authier-revuz. nos riscos da alusão

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    NOS RISCOS DA ALUSO1

    Jacqueline Authier-RevuzUniversit Paris 3

    Traduo de Ana Vaz - Doutoranda/UFPE Dris Arruda Carneiro da Cunha- UFPE/CNPQ

    ResumoNeste artigo, eu tratarei da aluso no diretamente como fato literrio, mas,

    seguindo o trajeto no qual eu me vi defrontada com essa questo, como fatolinguajeiro que pe em cena a enunciao e suas heterogeneidades, a discur-sividade, o sentido o de um dizer que toma de emprstimo, de forma noexplcita, palavras do exterior.Palavras-chave:aluso; enunciao; modalidade autonmica; no-coincidn-cias do dizer.

    AbstractIn this article, I treat allusion not directly as a literary fact, but, followingthe path I chose to address this question, as a discursive fact that puts e-

    nunciation and its heterogeneity in the forefront, the discursiveness, thesense - that of a speech that borrows in a non explicit manner words "fromoutside".Key words:allusion; enunciation; autonimic modality; non-coincidence ofspeech.

    RsumDans cet article, j'envisagerai l'allusion non pas, directement, comme faitlittraire, mais suivant le chemin sur lequel j'ai crois cette question, com-me fait langagier, mettant en jeu l'nonciation et ses htrognits, la dis-cursivit, le sens celui, dans un dire de l'emprunt, non explicite, desmots d'ailleurs .Mots-cls: allusion; nonciation; modalit autonymique; non-concidencesdu dire.

    1 NT: In Murat M., L'Allusion dans la Littrature, coleo Colloques de laSorbonne, Presses Universitaires de Paris-Sorbonne, 2000 (p. 209-235).

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    [] o nmero de crimes e de suicdios caivertiginosamente sob o efeito das bombas.O dio parte de ns, atravessa a fronteira ese abate sobre o inimigo cujo sangue im-

    puro vai inundar, mais uma vez, as nossasterras2.Cosmopolitan, outubro de 1985.

    Naquele ano, quando, um poucomais cedo que de costume, meuspais fixaram a data de retorno aParis, na manh da ida, como ti-nham mandado cachear os meuscabelos para ser fotografado, usar

    prudentemente um chapu que eujamais havia usado e vestir umatnica de veludo, aps ter me pro-curado em toda parte, minha meencontrou-me em lgrimas na pe-quena encosta contgua a Tanson-ville, dizendo adeus aospilriteiros,cercando com meus braos os seusgalhos espinhosos, e, como uma

    princesa de tragdiaa quem pesari-am estes vos adereos, ingrato paracom a importuna mo que, for-mando todos esses cachos, teve ocuidado de arrumar meus cabelossobre a testa3 pisoteando meus

    22NT: Aluso ao refro do Hino Nacional da FranaLa Marseillaise:Aux armes citoyens,Formez vos bataillons.Marchons! Marchons!Qu'un sang impurAbreuve nos sillonss armas cidados!Formai vossos batalhes!Marchemos, marchemos!Nossa terra do sangue impuro se saciar!3NT: Aluso a Racine,Phdre, I, 3 :Que ces vains ornements, que ces voiles me psent !Quelle importune main, en formant tous ces nuds

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    papelotes arrancados e meu chapunovoMarcel Proust,Du ct de chezSwann, Combray.

    No diretamente como fato literrio que eu tratarei aqui da aluso,mas, seguindo o trajeto no qual eu me vi defrontada com essa questo, ouseja, como fato linguajeiro que pe em cena a enunciao e suas heteroge-neidades, a discursividade, o sentido o de um dizer que toma de emprs-timo, de forma no explcita, palavras do exterior. E se os jogos alusivosda intertextualidade literria so aqui considerados, eles se situam dentreenunciados de todos os tipos, susceptveis de explicar o funcionamento lin-guajeiro da aluso e os seus riscos na relao que todo dizer apresenta coma sua exterioridade discursiva: risco escolhido pelo uso pontual da aluso,

    risco de estar submisso exterioridade a alusividade prpria do dizere do sentido.

    Por outro lado, pertence escrita literria, e apenas a ela, enquanto prti-ca linguajeira que eu entendo consagrada linguagem a capacidade de ocu-par posies enunciativas extremas, desconhecidas da discursividade ordinria,de dar forma textual aorisco assumidoda aluso generalizada.

    Modalidade autonmica e no-coincidncias do dizer

    Na grande diversidade de fatos reconhecveis como modo de desper-tar a idia de uma pessoa ou de uma coisa sem a ela fazer expressamentemeno definio da aluso no Le Robert 4 ser aqui consideradaapenas a alusoa palavras, s palavras de um outro dizer, como acima, numartigo de psicologia da revista Cosmopolitan, despertando a idia daspalavras do Hino Nacional5, ou na narrativa de Proust despertando a idiadas palavras de Racine.

    Assim, dos dois enunciados orais a seguir (ambos tratando de dificulda-des do funcionamento universitrio!), apenas o segundo, despertando a idiadaspalavras de Csar, situa-se em nosso campo de pesquisas, enquanto o pri-

    meiro, evocando a lenda da Hidra de Lerne no pode nele se inscrever:

    A pris soin sur mon front dassembler mes cheveux ?Quanto estes vos adereos, quanto estes vus me pesam!Qual importuna mo que, formando todos esses cachos,Teve o cuidado de arrumar meus cabelos sobre a testa?4Le Grand Robert, tome 1, p. 272, sens 25NT: La Marseillaise.

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    (1) de desesperar: tu resolves um problema, tu retornas, eso sete cabeas que de novo crescem...6

    (2) Eu sou corajoso, porm realista:vim, vi, ...fui vencido!

    Tomada nesse sentido estrito, aalusoconserva alguma coisa do seusentido original, jogo de palavras (ainda ligado a sua origem, ludus): naspalavras que enuncia, o enunciador joga com a possibilidade de fazer resso-ar, no outras palavras da lngua como no trocadilho ou no equvoco, ... maspalavras de outros dizeres, suscitando, atravs da sua voz, a msica de umaoutra voz.

    De modo mais preciso,a aluso, assim compreendida como emprs-timo, retomada no explcita de segmentos em sua linearidade, faz parte damodalidade autonmica: essa configurao enunciativa complexa7 corres-ponde ao desdobramento metaenunciativo de um dizer que, em um

    determinado ponto, faz, ao mesmo tempo, uso das palavras para falar decoisas, e um retorno, em meno, sobre essas palavras tomadas comoobjetos. Nesses pontos especficos, o dizer representado como no funcio-nando naturalmente: o signo, em lugar de preencher neste dizer sua funomediadora de forma transparente, atravs do apagamento de si mesmo,interpe-se como real, presena, corpo encontrado no percurso do dizer e alise impe como seu objeto; a enunciao, em lugar de se realizar simples-mente no esquecimento que acompanha as evidncias inquestionveis, seredobra em uma auto-representao opacificante dela mesma.

    O percurso sistemtico desses retornos reflexivos produzidos pelosenunciadores desde a forma minimamente marcada das aspas at as lon-gas fugas metaenunciativas de Proust, por exemplo, passando por um con-junto de locues mais ou menos cristalizadas, tais como por assim dizer, possvel dizer, o caso de diz-lo, etc. desenha o campo do que se podechamar de no coincidncias do dizer. Atravs das respostas construdas,

    6NT: As formas alusivas encontradas nos exemplos foram por ns sublinhadas. Osgrifos presentes no corpo do texto so da autora.7 Um estudo sistemtico do funcionamento dessa forma de enunciao e de suasconseqncias na economia subjetiva e discursiva encontra-se em Ces mots qui ne

    vont pas de soi (Authier-Revuz 1995). No que diz respeito noo de conotaoautonmica, definida por J. Rey-Debove, da qual a modalizao autonmica seorigina, esta opera deslocamentos diversos (de ponto de vista, de definio, cf. Authi-er-Revuz (95), p. 30-40, p. 158-160): dentre eles o de que, de modo contrrio con-cepo de conotao autonmica como lugar onde o enunciador leva em conta a

    linguagem dos outros (Rey-Debove 1978: 266) [grifo meu], a modalizao auton-mica vista como um surgimento enunciativo do outro da linguagem ao que eudei o nome de no-coincidncias do dizer onde entra em cena o jogo enunciativoentre outrose no exclusivamente a linguagem dos outros.

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    os enunciadores assinalam o tipo de encontro ocorrido na duplicao re-flexiva do seu dizer. Encontros do heterogneo, do no-um, que se impondolocalmente ao enunciador, alteram o UM da sua enunciao comum: no-coincidncia entre os interlocutores, irremediavelmente outros (ao que re-

    metem osse voc prefere, como voc diz...); no-coincidncia entre as pala-vras e as coisas (que organizam todos os por assim dizer, se possvel dizerisso..., no me vem a palavra, ...); no-coincidncia das palavras com elasmesmas, como o caso do equvoco, da polissemia, da homonmia (aosquais respondem, para reduzi-la ou acolh-la, os X no sentido de P; X nosdois sentidos da palavra; X, o caso de diz-lo,...); e, finalmente, a no-coincidncia que pode ser chamada de no-coincidncia do discurso comele mesmo, espao do jogo com a exterioridade discursiva num dado dis-curso (assinalada em como diz..., para falar como..., eu retomo aqui as pala-vras de....., segundo a expresso, o que x chama..., etc.).

    No que diz respeito s no-coincidncias do dizer, consideradas ine-rentes, constitutivas da enunciao, e, como tais, por ela irrepresentveis, -isto significando que a comunicao encontra continuamente obstculospara constituir o um, que o referente sempre de alguma forma fracassa-do (como dizia Lacan), que o jogo de palavras sob palavras no cessa ja-mais, e que, finalmente, toda palavra enunciada recebe o j-dito de outrosdiscursos que inevitavelmente a habitam -, as formas de auto-representaodo dizer da modalizao autonmica aparecem como os lugares sensveis nodizer, de negociao obrigatria de todo dizer com o fato das no-

    coincidncias inerentes que o atravessam

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    .As imagens de pontos de no-coincidncia que suspendem o trajetounificado do dizer do lugar ao fato das no-coincidncias, as quais, destaforma, ganham corpo e so reconhecidas; ao mesmo tempo, entretanto, elasinterpem uma mscara, iluso necessria, pelo carter circunscrito (orestante sendo diferencialmente constitudo como um) e controlado (porum enunciador, a partir de sua posio de sobrevo metaenunciativo, aodizer o que o seu dizer) desses pontos de no-coincidncia representadas;ou realizam uma reafirmao protetora do UM do dizer, de um modo ima-ginrio absolutamente necessrio, oposto ameaa de disperso, que faz

    pesar sobre a enunciao e o sentido o jogo das no-coincidncias inerentesnas quais eles se constituem,... e poderiam desfazer-se.

    8Essa articulao, na enunciao, entre o heterogneo de um lado, como condiode existncia do dizer e, de outro lado, como forma ali representada ponto nuclearem Authier-Revuz (1995), desenvolvida emHtrognit montre et htrogni-t constitutive, lments pour une approche de l'autre dans le discours (Authier-Revuz 1982) e tambm em Authier-Revuz (1984).

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    Entre esses dois extremos onde desaparece o sentido o da fixidezconvencional de um sinal e o de sua desvinculao todo dizer deve seposicionar de forma singular no espao das no-coincidncias da enuncia-o: dessa posio enunciativa cada dizer testemunha, de forma particular,

    por meio da imagem que ele representa e ao longo dos retornos reflexivossobre suas prprias palavras, as no-coincidncias que lhe so prprias.Quais so, entre os heterogneos que afetam constitutivamente o dizer, osque ele reconhece e os que ele ignora?9Que lugar ele reserva a tal heteroge-neidade? Casual? Invasivo? Uma vez esses heterogneos assinalados e reco-nhecidos sensveis, em que pontos do dizer eles aparecem? Que tipos derespostas o dizer lhes traz?10

    No campo em que a aluso se inscreve o da no-coincidncia dodiscurso consigo mesmo, no qual opera o conjunto das formas de modaliza-o autonmica de emprstimo, assinalando localmente um eu falo aqui

    com palavras exteriores, a marca separadora entre o exterior e o prpriodas palavras que o enunciador escolheu em um processo de estabelecimentode fronteiras, que desenha, por diferenciao, ao longo dos limites exterio-res, o contorno de um interior, das prprias palavras em que se apia osentimento de sua identidade, imaginrio e vital para o sujeito.

    O real da no-coincidncia inerente ao discurso consigo mesmo(seja ela posta nos termos do dialogismo bakhtiniano, da primazia do in-terdiscurso de Pcheux, etc.) faz com que seja na sua prpria essncia, e emtodos os seus pontos em cada uma de suas palavras e de seus sentidos

    que um discurso escape dele prprio por ser constitudo pelo e do j-dito. Nanegociao obrigatria do enunciador com essa heterogeneidade radical, oque as formas representadas de no-coincidncia consigo mesmo evidenci-am, e cujas marcas o prprio discurso desenha, toda uma outra relaocom o exterior, o outro: no aquela de um interior constitudo pelo exterior(no sentido de ser feito com), o qual ao mesmo tempo desfaz sua unidade,mas aquela de um interior tambm constitudo, se quisermos fazer uso

    9Um determinado dizer, reagindo presena, em suas palavras, de palavras alheias,pode ignorar o jogo do equvoco negando seus constantes transbordamentos emdireo a um dizer outro; uma determinada fala pode fazer constantemente uso deexpresses como se voc assim deseja, ao deparar-se com a distncia entre elaprpria e uma outra, exatamente onde o texto, ignorando essa dimenso de nocoincidncia, substitui, de modo lacinante, a coisa faltante por palavras da ordemdo por assim dizer.10Um espao do equvoco pode ser, portanto, negociado seja atravs de uma tensopela fixao de um determinado sentido, seja, ao contrrio, pelo acolhimento dapluralidade de significaes (X, no sentido p e no no sentido q vs X, em todos os

    sentidos da palavra,por exemplo).

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    desse termo, mas no sentido de configurado, de delimitado por exterioresque asseguram a sua unidade e a sua identidade.

    O emprstimo de palavras e seus graus de balizamento

    A descrio precisa da diversidade de formas pelas quais a modalizaoautonmica de emprstimo se realiza permite evidenciar numerosos parmetrosdiferenciadores11no que diz respeito s imagens da relao interior/exterior quetodo discurso singularmente apresenta: dentre elas, situa-se aquela relativa aoque a aluso tem de especfico na marcao, ou no, de uma fronteira que sepa-ra o exterior do interior, ou, dito de outra forma, na relao entre marcao einterpretao no mecanismo de representao de um segmento como oriundode um exterior. do lado do no-marcado, evidentemente e partindo dainterpretao que se situa a aluso, mas necessrio salientar o quanto essa

    oposio no binria, apresentando, ao contrrio, uma gradao entre doisplos. A marcao de um emprstimo passa, efetivamente, por duas operaesde delimitao ou balizamento: (a) a de localizao-delimitao do frag-mento na linearidade do discurso; e (b) a de localizao-identificao da fonteexterior no espao do j-dito. E cada uma dessas operaes apresenta grausdiversos no balizamento que ela realiza.

    (a)Assim, nos enunciados seguintes, o recorte do fragmento tomado de em-prstimo o prprio emprstimo explicitado atravs de um comentrio meta-

    enunciativo apresenta-se segundo uma escala na qual a marcao por meiode uma forma da lngua (tipografia, sintaxe,...) e a interpretao no discursoseguem uma curva inversa. Indiquemos aqui, sumariamente, trs graus:

    1 o de uma delimitao unvoca do segmento, assegurada pela coloca-o em itlico (3), pelo uso das aspas (4), ou pela retomada autonmica dotermo (5):

    (3) Se acreditssemos na narrativa dos condutores de charretes

    que ali restavam, a estrada de Lessay era o teatro de apari-es as mais singulares. Na linguagem da regio, ele volta-va. []. [B. d'Aurevilly,L'ensorcele]

    (4)

    A Princesa Palatina sabe tambm ser sria. De origem protes-tante, ela se comporta com menos hipocrisia do que as velhascarolas dela a expresso que a cercam. [Le Monde,23.11.85, artigo sobre as Cartas da Princesa Palatina]

    11 Esses parmetros diferenciadores dos tipos de representao do exterior em umdiscurso so sistematicamente analisados e recapitulados em Authier-Revuz (1995:269-505). Uma abordagem abreviada proposta em Authier-Revuz (1997).

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    (5) [] uma das mil e uma expresses saborosas de nossosmalditos primos do outro lado, malditos, modo deles fala-rem, o que corresponde um pouco a nosso cretino[]. [LeCanard enchan, 3.10.84, p. 7]

    2 o de uma delimitao parcial do fragmento, sua fronteira direita sendoindicada pela presena de um comentrio no fim do enunciado (como atualmentese diria, como disse Humpty Dumpty), mas cujo recorte do sintagma referido (ini-migo potencialmais do quepotencialoulngua do inimigo potencial, etc.; apenasele o senhor ou...?) s possvel com base no (re)conhecimento do esteretipo davida poltica ou dos dilogos de Lewis Caroll:

    (6) Na Prssia, o conhecimento do francs era a qualidade primei-

    ra do futuro diplomata. [] Aparentemente, no se via, ento,nenhum inconveniente em que documentos oficiais fossem

    redigidos na lngua do inimigo potencial, como se diria atual-mente. [M. Robert,Le puits de Babel, 1987]

    (7) [] mas qual era o alcance semntico da frmula? Poder-se-ia ao menos explicar porque os jurados compreenderam: e-le responsvel por aquilo de que o acusam, o que, semprefalando semanticamente, bastante diferente. Dir-se- queo jri pode entender o que ele quer, j que ele soberano,ele o senhor, como disse Humpty Dumpty. [O. Mannoni,Fictions Freudiennes, 1978]

    3 finalmente, aquele cujo grau de delimitao do fragmento mini-mamente marcado, como em (8) ou (9), onde a indicao explcita de umemprstimo pode deixar como testes feitos com leitores diversos o de-monstraram o receptor incerto no s quanto delimitao exata doslimites do fragmento referido, como tambm quanto a sua localizao (comoem (8), tendo esquerda o analista casadoe direitaperder o prestgio quelhe dava sua funo: pode-se falar de um lado e do outro de comentrio?),alm dos casos de oscilao no mecanismo discursivo de reconhecimento,atravs da memria discursiva adequada, tal como o mascaramento pre-

    sente, por exemplo, em (8), no ttulo da novela Le Prtre maride Barbeyd'Aurevilly, ou nas palavras exatas de F. Jacob, em (9):

    (8) Existem riscos tambm na realidade, quando o analista casado para falar desta vez como Barbey d'Aurevilly ter perdidoo prestgio que lhe dava sua funo. [O. Mannoni,L'amour detransfert, in a n'empche pas d'exister, 1982]

    (9) O homem o resultado de um curioso arranjo, como diz Franois Ja-

    cob, no nvel evolutivo. [A. Jacquard,Le nouveau F, mars 83, p. 85]

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    (b)Do mesmo modo, possvel observar, nos enunciados que se seguem aqui tambm sem entrar no detalhe de uma gradao no inventorivel ,uma escala decrescente quanto preciso de localizao do ponto do inter-

    discurso ao qual um fragmento remetido, sob formas cada vez mais alusi-vas. Assim, se passa:

    4 de uma localizao unvoca, dada por um jogo de coordenadas (es-pao, tempo, nomes prprios, como em (10)), no estilo acadmico, de umaexplicitao mxima (como em (11)), casos opostos aluso:

    (10) Trs gneros esto aqui misturados: a biografia (sob a forma

    de narrao heterodiegtica), [] e a autobiografia (sob a

    forma de narrao autodiegtica1[nota 1:Eu fao uso dostermos de G. Genette,Figures III, ed. du Seuil, 1972, p. 251,253 []. ] [P. Lejeune,Je est un autre, 1980]

    (11) Lembrando-me de que a sada de um ministro pode ser

    um servio prestado ao Estado (1), eu quero usar []. [(1)Charles de Gaulle (Mmoires de guerre)]. [J.PChevnement,Le Monde, 10.5.83]

    5 a uma localizao mais grosseira, aquela do amplo campo discursi-vo das palavras ou dos escritos de um determinado enunciador mas no

    do ponto especfico do j-dito na enunciao original do fragmento , comoem (12) ou (13):

    (12) [] a forma esqueltica o epteto de Sartre comque o marxismo havia, at ento, visto as sociedades. [C.Clment, Vies et lgendes de Jacques Lacan, 1981]

    (13) Mas a Resistncia conformou-se com cadeiras atualmentesuficientes para no ser mais a desordem das coragensde que falou Andr Malraux. [Le Monde, 7.5.87, p. 15]

    6 para alcanar, em (14) e (15), uma indicao cuja impreciso passando pela marca evidenciadora do definido ou pela desenvoltura doindefinido remete o receptor a sua ignorncia (Qual poeta? Quem ooutro?) ou aos bem vindos recursos de sua memria discursiva:

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    (14)

    O que ocorreu no dia 20 de maro a prova, como diz o poeta,

    de que certamente nunca nada dado ao homem12. (S.

    Ostrowietsky,La lettre des amis de la CCE, n21)(15) verdade: La Femme sous l'horizonno um festival de

    brincadeiras. Ali se v imigrantes russos cultivarem []um passado de fogo, de violncia, de alcoolismo, de deso-lao, de amores destrudos. Mas e da? No assim quevivem os homens, como dizia o outro? 13 [B. Poirot-Delpech,Le Monde, 29.4.88, p.19]

    No nvel mais baixo de delimitao do lugar de exterioridade discur-siva isto , na ausncia de qualquer indicao de modo puramenteinterpretativo que o fragmento da cadeia encontrar ou no seu responden-te na memria discursiva. o caso desses fragmentos entre aspas que en-

    tram em ressonncia com uma determinada fbula de La Fontaine, com umdeterminado poema de Mallarm, ou, ao contrrio, permanecem como for-mas de apelo suspensas num vazio:

    (16) E, no entanto, como se fosse para me reter, o campo on-tem se encheu de mil maravilhas assim como nos mais

    12 NT: Aluso ao poema de Aragon, La Diane Franaise, Il ny a pas damourheureux. Rien nest jamais acquis lhommeNi sa forceNi sa faiblesse ni son curEt quand il croitOuvrir ses bras []Sa vie est un trange et douloureux divorce

    Il ny a pas damour heureuxNunca nada dado ao homemNem sua foraNem sua fraqueza nem seu coraoE quando ele crAbrir seus braos [...]Sua vida um estranho e doloroso divrcio

    No existe amor feliz.13NT: Aluso aos versos de Aragon,Le Roman Inachev :Est-ce ainsi que les hommes viventEt leurs baisers au loin les suivent [] assim que vivem os homensE seus amores ausentes os seguem [...]

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    belos dias14. O ar estava leve; o cu, inefavelmente puro[]. [A. Gide,Journal, 6 mai 1940]

    (17) a perfeio perseguida por algumas sapincias. Mas, obelo hoje traz dilaceramento, e seu golpe de asas em

    desvario15

    , nos deixa a merc de outros destinos. [J. Du-randeaux,Potique analytique, 1982]

    , alis, nesses casos, que as aspas tm o valor de emprstimo (maisdo que o de sinal de formulao casual, metafrica, de um jogo de palavras,etc.) e provm da interpretao; e se, para receptores que no dispem do j-dito adequado o tamanho e a complexidade sinttica do fragmento delimita-do (como acima) funcionam quase sempre como ndices da presena deemprstimo, o prprio emprstimo que aparece claramente; incerto, nocaso de palavras isoladas ou de sintagmas curtos; assim ocorre com recepto-

    res que, desconhecendo o ttulo do texto de Malraux (Le Muse Imaginaire)ou o de P. Henry(Le Mauvais Outil Langue, Sujet et Discours), consideram,no sem razo, a possibilidade de uma formulao metafrica, sublinhadacomo tal pelo enunciador, quando colocados diante do emprstimo feito auma fonte no-identificvel (com uma tendncia, em (18), a atribu-lo a M.Yourcenar):

    (18) [] um encontro de uma hora com Marguerite Yourcenar.[] autora da Obra em Negro nos desvela um pouco

    dos seus segredos, ao nos conduzir atravs do seu museuimaginrio. [F. Magazine, janeiro de 1981, p. 63](19) A lngua um cdigo imperfeito, uma m ferramen-

    ta cujos meios finitos so heterogneos. [J. Bastuji,Modles linguistiquesV-2, 1983]

    14NT: Aluso a La Fontaine, Le Hron,Fables, VII, 4 :Londe tait transparente ainsi quaux plus beaux jours.A onda era transparente como nos mais belos dias.15NT:Aluses a Mallarm,Posies, Le vierge, le vivace et le bel aujourdhui:Le vierge, le vivace et le bel aujourdhuiVa-t-il nous dchirer avec un coup daile ivreCe lac dur oubli que hante sous le givreLe transparent glacier des vols qui nont pas fui !O virgem, o vivaz e o belo hojeVai-nos ferir num golpe de asa em desvarioRijo lago esquecido sob o orvalho frioO gelo transparente em vos sem mais via!

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    A aluso: o limite da no-marcao

    Partindo de formas inteiramente delimitadas (como, por exemplo,em (10)), foi possvel observar o movimento gradual das formas de modali-

    zao autonmica de emprstimo, fazendo com que a parte alusiva setorne cada vez maior em relao inversa aos processos de marcao na ln-gua (tipogrficos ou segmentais): ao fim de tal gradao, a aluso propria-mente dita corresponde superao de um limite, atravs do seu grau zerode marcao na lngua, originando-se inteiramente da interpretao.

    Ali onde possvel considerar que uma dada seqncia linear daln-guafrancesa , fora do contexto, uma forma de modalizao autonmica deemprstimo (desta forma x, como disse x,por exemplo), e onde possvelconstruir um quadro, no plano sinttico-lexicolgico, das formas pelas quaisse realiza essa modalidade enunciativa na lngua, nenhuma sentena pode

    ser considerada intrinsecamente uma aluso, mas apenas parte de um e-nunciado singular em um dado contexto discursivo: enquanto fato discursi-vo, a aluso fundamentalmente um fenmenorelacional.

    Assim, se a seqncia um detalhe, como disse x... em simesma uma forma de modalizao autonmica de emprstimo independen-temente de todo contexto, por outro lado na relao com o contexto dis-cursivo no qual enunciado que o sintagma recebe, ou no, interpretativa-mente, o status de aluso (modalizao autonmica de emprstimo nomarcada) com todos os efeitos de sentido a ela relacionados como em (20),

    (remetendo, fala de Le Pen), contrariamente ao que ocorre em (21):(20) Em 11 de abril passado, um sbado de primavera, Primo

    Levi jogou-se do vo da escada de seu edifcio em Turim.Vencido. A morte com a qual ele lutava desde Auschwitzo venceu. No brao esquerdo do seu corpo sem vida foiencontrada uma tatuagem. Un numro: 174.517. Hun-dert vier und siebzig Fnf hundert siebzehn, como desig-naram os Alemes. Um detalhe16, certamente. [J.C. Ras-piengeas, Tlrama, 18.10.87]

    16NT: Aluso declarao de J.M. Le Pen (13-09-1987), a respeito do genocdio dosjudeus durante a Segunda Guerra Mundial:Je n'ai pas tudi spcialement la question mais je crois que c'est un point de dtailde l'histoire de la Deuxime guerre mondiale.Eu no estudei especificamente a questo, mas acredito que um detalhe da histriada Segunda Guerra Mundial.

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    (21) Pela primeira vez neste ano, X no enviou seus votos a todos osmembros do servio, como ele sempre o fazia. Um detalhe, claro. Mas eu o considero significativo. [Oral, 15.02.98]

    A mesma observao vlida para o sintagma globalmente positi-vo que, no contexto da reflexo poltica onde aparece em (22), despertar,na memria discursiva de um determinado receptor, o eco da avaliao debalano globalmente positivo (reforado pela presena da palavra balano),formulada em 1981 pelo partido comunista a respeito da Unio Sovitica, eressoar, carregado de sentidos, nas palavras do dizer, ao passo que tais pa-lavras em (23), no quadro de um trabalho de psicologia consagrado abor-dagem teraputica de Carl Rogers, no provocaro, no mesmo receptor, umareao interpretativa de identificao da aluso:

    (22)

    O liberalismo econmico no cessa de afirmar o carterglobalmente positivo do seu balano17, enquanto apenasos seus detentores ocuparem as instncias que julgam opositivo ou o negativo de seus balanos. [J.C. Milner, Ar-chologie d'un chec, 1993]

    (23) Essa dinmica positiva no linear: ela exige um trabalhoque a constri e a mantm. Nem tudo s positivo, mastudo pode integrar-se em um processo considerado comoglobalmente positivo. Alis, as situaes so sempre enri-

    quecidas, se postas em perspectiva. [E. Galam,Paroles enmiroir, dansAutrement, n 180, 1998]

    Os dois parmetros de marcao da modalizao autonmica de em-prstimo acima citados delimitao do segmento na cadeia do dizer elocalizao da fonte no campo do j-dito encontram-se aqui em termos dedupla relao contextual que o status da aluso implica: um segmento reco-nhecido como aluso posto como outro em relao ao seu contexto line-ar do qual ele se distingue, destacando-se do mesmo do discurso , eposto como mesmo em relao ao exterior discursivo com o qual ele

    coincide, fazendo um com o outro do discurso.Essa disposio discursiva complexa, articulando um fragmento a

    dois lugares a linha do dizer e o espao do j-dito atravs de dois tiposde relao diferena no intradiscurso e semelhana no interdiscurso, es-tranhamento no dizer aqui e familiaridade no ali do exterior se presta arealizaes e modos de recepo os mais diversos.

    17 NT: Aluso ao relatrio de G. Marchais no Congresso do Partido ComunistaFrancs, de 1979, a respeito dos pases socialistas (bilan globalement positif).

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    Um dos casos interessantes a destacar aquele no qual a salincia dofragmento tomado de emprstimo no fio do discurso indo da clara ruptura sutil perturbao de um inslito quanto ao registro, ao tom... a tudo o que dunidade em um discurso produz no receptor a certeza ou a suspeita de um

    emprstimo a um exterior que lhe , entretanto, desconhecido: a aluso funcio-na ento como uma falta, criando no dizer o apelo a um exterior, por meio doquestionamento que ali inscreve a diferena o heterogneo , mas o apelofica em suspenso dentro de um espao interdiscursivo que permanece mudo.Sem que produza qualquer resposta de similitude, a aluso no pode ganharcorpo, deixando o receptor no desconforto de um dizer atravessado pelas som-bras de um outro discurso cuja presena, no dita, ele percebe, mas lhe escapa,tornando-o incapaz de dar-lhe consistncia voz e forma.

    Dentre os efeitos de forte discordncia no campo dos registros da ln-gua, evoquemos dois exemplos elementares de aluso naMarseillaise18ea clara

    dissonncia de registros que as lamentaes da tragdia clssica inscrevem mesmo no reconhecidas como aquelas de Fedro em um contexto de papelo-tes e de chapu... ou o carter de estranhamento, prximo do absurdo, queocorre em (24), se no se possui a chave dos versos de Baudelaire que circu-lam, desarticulados, na superfcie plana desta prosa radiante:

    (24) Toda uma gerao [] foi morta porque no encontravano mundo [] indcio de fraternidade, igualdade, etc... outros comeam a duvidar de que a natureza seja um

    templo e de que nesse templo, os seus pilares, que seriamvivos, deixariam aos iniciados, em tais circunstncias, pa-lavras confusas19, porm precisas quanto ao sentido di-fundido [D. Oster, Dans l'intervalle, 1987, (texto fictciodatado de 1886, em resposta a um artigo publicado em"Le Symboliste")]

    18Esse hino foi testado, inmeras vezes, com receptores estrangeiros portadores deum bom conhecimento do francs e suas variedades, tendo sido observado, em umarevista contempornea, a sensao de estranheza face ao sangue impuro que i-nunda nossas terras, de modo que o conhecimento das palavras do hino nacional,no indo, via de regra, muito alm dos filhos da ptria ou, algumas vezes, do diade glria chegou, tornou impossvel, a esses receptores, dar um nome a essa vozestrangeira.19NT: Aluso aos versos de Baudelaire,Les Fleurs du Mal, Correspondances.La Nature est un temple o de vivants piliersLaissent parfois sortir de confuses paroles : []A Natureza um templo onde vivos pilaresPodem deixar ouvir confusas vozes: [...]

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    Menos evidentes, por sua dimenso mais sbia, menos claramen-

    te discordantes, os emprstimos que se seguem, feitos a Proust, ao BateauIvre e a Brnice, apresentam, a quem, contudo, os reconhece, o irritante

    enigma de um por que o uso de tais palavras? O que elas querem dizer?Para que serve esta evocao de detalhes triviais da vida privada em (25)?Por que esse detalhe pitoresco e esse complemento martimo em um texto(26) que nada tem de descritivo? Ao que responde, pois, em (27), esse pro-testo do de modo algum alm de evocar um oriente vivo e habitado?

    (25) Provavelmente, uma vez que eu no procurava manuscri-tos, eu poderia ter encontrado os mesmos livros fora, oufaz-los vir atravs da biblioteca de minha universidade.Mas durante muito tempo, costumava deitar-me cedo20,

    sonhando em subir a Montagne Sainte Genevive comAblard, em chegar a []. [U. Eco, discurso proferidoquando de seu ingresso como Doutor Honoris Causa nal'Universit de Paris 3, em 20.1.89]

    (26) Assim, algum poderia ser tentado a interpretar o epis-dio da Amrica, emManon Lescaut, como uma utopia doreino burgus por vir [] A democracia... americana pare-ce doravante reunir, no trabalho, na modstia, na fideli-dade e na moral, aqueles que a Europa dos antigos para-

    peitos

    21

    destrua, que enfrentavam continuamente, apesardo amor, suas classes, seus sexos, suas peculiaridades. [F.Vernier,Manon Lescaut, ni reflet, ni anticipation, un tex-te dans l'Histoire, Cahiers d'Histoire des Littratures Ro-manes, 1988, 3/4]

    (27) O olhar de Giraudoux vai mais alm: As Fbulas deLaFontaine so verdadeiros contos, so os nossos contos dasMil e Uma Noites [] Eis, em duas palavras, a chave deLa Fontaine, o mais oriental dos clssicos do Ocidente.Seria necessrio escrever um livro sobre o Oriente e ns.

    [] E se descobriria, com alegria, no seio de nossa cultu-ra, todo um reino do Oriente. La Fontaine seria dele o

    20NT: Aluso primeira frase de Proust emA la Recherche du Temps Perdu:Longtemps je me suis couch de bonne heure [].Durante muito tempo, costumava deitar-me cedo.21NT: Aluso ao verso de Rimbaud noBateau ivre :Je regrette lEurope aux anciens parapetsLamento a Europa dos antigos parapeitos !

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    prncipe sutil e indolente []. E eis que o milagre aconte-ce: ns acreditamos na histria que nos contam []. Ens encontraremos, sem perturbao, todo esse Orienteabsolutamente no deserto22que em ns dormia. [C. Roy,

    La Conversation desPotes, 1993]

    Em outros casos, por outro lado sem, evidentemente, que essa opo-sio seja binria nenhuma discordncia no fio do discurso vem alertar o re-ceptor: e apenas sobre a vertente da semelhana com o j-dito que ir se pro-cessar o reconhecimento da aluso; ou, ao contrrio sem o desconforto, ante-riormente evocado, de saber que no se percebe a aluso , ser ela tranquila-mente ignorada sob a igualdade aparente de uma linearidade sem ruptura.

    Assim, a grandiloqncia da declarao de Ptain (28), os acentos

    marciais do apelo de 18 de junho (29), o coquetismo ldico do ttulo de Ma-rivaux (30), ou a graa melanclica dos balces do cu do Recueillementde Baudelaire (31), se inscrevem, sem acidente perceptvel, no desenvolvi-mento do dizer: confiadas unicamente aos ecos da memria, essas alusescorrem o risco, bem mais que as precedentes, de serem ignoradas e, comelas, as ressonncias irnica (28), recuperadora (29), divertida (30), potica(31), ricas de sentidos, que ocorrem entre as duas vozes aquela do dizere aquela do outro dizer:

    (28)

    A seus interlocutores, ele explica que haver uma novaconvivncia depois das eleies legislativas, que JacquesChirac j se doou o bastantee no retornar, portanto, aMatignon; mas que, por outro lado, ele, Balladur, estpronto para doar-se Repblica23 [Le Canard enchan,10.1.90]

    (29) Em 16 de maro, a direita obteve uma vitria, mas elano ganhou a Frana24. [J.P. Chevnement, Discurso de20.4.86, citado noLibration, 21.4.86]

    22NT: Aluso a Racine,Brnice, I, 4 :Dans lorient dsert, quel devint mon ennui !No Oriente deserto, em que se transformou meu tdio !23NT: Aluso a Ptain, 1940 :Je fais don de ma personne la France.Eu me do Frana.

    24NT: Aluso a De Gaulle, 1940 :La France a perdu une bataille, mais elle na pas perdu la guerre.A Frana perdeu uma batalha, mas no perdeu a guerra.

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    (30) Flertes, delicadezas, meiguices, []. Dilogo escrito cui-dadosamente, mas marcado por uma fantasia um poucoartificial. Rplicas algumas vezes ditas com uma velocida-de maquinal. Entrecortado de adulaes, um exerccio lo-

    quaz. O jogo do amor e dos falastres25

    . [Crtica do filmeNuit d't en ville,Le Canard enchan, 22.8.90](31) Belas e jovens, cedo eleitas, possvel que elas se debru-

    cem nas sacadas do cu26 e observem o que delas nsguardamos. Demos, portanto, a cada uma, aquilo que,como terrenas, elas amariam: restauremos o tmulo deMarie Bashkirtseff e, para Rene Vivien, deixemos crescera grama, as virnias que sobem e escondem o nome, a vi-oleta selvagem... [Colette,Mausoles, Aventures Quotidi-ennes, 1924]

    Escolher o risco da aluso

    Forma de dialogismo interdiscursivo (no sentido de Bakhtin), fazen-do ressoar em suas prprias palavras as palavras de outros, a aluso especi-ficamente, se comparada s formas marcadas de emprstimo, um tipo de

    25NT: O jornal Le Canard enchanfaz uma aluso ao ttulo da pea de Marivaux,Le Jeu de lAmour et du Hasard (O Jogo do Amor e do Acaso), substituindo hasardpor bavards (falastres).26NT: Aluso a Baudelaire, Les Fleurs du Mal, Recueillement (As Flores do mal.Traduo de Jamil Almansur Haddad. 3 ed. So Paulo: Max Limonad Ltda, 1981:Sois sage, ma Douleur, et tiens-toi plus tranquille.Tu rclamais le Soir ; il descend ; le voici : []Ma Douleur, donne-moi la main ; viens par ici,Loin deux. Vois se pencher les dfuntes Annes,Sur les balcons du ciel, en robes surannes ;Surgir du fond des eaux le Regret souriant ; []Et, comme un long linceul tranant lOrient,Entends, ma chre, entends, la douce Nuit qui marche.S sbria, minha Dor, e mantm-te mais quieta!Reclamavas a Noite, ei-la: []Minha Dor, d-me a mo! Teu corpo em mim se escude!V curvados alm perdidos anos juntos,Nas sacadas dos cus de vestidos defuntos,Surgir do fundo do mar a Saudade Ridente; []E assim como um sudrio arrastado no Oriente,Escuta, minha cara, a doce noite que anda.

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    dialogismo interlocutivo que implica, nas palavras do enunciador, aquelepara o qual elas se dirigem. Abandonando as amarras do uso de qualquermarca lingstica, assegurando de forma mnima a informao do emprs-timo realizado, a aluso proposta para ser reconhecida pelo outro e s pode

    ganhar corpo se reconhecida; apostando no outro-receptor para reconheci-mento do terceiro-outro o j-dito presente em suas palavras , o enunci-ador que escolhe a aluso escolhe correr o risco de perda de seus lucros e orisco do fracasso: ao praticar esses jogos dialgicos interdiscursivos einterlocutivos sem qualquer garantia, o enunciador perde a sua aposta...ou duplica os seus ganhos.

    O risco que ele corre , logo de incio, um risco de sentido: a aluso fundamentalmente da ordem do sentido e uma aluso falha no corres-ponde perda de algo acessrio, mas perda de um sentido a mais, algu-mas vezes crucial; uma aluso fracassada como um barco carregado de

    sentidos que se encontra deriva, sem alcanar o seu porto de destino.Assim por exemplo, a aluso s sacadas do cu, reconhecvel no fio daspalavras de Collette, em sua evocao das duas jovens mulheres mortas e deseus tmulos, corresponde como que a uma comporta aberta no texto eirrigada pelas guas de um outro texto: banha-se na luz e na msica deperdidos anos(des dfuntes annes), de vestidos defuntos (des robessurannes), de uma saudade ridente (du regret souriant)....presentes nalembrana de Rene Vivien, e so propostas ao leitor de uma forma querejeita o peso de qualquer espcie de sinalizao lingstica aspas ou um

    para retomar a imagem de Baudelaire , assumindo o risco de perdadessa parte essencial de sentido confiada aluso... ou seja, ao leitor.Em uma entonao bastante diversa a da escrita plena de aluses

    do CanardEnchan , a experincia pedaggica desenvolvida com estu-dantes do primeiro grau, a partir de um corpus constitudo de observaesdas formas de presena de discursos outros em um discurso", revelou fre-quentemente um distanciamento quanto aos sentidos percebidos por elese por mim memrias discursivas em frgil relao de interseo ricana relao com um j-dito literrio, histrico, poltico e mitolgico, pobrequanto a canes, filmes e esportes , cada uma das leituras feitas se mos-

    trando radicalmente falha quanto aos sentidos postos em relao com ooutro.

    No compreender uma aluso situa-se efetivamente no campo domal-entendido, assim como equivocar-se quanto aluso corresponde aequivocar-se acerca do sentido: o que explicita a freqente presena decomentrios que, renunciando aluso, rejeitam qualquer eco enganoso quepossa ameaar o sentido visado para mobilizar um outro, como em (32)(nesse caso, um emprstimo marcado pelo uso das aspas):

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    (32) Trata-se de uma verdadeira escolha da sociedade: a esco-lha entre uma sociedade que continuaria a ser governadapor uma elite auto-proclamada e auto-reproduzida e umasociedade na qual milhares de indivduos ainda excludos

    do prazer do conhecimento vislumbrariam, finalmente, aoportunidade de mudar de vida. Rimbaud que eu cito,e no o programa de um partido poltico. [C. Rotschild [arespeito do ensino superior],Le Monde, 26.1.84]

    O risco assumido na aluso com seus fracassos previsveis, in-conveniente que acompanha os prazeres do xito se inscreve, de formamarcante, na relao interlocutiva. Contando com o receptor, com a me-mria discursiva que vai lhe permitir o reconhecimento das palavras dosoutros dadas a entender em suas prprias palavras, o locutor, atravs do seu

    jogo de aluses, desenha a imagem do destinatrio do seu dizer daquele aquem ele se dirige. O prazerda conivncia est no cerne do mecanismo daaluso: pondo prova uma cultura partilhada, a aluso bem sucedida afirmae festeja uma comunho; a aluso abortada assinala a distncia existenteentre os dois plos da co-enunciao; o fracasso da intercompreenso abre,de um lado e do outro, quando percebida, toda uma gama de sentimentosdisfricos: mal-estar do enunciador, que se sente desajeitado, at mesmorude,em relao ao seu receptor, ou, inversamente, o receptor rejeitando ointerlocutor que fazia uso da aluso, indigno do seu crdito; irritao ou

    humilhao por parte do receptor, ao detectar aluses que no conseguecompreender e recebendo, por a, a mensagem de que ele se encontra exclu-do do grupo ao qual esse dizer endereado.

    A aluso que abre no texto a brecha da resposta necessria de uminterlocutor desprovido do saber apropriado , de certa forma, uma estrat-gia de fechamentode qualquer interao possvel, destinada a ser compre-endida apenas por uma comunidade adequada, justamente ali onde o em-prstimo marcado, confinando o dizer num implante exterior especificadono interior do dito, vai corresponder auto-suficincia de um dizer sem pr-requisitos quanto ao destinatrio.

    Nesses jogos de conivncia e de excluso, inerentes ao mecanismo daaluso e relacionados a uma comunidade de j-ditos partilhados naligao existente, por exemplo, em uma mesma nacionalidade ou entre ca-sais, passando por todas as formas de grupos da geografia sociocultural 27

    27Citemos como exemplo, e fazendo uso da forma de conversao escolhida entrepessoas do mesmo mundo, essa aluso dirigida aoshappy fewda psicanlise mi-ditica, atravs da qual o autor retoma o ttulo de uma obra de C. Clment, LesFilsde Freud sont fatigues, publicado um pouco antes e que lhe era dedicada:

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    possvel observar a presena de estratgias complexas que tentam dirigir-sea um pblico duplo, preservando o prazer da conivncia com um pblicorestrito e afastando, ao mesmo tempo, o risco de fracasso da comunicaocom um pblico mais amplo: so as estratgias da aluso comentada, via de

    regra sob a forma de uma observao, de uma nota de rodap ou nota de fimde captulo, preenchendo a funo de ampliar o crculo de recepo de umdizer em relao a um texto principal e conservando a elegncia seletivada aluso, como em28:

    (33) [] a atual tendncia da lingstica seria mais de ressal-tar o fato de que dizer tambm fazer29[]. [Aluso,obviamente, clebre obra de Austin Quando dizer fa-zer, traduzida do ingls How to do things with wordspara o francs sob o ttulo Quand dire c'est faire]. C.

    Kerbrat-Orecchioni,L'nonciation. De la subjectivit danslelangage(1980:8 ; 227).

    onde o tratamento da aluso reflete o carter da obra, manual dirigido aomesmo tempo a estudantes razo da explicao ali presente sob a formade nota e aos pares, prevenindo estes ltimos por meio da aluso e dabreve insero doobviamente quanto a reaes negativas de receptoresque no possuiriam tal conhecimento...

    Lembremos, ainda, o jogo especfico da aluso intratextual, na qual

    o prprio texto que instaura essa memria partilhada: o prazer do texto ,nesse caso, o prazer de uma conivncia cujas condies no so mais exigi-das, mas oferecidas pelo prprio texto. Sob a forma de um eco imediato (34)ou de uma aluso longnqua, o mesmo mecanismo que inscreve o leitornos laos cmplices de uma comunidade criada pelo texto:

    (34)Para esconder seu embarao, ele tomou mais caf. Ele ainda est quente, diz, feliz de falar em algo que ele

    conhecia bem.

    [] eu louvo a psicanlise como uma das nicas aes pontuais possveis. Nessesentido, sendo filho de Freud, eu no me sinto fatigado. [J. Rousseau-Dujardin, Cou-ch par crit, 1981]28 possvel encontrar outros exemplos de tal funcionamento em Authier-Revuz(1995:303).

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    Veja voc como Deus bom, diz Madame Deurme, vejavoc! Ele nos vela, Ele nos vela! Exclama ela em modulaocrescente.E, no entanto, parecia que Ele30no nos havia velado seno

    imperfeitamente, j que pouco mais tarde ela se lastimou deter sido acordada [...] por correntes de ar [...]. [Albert Cohen,Mangeclous, 1938]

    O belo texto autobiogrfico de J.B. Pontalis faz amplo uso desse pro-cedimento: retomadas alusivas respondem s narrativas que evocam pessoase palavras da infncia, falando do vestgio discreto e remanescente dessaspalavras na fala adulta e oferecendo ao leitor a cmplice comunho regis-tro de uma terna ironia com lembranas extremamente pessoais tornadasbens comuns; assim, por exemplo, evocao de um ritual familiar, respon-

    de anos mais tarde e vinte pginas depois o eco alusivo que o faz res-surgir na narrativa do momento no qual o universo desse ritual desaparece:

    (35) Em seguida ns nos encontraremos todos na sala de jantar,calas curtas ou longas, a mesma toalha de flanela branca, erindo polidamente da mesma piada de nosso av: hoje, nstemos contrafil, mas no porque ele contra que ele sermenos gostoso.[]

    No dia reservado ao almoo com o grande mdico recm-chegado de Paris, eu ouvi estas palavras: No tem mais jei-to. Depois disso, a conversa retomou o seu curso ordinrioe o contrafil no foi menos gostoso... [...]. [J.B. Pontalis,L'amour des commencements, 1986, p. 69 e p. 114]

    Os prazeres e fracassos da conivncia encontram-se estreita-mente ligados a uma dimenso ldica. Ao contrrio da certeza de informa-es fornecidas pelas formas explcitas de emprstimo, a aluso atua noregistro do dissimulado, do escondido, do mascarado..., e, no entanto, su-

    posto, adivinhado, reconhecido...; de onde o prazer na identificao de umabreve aluso, que multiplica ndices ainda que reduzida a uma ou duas pala-vras (o Oriente deserto de (27), por exemplo), tal qual umapepita de ouroque no perdida; prazer do reconhecimento de uma voz sob os mais diver-sos tipos de mascaramento: metamorfoses que submetem fortes formas

    30NT: A aluso perceptvel na grafia autnoma dada pelo narrador ao pronome ele,iniciado por maiscula, remetendo proposio de Madame Deurme, como umaespcie de eco imediato sob a forma de citao intra-textual.

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    poticas a desmembramentos, recomposies irreverentes sob a forma deprosa (como ocorre com as nobres lamentaes de Fedro, colocadas comoepgrafe no exemplo de Proust, ou com a amplitude mstica do soneto deBaudelaire em (24)); mascaramento por substituio de palavras em (29),

    onde apenas o elemento lexicalFrana conservado e onde o reconhecimen-to do dizer (A Frana perdeu uma batalha, mas no perdeu a guerra) nose mantm seno pela identidade de uma constelao semntica a guerra e por um esquema sinttico-rtmico; disfarces interpostos no jogo com osignificante, dissimulando, de modo claramente ldico, as palavras dos ou-tros sob essas outras palavras cuja associao ocorre no campo dos capri-chos da paronmia (hasard/bavards, em (30)) ou formas aproximadas noplano fnico (un seul tre/une seule lettre, em (36)), da homonmia(pins/pains, em(37)):31

    Aproximar-se do limite da visibilidade uma das tentaes da prtica

    alusiva: de adivinhao divertida ela pode transformar-seem cdigo secreto deuma mensagem reservada aos raros iniciados que sero capazes de perceb-la; aaluso torna-se, para o enunciador, um teste que ele coloca no caminho doreceptor, talvez at mesmo uma armadilha da qual ele se apropria na condiode mestre: existe algo de ironia altiva no comentrio a seguir, de C. Lvi-Strauss, a respeito da no-recepo generalizada de uma certa aluso, dissimu-lada em uma de suas obras, como ele prprio afirmou gostar de fazer:

    (38) D.E.: [] as ltimas frases deL'Homme nu, que oferecem, de

    certa forma, "a ltima palavra" doMythologiques, deram origema vrias discusses no que diz respeito ao seu "pessimismo".C.L.S.: No se observou, sobretudo, que essas ltimas pgi-nas tm sua inspirao na concluso do L'Essai sur l'ingali-t des races humainesde Gobineau. Eu estou aqui com o li-

    31NT: os exemplos originalmente fornecidos pela autora, so baseados em processosparonmicos, e homonmicos, o que tornou impossvel a sua traduo. Optamos,dessa forma, por transcrev-los na lngua original:(36) Un peuple qui perd son orthographe, perd sa mmoire et son intelligence. Une

    seule lettre manque et tout est chamboul. [Ph. De Villiers, Le Figaro, 29.11.88].Aluso ao verso de Lamartine, Le Lac : Un seul tre nous manque et tout estdpeupl.(37) Un presque octognaire son pre [pre spirituel : Jean Paulhan] et s'administreune correction. [] Pan sur papa, mais entre les pains palpite une souffrance,derrire le ressentiment un sentiment d'chec. [J. Clmentin, Le Canard Enchan,17-2-88 (Compte rendu d'un livre d'Etiemble).]Aluso ao poema de Valry, Lecimetire marin : Ce toit tranquille, o marchent les colombes, / Entre les pinspalpite, entre les tombes; [] (Este telhado por onde andam as pombas, / Entre ospinhais palpitam, entre as tumbas [...]).

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    vro, permita-me abri-lo. Veja: [...sou eu que suprimo J.A]desviando dessas pocas invadidas pela morte, onde o globotornou-se mudo, ele continuar, mas sem ns, a descreverno espao suas rbitas impassveis, etc. Isto no lhe evoca

    nada?Eu quis mesmo inserir no fim, na ltima frase a pala-vra impassvel como uma assinatura de Gobineau (nosentido dos antigos alquimistas). Outras citaes veladaspoderiam ser encontradas em meus livros.D.E.: Se ningum percebeu, talvez seja porque esta refernciapode parecer paradoxal. A imagem de Gobineau no das maispositivas. [C.Lvi-Strauss et D. Eribon,De prs et de loin, 1988]

    Nesses jogos, essenciais s formas de emprstimo, de configurao imaginria de si prprio num espao efetivamente saturado de palavras dos

    outros, o grau de marcao zero da aluso , tambm, no campo da enuncia-o, uma aposta enunciativa arriscada, que pode ser perdida ou ganha du-plamente. Na aluso,pode-se encontrar a distino ou a confuso entre uminterior de palavras prprias, de si mesmo, e o exterior das palavras dos ou-tros. Ali, onde as formas marcadas prudentemente assinalam o traado dife-renciador, configurando uma identidade discursiva, as formas de aluso, as-sumindo o risco do apagamento de fronteiras, encontram, em caso de sucesso,esse contorno sublinhado, reforado porque imposto por si mesmo. Nessaencruzilhada dialgica de vozes asdo interdiscurso e as dos dois plos da

    interlocuo , a aluso, atravs do seu modo especfico de evidncia, semo socorro das precaues sinalizadoras, pe em jogo a distino entre as pala-vras de um e dos outros, constituindo,dentre as formas de emprstimo, aque-la que, paradoxalmente, assegura mais fortemente, em funo dos riscos queela comporta, as imagens do domnio enunciativo dos interlocutores: a doenunciador quanto s fronteiras de sua identidade e, ao mesmo tempo, ado interlocutor quanto a sua competncia como receptor.

    Estar submisso aos riscos da aluso

    Se a aluso uma figura de risco, risco localmente escolhido por umenunciador ao propor o reconhecimento interpretativo do outro, aspalavrasestrangeiras que ele intencionalmente inseriu entre as suas, risco esseque,como j visto, se conforta na sensao de controle do dizer e de suas frontei-ras internas, o mecanismo sobre o qual ela se baseia de no marcao ede interpretao abre a caixa de Pandora das aluses reconhecidas peloreceptor para alm da intencionalidade do enunciador: se a escolha localiza-da da aluso traz o risco do fracasso, de outra natureza o risco, sofrido, de

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    serem as suas palavras investidas de outras palavras, exteriores a qualquerinteno defensiva, com todas as surpresas, os conflitos e a incerteza que seinstaura no corao do sentido.

    Alguns conflitos, ruidosos, no aparecem seno sob o modo de dissi-

    mulao desta problemtica do risco assumido: naquilo que o enunciadorescolheu, sem marcao do emprstimo, o que parece surgir no funda-mentalmente o risco de que isso escape ao outro, mas, ao contrrio, a certe-za do enunciador de poder escapar da responsabilidade enunciativa de talemprstimo atravs da negao de qualquer intencionalidade. possvel,naturalmente, analisar nesses termos a conversao que se segue (nummundo pblico atento colocao das palavras em um processo jurdico dedifamao):

    (39) J.M. Le Pen : O Senhor Polac um homem sem humor,

    seguro de si e dominador. Ele se exibe e pontifica [] Essescomentadores sugerem, com uma kolossal sutileza, mi-nhas simpatias pelas foras armadas alemes, mostram apoltica e os valores fundamentais que eu defendo como de-rivaes do nazismo []. Georges Kiejman, advogado dos rus, interrompe: volun-tariamente que o senhor emprega os termos seguro de siedominadorque o general de Gaulle utilizou para definir oEstado de Israel?

    Jean-Marie Le Pen solta uma gargalhada: A est!Eis a no-o de anti-semitismo introduzida fazendo uso de De Gaul-le. No, eu no tinha intenes anti-semitas. [Processo dedifamao instaurado por J.M. Le Pen contra M. Polac, ecomentadores diversosda emisso Droit de rponse, repor-tada no peridicoLe Matin,4.10.84]

    Por outro lado, totalmente fora da esfera do risco escolhido que seinscrevem as defasagens, mais ou menos conflituosas, entre inteno e re-cepo, quanto s palavras dos outros que circulam no dizer, nos exemplos

    que se seguem. A suposio de dissimulao calculada descartada quan-do o prprio enunciador que, tomado de surpresa (feliz ou constrangedora),reconhece nessas palavras uma voz que ele no havia convidado; assim,por exemplo, o seguinte enunciado, de um locutor que, evocando a curapsicanaltica que ele realizou,

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    (40)Bem, se minha anlise prosseguiu leve e alegre32, natural-mente isso deveria dar certo. [Oral, novembro de 1990]

    ... adere sorrindo, em um segundo tempo, a uma auto-recepo imediata

    (como receptor de suas prprias palavras), de que, segundo ele, a psicanlisepossui qualquer coisa de uma guerra; ou ainda, no enunciado que se segue, areao de um candidato em um concurso para professores de francs, o qual,encontrando dificuldades quando da entrevista com o jri, no que diz respei-to a sua interpretao de LaRoute des Flandres como portadora de umamensagem progressista de transformao do mundo, tenta retificar suafala dotando a viso de C. Simon de uma certa dose de pessimismo, pelouso de palavras que so tomadas de emprstimo, contra sua vontade, deL'Internationale:

    (41) verdade que Claude Simon faz do passado tbula rasa33....Enfim, talvez no seja esta a palavra, pouca coisa de con-creto permanece. [Oral, novembro de 1998]

    Poder-se-ia falar aqui de lapso interdiscursivo: no se trata do lap-so que substitui uma palavra por outra pressionando o significante, mas deum lapso mais discreto que faz surgir palavras a mais, da memria do j-dito, onde, de modo semelhante ao lapso clssico, o inconsciente avana ese antecipa intencionalidade.

    Por mais perturbadora que possa ser essa experincia de no-domnio do enunciador face presena incontrolada de palavras dos outrosnaquelas palavras que ele julgava suas, no processo de auto-recepo quetal experinciase impe ao prprio enunciador: o risco do estar submisso seinscreve, assim, nos limites do que o enunciador, ao mesmo tempo, escuta,reconhece e admite como reminiscncia em seu dizer.

    No momento em que o reconhecimento das palavras dos outros im-plica a presena de um outro, o estar submisso ao risco corresponde a umdizer que escapa ao enunciador em razo das palavras dos outros que ooutro faz nelas ressoar por meio de um emprstimo tomado como aluso ou

    32NT: Aluso guerre frache et joyeuse (guerra leve e alegre), injria proferidapor Guilherme da Prssia, em 1914.33NT: Aluso a trecho da lInternationale:Du pass faisons table raseLe Monde va changer de baseNous ne sommes rien, soyons tout.Do passado faamos tbula rasaO mundo vai mudar de baseNs nada somos, sejamos tudo.

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    como reminiscncia. Os mais fortes conflitos podem abrir-se ento, emtorno desses rumores de outras vozes que, detectadas pelo receptor em umdizer, tornam-se inaceitveis para o enunciador desprovido do domnio deseu sentido, no mesmo movimento que o traado dos limites de suas pa-

    lavras o contesta. o que pe em cena N. Sarraute na longa e difcil conversa entre doisvelhos amigos, a qual, atravessada por movimentos de ternura e de compa-nheirismo, corresponder, entretanto, ao caminho de uma definitiva separa-o; o que ali constitui o ponto de no-retorno no so as arestas das falasmais fortes, abertamente crticas, mas esse abismo de incertezas onde asferidas e rancores de uma aluso se precipitam aluso reconhecidapor A (homem firmemente instalado em seu sucesso social e familiar, e cujoperfil modelar ameaado pelo estilo de vida de seu amigo B, mais margi-nal), aluso s palavras de Verlaine presentes nas palavras de B, isto ,

    poesia como sendo o mundo de B, em oposio a A, para quem este mundoseria inacessvel, aluso que B recusa categoricamente:

    (42) B: [a A, enquanto olha atravs da janela do alojamento de B]: [] parado aqui, diante da janela para olhar, ...com esseolhar que voc pode ter, poder-se-ia dizer que voc se fundecom aquilo que voc v [] sim, apenas por isso, de repen-te, voc me prximo... Voc entende porque eu gosto tantodesse lugar... Ele parece um pouco srdido, mas... seria dif-

    cil modific-lo...Existe aqui algo difcil de ser dito, mas voc o sente, no mesmo? Como uma fora que irradia dessa ruela, desse pe-queno muro direita, desse telhado... alguma coisa de con-fortadora, de vivificante.A: Sim, eu compreendo.B: Se eu no pudesse mais rever isto, seria como se, eu nemsei..., sim, para mim, sabe, a vida est a.[silncio, e em seguida, depois de um breve sorriso de A]B: Mas, o que que voc tem?

    A:A vida a simples e tranqila34... A vida est a simplese tranqila de Verlaine, no ?

    34NT: Aluso a Verlaine, Sagesse, III, 6 :Le ciel est par dessus le toitSi bleu, si calme ! []Mon Dieu, mon Dieu, la vie est l,Simple et tranquilleCette paisible rumeur l

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    B: Sim, de Verlaine; mas, por que ?A. De Verlaine, isso!B: Eu no pensei em Verlaine, eu disse apenas que a vida es-t a; s isso.

    A: Mas a sua seqncia viria naturalmente; s seria necess-rio continuar.B: Eu no continuei! por que eu tenho que me defenderdessa forma? O que est acontecendo? O que que h comvoc? []A: Bem, vejamos, no se faa de inocente A vida est asimples e tranquila.B: Para comear, eu no disse isso.A: Sim, voc disse. Implicitamente. E no a primeiravez.... voc se pretende distante, fora, longe dos nossos pa-

    dres, fora dosnossos compartimentos [] nada mais a-preciado do que o seu mundo, no qual voc me deixava en-trar como um favor para que nele eu pudesse me refugiar...A vida a simples e tranqila... aqui que voc se man-tm, ao abrigo de nossos contatos degradantes, sob a prote-o de grandes Verlaines.B: Eu repito que no pensei em Verlaine.

    A: Certo, admitamos, eu concordo. Mas voc deve reconhe-cer que ns estvamos inteiramente satisfeitos com apenas

    o pequeno muro, o telhado e o cu acima deles.B: Onde ento?A: Ora, no Potico, a Poesia ! [] ainda h pouco, diante dajanela, quando voc me deu um tapinha nas costas comoquem diz... Eis um cara legal que conhece o valor dessas coi-sas. inacreditvel, mas voc sabe, por mais imbecil que seseja sempre se capaz [].[Pour un oui ou pour un non, em uma adaptao de J. Doil-lon, para o canal de televisoLa 7, (fevereiro de 1990)]

    Vient de la ville.O cu acima do telhadoTo azul, to calmo! [...]Meu Deus, meu Deus, a vida est a,Simples e tranqilaEste calmo rumorVem da cidade.

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    Em um outro registro, o das declaraes polticas recebidas e in-terpretadas atravs do filtro de memrias discursivas diversas que compema chamada opinio pblica, a presena simultnea, em um discurso deRaymond Barre, das trs palavras trabalho, famlia e ptria, evidente-

    mente sem nenhuma marca, deu origem a uma viva polmica entre aquelescuja forte sensibilidade no campo do petainismo35fez inevitavelmentedes-pertar em suasmemrias a ressonncia do lema do Estado Francs revelan-do uma aluso ou uma reminiscncia inconsciente, enquanto o seu autordefendia que suas palavras eram palavras escolhidas na lngua francesa paraproduo de um sentido pessoal posto ao abrigo de ingerncias exteriores.Serge Daney designa judiciosamente como lapsus de Barre36 e o analisacomo manifestao de um modo de relao com a linguagem: a surdez spalavras exteriores que atravessam suas palavras denunciada como sen-do constitutiva da maneira arrogante [] no existe outra palavra com

    que Barre trata a linguagem, e aponta tal surdez como responsvel pelosexcessos discursivos atravs das quais as palavras se vingam (nesse caso,da sua memria ignorada):

    porque ele no imagina que a linguagem poderia lhe faltar com orespeito ou trair seu pensamento, que Barre escorrega tanto. por-que ele no imagina que as palavras queremdizer alguma coisa in-dependentemente daquele que as profere que ele multiplica seus ex-cessos. Ele no v as palavras como coisas, mas como suascoisas

    []. A megalomania de supor ser suficiente que ele, Barre, retomea frmula trabalho, famlia, ptria, para que esta saia da Histria e,ao mesmo tempo, se desfaa de qualquer suposio de petanismo.Ao longo de todo o Questions de confianceno nos faltam provasdessa crena ingnua no poder resolutrio das palavras desde que e-las sejam assinadas "Barre".

    O que est em jogo nesse tipo de conflito alm do aspecto de m-f que tanto de uma parte como de outra pode aflorar , a disposio,normalmente partilhada por todos, ainda que de forma desigual, de ignorar,

    por meio da iluso protetora de domnio das dceis ferramentas que a lin-guagem fornece ao nosso sentido, esta despossesso que o j-dito inscreveno interior de nossas palavras.

    35 NT: relativo ao Marechal Ptain, chefe de Estado francs do regime de Vichy,instalado na parte da Frana no ocupada pelos nazistas (1940-1944). Colaboradorda Alemanha nacional socialista, depois da entrada das tropas alemes na zona nohabitada e at 1942 conservou um poder apenas nominal.36Ttulo de crnica de Serge Daney publicada no jornalLibration, em 28.01.1988.

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    Assim, pelo fato da no-marcao, passa-se do risco escolhido ,mais intenso do que o prprio risco, onde se afirma o domnio sobre o dizere sobre o traado de suas fronteiras interior/exterior , para asubmisso aorisco, por meio de um dizer tomado de assalto por vozes estrangeiras que,

    impostas pelo receptor, desfazem o fechamento, modo pelo qual se passa dodomnio das formas de heterogeneidade representadaem um dizer, para ofenmeno da heterogeneidade constitutivado dizer, condio de existnciadesse dizer (e do seu sentido). Os conflitos abertos por esses assaltos aci-ma evocados constituem emergncias acidentais do modo permanente peloqual o dizer no se completa sob a forma de no-controle do enuncia-dor e do mal entendido inerente comunicao seno no exterior, ondeele , ao mesmo tempo, feito e desfeito.

    A aluso inevitvel

    Assim, a submisso ao risco encontra-se, para alm das desventu-ras da comunicao a cujos caminhos elas levam ,na aventura per-manente do dizer e do seu sentido: abandona-se, ento, o terreno das formaslocais, circunscritas sucessos e fracassos das aluses escolhidas pelo locu-tor, avatares das aluses-reminiscncias que ele vai submeter ao reconhe-cimento em seu dizer e entra-se no campo do fato alusivo como dimen-so de riqueza e de risco inerente linguagem.

    Esse caminho, forma isolvel sobre uma cadeia discursiva, que con-duz a uma regra do funcionamento discursivo o que se aproximado traje-to de Barthes acerca da citao tudo citao ou de M. Schneider em Vo-leurs de mots, passando por histrias concretas de plgio estrito senso oupelo componente linguageiro do plgio em sentido amplo correspondequele de uma progresso imperceptvel, da ordem do continuum, marcado,entretanto, pelo que eu chamei de oscilaoquantos relaes do sujeitoenunciador com o seu dizer.

    Dentre as iluses que fundam o sujeito enunciador, que o levam asustentar uma fala, figura, em nosso campo de estudos, aquela em que,

    quando ele fala, acredita falar a lngua que sua, inscrevendo sua intenosignificante nos recursos dados por esse instrumento, justamente ali onde,efetivamente, ele nunca fala a lngua seno atravs dos discursos nos quaisela se encarna, ou seja, falando uma lngua fala-se de fato incessantementecomo; quer se queira quer no, fala-sesempre com palavras de outros.

    Iluso solidria da primeira aquela de um dizer self-contained,auto-suficiente, seu sentido encontrando-se fechado no uso de uma lngua-instrumento. O jogo da aluso, inscrevendo deliberadamente uma fenda nofechamento do dizer, no desmente esta iluso; ao contrrio, ele assegura

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    diferencialmente a imagem desse fechamento no corao do dizer e, pormais perturbadores que sejam, para o enunciador, os conflitos acerca do queele possa sentir como invases perpetradasao seu dizer, estas so percebi-das, no entanto, como acidentais e no fazem vacilar a certeza protetora do

    enunciador quanto ao carter normalmente acabado de seu dizer.Contra a idia de um dizer pondo em ao uma lngua-instrumento,a relao entre o fenmeno da discursividade como espao de realizao dodizer e aquele do inacabamento do sentido do dizer, constitui o cerne dodialogismo bakhtiniano, quando no se pretende reduzi-lo aos jogos deumainterao comunicacional, mas fornecer a sua real dimenso terica, tantohistrica como subjetiva, quanto questo do sentido. Para Bakhtin, aspalavras no so pedras lisas, compactas, unidades de um sistema lings-tico abstrato, mas matrias porosas, intimamente penetradas pelos con-textos que elas reconstituem alusivamente e onde elas figuram. Desta

    forma (eu sublinho),

    Como resultado do trabalho de todas essas foras estratificadoras, alinguagem no mais conserva formas ou palavras neutras, no per-tencendo a ningum. Cada palavraremeteao seu contexto ou aosvrios contextos nos quais ela viveu sua tensa existncia.37[] cada membro do grupo falante encontra previamente a palavrano como ponto neutro da lngua, livre das associaes e dos julga-mentos dos outros, desabitada das vozes dos outros. A palavra chega

    ao seu contexto,vinda de um outro contexto, plena de sentidos da-dos por outros. O prprio pensamento encontra a palavra j habita-da.38De fato, para a conscincia individual [] a palavra da linguagem uma palavra semi-estrangeira []. At o momento em que ela a-propriada [], ela est em lbios estrangeiros, em contextos estran-geiros, a servio de intenes estrangeiras, e ali que ela precisa sertomada e feita sua. [] A linguagem [povoada e superpovoada deintenes estrangeiras] no um meio neutro. Ela no se torna fa-cilmente, livremente, propriedade do locutor.39

    O autor (o locutor) tem seus direitos inalienveis sobre o discurso,mas [...] tambm os tm aqueles cujas vozes ressoamnas palavrasencontradas pelo autor (pois no existem palavras que no perten-

    37Bakhtin (1975:114).38Bakhtin (1929/1963), (grifado por mim).39Bakhtin (1975:114-115), (grifado por mim).

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    am a ningum) [...] O discurso age fora do autore inadmissvelneste introjet-lo.40

    Essas palavras que, no dizer, vm do exterior, trazem esse exterior

    junto consigo a ele remetendo, evocando-o, dando-lhe ressonncia, etc.: paraalm da primeira palavra, aquela de Ado abordando, em um primeirodiscurso, um mundo virgem e ainda no dito, o emprstimo e a aluso (seuduplo) constituem a lei secreta do dizer, a de um inacabamento em umaalteridade incontrolvel.

    Sobre essa heterogeneidade constitutiva do dizer e do sentido querepresenta o ncleo da abordagem bakhtiniana da linguagem e do texto, aanlise do discurso desenvolvida por M. Pcheux com base na teoria dasideologias de Althusser e na ordem do discurso de Foucault , seguidadas elaboraes lacanianas do sujeito, bem como a reflexo psicanaltico-

    literria de M. Schneider nos oferecem vises esclarecedoras.No que concerne a Pcheux, o seu questionamento radical de uma

    concepo do sujeito como fonte consciente do dizer e do sentido, remeten-do a uma iluso imaginria41de domnio, pe em destaque a categoria dodesconhecimentona sua funo de proteo que cega o sujeito quanto aoisso fala sempre antes, fora e independentemente, e inscreve o real de umser falado no interior da reivindicao do eu falo.

    No que diz respeito viso de M. Schneider, tratando do jogo da i-luso do prprio que, para o sujeito, responde questo da no-pertena

    inerente linguagem, qual ele est atento, o mecanismo, jamais perfeito,de iluso protetora permite vivenciar a experincia de despossesso, de de-sapropriao no dizer, por parte de cada um que ingressa na lngua atravsda via (voz) de outro,

    40Bakhtin (1979:331), traduo de Todorov (1981:83), (grifado por mim).41Sobre a questo, no campo da enunciao, do status dado ao imaginrio, cf. Authi-er-Revuz (1995:82), em seu captulo 2, Balisages dans le champ nonciatif, e maisespecificamente em Mettre l'imaginaire sa place. Consistance et intrt des for-mes de l'illusion. O imaginrio associado a uma teoria do no-sujeito, ou de umsujeito puramente ilusrio aquele dos primeiros trabalhos de M. Pcheux, direta-mente inscritos na linha de Foucault ou da interpelao ideolgica dos indivduoscomo sujeitos, de Althussser, ambos partindo de um questionamento sobre a aten-o dada s formas enunciativas superficiais , deve ser distinguido do imaginriopresente nos ltimos trabalhos de Pcheux (cf. 1990), o qual, situado no quadro deuma teoria do sujeito semelhante de Lacan, ali recebe a densidade de uma instn-cia do sujeito (le Moi) e, no se reduzindo a tal instncia, assegura ao sujeito umfuno vital de desconhecimento.

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    No existe lngua inata. A lngua materna dada, recebida42 [...]:aquela que lhe ensinava a lngua lhe fazia aprender inicialmente alngua que era a dela; o perodo de ingresso na fala foi ao mesmotempocaptura das palavras da me.43

    e guardar sempre um certo distanciamento em sua apropriao da lngua,

    como se uma sombra houvesse cado entre aquele que fala e a suaprpria lngua: nela ele jamais se encontrar completamente44

    mas, principalmente para aqueles que, mais que ningum,atentando parao imprprio de sua fala, tentam encontrar na linguagemuma resposta paraas dificuldades que lhe so prprias. Assim que a melancolia, segundoM. Schneider, o que torna escritores aqueles que tm dificuldades com

    sua lngua, ou mais ainda com a lngua dos outros e que intimamenteno se sentem vontade na linguagem, o que os leva a se tornarem ho-mens de letras, apenas pelo desejo de uma primeira vez e pelo gosto doprprio, sabendo-se ultrapassados, torturados, invadidos pelo exterior, a-queles que se debatem com o murmrio incessante do j-dito45.

    O que o autor destaca no seu percurso pelas figuras textuais do pl-gio seguido, em contraponto, de uma reflexo sobre essa outra prtica dalinguagem que o caminho psicanaltico e que responde ao mesmo sofri-mento de um eu no possuo palavras que sejam minhas so as ques-

    tes de identidade

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    oriundas das relaes entre o eu e os outros, bem comoos graves riscos ali existentes, fazendo da escrita um lugar possvel para osujeito.

    Assumir o risco da aluso generalizada

    Assumir o risco das aluses escolhidas, submeter-se ao risco das a-luses impostas e, mais amplamente, fazer-se realmente submisso a umasaturao de sentido atravs do j-dito que ele no controla, so esses os

    privilgios e as restries partilhadas por todo dizer, desde a fala mais co-mum at a obra literria mais elaborada. Nesse sentido, os jogos de intertex-

    42Schneider (1985:285).43Schneider (1985:298).44Schneider (1985:285).45Schneider (1985:323; 327; 336; 345).46Cf. : L'incertitude quant l'appartenance des livres rejoint la fragilit quant lapermanence et l'identit du moi (Schneider 1985:12).

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    tualidade literria, por mais ricos e sedutores que sejam, no so seno mo-dalidades literrias do funcionamento linguajeiro em geral.

    Por outro lado, apenas a escrita em seu sentido amplo pode dar con-ta do fenmeno da heterogeneidade constitutiva da linguagem e da alusivi-

    dade que lhe inerente, ocupando uma posio que, afastando o vu prote-tor do desconhecimento, renuncia iluso das palavras prprias e douma forma textual a da aluso generalizada voz do j-dito, pagando oalto preo do desaparecimento enunciativo do sujeito. Partindo dessa po-sio enunciativa extrema, que faz da aluso ao exterior no uma formalocal, por mais freqente que ela seja, mas o regime enunciativo de umaescrita, a obra de Flaubert, voltada para Le Livre inteiramente recopiado,oferece uma encarnao exemplar. Para entender os limites que esse tipo deescrita ultrapassa tornando-se aluso, parece til evocar a estratgia enun-ciativa, inteiramente diversa, pela qual Barthes responde, por exemplo, a

    uma idia fixa da Doxa, de modo similar, no entanto, ao dio Ignorn-cia experimentada por Flaubert. Distante dos prazeres oferecidos por umaintertextualidade habitualmente cultivada por Barthes atravs de textoscuidadosamente escolhidos, o que ele denuncia a arrogncia, o reina-do da doxa, envenenando a singularidade do dizer de tudo o que de gre-grio e imitativo se esconde em cada signo, ali impondo a sua mortfe-ra estereotipia; ningum pode se subtrair influncia do j-dito-e-repetidoinerente ao fenmeno da linguagem (Eu no posso falar seno reunindo oque vagueia na lngua) e que, alm disso, exerce sua violncia sobre o

    sentido mascarado como evidente e natural: A Doxa [...] o sentido repeti-do, como se nada acontecesse.47Na linha do dialogismo bakhtiniano, o queBarthes exprime como enunciador uma extrema sensibilidade ao que euchamei de risco submetido de todo dizer se ver subtradode si mesmo.

    Recusando qualquer ilusria alternativa de sada da linguagem co-mum48e da sua carga de j-ditos, a resposta de Barthes iluso (terrifican-te) do funcionar por si mesma, por trs da qual se exerce a lei da doxa, aquela de uma ttica linguajeira de vigilncia, reconhecida a impossibili-dade de descart-la49. No se podendo escapar da estereotipia, trata-se de,numa inquieta relao com a linguagem, deter-se nos pontos em que ela

    mais ameaa suas prprias palavras e a ela opor-se; no para anul-la,tarefa impossvel, mas para, designando-a, subverter o modo de evidnciasob o qual ela exerce sua influncia e, assim, impor limites: emprestando asi mesmo, com certo humor, a imagem de uma cozinheira vigilante que

    47Barthes (1975).48A sedutora imagem de uma soberania da criatividade individual expulsando o j-dito, assim como a tentao de um assptico domnio das metalinguagens.49Barthes (1975).

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    cuida de que a linguagem no se torne excessivamente espessa e no grude, bateria de instrumentos de distanciamento metaenunciativo detudo o que permite que se pense a linguagem que Barthes recorre emsuas receitas anti-doxa: [...] necessrio desnaturalizar o esteretipo por

    meio de algum signo verbal ou grfico que mostre o seu desgaste (as aspas,por exemplo)50. uma estratgia defensiva que essa escrita pe em ao, ao longo

    das suas aspas to freqentes51, atravs das quais um dizer se volta em dire-o a um inimigo exterior para ali detectar a ameaa: a trincheira anti-doxa,onde as aspas figuram como pontos de sinalizao, marca, ao mesmo tem-po, a persistncia do j-dito e a resistncia de um espao prprio no qual oenunciador para no se enganar, no plano terico, sobre a posio docontrole metaenunciativo posto em cena inscreve a singularidade subjeti-va de seu dizer52.

    Bastante consciente do carter de compromisso de que se reveste asua estratgia enunciativa de defesa contra a ameaa do esteretipo, Barthesevoca o sonho, inacessvel a sua escrita, de um texto com aspas incertas53,ou, ainda, o ideal de apagar, pouco a pouco esses signos exteriores [asmarcas metaenunciativas]54; de modo similar, Bakhtin fazia do romanceideal um texto inteiramente entre aspas. Esse ideal, inacessvel, aquelepara o qual tende a escrita de Flaubert: a experincia, relatada em Novem-bre, do desnimo sem fim ao descobrir que, nos lans criadores que oatravessavam, ele encontrava em outros os pensamentos e at mesmo as

    formas que ele havia concebido, das quais ele no era seno o seu copista,no o conduz, de forma alguma, a estratgias defensivas contra a estereoti-pia, com as barreiras delimitadoras que lhe so dadas pelas formas marcadasde remisso ao j-dito; trata-se de responder, por orgulho, constatada a hu-milhao de uma escrita alterada por um inevitvel j-dito, com uma escrita

    50Barthes (1975:93), La fatigue et la fracheur.51Objetos de fcil ridicularizao (cf. Huitime leon La rgle de surponctuationdans Burnier M.A., Rambaud P., Le ROLAND-BARTHES sans peine, d. Balland,Paris, 1978) para quem optou por dar o status de ornamento a esses elementos detenso equilbrio da enunciao.52No tom mais trgico das respostas que Nietsche deu sucessivamente ao mal dalinguagem (o desgaste, a repetio, o pr-julgado de cada palavra, recalcando ehumilhando, atravs do j-dito, a afirmao singular), as aspas so encontradas co-mo um dos recursos do enunciador contra o carter gregrio da linguagem, antesque ele deponha suas armas, evitandoesgotar-se em curar a incurvel vulgarizaoda fala, para voltar-se, fora da linguagem, em direo ao silncio musical doCante! No fale mais. Cf. Haar (1978).53Barthes (1975:110).54Barthes (1975:93).

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    que se desdobra como um j-dito, transformando o risco presente emtododizer de estar submisso ao fato da sua heterogeneidade constitutiva,no risco assumido de uma escrita singular que, aceitando a despossesso,torna-sevoz do interdiscurso.

    Ali, onde os jogos de reforo narcsico dos contornos de si prprio,por meio de aluses escolhidas ou por estratgias defensivas de salvaguardado seu dizer atravs da localizao dos esteretipos que os investem, passam com base nas marcaes em lngua ou interpretativamente identificveis por um traadoque separa o prprio (interior) do outro (exterior), todo otrabalho de escrita de Flaubert consiste em representar a presena do outrono um de formaindecididaegeneralizada.

    Alm da forte prevalncia, desdeMadame Bovary, de formas menosexplcitas de emprstimo s palavras de outros55 modalizaes autonmi-cas no-marcadas, discurso indireto livre, em oposio a formas explcitas

    (como se diz; comoele diz) ou tipograficamente demarcadas como aspas eitlicos um processo de apagamento56 gradual das fronteiras interi-or/exterior que a obra de Flaubert apresenta: de Madame Bovarya Bouvardet Pcuchet, como se pode verificar tambm nas etapas genticas de umadeterminada obra, observa-se uma reduo das marcas de alteridade discur-siva57 diminuio de sinais tipogrficos, sistematizao do discurso indi-reto livre bem como um trabalho sobre as formas no-marcadas, com oobjetivo de aumentar a indecidibilidade da repartio operada entre o eu eo outro.58

    Para alm da incerteza conferida ao traado de fronteiras entre inte-rior e exterior, a prpria existncia deste traado que posta em questo e, com isso, a consistncia de um interior atravs da insero de formas(marcadas ou no) na economia textual. Assim, os estudos de C. Duchet

    55As formas direta e indireta do discurso reportado no tm sua origem no emprs-timo de palavras dos outros, ou seja, do falar com as palavras de outros, sendo oseu modo de funcionamento aquele dofalar de [da] fala do outro; o primeiro mostraas palavras dos outros, no usadas como objetos, enquanto o segundo faz uso de

    palavras prprias para falar do contedo da fala do outro (o uso de suas prpriaspalavras podendo sempre evidentemente se duplicar, sob a forma de discurso indire-to como dizer no reportado, em uma meno interpretativamente marcada, do tipocomo ele diz).56Descrito de forma precisa em A. Herschberg-Pierrot (1981; 1988).57Reduo que significativamente acompanhada do desaparecimento de observa-es do autor, como levada a cabo em Bouvard et, Pcuchet, cf. A. Herschberg-Pierrot (1981:274).58Cf., por exemplo, Perruchot (1975: 277), destacando que o estudo das variantes de

    Madame Bovary mostra que Flaubert transformou sistematicamente os indiretoslivres atribuveis, que remetiam ao personagem, em no-atribuveis.

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    sobre o uso do itlico emMadame Bovary59e as anlises de A. Herschberg-Pierrot sobre o funcionamento das aspas em L'Education sentimentale60evidenciam como uma estratgia global do texto desenvolvida em Flau-bert, o qual subverteu as formas de marcao, localizandopontos de alteri-

    dade em uma fala que emerge aleatoriamente de uma exterioridade geral; osinal tipogrfico no tem ali seno o valor de remisso ao que do outro,estendendo-se e contaminando o que o cerca por sua funo demarcado-ra61de signo da lngua, sendo, de certa forma, neutralizado pela economiade uma escrita a de uma retrica generalizada do itlico produzindo umtexto de fato, sem ruptura e totalmente transformado num discurso docomo se diz/como ele disse.

    Do mesmo modo, a bela anlise proposta por A. Herschberg-Pierrot a-cerca do funcionamento enunciativo doDictionnaire des ides reues62revela,por meio da comparao de vrios catlogos de besteiras contemporneos, o

    carter no-marcado generalizado da presena do discurso outro na escrita deFlaubert: ali, onde a regra do gnero aquela de uma clara delimitao entre odiscurso do eue aquele clichs de outros que ele estigmatiza, em Flau-bert que o discurso como um todo ou atravs de qualquer palavra - dada a au-sncia de formas marcadas ou de um dispositivo textual de contradio, dis-sonncia, redundncia.... separando o eue as suas palavras do algume seusclichs recebe interpretativamente um status citacional de repetido, no sen-tido de que ele se repete enuncia-se sozinho. As formas locais que seinscrevem diferencialmente em relao a um interior, responde, aqui, um jogo

    de diferenas entre exterioresque retiram, atravs da sua presena generaliza-da, todo o ncleo interior das palavras prprias: o interior do discurso nadamais querelao entre exteriores.

    Desafio vertiginoso de uma escrita, que renunciando ilusria re-partio entre o prprio e o exterior, retira qualquer pretenso vital para osujeito de sustentar uma palavra prpria, esvaziada de toda consistnciaenunciativa; e se torna olugarde ressonncia da annima voz do interdis-curso, posio enunciativa extrema ressaltada por Barthes no que elatem de enorme, de vertiginoso, e de louco onde o nico sujeito dodizer (nos dois sentidos desse termo63: quem fala nesse dizer e do que ele

    fala) alinguagem em sua materialidade interdiscursiva.

    59Duchet (1975: 76).60Herschberg-Pierrot (1981:287).61Essencial na vigilncia ou no cmplice distanciamento dado pelos itlicos de umStendhal, por exemplo.

    62Herschberg-Pierrot (1988).63NT: No idioma francs, o lexema sujet usado para designar o ser humano (oindivduo), podendo ser tambm utilizado como sinnimo de tema, razo pela qual

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    O ideal do artista apagado em sua obra, tal como Deusnanatureza,atesta o risco subjetivo inerente a essa prtica linguajeira constituda recipro-camente na excluso do eu e na assuno da lngua 64: perda vertiginosa dosentimento de si e da estabilidade dos, por mim chamados, seus contor-

    nos65

    , na completa solido moral, no menosprezo de um sujeito enunciadorinvadido, com todas as fronteiras apagadas pela exterioridade discursiva, esolidrio com a apoteose de um no ser seno um, com o Outro soberano, atoda poderosa Ignorncia dando-lhe textualmente voz.

    O jogo enunciativo da aluso local, escolhida, de um eu falo aquicom palavras exteriores66, proposto ao cmplice reconhecimento do recep-tor, aqui transmudado num o exterior fala que enquanto lei secreta dalinguagem com a qual se chocam os enunciadores submissos s alusesimpostas pelos receptores, ou contra a qual sujeitos, feridos pela autoridadedo j-dito em seus dizeres, multiplicam os sinais defensivos , s pode

    tornar-se regime enunciativo pela escolha feita em direo escrita literria.Fazer aluses uma possibilidade enunciativa oferecida a todo e

    qualquer discurso; ser constitutivamente alusivo uma lei que afeta tododiscurso; escrever a partir do que constitui lei da linguagem, num apaga-mento deliberado de si prprio a favor de um dizer a linguagem est noexerccio da literatura e apenas nele: dizer a linguagem, no sentido de que aescritura literria a nica a dizer o verdadeiro sobre a linguagem emnosso caso, o verdadeiro sobre a alusividade sem pertenas pelo fatodalinguagem quese diz, ou seja, a linguagem que, tomada nas malhas de uma

    construo textual, forada a dizer-se, a mostrar-se, reflexivamente, peloque ela mesma .

    Referncias Bibliogrficas

    a autora faz uso do termo nos dois sentidos da palavra: aquele que fala e sobre o queele fala.64D.G. Laporte (1980).65Fazendo eco ao par anulao/onipotncia, essa confidncia pode tambm ser ouvi-da no em um tom de constatao altiva, mas seguramente de sofrimento: Eu noestou com ningum, em nenhum lugar, no estou em meu pas e talvez no nomundo. Ainda que eu tente me integrar, eu no consigo. [Flaubert, Correspondance,citado por Schneider (1985:38) (grifo meu).66 O pastiche, como gnero, seria oriundo desse jogo enunciativo da aluso local,significando uma ampliao dos limites de um texto, inteira e homogeneamenteescrito sob a forma do eufalo aqui [= neste texto] com as palavras de umdetermi-nado exterior, e no significando a reviravoltadesse jogo em uma escrita de alusogeneralizada que esvaziaria o lugar do euem favor da voz exterior.

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    ______. (1995),Ces mots qui ne vont pas de soi: Boucles rflexives et non-concidences du dire. Larousse: Paris, 1995, 2 vol., 839 p. ______. 1997.