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GRAVEL ISSN 1678-5975 Agosto - 2015 V. 13 – nº 1 1-14 Porto Alegre
Avaliação do Processo de Ocupação Irregular na Zona Costeira: Caso da
“Invasão Maria Terezinha”, Município de Jaguaruna/SC
Cristiano, S.C.1; Martins, E.M.1; Gruber, N.L.S.2,3 & Barboza, E.G.1,2
1 Programa de Pós-Graduação em Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 2 Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica (CECO/ IGEO/UFRGS), 3 Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mails: [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected].
Recebido em 11 de maio de 2015; aceito em 22 de agosto de 2015.
RESUMO
Desde a década de 1970, ocorre um processo ilegal de ocupação em áreas de
preservação e de riscos ao longo da região costeira do município de Jaguaruna/SC.
Dessa irregularidade resultaram em: (i) diversos processos judiciais e reclamações
devido a ocupação ilegal e a venda de “lotes” ilegais, e (ii) embargo promovido por
ação do Ministério Público Federal (MPF) a partir do ano de 2011, com objetivo de
suspender as atividades irregulares e, assim, proteger o meio ambiente. Dessa forma,
para auxiliar nos esforços e encontrar soluções dos problemas, este estudo trata da
evolução de uma ocupação ilegal junto ao Balneário do Camacho, litoral norte do
município de Jaguaruna, contribuindo para a compressão de como o processo se
desenvolveu. A partir da análise de imagens de satélites e visitas em campo, observou-
se que a “Invasão Maria Terezinha” iniciou no início do ano 2000, e expandiu-se
consideravelmente ao longo dos anos (mesmo após o embargo do MPF de 2011) em
uma área úmida (banhado) que está localizada junto a um importante sítio
arqueológico e um campo de dunas ativas. Conclui-se que a expansão urbana
inadequada é impulsionada pela pressão do mercado imobiliário (segunda residência
para o turismo de verão) e má gestão pelos órgãos públicos competentes (planejamento
e monitoramento).
ABSTRACT
Since the 70’s, there is a continuous process of illegal occupation in
environmental preservation areas and/or risk areas along Jaguaruna’s coast in Santa
Catarina, resulting in: (i) several lawsuits and complaints for illegal occupation and
property trading, and (ii) in the institution of an embargo by the Federal Public
Prosecutors (2011) in order to stop theses irregular processes and to protect the
environment. To assist the efforts to find solutions for the problems involving this
concerns, in this study we report the evolution of an illegal occupation in Camacho
beach – littoral north of the Jaguaruna (as a contribution to the understanding of how
this process took place. From satellite images and field visits, it was observed that the
“settlement Maria Terezinha" started in the early 2000’s and expand considerably in
the next years (even after the embargo) over a wetland, which is located near an
important archaeological site and next to an active dune field. We conclude that the
inadequate urban expansion is driven by real estate market pressure (second residence
for summer tourism) and poor city management by the public agencies (planning and
monitoring).
Palavras chave: Gerenciamento Costeiro Integrado, moradias irregulares, impactos ambientais.
Avaliação do Processo de Ocupação Irregular na Zona Costeira: Caso do “Loteamento Maria Terezinha”, Município de Jaguaruna/SC
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INTRODUÇÃO
Na modernidade, objetivos terapêuticos e a
busca pelo turismo de sol e mar (doravante
denominado veranismo) são os principais
atrativos das áreas litorâneas, motivados pelas
belezas cênicas singulares e por valores abstratos
(como o sentido de “pertencer/apropriar-se do
lugar” e/ou “entrar em contato com a natureza”).
Comumente essa condição é promovida e
estimulada como a principal fonte de recursos
econômicos de um território político-
administrativo (normalmente, municípios).
Entretanto, a falta de planejamento e a gestão
deficiente põem em risco a sustentabilidade da
ocupação humana. Essa situação, motivada, em
grande parte, pela ocupação sazonal da faixa
litorânea, se agrava nos períodos de intensa
ocupação (verão), pois os conflitos entre os
interesses antrópicos e a infraestrutura urbana, e
os valores e os serviços intrínsecos e
ecossistêmicos da natureza se acentuam (Portz,
2012).
Nesse contexto, a falta de planejamento
territorial se configura como um do fator
preponderante para a expansão de assentamentos
e/ou de construções irregulares, o uso e a
ocupação desregulada e inapropriada do solo, a
desfiguração paisagística e o desequilíbrio
ecossistêmico. Por outro lado, com o aumento da
intensidade dos impactos ambientais (quali-
quantitativos) e do rigor no cumprimento da
legislação de proteção ambiental (ainda
insuficiente), a falta de planejamento também
causa o redirecionamento de recursos públicos do
planejamento (prevenção) para o controle e
fiscalização socioambiental (remediação), o que
repercute como demanda por mais investimento
público (o que tem se tornado uma tarefa cada vez
mais difícil e complexa, principalmente para
municípios com limitado potencial e capacidade
orçamentária).
Esse cenário pode ser observado na zona
costeira de Santa Catarina, cujas transformações
na configuração ambiental costeira acentuaram-
se a partir da década de 1970, quando os
processos urbanizatórios começaram a se
expandir na zona costeira por um longo período
de tempo. Essa tendência, ainda que menos
acentuada, se mantém até meados da década de
2010, com o agravante de descaso com as
prerrogativas legislativas de
preservação/conservação ambiental tanto dos
empreendimentos imobiliários, com capacidade
cada vez mais rápida de transformar e
reconfigurar o ambiente costeiro (Reis, 2010),
como dos gestores públicos.
Em 2011, o Ministério Público Federal (MPF)
recomendou que os municípios abrangidos pela
Área de Preservação Ambiental (APA) da Baleia
Franca não permitissem intervenções em Áreas
de Preservação Permanente (APP). Essa medida,
apesar de extrema, foi necessária, pois a falta de
planejamento urbano e o desrespeito às
legislações de proteção ambiental colocam em
risco a própria população, a gestão municipal e a
sustentabilidade ambiental. Como o município de
Jaguaruna estava despreparado (técnica e
financeiramente) para, efetivamente,
implementar as alterações necessárias e fiscalizar
a execução judicial na jurisdição do município, o
embargo gerou insegurança social, econômica e
ambiental para a população e para os gestores
públicos municipais. Sem perspectivas otimistas
em curto prazo, a ocupação irregular de áreas
protegidas e da periferia das zonas urbanizadas
por “grilagem” e/ou “invasões” continuou, e
culminou com a degradação da paisagem
costeira, que é o substrato de um dos “motores
econômicos” do município (o veranismo). Essa
situação deflagra dois problemas recorrentes
tanto nas estratégias de Gestão Costeira
Integrada, como na tomada de decisão e de ação
no âmbito político, administrativo e/ou jurídico:
o caráter “de cima para baixo” das decisões e a
falta de comunicação efetiva entre os diferentes
órgãos e instituições públicas.
No que diz respeito às mudanças que o
município deve realizar para que o embargo seja
sustado, nesse ínterim o município criou o
Instituto Municipal de Meio Ambiente (IMAJ),
órgão ambiental responsável pelo licenciamento
ambiental, controle e fiscalização no município;
elaborou o Plano Diretor Municipal, com o
diagnóstico municipal, o planejamento e o
zoneamento urbano; e está no processo de
elaboração e implementação dos Planos
Ambiental e Sanitário do Município. Não
obstante, além da necessidade que todas as
propostas estejam consoantes com uma série
normativas, diretrizes e planos estaduais e
federais, subjaz a necessidade de uma troca do
paradigma atual de desenvolvimento municipal,
ou seja, um rearranjo institucional e
administrativo. O que ainda parece estar distante
de acontecer.
Cristiano et al.
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Como aponta Gruber et al. (2003), o
reconhecimento das características fisiográficas
da região costeira e marinha é fundamental para
o planejamento adequado da zona costeira;
conhecimento que pode subsidiar propostas que
visem a mudança do paradigma da “remediação”
pela “prevenção”. A partir disso, da compreensão
das potencialidades e das fragilidades ambientais,
da evolução da ocupação e dos conflitos da ação
antrópica em ambientes naturais, este trabalho
traz uma visão analítica do espaço (Santos, 2004),
especificamente, de um padrão-tipo de ocupação
irregular durante o pré e pós-embargo imposto
pelo MPF, a saber: o “Loteamento Maria
Terezinha”, localizado em APP e área de risco
(Balneário Camacho, Jaguaruna/Santa Catarina).
O objetivo do presente trabalho é avaliar se
medidas jurídicas como a supracitada são efetivas
para proteger o meio ambiente e inibir
ilegalidades. Ademais, na tentativa de comprovar
se avaliações básicas do espaço geográfico e do
meio ambiente podem ser executadas por
profissionais/técnicos de órgãos públicos com
limitada disponibilidade e capacidade de
investimento tecnológico, todas as atividades
foram executadas mediante o emprego de
tecnologias acessíveis e gratuitas, e avalições in
situ.
Todas as informações e análises que
compõem este trabalho serão encaminhadas
como contribuição ao projeto em execução
intitulado “Diagnóstico e Plano de Manejo das
Dunas Frontais de Jaguaruna”, que tem por
objetivo apresentar uma proposta de cenários de
gestão baseada na dinâmica sedimentar e costeira
para subsidiar o MPF na tomada de decisão para
a elaboração dos Termos de Ajustes de Condutas
sobre as futuras ações referentes ao embargo em
andamento no município. Esse Projeto é
coordenado e executado pela equipe do
Laboratório de Gerenciamento Costeiro/Centro
de Estudos em Geologia Costeira e Oceânica do
Instituto de Geociências da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul
(LABGERCO/CECO/IGEO/UFRGS), com o
apoio da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), em parceria com a Associação de
Balneários de Jaguaruna (ABJ) e com supervisão
do Instituto do Meio Ambiente de Jaguaruna
(IMAJ); além do amplo diálogo e
comprometimento com as diretrizes do MPF
(sede de Tubarão/SC), dos gestores da APA da
Baleia Franca e da equipe técnica da Fundação do
Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina
(FATMA) e da Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Sustentável de Santa Catarina.
ÁREA DE ESTUDO
A área de estudo é a “Invasão Maria
Terezinha”, considerada informalmente como
“loteamento”, localizado no Balneário Camacho
em Jaguaruna, no Setor Centro-Sul do litoral
catarinense (SPG/SC, 2010), o qual se destaca
por sua diversidade ambiental e sua importância
cultural (Fig. 1).
A zona costeira no entorno da área de estudo
é constituída de duas unidades geológicas
principais: o Embasamento Cristalino e a Planície
Costeira (Caruso Jr., 1995). O Embasamento
Cristalino é constituído por rochas graníticas de
idade Pré-Cambriana (Caruso Jr., 1995). Horn
Filho et al. (2014) definiram dois principais
sistemas geológicos sedimentares para Planície
Costeira de Santa Catarina: continental e
transicional. O sistema deposicional continental
associado a deposição dos sedimentos
continentais ao longo do Quaternário, formando
feições de rampas e leques e planícies aluviais. O
sistema deposicional litorâneo ou transicional
resulta nos depósitos formados por sedimentos
arenosos que representam os depósitos
marinho/praial e o eólico, os quais estão
diretamente relacionados aos processos da
dinâmica costeira. Esses processos resultaram em
complexos sistemas do tipo laguna-barreira.
A Planície Costeira, localizada entre o
Embasamento e a Plataforma Continental
Atlântica, e é caracterizada como um complexo
sistema de depósitos Cenozoicos. Na porção
interna da Planície Costeira ocorrem leques
aluviais, e na porção mais externa, depósitos do
tipo Laguna-Barreira, formado pelas oscilações
do nível relativo do mar no Quaternário. Região
relacionável aos sistemas descritos por Villwock
(1984) para o litoral do Rio Grande do Sul –
sistema Laguna-Barreira III formado durante o
último período interglacial no Pleistoceno (120
ka AP), e sistema Laguna-Barreira IV formado no
Holoceno. As planícies costeiras nesta parte da
América do Sul representam períodos de oferta
abundante de sedimentos combinado com a lenta
queda do nível do mar, de aproximadamente 2,5
m desde 5,7 ka AP (Angulo et al., 2006).
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Figura 1. Localização do Loteamento Maria Terezinha no Balneário Camacho (área circunscrita pelo polígono em
vermelho), Município de Jaguaruna, Santa Catarina, Brasil. Ao oeste do polígono, o sambaqui Garopaba
do Sul. Fonte das imagens: ESRI (2015).
O modelo paleogeográfico da área de estudo
foi sintetizado por Vieira et al. (2009) em cinco
estágios evolutivos: regressão do Pleistoceno
inferior; transgressão do Pleistoceno superior;
regressão após o máximo do Pleistoceno
superior; transgressão do Holoceno; e regressão
do Holoceno. Ainda, Fornari (2010) e Fornari et
al. (2012) caracterizaram a sucessão sedimentar
holocênica da região baseado no preenchimento
de uma paleobaía, formada pelas atuais lagunas
do Camacho, Garopaba do Sul e Santa Marta.
Porém, Martins et al. (2014) e Barboza et al.
(2014) propõem um outro modelo evolutivo para
a área de estudo. Essa nova proposta elaborada a
partir de dados de Sensoriamento Remoto e
Geofísica caracteriza o comportamento da
barreira costeira holocênica, em escala de
décadas e milênios com um comportamento
transgressivo, ou seja, os sistemas estão
retrogradando.
A barreira costeira, onde se situa a área de
estudo, é composta por um mosaico de ambientes
atuais, com ocorrência de: campo de dunas,
planície de deflação, lagoas, banhados e alagados
temporários, além dos ambientes antrópicos
como a ocupação urbana moderna e o Sambaqui
Garopaba do Sul (Fig. 2) (Cristiano, 2014).
Martinho (2004) afirma que atualmente o sistema
de dunas transversas de Jaguaruna está reduzido
entre o canal artificial da Lagoa do Camacho e o
Balneário Dunas do Sul. Há alto influxo
sedimentar eólico da região ao sul do cabo de
Santa Marta, o que não permite a formação e
fixação de dunas frontais, mas, sim, de grandes
dunas transversas, que migram paralelamente à
linha de costa, em direção aproximadamente
longitudinal ao vento principal (Martinho, 2004)
e com vetor resultante no sentido do oceano
(Martins et al. (2014).
O campo de dunas que se estende em frente
da ocupação Maria Terezinha é composto
principalmente por dunas barcanas (Fig. 3A) e
cadeias barcanóides, intercaladas por planícies de
interdunas (Fig. 3B) (Cristiano, 2014),
classificadas como transversas por Martinho
(2004) e Fornari (2010). Dunas de sombra e
nebkhas podem ser formadas nas planícies de
interdunas, bem como, áreas alagadas, geradas
por processos de sobrelavagem do pós-praia
(Cristiano, 2014).
Cristiano et al.
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Figura 2. Campo de dunas ao Sul da ocupação Maria Terezinha; ao fundo, à direita, o Sambaqui Garopaba do Sul.
Figura 3. Sistemas de dunas costeiras da área de estudo: A) Duna barcana migrando no sentido NE – SW; B)
Ambientes de interdunas: nebkas, alagado de sobrelavagem e planície. Fonte: Cristiano (2014)
MÉTODO DE ANÁLISE
A proposta metodológica adotada pode ser
dividida em cinco etapas:
i) Seleção de um padrão-tipo de ocupação
irregular: o Loteamento Maria Terezinha foi
selecionado como objeto de estudo, além de
representar adequadamente o processo de
ocupação irregular que ocorre na região desde os
anos 2000, por ser facilmente identificável nas
imagens de alta resolução disponíveis e pelo
conhecimento prévio de que todas as residências
do loteamento são irregulares, pois a ocupação
irregular também ocorre atomizada no interior
e/ou e na periferia de loteamentos legalizados,
mas a corroboração da irregularidade do
assentamento pelos ocupantes da residência é
difícil pelo constrangimento individual e pela
aflição social em relação à legislação penal e
ambiental vigentes.
ii) Revisão bibliográfica e mapeamento da
evolução da ocupação humana na Invasão Maria
Terezinha: o mapeamento da evolução da
ocupação foi realizado entre os anos de 2003 e
2014 através de imagens de alta resolução
disponíveis no software Google Earth Pro®
(GOOGLE Inc., 2015). O pequeno deslocamento
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que existe entre as imagens não inviabiliza a
proposta, pois a precisão e acurácia não são o
objetivo principal do trabalho, mas a
identificação e localização da ocorrência de
infraestruturas residenciais.
iii) Campanhas de reconhecimento e/ou
aferição in loco da evolução da ocupação humana
no loteamento e mapeamento de conflitos: a
Invasão Maria Terezinha foi monitorada entre
2012 e 2015 com, ao menos, uma campanha por
ano. Nessas oportunidades, foram observados o
padrão de ocupação, a infraestrutura urbana, os
equipamentos urbanos e a qualidade das
residências. No que refere o mapeamento de
conflitos, foram considerados conflitos aquelas
práticas e/ou atividades e/ou condições de uso e
ocupação do solo, e organização territorial que
põem em risco a manutenção dos elementos, da
dinâmica e dos processos ambientais e, inclusive,
a ocupação e manutenção das atividades
antrópicas; e que estão em discordância com a
legislação e normativas vigentes e/ou com os
instrumentos e planos de gestão;
iv) Participação em encontros referentes ao
gerenciamento costeiro de Santa Catarina: como
forma de obter maiores informações e auxiliar na
gestão costeira do Estado, participou-se de
reuniões e audiências para discussão dos
andamentos do Plano de Manejo de Dunas de
Jaguaruna, como representantes da UFRGS.
Foram oito reuniões requeridas pelo MPF e uma
Assembleia Pública, onde estavam presentes
representantes órgãos como: FATMA (Fundação
do Meio Ambiente de Santa Catarina), IMAJ
(Instituto do Meio Ambiente de Jaguaruna), APA
da Baleia Franca, ABJ, Câmara de Vereadores de
Jaguaruna, Câmara dos Deputados, entre outros.
v) Voos com VANT (veículo Aéreo Não
Tripulado) para verificação da condição de
aumento da ocupação irregular.
vi) Análise em escritório: na última etapa
do trabalho, todas as informações levantadas
foram cruzadas, avaliadas e geoprocessadas.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Pode-se perceber uma sucessão de causas e
efeitos, tanto sobre o ambiente natural, quanto
sobre o comportamento da ocupação objeto de
estudo. A seguir são discutidos e expostos os
resultados sobre o processo de ocupação, os
conflitos no Loteamento Maria Terezinha e a
efetividade do embargo.
Processo de Ocupação
O loteamento que originou o “Maria
Terezinha” foi criado na década de 1970, na área
hoje conhecida como Balneário Camacho, com o
parcelamento de APP’s e áreas da União.
Contudo, não houve a implantação de
infraestrutura urbana, apenas a implantação
parcial do loteamento, provavelmente dificultado
pela dinâmica costeira e características naturais
(áreas ambientalmente frágeis, compostas por
banhados, campos de dunas móveis e sambaquis).
Alguns dos lotes do referido loteamento foram
comercializados legalmente, outros, no entanto,
foram comercializados ou novamente
comercializados ilegalmente, o que deu origem,
de fato, ao “Maria Terezinha”.
A ocupação se dá nas adjacências da Rua da
Plataforma, ao lado de um dos maiores sambaquis
do mundo: o Garopaba do Sul. Ao fim da Rua da
Plataforma, junto à praia, encontram-se ruínas de
uma plataforma de pesca inacabada (Fig. 4A).
Para a manutenção do acesso de veículos à praia,
pela Rua da Plataforma - com caráter de apoio a
pesca e veículos oficiais de salvamento e
fiscalização - há o aterramento do sistema eólico
com saibro; no entanto, o acesso é irrestrito, pois
não existe nenhum controle (Fig. 4B). Por esse
acesso também ocorre o escoamento de marés de
tempestade, que colocam em risco as residências
próximas, tanto pela percolação de água
impedindo o escoamento, quanto pelo abalo de
estruturas pela força e corrosão das águas salinas.
Este trecho de orla é classificado por Cristiano
(2014) como em processo de degradação, com
vulnerabilidade do sistema de dunas sobre o
limiar de resiliência.
Em denúncia do MPF à 1ª Vara Federal de
Tubarão, consta que três pessoas firmavam, entre
2007 e 2014, diversos contratos fraudulentos de
compra e venda de terrenos em um loteamento
falso - o supracitado, “Maria Terezinha”. O
loteamento não existe perante o Poder Público,
além de situar-se dentro da APA da Baleia Franca
e em APP, o que impossibilita a instalação legal
de energia elétrica. Os denunciados nunca
tiveram o domínio legal da área e convenciam os
compradores da regularidade do local, o que
constitui crime contra a Administração Pública
conforme o artigo 50 da Lei nº 6.766/79, além de
serem responsáveis por incentivar a ocupação
desordenada do solo, com danos a APP’s e a APA
federal.
Cristiano et al.
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Figura 4. Setor praial junto a área de estudo: A) Ruínas da construção e uma plataforma de pesca marítima; B)
Final da Rua da Plataforma nas proximidades das ruínas da plataforma, com aterramento de saibro
sobre o sistema eólico.
Ainda, segundo a denúncia, existem mais de
70 casas no local com instalações clandestinas de
energia elétrica. Conforme comunicação oral do
Exmo. Promotor de Justiça Federal Daniel
Ricken, em 2015 existiam em 93 casas ligadas a
sete unidades consumidoras de energia, fato
preocupante pelo risco de morte (perigo de
incêndios devido a curto circuito), pois muitas
dessas ligações clandestinas são enterradas em
uma área alagadiça, o que potencializa o risco à
vida humana por eletrocussão. Como forma de
não colocar mais vidas em risco, o MPF decidiu
pela ligação de energia em algumas residências
onde foram comprovadas, junto à Assistência
Social municipal, a residência fixa e a
necessidade da ligação de luz elétrica (Fig. 6D).
Na Figura 5 é ilustrada a evolução
ocupacional do Loteamento Maria Terezinha, a
partir da comparação de imagens históricas
disponíveis no Google Earth Pro®, entre os anos
de 2003 e 2014, onde contabilizaram-se as
ocupações por ano (Fig. 5A) e, para uma melhor
ilustração da problemática, elaborou-se uma
composição com as imagens (Fig. 5B).
Somavam-se apenas três residências em 2003,
triplicando até 2009, com 39 casas, chegando a
62 em 2013 e 76 ocupações em 2014. Conforme
supracitado, em 2011 o Ministério Público
Federal recomendou que os municípios inseridos
APA da Baleia Franca não autorizassem
intervenções em APP’s. Contudo, as imagens
evidenciam a contínua ocupação irregular das
APP’s devido à fiscalização insuficiente.
Diversos fatores podem ter promovido a
ocupação e o uso do solo de forma desordenada
no Balneário Camacho, mas é fato que o desejo
de ter uma propriedade na praia, aliado à um
preço cômodo em um loteamento já ocupado em
área ilegal e a fiscalização pública deficitária, cria
uma conjuntura que motiva a ocupação da
“Invasão Maria Terezinha”. Quando os “lotes”
são “adquiridos” (na maioria das vezes para fins
de segunda residência) as condições de “proteção
versus risco” legal causa “receio” nos
compradores dos lotes, os quais preferem
construções baratas e rápidas de implementar
(muitas vezes trazidas em caminhões, como
mostra a Fig. 6A), para posteriormente melhorar
a infraestrutura (Fig. 6C). Na Figura 6B pode ser
observado o baixo padrão arquitetônico do
assentamento e que todas as residências se
encontram fechadas, destacando-se a finalidade
de uso ocasional. Salienta-se que as construções
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Figura 5. Evolução da ocupação irregular do “Loteamento Maria Terezinha” por sensoriamento remoto, com
imagens históricas disponíveis no Google Earth Pro®, entre os anos de 2003 e 2014: A) mapeamento
das ocupações; B) composição de imagens históricas, para ilustração do processo de ocupação. Fonte
das imagens: Google Inc. (2015).
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apresentam condições de saneamento básico
precárias e ligações clandestinas de energia
elétrica, o que coloca em risco a vida e a
qualidade de vida de todas as pessoas que ocupam
o local; além de infringirem a lei. Na Figura 6D
consta a mensagem colocada no interior dos lotes
ocupados com a mensagem “Área de Preservação
Permanente. Proibidas novas construções.”. Foi
observado indiretamente, assim como foi
relatado pelos técnicos responsáveis pela
fiscalização ambiental do município, o aumento
das atividades de construção civil, reformas e
alocação de residências em finais de semanas e à
noite.
Figura 6. Processos de ocupação antrópica na “Invasão Maria Terezinha”: A) Transporte de casa de madeira em
caminhão (facilita a ocupação de áreas irregulares); B) Baixo padrão arquitetônico, mas rápida
“territorialização” do lote; C) Edificações com padrão de construção mais aprimorado (e típico de
segunda residência); D) Placa de advertência no interior dos terrenos do loteamento com informes
legais.
Ao longo dos trabalhos de campo também foi
registrada a expansão da ocupação irregular do
Maria Terezinha por intermédio de fotos: no
primeiro trabalho de campo, em novembro de
2012, a ocupação era mais densa nas
proximidades da Rua da Plataforma (Fig. 7A); em
novembro de 2013, observa-se um avanço de
casas mais próximas ao sambaqui (Fig. 7B); em
setembro de 2014, há o adensamento desta
ocupação (Fig. 7C).
CONFLITOS IDENTIFICADOS
Os principais conflitos observados foram:
ocupação de áreas impróprias (APP’s e de risco);
uso inadequado da geodiversidade local; ausência
de controle de veículos motorizados; e, alteração
da dinâmica costeira.
Ocupação de áreas impróprias e uso
inapropriado da geodiversidade local
As figuras 5 e 8 evidenciam que o
assentamento em questão se aloca sobre APP’s e
áreas de risco de inundação; com o agravante pela
ocorrência de ligações de energia elétrica
clandestinas subterrâneas.
O Sambaqui Garopaba do Sul (Fig. 2), com
idade entre 3.640-2.748 AP cal. (Kneip, 2004)
(mais antigo que o Coliseu de Roma) se configura
como um importante objeto geográfico da
paisagem jaguarunense e um ícone da
geodiversidade local (um geossítio em potencial).
Não obstante, as suas dimensões (22 m altura,
outrora 50 m antes de sua mineração para
diversos fins – 6,2 ha superficiais) e a ausência de
regulamentação e controle do poder público local
resultam na sua degradação por veículos offroad
(principalmente, motos).
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C
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Figura 7. Acompanhamento fotográfico da evolução da ocupação irregular da “Invasão Maria Terezinha”,
Balneário Camacho – SC, com a análise de fotos capturadas de cima do Sambaqui Garopaba do Sul
entre os anos de 2012 e 2014, com identificação de uma casa em vermelho como ponto de referência.
Ausência de controle de veículos motorizados
Existe na região a cultura de veículos offroad,
que tem como pista de rolagem importantes sítios
arqueológicos do litoral, além das dunas e praias.
O impacto desta atividade não foi mensurado,
mas os rastros podem ser vistos em grande
densidade nos diferentes ambientes ao longo do
mosaico natural presente no balneário Camacho,
assim como o ruído dos motores, que podem
perturbar a fauna.
Alteração da dinâmica costeira
Nos estudos realizados para a elaboração do
“Diagnóstico do Plano de Manejo das Dunas
Frontais de Jaguaruna” foi observado em dados
obtidos por Georradar (GPR, acrônimo em inglês
para Radar de Penetração no Solo), que a barreira
holocênica do Balneário Camacho possui
comportamento retrogradacional, recobrindo
parte das lagoas Garopaba do Sul e Camacho
(Barboza et al., 2014; Martins et al., 2014), o que
Cristiano et al.
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caracteriza uma linha de costa transgressiva
(erosão). Ademais, estes estudos também
identificam que a migração das dunas é em
direção ao mar. Tais características aliadas à
manutenção artificial do canal da Lagoa do
Camacho e ao manejo inadequado da dragagem
(discrepante em relação à dinâmica sedimentar,
pois não reinserem o material dragado ao
sistema), que alteram as condições naturais da
dinâmica sedimentar da região, põem em risco a
perenidade dos objetos geográficos que
caracterizam a paisagem local e, também e
consequentemente, a geodiversidade local.
Figura 8. Ocupações inapropriadas da “Invasão Mara Terezinha”: A) Vista aérea obtida a partir de voo do
VANT, no círculo tracejado em vermelho, obseva-se a ocupação sobre a área de APP (banhados),
bem como sua localização junto ao campo de dunas e a área do sambaqui, sobre o qual está localizada
a tomada da foto; B) detalhe da ocupação de casa sobre área com alagamento; B) ocupação de áreas
protegidas, note-se as cercas delimitando os “lotes” a uma distância inferior a 200 m do sambaqui (ao
fundo) (existe uma lei municipal que estipula um perímetro de proteção de 200 m no entorno dos
sambaquis).
EFETIVIDADE DO EMBARGO
As dificuldades do gerenciamento costeiro no
Brasil resultam da sua organização político-
administrativa territorial, com abundância de
instituições, processos, normas e controles, como
bem aponta Scherer et al. (2009). Na gestão
costeira, onde a sobreposição de
responsabilidades e competências é intensa; onde
a dinâmica ambiental é complexa, constante e
recente (não estabilizada); e, onde os gestores e
técnicos devem ter conhecimento especializado
Avaliação do Processo de Ocupação Irregular na Zona Costeira: Caso do “Loteamento Maria Terezinha”, Município de Jaguaruna/SC
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(mas não específico) e capacidade de análise
holística, a aplicação do devido “rito processual
legal” torna-se no “devido processo legal
infinito”, onde as decisões, muitas vezes, se
definem pela relação entre insistência e
desistência, conforme discutido em reunião com
o MPF e outras entidades.
A Figura 9 mostra a evolução da ocupação no
Loteamento Maria Terezinha em números, onde
é possível observar um crescimento acentuado no
número de infraestruturas, principalmente entre
2009 e 2010, mas como esse processo acorreu
sobre APP’s e área de risco, no ano seguinte foi
instituído o embargo.
Figura 9. Evolução da ocupação humana no
Loteamento Maria Terezinha entre 2003
e 2014.
Após o embargo, o número de novas casas
construídas decresceu anualmente. Não obstante,
a continuidade da medida jurídica sem
perspectiva de resolução, boa ou ruim (baixa
efetividade), tem causado, principalmente a partir
de 2014, um sentimento de descrédito na
população. O que tem se configurado no início da
relação “insistência – desistência”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso discutido neste trabalho é um grande
candidato a entrar no “devido processo legal
infinito” caso as ações de gestão costeira pela
esfera municipal não culminem com subsídios
norteadores aos Termos de Ajuste de Conduta
(TAC) que visem solucionar e/ou minimizar: os
problemas e os passivos ambientais e antrópicos;
e os conflitos entre os interesses antrópicos e
valores intrínsecos e ecossistêmicos da natureza
(diretrizes do MPF). As ações judiciais de per si,
nos moldes apresentados neste trabalho, se
desacompanhados do interesse público municipal
e estadual, tem caráter instantâneo e de curto
prazo, e sua efetividade tende a perder crédito
com o passar do tempo; principalmente se a
população afetada não conseguir antever no
futuro quaisquer perspectivas de resolução, sejam
boas ou ruins.
Baseando-se nos dados levantados neste
estudo, verifica-se que devem ser buscados
outros meios de desenvolvimento, mais
sustentáveis e compatíveis com as características
locais. As alternativas que o município construiu
e propôs até o momento da elaboração deste
trabalho tem colaborado para a mudança no
paradigma do desenvolvimento municipal. No
entanto, ainda está em um estágio inicial, pois a
“lógica social e econômica” que envolve a
ocupação por/para a “segunda residência” ainda é
o principal foco econômico local. Ademais,
constatou-se que a relação entre a cultura
econômica do veraneio em um ambiente que atrai
naturalmente a ocupação humana e as motivações
derivadas de ações ilegais pela falta de controle e
fiscalização prejudicam tanto a sustentabilidade
da relação homem – natureza, como a
administração púbica. Portanto, a mudança de
paradigma configura-se como positiva para os
âmbitos sociais (indivíduo), ambientais
(contexto) e público (coletividade).
Com as campanhas a campo e a utilização de
softwares comuns e de fácil acesso, foi possível
realizar análises ambientais e espaciais básicas
que contribuem para o planejamento e a gestão
urbana. Cabe frisar que a carência de
equipamentos e condições de trabalho,
dificuldade comumente relatada por técnicos e
por gestores públicos, é uma condição que
dificulta a tomada de decisões de forma célere e
precisa. No entanto, pela estratégia proposta neste
trabalho, foi possível observar que técnicos e
gestores podem realizar avaliações básicas e
valiosas sobre o território apenas ao aplicar o
conhecimento profissional com a utilização de
alternativas de baixo custo. Dessa forma,
recomenda-se:
• Valorizar a natureza local e fomentar o
desenvolvimento sustentável do ecoturismo e de
setores econômicos associados. A criação de uma
Cristiano et al.
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Unidade de Conservação é uma solução que traz
benefícios diretos e indiretos para a comunidade
local;
• Promover a melhoria na infraestrutura
urbana e sua adequação ao meio ambiente para
atender as demandas turísticas e de
sustentabilidade;
• Incentivar a geração de renda de
maneira harmônica e compatível com o meio
ambiente, como a geração de energia eólica; e,
• Estimular a pró-atividade e fomentar a
capacitação dos servidores e gestores públicos,
pois análises ambientais e espaciais básicas que
auxiliam o planejamento e a gestão pública
podem ser realizadas com baixo custo.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à CAPES, pelas bolsas de
estudos de Pós-Graduação que permitiram a
elaboração do presente trabalho, aos colegas e
professores do PPGGEO e
CECO/IGEO/UFRGS, e pela coordenação do
Projeto “Diagnóstico e Plano de Manejo das
Dunas Frontais de Jaguaruna”
(LABGERCO/CECO/IGEO/UFRGS) pelo apoio.
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