avaliaÇÃo formativa de atividades de escrita …

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1 AVALIAÇÃO FORMATIVA DE ATIVIDADES DE ESCRITA FACILITADA POR APLICATIVOS HORIZONTAIS WRITING ACTIVITIES FORMATIVE ASSESSMENT EASED BY HORIZONTAL APPLICATIONS Aurélio Takao V. Kubo – CEFET-MG Campus Timóteo – [email protected] Júlia Ribeiro Junqueira – CEFET-MG Campus Timóteo – [email protected] Cláudia Mara de Souza – CEFETM-MG Campus I Belo Horizonte – [email protected] Resumo: Este trabalho apresenta o uso de suítes de escritório na sistematização da avaliação for- mativa e geração de feedback em atividades de (re)escrita de textos opinativos. A abor- dagem justifica-se diante da inexistência de aplicações especializadas em auxiliar o pro- fessor em seu trabalho cotidiano e da possibilidade de modificações no uso de aplicativos conhecidos sem que haja grande investimento em treinamento. Atividades de escrita fo- ram realizadas junto a alunos de 3º ano de cursos técnicos integrados oferecidos pela rede EPTNM por meio de um projeto de ensino interdisciplinar voltado para o desenvolvimento de habilidades de linguagem. A produção de textos priorizou o gênero artigo de opinião e foi mediada por leituras prévias e palestras organizadas segundo temáticas escolhidas para o ano letivo. Os artigos foram escritos utilizando-se a aplicação Google Documentos e, durante a avaliação, os alunos receberam uma parcela do feedback nesta mesma apli- cação. Posteriormente, receberam correspondência individual para comunicar resultados, descrever com profundidade aspectos do desenvolvimento do gênero e apresentar reco- mendações específicas para a reescrita. Como resultado, a combinação de formulários, planilhas e malas diretas permitiu a produção de feedback bastante individualizado e de- talhado, todavia, sem exigir grande esforço manual por parte dos professores. Permitiu também a documentação dos avanços dos alunos ao longo do ano letivo. Palavras-chave: Escrita. Avaliação formativa. Feedback. Interdisciplinaridade. Abstract: This paper reports aspects of the use of office suite applications on formative assessment systematization and feedback generation of (re)writing activities of argumentative texts. The approach is justified by the lack of vertical applications dedicated to handle teacher routine work and by the possible change in use of already familiar applications without intensive training. Writing activities were conducted with students of secondary school last year enrolled in technical courses of EPTNM system by means of an interdisciplinary learning project design to enhance language abilities. The writing activities focused the opinion article genre and was mediated by previous readings and lectures organized ac- cording various subjects chosen for the school year. The opinion articles were written on Google Documents application where students received first feedback, which was also given by individual letters designed to provide more details about the genre itself, recom- mendations about writing and communicate the results of assessment. As a result, the combination of forms, spreadsheets and bulk mail allowed a highly personalized feedback produced with considerably less manual effort. That combination also allowed teachers to track students’ progress along the year. Keywords: Writing. Formative assessment. Feedback. Interdisciplinarity.

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AVALIAÇÃO FORMATIVA DE ATIVIDADES DE ESCRITA FACILITADA POR APLICATIVOS HORIZONTAIS

WRITING ACTIVITIES FORMATIVE ASSESSMENT EASED BY HORIZONTAL APPLICATIONS

Aurélio Takao V. Kubo – CEFET-MG Campus Timóteo – [email protected]

Júlia Ribeiro Junqueira – CEFET-MG Campus Timóteo – [email protected] Cláudia Mara de Souza – CEFETM-MG Campus I Belo Horizonte – [email protected]

Resumo: Este trabalho apresenta o uso de suítes de escritório na sistematização da avaliação for-mativa e geração de feedback em atividades de (re)escrita de textos opinativos. A abor-dagem justifica-se diante da inexistência de aplicações especializadas em auxiliar o pro-fessor em seu trabalho cotidiano e da possibilidade de modificações no uso de aplicativos conhecidos sem que haja grande investimento em treinamento. Atividades de escrita fo-ram realizadas junto a alunos de 3º ano de cursos técnicos integrados oferecidos pela rede EPTNM por meio de um projeto de ensino interdisciplinar voltado para o desenvolvimento de habilidades de linguagem. A produção de textos priorizou o gênero artigo de opinião e foi mediada por leituras prévias e palestras organizadas segundo temáticas escolhidas para o ano letivo. Os artigos foram escritos utilizando-se a aplicação Google Documentos e, durante a avaliação, os alunos receberam uma parcela do feedback nesta mesma apli-cação. Posteriormente, receberam correspondência individual para comunicar resultados, descrever com profundidade aspectos do desenvolvimento do gênero e apresentar reco-mendações específicas para a reescrita. Como resultado, a combinação de formulários, planilhas e malas diretas permitiu a produção de feedback bastante individualizado e de-talhado, todavia, sem exigir grande esforço manual por parte dos professores. Permitiu também a documentação dos avanços dos alunos ao longo do ano letivo. Palavras-chave: Escrita. Avaliação formativa. Feedback. Interdisciplinaridade. Abstract: This paper reports aspects of the use of office suite applications on formative assessment systematization and feedback generation of (re)writing activities of argumentative texts. The approach is justified by the lack of vertical applications dedicated to handle teacher routine work and by the possible change in use of already familiar applications without intensive training. Writing activities were conducted with students of secondary school last year enrolled in technical courses of EPTNM system by means of an interdisciplinary learning project design to enhance language abilities. The writing activities focused the opinion article genre and was mediated by previous readings and lectures organized ac-cording various subjects chosen for the school year. The opinion articles were written on Google Documents application where students received first feedback, which was also given by individual letters designed to provide more details about the genre itself, recom-mendations about writing and communicate the results of assessment. As a result, the combination of forms, spreadsheets and bulk mail allowed a highly personalized feedback produced with considerably less manual effort. That combination also allowed teachers to track students’ progress along the year. Keywords: Writing. Formative assessment. Feedback. Interdisciplinarity.

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1. Introdução

Cada vez mais as tecnologias de informação e comunicação (TICs) se fazem presentes no ambiente escolar e no processo de aprendizagem do aluno, seja pelo uso de equipamentos tecnológicos, seja por meio de projetos que envolvam educação e tecnologia. Tais recursos integrados entre si proporcionam, por meio das funções de software e de telecomunicações, a automação e comunicação dos processos de pesquisa científica, de ensino-aprendizagem, bem como dos inúmeros ofícios relacionados ao métier docente. As TICs podem fornecer, por-tanto, recursos didáticos adequados às diversidades e necessidades de cada aluno, de cada sala de aula; além de possibilitar, por exemplo, que o professor consiga criar mecanismos apri-morados de avaliação, correção e feedback sem que isso gere maior sobrecarga de trabalho manual.

Tendo em mente os usos que as TICs podem proporcionar à aprendizagem e ao traba-lho docente, um projeto de ensino interdisciplinar, nomeado Interconexões, foi desenvolvido com alunos do 3º ano de cursos técnicos integrados oferecidos pela rede de Educação Profis-sional Técnica de Nível Médio (EPTNM). Dentre os objetivos do projeto, listam-se: desenvolver habilidades necessárias ao domínio da escrita formal; aprimorar a escrita, a linguagem e a argumentação dos estudantes, além de buscar autenticidade na produção dos textos. Para alcançá-los, as atividades de produção textual priorizaram o gênero artigo de opinião e foram mediadas por leituras prévias e palestras. Ao longo do ano letivo, diferentes temáticas foram desenvolvidas considerando-se as disciplinas integrantes do projeto, a saber: Biologia, Geo-grafia, História, Língua Portuguesa e Redação. A avaliação formativa e o feedback foram rea-lizados com o apoio de aplicativos horizontais, ou seja, as suítes de escritório Google Drive e Microsoft Office, cujos usos para os fins de avaliação serão apresentados neste trabalho.

Se entendemos a avaliação formativa, como aponta Perrenoud (1999), como um campo que possibilita a professores e alunos conhecer limites e possibilidades, reorientar ca-minhos de aprendizagem e, por conseguinte, elemento de reflexão e autocrítica, nada mais incipiente do que nos debruçarmos sobre este pilar para justamente compreender as ativida-des de (re)escrita, os procedimentos de avaliação e elaboração de feedback, bem como o quanto os aplicativos horizontais podem ser úteis ao trabalho docente. Isso ocorreria porque docentes em geral têm familiaridade com as suítes de escritório e podem criar autonoma-mente adaptações em seus usos para favorecer a ergonomia do trabalho cotidiano.

2. Avaliação formativa

As produções textuais desenvolvidas no projeto foram alvo de avaliação numa abor-dagem formativa. Neste sentido, cabe rever o conceito de avaliação e a vertente assumida no trabalho.

Sabe-se que a avaliação, como instrumento, permite que professores e alunos façam reflexões acerca dos objetos de conhecimento e, além disso, que possam redirecionar e res-significar o está sendo aprendido. De acordo com Hoffman (2009), na construção do conheci-mento é necessário que se estabeleça “um processo de permanente troca de mensagens e significados, um processo interativo, dialógico, espaço de encontro e de confronto de ideias entre educador e educando em busca de patamares qualitativamente superiores de saber”

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(HOFFMAN, 2009, p. 76). Assim, entende-se que para que esse processo ocorra é importante que sejam feitas avaliações distintas ou diferenciadas, esclarecendo que diferenciar não sig-nifica somente observar o sujeito por meio de diferentes tarefas como: trabalhos em grupo, apresentação, caderno, testes e entender que isso é estar contemplando o aprendizado dos alunos. Diferenciar, conforme a autora, significa sim “fazer encaminhamentos pedagógicos diferentes de acordo com os percursos individuais, sem deixar de dinamizar o grupo de de-senvolver um trabalho coletivo” (HOFFMAN, 2009, p. 98).

Mas como compreender a avaliação neste universo que tange à prática escolar? E mais especificamente em um projeto de trabalho interdisciplinar? Uma das formas é a partir do resgate histórico do conceito de avaliação e de seus tipos. Durante a década de sessenta do século XX, ganharam importância teorias tecnicistas e comportamentalistas que deram o tom ao modelo tradicional de avaliação. Tais teorias buscavam pela avaliação julgar a efetividade do processo de aprendizagem de acordo com os “comportamentos esperados”. Durante um tempo significativo, muitos esforços foram despendidos para elaboração de testes, inventá-rios, questionários, fichas de registro de comportamento etc. Neste panorama, por muitas décadas, a avaliação da aprendizagem assumiu a identidade de um instrumento para análise de desempenho final.

É a partir do modelo tradicional que foram elaboradas várias das ferramentas de ava-liação de aprendizagem disponíveis na atualidade. A predominância de instrumentos de veri-ficação quantitativa pode refletir, no fundo, a perspectiva mecanicista de avaliação: testes de múltipla escolha, ferramentas de verificação quantitativa da participação entre outros.

Posteriormente, na década de setenta, Bloom, Hastings e Madaus (1971) desenvolve-ram um trabalho que influenciou especialmente o planejamento educacional de várias gera-ções. Nele, os autores sugerem três funções para a avaliação: diagnóstica, formativa e soma-tiva.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a avaliação formativa é feita ao longo do processo de aprendizagem, cujos objetivos são a correção de falhas do processo educacional e a pres-crição de medidas alternativas com vistas à superação das falhas de aprendizagem. A avalia-ção somativa ocorre ao final de um processo, com objetivos definidos de mensuração de re-sultados. Por fim, a avaliação diagnóstica é a realizada antes e durante o processo de apren-dizagem, visando agrupar alunos, no primeiro momento, de acordo com suas dificuldades e, no final, identificar se houve, ou não, progresso em relação à assimilação dos conteúdos.

Neste trabalho, destaca-se a avaliação formativa como opção metodológica feita pelo projeto Interconexões. Vale esclarecer que a avaliação formativa é constantemente citada em planejamentos de ensino, mas pode ser um conceito confundido com o de mera avaliação contínua (isto é, aquela que é realizada ao longo do processo de aprendizagem). Sobre isso, autores como Perrenoud (1999) e Masetto (2003) chamam a atenção para o fato de que uma avaliação pode ser contínua sem ser formativa. A avaliação formativa real é aquela que con-tribui para a individualização dos processos de aprendizagem, e não apenas as que são reali-zadas em vários momentos do processo de aprendizagem.

Desta forma, é possível pensar na avaliação formativa como parte da aprendizagem, a que permeia todo o processo considerando o sujeito individual e coletivamente nas tarefas propostas pelo projeto Interconexões. A avaliação, neste sentido, seria uma das estratégias

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de mediação. Cabe lembrar, de acordo com Hadji (2001), que o objetivo da avaliação forma-tiva é fazer com que os estudantes evoluam em relação ao estágio em que se encontram. Nas produções escritas, por exemplo, os problemas detectados não seriam faltas a serem conde-nadas, mas fonte de informação para o professor analisar a produção e a situação do aluno para, mediante as informações obtidas, traçar as estratégias de intervenção e os próximos passos do trabalho.

O Interconexões propôs essa forma ou tipo de avaliação por acreditar que as media-ções apresentadas ao longo do trabalho favoreceriam o avanço do aluno no processo de apro-priação e desenvolvimento do pensamento crítico, reflexivo e de uma escrita mais clara, ob-jetiva e consistente.

2.1. Atividades de (re)escrita e feedback

Quanto às práticas escolares de escrita e ensino de língua, Machado (2007) identifica duas abordagens: um ensino baseado em modelos, que permearia toda a educação básica e considerável parcela da superior, incapaz de produzir a autoria; e uma prática entre dois su-jeitos, orientando e orientador, engajados em uma atividade de escrita que prescinde de mo-delos estritos. De um lado, os manuais de metodologia “favorecem a produção de textos-pa-drão, e levam a mirar-se em modelos idealizados, enquanto os orientadores, quando experi-entes, podem incentivar o desenvolvimento do estilo do autor” (MACHADO, 2007, p. 188). Isso aconteceria porque, “a relação orientador-orientando tem, em decorrência, de centrar-se na produção escrita do aluno, um caráter completamente distinto da relação professor-alunos de sala de aula da graduação” (MACHADO, 2007, p. 190).

Assim, a condição de autor, de uma escrita crítica e criativa, seria conquistada por meio de uma relação pessoal diante do processo de escrever, possível na relação orientador-orien-tando e difícil na relação professor-alunos, que não favorece a emergência de interações entre os sujeitos professor e aluno, engajados na produção de sentidos de um texto. O impasse pode ser localizado na dificuldade de o professor participar simultaneamente das experiências de escrita de dezenas de alunos. Daí a adesão ao “caminho das normas, regras e modelos” (MA-CHADO, 2007, p. 185), com consequente esvaziamento da experiência de escrever. A trajetó-ria sintetizada por Machado (2007) pode ser encontrada em trabalhos já bastante conhecidos no campo do ensino de língua no Brasil. Como exemplo, incluem-se Costa Val (1991) e Pécora (1982), que, por sua vez, retoma pesquisas realizadas por Osakabe (1977). Dentre vários ou-tros, todos já ocupados com a escrita realizada em exames vestibulares. Nesses trabalhos, conforme o objeto de pesquisa é a redação de vestibular já apresentada pelos candidatos, há uma lacuna quanto ao ensino de língua na etapa final da educação básica.

O reconhecimento de uma interação entre o sujeito que escreve e o sujeito que lê estaria na raiz da concepção de linguagem que se deveria a praticar nas salas de aula. Por essa razão, Antunes (2006, p. 179) propõe uma avaliação de textos que seja ampla, complexa e multidimensional, capaz, portanto, de exercer a regulação das aprendizagens. Quanto ao en-sino, levar em conta a situação de produção do texto reposicionaria as atividades didáticas para uma aproximação mais alta com os fenômenos da vida social. Nas palavras de Bunzen:

os alunos não deveriam produzir “redações”, meros produtos escolares, mas textos diversos que se aproximassem dos usos extra-escolares, com função

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específica e situada dentro de uma prática social escolar. Se assumirmos tal po-sicionamento, apostaremos em um ensino muito mais procedimental e reflexivo (e menos transmissivo), que leva em consideração o próprio processo de produ-ção de textos e que vê a sala de aula, assim como as esferas da comunicação humana, como um lugar de interação verbal. (BUNZEN, 2006, p. 149)

A própria natureza das atividades e exercícios de linguagem precisaria, então, ser re-vista. Ainda de acordo com Bunzen (2006, p. 157), “para os alunos utilizarem a língua escrita de forma dialógica e situada, os professores teriam de criar situações e estratégias em que os alunos utilizassem os gêneros em diferentes situações”, sem perder de vista a regulação das aprendizagens, além da própria regulação das atividades e exercícios escolares destinadas ao ensino de língua.

Na rotina do trabalho docente, não é impossível que o feedback dado aos alunos re-sulte ambíguo, inespecífico ou inútil (CHAPPELL, 2019) para que os alunos desenvolvam suas habilidades de linguagem. Daí o interesse em refletir sobre os princípios que deveria seguir o professor em seu trabalho rotineiro de avaliação da escrita e dos instrumentos, inclusive tec-nológicos, que permitiriam potencializar a mediação realizada nas condições típicas —às ve-zes, adversas— em que se realiza o trabalho de leitura e avaliação dos textos.

Pesquisas relacionadas à correção e à avaliação de textos têm ganhado certa projeção e incluem também em suas preocupações o ensino médio. A tradução brasileira de Serafini ([1985] 1995) e a proposta de Ruiz (2010) seriam exemplos dentre numerosas publicações. Serafini (1995, p. 107) lista seis princípios de correção a serem observados pelo professor: a correção não deve ser ambígua; os erros devem ser reagrupados e catalogados; o aluno deve ser estimulado a rever as correções feitas, compreendê-las e trabalhar sobre elas; deve-se corrigir poucos erros em cada texto; o professor deve estar predisposto a aceitar o texto do aluno; a correção deve ser adequada à capacidade do aluno.

Serafini ([1985] 1995, p. 97) também distingue os conceitos de corrigir e avaliar. Para ela, a correção “é o conjunto das intervenções que o professor faz na redação pondo em evi-dência os defeitos e os erros, com a finalidade de ajudar o aluno a identificar os seus pontos fracos e melhorar” ([1985] 1995, p. 97). Por seu turno, a avaliação consiste no “julgamento que o professor dá ao texto, através de uma nota ou de um comentário verbal, com o objetivo de quantificar seu resultado em relação aos demais alunos e aos resultados anteriores do pró-prio aluno” (Ibidem). Neste trabalho, o termo avaliação será tomado em sentido mais amplo, recobrindo o conceito de correção acima apresentado. Segundo Antunes (2006, p. 164-165), a avaliação será considerada atividade que inclui autoavaliação e avaliação socializada, ante-riores à avaliação realizada pelo professor e em que pese a dificuldade prática de realizá-las nas contingências do tempo escolar.

Serafini identifica estilos de correção — indicativa, resolutiva e classificatória. RUIZ (2010, p. 47) acrescenta a estes estilos uma forma de intervenção que chamou textual intera-tiva. Em direção semelhante, Abaurre e Abaurre (2012, p. 80) também tratam de intervenções de ordem interativa, desta vez, não por meio de um bilhete pós-texto, mas uma carta ende-reçada ao aluno. Estes trabalhos mais recentes têm levado em conta o papel do professor não somente como a autoridade destinatária única dos textos, mas também como um mediador do processo de escrita. Por isso, a avaliação precisará contar também com procedimentos

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capazes de preservar o laço afetivo, tornar bem-sucedida a mediação (LEITE, 2013) e sistema-tizar os dados obtidos na avaliação.

3. Uso de aplicativos para a geração de feedback

A fim conciliar as prescrições metodológicas expostas acima com as condições gerais de trabalho do professor, apresentam-se ideias e usos das tecnologias de comunicação com vistas a garantir tempo e recursos para a elaboração de feedback mais sistematizado e indivi-dualizado. Em outros termos, trata-se de buscar procedimentos de avaliação que favoreçam a qualidade e a pessoalidade nas relações.

Para tanto, a conversa com o aluno proposta por Abaurre e Abaurre (2012) poderia ser realizada a partir da combinação de gêneros textuais distintos, ou melhor, aplicativos distin-tos. No arquivo do Google Documentos em que se realizou a escrita, ocorrem as primeiras interações entre o professor e o aluno utilizando a função comentários. Em seguida, o profes-sor faz a avaliação por meio de um formulário criado para captar os níveis de desempenho nos diferentes critérios da grade de avaliação e expressar um conjunto de recomendações para a reescrita ou, conforme o caso, para atividades futuras. Em termos práticos, o professor avaliador acrescentaria uma resposta ao formulário para cada texto que estivesse avaliando. Ao final do trabalho de leitura, as sucessivas respostas do formulário estariam sistematizadas em uma planilha a qual seria a base para a constituição da carta a ser endereçada a cada aluno por meio de mala direta. No caso do projeto Interconexões, o formulário criado para a pri-meira versão da primeira proposta foi estruturado da seguinte maneira:

1. Identificação do texto: a. Nome do aluno (lista suspensa com todos os integrantes da turma); b. Situação do texto (normal, incompleto ou omissão).

2. Níveis de desempenho (0 a 5) em cinco diferentes competências; 3. Comentários e recomendações sobre a norma culta; 4. Comentários e recomendações sobre o desenvolvimento do gênero artigo de opi-

nião; 5. Recomendações sobre a articulação textual; 6. Recomendações sobre a proposta de intervenção apresentada.

Decidiu-se pela separação do formulário em duas seções (identificação e avaliação) para que, em caso de omissão ou texto incompleto, a resposta do formulário pudesse ser enviada sem o preenchimento da seção de avaliação, conforme se vê na Figura 1, abaixo:

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Figura 1. Seção de identificação do formulário.

Fonte: autoria própria.

A figura 2 apresenta, no início da segunda seção do formulário, o campo necessário para o cálculo das notas relativas à atividade.

Figura 2. Início da segunda seção do formulário: campo de atribuição de notas.

Fonte: autoria própria.

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Os níveis de desempenho da grade de avaliação foram, em seguida, acompanhados por descritores verbais, conforme exemplifica a Figura 3, abaixo:

Figura 3. Descrição de desempenhos quanto à norma culta.

Fonte: autoria própria.

Na Figura 3, observe-se o uso de botões de rádio e caixas de seleção. Enquanto a pri-meira parte implica uma escolha exclusiva, a segunda permite a combinação de recomenda-ções. Todavia, é preciso ter em conta alguns critérios na construção do formulário. Separados por vírgula, os itens selecionados serão copiados para o interior de uma só célula da planilha que coligirá as informações do formulário. Dessa forma, as frases precisam constituir-se de

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um modo tal que esse pontuador não acarrete dificuldades de leitura. Quanto à quantidade, há que se atentar para o máximo de 255 caracteres na redação de um dado campo do feed-back. Trata-se de uma limitação da tecnologia DDE (Dynamic Data Exchange), que relaciona os dados da planilha ao documento base da mala direta. Os caracteres excedentes a esse li-mite não se perdem, mas não são importados durante a mesclagem.

Para facilitar a etapa de avaliação, considerou-se importante também que a estrutura do formulário se restringisse ao mínimo possível. Os dados produzidos pelas respostas ao for-mulário foram incorporados a outra planilha que continha as demais informações necessárias à construção das correspondências. A saber, nomes completos, prenomes, desinências de gê-nero, endereços de e-mail, além de colunas dedicadas aos cálculos das notas. O exemplo abaixo é uma das correspondências geradas para avaliar a primeira versão da primeira pro-posta de produção do ano letivo de 2019. Os dados que a compõem foram produzidos a partir do formulário mostrado pelas figuras 1 a 3 acima.

Exemplo 1

Prezada [prenome],

Concluímos as leituras dos artigos de opinião e gostaríamos de apresentar os resultados desta avaliação preliminar. Inicialmente, procedemos à leitura com a finalidade de atribuir níveis de desempenho às diversas competências em conformidade com a matriz de avaliação das redações do ENEM, conforme o quadro abaixo:

C. 1 C. 2 C. 3 C. 4 C. 5 N1 (4,00) N2 (5,00)

4 4 3 3 3 2,7 3,4

Esses desempenhos serão considerados no cálculo final de sua nota, quando da avaliação da 2ª versão de seu artigo. Para ver o significado de cada um dos níveis de desempenho, acesse este link.

Adicionalmente, podemos dizer que seu domínio da norma culta na modalidade escrita está dentro do que se espera para o início do 3º ano. Você deve continuar avançando nos seus estudos. Ao elaborar a 2ª versão de seu artigo, é necessário que você: busque a clareza proporcionada por períodos mais curtos, reflita mais sobre as suas hipóteses a respeito das normas de pontuação.

Ao lermos o seu texto, percebemos que você deixou claro um posicionamento e os argumentos (fatos, dados, opiniões) parecem ser adequados para a sua defesa. Mantenha clara a perspectiva (social, econômica, política, ideológica…) que você adotará.

Seu artigo poderá avançar bastante se você garantir que citações e alusões sempre sejam razoáveis e pertinentes para a sua argumentação.

Quanto à coesão textual e à articulação entre as diferentes partes do texto, é muito importante que você mantenha o capricho com os elementos de coesão, busque sempre a expressão mais lógica e clara, repare nos trechos destacados (descubra a razão misteriosa das cores!).

Finalmente, reflita mais sobre a capacidade dos atores em realizar as propostas, desenvolva mais de-talhadamente a proposta (apresente os atores sociais, os meios e as razões para a execução).

Em continuidade ao trabalho de escrita, elabore a 2ª versão de seu artigo até 27/03/2019. Simplesmente escreva sobre a versão já existente. Caso haja dificuldades e você não consiga resolvê-las sozinha, deixe comentários e nós tentaremos responder a eles tão logo quanto possível.

Cordialmente,

A equipe de professores.

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No exemplo, foram destacados em negrito os trechos que têm origem dentre as op-ções previstas no formulário de avaliação. A partir da estrutura de base do documento, foi possível redigir o feedback individualizado e detalhado somente a partir da seleção de botões e caixas no formulário, o que abreviou consideravelmente o tempo necessário a esse trabalho. As decisões quanto à avaliação da segunda versão podem ser vistas no documento usado para planejar a criação do formulário, a seguir:

Exemplo 2

Prezad[*] [**],

Concluímos a avaliação do seu artigo e chegamos aos seguintes níveis de desempenho:

Versão C.1 C.2 C.3 C.4 C.5 Média N.4 N.5

Notas finais [***] [***]

Ao terminarmos a leitura do seu trabalho, podemos notar que você

• desenvolveu plenamente o gênero artigo de opinião, que está pronto para ser publicado.

• alcançou o gênero artigo de opinião e está prestes a alcançar também a publicação. Restam uns poucos ajustes por fazer e que estão destacados em seu documento.

• está avançando bastante no domínio do gênero artigo de opinião. Suas produções futuras já de-verão revelar mais progressos. No entanto, lembre-se de que a citação é usada para construir sentidos. Não vale a pena torná-las decorativas.

• demonstrou progressos. Será muito útil que você redobre com seus esforços, por exemplo, sis-tematizando as diferenças entre o discurso jornalístico e o discurso científico, entre outros as-pectos.

• demonstrou progressos. Será muito útil que você redobre com seus esforços, por exemplo, ob-servando a finalidade comunicativa associada ao título e à linha fina em um texto jornalístico, entre outros aspectos.

De um lado, a observação global do seu texto revela

• a sua capacidade de organizar com equilíbrio e correção os diferentes parágrafos, bem como a pontuação no interior deles. Você brilhou!

• a sua capacidade de organizar bem os diferentes parágrafos. Suas decisões sobre pontuação tam-bém revelam bons progressos em sua escrita. Nós achamos que você está indo muito bem!

• o seu esforço em organizar os parágrafos. O próximo passo será buscar o sentido exato dos ope-radores argumentativos, assim como encadeamentos mais naturais entre as frases. Continue em busca da clareza natural que as boas frases apresentam.

• o seu esforço em organizar os parágrafos. O próximo passo será ousar mais: buscar a diversidade de estratégias coesivas ao mesmo tempo em que evitará aquelas desgastadas pelo clichê. Expe-rimente!

• o seu esforço em organizar os parágrafos. Você deve mesmo continuar nessa direção e o livro “Lutar com palavras: coesão e coerência” será de grande ajuda. Estude-o na biblioteca da escola, em casa, no ônibus… em todos os lugares…

De outro lado, a observação mais detalhada de sua escrita indica

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• que você está indo muito bem e domina, senão todos, praticamente todos os aspectos que ca-racterizam a correção linguística. Mantenha esse capricho e mantenha junto de si os bons escri-tores.

• que você pode avançar mais em direção à correção linguística. Por exemplo, insista no estudo das regras de pontuação e lembre-se de que elas dependem muito do modo como você estrutura suas frases. É uma questão sintática.

• que você pode avançar mais em direção à correção linguística. Por exemplo, insista no estudo das relações entre os termos da oração, sobretudo as relações de concordância.

• que você pode avançar mais em direção à correção linguística. Para isso, deve familiarizar-se com as convenções da escrita: acentuação gráfica e emprego de acento grave, emprego de maiúsculas etc. Atenção para os detalhes…

• que suas escolhas vocabulares precisam libertar-se dos exageros e da intensificação apavorada. Quanto a isto, a leitura de Graciliano Ramos será muito instrutiva. Veja o quão sóbrios são os textos desse autor.

• Caixa de seleção: Nós fizemos alguns destaques coloridos em seu texto: ciano ≡ pontuação; ama-relo ≡ concordância; verde ≡ convenções da escrita; fúcsia ≡ Que susto! O resto é mistério…

Conforme você já deverá ter notado, estamos muito interessados no desenvolvimento de reflexões e de uma escrita que sejam autênticas e aprofundadas. Pensamos ser importante que você reconheça e evite a superficialidade e a artificialidade que caracterizam muitos dos discursos circulantes em nossa sociedade. Quanto a estes princípios centrais para a sua formação cidadã, nós

• podemos dizer que já reconhecemos em seu artigo uma reflexão ponderada e autêntica. Gosta-ríamos de continuar a ver suas ideias ao longo deste ano.

• não temos ainda claro se a principal voz que se manifesta em seu texto é autenticamente sua. Portanto, gostaríamos de insistir: reflita e manifeste sem censura a sua reflexão.

• terminamos pensando que você manifesta preocupação demais com ideias importantes de me-nos. A escola e o ENEM não são o centro do universo. Portanto, gostaríamos de insistir: reflita e manifeste sem censura a sua reflexão.

Cordialmente,

A equipe de professores.

No exemplo 2, podem ser vistas as decisões tomadas na etapa de planejamento e que constituíram o segundo formulário de avaliação. Tais decisões foram tomadas com base na produção dos alunos durante a primeira versão e a partir do exame preliminar de alguns tex-tos da segunda versão. Acredita-se que isso tenha sido importante para ajustar o mecanismo de avaliação às necessidades apresentadas pelos alunos. Nessa mesma direção, ao longo do desenvolvimento do projeto, diferentes formulários foram criados a fim de acompanhar a progressão dos alunos e as especificidades de cada proposta apresentada.

Em síntese, cada atividade de escrita realizou-se em um arquivo do Google Documen-tos no qual registraram-se as primeiras interações entre professor e aluno. Os professores realizaram sua avaliação usando um formulário que alimentou uma planilha dedicada a con-solidar essa avaliação. Em seguida, os dados consolidados foram transferidos a outra planilha, que já continha a lista completa e ordenada de alunos, suas respectivas turmas, prenomes, endereços de e-mail, além de uma coluna criada para abrigar as desinências de gênero que permitiriam a individualização em nomes tais como “prezado(a)”, “sozinho(a)”. Esta segunda planilha apresenta também as colunas dedicadas aos cálculos das notas. Até este ponto, as tarefas de avaliação haviam sido executadas com os aplicativos Google Formulários e Google Planilhas.

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Para a geração automática dos e-mails, foi necessário fazer o download da planilha em formato xlsx (Microsoft Excel). Essa base de dados foi vinculada a um documento do Microsoft Word criado com estruturas semelhantes às apresentadas nos exemplos 1 e 2. A ligação entre a base de dados e o documento fez-se por meio das ferramentas de mala direta. Finalmente, a operação de mesclagem de dados e texto levou à geração de e-mails encaminhados auto-maticamente aos alunos destinatários.

4. Considerações finais

Ao longo do ano letivo, o projeto Interconexões apresentou quatro propostas de pro-dução de texto, complementares às demais propostas desenvolvidas no âmbito das disciplinas Língua Portuguesa e Redação. A avaliação dessas quatro propostas levou a duas correspon-dências com cada aluno, perfazendo cerca de 600 correspondências ao longo do ano letivo. De um lado, a avaliação revelou-se padronizada o suficiente para impedir eventuais oscilações decorrentes da leitura que cada professor faria dos textos. De outro lado, o detalhamento das opções permitiu uma interpelação bastante individualizada a cada sujeito.

A insistência na individualização do feedback deve-se à tentativa de manifestar o laço afetivo apontado por Leite (2013) como necessário à mediação das aprendizagens. Ao mesmo tempo, o estabelecimento de critérios sistemáticos para a avaliação busca contemplar o olhar multidimensional e objetivo para a avaliação preconizado por Antunes (2006) e Abaurre e Abaurre (2012). Do mesmo modo, buscou-se contemplar a avaliação formativa defendida por Hadji (2001) e Hoffmann (2009) na elaboração dos itens que constituíram o feedback.

Muitos fatores concorrem para o desenvolvimento da capacidade de escrever, desde o engajamento pessoal do sujeito até as atividades, intervenções e vivências que ele venha a encontrar em sua trajetória formativa. Sabendo-se que as intervenções dos professores po-dem ser decisivas nesse processo, buscou-se apresentar alternativas acessíveis para o enri-quecimento do diálogo entre professor e aluno durante a avaliação. Por óbvio, não se alcan-çou a individualidade da relação orientando e orientador discutida por Machado (2007), mas acreditamos ter havido avanços na capacidade de realizar a avaliação e comunicar seus resul-tados para cada produção dos alunos.

5. Referências

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