) . Domínio da His tór ia onde se opera a t ravés da

ut i l ização s i s temát ica de fon tes e m étod os quan t i t a t ivos , t an to na des -

cr ição como na anál ise his tór ica .

R

Rebel ião .  M ov im en to socia l que se dis t ingue da " revo luçã o"* por a lgu ns

aspe c tos es senc ia i s . Em gera l a r ebe l ião r es t r ing e- se a um a á rea geo-

grá f ica c i r cunscr i ta . Grosso mo do , t am bé m n ão é m arcad a s ign i f ica t i -

vamente por mot ivações ideo lógicas , e d i r ige - se mais pa ra a sa t i s f a -

ção imedia ta de re iv ind icaçõ es de ca rá te r po l í t i co ou econ ôm ico , não

s e p r e oc upa ndo pa r t i c u l a r m e n te c om t r a ns f o r m a ç õe s m e nos ou m a i s

radicais na ordem const i tuída .

Recorte t emát ico .  Reco r te que se imp õe ao tem a de um a pesquisa , to r -

nando-o del imitado, preciso e viável para o iníc io do es tudo a ser de-

senvolv ido . Em His tór ia , o " r ecor te t emát ico" de uma pesquisa pres -

s upõe ne c e s s a r i a m e n te um a e xp l i c i t a ç ã o do pe r íodo de t e m po a ba r -

cado ( r ecor te t empora l ) e do âmbi to espac ia l em re fe rênc ia ( r ecor te

espacia l ) .

Re c or t e t e m p or a l .  Em u ma pesquisa de His tór ia , cor resp ond e ao pe r ío-

do examinado pe lo h i s tor iador , ou aos l imi tes de tempo dent ro dos

qua is se es tabe lece a va l idade do es tudo desen volv ido . Hab i tua lm en-

te, a expl ic i tação do r ecor te t empora l de ve aparec er de a lgum a fo rm a

já no t í tulo do t rabalho.

Re laç õe s d e p r od u ç ão .

  Cor r e s ponde n te s a os m odos de p r op r i e da de

econô mica das forças produt ivas e às r e lações soc ia i s h ie ra rquizada s

que são geradas por es tes modos de propr iedade (ve r forças produti-

vas*, modo de produção*  e  materialismo histórico*).

— 220 —

Page 222: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 222/238

Glossá r i o

R e v o l u ç ã o .  No sent ido pol í t ico, movimento socia l que se direc iona para

a der rubada das autor idades pol í t icas exis tentes com vis tas a efe tuar

rad ica i s m ud an ças na s r e laçõe s po l í t i cas e na es fe r a soc ia l . N o sen t i -

do ex t r apol í t i co , p rocesso (nem sem pre brusco) que prod uz mod i f ica -

ções r ad ica i s em um a soc ied ade , em uma es t ru tura , ou me sm o em u m

c a m po do c onh e c im e n to . A s dua s c o r r e n t e s de s e n t ido a pa r e c e m e m

autores d ive r sos , conforme exempl i f icações es tabe lec idas a segui r . 1

- Den t ro do M ate r ia l i sm o His tór ico aparecem o s do is usos pa ra es ta

expressão . Em  A Ideologia Alemã ,  a r evolução cor resp ond e ao sa l to

qua l i t a t ivo de um m od o de prod ução para o seguin te . Em obras co mo

A Luta de Classes na França,  be m c o m o e m a r t i gos d ive r s os , M a r x

e Engels empregam a expressão revolução no sent ido pol í t ico de " le-

vante a rma do " ou mov ime nto soc ia l , a t ribu indo-lhe um a conotação f le -

xível se a comparamios, por exemplo, com os usos de Hannah Arendt

para a palav ra "revo luç ão ". 2 - Para Han nah A rend t, o qu e habil i tar ia a

c lass i f icar um determinado movimento socia l como "revolução" ser ia

a convergê ncia do s seguintes fa tores : (1) um a mu dan ça pol í t ica brusca

e v io len ta , (2 ) a con secu ção ou o pro je to de uma t r an s form açã o soc ia l

efetiva, (3) a presença da idéia de "l iberdade polí t ica" para além da

mera " l iber tação" , e (4) a convicção de um "novo começo" por par te

dos a tores socia is . 3 - Gia nfra nco Pasquino, no

 Dicionário de P olítica

coordenado po r No rber to Bo bbio , concorda de um a mane i ra ge ra l com

estes aspectos , mas int roduz um deta lhe a mais já na aber tura do seu

verbete ao suger i r que a revolução não é necessar iamente um movi-

mento que tenha s ido bem-sucedido , bas tando que se ja uma  tentativa

de es tabelecer mudanças socia is e pol í t icas profundas (nes te sent ido,

acrescenta a noç ão de " revo lução f rus t rada") . 4 - Já a lguns his toriado-

res da

  Escola dos Annales

  ou de cor rentes daí der ivadas empreg aram a

expressão " revolução" no sent ido de uma per turbação, ou a té mesmo

de t ransformações muito lentas , que promovem a passagem de uma es-

trutura para outra (Krzystof PO M IAN ,  A História das Estruturas).  Esta

idéia de revolução com o passa gem de um a es t rutura para outra não dei-

xa de se cor re lac ionar co m a idé ia, t am bém presen te no marx ismo , de

que a r evoluç ão ass ina la a pass age m de um m od o de produç ão a ou t ro .

5 - Por f im, a no ção de revo luç ão po de tam bé m se apl icar a um aspec-

to exc lus ivamente cu l tura l , r e f e r indo- se a t r ans formações r ad ica i s

dos conce i tos a r t í s t i cos ou c ien t í f i cos dominantes numa de te rminada

época ( é nes te sen t ido , por exemplo , que se f a la em uma " revolução

copern icana" na Ciênc ia ) . / / No que concerne a inda à noção de r evo-

— 221 —

Page 223: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 223/238

Page 224: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 224/238

G l o s s á r i o

logotipo de um a empresa, ou a suástica com o símbolo do nazism o). C om

relação aos seus campos internos, a semiótica pode ser dividida em

  se -

mântica  (qu e exa m ina as re laçõ es entre os s igno s e o qu e e les repre-

sen tam) , a

 pragmática

  (que inves t iga a dep endê nc ia que o s ign i f icado

tem do s igno no que con cerne à sua funç ão ou ao seu contexto) e a  sin-

taxe  (que exam ina as re lações entre os signos propr iamen te di tos dentro

de um a abs t r ação inde pen den te de ap l icações na r ea l idade c oncre ta ) .

S i log i s m o .  Inferência de um a propo sição, ou "conclu são", a par t ir de du as

"premissas" , onde cada premissa tem um termo em comum com a con-

c lusão e um te rmo em co m um com a ou t r a premissa . O te rmo que não

oc or r e na c onc lus ã o é ha b i tua lm e n te de nom ina do " t e r m o m é d io" .

Ch am a-se "prem issa maior " , hab i tua lmente enunc iada em pr imei ro lu -

gar , aque la que contém o pred icado da conc lusão; e chama-se "pre -

m issa me no r" aque la que contém o su je i to da conc lusão . O su je i to da

"premissa maior " t ambém deve se r mais ge ra l que o su je i to da "pre -

m issa men or" , inc lu indo-o . U m exe m plo c láss ico de prem issa é o que

se segue : " todo s os ho m en s são mo r ta i s ; todos os gregos são h om ens ;

logo , todos os gregos são mor ta i s " (nes te caso , "homens" é o " te rmo

m éd io" , e a conc lusão r eúne o pred icado da "premissa ma ior " e o su je i -

to da "prem issa m eno r" ) .

S in c r ôn ic o .

  N o m e s m o t e m po , s im u l t â ne o . V e r  Diacrónico*.

S in t axe .  U m a das d imensões comp onentes da semiótica*,  conjuntamente

c o m a semântica*  e a pragmática.  Te m co m o obje to o es tudo das r e la -

ções e r egras de combinação dos e lementos l ingüís t icos , t endo em

vis ta a abordagem ou a cons t i tu ição de un idades va ráve is que são a

frase, o discurso, o texto, ou a narrativa, conforme o nível de descrição

semiót ica esco lh ido (ve r

  semiótica*

  e

  semântica*).

S i s t e m i s m o .

  A b o r d a g e m q u e a p l i c a n a s c i ê n c i a s h u m a n a s u m a c o m -

binação das concepções func iona l i s tas com a Teor ia dos S is temas .

E m bor a pa r t i ndo de a lgum a s p r opos i ç õe s f unc iona l i s t a s , o s i s t e m is -

mo de le se d i f e renc ia por cons idera r que todo s i s tema se ca rac te r iza

por uma ce r ta dose de conf l i to , t an to in te rna como ex te rnamente , no

c onf r on to de um s i s t e m a c om ou t r os . N e s t e s e n t ido , opõe - s e à t e n -

dê n c i a f unc iona l i s t a m a i s t ra d i c iona l de a pe na s e n f a t i z a r a f a c e c o n -

sensu a l e ha rm onio sa das soc iedade s . Por ou t ro lado , o s i s temism o d i -

f e renc ia - se das abordagens d ia lé t icas por não l ida r com os conf l i tos

não so luc ionáve is no âmbi to s i s têmico; i s to é , aque les conf l i tos que

a c a r r e t a r i a m na s upe r a ç ã o do s i s t e m a .

— 223 —

Page 225: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 225/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

T

T e m a .  1  - Obje to de es tudo ou de discussão. 2 - Qualquer coisa que se

p re st a a u m a e l a b o r a ç ã o p o s t e r i o r , n o s v á r i o s d o m í n i o s d o p e n -

s a m e n t o o u d a c o m u n i c a ç ã o h u m a n a . N a M ú s i c a, " d e s e n v o l v e r " u m

tema ou "var iá - lo" é explora r c r ia t ivamente as suas po tenc ia l idades ,

a p r e s e n t a ndo- o s uc e s s iva m e n te de nov a s m a ne i r a s . N a c om un ic a ç ã o

esc r i ta ou ora l , desenvolver um tema é aprofundar os seus aspec tos ,

examinar os seus desdobramentos , d i scu t i r a s suas impl icações . 3 -

Em uma tese (ou no pro je to de pesquisa ) o t ema cor responde ao uni -

ver so que se rá inves t igado a pa r t i r de procedimentos ca rac te r í s t i cos

do conhec imento c ien t í f i co . Deve- se , contudo , d i s t ingui r o  tema  d e

um a pe s qu i s a do assunto  a qu e ela se refe re. O Assunto  é já um reco r te

mais espec i f icado dent ro de um de te rminado campo de in te resses ou

de uma disc ipl ina , mas não chega a cons t i tui r a inda um   tema  propr ia -

men te d ito . Ass im, o as sunto "Con quis ta da A m ér ic a" já fo rnece um a

espec i f icação dent ro do campo de es tudos da His tór ia da Amér ica ,

m as a inda não é um tema . Já a " su je içã o dos pov os as tecas pe los co n-

quis tadores l ide rados por Fernando Cor tês" começa a adqui r i r ma ior

precisão, vindo a se cons t i tui r em um  tema  dentro do assunto antes

propos to . Para a e laboração de um a Tese , ex ig i r - se - iam a inda n ov os

recor tes pa ra a lém do tema , de m od o a se cheg ar f ina lm ente à form u-

lação de um problema*  ma is esp ecíf ic o qu e po de incidir ou se ver ins-

cr i to dentro des ta temát ica mais ampla .

Tendênc ia .  Inclinação, propensão, vocação. Também uti l izada para "ten-

dên cia filosófica" no sent ido de incl ina ção para dete rm inad o con jun to

de idéias , ou de " tendên cia his tó r ica " no sent id o de co nju nto de forças

ou a c on te c im e n tos que f a vo r e c e m de t e r m ina do p r oc e s s o ( po r e xe m -

plo , " tendê nc ia cen t r a l izadora" ) .

Te or ia .  Co rpo coeren te de pr inc íp ios , h ipó teses e conce i tos que passa m

a cons t i tu i r uma de te rminada v i são c ien t í f i ca do mundo. Conforme

Mar io Bunge , uma teor ia se r ia um "conjunto de propos ições l igadas

log icame nte en t r e si e que possuem re fe ren tes em c om um "  {Epistemo-

logia,  p .41) .

Te or ia d os G r a n d e s H om e n s .  Idéia de que o curso da his tór ia é mo-

de l a do pe l a a ç ã o de i nd iv íduos e xc e pc iona i s . E s t a t e o r i a a t i ng iu

um de seus pontos a l tos com a obra do h i s tor iador escocês Thomas

Car ly le , pa ra quem "a h i s tór ia do mundo não é nada mais que a b io-

gra f ia dos grandes homens" .

— 224 —

Page 226: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 226/238

Glossá r i o

Texto .  S imul taneamente um "obje to de s ign i f icação" e um "obje to de

comunicação cu l tura l en t r e su je i tos" . Es tes do is a spec tos na ve rdade

se co m ple m enta m : por um lado o tex to po de se r de f in ido pe la organi -

zação ou es t ru turaçã o q ue f az de le um a " to ta l idade de sen t ido" , e por

out ro lado po de se r de f in ido como o bje to de com un icaçã o qu e se es ta -

belece entre um des t inador e um des t inatár io . A tenta t iva de aval iar o

tex to na sua pr im ei ra d im ensão , a de "obje to de s ign i f icaçã o" , ge ra a

anál ise interna ou es t rutura l do texto (que pode ser empreendida por

apor tes t eór icos e metodológicos d i f e renc iados , sendo a semiót ica*

um a des tas poss ib i l idad es ) . A ava l iação do tex to com o "obje to de co-

municação" impl ica na aná l i se do contex to h i s tór ico- soc ia l que o en-

volv e e que , de a lgum a m ane i ra , a t ribu i - lhe sen t ido . Ne s te caso , em-

preen de- se a aná l i se ex te rna do tex to , que tam bé m p ode se r concre t i-

zada a t r avés de d i f e renc iados apor tes t eór icos e metodológicos . A in-

da com re lação à sua aná l i se ex te rna , o t ex to tamb ém pod e se r exami-

nado do ponto de v i s ta das in tenções ou das mot ivações pessoa is do

autor que o produz iu , ou daque les que de le se apropr iam imputan-

do- lhe no vo s sen t idos . A per spec t iva mais ú t i l pa ra a H is tó r ia é con -

s ide r a r o t e x to a pa r t i r da dua l ida de que o de f ine e nqua n to " ob j e to

de s ign i f icação" e "obje to de comunicação" . Por ou t ro lado , au tores

como Roland Bar thes cons ideram o tex to como um s i s tema au to- suf i -

c iente de s ignos cujo s ignif icado provém de suas inter - re lações , e não

de f a tores ex te rno s co m o a " in tenção do au tor " ou o seu "contex to de

pro duç ão" . A ss im , pa ra a pe r spec t iva es t ru tura li s ta de Roland Bar thes

as pa lavras , s ímbolos e imagens em in te ração c r iam s i s temas de s ig-

n i f ic ad os que r epe tem a es t ru tura da l ingua gem e r e f le tem as funç ões

socia is da mitologia .

T r a b a l h o .

  At iv idade humana ap l icada à produção de r iqueza ou dos

meios necessá r ios à produção e r eprodução da v ida humana .

U

U r b a n a  (Ecologia ) . Ver Escola de Chicago*.

V

V a r i á v e l .

  T e nno que t e m s ua o r ige m na M a te m á t i c a , onde s e r ve pa r a

d e s i g n a r u m a q u a n t i d a d e q u e p o d e a s s u m i r d i v e r s o s v a l o r e s , h a b i -

t ua lm e n te c on s ide r a do s e m r e l a ç ã o a ou t r os va lo r e s . E m e xpe r im e n-

tos c ien t í f i cos e em h ipóteses do t ipo ana l í t i co que são propos tas

— 225 —

Page 227: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 227/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

para compreender a r e lação en t re do is f a tores , chama-se "var iável

independente" àquela que, ao ser manipulada, espera-se que cause mo-

d i f icações na segunda, que é por i s to chamada de "var iável depen-

dente" . Pode ocor rer também a par t ic ipação de um terce i ro t ipo de

var iável , chamado de var iável " in termediár ia" ou " in tervenien te" ,

da qua l s e e spe r a p r o du z i r um e f e i to sob r e a r e l aç ão e n t r e a va r i á -

ve l independente e a var iável dependente .

— 226 —

Page 228: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 228/238

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A B B A G N A N O , N i c o l a .  Dicionário de Filosofia.  São Paulo : M ar t ins

Fontes , 2000 .

A R E N D T , H a n n a h .  Da Revolução,  São Paulo: Ática /UN B, 1998.

A R E N D T , H a n n a h .

  O Que é Política?

  Rio de Jane iro: Be rtrand Brasil ,

1990.

BACHELARD, Gas ton . "O Novo Espí r i to Cien t í f ico" . In  Os Pensado-

res,

  XXXVIII , São Paulo: Abril Cultural , 1974.

B A C H R A C H , A rt hu r J .

 Introdução à pesquisa psicológica.

  São Paulo:

EPU, 1975.

B A R R O S , J os é D ' A s s u n ç â o .

  O Campo da História.

  Petrópolis: Vozes,

2004.

B A R T H E S , R o l a n d . Mitid'oggi.  M ilano: Lerici , 1962.

BASTIDE, Roger (coord.) .

  Usos e sentidos do termo estrutura nas ciên-

cias humanas.

  São Paulo: He rder /ED US P, 1971.

BE HE , Michae l.

  A Caixa Preta de Darwin.

  Rio de Jane iro: Jorg e Zahar,

1997.

BELCHI OR, P r ocóp io G .O .

  Planejam ento e Elaboração de Projetos.

Rio de Janeiro: Companhia Edi tora Americana, 1972.

B L O C H , M a r c .

 Les caractères originaux de l'histoire rurale française.

Paris: A. Colin, 1952.

BONAZZI, Tiziano. "Mito Pol í t ico" . In BOBBIO, Norber to (org.) .

  Di-

cionário de Política.  Brasí l ia : UNB, 2000. p .754-762.

BOTTOMORE, Tom ( o r g . ) .

  Dicionário do Pensamento Marxista.

  Rio

de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

— 227 —

Page 229: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 229/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

BR AU DE L, F e rnando .

  O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na épo-

ca de Felipe II.

  São Paulo: Martins Fontes, 1984. 2 vol.

BRAUDEL, Fernando.

  Civilização Material, Economia e Capitalismo.

  São

Paulo: Martins Fontes, 1997. 3 vol.

B R A U D E L , F e r n a n d o .

 L 'identité de la France.

  P a r is : Ar thaud /F lam a-

rion, 1986. 3 vol.

B R A U D E L , F e rn a n do . Escritos sobre a História.  São Paulo: Perspect i -

va, 1978.

BR UIT , Héctor . "O Trauma de um a Conquis ta Anunciada". In G EB RA N ,

Philomena e Lemos M.T. (org.) .

 Am érica Latina: Cultura, Estado e So-

ciedade.  Rio de Janeiro: ANPHLAC, 1994.

BUNGE, Mar io .

 La investigación científica: su estrategiay su filosofia.

Barcelona: Ariel , 1976.

BUNGE, Mario. "Simplicidade no t rabalho teór ico". In  Teoria e Reali-

dade.  São Paulo: Perspectiva, 1974.

BUNGE, Mar io .

  Epistemologia.

  São Pau lo: T.A . Qu eiroz, 1982.

B U R G U I È R E , A n d r é .

 Dicionário das Ciências Históricas.

  São Pau lo:

Imago, 1993.

BURGES S , E .W . ; P ARK, E . ; McKENZI E , R .D .  The City.  Chicago:

University of Chicago Press, 1925.

BURKE, Peter (org.) . A Escrita da História - N ovas perspectivas,  São

Paulo: UNESP, 1992.

CARDOSO, Ci ro F lamar ion .

  Narrativa, Sentido e História.

  São Pau lo:

Papirus, 1997.

CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs .) .

 Dom ínios da

História.

  Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CARDOSO, Ciro Flamarion. "Histór ia da Agricul tura e Histór ia Agrá-

ria: perspectivas metodológicas e l inhas de pesquisa". In

  Agricultura,

escravidão e capitalismo.

  Petró polis: Vo zes , 1982.

CARDOSO, Ci ro F lamar ion .

  Os Métodos da História.

  Rio de Janeiro:

Graal, 1990.

— 228 —

Page 230: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 230/238

Page 231: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 231/238

O Pro je to de Pesqu isa em His tór ia

DU BY, Geor ges.

  O Dom ingo de Bouvines.

  Rio de Jane iro: Paz e Terra,

1993.

DURAND, Gi lber t .

  As estruturas antropológicas do Imaginário.

  Lis-

boa: Presença, 1989.

D Ü R K H E I M , É m i l e .

  O Suicídio.

  São Pau lo: M artin s Fon tes, 1999.

EAGLETON, Ter r y .

  Ideologia.

  São Paulo: U N ES P, 1997.

ECO, Umber to .

  Com o se faz uma tese.

  São Paulo: Perspectiva, 1995.

ELIAS, No rber t.

  O Processo Civilizador.

  Rio de Jane iro: Jorge Zah ar,

1990.

ENGELS, Friedrich. "Cartas a C. Schmidt e a F. Mehring". In FER-

NANDES, F lores tan (org . ) .

  Marx e Engels.

  São Pau lo: Átic a, 1984.

p. 455- 468.

FEB VR E, Lucien .

  Le problème de l'incroyance au XVIèm e siècle. La

religion de Rabelais.

  Paris: A lbin M ichel, 1962.

FEBVRE, Lucien . M artin Lutero: un destino.  México: Fondo de Cultu-

ra Económica, 1956 [seleção de capí tulos em Car los Guilherme Mota

(org.) .

  Lucien Febvre.

  São Paulo: Ática , 1978. p.81 -95].

FEBV RE, Lucien.

 C ombates pela História.

  São Paulo: Ed. U N ES P, 1992.

FER NA ND ES, F lores tan (org .) .

 Marx e Engels.

  São Paulo: Ática, 1984.

FERRARI, Alfonso Trujillo.

 Metodologia Científica.

  São Paulo: McGraw-

Hill, 1982.

FERREIRA, Auré l io Buarque de Holanda .  Novo Dicionário da Língua

Portuguesa.

  Rio de Janeiro: N ova Fronteira, 1975.

FEYERABEND, Paul .

 C ontra o Método.

  Rio de Janeiro: Francisco A lves,

1989.

F O U C A U L T , M i c h e l .  Microfisica do Poder.  São Paulo: Graal, 1985.

F OUCAULT, Miche l . As Palavras e as Coisas.  São Paulo: Martins Fon-

tes, 1998.

F O U C A U L T , M i c h e l .

  Arqueolog ia das Ciências e História dos Siste-

mas de Pensamento.

  Rio de Janeiro: Fore nse U nive rsitár ia, 200 0.

FREY RE, G ilber to .

  O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do sé-

culo XIX.  São Paulo: Brasiliana, 1988.

— 230 —

Page 232: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 232/238

Referênc ias B ib l iográ f i cas

FREUD, S igmund.

  Moisés e a Religião Monoteísta

  [1939]. Lisboa : Gui-

marães, 1990.

FREUD, S. "Além do pr incípio do prazer" [1920] . In

  Obras Psicológi-

cas Com pletas de Sigmund Freud.

  Rio de Janeiro: Imago, 1974-1977.

FU RE T, François e OZ OU F, M ona (orgs. ).

 Dicionário Crítico da Revo-

lução Francesa.

  Rio de Janeiro: No va Fronteira, 1989.

F UR ET, F r anço is .

  A Oficina da História.

  Lis boa : G radiv a, 1991. v. I .

FU RE T, François e OZ OU F, M ona (orgs. ).

 Dicionário Crítico da Revo-

lução Francesa.

  Rio de Janeiro: No va Fronte ira, 2000 .

GE B AR A, A demi r , M AR TI NS , H .N . e ou tr os.

 História Regional: uma

discussão.

  Cam pinas : UN ICA M P, 1987 .

GIL , Antônio Carlos.

 Com o elaborar projetos de pesquisa.

  São Paulo: Atlas,

1996.

GIN ZB UR G, Car lo . "Prefác io à ed ição i ta l iana" em

  O Queijo e os Ver-

mes.

  São Paulo: Cia. das Letras, 1989.

G I N Z B U R G , C.

 A Micro-H istória e outros ensaios.

  Lisboa: Difel, 1991.

GINZBURG, C. "Provas e possibi l idades à margem de ' i l r i torno de

Mart in Guerre ' , de Natal ie Zemon Davis" . In A Micro História e ou-

tros ensaios,

  Lisb oa: DIFE L, 1991. p. 179-202.

G O D E L I E R , M a u r i c e .  Horizons, trajets marx istes en anthropologie.

Paris: F. Maspéro, 1973.

GOODE, W i l l i am e HATT, P au l K .

  Métodos em Pesquisa Social.

  São

Paulo: Companhia Edi tora Nacional , 1968.

G O R E N D E R , J a c o b .

  Escravismo Colonial.

  São Paulo: Ática, 2001.

GO RE ND ER , Jacob. "Quest ionam entos sobre a teoria econômica do es-

cravism o colonial" . In Estudos Económicos,  XIII , n° 1,19 83 . p.7-39.

G R A M S C I , A n to n io .

  Cadernos do Cárcere.

  Rio de Janeiro: Civilização

Brasi lei ra , 2001. 3 vol . Tradu ção de Car los Ne lson Cou tinho.

GR AW I TZ, Made le ine .

  Métodos y técnicas de las ciências sociales.

  Bar-

celona: Hispano Europea, 1975.

G RE ND I, Edoardo . "Microan al is i e s tor ia sociale" . In Quaderni storici,

n° 35. Roma: maio-agosto de 1977.

— 231 —

Page 233: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 233/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

GR UZ INSK I . "Acontec im ento , b i furcação , ac iden te e acaso . .. observa-

ções sobre a história a partir das periferias do Ocidente". In MORIN,

Edg ar (org.).

 A Religação dos Saberes.

  Rio de Janeiro: Be r trand B ra-

sil , 2001. p.359-368.

GU SD OR F. "A Interdisciplinar idade". In

 Revista de Ciências Hum anas,

v. I, n° 2, jul./set. Rio de Janeiro, 1977.

HARRIS, Ch. e ULLMAN, E .L . "The Nature of Ci t ies" . In

 Anna les of

Am erican Academy of Political and Social Science,

  CCLII . New York:

1945.

HOBSBAWM, Er ic . "O Presen te como His tór ia" . In

  Sobre História.

São Paulo: Cia. das Letras, 2000. p.243-255.

HOYT, H .Y .  The Structure and Grow th of Residential Neighbourhoods

in Am erican Cities.

  Washington: U.S. Gov. Pr int ing Off ice, 1939.

HIL L, Christopher. O Mundo de Ponta-Cabeça.  São Pau lo: Cia. da Letras,

1991.

HILL, Chr is topher .  O Eleito de Deus.  São Pau lo: Cia. das Le tras, 200 1.

H UN T, E.H. "Th e new econom ic his tory: Professor Fo ge l ' s s tudy of the

American railways". In History, vol. LIII , n° 177, fevereiro de 1968.

JAPIASSU, Hi l ton .

  Interdisciplinaridade e patologia do saber.

  Rio de

Janeiro: Imago, 1976.

KAP LAN, Abr aham.

 A conduta na pesquisa: metodo logia para as ciên-

cias do comportamento.  São Paulo: He rder /Edusp , 1969.

K ON OW LT ON , James e CA TE S, Truet t (o rgs .) .

 Forever in the shadow

of Hitler?

  New Jersey: Atlantic Highlands, 1993.

KRANTZ, Freder ick .

  History from Below: Studies in Popular Protest

and Popular Ideology.  Oxford: Ed. Frederick Krantz, 1988.

KUHN, Thomas S . A Estrutura das Revoluções Científicas.  São Pau lo:

Perspectiva, 1990.

LA CC OU TU R E, Jean. "A história imediata". In Jacques LE GO FF (org.).

A História Nova.

  São Paulo: Martins Fontes, 1990. p.215-240.

LADURI E , Emmanue l Le Roy .  Histoire du climat depuis l'an m il.  Pa-

ris: Flamarion, 1967.

Page 234: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 234/238

n

Referênc ias B ib l iográ f i cas

LAKATOS , I mr e e MUS GRAVE, A . ( o r g . ) .

  A crítica e o desenvolvi-

mento do conhecimento.

  São Pau lo: Cu ltr ix, 1979.

LA KA TO S , Eva Mar ia e M AR CO NI , Mar ina de Andr ade .

  Metodologia

Científica.

  São Paulo: Atlas, 2000 .

LALANDE, Andr é .

  Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia.

  São Pau-

lo: Martins Fontes, 1999.

LE GOF F , J acques .  São Francisco de Assis.  Rio de Janeiro: Record,

2001.

LE GOFF, Jacques (org.) . A História Nova.  São Paulo: Martins Fontes,

1990.

LE GOFF, Jacques .

  São Luís.

  Rio de Janeiro: Record, 1999.

LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre .  Novos problemas, novas aborda-

gens e novos objetos.

  Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

LE ITE , Mir iam L ifchi tz M oreira . "O Per iódico: var iedade e t ransform a-

ção" .  Anais do Museu Paulista.  São Pau lo: U SP , 28: 137-151, 1977.

L E Ó N - P O R T I L L A , M i g u e l . A Visão dos Vencidos-A tragédia da con-

quista narrada pelos astecas.

  Porto Alegre: LPM, 1987.

LIPIETZ, Ala in .  Le capital et son espace.  Paris: Maspero, 1977.

LÓP EZ, F e r não .  Crônica de el-Rei D. João.  Lisboa: Imprensa Nacio-

nal /Casa da Moeda, 1973.

L Õ W Y , M i c h ae l.

 Ideologias e Ciência Social.

  São Paulo: Co rtês, 1995.

M AR TI NS , Ana Lu íza .

 Revistas em Revista.

  São Paulo: ED US P, 2001.

MARTINS, Rober to Borges . "Minas Gerais , século XIX: t ráf ico e ape-

go à escravidão numa economia não-expor tadora" . In

 Estudos Econô-

micos,

  XIII, n° 1, 1983. 181-209.

MARX, Kar l .

 Form ações Econômicas Pré-Cap italistas.

  Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1994.

MARX, Kar l .

  Miséria da Filosofia.

  São Paulo : M and aca ru, 1990.

M A R X , Kar l . "Para a Cr í t ica da Econom ia Pol í t ica" . In

 Os Pensadores,

vol. XXXV. São Paulo: Abril Cultural , 1974. p. 107-263.

MARX, Kar l . "O 18 Brumário de Luís Bonapar te" . In

  Os Pensadores,

vol. XXXV. São Paulo: Abril Cultural , 1974. p. 329-410.

— 233 —

Page 235: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 235/238

O Projeto de Pesquisa em Histór ia

M AR X, Karl .

  O Dezoito Brumário e Cartas a Kugelmann.

  Rio de Janei-

ro: Paz e Terra, 1997.

MARX, Kar l e ENGELS, Fr iedr ich .  Manifesto do Partido Com unista.

Petrópolis: Vozes, 1978.

M AR X, Kar l e EN GE LS, Fr iedr ich .

 A Ideologia Alemã.

  Rio de Janeiro:

Martins Fontes, 1989.

M AR TIN S, H.N. "Espaço , Es tado e Região : novos e lementos teór icos" .

In

 História Regional: uma discussão.

  Cam pinas : UN I CA M P , 1987.

MERTON, Rober t K . Sociologia: teoria e estrutura.  São Paulo: M estre

Jou, 1970.

MORI N, Edgar .

  Ciência com consciência.

  Rio de Jane iro: Be r trand do

Brasil , 1996.

NAGEL, Ernes t . "Os Condic ionais Cont rafa tua is" . In

  The Structure of

Science, Problem s in the Logic of Scientific Explanation.  Ne w York:

Harcourt Brace Janovich, 1961.

NIETZSCHE, Fr iedr ich . "Sobre a verdade e a ment i ra no sen t ido ex-

tramoral". In

 O s Pensadores.

  X XX II. São. Pau lo: Ab ril Cu ltural, 1974.

OS GO OD , C.E . "The represen ta tional model and re levant method s" em

I. de So la Poo l (ed.).

  Trends in content analysis.

  Urbana: Univers i ty of

Illinois Press, 1959.

OUTHW AI TE, W i l l i am e BOTTOMORE, Tom ( o r gs . ) .

  Dicionário do

Pensamento Social do século XX.

  Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

PASQUINO, Gianf ranco . "Revolução" . In Norber to BOBBIO e t a l i i ,

Dicionário de Política.

  Brasí lia : U N B , 2000 .

PATLAGEAN, Evelyne . "A h is tór ia do Imaginár io" em LE GOFF, J .

{org.). A História Nova .  São Paulo: Martins Fontes, 1990. p.291-318.

PESEZ, Jean-Marie. "História da Cultura Material". In Jacques LE GOFF

(org.).

 A História Nova.

  São Paulo: M artins Fonte s, 1990, p. 177-213.

PO M IAN , Krzystof . "A Histór ia das Estruturas" . In LE GO FF, Jacques,

CH AR TIE R, R oger e RE VE L, Jacques (orgs .) .

 A Nova História.

  Co im-

bra: Alm edina , 1990. p. 183-208.

POPPER, Kar l . A  Lógica da Pesquisa Científica.  São Paulo: Cu ltr ix,

1995.

— 234 —

Page 236: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 236/238

PUGLIESI , Mare io e BINI , Edson

  et al. Pequeno Dicionário Filosófi-

co.

  São Paulo: Hemus, 1977.

R A D C L I F F E - B R O W N , A . R .

 Estrutura e função na sociedade primiti-

va.

  Petrópolis: Vozes, 1973.

REIS, José Car los .

 Nouvelle Histoire e o tempo histórico - A contribui-

ção de Febvre, Bloch e Braudel.

  São Pau lo: Átic a, 1994.

RE VE L, Jacques.

 Jogos de Escalas: a experiência da microaná lise.

  Rio

de Janeiro: Fundação Getúl io Vargas , 1998.

R I B E I R O , M o n i k e G a r c i a .  A paisagem artística no Brasil com o uma

questão estratégica da mem ória - O olhar de dois pintores da missão

artística francesa: Jean Baptiste Debret e Nicolas Antoine Taunay .

Rio de Janeiro: UNI-RIO, 1999.

ROCHA, Cla r a .

  Revistas Literárias do século XX em Portugal.

  Lisboa:

Imprensa Nacional , 1985.

ROMANO, Ruggiero (d i r . ) .

  Enciclopédia Einaudi.

  Lisboa: Imprensa

Nacional /Casa da Moeda, 1984. 41 volumes.

SARTRE, Jean-Paul .

  A Imaginação.

  São Paulo: N ov a Cu ltural , 1987.

SARTRE, Jean-Paul .  L'Imaginaire.  Paris: Ga llimard , 1940.

SEV ERIN O, Antônio Joaquim. M etodologia do Trabalho Científico.  São

Paulo: Cor tez, 2000.

THOMPSON, E.P. "Lucha de clases s in clases" . In  Tradición, Revue lta

y Consciência de Classe.

  B arce lon a: Editorial Crítica , 1989. p. 13-61.

T H O M P S O N , E . P .

 A Formação da Classe O perária Inglesa.

  Rio de Ja-

neiro: Paz e Terra, 1987.

T O D O R O V , T z v e t a n .

  A conquista da Am érica - A questão do outro.

São Paulo: Martins Fontes, 1993.

T U C Í D I D E S .

  História da Guerra do Peloponeso.

  Brasíl ia: Editora UNB,

1985

U R U N G , M . C .

  D'Analyse de contenu et acte de parole.

  De large: Ed.

Universitaires, 1974.

VERÓN, E l i s eu .

 A Produção do Sentido.

  São Paulo: Cultrix, 1980.

Page 237: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 237/238

Page 238: BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

8/10/2019 BARROS, José D'Assunção. Projeto de Pesquisa Em História.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barros-jose-dassuncao-projeto-de-pesquisa-em-historiapdf 238/238

O f io cond utor deste l ivro é a elabo ração de

um

  Projeto de Pesquisa em História.

  A o

avançar em sua leitura, o estudante e o

pesquisador entrarão em contato com vár ios

aspectos que envolvem uma Pesquisa em

Histór ia, desde a escolha do tema até a

formulação de h ipóteses e a e laboração de

um Q uadro Teórico ade qu ad o à pesquisa. A