avaliaÇÃo da alteraÇÃo nas propriedades da pasta de cimento em...

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INSTITUTO DE PESQUISAS ENERGÉTICAS E NUCLEARES Autarquia associada à Universidade de São Paulo São Paulo 2013 AVALIAÇÃO DA ALTERAÇÃO NAS PROPRIEDADES DA PASTA DE CIMENTO EM AMBIENTE DE REPOSITÓRIO EDUARDO GURZONI ALVARES FERREIRA Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do Grau de Mestre em Ciências na Área de Tecnologia Nuclear - Aplicações Orientador: Prof. Dr. Júlio Takehiro Marumo Versão Corrigida Versão Original disponível no IPEN

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INSTITUTO DE PESQUISAS ENERGTICAS E NUCLEARES Autarquia associada Universidade de So Paulo

So Paulo 2013

AVALIAO DA ALTERAO NAS PROPRIEDADES DA PASTA DE CIMENTO EM AMBIENTE DE REPOSITRIO

EDUARDO GURZONI ALVARES FERREIRA Dissertao apresentada como parte dos requisitos para obteno do Grau de Mestre em Cincias na rea de Tecnologia Nuclear - Aplicaes Orientador: Prof. Dr. Jlio Takehiro Marumo

Verso Corrigida Verso Original disponvel no IPEN

Dedico este trabalho, que marca o final de um

importante ciclo da minha vida, a todos os

meus amigos verdadeiros, que iro se

identificar aqui, pelo todo apoio e amparo,

todas as vezes que fora preciso, por diversos

motivos, com dedicao e boa vontade!

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Jlio Takehiro Marumo, pela orientao, dedicao e

comprometimento ao longo deste trabalho, alm dos ensinamentos e conselhos pessoais e

profissionais durante todo o perodo em que trabalhei sob sua orientao.

Ao Prof. Dr. Roberto Vicente, pela coorientao, pela oportunidade de

ingressar na vida acadmica na iniciao cientfica, pelas valiosas contribuies neste

trabalho e pelos diversos momentos de descontrao e aconselhamentos durante todos

esses anos juntos nessa jornada.

Vera Lcia Keiko Isiki e Hissae Miyamoto pela grande contribuio

durante todo o projeto realizado no IPEN, desde os ensaios preliminares at os ensaios

finais, estando sempre disposio para auxiliar no laboratrio.

Ao Laboratrio de Materiais de Construo Civil do Instituto de Pesquisas

Tecnolgicas (IPT), pela infraestrutura e pessoal disponibilizado para a realizao das

etapas preliminares deste ensaio.

Aos laboratrios e centros de pesquisas (CQMA-IPEN, LAPOC-CNEN, LCT-

POLI-USP, LCM-CTMSP e LMM-CCTM-IPEN) que contriburam com as anlises e

interpretao de resultados.

Ao Dr. Luciano Gobbo, pelo auxlio na anlise e interpretao de alguns dados

deste trabalho.

Aos meus pais e irmos, Eliane, Nuno, Fernando e Juliana, e ao Ricardo, por

acreditarem em mim e pelo apoio durante os perodos mais difceis deste mestrado.

Aos amigos e colegas de GRR, Ana Paula, Bianca, Daiane, Heverton, Isis,

Josenlson, Leandro, Maria Eugnia, Marcos, Maurcio, Patrcia, Priscila, Rafael, Vanessa

e todos aqueles que trabalharam e me ajudaram na GRR, pela amizade, pelos inesquecveis

momentos de descontrao e alegria durante todos esses anos.

Ao CNPQ e AIEA, pelo auxlio financeiro no mestrado e no projeto de

pesquisa do GRR.

Julgue seu sucesso pelas coisas que voc teve

que renunciar para conseguir.

Dalai Lama

Existem muitas hipteses em cincia que

esto erradas. Isso perfeitamente aceitvel,

eles so a abertura para achar as que esto

certas.

Carl Sagan

AVALIAO DA ALTERAO NAS PROPRIEDADES DA PASTA DE

CIMENTO EM AMBIENTE DE REPOSITRIO

Eduardo Gurzoni Alvares Ferreira

RESUMO

Pasta de cimento um material comum em repositrios para rejeitos

radioativos, atuando como material estrutural e de imobilizao. Sua utilizao como

material de preenchimento em um repositrio tipo poo tubular profundo para fontes

seladas, no entanto, requer um maior tempo de vida til do material. O conhecimento de

seu comportamento em longo prazo necessrio para garantir a segurana da instalao

em milhares de anos. O presente trabalho avaliou as alteraes na pasta de cimento

induzidas por fatores de degradao, como ataque de agentes agressivos, alta temperatura e

presena de campo de radiao. Corpos de prova (cps) de pasta de cimento foram

submetidos a ensaios acelerados de degradao e os efeitos deletrios foram avaliados por

meio de ensaios de resistncia mecnica, variao dimensional, lixiviao/penetrao de

ons, DRX, TGA e MEV. Observou-se que a hidratao dos cps foi beneficiada pela

imerso (em gua destilada ou em soluo salina) e alta temperatura, resultando em uma

resistncia maior. O armazenamento seco prejudicou a hidratao, mantendo a resistncia

mais baixa. O tempo de imerso e a irradiao no foram capazes de alterar a mineralogia

e a resistncia da pasta de cimento.

ASSESSMENT OF CEMENT PASTE PROPERTIES CHANGES IN REPOSITORY

ENVIRONMENT

Eduardo Gurzoni Alvares Ferreira

ABSTRACT

Cement paste is widely used in repositories for radioactive wastes, acting as

structural and immobilization material. However, its use as backfill material in boreholes

for sealed sources requires a longer service life of this material. The assessment of the

cement paste behavior in long term is needed to improve the confidence that the material

will perform as required during the service life of the facility. This research evaluated the

changes in cement paste induced by degradation parameters. Portland cement paste

specimens (cps) were submitted to accelerated degradation tests and the damage effects

was evaluated by mechanical strength, variation of sample mass and volume,

leaching/penetration of ions, XRD, TGA and SEM. It was observed that cps hydration was

benefited by immersion (in distilled water or salt solution) and high temperatures, resulting

in a higher strength. Dry storage, however, influenced the hydration process and

maintained strength lower. Time of treatment and irradiation were not able to alter

mineralogy and durability of cement paste.

SUMRIO

Pgina

1. INTRODUO ...................................................................................................... 12

2. OBJETIVOS ........................................................................................................... 15

2.1 Objetivos Gerais ....................................................................................................... 15

2.2 Objetivos Especficos ............................................................................................... 15

3. REVISO DA LITERATURA .............................................................................. 16

3.1 Gerncia de Rejeitos Radioativos ............................................................................. 16

3.2 Deposio de fontes em borehole .............................................................................. 19

3.3 O Cimento Portland e sua utilizao ......................................................................... 24

3.4 Principais componentes do Cimento Portland anidro ................................................ 27

3.4.1 Alita .................................................................................................................. 27

3.4.2 Belita ................................................................................................................. 27

3.4.3 Fase Aluminato Triclcico ................................................................................. 28

3.4.4 Fase Ferroaluminato Tetraclcico ...................................................................... 28

3.4.5 Cal livre e periclsio .......................................................................................... 28

3.4.6 Sulfatos de clcio ............................................................................................... 29

3.4.7 Sulfatos alcalinos ............................................................................................... 29

3.4.8 Adies: escria, pozolanas e fler ..................................................................... 29

3.5 Tipos de Cimentos e suas propriedades ..................................................................... 30

3.6 Propriedades e caractersticas importantes do Cimento Portland ............................... 31

3.6.1 Finura do cimento .............................................................................................. 31

3.6.2 Processos de pega e endurecimento .................................................................... 32

3.6.3 Calor de Hidratao ........................................................................................... 32

3.7 A hidratao do cimento Portland ............................................................................. 33

3.7.1 A hidratao das fases de silicato de clcio ........................................................ 35

3.7.2 A Hidratao das fases aluminatos ..................................................................... 38

3.7.3 Interao entre as fases nos processos de hidratao........................................... 39

3.7.4 Formao da estrutura ........................................................................................ 39

3.7.5 Mecanismos que alteram o processo de hidratao ............................................. 40

3.8 A durabilidade do cimento Portland .......................................................................... 41

3.8.1 Reao lcalis-agregado ..................................................................................... 42

3.8.2 A formao de etringita primria e secundria ................................................... 44

3.8.3 Ataque de sulfatos ............................................................................................. 49

3.8.3.1 Ataque de sulfatos de fontes internas. ................................................................ 49

3.8.3.2 Ataque de sulfatos de fontes externas ................................................................. 50

3.8.4 Lixiviao e dissoluo de Ca(OH)2 descalcificao do C-S-H ....................... 52

3.8.5 Diferenas mineralgicas em funo da temperatura .......................................... 53

3.8.6 Reao com a formao geolgica ..................................................................... 54

3.8.7 Comportamento da pasta de cimento sob irradiao ........................................... 54

3.9 Tcnicas para anlise das propriedades do cimento Portland ..................................... 57

4. MATERIAIS E MTODOS .................................................................................. 58

5. RESULTADOS E DISCUSSO ............................................................................ 71

5.1 Ensaios de resistncia mecnica ................................................................................ 71

5.2 Variao de massa dos corpos de prova .................................................................... 80

5.3 Anlise de ons em soluo ....................................................................................... 82

5.4 Anlise por difrao de raios X ................................................................................. 85

5.5 Anlise por microscopia eletrnica de varredura (MEV) ........................................... 90

5.6 Anlise Termogravimtrica (TGA) ........................................................................... 91

5.7 Anlise comparativa dos efeitos induzidos ................................................................ 92

5.7.1 Efeitos da imerso e do armazenamento seco .................................................. 92

5.7.2 Efeitos da temperatura ....................................................................................... 94

5.7.3 Efeitos da irradiao .......................................................................................... 95

5.7.4 Efeitos do tempo de exposio ........................................................................... 95

6. CONCLUSES ...................................................................................................... 96

7. SUGESTO PARA TRABALHOS FUTUROS .................................................... 98

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................... 99

LISTA DE TABELAS

Pgina

TABELA 1 Propriedades dos constituintes principais do cimento Portland (adaptado de

SOROKA, 1993) ............................................................................................................. 25

TABELA 2 - Equivalncia entre os Cimentos brasileiros, europeus e americanos e sua

composio tpica. ........................................................................................................... 31

TABELA 3 Composio tpica da gua subterrnea em meios granticos (adaptado da

literatura)......................................................................................................................... 60

TABELA 4 Composio da soluo salina inicial de imerso das amostras .................. 60

TABELA 5 Identificao dos lotes e as variveis dos ensaios acelerados de degradao

........................................................................................................................................ 63

TABELA 6 Condies de coleta dos difratogramas no ensaio por Difrao de Raios X 68

TABELA 7 Valores mximos, mdios, medianos, mdias e de desvio padro de cada lote

de resistncia mecnica dos cps cilndricos. ..................................................................... 72

TABELA 8 Valores mximos, mdios, medianos, mdias e de desvio padro de cada lote

de resistncia mecnica dos cps cbicos. ......................................................................... 75

TABELA 9 Anlise estatstica (teste t) da resistncia mecnica de cps submetidos a

diferentes tratamentos ...................................................................................................... 79

TABELA 10 Identificao das amostras enviadas para anlise por difrao de raios X . 86

TABELA 11 Identificao das amostras enviadas para TGA e perda de massa de cada

uma nos intervalos de temperatura selecionados. ............................................................. 91

LISTA DE FIGURAS

Pgina

FIGURA 1 - Fluxograma da gerncia de rejeitos radioativos (adaptado de Hiromoto et al,

1999). .............................................................................................................................. 17

FIGURA 2 O Conceito de repositrio profundo para fontes radioativas seladas

descartadas. Fonte VICENTE, 2007b .............................................................................. 20

FIGURA 3 Mtodo de encapsulamento das fontes seladas. ........................................... 21

FIGURA 4 - rvore de falhas do cimento em ambiente de repositrio (Adaptado de

Philipose, 1988) .............................................................................................................. 24

FIGURA 5 - Taxa de liberao de calor de uma tpica pasta de cimento Portland durante as

primeiras idades (MEHTA & MONTEIRO, 2008) .......................................................... 33

FIGURA 6 - Corpos de prova cilndricos em moldes de plsticos .................................... 61

FIGURA 7 - Corpos de prova cilndricos desmoldados .................................................... 61

FIGURA 8 - Moldes de plsticos utilizados para a confeco dos corpos de prova cbicos

........................................................................................................................................ 62

FIGURA 9 - Corpos de prova cbicos aps a desmoldagem ............................................ 62

FIGURA 10 - Corpo de prova cilndrico e o recipiente de imerso .................................. 64

FIGURA 11 - Recipientes de imerso dos corpos de prova dentro de banho em alta

temperatura ..................................................................................................................... 64

FIGURA 12 - Recipiente de armazenamento seco dos corpos de prova em alta temperatura

........................................................................................................................................ 65

FIGURA 13 - Rompimento de corpo de prova cbico ..................................................... 65

FIGURA 14 - Suporte para o rompimento dos corpos de prova cbicos ........................... 66

FIGURA 15 - Mquina de rompimento dos corpos de prova............................................ 66

FIGURA 16 - Corpo de prova cilndrico aps o rompimento ........................................... 67

FIGURA 17 - Medida do comprimento de corpo de prova cilndrico ............................... 67

FIGURA 18 Fluxograma da metodologia aplicada neste trabalho ................................. 70

FIGURA 19 Resistncia mecnica mxima, mnima e mediana dos cps cilndricos. ..... 72

FIGURA 20 Frequncia relativa dos cps nos intervalos de presso de ruptura em

diferentes tempos de imerso ........................................................................................... 73

FIGURA 21 Frequncia relativa dos cps nos intervalos de presso de ruptura em

diferentes temperaturas .................................................................................................... 73

FIGURA 22 Frequncia relativa dos cps nos intervalos de presso de ruptura em

diferentes doses de irradiao .......................................................................................... 74

FIGURA 23 Frequncia relativa dos cps nos intervalos de presso de ruptura em

diferentes meios de imerso ............................................................................................. 74

FIGURA 24 Resistncia mecnica mxima, mnima e mediana dos cps cbicos. .......... 75

FIGURA 25 Frequncia relativa dos cps nos intervalos de presso de ruptura em

diferentes meios de imerso ............................................................................................. 76

FIGURA 26 Frequncia relativa dos cps nos intervalos de presso de ruptura em

diferentes temperaturas .................................................................................................... 77

FIGURA 27 Frequncia relativa dos cps nos intervalos de presso de ruptura em

diferentes tempos de tratamento ...................................................................................... 77

FIGURA 28 Frequncia relativa dos cps nos intervalos de presso de ruptura em

diferentes doses de irradiao .......................................................................................... 78

FIGURA 29 Variao de massa dos cps cilndricos antes e aps a irradiao. ............... 81

FIGURA 30 Variao de massa dos cps cbicos antes e aps a irradiao. ................... 81

FIGURA 31 Concentrao das espcies na gua destilada aps a imerso dos cps

cilndricos ....................................................................................................................... 82

FIGURA 32 Razo entre as concentraes finais em relao inicial das espcies nas

solues salinas aps a imerso dos cps cilndricos .......................................................... 83

FIGURA 33 Concentrao das espcies na gua destilada aps a imerso dos cps cbicos

........................................................................................................................................ 83

FIGURA 34 Razo entre as concentraes finais em relao inicial das espcies nas

solues salinas aps a imerso dos cps cbicos .............................................................. 84

FIGURA 35 Agrupamento das amostras por semelhanas mineralgicas, obtidas pela

anlise de cluster de DRX................................................................................................ 87

FIGURA 36 Difratograma de doze amostras de pasta de cimento. ................................ 88

FIGURA 37 Aproximao do difratograma das doze amostras. .................................... 88

FIGURA 38 Anlise semiquantitativa de quatro amostras. ............................................ 89

FIGURA 39 Imagem obtida pela MEV do material precipitado na superfcie dos cps. .. 90

FIGURA 40 Elementos presentes no gro e na agulha do material precipitado.............. 90

FIGURA 41 Curva de TGA detalhada da amostra 6...................................................... 92

12

1. INTRODUO

O advento da tecnologia nuclear trouxe uma srie de vantagens para a

sociedade e uma diversidade muito grande de aplicaes, entre elas est o uso de fontes

radioativas seladas na medicina, indstria e pesquisa.

Um dos custos para tais benefcios a gerao de rejeitos radioativos que,

assim como os rejeitos comuns, oferecem riscos se no forem gerenciados da forma

adequada. Aps sua utilizao, as fontes so denominadas fontes radioativas seladas

descartadas (FRSD). Esse termo aplicado para fontes que no possam mais ser utilizadas

para sua finalidade primria e que no tenham previso de utilizao em nenhuma outra

atividade (VICENTE, et al, 2004).

Aps serem retiradas de servio, as FRSD devem ser gerenciadas de forma

adequada para garantir a segurana do meio ambiente. A deposio segura e correta de

fontes seladas alvo de preocupaes de todos aqueles envolvidos com a gesto de rejeitos

radioativos, devido ao uso generalizado, o alto potencial de causar acidentes radiolgicos e

o grande inventrio, na maioria dos pases.

No Brasil, os institutos ligados Comisso Nacional de Energia Nuclear

(CNEN) so responsveis pelo gerenciamento dessas fontes aps sua utilizao. O

inventrio brasileiro contava, at 2007, com cerca de 300.000 fontes seladas armazenadas

(aguardando deciso sobre a deposio final) ou em uso (fontes que iro se tornar rejeitos

no futuro) (VICENTE, 2007a).

As FRSD podem possuir meia-vida de at milhares de anos e atividades, que

ultrapassam a ordem de terabecquerel (TBq) (A atividade medida, no sistema

internacional, por becquerel (Bq), que definido como a quantidade de ncleos radioativos

que decai por segundo) (CNEN, 2011). Alm disso, seu uso generalizado, o alto potencial

de causar acidentes e o grande inventrio dessas fontes tambm so motivos de

preocupao no mundo todo. Diversos pases esto estudando formas de deposio segura

das fontes, porm a maioria ainda realiza o acondicionamento e armazenamento

temporrio das mesmas, aguardando a deciso sobre sua deposio final (DAYAL, 2004;

LEE, et al, 2012; OJOVAN et al, 2003).

13

A Gerncia de Rejeitos Radioativos (GRR) do IPEN-CNEN/SP est

desenvolvendo um conceito de deposio em poo tubular profundo, usualmente chamado

borehole na comunidade internacional. Esse repositrio deve conter todo o inventrio

brasileiro e garantir a segurana por milhares de anos, considerando a meia-vida das

fontes.

A deposio em poos tubulares possui uma srie de vantagens, tanto do ponto

de vista tecnolgico como de segurana. Algumas vantagens apontadas para a escolha do

borehole so seu baixo custo, a facilidade de construo e implementao, proteo

radiolgica eficaz, segurana a longo prazo, pouco intrusivo no meio ambiente, entre

outras (DAYAL, 2004; OJOVAN et al, 2003).

As definies sobre a segurana do repositrio so fornecidas pela anlise de

segurana ou anlise de desempenho do repositrio. As barreiras artificiais e naturais so

consideradas um sistema integrado e elas devem garantir a integridade desse sistema pelo

tempo requerido para o decaimento das fontes (VICENTE, 2007b). A durabilidade desses

materiais vai depender do comportamento em longo prazo de cada um, submetidos s

condies ambientais reinantes no repositrio e das interaes entre eles (XIE, et al, 2008).

No conceito proposto, o espao anular entre o tubo e a formao geolgica

dever ser preenchido com pasta de cimento Portland para atuar como material estrutural,

barreira contra o fluxo de gua entre as diferentes camadas do meio geolgico,

atravessadas pelo poo, e como barreira adicional contra a migrao de radionucldeos para

a biosfera, entre outras funes (US-EPA, 1988).

De todas as barreiras do repositrio, a pasta de cimento o material com o

menor grau de conhecimento em longo prazo, uma vez que a experincia na utilizao

desse material limitada a menos de dois sculos. Alm disso, a pasta de cimento o

material mais exposto s condies ambientais severas e sua deteriorao nesse ambiente

pode levar a falha do sistema. Dessa forma, mais estudos so necessrios para melhorar a

confiana de que o material ter o desempenho esperado durante toda a vida til da

instalao, prevista para at vrios milnios (SCRIVENER & KIRKPATRICK, 2008;

VAN BREUGEL, 2004).

Durante o tempo de vida til do repositrio, de milhares de anos, a pasta de

cimento estar exposta a diversos agentes que tendem a degradar e comprometer sua

integridade. O comportamento em longo prazo do cimento nessas condies alvo de

pesquisas em diversos pases.

14

O entendimento das reaes qumicas que resultam no endurecimento do

cimento fundamental para prever seu desempenho e durabilidade. A anlise da

durabilidade das estruturas de cimento requer a caracterizao e modelagem do

comportamento do mesmo em relao sobrecarga mecnica e degradao qumica

durante a vida til do repositrio.

Em contato prolongado com a gua subterrnea, o material cimentcio sofre um

processo de degradao lento, porm contnuo, que pode comprometer sua integridade

durante o perodo requerido pelo repositrio (GALNDEZ & MOLINERO, 2010). Anlise

da estabilidade dessas estruturas envolve o entendimento do comportamento mecnico e

termodinmico e tambm da previso da evoluo qumica do ambiente do repositrio, da

soluo dos poros e das fases do cimento hidratado em idades avanadas (BERNER, 1992;

XIE, et al, 2008).

Os mecanismos de degradao podem ser classificados por: a) causas internas,

como as reaes lcali-agregado, expanso trmica do cimento e agregados, efeitos de

deformao e encolhimento, etc; e b) causas externas, como deteriorao qumica por

ataques de cloreto, sulfato, lixiviao e dissoluo de clcio (descalcificao, etc)

(PHILIPOSE, 1988).

Alm de ser o material com o menor grau de conhecimento em longo prazo, a

pasta de cimento o material mais exposto s condies ambientais severas. Dessa forma,

preciso avaliar as alteraes que a pasta de cimento sofre no ambiente do repositrio para

que seja determinado o tempo de vida til deste material e garantir a segurana da

instalao durante o tempo requerido (SCRIVENER & KIRKPATRICK, 2008).

15

2. OBJETIVOS

2.1 Objetivos Gerais

Avaliar a durabilidade da pasta de cimento no ambiente de repositrio

profundo para rejeitos radioativos por meio de ensaios acelerados de laboratrio e prever o

comportamento do material em longo prazo.

2.2 Objetivos Especficos

1) Avaliar as alteraes nas propriedades de pasta de cimento, induzidas por

irradiao, exposio a solues quimicamente semelhantes s de meios geolgicos

granticos e exposio a temperatura esperada na profundidade do repositrio.

2) Estabelecer as relaes entre o grau de exposio e a intensidade das

alteraes observadas na resistncia compresso, na composio qumica e na

composio mineralgica da pasta;

3) Avaliar, por meio de ensaios multifatoriais e testes estatsticos apropriados,

os efeitos individuais e cruzados dos fatores de degradao;

4) Estabelecer a relao entre a intensidade da exposio e a durabilidade da

pasta de cimento.

16

3. REVISO DA LITERATURA

3.1 Gerncia de Rejeitos Radioativos

O advento da Tecnologia Nuclear trouxe uma srie de vantagens para a

sociedade e levou a uma diversidade muito grande de suas aplicaes, desde a gerao de

energia eltrica at o uso de radioistopos na medicina, agricultura, pesquisa e indstria

(MARUMO, 1997).

Uma das aplicaes da Tecnologia Nuclear o uso de fontes radioativas

seladas, que so objetos pequenos, de forma cilndrica e contidas em continer de metal.

Sua aplicao corrente em diversas reas, na medicina, indstria e pesquisa. Na

medicina, so usadas em equipamentos de braquiterapia, teleterapia, irradiao de sangue e

de tecidos, entre outros. Na indstria, em medidores de espessura, densidade, nvel ou de

massa, em detectores de fumaa e nos pratos de para-raios radioativos. Na pesquisa em

anlises fsico-qumicas, ambientais, agropecurias e radiolgicas (VICENTE, 2002).

O uso de equipamentos com fontes radioativas vm crescendo no Brasil nas

ultimas dcadas. Reis e Heilbron (2000) apontam diversas causas para esse aumento em

sua utilizao, como: a) o custo competitivo desses equipamentos; b) o crescimento de

empresas multinacionais no pas (acostumadas com esse tipo de tecnologia em outros

pases); c) a facilidade de controle e medio que esses equipamentos oferecem; d) a

ausncia de contato entre o material e o equipamento, evitando problemas de corroso e

abraso (em medidores de nvel ou densidade, por exemplo); e e) a disponibilidade de

detectores de alta sensibilidade em pequenos volumes.

O custo para tais benefcios est na gerao de rejeitos radioativos que, assim

como os rejeitos comuns, oferecem riscos se no forem gerenciados de forma adequada.

No Brasil, a Comisso Nacional de Energia Nuclear (CNEN) define rejeito radioativo na

norma CNEN-NE-6.05, Gerncia de Rejeitos Radioativos em Instalaes Radiativas, como

qualquer material resultante de atividades humanas que contenha radionucldeos em

quantidades superiores aos limites de iseno e para o qual a reutilizao imprpria ou

no prevista (CNEN, 1985).

Aps sua utilizao, as fontes so denominadas fontes radioativas seladas

descartadas (FRSD). As fontes que no podem mais ser utilizadas para sua finalidade

17

primria e que no tenham previso de utilizao em nenhuma outra atividade se tornam,

dessa forma, rejeitos radioativos (VICENTE, et al, 2004).

O conjunto das atividades realizadas para garantir a destinao correta desses

rejeitos denominado gerncia de rejeitos radioativos. Um esquema genrico da gerncia

de rejeitos est apresentado na FIG. 1 (HIROMOTO et al, 1999). Neste trabalho, apenas a

questo da deposio final ser abordada.

FIGURA 1 - Fluxograma da gerncia de rejeitos radioativos (adaptado de

Hiromoto et al, 1999).

Aps serem retiradas de servio, as FRSD devem ser gerenciadas de forma

adequada. No Brasil, os institutos ligados CNEN so responsveis pelo recebimento,

armazenamento e acondicionamento dessas fontes. At 2000, cerca de dez mil fontes j

haviam sido coletadas e estavam atualmente armazenadas nesses institutos (REIS &

HEILBRON, 2000).

Na Gerncia de Rejeitos Radioativos do IPEN-CNEN/SP, at 2012, j haviam

sido coletadas 8.541 fontes utilizadas em equipamentos industriais ou de radioterapia (a

maioria de Sr-90, Cs-137, Ra-226 e Am-241), cerca de 70.000 fontes de Am-241

proveniente de para-raios e mais 60.000 fontes provenientes de detectores de fumaa

(Marumo, informao verbal). Se for levado em conta as fontes extradas de para-raios

18

radioativos provenientes de instalaes comerciais e residenciais em todo o pas, esse

inventrio passa a contar com cerca de trezentas mil fontes (FERREIRA, et al, 2012).

Essas fontes esto armazenadas aguardando a deciso sobre deposio final.

A deposio segura e correta de fontes seladas alvo de preocupaes de todos

aqueles envolvidos com a gesto de rejeitos radioativos, devido a seu uso generalizado, o

alto potencial de causar acidentes radiolgicos e o grande inventrio, na maioria dos

pases.

Alguns acidentes com fontes radioativas seladas (como o acidente em Goinia,

em 1987) resultaram em fatalidades e contaminao de grandes reas urbanas e agrcolas

(VICENTE et al, 2004). Alm disso, os ataques terroristas em 11/09/2001 nos Estados

Unidos da Amrica deixaram algumas preocupaes quanto a possveis ataques terroristas

usando as chamadas bombas sujas, fabricadas com alguns tipos de fontes (GRIMM, 2004;

McFEE et al, 2006).

As fontes seladas contm, principalmente, Co-60, Ni-63, Sr-90, Cs-137, Ra-

226, Pu-238, Am-241, alm de outros 30 radioistopos e podem ser divididas em

categorias, divididas pelo tempo de meia-vida dos radioistopos. As fontes com

radioistopos de meia-vida menor que 100 dias podem ser armazenadas em segurana, nas

prprias instalaes, at seu decaiamento. Acidentes com esse tipo de fontes ocorrem com

alguma freqncia e, por isso, seu armazenamento requer alguns cuidados. (DAYAL,

2004).

As fontes com radioistopos de meia-vida entre 100 dias e 30 anos podem

conter atividades significantes, como fontes de Sr-90, que podem conter atividades

superiores a 10 PBq cada uma. Com altos nveis e meia-vida moderada, as FRSD desse

tipo devem ser isoladas por centenas ou milhares de anos (DAYAL, 2004). A maioria

dessas fontes (exceto com altas atividades) pode ser depositada em repositrios de

superfcie, como aqueles utilizados para resduos do ciclo do combustvel de baixa e mdia

atividade.

As fontes com radioistopos de meia-vida superior a 30 anos representam um

perigo potencial sade por at milhares de anos, algumas com atividades muito altas

(DAYAL, 2004; VICENTE, 2007a). As fontes dessa categoria e da anterior com alta

atividade no atendem aos critrios de aceitao em repositrios de superfcie como rejeito

de baixa e mdia atividade por duas razes principais: a) a meia-vida dos radioistopos

contidos nessas fontes pode variar de alguns anos at milhares de anos; e b) as atividades

podem variar da ordem de megabecquerel (MB) at superiores terabecquerel (TB)

19

(DAYAL, 2004; VICENTE, 2007a). Consequentemente, essas fontes devero ser

depositadas definitivamente em repositrios profundos com mltiplas barreiras.

Algumas opes potenciais para a deposio de fontes radioativas esto sendo

estudadas no mundo todo, desde repositrio de superfcie e em minas desativadas at a

deposio geolgica em alta ou mdia profundidade. Na Frana, a Agncia Nacional

Francesa de Gerenciamento de Rejeitos Radioativos (ANDRA) estuda repositrios

geolgicos profundos para seus rejeitos radioativos de nvel alto e intermedirio e de meia-

vida longa (CODINA, et al, 2008), caractersticas das fontes seladas.

Atualmente, os EUA esto reavaliando a poltica de gerncia de rejeitos

radioativos de alta atividade e vem estudando sistemas genricos de deposio no ambiente

e de deposio geolgica desses rejeitos. A deposio em poos tubulares profundos tipo

borehole uma das opes analisadas nesse estudo (LEE, et al, 2012), cujo objetivo

desenvolver as ferramentas de modelagem necessrias para avaliar e melhorar o

entendimento das reaes envolvidas no sistema de repositrio e dos processos relevantes

na deposio em longo prazo desses rejeitos em borehole.

Na Rssia, a agncia nacional local iniciou, nos anos 1980, um projeto de

deposio das FRSD no qual foi sugerido um isolamento das fontes em uma matriz

adicional, para depois serem colocadas em depsitos tipo borehole (OJOVAN et al, 2003).

Outros pases da Unio Europeia, como ustria, Blgica, Portugal e Espanha

realizam a coleta e o armazenamento temporrio das FRSD, at que se tenha uma forma

para sua deposio definitiva. J a Alemanha dispe de um stio para deposio final

dessas fontes, junto com outros rejeitos radioativos de alta atividade e meia vida longa

(ANGUS et al, 2000).

3.2 Deposio de fontes em borehole

Diante do problema apresentado, a Gerncia de Rejeitos Radioativos (GRR) do

IPEN-CNEN/SP est desenvolvendo um conceito de deposio para FRSD em poos tipo

borehole.

A deposio em poos tubulares possui uma srie de vantagens, tanto do ponto

de vista tecnolgico como de segurana (DAYAL, 2004; OJOVAN et al, 2003). Algumas

vantagens apontadas para a escolha do borehole so o baixo custo; a facilidade de

implementao; a proteo radiolgica eficaz; a segurana a longo prazo; a segurana

operacional; conceitualmente simples; a facilidade de construo; a praticidade de

instalao em vrios stios e pouco intrusivo ao meio ambiente. Alm disso, outra

20

caracterstica de instalaes tipo borehole sua rea na superfcie, que muito pequena

comparada outros repositrios, diminuindo os riscos de intruso humana.

Um esboo do poo proposto pela GRR est apresentado na FIG. 2. O conceito

deste repositrio procura atender a dois aspectos importantes sobre a deposio desse

material: conter todo o inventrio do pas e garantir a segurana em longo prazo,

considerando a meia-vida das fontes.

FIGURA 2 O Conceito de repositrio profundo para fontes radioativas seladas

descartadas. Fonte VICENTE, 2007b

O repositrio est projetado para ser perfurado em uma formao geolgica

estvel, em uma rocha cristalina com extenso e profundidade para acomodar todas as

fontes do inventrio brasileiro e deixar espao suficiente, acima da zona de deposio, para

isolamento e proteo do ambiente da superfcie. A zona de deposio das fontes dever

estar abaixo da zona fraturada da rocha com gua circulante (VICENTE et al, 2004).

A anlise de segurana ou anlise de desempenho do repositrio fornece a base

para as definies sobre sua segurana. As barreiras artificiais e naturais so consideradas

um sistema integrado e elas devem garantir a integridade desse sistema pelo tempo

requerido para o decaimento das fontes (VICENTE, 2007b). A durabilidade desses

21

materiais vai depender do comportamento em longo prazo de cada um, submetidos s

condies ambientais reinantes, e das interaes entre os mesmos (XIE, et al, 2008).

Detalhes do encapsulamento das fontes no repositrio e do sistema de

multibarreiras esto apresentados na FIG. 3. As fontes seladas sero acondicionadas dentro

de recipientes de chumbo que, por sua vez, sero depositados no interior do tubo de ao

que reveste o poo.

FIGURA 3 Mtodo de encapsulamento das fontes seladas.

As barreiras artificiais que podem ser utilizadas em um repositrio tipo

borehole so diversas. Os componentes mais comuns e suas funes principais foram

descritas por Dayal (2004) em seu trabalho e esto apresentados abaixo:

Recipiente original da fonte mantido, mesmo que esteja danificado;

Componentes metlicos e cpsulas para fontes menores Conteno da

atividade. Pode ocorrer corroso em contato com gua;

Embalagem de metal dos rejeitos (ao carbono ou ao inoxidvel) ou

recipiente contendo vrias capsulas Conteno da atividade. Pode ocorrer corroso em

contato com gua;

22

Preenchimento do recipiente em que as fontes so alocadas (por exemplo,

com pasta de cimento ou argamassa) Controla a taxa de corroso das cpsulas. Atua

como uma matriz de soro ou barreira difuso dos radionucldeos para fora da

embalagem;

Preenchimento dentro borehole em volta da embalagem (ex.

cimento/argamassa, solo natural ou materiais argilosos) Controla o fluxo de gua nas

embalagens de rejeitos e suas taxas de corroso. Atua como uma matriz de soro ou

barreira difuso dos radionucldeos para fora da embalagem;

Preenchimento do espao anular entre as paredes do borehole e a formao

geolgica (ex. pasta de cimento/argamassa) Controla o fluxo de gua da formao

geolgica, evitando o contato direto com o material de revestimento do borehole,

controlando sua corroso. Atua como uma matriz de soro ou barreira difuso dos

radionucldeos para fora do repositrio;

Revestimento do material das paredes do borehole durante a operao

Pode prevenir o acesso de guas subterrneas embalagem de rejeito at a corroso do

revestimento ou sua degradao;

Selamento: tampes de argila ou materiais a base de cimento colocados

acima da zona de deposio Selar a zona de deposio dos rejeitos das partes superiores

do sistema.

Esse sistema de barreiras artificiais no deve, necessariamente, conter todos os

componentes listados acima. A composio deve ser definida com base nas caractersticas

especificas das fontes e da formao geolgica de cada repositrio. Alm disso, a

profundidade do repositrio deve ser grande, visando reduzir a probabilidade de intruso

que poderia resultar em exposio do ambiente a altas doses de radioatividade antes das

fontes decarem (DAYAL, 2004).

Diversos processos fsicos e qumicos podem comprometer o desempenho do

repositrio. A radilise da gua, por exemplo, um processo que ocorre em campos de

radiao, como aqueles provenientes das FRSD, e pode gerar acmulo de gs hidrognio

(H2), que explosivo at em baixas concentraes. A segurana do repositrio reduzida

tambm pelo acmulo de outros produtos de radilise (OJOVAN et al, 2003). A

penetrao de gua subterrnea outro processo que pode comprometer a durabilidade do

repositrio, comprometendo as barreiras artificiais (BUZZI, et al, 2008).

23

No conceito proposto pela GRR, o espao anular entre o tubo e a formao

geolgica dever ser preenchido com pasta de cimento Portland, que possui diversas

funes, como atuar como material estrutural, barreira contra o fluxo de gua entre as

diferentes camadas do meio geolgico, atravessadas pelo poo, e como barreira adicional

contra a migrao de radionucldeos para a biosfera (US-EPA, 1988).

Entre todas as barreiras do repositrio, a pasta de cimento o material com o

menor grau de conhecimento em longo prazo, uma vez que a experincia de engenharia na

utilizao desse material limitada a menos de dois sculos. A estabilidade fsico-qumica

da pasta de cimento em longos perodos nas condies reinantes no repositrio precisa,

portanto, ser investigada (Van BREUGEL, 2004).

Alm disso, a pasta de cimento o material mais exposto s condies

ambientais severas e sua deteriorao nesse ambiente pode levar a falha do sistema. Os

estudos da durabilidade dos materiais base de cimento encontrados na literatura tm

como finalidade avaliar as propriedades estruturais em construes com vida til de

dcadas ou no mximo de poucos sculos. Assim, mais estudos so necessrios para

melhorar a confiana de que o material ter o desempenho esperado durante toda a vida

til da instalao, prevista para at vrios milnios (SCRIVENER & KIRKPATRICK,

2008).

Durante o tempo de vida til do repositrio, a pasta de cimento estar exposta a

diversos agentes que tendem a degradar e comprometer sua integridade, como presses e

temperaturas elevadas, ao corrosiva de agentes qumicos dissolvidos na gua subterrnea

e a irradiao decorrente do campo de radiao gama e de nutrons criado pelas fontes

(CALVO, et al, 2010; OLAK, et al, 2009; GALNDEZ & MOLINERO, 2010; MEHTA

& MONTEIRO, 2008).

Recentemente, a Agncia Internacional de Energia Atmica (IAEA) organizou

um Programa Coordenado de Pesquisa sobre o comportamento, em longo prazo, de

materiais cimentcios em ambientes de repositrios, que contou com pesquisadores e

instituies de vrios pases (DRACE & OJOVAN, 2009; IAEA, 2006), indicando que o

assunto est em pauta na comunidade internacional.

Philipose (1988) classifica a degradao de argamassas ou concretos a partir de

causas internas ou causas externas. Entre as causas internas, as mais importantes para a

pasta de cimento so os efeitos de encolhimento e deformao e cristalizao da fase

silicato de clcio hidratado (C-S-H). Entre as possveis causas externas, esto a

deteriorao qumica por ataques de ons presentes em guas subterrneas, corroso cida,

24

problemas com congelamento/descongelamento (em ambientes de baixa temperaturas),

lixiviao e dissoluo de compostos de clcio e aes de microorganismos. Deby et al

(2009) e Berner (1992) tambm retratam esses importantes aspectos da durabilidade da

pasta em ambientes de repositrio. A FIG. 4 apresenta a rvore de falhas da pasta de

cimento no ambiente esperado do repositrio para FRSD.

FIGURA 4 - rvore de falhas do cimento em ambiente de repositrio (Adaptado de

Philipose, 1988)

3.3 O Cimento Portland e sua utilizao

Materiais cimentcios so aqueles que endurecem quando reagem com a gua.

A definio de cimento Portland , segundo a ASTM C-150, um cimento hidrulico (que

forma um produto resistente gua) produzido pela moagem de clnqueres de silicatos de

clcio (ASTM, 1986). O clnquer possui ndulos de 5 a 25 mm de dimetro de material e

sinterizado aquecendo-se matrias-primas de composio conhecida em altas temperaturas

(MEHTA & MONTEIRO, 2008).

Os materiais a base de cimento so, em termos de volume, os materiais mais

utilizados em todo o mundo. Esse sucesso vem da facilidade em que a mistura de gua e

um p se transforma, sendo manipulado com as mos e em temperatura ambiente, em um

slido rgido e eficaz. Por essa caracterstica, o cimento considerado um ligante

hidrulico.

25

Alm disso, esses materiais possuem baixo custo e so constitudos de

elementos amplamente disponveis no solo. Nesse cenrio, os materiais cimentcios so

constantemente inovados, com a incorporao de novos constituintes e materiais

suplementares durante a formulao do concreto.

A compreenso dos processos fsicos e qumicos dos materiais cimentcios

requer que a constituio qumica e seus produtos de hidratao sejam bem conhecidos e

estudados. O cimento Portland a base cimentcia mais utilizada no mundo todo e seus

produtos de hidratao so diferentes em diferentes constituies iniciais, inerentes ao

local de fabricao dos mesmos.

O cimento Portland constitudo, principalmente, de fases silicato de clcio,

aluminato de clcio, ferrita e sulfatos (adicionado artificialmente na forma de gipsita). Na

qumica do cimento, comum a adoo de uma nomenclatura simplificada para compostos

qumicos anidros e hidratados do cimento. Essa nomenclatura substitui os xidos por letra,

como segue: C = CaO; S = SiO2; A = Al2O3; F = Fe2O3; N= Na2O; M = MgO, = SO3; =

CO2 e H = H2O.

Os compostos mais importantes presentes no clnquer do Cimento Portland so

as fases C3S, C2S, C3A e C4AF, chamadas alita, belita, fase aluminato e fase ferrita,

respectivamente. As duas primeiras so constitudas basicamente de SiO2 e CaO, enquanto

as duas ltimas de CaO e Al2O3. As fases do cimento contm elementos substituintes, que

constituem impurezas do material. A TAB. 1 apresenta os principais compostos qumicos

presentes no cimento e algumas propriedades dos mesmos (SOROKA, 1993).

TABELA 1 Propriedades dos constituintes principais do cimento Portland (adaptado de

SOROKA, 1993)

Alita Belita Fase aluminato Ferrita

Composio qumica aproximada

Silicato

triclcico 3CaO.SiO2

ou C3S

silicato

diclcico 2CaO.SiO2

ou C2S

aluminato

triclcico 3CaO.Al2O3 ou

C3A

ferroaluminato

tetraclcico 4CaO.Al2O3.Fe2O3 ou C4AF

Tempo de reao Rpido

(horas)

Lento

(dias) Instantneo

Muito rpido

(minutos)

Desenvolvimento

da resistncia

Rpido

(dias)

Lento

(semanas)

Muito rpido

(1 dia)

Muito rpido

(1 dia)

Resistncia final Alta (dezenas

de MPa)

Alta (dezenas

de MPa)

Baixa (poucos

MPa) Baixa (poucos MPa)

Calor de hidratao Mdio ~

500J/g

Baixo ~

250J/g

Muito alto

~850J/g Mdio ~ 420J/g

Principais

Elementos Substituintes

MgO, Al2O3,

Fe2O3

Al2O3, Fe2O3,

SO3, K2O, MgO

Na2O, Fe3+

,

Si4+

, K2O MgO, SiO2, TiO2

26

Alm desses compostos, alguns outros so adicionados ao clnquer ou esto

presentes na forma de impurezas. A gipsita (sulfato de clcio CaSO4 ou C ) adicionada

ao clnquer para retardar a hidratao do C3A e melhorar o tempo de trabalhabilidade do

cimento. Outros compostos minoritrios so o periclsio (xido de magnsio MgO ou

M), cal livre (xido de clcio CaO ou C) e sulfatos de sdio e potssio.

Uma srie de outros materiais, chamados materiais suplementares ao cimento

(MSC), podem ser adicionados mistura, formando argamassas e concretos de diferentes

propriedades. Com exceo da pedra calcria, esses materiais so constitudos

principalmente de silcio e alumnio, diminuindo a quantidade de clcio do cimento

resultante.

A substituio do cimento por esses materiais suplementares em alta

quantidade s possvel com um amplo conhecimento dos seus mecanismos bsicos de

hidratao. necessrio um melhor entendimento sobre vrios aspectos desses materiais,

como o desenvolvimento e utilizao de novos MSCs e de diferentes tipos de clnquer

(SCRIVENER & NONAT, 2011).

Ultimamente, a utilizao de concretos com resistncia superior convencional

cresceu em vrios setores. A resistncia do concreto funo do preenchimento dos

espaos entre os gros do cimento pelos produtos de hidratao e esses espaos so

determinados pela quantidade de gua adicionada na mistura (a proporo gua/cimento).

No entanto a reduo da quantidade de gua limitada, pois isso diminui a

trabalhabilidade do concreto, que a propriedade do material de ser facilmente preparado e

aplicado no local. Nesse conceito, alguns aditivos podem melhorar a fluidez do concreto,

como os plastificantes, e melhorar a sua resistncia com a diminuio da quantidade de

gua na mistura (SCRIVENER & KIRKPATRICK, 2008).

Scrivener & Kirkpatrickk (2008) descrevem as importantes inovaes nos

ltimos anos no concreto. Entre elas, a introduo dos plastificantes base de PCE (do

ingls polycarboxylate ether, ou ter policarboxilato) merece destaque. Com eles, algumas

propriedades importantes do concreto podem ser modificadas, como a trabalhabilidade,

reteno de ons, coeso e a taxa do desenvolvimento da resistncia. Concreto de alta

resistncia podem tambm conter certo teor de slica ativa, um resduo oriundo da indstria

metalrgica, que ajuda no preenchimento dos espaos entre os gros de cimento, devido

presena de partculas de tamanho pequeno (10 a 100 vezes menor que os gros do

cimento), que melhoram a compactao do concreto.

27

A necessidade de reduzir o impacto ambiental causado pelos materiais

cimentcios o fator que mais motiva a inovao nesses materiais. O uso de MSC

provenientes de processos industriais, como escria de alto-forno, cinza volante, calcrio e

slica ativa, necessita de testes extensos para a utilizao em larga escala. Dessa forma, a

compreenso de todos os processos bsicos presentes na hidratao do cimento Portland

comum e do concreto com adies de MSCs crucial no entendimento das propriedades

qumicas, fsicas e mecnicas do produto final. Alm disso, a hidratao do cimento na

presena desses novos materiais sofrem diversas alteraes que devem ser estudadas caso a

caso (SCRIVENER & KIRKPATRICK, 2008).

3.4 Principais componentes do Cimento Portland anidro

3.4.1 Alita

A alita, um polimorfo do silicato triclcico, ou C3S, constitui cerca de 50-70%

da massa do cimento Portland e tende a dominar a hidratao nos perodos iniciais.

responsvel pela resistncia inicial do cimento (em idades entre 1 e 28 dias) devido a

rpida formao do silicato de clcio hidratado, C-S-H, o principal produto da hidratao

(BATTAGIN, 2011).

Quando o cristal de alita se desenvolve por completo, ele forma um polgono

hexagonal. Em um clnquer industrial, nem todas as faces do hexgono so desenvolvidos

e os cristais podem se desenvolver em formas variadas. Essa variao gera um material

com diferentes dimetros, que reagem mais lenta (cristais maiores) ou mais rapidamente

(cristais menores) na hidratao.

3.4.2 Belita

A hidratao da belita tambm leva formao de C-S-H e de Portlandita,

porm essa reao muito mais lenta quando comparada s reaes que ocorrem com a

alita, sendo portanto importante apenas em idades mais avanadas (aps 28 dias de cura).

A belita, ou C2S, um silicato diclcico e constitui de 10-20% da massa do clnquer do

cimento Portland. Os cristais de belita possuem formas arredondadas e podem ocorrer

dispersos ou agrupados, dependendo das condies do processo de produo do clnquer

(BATTAGIN, 2011).

28

3.4.3 Fase Aluminato Triclcico

O aluminato triclcico, ou C3A, o responsvel pela pega do cimento, uma vez

que sua reao com a gua muito rpida. Com o intuito de retardar a pega, adicionado

ao clnquer gipsita para melhorar a trabalhabilidade do cimento. A hidratao dessa fase

gera os compostos hidroaluminatos de clcio contendo ou no ferro, denominados fases

AFm, e compostos do tipo etringita, denominados fases AFt (VICHOT & OLLIVIER,

2008). Alm desses produtos, a hidratao na presena de xido de magnsio gera

hidrotalcita ((Mg6Al2(OH)16CO3.4H2O).

A fase de cristalizao do C3A importante, uma vez que a presena desse

material na forma ortorrmbica aumenta muito a reatividade e se faz necessria adio de

maior quantidade de sulfato de clcio para retardar a pega. Um cimento com alto teor de

C3A cbico evita o incio de pega acelerado e a consequente diminuio da

trabalhabilidade na pasta de cimento (VICHOT & OLLIVIER, 2008).

3.4.4 Fase Ferroaluminato Tetraclcico

A hidratao da fase ferroaluminato tetraclcio leva aos mesmos produtos da

hidratao do C3A. A presena desse material inibi a reao do C3A, permitindo um maior

tempo de pega do material. Esse material possui papel importante papel ao aumentar a

resistncia do cimento a agentes qumicos, em especial ao ataque de sulfatos em cimento.

As fases C3A e C4AF correspondem a cerca de 15 a 20% do clnquer (BATTAGIN, 2011).

3.4.5 Cal livre e periclsio

A cal livre (CaO) formada pela descarbonatao do CaCO3 e indesejvel

em quantidades superiores a 2% no clnquer. Teores elevados desse material indicam que o

processo de formao do clnquer no foi completo. Alm disso, a presena de cal livre

leva a expanso da pasta de cimento no processo de hidratao pela formao de de

Portlandita [Ca(OH)2], cerca de 97% superior em volume (CENTURIONE, 1993). O

periclsio, ou xido de magnsio, indesejado em quantidades superiores a 5% no

clnquer. Teores de MgO acima de 2% levam a cristalizao de periclsio, que durante a

hidratao pode formar brucita (Mg(OH)2), causando expanso da pasta de cimento

(BATTAGIN, 2011).

29

3.4.6 Sulfatos de clcio

Adicionada ao clnquer, a gipsita (CaSO4.2H2O) utilizada retardar a pega da

pasta de cimento. Se no fosse adicionado, a pega do cimento seria praticamente

instantnea (menos de 10 minutos), inviabilizando a utilizao do concreto na prtica. A

perda de molculas de gua da gipsita pode levar a formao de bassanita (CaSO4.0,5H2O)

ou anidrita (CaSO4), levando a diferentes comportamentos durante o incio da hidratao

da pasta (VICHOT & OLLIVIER, 2008).

3.4.7 Sulfatos alcalinos

Os sulfatos alcalinos so formados devido presena de lcalis no clnquer e

possuem papel importante em reaes lcalis-agregados e na prpria cintica de hidratao

do cimento. Os sulfatos alcalinos so facilmente solubilizveis na gua de amassamento do

cimento enquanto que os lcalis contidos nos aluminatos e nos silicatos sero liberados

mais lentamente durante o processo de hidratao (BATTAGIN, 2011). Os sulfatos

alcalinos mais conhecidos no clnquer so arcanita, langbeinita e aftitalita. Durante o

processo de hidratao, aceleram o incio da pega e diminuem a resistncia da pasta de

cimento idades mais tardias (VICHOT & OLLIVIER, 2008).

3.4.8 Adies: escria, pozolanas e fler

A escria de alto forno subproduto da fabricao de ferro gusa e constituda

de aluminossilicatos clcicos, com sulfetos de clcio e mangans e xidos de ferro e

mangans como impurezas. A escria o material mais utilizado pela indstria cimentcia

como adio devido sua alta disponibilidade (BATTAGIN, 2011).

Os materiais pozolnicos so silicosos ou slico-aluminosos que, quando

finamente modos e na presena de gua e Ca(OH)2, reagem e formam compostos

aglomerantes (MONTANHEIRO, 2003). As pozolanas podem ser de origem vulcnica ou

de subprodutos de diversas atividades industriais. O fler calcrio retirado da moagem de

rocha calcria e, quando adicionados ao cimento Portland, produz uma pasta de cimento

mais trabalhvel. A sua adio causa efeitos qumicos e fsicos durante a hidratao do

cimento, como a formao de carboaluminatos e a incorporao de CaCO3 na estrutura do

C-S-H. O efeito fsico o preenchimento dos poros do cimento (BATTAGIN, 2011).

30

3.5 Tipos de Cimentos e suas propriedades

Os tipos de cimentos fabricados no Brasil so definidos pela ABNT

(Associao Brasileira de Normas Tcnicas) e so equivalentes ao modelo europeu, que

normalizado pelo Comit Europeu de Normalizao (CEN do francs Comit Europen

de Normalisation), de acordo com a norma EN 197-1 Composio, especificao e

critrios de conformidade para cimentos comuns (CEN, 2000). O cimento Portland comum

(CP I), embora praticamente ausente no mercado por questes econmicas e ambientais,

segue como referncia para as propriedades dos demais (BATTAGIN, 2011). Os tipos de

cimento normalizados disponveis no mercado brasileiro so:

Cimento Portland Comum (CP I)

CP I Cimento Portland Comum

CP I-S Cimento Portland Comum com Adio

Cimento Portland Composto (CP II)

CP II-E Cimento Portland Composto com Escria

CP II-Z Cimento Portland Composto com Pozolana

CP II-F Cimento Portland Composto com Fler

Cimento Portland de Alto Forno (CP III)

Cimento Portland Pozolnico (CP IV)

Cimento Portland de Alta Resistncia Inicial (CP V-ARI)

Cimento Portland Resistente a Sulfatos (RS)

Cimento Portland de Baixo Calor de Hidratao (BC)

Cimento Portland Branco (CPB)

Cimento Portland classe G (CPP-G)

Esses tipos diferenciam-se pela proporo de clnquer e gipsita e pela presena

de adies, como escrias, pozolanas e fler calcrio. Podem tambm diferenciar-se por

propriedades fsicas, caso do CP V-ARI, com rea superficial maior e, por isso, taxa de

reao de hidratao maior.

A TAB. 2 apresenta os principais cimentos brasileiros e o correspondente nas

normas americanas e europeias, alm da composio tpica dos mesmos (SKALNY et al,

2002).

31

TABELA 2 - Equivalncia entre os Cimentos brasileiros, europeus e americanos e sua

composio tpica.

Cimento Americano

Tipo I

Tipo II Tipo III Tipo IV Tipo V Tipo IS Tipo IP

Norma ASTM C150-

861

C150-

861

C150-

861

C150-

861

C150-

861

C595-

092

C595-

092

Cimento Europeu

CEM I CEM II CEM I - - CEM III CEM IV

Norma EN 197-

13

EN 197-

1

EN 197-

1 - -

EN 197-

1

EN 197-

1

Cimento

Brasileiro CP I CP II

CP V

ARI BC RS CP III CP IV

Norma ABNT NBR

57324

NBR

115785

NBR

57336

NBR

131167

NBR

57378

NBR

57359

NBR

573610

C3S (%) 42-65 35-60 45-70 20-30 40-60

C2S (%) 10-30 15-35 10-30 50-55 15-40

C3A (%) 0-17 0-8 0-15 3-6 0-5 C4AF (%) 6-18 6-18 6-18 8-15 10-18

rea Superficial

Especfica (m2/kg)

300-400 280-380 450-600 280-320 290-350

(1 - ASTM, 1986; 2 - ASTM, 2009; 3 - CEN, 2000; 4 - ABNT,1991b; 5 - ABNT,1991a; 6 - ABNT,1991c; 7 - ABNT,1994; 8 - ABNT,1992; 9 - ABNT,1991d; 10 - ABNT,1991e)

3.6 Propriedades e caractersticas importantes do Cimento Portland

As propriedades do cimento Portland dependem de uma srie de fatores, como

a escolha dos compostos (tipo de cimento, agregados, etc), do tipo de processamento

(mistura, colocao, cura, etc), da natureza qumica e fsica do sistema (produtos de

hidratao, estrutura dos poros, etc) e do ambiente de utilizao (temperatura, umidade,

presena de espcies qumicas agressivas, etc) (SKALNY et al, 2002). A performance

mecnica e a durabilidade tambm dependem desses fatores.

Diversas caractersticas so importantes para determinarmos a melhor escolha

do material utilizao proposta. Entre elas, esto a finura, os processos de pega e

endurecimento, a hidratao do cimento e o calor de hidratao. Essas caractersticas sero

abordadas nas prximas sees.

3.6.1 Finura do cimento

A finura do cimento afeta sua reatividade com gua, uma vez que quanto mais

fino o cimento, mais rpida ser sua reao. A taxa de reatividade e, consequentemente o

desenvolvimento da resistncia so intensificados pela moagem mais fina do cimento. Esse

processo o que d origem ao cimento Portland tipo V de alta resistncia inicial (CP V-

ARI) (MEHTA & MONTEIRO, 2008).

32

3.6.2 Processos de pega e endurecimento

O endurecimento se inicia quando o cimento perde sua plasticidade devido ao

consumo de gua livre. A perda de gua livre resultado da formao de produtos de

hidratao e da adsoro superficial por produtos como a etringita e o C-S-H e a

evaporao.

De acordo com Mehta e Monteiro (2008), o termo pega se refere

solidificao da pasta plstica de cimento. O incio da solidificao, chamado incio de

pega, marca o ponto em que a pasta se torna no trabalhvel. J o tempo que leva para se

solidificar completamente se chama final de pega. O tempo final de pega representa o

incio do perodo de hidratao do C3S, reao que continua por vrias semanas. Apenas ao

longo dessas semanas a pasta de cimento comea a adquirir resistncia.

Com o passar do tempo, o preenchimento dos espaos vazios da pasta com os

produtos de reao de hidratao reduz sua porosidade e permeabilidade, aumentando a

sua resistncia. Esse ganho de resistncia chamado endurecimento (MEHTA &

MONTEIRO, 2008).

3.6.3 Calor de Hidratao

Os compostos do cimento Portland possuem alta energia qumica acumulada e,

quando hidratados, reagem com a gua para formar produtos em estado mais estveis de

baixa energia, liberando calor. A quantidade de calor liberada e as taxas de liberao de

calor de hidratao so usadas como ndices de suas reatividades. A FIG. 5 apresenta a

taxa de liberao de calor de uma pasta de cimento durante o tempo de pega e

endurecimento. Os perodos identificados como A, B, C e D podem ser chamados de a)

reao inicial; b) perodo de induo; c) perodo de acelerao e d) perodo de

desacelerao. Ao se misturar cimento com gua, observa-se uma rpida evoluo de calor,

resultante da dissoluo de aluminatos e sulfatos (perodo A). Esse perodo termina

rapidamente e se inicia um perodo de baixo calor de reao (perodo B). Aps algumas

horas, a evoluo do calor apresenta outro pico, correspondente ao calor de formao da

etringita (C). Aps a formao da etringita, observa-se uma diminuio do calor de reao

no perodo de desacelerao (D). Para um cimento Portland comum, cerca de 50% do calor

potencial liberado nos trs primeiros dias e 70% nos sete primeiros dias de hidratao.

33

FIGURA 5 - Taxa de liberao de calor de uma tpica pasta de cimento Portland durante as

primeiras idades (MEHTA & MONTEIRO, 2008)

A hidratao do cimento o fenmeno em que uma suspenso, em temperatura

ambiente, se transforma em um slido rgido. A hidratao caracterizada pelas reaes de

cada fase presente no clnquer ou adicionada ao cimento Portland com a gua. Os

fenmenos qumicos e microestruturais que caracterizam a hidratao desses materiais so

complexos e interdependentes.

3.7 A hidratao do cimento Portland

A hidratao do cimento envolve as reaes de seus compostos anidros com a

gua, resultando em produtos que possuem caractersticas de pega e endurecimento. Esse

fenmeno envolve vrios processos qumicos, cada um com uma diferente taxa de reao e

cintica. O conhecimento avanado sobre os mecanismos de hidratao envolve questes

fundamentais nesse processo que do origem aos diversos perodos observados.

Scrivener & Nonat (2011) descrevem a hidratao como um processo de

dissoluo e precipitao. A fase anidra no pode se transformar na fase hidratada sem a

passagem de ons pela soluo. O transporte dos componentes da soluo pelos poros da

pasta de cimento ou sua adsoro na superfcie dos slidos chamado processo de difuso.

A fase de crescimento envolve a ligao e a incorporao de molculas na superfcie de um

slido, produzindo material suficiente na soluo para a apario da fase menos solvel, o

precipitado. O processo de nucleao, descrito por esses autores, responsvel pelo inicio

da precipitao dos slidos de forma heterognea. De acordo com a teoria clssica de

34

nucleao, o perodo de induo necessrio para estabelecer ncleos aptos para crescer

depende da supersaturao e da energia interfacial dos cristais. A complexao descrita

como a etapa em que ocorrem reaes entre ons simples para formar ons complexos ou

adsorvidos na superfcie dos slidos formados. O processo de adsoro a acumulao de

ons ou outras molculas na superfcie do slido.

O pico principal da hidratao caracterizado por um perodo de acelerao,

seguido de um perodo de desacelerao (FIG. 5). Em vrios estudos, a parte de acelerao

do pico pode ser modelada pelo processo de nucleao e crescimento do C-S-H. O

mecanismo responsvel pela desacelerao aps cerca de 10 horas mais difcil de

identificar, mas algumas propriedades so apontadas como responsveis, como a formao

de uma camada de produtos de hidratao que desacelera a reao, a reduo da rea

superficial disponvel para reagir e mudanas locais de concentrao na superfcie dos

gros. Em pastas de cimento, o preenchimento dos espaos tambm tem um papel

importante. (SCRIVENER & NONAT, 2011).

Cimentos com diferentes fases de clnquer iro reagir a taxas diferentes. As

fases alita e aluminato so as mais reativas, com graus de reao entre 40 e 60% para alita

e 20-80% para o aluminato em um dia. J a belita apresenta uma reao muito lenta (menor

que 20% entre 7 e 10 dias). Isso ocorre pois as concentraes dos produtos de hidratao

da alita inibem a dissoluo da belita (MEHTA & MONTEIRO, 2008).

A qumica macroscpica do cimento Portland hidratado definido como um

sistema contendo CaO, Al2O3, Fe2O3, SiO2, e H2O. A soma de C-S-H e de Portlandita

compreendem cerca de 70% do cimento hidratado.Em geral, a pasta de cimento hidratada

consiste, em peso, de (MEHTA & MONTEIRO, 2008):

40 50 % de gel de C-S-H

20 25 % da fase Portlandita [Ca(OH)2]

10 20% das fases AFm, AFt e ferrita

10 20% soluo intersticial

0 5% componentes menores (NaOH, KOH, Mg(OH)2, ...)

A resistncia a longo prazo e as propriedades de transporte de cimentos com

adies de MSC normalmente superior s propriedades do cimento Portland. Isso

explicado pelo refinamento da estrutura porosa.

35

3.7.1 A hidratao das fases de silicato de clcio

A hidratao inicial das fases de silicato de clcio caracterizada pela rpida

reao do C3S com a gua. Ao entrar em contato com a gua, o C3S se dissolve segundo a

equao abaixo, que possui um amplo sinal exotrmico (VICHOT & OLLIVIER, 2008).

C3S + 3H2O 3Ca2+

+ H2SiO42-

+ 4OH- (3-1)

Os produtos desta reao formam o silicato de clcio hidratado

(xCaO.SiO2.yH2O ou C-S-H), segundo a equao abaixo. A formao do C-S-H deixa a

soluo supersaturada em relao a este produto.

x Ca2+

+ H2SiO42-

+ 2(x-1) OH- + yH2O xCaO.SiO2.yH2O (3-2)

O C-S-H no um composto bem definido e sua estequiometria definida pela

relao molar CaO/SiO2 (ou C/S). A sua relao C/S varia entre 1,5 a 2,0 e o contedo de

gua varia ainda mais (MEHTA & MONTEIRO, 2008). A liberao de clcio pela alita

torna a soluo supersaturada em relao a esse on, o que resulta na precipitao de

hidrxido de clcio, ou Portlandita (VICHOT & OLLIVIER, 2008).

Ca2+

+ 2OH- Ca(OH)2 (3-3)

A hidratao da belita tambm leva formao de C-S-H e de Portlandita,

porm essa reao muito mais lenta quando comparada s reaes que ocorrem com a

alita.

A hidratao da alita pode ser dividida em quatro etapas: a) reao inicial; b)

perodo de baixa reao; c) perodo de acelerao e d) perodo de desacelerao.

O primeiro processo pode ser classificado como um processo de

dissoluo/dissociao, em que as molculas da superfcie do slido se separam quando

entram em contato com a gua. Durante a dissoluo, a superfcie de contato total diminui

enquanto o material constituinte do cimento consumido, para depois aumentar durante a

precipitao, quando ocorre a formao dos produtos. Por isso a taxa de reao nessa fase

varia constantemente com o desenvolvimento da mesma (BULLARD, et al, 2011;

SCRIVENER & NONAT, 2011). To logo o C3S entra em contato com a gua ele dissolve

e as concentraes de clcio, silicato e de hidrxido aumentam na soluo, diminuindo o

36

grau de saturao e a taxa de dissoluo. Porm, nem todos os detalhes desse processo so

claros.

O perodo de baixa reao ou perodo de induo tema de muito debate. Dois

mecanismos principais so propostos para explicar a diminuio rpida da taxa de reao:

a hiptese da barreira metaestvel e a hiptese da etapa lenta de dissoluo.

Por um longo tempo, a teoria mais aceita sobre esse tema foi a de que a adio

de gua leva a formao de uma camada contnua e fina de silicato de clcio hidratado

metaestvel (C-S-H(m)), que isola as camadas mais profundas da alita da soluo e inibe a

reao. Essa teoria, chamada de hiptese da barreira metaestvel, tem alguns problemas,

uma vez que o primeiro precipitado um hidrato do silicato de clcio, que possui estrutura

radicalmente diferente do C3S e muito difcil que esse material forme uma barreira

impermevel na superfcie (SCRIVENER & NONAT, 2011). Bullard et al (2011) relatou

que no possvel observar a presena dessa camada contnua nas ltimas pesquisas sobre

o assunto, mesmo com mtodos de anlise da superfcie mais modernos.

Quanto hiptese da etapa lenta de dissoluo, Bullard et al (2011) relatou que

algumas pesquisas apontam que a dissoluo do C3S diminui rapidamente devido

formao de uma camada superficial hidroxilada na superfcie do C3S em contato com a

gua e, por isso, a dissoluo de ons desta camada ocorre muito lentamente. A taxa de

dissoluo diminui com o aumento da concentrao de hidrxido de clcio.

O crescimento do C-S-H causa a diminuio da concentrao de silicato e a

proporo molar Ca/Si aumenta. Em alguns minutos, a soluo torna-se saturada em C-S-

H, porm no saturada em respeito ao C3S. A dissoluo um mecanismo de controle da

taxa de reao e fornece uma maneira satisfatria de relacionar a diminuio da taxa de

dissoluo da alita com solues no saturadas no perodo inicial de reao.

O perodo de acelerao normalmente relacionado aos mecanismos de

nucleao e crescimento. O controle da taxa de hidratao nessa etapa relacionado

nucleao e ao crescimento heterogneo do C-S-H na superfcie da alita.

O mecanismo que causa o incio do perodo de acelerao da reao de

hidratao ainda alvo de pesquisas. Isso porque dois eventos ocorrem quase que

simultaneamente nesse ponto para a hidratao do C3S em uma pequena quantidade de

soluo: a) precipitao do hidrxido de clcio (portlandita); e b) crescimento acelerado do

C-S-H. Algumas hipteses ou mecanismos para o surgimento da etapa de acelerao foram

propostos por Bullard et al (2011) e esto apresentados abaixo:

37

Nucleao e crescimento do C-S-H: Acontece no final do perodo de reao

lenta e o controle da taxa ocorre pela camada protetora do C-S-H metaestvel que se torna

quimicamente instvel e expe o C3S, altamente solvel.

Crescimento do C-S-H estvel: ncleos de C-S-H estveis, j formados

durante a reao inicial, crescem em uma taxa exponencial. No ocorreria a formao de

barreira de hidratos metaestveis.

Ruptura da barreia inicial: A camada da barreira de C-S-H metaestvel seria

semipermevel. A soluo dentro fechada e a saturao de C3S causa uma presso

osmtica e sua ruptura.

Nucleao da Portlandita: A nucleao e o crescimento da portlandita

comeam a ocorrer em taxas controladas e, indiretamente, controlaria a taxa de

crescimento do C-S-H.

Bullard et al (2011) descrevem que, desde 1989, a hiptese da nucleao da

portlandita se tornou contraditria com alguns experimentos, porm alguns experimentos

mais recentes mostram que essa hiptese pode ser conciliada com o incio da nucleao e

crescimento.

Quanto ao perodo de induo, sua durao pode estar relacionada presena

de alumnio na soluo, proveniente da dissoluo da alita e das fases aluminato. ons Al

podem prejudicar o crescimento dos ncleos de C-S-H formados inicialmente. O C-S-H

continua a se formar, porm no crescem como o esperado enquanto ons Al estiverem

disponveis na soluo. Uma vez que todos os ons Al forem adsorvidos no ncleo do C-S-

H, outros ncleos livres de Al comeam a crescer e a hidratao acelera da mesma forma

que um cimento de puro C3S.

Em idades avanadas, o processo de hidratao controlado pelo processo de

difuso, porm outros processos so tambm importantes, como o consumo de partculas

menores, restando apenas as maiores para reagir, a falta de espao no cimento e a falta de

gua, uma vez que o volume do produto hidratado menor que o volume combinado do

reagente do cimento + gua (cerca de 5 a 10%). Dessa forma, a diminuio no volume leva

formao de poros e uma diminuio na umidade relativa.

38

3.7.2 A Hidratao das fases aluminatos

O processo de hidrlise e dissoluo do aluminato de clcio, quando entra em

contato com a gua, conduzem reao abaixo representada e a formao das fases Afm e

Aft.

Ca3Al2O6 + 6 H2O 3 Ca2+

+ 2 Al3+

+ 12 OH

(3-4)

O primeiro produto de hidratao a fase AFm, um monossulfoaluminato de

baixa cristalizao que pode ser descrita como C2AH8 e C4AH13. Com o tempo, essa fase

metaestvel se transforma em hidrogranadas, C3AH6. Essa reao ocorre naturalmente em

aproximadamente 25 minutos e a taxa aumenta conforme a temperatura aumenta. Essa

rapidez, porm, indesejada, pois diminui o perodo de trabalho do cimento antes do seu

uso. A adio de gipsita abranda a reao e o perodo de trabalho do cimento restitudo

(SCRIVENER & NONAT, 2011; BULLARD, et al, 2011).

Ao contrrio da alita, a reao dos aluminatos no mostra um perodo de baixa

reatividade e ocorre quase instantaneamente na ausncia de sulfato de clcio (gipsita),

liberando uma grande quantidade de calor de hidratao. (MEHTA & MONTEIRO, 2008).

O sulfato de clcio adicionado na forma de gipsita (CaSO4.2H2O), mas

anidrita (CaSO4) e hemidrato (CaSO4.0,5H2O) tambm esto presentes como impurezas.

Com a adio de sulfato, o produto de formao principal da hidratao a etringita

(C3A3CaSO4.32H2O). Quando todo o sulfato de clcio adicionado consumido, a taxa de

reao volta a subir, ocorrendo a formao de monossulfoaluminato (BULLARD, et al,

2011; MEHTA & MONTEIRO, 2008; SCRIVENER & NONAT, 2011).

A questo mais importante referente hidratao do C3A sobre a diminuio

da taxa de reao. Algumas possveis explicaes para esse fenmeno podem ser: a) a

formao de etringita diminui a reao por formar uma barreira de difuso na superfcie do

C3A; b) outras fases, como AFm, diminui a reao da mesma forma; e c) a reao

diminuda diretamente pela adsoro de algumas espcies provenientes da dissoluo do

sulfato de clcio.

O padro para a reao do C3A, em presena de gipsita, semelhante ao do

C3S, com uma reao inicial rpida seguida de um perodo de baixa reao antes da taxa de

reao aumentar novamente.

Bullard et al (2011), em seu trabalho, atribuem a desacelerao ao processo de

adsoro dos ons sulfato na superfcie do C3A, uma vez que a morfologia da etringita

dificilmente fornece uma barreira substancial ao transporte de ons. Alm disso, foi

39

observada uma formao mais acentuada da fase AFm quando o C3A hidratado com

gipsita do que quando hidratado com hemidrato, apesar da desacelerao com hemidrato

ser mais rpida.

A formao de etringita e o consumo de sulfato durante o perodo esto

relacionados com a dissoluo do C3A. Dessa forma, a reduo na taxa seria devido a

mudanas na dissoluo do C3A e no devido a uma barreira.

3.7.3 Interao entre as fases nos processos de hidratao

A interao entre as duas fases descritas anteriormente altera a hidratao da

pasta de cimento e claramente observada a influncia de um processo no outro. Vrios

trabalhos esto sendo realizados como intuito de investigar as diferenas nas reaes de

hidratao de cada fase quando a hidratao ocorre em sistemas puros ou multifsicos para

identificar os efeitos das interaes entre elas (BULLARD, et al, 2011; QUENNOZ, et al,

2011; SCRIVENER & NONAT, 2011).

Esses processos podem ocorrer em srie, em paralelo ou em uma combinao

mais complexa. Quando em srie, produtos de um tornam-se reagentes em outro processo

e, se um processo tiver uma taxa de reao muito lenta, este se torna limitante da reao, o

chamado processo de controle da taxa da reao. A dificuldade em isolar os processos

qumicos para estudos mais detalhados torna muito difcil a anlise de um sistema

complexo, como o de hidratao do cimento Portland.

Quennoz et al (2011) desenvolveu um trabalho para investigar as diferenas

entre as reaes das fases do cimento individualmente quando a hidratao ocorre em

sistemas puros ou multifsicos para identificar os efeitos da interao entre elas. Foi

demonstrado que os ons alumnio, provenientes do aluminato, podem prejudicar a reao

da alita, que ocorre em menor proporo na presena desses ons. Na presena de sulfato,

no entanto, a reao da alita acelerada e a reao do aluminato retardada.

3.7.4 Formao da estrutura

Soroka (2003) aponta em seu livro texto que os produtos de hidratao so

formados e depositados na superfcie, formando uma densa camada que causa o

encapsulamento dos gros do cimento. Com o andamento da hidratao, essa camada se

torna mais espessa e a taxa de hidratao diminui, dependendo da taxa de difuso da gua

por essa camada. Quanto maior a espessura da camada, mais lenta ser a taxa de reao e

isso explica o declnio na taxa de hidratao com o tempo. Espera-se que, com o aumento

40

da espessura da camada aps algum tempo, o processo de hidratao pare mesmo na

presena de gua em quantidade suficiente, o que implica na presena de ncleos de

material no hidratado dentro dos gros do cimento com dimetros muito grande.

3.7.5 Mecanismos que alteram o processo de hidratao

A hidratao do cimento pode ser alterada tambm por vrios processos.

Aumento de temperatura, de presso e a presena de agentes qumicos agressivos durante a

cura do cimento pode ocasionar mudanas nos produtos formados e nas taxas de reao.

Quanto hidratao da alita, o aumento da temperatura, pode diminuir o

perodo de reao lenta e aumentar a taxa de penetrao de hidrognio na superfcie. Isso

ocorre porque a cintica das reaes maior conforme aumenta a temperatura do ambiente.

Em aplicaes de cimentao de poos de petrleo, a dependncia da presso tambm se

torna importante.

Soroka (2003) discute que a composio dos produtos de hidratao muda com

o aumento da temperatura de cura. A proporo Ca/Si do cimento aumenta e a proporo

de gua/SiO2 diminui nessas condies. Ainda de acordo com este autor, a temperatura

acelera a taxa de hidratao e, dessa forma, acelera a formao do C-S-H. Observa-se que a

porosidade diminui de acordo com essa acelerao. Conforme a hidratao progride, no

entanto, esse efeito torna-se menos evidente e o efeito da temperatura em longo prazo

menor. Por outro lado, esse autor argumenta que o aumento da temperatura durante o

perodo de pega do cimento afeta o tamanho dos poros. Embora a porosidade em uma pasta

curada a 60C seja menor, o volume dos poros maior. Um volume de poros maior resulta

em maior permeabilidade da pasta de cimento e, por isso, a temperatura possui um efeito

deletrio na resistncia em longo prazo.

A hidratao de materiais cimentcios com diferentes adies leva formao

de novos produtos. Melhorar ou desenvolver novos produtos base de cimento requer o

conhecimento prvio de quais compostos so formados, em qual taxa os produtos so

formados ou como os produtos formados podem preencher os espaos entre os gros

anidros. Isso obtido pela termodinmica, pela cintica da reao, pelas propriedades do

material anidro e hidratado e pela microestrutura final e suas propriedades.

A reduo da permeabilidade pode aumentar a resistncia do concreto

ataques qumicos (reduzindo a difuso) e diminuir a lixiviao do hidrxido de clcio para

a gua subterrnea. A adio de materiais suplementares como escria de alto forno, cinza

41

volante e slica ativa ao cimento tm sido reportado como um importante redutor da

permeabilidade do concreto (PHILIPOSE, 1988).

3.8 A durabilidade do cimento Portland

O entendimento das reaes qumicas que conduzem o endurecimento do

cimento fundamental para prever seu desempenho e durabilidade. A anlise da

durabilidade das estruturas de cimento nas condies prevalecentes no ambiente do

repositrio necessria para avaliar a viabilidade de armazenar rejeitos radioativos em

formaes geolgicas. Isto requer a caracterizao e modelagem do comportamento em

longo prazo do cimento em relao sobrecarga mecnica e degradao qumica.

Para suportar a vida til estabelecida para o repositrio, o concreto deve sofrer

uma deteriorao muito pequena durante este perodo. A durabilidade ser influenciada por

trs principais aspectos : a) ambiente no qual o concreto estar exposto; b) qualidade dos

materiais selecionados para a formulao, suas propores no concreto e sua composio

qumica; e c) tenses internas provocadas por sobrecarga normal do cimento e em eventos

como terremotos, etc (PHILIPOSE, 1988).

Em contato prolongado com a gua subterrnea, o material cimentcio sofre um

processo de degradao lento, porm contnuo, que pode comprometer sua integridade em

longo prazo (GALNDEZ & MOLINERO, 2010).

Anlise da estabilidade dessas estruturas requer o entendimento do

comportamento mecnico, da qumica do ponto de vista termodinmico e prever e

evoluo qumica em longo prazo do ambiente do repositrio, da soluo dos poros e das

fases do cimento hidratado (BERNER, 1992; XIE, et al, 2008).

O comportamento mecnico de materiais a base de cimento caracterizado por

deformaes plsticas (por dois mecanismos principais: cisalhamento em baixas presses

de confinamento e colapso dos poros em altas presses de confinamento) e danos causados

pelo crescimento de microfraturas. Em muitas ocasies esses materiais so submetidos

sobrecarga mecnica e degradao qumica quando em contato com ambiente agressivo

como chuva, gua do mar ou fluidos cidos (XIE, et al, 2008).

Vrios fatores podem contribuir para a degradao qumica do cimento. Os

mecanismos de degradao podem ser classificados por: a) causas internas, como as

reaes lcali-agregado, expanso trmica do cimento e agregados, estresse interno

causado por sobrecarga externa, efeitos de deformao e encolhimento, cristalizao do

gel; e b) causas externas, como deteriorao qumica por ataques de cloreto, sulfato,

42

corroso por cido carbnico, corroso cida por cidos orgnicos, escala de

congelamento/descongelamento (em ambientes de baixas temperaturas), lixiviao e

dissoluo de clcio (descalcificao) e aes de microorganismos. Outros fatores so

perda do equilbrio qumico, o processo de dissoluo por fenmenos de difuso, cintica

da degradao etc. (PHILIPOSE, 1988; XIE, et al, 2008).

A porosidade da pasta de cimento, por exemplo, pode ser significantemente

aumentada pelo processo de dissoluo do clcio, ou descalcificao, que promove o

esgotamento da portlandita (de 36% em materiais de boa qualidade para 60% em materiais

degradados) (DEBY, et al, 2009; GALNDEZ & MOLINERO, 2010). O encolhimento da

pasta de cimento tambm muito maior em materiais degradados devido ao colapso

sofrido pelos poros quando a porosidade se torna muito grande.

Outros processos podem modificar a porosidade do material, como a formao

de calcita, que causa o bloqueio dos poros e a reduo da permeabilidade, podendo

aumentar a vida til do material. Em seu estudo, Galndez e Molinero (2010) mostram que

a degradao em ambientes com gua subterrnea que apresente baixo teor de bicarbonato

pode ser muito acelerado em relao a um ambiente normal e que essa degradao est

relacionada ausncia do processo de precipitao de calcita.

A fase silicato de clcio hidratado (C-S-H), que domina a qumica da soluo

intersticial do cimento hidratado, mostra um comportamento no trivial e modelar suas

propriedades termodinmicas parte central deste problema (BERNER, 1992).

3.8.1 Reao lcalis-agregado

Das reaes internas que ocorrem no concreto, as reaes entre o cimento e os

agregados e suas compatibilidades durante expanso trmica uma questo importante. A

resistncia de um concreto dependente da distribuio espacial dos poros e das

microfissuras na interface dos agregados.

A reao lcali agregados ocorre entre determinados minerais presentes na

pasta e ons hidroxila associados aos lcalis, essencialmente xido de sdio (Na2O) e xido

de potssio (K2O). As reaes desse tipo podem ser classificadas em trs tipos: a) reao