avaliação psicológica no Âmbito jurídico e o agir Ético 1

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 Quart’ética realizada em 21/03/2007 Tema: Avaliação Psicológica no Âmbito Jurídico e o Agir Ético Palestrante: Psicóloga Leila Maria Torraca de Brito – CRP 05/5874 Queria agradecer ao CRP-RJ - especialmente à Comissão de Ética, à amiga Ana Lúcia e à Zarlete - pelo convite para participar desse encontro e pela possibilidade de estar aqui, hoje, discutindo essas questões. Percebo também que nessa mesa-redonda tenho o prazer de estar  junto a três ex-alunos , hoje três profission ais de muita competência e reconhecidos na área. Como o César falou inicialmente, considero que na questão da avaliação psicológica, esse agir ético no âmbito da Justiça é algo que se discute já há bastante tempo e acho que ainda vamos continuar essa discussão por um longo período, porque se percebe que novas questões, novas demandas, vão chegando aos Serviços de Psicologia trazendo, por vezes, novos impasses. Acho muito bom que a comissão de ética esteja realizando essas reuniões com os psicólogos, como a Ana Lúcia vem fazendo, porque a avaliação psicológica, ou o trabalho que o psicólogo vai realizar na Justiça, depende não só da atuação do profissional como depende também do que está sendo transmitido e ensinado nas universidades e de como o Conselho está discutindo, encaminhando, regulando essas questões, ajudando os profissionais a pensarem na sua prática. Trata-se, assim, de tema que realmente deve ser tratado por todas essas instituições. Quando falamos da avaliação no contexto da justiça, me parece que poderíamos estar definindo, talvez, três parâmetros iniciais para se começar a discussão sobre essa avaliação psicológica. Quer dizer, primeiro seria a identificação da área de atuação do profissional, depois qual é o tipo de demanda que ele recebe, e por último as atribuições. Não estou com isso querendo trazer qualquer definição padrão, não é isso, mas indicar como busco compreender o que caberia ao profissional psicólogo no âmbito da Justiça, em relação a essas avaliações psicológicas. Assim, em um primeiro momento, quando falo em área de atuação, acho que deveríamos perguntar por que esse profissional psicólogo está ali naquela determinada instituição realizando esse tipo de trabalho. Quer dizer, qual a especificidade de seu trabalho na instituição? Ou ainda, junto a qual área do Direito ele atua? O César citou, com o exemplo que ele trouxe do menino que cometeu a infração, a área da infância e juventude. Então esse psicólogo está ali, atuando na Justiça da Infância e Juventude. A partir daí pode-se perguntar quais são os grandes temas que ele está lidando? Ele trabalha com o quê quando atua na área

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Conselho Regional de Psicologia-RJ. Quart’ética realizada em 21/03/2007Palestrante: Psicóloga Leila Maria Torraca de Brito.Disponível em http://bit.ly/1gbVAga

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  • Quarttica realizada em 21/03/2007 Tema: Avaliao Psicolgica no mbito Jurdico e o Agir tico Palestrante: Psicloga Leila Maria Torraca de Brito CRP 05/5874

    Queria agradecer ao CRP-RJ - especialmente Comisso de tica, amiga Ana Lcia e Zarlete - pelo convite para participar desse encontro e pela possibilidade de estar aqui, hoje, discutindo essas questes. Percebo tambm que nessa mesa-redonda tenho o prazer de estar junto a trs ex-alunos, hoje trs profissionais de muita competncia e reconhecidos na rea.

    Como o Csar falou inicialmente, considero que na questo da avaliao psicolgica,

    esse agir tico no mbito da Justia algo que se discute j h bastante tempo e acho que ainda vamos continuar essa discusso por um longo perodo, porque se percebe que novas

    questes, novas demandas, vo chegando aos Servios de Psicologia trazendo, por vezes, novos impasses. Acho muito bom que a comisso de tica esteja realizando essas reunies com os psiclogos, como a Ana Lcia vem fazendo, porque a avaliao psicolgica, ou o trabalho que o psiclogo vai realizar na Justia, depende no s da atuao do profissional

    como depende tambm do que est sendo transmitido e ensinado nas universidades e de como o Conselho est discutindo, encaminhando, regulando essas questes, ajudando os profissionais a pensarem na sua prtica. Trata-se, assim, de tema que realmente deve ser tratado por todas essas instituies.

    Quando falamos da avaliao no contexto da justia, me parece que poderamos estar definindo, talvez, trs parmetros iniciais para se comear a discusso sobre essa avaliao psicolgica. Quer dizer, primeiro seria a identificao da rea de atuao do profissional, depois qual o tipo de demanda que ele recebe, e por ltimo as atribuies. No estou com isso querendo trazer qualquer definio padro, no isso, mas indicar como busco compreender o que caberia ao profissional psiclogo no mbito da Justia, em relao a essas avaliaes psicolgicas.

    Assim, em um primeiro momento, quando falo em rea de atuao, acho que deveramos perguntar por que esse profissional psiclogo est ali naquela determinada

    instituio realizando esse tipo de trabalho. Quer dizer, qual a especificidade de seu trabalho na instituio? Ou ainda, junto a qual rea do Direito ele atua? O Csar citou, com o exemplo que ele trouxe do menino que cometeu a infrao, a rea da infncia e juventude. Ento esse psiclogo est ali, atuando na Justia da Infncia e Juventude. A partir da pode-se perguntar

    quais so os grandes temas que ele est lidando? Ele trabalha com o qu quando atua na rea

  • da Justia da Infncia e da Juventude? Ele est trabalhando com adoo, por exemplo, ele est trabalhando com violncia contra criana, est trabalhando com jovens em conflito com a lei... eu acho que ele teria que comear a circunscrever quais so esses temas que ele est

    lidando e logicamente, tambm, quais so as legislaes pertinentes a esses mesmos temas.

    No estou dizendo que o psiclogo precisa saber a lei de cor, mas deve-se ter uma idia da legislao. Bem, se falo da justia da infncia e da juventude eu tenho que saber que existe o Estatuto da Criana e do Adolescente, que existe a Conveno Internacional dos Direitos da Criana... , que so legislaes que eu devo entender os pressupostos, as diretrizes como, por exemplo, a orientao da doutrina da proteo integral, que consta dessas legislaes que citei.

    Como segundo ponto, acho que seria importante compreender as demandas. Ento, na justia da infncia e da juventude, qual especificamente o caso que esse psiclogo est atendendo? Nesse pedido de avaliao psicolgica que me foi encaminhado, como que eu vou transformar esse pedido que chega pela justia em objeto de avaliao psicolgica? Sabemos que muitas vezes nos so encaminhados nessa rea processos, por exemplo, de adoo, ou de adoo por cnjuge, mas esses so termos, expresses, que o Direito utiliza. Quando chega ao psiclogo, como que eu vou transformar isso em um objeto de avaliao psicolgica? Eu acho que uma pergunta que antecede tambm se h necessidade, se

    cabvel uma avaliao psicolgica da questo que foi encaminhada, ou ainda, questionar se h realmente pertinncia do trabalho do psiclogo. Se houver, bom, ento em relao a qu? preciso definir, ter clareza de como o psiclogo ir atuar. Quais so os temas da psicologia, temas prprios da psicologia, que eu devo estar pensando na hora de avaliar esse determinado caso especfico? Ento, por exemplo, na adoo, eu tenho que pensar em relaes familiares, tenho que pensar em filiao, parentesco, famlias contemporneas... enfim, esses so temas

    prprios psicologia, que devo estar elegendo como objeto de estudo nesse momento em que vou realizar essa avaliao nos casos de adoo. Eu acho que esse seria um primeiro recorte, uma primeira diretriz para se evitar essa confuso - como o Csar falou - entre o que prprio

    do Direito e o que da Psicologia. Seria, justamente, ns podermos decodificar, clarear, identificar, os temas prprios da Psicologia que estariam relacionados. Compreender que o

    processo em relao a isso, no caso, adoo, mas essa a denominao que o Direito usa, no entanto, para a Psicologia qual o tema realmente de trabalho, ou quais os temas que devo me reportar? Acho, ento, que essa compreenso inicial estaria ligada identificao dessa demanda.

  • Bom, sem dvida, acho que identificado esse objeto de avaliao, ns no podemos esquecer tambm de como o campo social atinge o sujeito e as suas problemticas. Considero que, h algum tempo, rompemos com essa lgica de busca de patologias individuais que caracterizava a realizao de percias. Hoje, ns temos o prprio Manual de Elaborao de Documentos Escritos, produzido pelo Conselho Federal de Psicologia, que fornece diretrizes para a confeco de relatrios e do qual at retirei uma frase que diz: as questes de ordem

    psicolgica possuem determinaes histricas, sociais, econmicas e polticas. Ento lgico que nessa avaliao vou ter que estar levando em considerao todas essas questes ao avaliar o caso que me foi encaminhado. Os sujeitos que esto includos nos processos judiciais no esto sozinhos no mundo, mas suas vidas encontram-se entrelaadas s questes sociais, econmicas e polticas daquela sociedade naquele momento histrico, e histria da prpria sociedade e da famlia.

    Como uma ltima etapa, acho que ns poderamos estar pensando nessas atribuies do profissional. Desde o momento que identifiquei, ento, qual seria esse objeto de avaliao prprio da Psicologia, qual seria tambm o objetivo do trabalho, resta a pergunta de como vou realizar esse trabalho. E a eu tenho que saber, tenho que ter muita clareza a respeito do meu

    papel profissional. Quer dizer, qual o papel que estou ali representando? Porque o fato de estar realizando um trabalho junto Justia no resposta suficiente, pois nesse mbito posso ter vrios papis. Eu posso, como o Csar falou, ser psiclogo do Poder Judicirio, como o Csar e a Eliana so, mas posso tambm ser um perito do juzo, posso ser um assistente tcnico de um advogado, posso at ser um psiclogo particular que por algum motivo esteja realizando essa avaliao. Ento eu tenho que saber exatamente qual o meu papel, pois isso vai me ajudar tambm a definir essa relao tica: que lugar eu ocupo, quais so as minhas atribuies, meus limites e, principalmente, quais so os meus impedimentos ticos na realizao dessa tarefa. Se no houver essa clareza, corre-se o risco de achar que, como o trabalho dirigido ao poder judicirio, tudo o que o profissional ouviu deve ser minuciosamente relatado, como j observei em algumas situaes. Entendimento que me parece equivocado, pois o sigilo profissional faz parte do trabalho do psiclogo, independentemente de onde este esteja atuando.

    Compreendo que muito claro que o psiclogo, quando trabalha junto ao Poder Judicirio, no deve ser visto como um espio qualificado, como um policial, ento nesse sentido eu no tenho que estar transcrevendo no processo o relato do meu cliente. Essa transcrio do relato geralmente se d nas delegacias policiais, quer dizer, no esse o

    trabalho do psiclogo. Como o Csar ressaltou, essas concluses decorrentes da avaliao

  • psicolgica que vou realizar, elas so concluses sobre questes psicolgicas e no sobre questes jurdicas. Isso de fundamental importncia! As sentenas, portanto, no so de incumbncia dos psiclogos, e sim dos juzes. Ento, se poderia perguntar se o psiclogo deve chegar a uma concluso em seu trabalho. Seus relatrios devem ser conclusivos? Sim, se ele

    acha possvel. Mas vou chegar a uma concluso sobre questes que so da ordem da Psicologia, e no do Direito, concluses sobre questes psicolgicas. a partir dos dados encaminhados pela Psicologia, pelo Servio Social, pelos advogados se for o caso , pelo MP, que o juiz ir, ento, proferir a sentena.

    Compreendo que se deve ter muito cuidado na confeco de relatrios, pareceres, informes, principalmente com o uso de termos, expresses e conceitos que muitas vezes s

    tm sentido, ou so prprios de uma disciplina. Vejo que algumas vezes essa aproximao das Cincias Humanas com o Direito causa certa confuso, principalmente em relao utilizao

    de termos, conceitos e suas compreenses. Os psiclogos, s vezes, se apropriam de termos do Direito e vice-versa tambm, a gente observa os profissionais do Direito se apropriando de termos que so prprios da Psicologia, e a se estabelece uma confuso generalizada, quer dizer, o juiz vira psiclogo, o psiclogo vira juiz, e ningum entende muito bem qual o sentido daquele termo que foi empregado, quando cada um o interpreta luz de sua disciplina.

    Em relao a isso, h pouco tempo encaminhei um artigo para publicao em uma

    revista da rea da Psicologia. Nesse trabalho eu falava alguma coisa sobre a aplicao das medidas scio-educativas, e ainda citava o artigo do Estatuto que dispe: cabe ao juiz aplicar a medida scio-educativa.... Depois de muito tempo, esse texto retorna e o parecerista que o avaliou queria que eu trocasse o termo aplicar. Por ser uma revista de nossa rea, com certeza o parecerista tambm era psiclogo, mas provavelmente algum que no era ligado Psicologia Jurdica e fez uma avaliao que o termo aplicar medida scio-educativa era funcionalista, positivista e mais uma srie de conceitos e justificativas, todos da Psicologia. E a ficamos num bate-bola, num vai e volta de explicaes e justificativas. Eu justificava que era um termo que no poderia mudar, pois assim que se apresenta na legislao, alm disso,

    no estava dizendo que era eu quem aplicava a medida scio-educativa e sim o juiz. Esse um termo que est ali na legislao, o juiz aplica a medida scio-educativa. A gente pode at achar que o aplicar feio, posso implicar com o aplicar, mas no tem jeito, est ali na lei. No cabe uma avaliao psicolgica de um termo que no prprio da Psicologia, como tambm de uma de atribuio que no de psiclogos. Ento, eu compreendo que so esses cuidados que se deve ter.

  • Em relao ao Cdigo de tica, acho que se deve pensar nesse agir tico avaliando tambm o que consta do nosso cdigo, quer dizer, como o cdigo de tica nos ajuda, nos d respaldo para esse agir tico. O cdigo no deve ser pensado como um instrumento de controle dos psiclogos, eu acho que no isso, mas como um documento de orientao,

    documento que possa dar suporte, que possa dar sustentao a esse fazer profissional. E a, eu no vou me deter muito na anlise do Cdigo de tica, mas eu acho que, apesar

    de ser novo, recente - e j discuti isso aqui com a Ana Lcia e com outras pessoas numa reunio fechada -, e gostaria de ressaltar tambm que essa uma viso particular, mas no gosto muito desse Cdigo de tica, ou no o compreendo bem. Acho que ele no traz esse suporte, essa sustentao que precisamos. No sei se visando privilegiar a iniciativa do

    profissional, ou quem sabe seu livre arbtrio, deixou-se de lado justamente o que se espera de um Cdigo de tica, ou seja, um norte, uma orientao para os profissionais em sua atuao, como tambm para que possam apontar, quando necessrio, que esto ancorados no Cdigo de tica de sua profisso. Acho que o antigo Cdigo, em relao a algumas questes, fornecia mais suporte ao profissional. Ressalto que teramos de repensar, nesse agir tico, o quanto o cdigo pode ser importante para dar esse suporte ao psiclogo.

    Bem, como exemplo dessa minha implicncia com o Cdigo de tica, posso citar que o Cdigo diz: So deveres fundamentais dos psiclogos: fornecer, a quem de direito, na

    prestao de servios psicolgicos, informaes concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional; informar, a quem de direito, os resultados da prestao de servios psicolgicos, transmitindo somente o que for necessrio para a tomada de decises que afetem o usurio ou o beneficirio. Nesse sentido, tenho escutado muitas dvidas de profissionais de diversos estados no que diz respeito ao termo a quem de direito. Ou seja, quem a quem de direito? Como que se vai definir isso? Se eu trabalho com um juiz que diz que a quem de direito ele, que eu tenho de informar tudo para ele e acabou, o que fao? Qual o respaldo que se est fornecendo para esse psiclogo dizer: no, olha, a quem de direito no bem isso. Qual o respaldo que o cdigo traz?

    Quer dizer, acho que se compararmos com o cdigo antigo, nesse sentido, ele dizia: So deveres dos psiclogos dar pessoa atendida, ou, no caso de incapacidade dessa, a quem

    de direito, informaes concernentes ao trabalho a ser realizado. Eu acho que bem diferente: pessoa atendida ou, se essa pessoa for incapaz, a sim, a quem de direito. Agora, aqui, no atual Cdigo de tica, esse entendimento foi simplificado e ficou a quem de direito, de maneira generalizada. Se no compararmos com o que est escrito no antigo

    cdigo, a compreenso pode ser difcil ou equivocada.

  • Bom, e s pra ressaltar um outro artigo eu teria muitos como j mostrei Comisso de tica, quer dizer, muitas questes em relao a esse cdigo mas uma ltima situao que as pessoas que atuam no judicirio vm se queixando justamente de como fica esse agir tico em relao ao artigo 11, que diz: Quando requisitado a depor em juzo, o psiclogo poder prestar informaes considerando o previsto neste Cdigo. Bem, o cdigo fala da questo do sigilo profissional. Agora, esse artigo 11 me parece bastante problemtico. Primeiro, porque

    ele diz quando requisitado a depor em juzo. Quando requisitado a depor em juzo como? Na qualidade de qu? Na qualidade de perito, na qualidade de testemunha, na qualidade de qu? O que vem acontecendo so situaes em que psiclogos do Tribunal que atuaram em determinados casos, realizaram uma avaliao psicolgica, e s vezes anos, meses depois so

    requisitados enquanto testemunha para depor em outros processos correlatos. E a eu acho que o cdigo desampara, em muito, esses profissionais. Primeiro porque o Cdigo de Processo

    Civil j traz respaldo dizendo que a testemunha no obrigada a depor de fatos a cujo respeito, estado ou profisso deva guardar sigilo. Ento, o Cdigo de Processo Civil j fala sobre isso. Como exemplo, pode-se citar tambm que, nos que diz respeito aos advogados, alm do que se encontra disposto no Cdigo de Processo Civil, o Estatuto do Advogado diz

    que o advogado deve resguardar sigilo mesmo em depoimento judicial, ento o Estatuto do Advogado bem claro em relao a isso, no deixa dvidas. O Cdigo dos assistentes sociais

    diz: vedado ao assistente social depor como testemunha sobre situao sigilosa dos usurios de que tenha conhecimento no exerccio profissional, mesmo que autorizado. Ento, so cdigos que definem para o profissional: voc pode, voc no pode; est ali, bem explicado. Eu acho que o nosso cdigo, nesse sentido, um dos poucos que deixa o profissional literalmente no fogo: quando requisitado a depor, pode prestar informaes. O que pode? Porque o pode diferente do deve, ou de vedado. Deve uma coisa. Pode, eu posso, como tambm no posso, no sei. Considero que no cabe a um Cdigo de tica dizer tanto faz, acho que o cdigo deve orientar o profissional, deixar claro os impedimentos, o cdigo est ali para definir.

    Ento, quando se fala desse agir tico, acho muito bom poder estar aqui no Conselho, porque eu acho que esse agir tico na avaliao psicolgica inclui todas essas questes. Inclui

    as dvidas que ns, profissionais, temos de como realizar essa avaliao psicolgica, mas eu acho que inclui tambm esse respaldo. Respaldo que os Conselhos, Conselho Federal, Conselho Regional, precisam fornecer, a partir dessas necessidades apontadas pelos profissionais, quer dizer, como que se pode estar auxiliando o psiclogo para que esse agir

  • tico realmente se d sem dvidas, para que se tenha mais clareza em relao a esse trabalho do psiclogo, essa interveno.

    Bom, tenho certeza de que o meu tempo j esgotou, a Eliana est sendo super educada em no apontar isso... eu queria agradecer e depois seguimos a conversa no debate.

    Participante: Jos Jorge Boa noite, meu nome Jos Jorge, sou estudante de Psicologia na Uerj. E a palestra

    toda me assustou muito, assim, porque parece que o psiclogo est completamente perdido na Justia: no tem condio para trabalhar, no tem capacitao, o que ele faz vale ou no vale, ningum sabe nada, a tica... sabe? Sei l... (Risos)

    uma pergunta meio geral, mas o bsico que eu queria saber o qu o Conselho est fazendo, entende, pra organizar a gente? Pra quando eu terminar a faculdade poder trabalhar no Frum, feliz? (Risos).

    Participante: Maria Luisa Eu sou Maria Luisa, sou psicloga da 1 Vara de Famlia de Nilpolis, presto auxlio

    2 Vara de Famlia, Infncia e Juventude e do Idoso de Nilpolis tambm. Como seu nome mesmo? Jos, a gente no est to perdido assim! (risos) Na verdade, no bem uma pergunta, acho que eu quero fazer um depoimento de profissional, como os colegas - a Eliana e o Csar - a gente encontra muitas dificuldades, a gente tem muitos questionamentos, sou ex-aluna da Leila tambm, mas desde o incio, desde o dia em que eu botei os ps l no Tribunal, eu procurei subsdios. Realmente o profissional, como a Mrcia colocou, a gente tem que procurar se capacitar, porque o Tribunal manda a gente pra frente de trabalho e a gente tem que se virar, mas eu acho e isso acho que posso falar pelos colegas tambm que a gente se questiona muito, a gente discute, a gente se rene e procura fazer um bom trabalho, com equvocos, com avanos, com retrocessos, mas no uma coisa que... hoje em dia, recentemente a gente at recebeu um material... depois de alguns anos de pedido chegou muito material que eu acho que vai nos ajudar. Material mesmo: giz de cera, lpis, quadro-negro, bonecos. No, bonecos ainda no chegaram, livrinhos, mas uma coisa que uma batalha de anos, que finalmente se concretizou. Porque a presena dos psiclogos no Tribunal aqui no Rio tambm relativamente recente, n? No tem nem dez anos ainda. Ento, eu acho que quem chega primeiro, s vezes a gente realmente se depara com situaes que a gente nem imaginava, que a gente no estava preparado, e a o preo que se paga,

  • mas eu acho que a coisa tende a melhorar. Acho que quando voc se formar a gente j vai saber mais do que a gente sabe hoje!

    E uma outra coisa que eu queria colocar, em relao fala da Mrcia tambm, que acho que em outros eventos que eu participo a gente sempre fica com uma idia que a regra no entrevistar uma pessoa supostamente um abusador. E isso no verdade. Quer dizer, eu sei que isso acontece, h instituies em que isso regra, mas l na Vara onde eu trabalho e com os colegas com que a gente conversa existe um cuidado, principalmente no contexto de Vara de Famlia, porque muitas acusaes que a gente ouve numa Vara de Famlia s vezes so absurdas. Como voc colocou, ah, porque na casa do pai no toma banho, ou na casa da me.... Porque isso tambm acontece, no s em relao figura feminina, quer dizer, figura masculina. s vezes existe uma queixa em relao casa da me, a me s vezes se casou novamente, o pai no gosta do novo companheiro da me, ento as acusaes s vezes se voltam para esse novo companheiro da me. Ento, por mais que a gente se prepare, trabalhar no judicirio sempre nos pega de surpresa, porque a gente acha que j viu de tudo e a surge uma situao nova. Mas eu acho que isso, a mim, pelo menos, o que me faz gostar de trabalhar l. Porque a gente est sempre encarando novos desafios, no tem monotonia, jamais. Enfim, eu acho que no desista, se voc tem vontade de trabalhar na rea, eu acho que vale a pena.

    Agora, tem uma questozinha que o Csar falou que eu queria colocar tambm, aproveitando, que eu tenho uma experincia diferente. s vezes quando um juiz no acata alguma coisa que eu coloquei e a deciso dele aponta numa direo totalmente diferente de uma coisa que eu coloquei no meu estudo, isso s vezes me d um certo alvio, sabe? Porque tem certos operadores do Direito que tm uma demanda que a gente realmente decida por eles. Isso eu j ouvi, uma juza uma vez me disse ah, eu quero que em trs horas voc diga com quem a criana deve ficar. Era um processo grave, um litgio acirrado, como que em trs horas, numa situao de anos de violncia domstica, uma situao complicada, voc vai poder... nem com uma iluminao, assim, no tem como! (Algum fala alguma coisa inaudvel). Sim, o mximo que voc pode com o tempo, com muitas entrevistas, s vezes apontar uma direo. Apontar uma direo, que outra coisa de decidir. Por isso que s vezes numa situao, claro que eu no coloquei, porque eu no tinha como colocar, mas eu sei que em alguns juzos pode ser fonte de problema, porque a demanda essa mesmo, mas no so todos, o judicirio tem isso de peculiar, cada juzo s vezes tem uma marca muito forte da pessoa que est ali naquela posio de magistrado. Ento a gente, enfim, se depara com profissionais que trabalham de diferentes formas. Acho que eu procuro dialogar,

  • procuro expor, bato na porta do gabinete, doutora, doutor, me coloco, acho que a gente no pode ficar passivo. A gente t ali interagindo, ento... enfim, eu j falei muito. Mas porque eu no quero que uma pessoa que de repente pode ser um profissional, um colega, venha a desistir (risos). Acho que difcil, s vezes pesado, mas eu acho que extremamente gratificante em alguns momentos tambm, enfim, acho que vale a pena a tentativa, ta?

    Participante: Elizabeth Meu nome Elizabeth Paiva, sou psicloga do famigerado, atualmente chamado

    DEGASE, que o departamento scio-educativo geral de acompanhamento de adolescentes em cumprimento de medida scio-educativa. Bom, eu tambm trabalho em Nilpolis, trabalho no CRIAM de Nilpolis, e muito interessante, Csar, quando voc fala que o juiz... a juza francesa colocando que no quer tudo, n? Vamos dizer, o que a gente percebe no dia-a-dia com os juzes, principalmente juzes de infncia e juventude, com os adolescentes em conflito com a lei exatamente que o psiclogo, ou a equipe que acompanha o psiclogo em cumprimento de medida scio-educativa d a ele subsdios muito concretos, e s vezes at um certificado de garantia de que o sujeito no mais vai cometer um ato infracional. E uma das coisas que a gente tem apontado muitas vezes para alguns juzes exatamente o seguinte: olha, o certificado de garantia que vai num eletrodomstico est l escrito que se der defeito pode ser corrigido, n? Voc tem como fazer alguma coisa. E como que voc enquanto psiclogo vai dar um laudo conclusivo de que no vai mais cometer um ato infracional? Eu acho que essa uma inquietao e a eu digo para voc: bem-vindo ao mundo da questo da Psicologia e o Direto! um lugar de... e eu acho que a Psicologia j um campo de inquietao, n, no tem jeito, no tem sada. E eu acho que a Leila, quando ela fala da questo de voc estar contextualizando o que voc escreve, quem esse adolescente, de que famlia, de que sociedade, em que lugar, em que comunidade ele est inserido. E hoje eu penso o seguinte: eu no fao mais laudos s com relao questo da subjetividade. Mas eu falo de como que um adolescente, um jovem, pode cumprir a medida scio-educativa. As dificuldades e nesse sentido eu acho que estou eu e colegas caminhando no sentido de que agora a gente escreve os relatrios junto com os adolescentes. E que, realmente, o momento de uma reavaliao e de um re-julgamento seja um momento de fala, de palavras, de discusso, de contradies. E no mais simplesmente um laudo que d um parecer conclusivo.

    Participante: Tatiane

  • Boa noite, meu nome Tatiane, eu sou estudante ainda, da UFRJ, e assim, isso que a colega falou agora, de que um lugar de inquietaes eu to percebendo muito, principalmente essa rea, que uma rea que eu tenho me interessado muito ultimamente, mas que realmente tem me trazido muitas inquietaes. E o que me chamou ateno, principalmente na pesquisa da Mrcia, foram alguns relatos quando uma das psiclogas fala: ah, eu no posso afirmar que a criana foi abusada porque ela utilizou o boneco anatmico e a tava l mexendo num orifcio, de repente por uma curiosidade, por uma novidade, o boneco. E a depois um outro relato falou tambm que ah, se a criana ainda no falou nada, eu vou dar um laudo parcial, n, uma psicloga falou, a depois que a criana falou eu posso dar meu laudo conclusivo. Isso uma questo que eu fico pensando assim..., ento a idia que eu tive com esse relato : no laudo parcial eu ainda no tenho certeza, no laudo conclusivo eu tenho a certeza de que ela foi abusada, porque alguma coisa que ela me falou sugeriu isso. E eu acho isso muito complicado.

    E uma outra questo que me surgiu , no sei, desculpa a ignorncia, se isso j foi algo muito claro, mas como que essa capacitao que vocs falaram tanto? Que os psiclogos o tempo todo falaram o profissional tem que estar capacitado, se ele no estiver capacitado ele no vai poder afirmar, se ele tiver capacitado ele vai poder afirmar. Ento eu fiquei pensando como que essa capacitao, ento, que permite que o psiclogo possa afirmar que a criana realmente foi abusada, por exemplo?

    Palestrante: Leila Bom, vou tentar juntar um pouco essas questes. Eu acho que a Psicologia Jurdica, quer

    dizer, o trabalho dos psiclogos na Justia, Jos, ele trouxe, na verdade, temas novos que foram direcionados aos psiclogos. Quer dizer, uma srie de temas que so direcionados ao psiclogo e que, como ns falamos, chegam com uma nomeao prpria ao Direito, e a nesse

    primeiro momento voc deve questionar: bom, o que eu vou fazer com isso?, como

    trabalhar com um jovem em conflito com a lei, como trabalhar com uma adoo, com uma contestao adoo?. E a, como ns dissemos, eu acho que s atravs dessas discusses,

    das leituras, a gente procurando justamente mapear o que prprio da Psicologia, que se comea a ter essas respostas.

    Agora, alm dessas temticas, que a se pode buscar auxlio sem dvida na bibliografia internacional, mas existe tambm o que prprio do trabalho ali, naquela regio. Como a

    Maria Luiza falou, alguns profissionais do Direito trabalham dessa ou daquela forma, exigem

  • isso ou aquilo, ento novas questes surgem nesse cotidiano, questes implicadas com a tica, com esse fazer no dia-a-dia, e eu acho que pra isso que ns estamos aqui! Por isso o Conselho convocado a estar discutindo com a gente, assim como o Conselho tambm nos convoca, e nesse continuum que se vai procurando traar essas diretrizes justamente para que esse profissional, no momento em que for exigido por um determinado magistrado que atue dessa ou daquela forma, que esse profissional possa ter respostas, mas respostas que

    tambm foram produzidas pela sua categoria profissional. Quer dizer, ele tem essa segurana de dizer no, o caminho esse, ou o caminho outro.

    Quando a Beth falou dos laudos que hoje so produzidos por muitos profissionais do DEGASE junto com o jovem, eu acho que isso retrata uma mudana que houve em muito pouco tempo. H pouqussimo tempo ns fizemos na Uerj um trabalho com o DEGASE e no era isso o que acontecia, as pessoas ainda estavam muito assustadas, as relaes de fora na

    instituio eram complicadas. Quer dizer, saber que hoje, em pouqussimo tempo, isso possvel, eu acho que muito bom para toda a categoria profissional poder estar discutindo sobre essas possibilidades.

    Agora, como o Csar falou, quer dizer, quanto a esses cuidados que se deve ter. Se a

    gente escreve Salvo Melhor Juzo, ser que alguma avaliao psicolgica diz isso, que se deve usar essa expresso? Ou ser que, mais uma vez, se est importando essa expresso do

    Direito e achando que o mximo, imagina, os advogados escrevem, est ali no processo, vou usar tambm. E a gente faz isso de uma forma ingnua, achando que assim, quer dizer, s a partir do momento em que se comea a discutir, se comea a pensar sobre isso, que se vai avaliando esse trabalho do psiclogo como ele sendo mais um dos fios desse processo. No processo que o juiz vai julgar consta o relatrio do assistente social, o relatrio do psiclogo, o pronunciamento da defesa, o pronunciamento da acusao, do Ministrio Pblico, so vrios fios nesse processo. O relatrio, a avaliao psicolgica, mais um desses fios que vai compor o processo e da, ento, o julgamento ser feito pelo magistrado.

    Quando a Mrcia estava falando desses avaliadores e a gente estava discutindo isso, me veio a pergunta: quem avalia os avaliadores ? Na verdade, a proposta da Mrcia foi um pouco essa, estar avaliando o trabalho dos avaliadores. E a eu acho que chama ateno no trabalho

    da Mrcia essa dificuldade de quem est l na ponta trabalhando com esse tema. A estrutura de trabalho precria dessas pessoas, muitas vezes essa ausncia de capacitao ou uma capacitao que no capacita, como eles disseram. Eu acho que isso tambm uma questo que - agora que estou de frente para aquele cartaz ali: Psiclogo, seu fazer nos interessa - eu

    lembrei, quer dizer, o Conselho Federal vem desenvolvendo pesquisas e um dos itens que h

  • pouco tempo estava no site, era justamente a pesquisa com quem trabalha com violncia contra a criana. Nessa pesquisa, o Conselho Federal procura saber quem so esses profissionais, quais as condies de trabalho, aonde eles trabalham, quer dizer, eu acho que isso vai permitir tambm, ao Conselho, o mapeamento de quem esse profissional, quais as

    suas condies de trabalho, para que o prprio Conselho, o Conselho Federal enquanto rgo de classe possa tambm estar ajudando, atravs de reivindicaes junto ao local onde esses profissionais trabalham, nas instituies, possa estar reivindicando melhores condies de trabalho para esse profissional. Mais uma vez, eu acho que a questo da rede, nesse momento o Conselho Federal tem que atuar como uma rede, que vai mapear quem so esses profissionais, suas condies de trabalho, e vai brigar para que isso se d de uma forma mais

    adequada para todos ns.

    Participante: Simony Boa noite, meu nome Simony, sou estudante de Psicologia. Eu queria s que voc, a

    Leila, falasse um pouquinho do cdigo, o que ela pensa mais sobre, porque achei que voc falou um pouco rpido e eu no entendi como que voc pensa, o que voc pensa sobre ele. Eu queria que voc falasse um pouquinho mais sobre isso.

    Participante: Luiza Luiza, sou da Psicologia Jurdica da Veiga de Almeida. Quando voc estava falando do

    Salvo Melhor Juzo, eu lembrei de uma coisa, que quando voc faz Oratria, voc aprende a tomar cuidado com o eu modesto, a voc aprende a usar aquela coisa ns, ns, ns e quase voc fala assim a nossa esposa, as nossas esposas. Ento, assim, voc acaba misturando uma coisa com a outra, tentando usar um eu modesto, mas acaba que voc confunde e voc queima toda a oratria. E a lembrei tambm de Scrates, que diz tudo o que sei que nada sei. E por isso eu estou superior a todos, sou superior a todos. Ento, acho que a gente entra meio que nessa, nesse ponto de iminncia, meio sem saber, uma hora a gente quer ser modesto, acaba queimando todo o nosso filme na oratria, e por outro lado, acho que a gente no quer ser arrogante como Scrates. Quando ele usou essa frase, apesar de ser belssima, tudo o que sei que nada sei, mas ele foi extremamente arrogante, n com aquele discurso dele da oratria, da persuaso, no sei o qu... ento, assim, existe um ponto a, ponto de iminncia, que uma matria de fsica, voc vai l ver que voc vai empurrar algum objeto, se voc imprimir uma fora um pouquinho maior, aquele objeto vai

  • andar, mas tem uma outra fora que voc pode colocar para que aquele objeto no ande, mas que funcione muito bem. Ento eu no sei se a que a gente est perdendo, a gente est no ponto de iminncia, a gente est perdendo um pouco a presso ou a quantidade de fora que devemos imprimir em tudo isso. Ento acho que essa a grande questo da Psicologia Jurdica, a gente est numa cordinha bamba, e como andar nela...

    Eu concordo com a outra pessoa que falou aqui no sentido de que a gente at se capacita, mas no s ter a informao, mas o que voc vai fazer com a informao. Ento, assim, fazer cursos, eu acho que a gente faz uma poro, mas a vivncia diferente, s voc experimentando para saber. Ento eu no sei, eu acho que a gente... bom esse repensar, bom a gente ler, mas eu acho que na prtica que a gente vai fazendo a diferena, os nossos pontos de iminncia.

    Participante: Pedro Bom, boa noite, meu nome Pedro, eu sou professor do Instituto de Psicologia da

    UFRJ e fui at bem pouco tempo psiclogo da famigerada, como disse a Beth Paiva, s que a minha ainda mais famigerada, Polcia Militar. Toda essa conversa, eu acho que principalmente na figura que o Csar nos traz, do esvaziamento dos saberes, achei bem interessante, nos faz pensar assim, que o lugar da psicologia, nessa chamada psicologia jurdica apontar para a transdisciplinaridade que existe dentro do campo jurdico. Eu acho que esse o nosso principal, a principal funo ali. Apontar que quando a gente fala em jurdico a gente no est falando s do Direito, que existem outros saberes que tambm falam desse jurdico, e que no s falam a partir de uma multi ou interdisciplinaridade, mas que se afetam, que possam de fato levar essa idia de que esse campo jurdico tambm um campo em construo, ele um campo em construo porque a psicologia tambm , o direito tambm , a arquitetura, e tantos outros mais saberes que possam se aliar nessa discusso do que esse campo jurdico. A minha pergunta exatamente isso: como de fato... pra mim fcil falar disso, eu falo na universidade, mas l no campo jurdico mesmo, como que a gente pode, de fato, produzir transdisciplinaridade naqueles saberes que so muitas vezes to endurecidos? Como fazer isso no dia-a-dia?

    Participante: Mrcia Eu lamento muito ter chegado j no final, vindo de Bangu, na unidade penitenciria

    onde eu trabalho, feminina, condies de trabalho zero, enfim, a gente fica assim, n, como tudo difcil e voc tira, l no campo, leite de pedra para poder estar trabalhando e fazendo

  • da sua prtica algo diferente deste lugar de laudos e enfim... eu acho que essa pergunta, Pedro... eu sou Mrcia Badar, esqueci de me apresentar, eu trabalho no sistema penitencirio, tambm sou conselheira aqui e, assim, a gente tem discutido muito esse lugar, quando Beth fala da questo das avaliaes, vai voltar ou no a delinqir o menor infrator?, a mesma questo do sistema penitencirio: Vai voltar ou no a cometer delitos?. bvio que ningum tem essa bola de cristal. Agora, essa questo da interdisciplinaridade, da trans, ns no chegamos nem na multi, Pedro! Que dir na trans! Essa a maior... e essas instituies: Tribunal de Justia, sistema penitencirio, DEGASE, com esse endurecimento, Polcia Militar, com todas essas estruturas, impressionante como a gente, se no tiver cuidado, a gente absorve isso de tal forma, que a gente se segmenta mesmo, e quando voc vai ver, um dia aps o outro, um dia aps o outro, seu colega est ali do outro lado, a assistente jurdica l do outro lado, a assistente social ali, e vocs sequer, a gente sequer conversa sobre as nossas questes. Ento esse o grande desafio, da gente superar isso. A gente vem discutindo isso, n? A gente faz l na nossa unidade um trabalho, eu estou aqui com a minha contadora de histrias, que um trabalho de oficina de contao de histrias, que tambm psicloga, e uma luta. E pela primeira vez, nesses anos todos que eu tenho de trabalho, eu consegui uma parceria com as assistentes sociais. Nesses anos todos! Voc v como que a gente absorve esse endurecimento da instituio e a gente vai reproduzindo isso, uma coisa de louco isso, uma doideira, e a gente o tempo todo tem que estar atento a isso, porque as coisas... assim como a Maria Luiza falou, l em Nilpolis ela tem uma juza que fantstica, que foge regra das coisas. Ento, ela tem esse acesso, ela tem um trabalho. Eu, por exemplo, estou numa unidade em que estou podendo desenvolver isso, porque com todos os problemas daquela unidade, ainda uma direo que acha importante esse tipo de trabalho que a gente faz l. Ento, assim, uma luta diria. Ento eu acho que a gente est tendo esse cuidado o tempo todo, sinalizando pra gente olha, no resvale nisso, porque a instituio quer isso, cada vez mais segmentao, cada vez que voc fique no canto, porque voc se juntar aos outros, voc se fortalece, voc vai discutir, voc vai reivindicar, voc vai... e a instituio no quer isso no. Ento, quer dizer, esse que o trabalho. Trans, meu amigo, ns estamos muito longe! (risos) Mas estamos l, brigando!

    Palestrante: Leila Bom, quanto pergunta sobre a questo da tica, como falei no incio, acho que o

    Cdigo deve dar respaldo ao profissional. Eu j escutei em alguns debates uma justificativa de que nesse cdigo, na verdade a proposta foi de que o profissional pudesse decidir, de acordo

  • com o bom senso, com o livre arbtrio do profissional. Eu no concordo que essa seja a viso de um Cdigo de tica. Eu acho que um Cdigo de tica realmente deve definir, porque a partir dessa definio que ele vai fornecer esse respaldo que o profissional precisa quando est ali no trabalho, no dia-a-dia, como os colegas trouxeram. Ao contrrio, eu acho que esse

    Manual de Elaborao de Documentos que o Conselho Federal emitiu, acho que esse que no precisava ser to fechado: deve trazer esse tpico, esse tpico..., ou um relatrio tem que

    trazer esse item, um parecer tem que apontar essa descrio.... Esse manual, eu acho que no precisaria ser assim, que poderia ficar a critrio de cada profissional como ele vai elaborar cada um desses documentos, como a Beth falou, por exemplo, junto com os meninos. Haveria diretrizes bsicas de orientao, mas no se definiria de uma forma to fechada como eu acho

    que ficou o Manual. Quanto ao Cdigo de tica, considero que ele precisa sim definir o que pode ser feito e o que no pode. A gente teria que estar examinando aqui artigo por artigo,

    mas s para dar alguns exemplos. A colega falou do uso do portugus, do nosso, do vosso. Eu acho que o seu a mesma coisa. No artigo 13, por exemplo, est escrito: No atendimento criana, ao adolescente ou ao interdito, deve ser comunicado aos responsveis o estritamente essencial para se promoverem medidas em seu benefcio. O benefcio eu no

    sei se do atendido, dos responsveis ou, quem sabe, do psiclogo tambm. No fica claro. Acho que a gente pode fazer um contraponto, ou seja, por esse artigo se poderia entender que aos responsveis deve ser dito o estritamente necessrio, agora quando se vai depor em juzo, como eu li anteriormente, a se pode dizer tudo? Ento, com os que no so responsveis voc poderia estar ali quebrando o sigilo? Me parece que h uma srie de contradies, ou indefinies, nesse cdigo, que quando a gente pensa no trabalho na justia, quer dizer, lgico que o cdigo para todos os profissionais, mas eu acho que quando a gente pensa nesse trabalho especfico do psiclogo na justia, o cdigo no responde muitas questes. Como, por exemplo: vedado ao psiclogo ser perito, avaliador ou parecerista em situaes nas quais seus vnculos pessoais ou profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a

    qualidade do trabalho a ser realizado. Quais so as situaes? Quer dizer, o psiclogo pode dizer nessa situao no afeta, eu acho que no afeta, porque no est definido. Anteriormente, o cdigo dizia: E vedado ao psiclogo ser perito de pessoa por ele atendida

    ou em atendimento. O cdigo era claro em relao a isso. Agora no, s se voc considerar que existe alguma situao que traga prejuzo... ento, acho que ele traz uma srie de indefinies que a gente precisaria estar revendo, principalmente se fala desse trabalho na justia.

  • Agora, s para pegar essa discusso com o Pedro, que a Mrcia tambm falou, acho que a gente tem que tomar um certo cuidado, e a que vem essa dificuldade entre o uso dessa transdisciplinaridade e no outro extremo essa segmentao de trabalhos, pensar no cuidado, junto com o que o Csar trouxe, com essa confuso de conceitos tambm. Eu no posso, em nome de uma quebra de segmentao, estar confundindo conceitos. Eu acho que hoje, por exemplo, o conceito de afeto, que prprio da Psicologia e das cincias humanas, vem sendo

    utilizado pelo Direito, principalmente na rea do direito de famlia e na infncia e juventude, de uma forma que me parece inadequada. E a gente observa os profissionais do Direito se apropriando desse conceito de afeto para justificar uma srie de questes. Ento, um cuidado que se deve ter ao construir essa transdisciplinaridade sem, ao mesmo tempo, fazer

    essa confuso de conceitos que so prprios a cada disciplina. Eu acho que um desafio.