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Obtenção de Grãos Ferríticos Ultrafinos em Aço Baixo Carbono Através de
Tratamento Termomecânico a morno
J. Gallego1; O. V. Silva Neto2; A. M. Jorge Jr2; O. Balancin2
1) Departamento de Engenharia Mecânica, UNESP - Ilha Solteira – SP.
2) Departamento de Engenharia de Materiais, UFSCar- São Carlos – SP.
Resumo
Investiga-se o refino de grão em um aço baixo carbono aplicando deformações a
morno em amostras com partículas de cementita finamente dispersas em uma matriz
ferrítica (martensítica). A microestrutura inicial foi obtida com a formação de cementita
globular através de tratamentos térmicos de têmpera e revenimento, e a deformação a
morno foi aplicada através de ensaios de torção. Para caracterizar a evolução
microestrutural durante a deformação, realizaram-se ensaios com a interrupção da
deformação em níveis pré-determinados. Antes de iniciar a deformação, observações
realizadas com microscopia eletrônica de transmissão (MET) indicam que a
microestrutura consistia de ripas de martensita, com elevada densidade de discordâncias
em seu interior. Após grandes deformações, observam-se partículas de cementita
finamente dispersas em uma matriz ferrítica com grãos ultrafinos, com tamanho médio
próximo a 1 μm. Medições realizadas com a técnica EBSD (Electron Backscattered
Diffraction) indicam que a proporção de contornos de alto ângulo aumenta com a
deformação, alcançando valores próximos a 70 %. O refinamento microestrutural é
atribuído à subdivisão de grãos e à presença de partículas finamente dispersas que
ancoram os contornos.
Palavras-chave: Grãos Ultrafinos, Aço Baixo Carbono, Deformação a Morno,
Martensita.
Introdução
O grande volume de pesquisas realizadas nas últimas décadas em materiais
metálicos têm levado a novas descobertas científicas e conseqüentemente a inovações
tecnológicas. Vários pesquisadores (1-6) têm investigado nos últimos anos a formação de
grãos ultrafinos na ferrita em aços baixo-carbono baixa-liga. Essas pesquisas estão
apoiadas em fenômenos e mecanismos recentemente descobertos, como a formação de
subgrão/grão por deformações severas à temperatura ambiente (1,2), a transformação
dinâmica de fase induzida por deformação (3) e a recristalização dinâmica contínua da
ferrita em altas temperaturas (4,6). De forma similar aos aços microligados, a
microestrutura final deve ser obtida durante o processamento, eliminando tratamentos
térmicos posteriores.
Jonas e colaboradores (6) simulando a laminação a morno de aço livre de
intersticiais (IF) através de ensaios de torção obtiveram uma microestrutura ferrítica
ultrafina com tamanho médio de 1,3 μm. A recristalização dinâmica da ferrita foi
considerada ser a principal causa do refino microestrutural. Todavia, a aplicação de
deformações severas a morno são muito difíceis em escala industrial. Assim, surge como rota
alternativa a deformação da ferrita com partículas globulares de cementita (7). É bem
conhecido que durante o reaquecimento, dentro do domínio ferrítico, de amostras de aço
baixo carbono temperadas tem-se a transformação da estrutura martensítica em uma matriz
ferrítica com partículas de cementita finamente dispersas. Esta transformação envolve a
segregação de átomos de carbono em defeitos da rede cristalina, a precipitação de carbonetos,
a recuperação e a recristalização da estrutura martensítica.
Em aços baixo carbono a microestrutura martensítica tem a forma de ripas e a
subestrutura é formada com alta densidade de discordâncias arranjadas na forma de células.
A densidade de discordâncias é similar à encontrada em amostras submetidas a deformações
severas à temperatura ambiente. Assim, pode-se esperar que a deformação da martensita em
temperaturas próximas de AE1 acelere o processo de transformação, conduzindo a ferrita à
recristalização, refinando o tamanho dos grãos. A obtenção de microestruturas ultrafinas
aumentaria significativamente a resistência mecânica dos aços baixo carbono baixa liga e,
assim, expandiria o campo de aplicações dos mesmos. Também, vale notar que o
processo de reciclagem desses materiais é mais simples, uma vez que os elementos
químicos presentes nas ligas são Fe-C-Mn-Si e algumas impurezas comuns aos aços.
Materiais e Procedimentos experimentais
O material utilizado neste trabalho foi o aço Cosar 60 fornecido pela Companhia
Siderúrgica Paulista (Cosipa S.A). Este material é um aço baixo carbono baixa liga, como
indica a composição química apresentada na Tabela 1. A microestrutura de partida,
composta por uma matriz martensítica com partículas de cementita, foi obtida através de
tratamentos térmicos de têmpera e revenimento. Amostras foram austenitizadas a 900 °C
por 30 minutos e resfriadas bruscamente em água. O revenimento foi realizado com o
reaquecimento das amostras a 685°C, temperatura logo abaixo de AE1, por uma hora.
Após este tratamento térmico, amostras foram submetidas a ensaios de torção a morno.
Tabela 1 - Composição química do aço utilizado
C Mn Si Al S P V Ni Cu
0,16 1,34 0,46 0,038 0,009 0,019 0,03 0,23 0,012
As deformações foram realizadas utilizando-se uma máquina de ensaios de torção
a quente controlada por um computador. As amostras, com diâmetro de 8 mm e
comprimento de 12 mm na região útil, foram aquecidas por meio de um forno de radiação
infravermelha acoplado à máquina de ensaios. Termopares de Chromel-alumel foram
utilizados para medir a temperatura dos corpos de prova durante os ensaios. Para evitar a
oxidação durante os ensaios, as amostras foram envolvidas por uma atmosfera de argônio
circundada por um tubo de quartzo. Este tubo também foi utilizado para injetar água
imediatamente após a deformação para congelar as microestruturas obtidas. Os dados
foram coletados por um programa de computador que impõem os parâmetros de teste tais
como a temperatura, o tempo de espera e a quantidade de deformação.
Dois conjuntos de experimentos foram realizados. No primeiro, amostras foram
reaquecidas até 685 °C, mantidas nesta temperatura por 15 minutos, deformadas
continuamente até fratura com taxa de deformação de 0,1 s-1 e em seguida resfriadas até a
temperatura ambiente. No segundo conjunto de experimentos, amostras foram
reaquecidas até 685 °C, mantidas nesta temperatura e temperadas após diferentes
intervalos de tempo ou deformadas até diferentes níveis de deformação e resfriadas
bruscamente em água.
Resultados
A microestrutura observada através de microscopia ótica após a solubilização e
têmpera é mostrada na Figura 1a. Vê-se nesta figura que a microestrutura consiste de
ripas de martensita formando blocos e pacotes. Nesta foto, ainda não é observada a
presença de partículas de cementita. A Figura 1b mostra a microestrutura obtida após
uma hora de revenimento a 685 °C. Parte dos contornos de ripas não são mais observados
e podem ser vistas partículas de cementita, indicando que o processo de transformação da
martensita já havia iniciado.
(a) (b)
Figura 1 - Fotomicrografias óticas mostrando a evolução microestrutural durante os
tratamentos térmicos. (a) amostra temperada e (b) amostra revenida por 1 hora a 685 °C.
A presença de partículas de cementita decorando contornos e no interior de ripas
podem ser vistas com maior clareza na microestrutura observada por microscopia
eletrônica de transmissão mostrada na Figura 2. Também, pode-se ver nesta foto que já
iniciou um processo de subdivisão das ripas, formando contornos internamente nas ripas.
Figura 2 – Fotomicrografia obtida por MET mostrando área contendo ripas de cementita
alinhadas, com elevada densidade de discordâncias em seu interior. Há a presença de
partículas de cementita.
A Figura 3a mostra o mapa de orientação obtido por EBSD de uma amostra
temperada e revenida por uma hora. Pode-se ver nesta figura uma microestrutura
composta de ripas de martensita, formando blocos e pacotes. Uma parte significativa dos
contornos de ripas separa regiões com baixa desorientação. E também, que houve a
fragmentação de algumas ripas, gerando novos contornos. A presença de contornos de
baixo e alto ângulo pode ser vista na Figura 3b. A Figura 3c indica que 59% dos
contornos são de alto ângulo.
A Figura 4 mostra a curva de escoamento plástico obtida em um ensaio de torção
realizado a 685 °C com taxa de deformação de 0,1 s-1 com deformação até a fratura. A
curva tem uma forma peculiar; encruamento rápido até uma corcova, seguido por uma
região de extenso amaciamento, sugerindo um estado estacionário após grandes
deformações. Esta curva tem a forma característica das apresentadas por estruturas
instáveis; conforme a deformação prossegue a estrutura tende para o equilíbrio.
(a)
(b)
10 20 30 40 50 600,00
0,02
0,04
0,06
0,08
0,10
0,12
0,14
0,16
0,18
Fraç
ão n
umér
ica
Ângulo de desorientação [ο] (c)
Figura 3 – Mapas de EBSD obtidos em uma amostra temperada e revenida por 1 hora a
685oC. (a) mapa de orientação onde os grãos são mostrados em contraste de Euller; (b)
contornos de grão; e (c) freqüência de distribuição de ângulos de desorientação.
0
50
100
150
200
250
300
0 2 4 6
Deformação Verdadeira
Tens
ão V
erda
deira
(MPa
)
Figira 4 – Curva de escoamento plástico obtida em um ensaio realizado com taxa de
deformação de 0,1 s-1 após têmpera e revenimento a 685 °C por uma hora.
A microestrutura obtida após a deformação está mostrada na Figura 5. A micrografia
mostrada em 5a, obtida por microscopia ótica, revela uma microestrutura composta de
grãos ferríticos bastante finos. A micrografia obtida por microscopia eletrônica de
varredura, mostrada em 5b, indica que os grãos são equiaxiais e com tamanho médio
próximo a 1 µm. Também, pode-se observar a presença de um grande número de
partículas finamente dispersas distribuídas nos contornos e dentro dos grãos.
(a) (b)
Figura 5 - Microestruturas da amostra deformada até a fratura a 685 °C com taxa de
deformação de 0,1 s-1 após 1 hora de revenimento. (a) MO; (b) MEV.
As partículas de cementita podem ser vistas com maior clareza através de
microscopia eletrônica de transmissão, como mostrado nas Figuras 6 e 7. Vê-se nestas
figuras que os glóbulos de cementita podem ser separados em dois conjuntos: (i)
partículas alongadas e alinhadas com a direção de deformação com tamanho médio
próximo a 0,2 µm e (ii) partículas menores distribuídas aleatoriamente. As partículas
maiores se formaram durante a têmpera e revenimento e, ao serem deformadas,
coalesceram e se alinharam com a direção de deformação, enquanto que as menores são
formadas durante a deformação.
Tanto a Figura 5b quanto a Figura 6 mostram a presença de contornos separando
pequenos volumes de ferrita. A questão imediata é determinar se os contornos são de alto
ou baixo ângulo. A Figura 8 mostra os resultados obtidos com a técnica EBSD. Vê-se em
8a que os grãos/subgrãos têm uma granulação bastante fina, próximo a 1 µm. As Figuras
8b e 8c indicam que 73% dos contornos são de alto ângulo e 26,4 de baixo ângulo. Esta
fração de contornos de alto ângulo é característica de materiais recristalizados.
Figura 6 – Fotomicrografia obtida por MET na amostra revenida por uma hora e
deformada até a fratura com taxa de 0,1 s-1 a 685 °C. Aspecto típico da microestrutura
constituída por grãos equiaxiais de ferrita finos e partículas de cementita.
Figura 7 – Imagem tratada (binarização) mostrando a distribuição das partículas de
cementita na amostra revenida e deformada até a fratura a 685 °C. Número de partículas:
715. Tamanho médio: 0,117 μm. Densidade de partículas: 29,1 partículas/μm3. Distância
média entre partículas: 0,180 μm
A Figura 9 apresenta resultados obtidos por EBSD em amostras ensaiadas a
685°C com a deformação interrompida em diferentes níveis. Vê-se que inicialmente a
fração de contornos de alto ângulo aumenta com a deformação, mas tende a se tornar
constante após deformações maiores que 2,0. Isto sugere que existe uma deformação
mínima necessária para se obter microestruturas recristalizadas.
Discussão
Com as observações microestruturais realizadas em amostras temperadas e
revenidas pode-se afirmar que antes do início da deformação o processo de transformação
da martensita já estava em andamento. A presença de partículas de cementita indica que
houve difusão segregando o carbono em defeitos da rede cristalina e formando
precipitados. A presença de uma fração significativa de contornos de baixo ângulo é um
indicativo que o processo de rearranjo de discordâncias formando células e subgrãos já
estava em andamento e que houve alguma subdivisão de ripas de martensita.
10 20 30 40 50 600,00
0,01
0,02
0,03
0,04
0,05
0,06
0,07
0,08
Fraç
ão n
umér
ica
Ângulo de desorientação [o]
(b) (c)
Figura 8 – Mapas de EBSD obtidos em uma amostra deformada até a fratura a 685 oC
com taxa de 0.1s-1 após têmpera e revenimento por 1 hora a 685oC. (a) mapa de
orientação onde os grãos são mostrados em contraste de Euller; (b) contornos de grão; e
(c) freqüência de distribuição de ângulos de desorientação.
É bem conhecido e aceito universalmente que os mecanismos de recuperação
dinâmica são suficientes para estabelecer o equilíbrio dinâmico entre as taxas de geração
e aniquilação de discordâncias durante a deformação a quente da ferrita. Assim, o
processo de recristalização dinâmica (descontínua) não deve ter ocorrido durante a
deformação a morno. Todavia, após grandes deformações observou-se que a fração de
contornos de alto ângulo é significativa (73%), sugerindo que a ferrita estava
recristalizada.
0 1 2 3 4 5 60
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Con
torn
os d
e al
to â
ngul
o [%
]
Deformação Total
Figura 9 – Dependência da proporção de contornos de alto ângulo com a quantidade de
deformação.
Tendo em mente que antes de iniciar a deformação tem-se um processo de
subdivisão de grãos, pode-se esperar que este processo continue durante a deformação.
Assim, as células e subgrãos formados são transformados em grão com o prosseguimento
da deformação, gerando uma microestrutura extremamente fina. Também, pode-se
esperar que as partículas de cementita que se formam (i) devam facilitar o processo de
rotação dos subgrãos, acelerando o processo de formação de novos grãos. E, uma vez
completada a deformação plástica, (ii) as partículas presentes devem inibir o crescimento
dos grãos formados.
Conclusões
A deformação realizada a morno da estrutura martensítica revenida iniciou com o
processo de transformação da martensita em ferrita em andamento.
O alto índice da fração de contornos de alto ângulo indica que após grandes
deformações a ferrita está recristalizada.
A obtenção de grãos ferríticos ultrafinos (tamanho médio próximo a 1 μm) pode
ser associado à transformação dinâmica da martensita em ferrita induzida por
deformação.
Agradecimentos
Os autores agradecem às agências Brasileiras de Financiamento à Pesquisa CNPq
e FAPESP pelo apoio financeiro.
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Ultragrain refinement of low carbon steel by warm deformation of
martensite
Abstract
Grain refinement of a low carbon steel through warm deformation of annealed
lath martensite was investigated. An initial microstructure composed of a martensite
matrix with dispersed cementite particles was attained by quenching and tempering.
Samples were warm strained by torsion at 685 °C with strain rate of 0.1 s-1. Interrupted
deformation at different levels was conducted in order to characterize the microstructure
evolution upon straining. At the beginning of straining, lath martensite with high
dislocation density was observed by transmission electron microscopy (TEM). After
large deformation, dispersed cementite particles were observed within a ferrite matrix
with ultrafine grains (grain size close to 1 μm). EBSD measurements indicated high angle
grain boundary fraction increases with deformation, and value close to 70% were
determined. The microstructure refinement was associated to grain subdivision and the
presence of finely dispersed cementite particle, which can pin boundaries.