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1 BACHAREL EM DIREITO LOTADO COMO FISCAL DE POSTURAS E QUE EXERCE O CARGO DE DIRETOR DE DIVISÃO EM PREFEITURA PODE SE INSCREVER NA OAB? Os incisos do artigo 28 da Lei 8906 de 1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB) são de aplicação restrita. O inciso III unicamente pode agravar as situações nele previstas e desde que o bacharel ou o bacharelando em direito detenha legal e relevante poder de decisão direta sobre interesse de terceiras pessoas externas ao órgão onde ocupar cargo ou função de direção. O inciso VII não pode agravar a situação do bacharel ou bacharelando em direito ocupante de cargo de agente fiscal de serviços públicos (FISCAL DE POSTURAS), cuja atividade NÃO tem competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e de contribuições parafiscais. Ultimamente e de forma insistente, venho recebendo consultas sobre o tema das incompatibilidades com o exercício da advocacia. Recentemente analisei um caso cujo interessado informava ser bacharel em direito com aprovação em exame de ordem, porém exercia o cargo de DIRETOR DE DIVISÃO em uma prefeitura, mas era concursado como FISCAL DE POSTURAS na mesma prefeitura. A questão posta à análise e que este artigo pretende enfrentar é se, à luz dos incisos do artigo 28 do Estatuto da Advocacia e da OAB Lei 8906/1994, bacharel ou bacharelando em direito em

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Os incisos do artigo 28 da Lei 8906 de 1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB) são de aplicação restrita. O inciso III unicamente pode agravar as situações nele previstas e desde que o bacharel ou o bacharelando em direito detenha legal e relevante poder de decisão direta sobre interesse de terceiras pessoas externas ao órgão onde ocupar cargo ou função de direção. O inciso VII não pode agravar a situação do bacharel ou bacharelando em direito ocupante de cargo de agente fiscal de serviços públicos (FISCAL DE POSTURAS), cuja atividade NÃO tem competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e de contribuições parafiscais.

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BACHAREL EM DIREITO LOTADO COMO FISCAL DE

POSTURAS E QUE EXERCE O CARGO DE DIRETOR DE DIVISÃO

EM PREFEITURA PODE SE INSCREVER NA OAB?

Os incisos do artigo 28 da Lei 8906 de 1994 (Estatuto

da Advocacia e da OAB) são de aplicação restrita. O

inciso III unicamente pode agravar as situações nele

previstas e desde que o bacharel ou o bacharelando em

direito detenha legal e relevante poder de decisão direta

sobre interesse de terceiras pessoas externas ao órgão

onde ocupar cargo ou função de direção. O inciso VII

não pode agravar a situação do bacharel ou

bacharelando em direito ocupante de cargo de agente

fiscal de serviços públicos (FISCAL DE POSTURAS),

cuja atividade NÃO tem competência de lançamento,

arrecadação ou fiscalização de tributos e de

contribuições parafiscais.

Ultimamente e de forma insistente, venho recebendo

consultas sobre o tema das incompatibilidades com o exercício da

advocacia. Recentemente analisei um caso cujo interessado informava

ser bacharel em direito com aprovação em exame de ordem, porém

exercia o cargo de DIRETOR DE DIVISÃO em uma prefeitura, mas era

concursado como FISCAL DE POSTURAS na mesma prefeitura.

A questão posta à análise e que este artigo pretende

enfrentar é se, à luz dos incisos do artigo 28 do Estatuto da Advocacia e

da OAB – Lei 8906/1994, bacharel ou bacharelando em direito em

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situação funcional como a acima mencionada pode requerer com êxito a

inscrição dele no Quadro de Advogados ou de Estagiários da OAB.

Em análise preliminar, aparentemente as duas situações

funcionais apresentadas seriam incompatíveis com o exercício da

advocacia. A incompatibilidade, na dicção do artigo 27 da Lei

estatutária, é a proibição total para o exercício da advocacia, enquanto

que o impedimento é a proibição parcial. O cargo de DIRETOR DE

DIVISÃO seria incompatível pelo que contém inciso III-28 e a função de

FISCAL DE POSTURAS pelo que contém o inciso VII-28. Mas é

necessário se aprofundar sobre o tema para uma conclusão definitiva.

Vejamos.

Informa o Estatuto profissional, in verbis:

Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa

própria, com as seguintes atividades:

(...)

III - ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da

Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e

em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço

público;

(...)

VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência

de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e

contribuições parafiscais.

A documentação fornecida pelo RH da prefeitura, na

qual se encontra lotado o bacharel em questão, demonstra claramente

que o cargo de DIRETOR DE DIVISÃO não dá qualquer poder de

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decisão relevante sobre interesse de terceiros ao ocupante. Pela

documentação fica claro que esse poder se encontra com o Secretário de

Administração a quem se subordina o pretendente. Encaixando-se,

portanto, perfeitamente no que preceitua o § 2° do artigo 28, do referido

Estatuto, in verbis:

§ 2º Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não

detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a

juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração

acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.

Convém ressaltar que a detenção desse poder de

decisão sobre interesse de terceiras pessoas é submetido

obrigatoriamente à análise da Comissão de Seleção e Inscrição da OAB.

Portanto, a não incidência de tal poder deve ser muito bem demonstrada

por documentos idôneos emitidos pelo setor competente da entidade

pública, estatal ou paraestatal na qual o requerente se encontrar lotado.

É bom frisar que o poder que interessa ao analista da

OAB é o poder exercido sobre terceiras pessoas externas à entidade

empregadora. O analista da Comissão da OAB deve descartar da análise

se referido poder for exercido internamente, por exemplo, sobre

subordinados ou sobre comissões de resultado interna corporis.

O exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão é

livre, atendida as qualificações profissionais que a lei venha estabelecer,

que é como ficou estabelecido no inciso XIII do artigo 5º, da Carta

Magna de 1988. Ou seja, para se exercer certas profissões, como a de

advogado, engenheiro ou de médico, por exemplo, devem ser respeitadas

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as exigências da lei infraconstitucional reguladora da profissão que, no

caso da advocacia, é a Lei 8906/1994.

Em leitura contrária do preceito constitucional, para

que uma pessoa seja declarada incompatível com o exercício de

determinado trabalho, ofício ou profissão, somente é possível se ela

NÃO preencher um ou mais requisitos previstos na lei reguladora.

Razão pela qual a Lei 8906/1994 veio para estabelecer

nos incisos do artigo 28 as causas de incompatibilidade com o exercício

da advocacia em conformidade com o preceito constitucional de 1988,

ou seja, em numerus clausus. Ficando assim, afastado o subjetivismo do

antigo estatuto da Lei 4215/1963.

Desta forma, a motivação da denegação da ordem de

inscrição nos quadros da OAB deve se restringir unicamente às hipóteses

legais, explicitamente previstas na Lei estatutária de 1994, não se

sujeitando mais os interessados aos conceitos particulares que a lei de

1963 dava enchança.

O novo ordenamento veio exatamente para cuidar da

mesma matéria tratada pela Lei 4215/1963, o antigo Estatuto, só que sob

a nova ótica constitucional. Ótica esta no sentido de que, sendo a norma

proibitiva, a interpretação deve ser restritiva, exatamente nos termos

previstos pela lei infraconstitucional e esta em consonância com a nova

Constituição.

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Ora, se assim não fosse, não teria havido a necessidade

de se ter aprovado uma nova lei em substituição a então existente. E isto

foi para rechaçar o subjetivismo da Lei de 1963, principalmente o que

era contido no artigo 83, no sentido de incompatibilizar com o exercício

da advocacia "qualquer atividade, função ou cargo público que reduza a

independência do profissional ou proporcione a captação de clientela”.

As disposições contidas nos incisos do artigo 28, da

Lei 8906/1994, são restritivas de direito e, como tal, o atual ordenamento

jurídico não admite análise extensiva para alcançar situações ali não

previstas expressamente.

Tudo isso se deve pelo fato de a Constituição de 1988,

no inciso II do artigo 5°, ter internado em nosso ordenamento jurídico o

princípio da legalidade cuja origem data do ano de 1789, quando na

França foi insculpido na Declaração de Direitos do Homem e do

Cidadão, na qual ficou patenteado que “ninguém será obrigado a fazer

ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

A ninguém pode ser imposta a proibição total ou

parcial do exercício de determinado trabalho, ofício ou profissão se a

motivação para tal não se fundar em previsão de lei.

“No regime do Estado de Direito não há lugar para o

arbítrio por parte dos agentes da Administração Pública, pois a sua

conduta perante o cidadão é regida, única e exclusivamente, pelo

princípio da legalidade, insculpido no art. 37 da Magna Carta.

Por conseguinte, somente a lei pode condicionar a conduta do cidadão

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frente ao poder do Estado, sendo nulo todo ato da autoridade

administrativa que for contrário ou extravasante da lei, e como tal deve

ser declarado pelo Poder Judiciário quando lesivo ao direito individual”

como já decidiu o STF no RE 81.532-BA, rel. Min. CUNHA PEIXOTO,

in RTJ 81/494.

"Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência",

segundo o Professor José Cretella Junior. Os princípios da legalidade e o

do controle da Administração pelo Poder Judiciário se constituem em

uma das garantias de respeito aos direitos individuais. A lei define e

estabelece os limites dos direitos individuais em beneficio da

coletividade. Portanto, na relação administrativa a vontade da

Administração Pública é sempre decorrente da lei.

“As entidades fiscalizadoras do exercício de profissão

regulamentada - autarquias públicas profissionais, corporativas ou de

disciplina, por definição legal, jurisprudencial e doutrinária - são

submetidas ao campo regulatório do Direito Administrativo em diversos

de seus aspectos, como é o caso da OAB”, in Acórdão da JFSP no

processo n° 2009.61.00.024950-0.

Assim sendo, da mesma forma como a Administração

Pública não pode criar direitos de qualquer espécie, tão-pouco pode criar

obrigações ou impor vedações aos administrados sem o apoio na lei. O

princípio da legalidade aponta que a Administração Pública somente

pode fazer o que a lei permite, ainda conforme a lição do mestre Cretella.

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No caso sob análise, a documentação afirma

claramente que a função exercida pelo DIRETOR DE DIVISÃO é a de

administrar a divisão que dirige e prestar assessoria ao Secretário

municipal e ao Chefe de Departamento aos quais se subordina.

Portanto, um cargo de terceiro escalão dentro do ente público. Afirma

um dos documentos literalmente:

1. Prestar assessoria e assistência direta e imediata ao Secretário

Municipal e ao Diretor de Departamento a que seja

subordinado;

2. Orientar, acompanhar e controlar as ações administrativas no

âmbito da sua Divisão.

O parágrafo 2º-28 do novo Estatuto é claro ao afirmar

que NÃO se incluem nas hipóteses de incompatibilidade do inciso III-28

aqueles ocupantes de cargos ou funções que NÃO detiverem poder legal

de decisão relevante sobre interesses de terceiras pessoas externas à

entidade empregadora, a juízo do conselho competente da OAB, bem

como também não se inclui a administração acadêmica diretamente

relacionada ao magistério jurídico.

Mutatis mutandis, também não se incluem obviamente

em tais hipóteses de incompatibilidade, aqueles que ocupam cargos ou

funções cujas atribuições se sujeitam ao controle de superior hierárquico,

ou de órgão superior na mesma entidade. Pois, esse poder de decisão vai

ser encontrado com o superior hierárquico ou com o presidente do órgão

superior, como é, por exemplo, o caso de Presidente de Comitês de

Coordenação e Controle de Comissões de Licitação e Compra em quem

a última e relevante decisão sobre as licitações e as compras vai estar

situada, contrariamente ao que acontece com os dirigentes ou

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componentes das referidas Comissões que não detém nenhum poder de

decisão relevante.

Por essa razão é que Gondim, no festejado livro sobre

o tema, foge da dicção que era imposta pelo Estatuto anterior. E,

especialmente no caso do inciso III-28 (ocupantes de cargos ou funções

de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em

suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de

serviço público), afirma que no atual Estatuto o tom a ser dado é o do

parágrafo 2, do artigo 28, no sentido de que ‘não se incluem nas

hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante

sobre interesses de terceiros’ (...). Ou seja, o parágrafo 2, do artigo 28,

do atual Estatuto, é o norte para a definição das hipóteses de

incompatibilidade com o exercício da advocacia.

No exemplo acima, o da função de Presidente de

Comitês de Coordenação e Controle de Comissões de Licitação e

Compra em quem a última e relevante decisão vai estar situada, merece

uma anotação. Se por exemplo, para tal função que é incompatível com o

exercício da advocacia, ou também, em outra qualquer função (ou cargo)

também incompatível, sendo a nomeação de duração limitada, ou seja,

de ocupação provisória, e se o nomeado para exercê-la for um advogado,

este deve se licenciar do exercício da advocacia, licença que deve

perdurar durante todo o tempo de duração da nomeação provisória. Se a

nomeação for definitiva, o advogado deve se desligar da OAB.

Assim já foi decidido pelo Conselho Federal da OAB,

conforme ementa encontrada na página do referido Conselho:

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Presidente de Comissão de Licitação. Incompatibilidade.

1. O exercício das funções inerentes à Presidência da Comissão

de Licitação vinculada a ente público, ainda que cumuladas com

as de Procurador Geral, impõe a incompatibilidade prevista no

inc. III, art. 28 da Lei nº 8.906/94, uma vez que não incidente a situação contemplada no § 2º , do mesmo art. 28.

2. Afastada, no entanto, do exercício da Presidência da

Comissão de Licitação, passando somente a assessorá-la na

condição de Procuradora Geral do Município, à recorrente se

aplica o art. 29, da Lei nº 8.906/94. 3. Recurso provido em parte.

(Proc. 5.355/99/PCA-SC, Rel. Antônio Augusto Genelhu Júnior

(ES), Ementa 097/99/PCA, julgamento: 16.08.99, por

unanimidade, DJ 14.10.99, p. 189, S1).

Resumindo no caso do inciso III-28, apenas são

incompatíveis com a advocacia os bachareis e bacharelandos em direito

que sejam ocupantes de cargos de direção da administração pública

direta ou indireta que, comprovadamente, detenham legal e relevante

poder de decisão, diretamente sobre interesses de terceiras pessoas

externas à entidade, como ocorre, por exemplo, com os ocupantes de

cargo de DIRETOR DE FINANCEIRO, no qual esse poder é evidente,

mas não ocorre no caso sob análise, de DIRETOR DE DIVISÃO.

Quanto ao fato de o pretendente ser lotado como

FISCAL DE POSTURAS, também não lhe incompatibiliza a inscrição

como advogado ou estagiário. As decisões do Conselho Federal da OAB

são por demais remansosas no sentido de que a função de agente fiscal

de serviços públicos, ou de FISCAL DE POSTURAS, não gera a

incompatibilidade com a advocacia, conforme exemplos que podem ser

colacionados pela internet, na página, www.oab.org.br, na rubrica

ementário.

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Sabemos, no entanto, que mesmo com a remansosa

coleção de decisões do Conselho Federal da OAB pelo deferimento da

inscrição a bacharel ou bacharelando em direito, ocupante do cargo de

FISCAL DE POSTURAS ou semelhantes, em prefeituras, ainda, em

algumas Seccionais da OAB, são encontrados relatores renitentes a tal

concessão. Pior, é que com isso a inscrição pode ou não ser concedida,

dependendo apenas do entendimento do relator a quem couber analisar o

caso concreto, o que demonstra o subjetivismo da decisão.

É que alguns relatores ainda se mantêm arraigados aos

superados entendimentos que eram emanados do antigo e também já há

muito superado Estatuto da Lei 4215/1963.

No caso de FISCAIS DE POSTURAS, os saudosistas

se apoiam no inciso VII do artigo 84, do vetusto Estatuto da Lei

4215/1963 e alegam que a matéria ali tratada é a mesma de que trata o

novo Estatuto – Lei 8906/1994, no inciso VII do artigo 28.

Ocorre que pela normatização anterior, a de 1963,

exatamente em razão de peculiar conceito que incluia "qualquer

atividade, função ou cargo público que reduza a independência do

profissional ou proporcione a captação de clientela” que se encontrava

contido no artigo 83, os casos especificados nos diversos incisos do

artigo 84 como de incompatibilidade com a advocacia, não

representavam as únicas atividades incompatíveis com o exercício da

advocacia, haja vista que o exercício de alguma outra função ou cargo

não expressamente enumerado naqueles incisos do artigo 84, poderia ser

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avaliado à luz de dois conceitos altamente subjetivos: "redução da

independência profissional”, ou de “captação de clientela”.

No conceito da Lei de 1963 a atividade de FISCAL DE

POSTURAS de município poderia dar ao agente a eventual possibilidade

de “captar clientela” e isto era suficiente para torná-lo incompatível com

o exercício da advocacia, o que hoje contrariaria frontalmente o § 2° do

artigo 28 do atual Estatuto e o inciso II-5° da CF.

No atual Estatuto, o inciso VII-28 se dirige

restritivamente aos “ocupantes de cargos ou funções que tenham

competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e

contribuições parafiscais”, o que não se confunde com a atividade de

agente fiscal de serviços públicos, que inclui o FISCAL DE

POSTURAS. A primeira situação se refere à fiscalização tributária e a

segunda se refere à fiscalização de caráter meramente administrativo.

Ora, é certo de que os relatores das Seccionais da OAB

não estão adstritos às decisões emanadas do Conselho Federal, mas

também não devem se achar mais reais que o próprio rei. Mas, se as

contrariar, eles têm a obrigação funcional de fundamentar as decisões

para permitir que o requerente recorra à instância administrativa superior

daquilo que lhe for contrário na decisão. Frise-se que a contraposição às

decisões do Conselho Federal da OAB é motivo e fundamento para

recurso àquela instância administrativa, ou mesmo de mandado de

segurança junto à Justiça Federal que é a Justiça competente para julgar

causas as quais a OAB ocupe um dos pólos. Vejamos:

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL.

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO IMPETRADO

PELA OAB EM DEFESA DE SEUS MEMBROS.

COMPETÊNCIA: JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109-I DA

CONSTITUIÇÃO.

1. O apelo extremo está bem fundamentado na parte em que

renova a preliminar de incompetência da justiça estadual, pois

impugna todos os argumentos adotados pelo Tribunal ‘a quo’

em sentido contrário. Não há falar, portanto, em aplicação da

Súmula STF nº 283.

2. O art. 109-I da Constituição não faz distinção entre as

várias espécies de ações e procedimentos, bastando, para a

determinação da competência da Justiça Federal, a presença

num dos pólos da relação processual de qualquer dos entes

arrolados na citada norma. Precedente: RE 176.881.

3. Presente a Ordem dos Advogados do Brasil - autarquia

federal de regime especial - no pólo ativo de mandado

segurança coletivo impetrado em favor de seus membros, a

competência para julgá-lo é da Justiça Federal, a despeito de

a autora não postular direito próprio.

4. Agravo regimental parcialmente provido, tão-somente para

esclarecer que o acolhimento da preliminar de incompetência

acarretou o provimento do recurso extraordinário. (RE nº

266.689-AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 03.09.2004).

Porém, a fundamentação, a qual se valerem os relatores

da OAB, deve ser provida de supedâneo doutrinário e/ou jurídico em

alinhamento com a Lei 8906/1994 e não em alinhamento à revogada Lei

4215/1963.

Consultando a doutrina especializada de GISELA

GONDIM RAMOS – Conselheira Federal da OAB – é possível observar

que ela se apoia no escólio de PAULO LOBO que é, indiscutivelmente,

outra autoridade no assunto, e trata das questões do artigo 28 do atual

Estatuto e que se referem às incompatibilidades, de forma restritiva, não

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alargando o alcance como tem sido feito por outros conselheiros

seccionais, em diversos casos.

E isto, em vista, como já anotado, de o novel Estatuto

ter adotado a interpretação restritiva, para se contrapor à filosofia do

superado Estatuto, no qual o tratamento dado às incompatibilidades era

genérico e subjetivo.

Também, ainda hoje, é comum ver em alguns pareceres

a citação de jurisprudências que foram elaboradas sob a égide do antigo

Estatuto. Por óbvio que tendo sido mudada a interpretação sobre o

assunto, esses julgados já não mais são aplicáveis se divergirem do

conceito adotado pelo legislador no Estatuto que vige atualmente.

Resumindo:

A incompatibilidade prevista nos incisos do artigo 28

somente deve ser aplicada „restritivamente‟. No caso específico do inciso

III, taxativamente SOMENTE deve incidir sobre os „ocupantes de

cargos ou funções de direção em órgãos da Administração Pública

direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas

ou concessionárias de serviços públicos’ com evidente e relevante legal

poder de decisão diretamente sobre interesse de terceiras pessoas

externas ao órgão onde o advogado, o bacharel ou o bacharelando em

direito exercerem tal cargo ou função.

E no caso do inciso VII-28, a incompatibilidade

SOMENTE deve incidir sobre os „ocupantes de cargos ou funções que

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tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de

tributos e contribuições parafiscais’, só e somente só.

Vejamos o que GONDIN escreve in litteris:

OS CASOS DE INCOMPATIBILIADE

Na Lei n. 4.215/63, o tratamento dos casos de incompatibilidades era mais abrangente, incluindo "qualquer atividade, função ou cargo público que reduza a independência do profissional ou proporcione a captação de clientela”. Pela normatização anterior, exatamente em razão do conceito definido no art. 83, os casos especificados no art. 84, como de incompatibilidades, não representavam as únicas possibilidades, já que o exercício de alguma outra atividade não expressamente enumerada no dispositivo poderia ser avaliado à luz dos conceitos de "redução da independência”, ou “captação de clientela”, referidos acima. Não é o que acontece com o novo Estatuto, já que tanto o art. 27, que define o que seja incompatibilidade e impedimento, quanto o art. 28, que enumera as situações passíveis de enquadramento no primeiro, são diretos e objetivos, sem possibilidades de dar vazão a qualquer interpretação subjetiva por parte do aplicador da norma. Assim, conforme ensina PAULO LUIZ NETO LOBO, “o novo Estatuto optou por uma enumeração taxativa, sem qualquer referência a conceitos genéricos e indeterminados nem possibilidade de acréscimos mediante Provimento” de modo que os casos especificados nos incisos I a VIII do art. 28, são, agora, numerus clausus. Embora mais ampla de um lado, por outro também se limitava aos casos de coexistência de atividades vinculadas direta ou indiretamente ao setor público,

aspecto no qual a Lei n 8.906/94 corrigiu, abrangendo também atividades desenvolvidas no setor privado, mas, de qualquer modo, suscetíveis de reduzir a independência profissional. Ocupantes de cargos ou funções de direção O disposto no inc. III abrange todos aqueles que ocupem cargos ou funções de direção em órgãos da Administração Pública direta, indireta, fundacional, ou mesmo em empresas controladas ou concessionárias de serviço público. Refere-se ao exercício do cargo ou função, de forma que a caracterização aqui, independe da forma de provimento - efetivo ou comissionado -, destes mesmos cargos ou funções.

O fundamento do dispositivo está na redação do seu parágrafo segundo (§ 2), ao se referir àqueles que "não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiros”. Esta, pois, a característica fundamental a ser distinguida para fins de enquadramento na incompatibilidade do inc. lII, sendo despiciendo o título que se dê ao cargo ou função exercida.

Por outro lado, pesquisando na página do Conselho

Federal da OAB encontramos situações tão ou muito mais delicadas que

a do caso em análise, nas quais a inscrição foi concedida com o simples

impedimento I-30, afastando-se qualquer das incompatibilidades do

artigo 28. Vejamos:

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1 - Comprador em Prefeitura Municipal. Impedimento. Processo: Comprador em Prefeitura Municipal. Art. 28, III, do novo Estatuto. A hipótese contida no inc. III, art. 28, do Estatuto, ensejadora de incompatibilidade com a advocacia, não admite interpretação extensiva, vedada em sede de restrição a direito. Apenas são incompatíveis os ocupantes de cargo de direção da administração pública direta ou indireta que, comprovadamente, detenham poder de decisão relevante e direta sobre interesses de terceiros. Neles não se incluem os ocupantes de cargos cujas atribuições sujeitem-se ao controle de superior hierárquico, no mesmo estabelecimento ou Órgão da entidade. (Proc. nº 4.684/95/PC, Rel. Paulo Luiz Netto Lôbo, j. 12.6.95, v.u., D.J. de 19.7.95, p.21.087).

2 - Servidor municipal. Competência de lavrar autos de notificação e de infração. Impedimento. Processo: Inscrição principal. Servidor municipal com atribuição para lavrar autos de notificação e de infração pelo descumprimento de normas de obras e posturas. Natureza não tributária de tais lançamentos. Incompatibilidade do inciso VII do art. 28 do EOAB não configurada. Caso de impedimento previsto pelo inciso I do art. 30. Recurso provido para deferir a inscrição. As causas de incompatibilidade do art. 28 do EAOAB são de direito estrito, não sendo admissível interpretação extensiva para alcançar situações que não estejam expressamente contempladas. (Proc. 005.028/97/PCA - ES, Rel. Joaquim Roberto Munhoz de Mello, j. 17.3.97, DJ 11.9.97, p. 43670).

3 - Servidor municipal. Fiscalização de posturas. Inscrição no quadro de estagiários. Impedimento. Processo: Inscrição no quadro de estagiários. Servidor municipal, com atribuição de fiscalização de posturas. Incompatibilidade do inciso vii do art. 28 do eaoba não configurada. Caso de impedimento previsto pelo inciso i do artigo 30. Decisão mantida. As causas de incompatibilidade do art. 28 do eaoab, são de direito estrito, não sendo admissível interpretação extensiva para alcançar situações que não estejam expressamente contempladas. (Proc. 005.083/97/PCA - RJ, Rel. Joaquim Roberto Munhoz de Mello, j. 16.6.97, DJ 11.7.97, p. 32552)

4 - Agente fiscal de serviços públicos de Município. Inexistência de incompatibilidade. Processo: Servidor municipal. Agente fiscal de serviços públicos. Atividade que não se confunde com a de agente fiscal tributário. Inexistência de incompatibilidade. Recurso improvido. Ao ocupante do cargo de agente fiscal de serviços públicos, cuja atividade não é a de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais, aplica-se apenas o impedimento do inciso I do artigo 30, do EAOAB. (Proc. 5.469/2000/PCA-RJ, Rel. Roberto Dias de Campos (MT), Ementa 057/2000/PCA, julgamento: 12.06.2000, por unanimidade, DJ 20.06.2000, p. 325, S1e)

5 - Recurso nº 0142/2004/PCA. Recorrente: Fabiano José Castanhetti. Recorrido: Conselho Seccional da OAB/Santa Catarina. Relator: Conselheiro José Edísio Simões Souto (PB). EMENTA 032/2004/PCA. BACHAREL EM DIREITO. PEDIDO DE INSCRIÇÃO NA SECCIONAL. SERVIDOR MUNICIPAL. VIGILANTE SANITÁRIO. INEXISTÊNCIA DA INCOMPATIBILIDADE MAS DO IMPEDIMENTO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os membros da Primeira Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Impedido de votar o representante da OAB/SC. Brasília,

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16 de agosto de 2004. RAIMUNDO CEZAR BRITTO ARAGÃO, Presidente da 1ª Câmara. JOSÉ EDÍSIO SIMÕES SOUTO, Conselheiro Relator. DJ, 17.09.2004, p. 847, S1.

6 - Inscrição. Servidor Municipal. Agente Fiscal. Atividades Sanitárias. Função sem atuação tributária, apenas de multas em razão do poder de polícia sanitária. 2. A denominação funcional de fiscal não acarreta a incompatibilidade se o servidor não lança, arrecada ou fiscaliza tributos. A tributação de multas não está abrangida pelo disposto no art. 28, VII, do Estatuto. (Proc. 5.251/98/PCA-SP, Rel. Roberto Ferreira Rosas (AC), Rev. Saul Venancio de Quadros Filho (BA), Ementa 050/99/PCA, julgamento: 17.05.99, por maioria, DJ 25.05.99, p. 90, S1).

7 - Inscrição principal. Servidor municipal com atribuição para lavrar autos de notificação e de infração pelo descumprimento de normas de obras e posturas. Natureza não tributária de tais lançamentos. Incompatibilidade do inciso VII do art. 28 do EOAB não configurada. Caso de impedimento previsto pelo inciso I do art. 30. Recurso provido para deferir a inscrição. As causas de incompatibilidade do art. 28 do EAOAB são de direito estrito, não sendo admissível interpretação extensiva para alcançar situações que não estejam expressamente contempladas. (Proc. 005.028/97/PCA - ES, Rel. Joaquim Roberto Munhoz de Mello, j. 17.3.97, DJ 11.9.97, p. 43670).

8 - Inscrição no quadro de estagiários. Servidor municipal, com atribuição de fiscalização de posturas. Incompatibilidade do inciso VII do art. 28 do EAOAB não configurada. Caso de impedimento previsto pelo inciso i do artigo 30. Decisão mantida. As causas de incompatibilidade do art. 28 do EAOAB, são de direito estrito, não sendo admissível interpretação extensiva para alcançar situações que não estejam expressamente contempladas. (Proc. 005.083/97/PCA - RJ, Rel. Joaquim Roberto Munhoz de Mello, j. 16.6.97, DJ 11.7.97, p. 32552).

Finalizando, observando o que determina o artigo 53 da

Lei 9.784/1999 reguladora do processo administrativo no âmbito da

Administração Pública Federal, no sentido que a Administração deve

anular os próprios atos, quando eivados do vício da ilegalidade e pode

revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, desde que

respeitados os direitos adquiridos pelos beneficiados pelo ato revogado.

Assim, seguindo o que é determinado pelas decisões

emanadas do Conselho Federal da OAB e pela doutrina especializada,

em situações que tais às analisadas neste artigo e nas quais as seccionais

da OAB tenham denegado o pedido de inscrição, estas mesmas

seccionais podem e devem modificar as próprias decisões

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administrativamente, ou ainda, compulsoriamente pela via do mandado

de segurança junto à Justiça Federal com pedido liminar.

Em ambos os casos aqui tratados, individualmente ou

em conjunto, aplica-se tão-somente a incidência do impedimento do

inciso I-30 do novo Estatuto, por se tratar de cargo e função públicos.

São Paulo/SP, março/2011.

JOSELITO ALVES BATISTA

Advogado.

Dados sobre o autor:

» Nome completo: JOSELITO ALVES BATISTA; » Profissão e qualificações: ADVOGADO; » Cidade de domicílio: SÃO PAULO, CAPITAL; » E-mail: [email protected];

» Site pessoal: http://www.slideshare.net/joselitoabatista. Dados sobre o texto:

» Título: BACHAREL EM DIREITO LOTADO COMO FISCAL DE POSTURAS E QUE EXERCE O CARGO DE DIRETOR DE DIVISÃO EM PREFEITURA PODE SE INSCREVER NA OAB? » Classificação: Artigo; » Mês e ano de elaboração ou atualização: março/2011.