aula 12_dia 09-06_goulart, g. a. r. (2013)
TRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
GISELE APARECIDA REIS GOULART
O lugar da docncia na universidade: uma anlise das
representaes sobre o professor universitrio
So Paulo
2013
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GISELE APARECIDA REIS GOULART
O lugar da docncia na universidade: uma anlise das
representaes sobre o professor universitrio
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Educao da Faculdade de
Educao da Universidade de So Paulo como
quesito para o exame final do curso de
mestrado.
rea de Concentrao: Educao
Linha de Pesquisa: Didtica, teorias do
ensino e prticas escolares.
Orientadora: Helena Coharik Chamlian
So Paulo
2013
Verso corrigida
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogao na Publicao
Servio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
371.14 Goulart, Gisele Aparecida Reis
G694L O lugar da docncia na universidade: uma anlise das representaes sobre o professor universitrio / Gisele Aparecida Reis Goulart; orientao
Helena Coharik Chamlian. So Paulo: s.n., 2013.
156 p.: il. 3 tabs.
Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em Educao. rea de Concentrao: Didtica, Teoria do Ensino e Prticas Escolares) Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo)
.
1. Professores de ensino superior 2. Trabalho docente 3. Ensino superior
4. Representaes sociais 5. Identidade I. Chamlian, Helena Coharik, orient.
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FOLHA DE APROVAO
Gisele Aparecida Reis Goulart
O lugar da docncia na universidade: uma anlise das representaes sobre o professor
universitrio.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Educao da Faculdade de
Educao da Universidade de So Paulo como
quesito para o exame final do curso de
mestrado.
rea de Concentrao: Didtica, teorias do
ensino e prticas escolares.
Aprovado em 24/06/2013
Banca Examinadora
Profa. Livre-docente. Helena Coharik Chamlian (orientadora)
Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo.
Assinatura:
_______________________________________________________________________
Prof. Dr. Jaime Francisco Parreira Cordeiro
Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo.
Assinatura:
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Teresa Surnyi de Andrade
Secretaria de Estadual de Sade, So Paulo.
Assinatura:
______________________________________________________________________
Prof. Livre docente. Marcos Garcia Neira
Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo.
Assinatura:
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Mnica Apezzato Pinazza
Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo.
Assinatura:
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Vanessa Teresinha Bueno Campos
Faculdade de Educao, Universidade Federal de Uberlndia.
Assinatura:
______________________________________________________________________
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, a Deus.
A Margarida Maria Reis Goulart e Gilberto Dionsio Goulart, meus pais, pela confiana e
apoio incondicionais a minha capacidade de empreender um trabalho desta natureza.
A minha orientadora, Prof Livre-docente Helena Coharik Chamlian, pela generosidade e
pacincia em me orientar neste longo trabalho de pesquisa.
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES) pelo apoio com a
concesso de bolsa para a viabilizao desta investigao.
A Carine Reis Goulart, minha irm, que dividiu comigo as expectativas em relao aos
resultados desta investigao e suas implicaes para os debates contemporneos sobre o
ensino no Brasil.
Aos meus diletos amigos Angela Aparecida Fontanari e Hermelino Barboza dos Santos, que
me incentivaram ao longo do processo de elaborao deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Jaime Francisco Parreira Cordeiro, que me abriu a possibilidade de realizar o
estgio do Projeto de Aperfeioamento do Ensino (PAE) para que eu pudesse ampliar a viso
sobre o ensino em nvel de graduao na atualidade.
Aos membros da banca de qualificao, Prof. Dra. Maria Teresa Surnyi de Andrade, da
Secretaria Estadual de Sade de So Paulo, e o Prof. Dr. Jaime Francisco Parreira Cordeiro,
da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo, pelos apontamentos e pela
compreenso no tocante ao quadro agravado de sade durante a realizao do exame.
Ao Prof. Dr. Valdir Heitor Barzotto e o Prof. Livre-docente Marcos Garcia Neira, pois ambos,
com suas disciplinas, contriburam para ampliar o conhecimento terico sobre linguagem
tanto do ponto de vista da anlise do discurso de linha francesa quanto do ponto de vista da
nfase dada aos fenmenos da representao no campo dos estudos culturais.
Por fim, gostaria de agradecer a todos aqueles que direta ou indiretamente contriburam para
que este estudo fosse possvel.
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Por isso, o aprender pela leitura no a transmisso do que existe para saber, do que existe para pensar, do que existe para responder, do que existe para dizer ou do que existe para fazer, mas sim a co-(i)mplicao cmplice no aprender daqueles que se encontram no comum. E o comum no outra coisa que aquilo que se d a pensar para que seja pensado de muitas maneiras, aquilo que se d a perguntar para que seja perguntado de muitas maneiras e aquilo que se d a dizer para que seja dito de muitas maneiras. A leitura nos traz o comum do aprender enquanto que esse comum no seno o silncio ou o espao em branco de onde se mostram as diferenas.
JORGE LARROSA
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RESUMO
GOULART, G. A. R. O lugar da docncia na universidade: uma anlise das
representaes sobre o professor universitrio. 2013. 156 f. Dissertao (Mestrado)
Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.
Esta investigao busca a ampliao da compreenso das transformaes ocorridas na
identidade dos professores universitrios a partir das representaes sociais (MOSCOVICI,
2009) destes nos discursos sobre o ensino superior. Para tanto, foi aplicada uma anlise
baseada no modelo metodolgico da anlise a partir de um corpus discursivo criado dentro de
um recorte do perodo que antecede a expanso de vagas nas instituies federais de ensino no
Brasil encerrada na promulgao do programa de Apoio a Planos de Reestruturao e
Expanso das Universidades Federais (REUNI), institudo a partir do governo Lula, pelo
decreto no. 6.096, de 24 de abril de 2007, integrando uma das aes do Plano de
Desenvolvimento da Educao (PDE). Desse modo, o tema central deste estudo est ligado
aos sentidos socialmente atribudos profisso docente na atualidade dentro das formaes
discursivas (FOUCAULT, 2010) que tornam possvel um discurso sobre o professor
universitrio no Brasil. O escopo principal refere-se aos docentes de nvel superior que, por
causa da diviso social do trabalho na rea, historicamente sempre estiveram apartados dos
docentes do ensino bsico, por desfrutarem da condio de pesquisadores garantida pelo
princpio firmado na reforma universitria de 1968, que prev a indissociabilidade entre o
ensino e a pesquisa. Por fim, esta Dissertao visa encontrar as relaes de sentido que
permitem problematizar as mudanas ocorridas na identidade dos professores universitrios a
partir da discusso de sua representao nos discursos sobre o ensino superior na atualidade.
Palavras-chave:
Docncia - representaes sociais ensino superior identidade.
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ABSTRACT
GOULART, G. A R. La place de l'enseignement l'universit: une analyse des
reprsentations sur le professeur d'Universit. 2013 156 f. (capitaine), Facult de
LEducation, Universit de So Paulo, So Paulo, 2013.
Cette recherche vise approfondir la connaissance des changements dans l'identit des
professeurs d'Universit des reprsentations sociales (MOSCOVICI, 2009) de ceux-ci dans
les discours sur l'enseignement suprieur. Il a t appliqu une analyse mthodologique base
sur un modle d'analyse d'un corpus de discours cr au sein d'une coupure de la perspective
de l'largissement des institutions fdrales d'enseignement vacants au Brsil a pris fin dans la
promulgation du programme de restructuration de plans et l'expansion des universits
fdrales (REUNI), mis en place par le gouvernement Lula, par dcret n 6 096, 24 avril
2007, intgrant une du plan de dveloppement de l'ducation (PDE). De cette faon, le thme
central de cette tude est li des significations socialement assignes la profession
enseignante l'heure actuelle dans les formations discursives (FOUCAULT, 2010) qui
rendent possible un discours sur le professeur d'universit au Brsil. La porte principale se
rfre aux enseignants de niveau suprieur, en raison de la division sociale du travail dans le
domaine, historiquement ont toujours t les sections des enseignants de l'enseignement
fondamental, en profitant de la condition de garantie les chercheurs du principe tabli dans la
rforme de l'Universit de 1968, qui prvoit l'association insoluble entre l'enseignement et de
recherche. Enfin, cette Dissertation vise dfinir les relations de sens qui permettent de
problmatiser les changements dans l'identit des professeurs d'Universit de la discussion de
sa reprsentation dans les discours sur l'enseignement suprieur aujourd'hui.
Mot-Cls: Enseignement - reprsentations sociales - enseignement suprieur - identit.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADUSP Associao dos Docentes da USP
AIDS Acquired Immunodeficiency Syndrome (Sndrome da Imunodeficincia
Adquirida)
ALCESTE Analyse Lexicale par Contexte dum Ensemble de Segment de Texte
(Anlise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto)
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CFE Conselho Federal de Educao
CNE Conselho Nacional de Educao
CNRS Centro Nacional de Investigao Cientfica
CRUB Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
FHC Fernando Henrique Cardoso
IES Instituio de Ensino Superior
MEC Ministrio da Educao e Cultura
MP Medida Provisria
PDE Plano de Desenvolvimento da Educao
RBEP Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das
Universidades Federais
TRS Teoria das Representaes Sociais
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
USP Universidade de So Paulo
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Relao dos textos que originaram o corpus discursivo 78
Quadro 2 - Roteiro das imagens da representao da docncia 86
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Ocorrncia das formaes discursivas no corpus emprico 92
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SUMRIO
Apresentao 15
Introduo 18
Captulo I - O universo da pesquisa: contexto scio-histrico e definio do
objeto
24
1.1 Delimitao do problema de pesquisa 24
1.1.1 Objetivo geral da pesquisa 25
1.1.2 Objetivo especfico 26
1.2 Universo de pesquisa: o cenrio do ensino superior no Brasil 26
1.3 Debates sobre a docncia no ensino superior: o papel da docncia nos
diferentes modelos de universidade
32
1.3.1 Um centro de educao: um docente modelar 36
1.3.2 Uma comunidade de pesquisadores: pesquisador-professor 37
1.3.3 Um ncleo de progresso: a eficcia da docncia 38
1.3.4 A multiversidade: um novo contexto 39
1.4 A identidade em questo 43
Captulo II Representaes sociais, discurso e identidade
2.1 As representaes sociais: o domnio das imagens 45
2.2 O discurso pedaggico: seus matizes 54
2.3 O dispositivo pedaggico: circulao de imagens no interior do discurso
pedaggico
58
Captulo III - Caminhos metodolgicos: os limites do corpus 61
3.1 Aproximaes com o corpus: um processo arborescente 61
3.2. Primeira etapa de pesquisa: o levantamento das fontes 63
3.3. Segunda etapa da pesquisa: redefinio do objeto 65
3.4 Terceira etapa da pesquisa: consolidao das hipteses 68
3.4.1 Uma virada metodolgica 73
3.5 Quarta etapa da pesquisa: a construo do dispositivo analtico 76
Captulo IV A interpretao do corpus do discursivo 81
4.1 O labirinto de Asterion: a estruturao do corpus discursivo 81
4.2 As formaes discursivas 84
4.3 As dimenses da anlise 89
4.3.1 A docncia como afirmao da indissociao entre o ensino e a pesquisa 93
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4.3.2 O professor na perspectiva da interao professor-aluno 101
4.3.3 O professor como portador de um saber pedaggico 105
4.3.4 A docncia como produo de uma narrativa 114
4.3.5 O professor preocupado com a aprendizagem 118
4. 4. As representaes sociais sobre o professor no ensino superior 123
Consideraes Finais 130
Referncias Bibliogrficas 135
Bibliografia das Fontes Consultadas
Apndices
Apndice I: Estrutura preliminar do corpus emprico
140
141
141
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APRESENTAO
A inspirao para este estudo 1 se originou de um impasse vivido durante um trabalho
de campo realizado anteriormente, ainda ao nvel da graduao, numa pesquisa sobre a
existncia de classes multisseriadas no estado de So Paulo. Esta pesquisa, na ocasio,
contava com uma bolsa de apoio da Reitoria da USP (RUSP). Naquele momento, eu intentava
problematizar a gnese da sala de aula contempornea a partir de sua coexistncia com
modelos e ordenamentos de grupos-classe considerados arcaicos pela tradio pedaggica.
Naquela ocasio, em interao com o locus de pesquisa, observou-se que o discurso
pedaggico, ou seja, o discurso dos professores, trazia em si uma exterioridade que tornava a
investigao, naquele contexto, tanto mais complexa para os instrumentos de anlise
dispostos ento. Assim, foi possvel perceber que as prticas docentes na sala de aula da
escola bsica diante de um grupo-classe que ultrapassava a noo de heterogneo e os
discursos da universidade estavam imbricados; em certa medida eu observava que meus
instrumentos de anlise mais me afastavam do objeto proposto, o ensino bsico na escola
pblica no estado de So Paulo, do que me ofereciam condies de apreender elementos
daquele contexto.
Desse modo, foi possvel discernir que havia uma relao direta entre as prticas
escolares e as prticas discursivas que se davam ali, tornando os esforos de investigao
sobre ensino mais enviesados do que se supunha. O professor era um pouco diferente daquilo
que se imaginava no incio do trabalho de campo. Ele tinha uma formao adequada, possua
larga experincia e conhecia muito bem os discursos veiculados pela universidade, no entanto,
se esquivava de utilizar os conhecimentos advindos da universidade e os tratava ora como
uma espcie de profanao do ambiente da sala de aula ora como uma mscara que servia
para encobrir suas crenas pedaggicas mais recnditas.
Assim, os resultados obtidos naquela etapa atentavam para as condies de produo
de um discurso sobre a sala de aula, fato que contribuiu para que me fosse possvel conhecer
um pouco mais sobre a prtica docente. Assim, era imperioso ir alm da simples observao
1 O presente estudo foi realizado com o apoio da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
(CAPES) com a concesso de bolsa durante o perodo de maro de 2011 a fevereiro de 2012.
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participante e passar a uma crtica que considerasse os mecanismos discursivos que ento
inviabilizavam o acesso aos objetivos daquela modesta investigao.
Percebeu-se que, para alm daquele contexto de trabalho junto a um grupo-classe
pouco usual para os dias de hoje e completamente desprestigiado nos meios acadmicos,
havia uma diviso social do trabalho que afastava as atividades da docncia e da pesquisa e,
por essa razo, posteriormente procedeu-se a elaborao de um projeto de pesquisa em nvel
de Mestrado que pudesse investigar os discursos sobre a docncia num outro contexto,
invertendo assim a lgica de trabalho, mas perseguindo sempre o mesmo objeto: a figura do
professor, desta vez, no contexto do ensino de graduao na universidade.
Ento, o que deu origem a este estudo foi a constatao de um isomorfismo entre a
linguagem e as prticas sociais, que passou a ser meu tema de interesse na medida em que
houve a percepo de uma relao dialtica entre a representao e a constituio de uma
realidade objetiva. Consequentemente, a crtica passou a considerar que aquilo que
comumente se chama realidade no existiria sem que a linguagem realizasse um trabalho de
objetificao e de ancoragem de signos sobre a memria.
Em suma, a aproximao com a teoria das representaes sociais fruto de um
amadurecimento da compreenso dessa relao entre a linguagem e a produo da realidade
social. No entanto, o interesse pela figura do professor se voltou para o contexto da
universidade. Portanto, se houve mudanas no contexto de atuao dos professores na
universidade brasileira, se fazia necessrio encontrar elementos que propiciassem a
problematizao da figura do docente de nvel superior na atualidade. Assim, as
representaes sociais se mostraram de grande valia no sentido de oferecer indcios de
alteraes ou permanncias no discurso que se encontra no interior das publicaes
especializadas em Educao. Estas representaes circulam por diversos espaos da sociedade
e implicam numa forma poderosa de conhecimento, sendo interpretadas como mecanismos
produtores de realidades.
A constatao dessa passagem da linguagem para a construo da realidade inscrita no
modo como a imagem se torna palavra e vice-versa, culminando, assim, num processo que
produz realidades objetivas acabou permitindo a estruturao de um dispositivo analtico
capaz de atingir os objetivos propostos neste estudo. Nesse sentido, espera-se que este estudo,
amparado no modelo metodolgico da anlise do discurso e na ocorrncia de uma
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representao da figura do professor universitrio nos discursos sobre a universidade, possa
ampliar o entendimento sobre os sentidos da docncia em nvel superior na atualidade e que,
em certa medida, possa inspirar melhorias nas carreiras de nvel superior.
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INTRODUO
Este trabalho se desenvolveu a partir do estudo das representaes sociais, conceito
utilizado por Mocovici (2009) e ampliado por Jodelet (2001) para indicar os mecanismos
cognitivos que tratam de cristalizar as imagens no interior das prticas discursivas passando,
desse modo, a instituir realidades. A questo norteadora da presente investigao se refere s
representaes sociais sobre o professor universitrio contidas nos discursos sobre o ensino
superior no Brasil nas ltimas dcadas.
Precisamente, o objeto so as suas representaes cristalizadas nos discursos
produzidos dentro do contexto em que se colocam em pauta os debates sobre o carter do
ensino superior, debates estes desencadeados pela promulgao do programa de Apoio a
Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (REUNI), institudo pelo
decreto no. 6.096, de 24 de abril de 2007. A anlise aplicou-se sobre as formaes discursivas
veiculadas no discurso educacional, em princpio, presentes em revistas especializadas em
Educao e outras fontes textuais. Com efeito, o escopo deste estudo consistiu em delimitar os
indcios das mudanas ocorridas nas representaes sociais sobre os professores de ensino
superior.
Antes de mais, ao considerar estas representaes sociais como fontes para o trabalho
de investigao no podem ser descartadas duas questes: primeiramente, preciso considerar
as peculiaridades dos discursos ligados Educao que so portadores de slogans, metforas
e definies (SCHEFFLER, 1974) e, em segundo lugar, tambm no podem ser esquecidas as
condies de produo de um discurso sobre o ensino superior no Brasil.
Alm disso, deve-se tratar da questo da leitura como atividade que tornou possvel
desenvolver uma metodologia antes mesmo de se falar sobre os cnones metodolgicos com
os quais este estudo teve de dialogar. imperioso mencionar que o primeiro contato com os
textos criou uma nova modalidade de leitura que poderia ser denominada como uma leitura
mordida, numa aluso ao trabalho de Larrosa (2010) no qual define as mincias da relao
entre a leitura e a lio dada pelo professor.
Assim, a metfora da mordida prenhe de sentidos servindo para expressar os
modos como a construo da metodologia foi sendo engendrada: num primeiro momento, foi
preciso deixar-se morder pelos textos. Esta metfora trata, por assim dizer, de expressar o
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desenvolvimento de um gesto leitor que, por sua vez, deu conta da consolidao do
dispositivo analtico. Este dispositivo fundamentou a aplicao de uma anlise confrontada
no-linearidade dos corpora encontrados. O leitor, como diz Certeau (1994), aquele que est
alhures, que cria uma cena de onde se entra e de onde se sai; portanto, a leitura , em si, um
ato criativo que posiciona o leitor diante das aberturas do texto, liberando, assim, os
horizontes das anlises.
A questo da leitura permite descrever os deslocamentos que a construo da
metodologia sofreu ao longo deste estudo. Cumpre problematizar estes deslocamentos uma
vez que esta investigao partiu inicialmente da adeso ao modelo da anlise de contedo
onde foram percebidos os riscos de se incorrer numa interpretao empobrecida dos corpora,
provocada por um tipo particular de anlise que pareceu ser um tanto dependente de uma
articulao com a dimenso quantitativa para uma investigao que, a priori, se pretendia
essencialmente qualitativa.
Este impasse verificado na relao entre os aspectos qualitativos e quantitativos no
significou propriamente a percepo de uma inadequao entre o modelo de anlise adotado e
o objeto investigado, todavia, o hibridismo daquela abordagem representava um fator que
limitava a capacidade de consolidao de um dispositivo analtico que pudesse obter o devido
alcance para os propsitos da investigao acerca das representaes sociais sobre o professor
universitrio no Brasil.
Assim, ocorreu uma adeso ao modelo da anlise do discurso (PCHEUX, 1997), que,
no limite, serviu para ampliar a compreenso dos mecanismos que regem as prticas
discursivas que serviram de fonte de anlise nesse trabalho. Desse modo, produziu-se uma
virada metodolgica que permitiu consolidar um dispositivo analtico que se revelou muito
importante para a consolidao de um corpus discursivo baseado na identificao das
formaes discursivas que embasam os discursos sobre o professor universitrio dentro de um
recorte temporal que vai de 1996, considerando como marco a promulgao da Lei 9.394, que
institua as Diretrizes e Bases da Educao, at o ano de 2010, quando se iniciou este estudo.
Alm disso, concorreu para a elaborao desse dispositivo analtico a
complementaridade das consideraes de Ginzburg (1990), que encontram no paradigma
indicirio uma possibilidade de compreenso das pistas e marcas verificadas nos enunciados
que vieram a compor o corpus discursivo. Nesse sentido, o trabalho de anlise se realizou
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aps um amadurecimento dos instrumentos metodolgicos que permitiram a realizao de
uma anlise do discurso ao invs de uma anlise do contedo que se esboou no incio do
trabalho de aproximao com os materiais amostrais.
Dito isto, cumpre indicar as hipteses sobre as quais este estudo se assentou. A
primeira hiptese aventada no estudo se refere possibilidade de diferenciao institucional
que poderia significar um impasse para a manuteno do princpio de indissociao entre o
ensino e a pesquisa no ensino superior. Alm disso, o presente estudo se amparou na hiptese
referente ideologia do dom,2 expressa na concepo de que no existe necessidade de
aproximao com uma formao pedaggica traduzindo-se na naturalizao da docncia.
No caso da docncia acreditamos que a ideologia do dom se presta a conceber que o
professor universitrio possui qualidades e aptides que no foram adquiridas com a
experincia, mas foram confundidas com caractersticas da personalidade do docente. Nesse
sentido, a hiptese referente ideologia do dom expressa a concepo de que no existe
necessidade de uma formao pedaggica para os professores de nvel superior, interpretada
como uma condicionante para a atuao em nvel superior, restando docncia uma
perspectiva naturalizada.
O processo de anlise tambm foi orientado por um conjunto de questes que, em
certa medida, serviriam para produzir uma interpretao do corpus discursivo de modo a
perceber nas imagens sobre o professor universitrio os nexos que pudessem dar conta dos
objetivos propostos no projeto da pesquisa. Assim, as questes elaboradas versavam,
sobretudo, sobre os aspectos relativos s mudanas ocorridas no perodo abarcado no estudo,
como se pode verificar a seguir:
a) Houve uma mudana na identidade da docncia universitria durante o perodo que
antecede a promulgao do Programa de Apoio aos Planos de Reestruturao e Expanso das
Universidades Federais (REUNI) em 2007?
b) Quais poderiam ser as iniciativas de formao para os professores universitrios diante
das exigncias atuais da profisso?
2 A ideologia do dom foi objeto de estudo de Nole Bisseret (1979), em A Ideologia das Aptides Naturais, em
que descreve os mecanismos que naturalizam as desigualdades intelectuais entre os indivduos.
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c) Na atualidade, a expanso do ensino superior brasileiro responde aos interesses e
necessidades culturais, cientficas e profissionais demandados pela populao brasileira no
sentido de contribuir para uma efetiva democratizao do ensino superior?
Estas questes se articulam com uma srie de regularidades percebidas na anlise
realizada. No interior dos corpora, as sucessivas anlises serviram primeiramente para
identificar um deslocamento das questes relativas ao ensino na universidade para as questes
relacionadas s aprendizagens dos alunos. Alm disso, pelo exame do corpus discursivo,
observa-se que as consideraes sobre a imagem do professor universitrio na atualidade
evocam muito mais do que a aquisio de tcnicas instrumentais ou estratgias didticas.
Inversamente, ela dependente de uma interpretao que considera o primado da
indissociao entre o ensino e a pesquisa; ou seja, contrariando as proposies de Kourganoff
(1990), este estudo revela que no possvel pensar na docncia em nvel superior
isoladamente da dimenso da pesquisa. Chama a ateno o fato de que os textos que
estruturam os corpora produzidos a partir das apresentaes realizadas nos Seminrios de
Pedagogia Universitria que, por sua vez, geraram os Cadernos de Pedagogia Universitria,
podem ser classificados no contexto deste estudo como discursos que se opem ao silncio
verificado nas revistas especializadas em Educao.
Desse modo, pode-se inferir que a problematizao das representaes sociais sobre o
professor universitrio se d em relao a uma funo docente capaz de compreender que para
os padres da universidade, as atividades de ensino e de pesquisa so coextensivas. Desse
modo, a temtica do ensino na universidade no poderia ser pensada sem uma passagem por
esta dimenso identificada na formao discursiva relativa afirmao do princpio de
indissociao entre o ensino e a pesquisa.
Nesse sentido, este estudo contribui para fazer avanar um debate sobre a atividade de
ensino em nvel superior, ultrapassando a concepo de burocratizao da pesquisa colocada
por Nogueira (1989), que entende essa dissociao como sendo responsvel pelo discurso de
desvalorizao da docncia na universidade. Assim, o resgate da funo docente apontado no
estudo procura aclarar o papel da universidade na produo do conhecimento na medida em
que se observam as vinculaes entre o ensino e a pesquisa. Esta sntese produzida pela
funo docente seria capaz de suscitar nos alunos a desejada autonomia do pensamento
apontada por Chau (2001), restituindo universidade seu papel de produtora de uma crtica.
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Consequentemente, estas ilaes se prestam a problematizar as possibilidades de
democratizao do ensino superior, sobretudo, num momento caracterizado no interior dos
corpora como uma transio de paradigmas. Cumpre observar que os professores
universitrios so identificados com diferentes imagens, tais como o espelho, a bssola, o
velho, o tecelo, o cartgrafo, indicando uma aproximao com as trajetrias dos
alunos.
O mrito deste estudo consiste em demonstrar que o carter disruptivo das prticas
discursivas analisadas no se trata propriamente de uma mudana paradigmtica, mas de um
novo ordenamento discursivo que insere a questo da aprendizagem nos discursos sobre o
ensino na universidade, restituindo aos debates sobre o ensino superior o primado da
indissociao entre o ensino e a pesquisa.
Assim, os captulos que se seguem tratam de apresentar as diversas nuances deste
estudo. O primeiro captulo, denominado O universo da pesquisa: contexto scio-histrico e
definio do objeto, se presta a apresentar o universo deste estudo, bem como de um breve
contexto histrico relativo s mudanas que ocasionaram os debates em torno da questo da
expanso das instituies federais de ensino, alm de conduzir as discusses em torno das
diferentes concepes de universidade. Desse modo, trata de articular os elementos relativos
consolidao de um novo panorama do ensino superior a uma problematizao da concepo
de docncia nesse contexto, articulando assim a desvalorizao da docncia em nvel superior,
sobretudo, expressa na burocratizao da pesquisa (NOGUEIRA, 1989) necessidade de
mudana nos olhares sobre a docncia na atualidade.
O captulo II denominado Representaes sociais, discurso e identidade, discorre,
por sua vez, sobre os elementos que tornam possveis as teorias sobre as representaes
sociais e as suas relaes com a rea da lingustica, passando pelas contribuies da
perspectiva foucaultiana. As teorias lingusticas tratam de expressar os modos como se
estruturam as prticas discursivas e suas formaes ideolgicas, que sero objeto de anlise
nos captulos subsequentes. Alm disso, este captulo expe os elementos que caracterizam o
discurso pedaggico tais como a sua circularidade (ORLANDI, 2006).
No captulo III, denominado Caminhos metodolgicos: os limites do corpus, trata-
se de explicitar os aspectos ligados ao deslocamento dos modelos metodolgicos adotados no
estudo de modo a produzir a anlise do corpus discursivo. Assim, o captulo procura
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descrever todas as etapas que permitiram a estruturao de um dispositivo analtico e da
passagem de um corpus emprico a um corpus discursivo.
O captulo IV, chamado A interpretao do corpus discursivo, discorre sobre a
delimitao das diferentes formaes discursivas que compunham aqueles discursos sobre o
professor universitrio nas amostras investigadas. Alm disso, este captulo visa apresentar
uma esquematizao das imagens da docncia em nvel superior contemplando tambm as
diversas dimenses da anlise.
Com efeito, o derradeiro captulo apresenta uma anlise do discurso sobre o professor
universitrio, por sua vez, matizada pelas representaes sociais dos professores
universitrios. Com efeito, estas foram delimitadas pelas formaes relativas docncia como
afirmao da indissociao entre o ensino e a pesquisa, a docncia na perspectiva da interao
professor-aluno, o professor como portador de um saber pedaggico, a docncia como
produo de uma narrativa e, por fim, o professor preocupado com a aprendizagem dos
alunos. O captulo IV se encerra com o exame das representaes sociais sobre os professores
universitrios e com a constatao da pertinncia do olhar sobre a questo da funo docente
em vez de interpretar a docncia simplesmente.
Por fim, este trabalho apresenta suas concluses que se articulam entre o deslocamento
das questes relativas ao ensino para as questes relativas s aprendizagens dos alunos nos
discursos e esta relao identificada como uma funo docente. Posteriormente, os apndices
terminam por apresentar os fragmentos que compuseram o corpus emprico na parte final
desta Dissertao.
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CAPTULO I
O universo da pesquisa: contexto scio-histrico
e definio do objeto
1.1 Delimitao do problema de pesquisa
Observa-se nos discursos sobre o ensino superior no Brasil aps a reforma de 1968, a
ocorrncia de uma diferenciao institucional a partir da coexistncia de centros universitrios
com a universidade fato que, na prtica, passou a indicar que o ensino no tem mais as
mesmas caractersticas de outrora. Como desdobramento das mudanas sofridas na estrutura
do sistema de ensino superior brasileiro, a docncia na universidade se modificou
substancialmente, tendo possivelmente significado a existncia de uma ciso na carreira. O
presente estudo surge da hiptese de que a diferenciao institucional deu tambm origem a
uma diferenciao no interior da carreira docente. Esse novo ordenamento seria capaz de
alterar a identidade docente, o que trataria de determinar o carter do ensino no mbito da
graduao e da ps-graduao.
O que esta investigao busca ampliar a compreenso das transformaes ocorridas
na identidade dos professores universitrios a partir das representaes destes no discurso
sobre o ensino superior. Para tanto, foi realizada uma anlise a partir de um corpus criado
dentro de um recorte do perodo em que se desencadeou uma expanso bem como uma
reestruturao das instituies federais de ensino no Brasil contida na promulgao do
programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais
(REUNI), institudo a partir do governo Lula pelo decreto no. 6.096, de 24 de abril de 2007,
integrando uma das aes do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE).
Nesse sentido, o tema central deste estudo est ligado aos sentidos socialmente
atribudos docncia em nvel superior na atualidade dentro das formaes discursivas
(FOUCAULT, 2010) que tornam possvel um discurso sobre o professor universitrio prprio
rea da Educao. O escopo principal refere-se aos docentes de nvel superior que, por causa
da diviso social do trabalho na rea, historicamente, sempre estiveram apartados dos demais
docentes por desfrutarem de certo prestgio conferido a estes, sobretudo, pela condio de
pesquisadores.
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Com base no estudo, espera-se confrontar a hiptese de que a ideologia do dom
(BISSERET, 1979) ainda mais arraigada nesse nvel do ensino tornando ainda mais
naturalizada a representao do fazer docente, impedindo que haja esforos no sentido de
oferecer uma preparao pedaggica para os futuros docentes do ensino superior ou ainda que
estes sejam insipientes para iniciar os professores ingressantes nas questes referentes ao
ensino e na ruptura com os ciclos reprodutivos.
Assim, a despeito da diviso social do trabalho na rea, nos instiga a hiptese de que a
ideologia do dom, ou seja, a aceitao da docncia no como uma profisso, mas como uma
vocao a ser cumprida por poucos seja a causadora do movimento de desprofissionalizao
docente (NVOA, 1991) que doravante vem se intensificando tambm no nvel superior.
Para perseguir as mudanas na identidade do professor universitrio foram utilizadas
como referncias tericas a Teoria das Representaes Sociais amparada nas obras de
Moscovici (2009) e Jodelet (2001), que tratam de descrever os modos como a linguagem
cristaliza imagens acerca de um objeto ou sujeito e no modo como a episteme (FOUCAULT,
2010) situa as representaes dentro de uma determinada poca, no podendo mais
corresponder ao mundo natural, abrindo, assim, o ato enunciativo para sua exterioridade.
Desse modo, o amadurecimento da metodologia (MINAYO, 2010) se deu a partir da
problematizao dos limites da anlise de contedo e da adequao que a anlise do discurso
mostrou para a anlise do corpus encontrado.
1.1.1 Objetivo geral da pesquisa
- Investigar os indcios das mudanas nas representaes sociais sobre os professores de
ensino superior, por meio da anlise do discurso sobre o professor universitrio, nas
formaes discursivas veiculadas pelo discurso educacional presentes, em princpio, em
revistas especializadas em Educao. Decidiu-se pelo perodo que se estende de 1996 a 2010,
que corresponde ao momento em que ocorreu a promulgao do Plano de Apoio a
Reestruturao das Universidades Federais (REUNI). Este recorte temporal se articula com o
movimento de reestruturao e expanso das instituies de ensino superiores federais, que
foi considerado, neste estudo, como um fato que reacende os debates sobre o ensino na
universidade. Assim, a anlise compreende um perodo que foi visto como um sintoma das
mudanas ocorridas no sistema de ensino superior brasileiro na atualidade.
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1.1.2 Objetivo especfico
- Compreender, a partir da anlise do discurso, os sentidos da docncia em nvel superior no
contexto brasileiro na atualidade.
1.2 Universo de pesquisa: o cenrio do ensino superior no Brasil
A reforma de 1968 considerada pelos tericos que se dedicam temtica do ensino
superior, dentre os quais se destaca Lus Antnio Cunha (2007), como um dos marcos mais
significativos para a formatao do contexto universitrio brasileiro atual. Verifica-se que a
reforma de 1968, prevista pela Lei 5.540, no se realizou plenamente no nvel das instituies.
A Universidade de So Paulo (USP) o caso mais emblemtico das mudanas ocasionadas
pela reforma universitria sobre os docentes. Conforme assinala Chamlian (1984), a reforma
universitria no conseguiu extinguir efetivamente a influncia do regime de ctedras da
Universidade de So Paulo:
Entretanto, com este tipo de organizao departamental ainda primitivo, o regime de
ctedras, com toda a sua autonomia, continuava presente e a impor seu modelo. H
que se compreender, portanto, que, nestas condies, os departamentos tinham sua
existncia determinada pelas solues de acomodao, transitrias por essncia.
Como tal, sua organizao e funcionamento estavam sujeitos a constantes
interferncias do sistema de ctedras sobre o qual se sobrepunha. (CHAMLIAN,
1984, p 63)
Com efeito, com a sedimentao do regime de ctedras criaram-se certos
desdobramentos. Ao invs de se estruturar uma carreira docente aberta, criaram-se
departamentos que funcionavam, ainda que oficiosamente, de modo anlogo ao regime de
ctedras. O professor catedrtico j coexistia com outras figuras docentes na universidade,
mas aps a reforma, os professores passaram a ser agrupados conforme os ttulos acadmicos
apresentados, facilitando, em tese, a possibilidade de ascenso na carreira.
O departamento deveria funcionar tambm como uma instncia colegiada, garantindo
a participao de todos os docentes. Para Chamlian (1984), a legislao no explicitava com
clareza o carter poltico do departamento e tampouco favorecia uma interpretao do
departamento como menor unidade estrutural. Nas suas palavras:
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Para ns, essa caracterizao conflitante com o modelo de universidade previsto,
pois, ao mesmo tempo que se concebe o departamento como frao e a escola como
unidade de organizao, ele deve constituir-se como base de uma estrutura orgnica.
Dessa forma, coexistem dois modelos de organizao que, segundo nosso ponto de
vista, so inconciliveis. Na concepo de departamento como frao, o modelo de
organizao subjacente aquele em que a escola unidade e o ponto de referncia
da estrutura universitria. Assim, o departamento subdiviso da unidade - a sua
menor parte. (CHAMLIAN, 1984, p.70)
A extino das ctedras havia alterado as atribuies dos professores antes limitadas
ao ensino, somente produzindo uma mudana nas estruturas de poder da universidade. Os
privilgios foram abolidos, contudo, os professores titulares que geralmente chefiavam os
departamentos continuaram exercendo as tarefas atribudas aos catedrticos.
A carreira docente, no caso da Universidade de So Paulo (USP), passou a se
configurar da seguinte forma:
I- Professor assistente
II- Professor assistente-doutor
III- Professor livre-docente
IV- Professor adjunto
V- Professor titular
A estruturao da carreira criava uma situao conflitante, uma vez que havia
professores com estabilidade que haviam passado, por concurso pblico, para nvel de
professor assistente ou livre-docente e outros docentes que, conforme a titulao obtida,
trabalhavam mediante contratao. Assim, a carreira docente comportava regimes jurdicos
distintos e os professores poderiam ter seus contratos rescindidos caso um professor externo
instituio obtivesse a aprovao em concurso pblico.
A criao de cargos, entretanto, era de responsabilidade dos departamentos e
vinculava-se disponibilidade de recursos financeiros da universidade para tanto. Com isso, a
realizao de concurso pblico no era uma prtica frequente e produzia uma situao
parecida com aquela vivida no regime de ctedras, como afirma Chamlian (1984):
Assim, diramos que a carreira do magistrio superior vinculada ao regime
estatutrio no se configura de maneira totalmente aberta. Pois, a possibilidade de
acesso gradual e sucessivo a partir de ttulos obtidos pelos docentes ocorre no nvel
das funes; estas, porm, se no forem vinculadas a cargos, sero de natureza
transitria e no oferecero nenhuma garantia de estabilidade. Poderamos inclusive
afirmar que, sob esta perspectiva, embora de forma mais diluda, reproduz-se a
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situao verificada no regime de ctedras, em que a existncia daqueles cargos
docentes significava impedimento para a progresso dos docentes em situao de
estabilidade. (CHAMLIAN, 1984. p. 103)
Deste ponto de vista, a reforma pouco modificou as estruturas da instituio na medida
em que a abertura de cargos para docentes era escassa e o acesso ao topo da carreira limitado.
Acredita-se que, por essa razo, foi possvel encontrar indcios, nas amostras elencadas ao
longo da investigao, da necessidade de uma reviso da reforma e do desejo de se buscar
correspondncia em modelos que inspirassem uma possvel contrarreforma, que ainda eram
frequentes no incio da dcada de 1980.
Conforme apontam Fvero e Segenreich (2001) diante da anlise dos peridicos
especializados em Educao dentro do perodo que vai de 1968 a 1995, as temticas mais
frequentes so as seguintes:
1) Expanso do ensino superior: necessidade de controle da expanso; modernizao das IES (1945- 1964); expanso e privatizao; expanso e
qualidade.
2) Recursos: crise da universidade e seus fatores econmicos; qualidade e recursos; relacionamento com o sistema produtivo, qualidade e eficincia;
financiamento; adeso da universidade internacionalizao econmica.
3) Democratizao do acesso: democratizao e integrao entre os nveis de ensino de 1, 2 e 3 grau; evoluo do conceito de democratizao; demanda
em relao aos cursos de graduao.
4) Pblico versus privado: pblico e privado na dcada de 80 no Brasil; crescimento do ensino superior privado como fenmeno mundial.
5) Anlise histrica dos modelos de universidade: proposta de uma universidade pblica e democrtica; modelo fundacional versus privatizao; discusso da
existncia ou no da universidade no Brasil; papis e formato institucional
como aglutinao de faculdades ou como organizaes universitrias. 6) Questes relacionadas diretamente Reforma Universitria analisadas sob um
enfoque histrico: ctedra e formao docente; ps-graduao; vestibular,
primeiro ciclo etc. (FVERO; SEGENREICH, 2001, p. 61)
Cabe destacar que o crescimento do setor privado como fenmeno mundial chama a
ateno por ocorrer no discurso num perodo posterior Reforma Universitria. Na reforma
de 1968 havia uma brecha de que, caso a universidade no pudesse suprir suas demandas,
estas poderiam ser supridas pelas instituies isoladas. As instituies privadas sofreram um
aumento no nmero de vagas, suplantando as instituies pblicas e, com isso, criando uma
diferenciao institucional.
Em contrapartida, no peridico Educao & Sociedade, no incio dos anos 1990, so
publicados artigos que comeam a exaltar a defesa da qualidade do ensino nas universidades
pblicas. O enfoque se modifica, pois logo aps um perodo sem publicaes significativas
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acerca da qualidade do ensino de graduao, surge uma profuso de textos que ressaltam a
importncia da qualidade dos cursos de graduao na universidade pblica.
Este estudo considera a hiptese de que a vigncia da nova LDB/1996, na medida em
que criou condies para a consolidao da diferenciao institucional, tambm provocou
mudanas na representao da docncia no Brasil afetando as representaes dos professores
universitrios. Com efeito, esses desdobramentos favorecem em larga medida a dissociao
entre as atividades de ensino e de pesquisa, contrariando o princpio da indissociabilidade
entre o ensino e a pesquisa firmado na Reforma de 1968.
O professor, que atua na universidade, quer seja nos cursos de bacharelado, quer seja
no mbito das licenciaturas, encontra condies de atuao distintas daquelas idealizadas pela
reforma universitria ocorrida em 1968, indicando que a universidade no representa mais o
modelo institucional primordial para o sistema de ensino superior. Conforme assinala Cunha
(2005), o abismo entre aquelas instituies que se limitam dimenso do ensino e aquelas que
possuem condies para que haja uma vinculao entre o ensino e a pesquisa se amplia
consideravelmente, criando condies para que o papel do professor universitrio possa ser
problematizado nos debates sobre o ensino superior brasileiro.
Nesse sentido, Akkari (2011), corroborando a argumentao de Cunha (2005), acredita
que a mudana ocasionada pela nova Lei de Diretrizes e Bases de 1996 vem sendo insuflada
pela lgica neoliberal. Analisando a dualidade do sistema educacional brasileiro, o autor
verifica que cada vez mais o setor privado tem avanado em detrimento do setor pblico no
campo da Educao em todos os nveis, aprofundando ainda mais as desigualdades sociais
entre os alunos atendidos e causando a perda da autonomia docente.
A flexibilidade proporcionada pela LDB/1996 favoreceu o setor privado que busca
apenas o lucro atravs da Educao. As grandes empresas tm investido no setor
com o nico propsito de ganhar e aumentar seu capital financeiro. Os alunos
tornaram-se clientes/produtos e so negociados em operaes de compra e venda
pelas instituies privadas de ensino por um valor mdio de 2.500 dlares.
(AKKARI, 2011, p.72)
De fato, a reestruturao do sistema de ensino superior se inicia a partir de meados dos
anos 1990, como assinalam Catani e Oliveira (2002). Essa reestruturao abrange, em
primeiro lugar, universidades pblicas e, inicialmente, recai sobre as instituies federais de
ensino superior. Para os autores, os discursos atuais sobre a possibilidade de uma reforma,
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diferentemente da reforma de 1968, que buscava um modelo unificado e homogneo, se
pautam pela diversificao institucional, prendendo-se tambm lgica neoliberal.
Na reforma atual, entende-se que o modelo nico esgotou-se e incapaz de adaptar-
se s novas condies da economia mundial (Brasil, MEC, 1996), j que inerte e
bastante impermevel s demandas, exigncias e desafios contemporneos. Por isso
para o governo Fernando Henrique Cardoso, faz-se necessrio flexibilizar e
diversificar a oferta de educao superior, de maneira que possibilite surgir outros
formatos institucionais e organizacionais e que as instituies existentes, em
especial as universidades, possam redefinir sua identidade e desenvolver
competncias mediante o estabelecimento de vnculos com demandas e exigncias
do regional, do local, do setor produtivo e do mercado de trabalho. (CATANI;
OLIVEIRA, 2002, p. 20)
Os autores analisam as bases da reforma do ponto de vista do financiamento das
instituies e concluem que o Estado ao mesmo tempo cumpre uma funo avaliativa do
sistema e se afasta da questo administrativa e financeira. semelhana da reforma
implantada no Chile anteriormente, espera-se diversificar as instituies e ampliar o acesso,
diminuindo o volume de recursos e incitando as instituies pblicas a buscar novas fontes de
financiamento.
As instituies federais de ensino representam para Catani e Oliveira (2002, p. 21) um
caso emblemtico desse movimento:
A autonomia, sem recursos perenes para a manuteno do sistema pblico federal,
contribuiria para que as instituies buscassem redefinir sua vocao, j que, para o
MEC, o aumento crescente dos custos torna o sistema financeiramente invivel. Por
isso, A autonomia cria uma oportunidade insubstituvel para a correo dessas distores, tornando as instituies financeiramente viveis e socialmente
produtivas. (BRASIL, MEC, 1996, p.48)
Os dois plos da reforma universitria que, segundo Catani e Oliveira, consistem na
flexibilizao e na avaliao criam um contexto bastante peculiar. Torna-se bastante
recorrente nos discursos sobre ensino superior ps-LDB/1996 a interpretao da valorizao
dos conhecimentos que, ora garantem uma formao profissional, ora permitem a criao de
novos produtos e servios.
A situao das instituies de ensino superior federais bastante complexa, pois
interna e externamente os discursos sobre os fins do ensino nesse nvel tm se entrechocado,
gerando um questionamento da identidade destas instituies no pas. O meio universitrio,
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cujas relaes de fora internas so intrincadas, se v diante de um contexto em que as foras
dominantes so externas.
Para os autores, os documentos publicados pela Organizao das Naes Unidas para
a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO) na dcada de 1990 podem conter as matrizes
que redefinem o ensino superior: Documento de poltica para el cambio y el desarollo en la
educacin superior (1995); Educao: um tesouro para descobrir (1996); Declarao mundial
sobre educao superior no sculo XXI: viso e ao; marco referencial de ao prioritria
para a mudana e o desenvolvimento da educao superior. O contedo desses documentos
traria um novo paradigma para o ensino superior, que, desta vez, estaria calcado no
atendimento dos alunos. So ainda previstas a expanso quantitativa, a diversificao
institucional e restries financeiras, aumentando a competio no interior do sistema.
No caso das universidades federais, verifica-se uma srie de polticas e processos
que buscam ajust-las ao programa de diversificao e diferenciao, que inclui
crescente diminuio de recursos do governo federal para sua manuteno e, ao
mesmo tempo, implementao e ampliao de novos mecanismos de controle. Ao
que parece, embora j existisse um processo natural de heterogeneidade das
instituies, havia e h mecanismos histricos de convergncia que asseguram a
unidade do sistema, tais como indissociabilidade ensino-pesquisa-extenso, carreira
nica, autonomia universitria, gesto democrtica, avaliao institucional. No
momento, entretanto, observa-se que est em curso a intensificao de um processo
de diversificao e diferenciao que ocasiona diferenas essenciais nas atividades,
nos servios, nos produtos e nas alternativas de soluo para os problemas
enfrentados. Alm disso, essas diferenas comeam a realar maior competio no
campo das universidades federais, especialmente porque contribuem para a busca de
uma maior distino institucional. (CATANI; OLIVEIRA, 2002, p. 14)
O papel da universidade questionado, pois ao mesmo tempo em que os discursos
apontam para uma sociedade do conhecimento, as novas mdias digitais criam um contexto
em que se pode imaginar um mundo sem universidades. Essa posio ambgua em relao
instituio, vista a partir do contexto brasileiro, representa o enfraquecimento da universidade
e tambm o fim da multiversidade (KERR, 2005).
Nesse sentido, as universidades que preservam o trip ensino-pesquisa-extenso so
consideradas obsoletas e so contrapostas questo da expanso do ensino de nvel
universitrio. Tambm cumpre lembrar que para o governo as instituies de pesquisa so
consideradas onerosas (...) E, por isso, no h como torn-las instituies de massa.
(CATANI, OLIVEIRA, 2002, p. 36)
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No corpo do edital que institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e
Expanso das Universidades Federais (REUNI), institudo a partir do governo Lula pelo
decreto no. 6.096, de 24 de abril de 2007, nota-se que a reestruturao das instituies de
ensino superior federais preconiza muito mais as trajetrias dos alunos, seu acesso e sua
permanncia nas instituies em toda a extenso territorial do pas, condio que permite
considerar que a reforma institucional esboada no programa do REUNI representa um
esforo de democratizao do ensino superior brasileiro.
Com efeito, com a criao desse programa, possvel notar que instituies esto
sendo criadas e as existentes esto sendo ampliadas nas diferentes localidades. Nesse sentido,
a consolidao do centro universitrio na medida em que, foi tirando da universidade sua
hegemonia sobre o sistema de ensino superior, criou uma diferenciao institucional que em
certa medida se refletiu na carreira docente e acabou concorrendo com a ocorrncia de
mudanas no ensino superior pblico.
Assim, os efeitos dessas mudanas deixaram uma lacuna no que se refere ao ensino
em nvel superior: em vez de professores catedrticos, na atualidade as estruturas de poder nos
departamentos so cada vez mais intrincadas, tornando mais difcil para os professores
universitrios a obteno de uma ascenso na carreira. E, por essa razo, os discursos sobre a
reforma do ensino superior precisam ser analisados a partir da questo da docncia.
1.3. Debates sobre a docncia no ensino superior: o papel
da docncia nos diferentes modelos de universidade
O surgimento da instituio conhecida como universidade no ocidente correspondeu
corporao de ofcio que, originalmente, engendrou a atividade docente. As universidades so
originadas em decorrncia do Renascimento, no sculo XII, e acabaram organizando-se em
torno das disciplinas Teologia e da Filosofia (CAMPOS apud RASHDALL, 1952).
O conceito de universitas designava originalmente a corporao de ofcio ou a
agremiao formada pelos professores e alunos de uma determinada cidade.
Contudo, o termo universitas cujo sentido totalidade se aplicava a corporaes de diferentes tipos, era preciso especificar o ofcio que se pretendia designar. A
expresso que passou a ser empregada universitas magistrorum et scholariorum atesta que a universidade medieval era um tipo especial de corporao: uma
comunidade de mestres e estudantes envolvidos na elaborao e na transmisso de
um bem muito peculiar: o conhecimento. (p.83)
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Assim, preciso salientar que o conceito de universidade est ligado organizao da
carreira docente. Nesse sentido, antes de prosseguir com as hipteses que sustentam este
estudo, faz-se necessria a problematizao da idia de docncia. Ela visa retomada daquilo
que poderia ser considerado um modelo de docncia na universidade que, por sua vez, liga-se
aos modelos de universidade existentes e aos ideais de formao universitria. A anlise das
abstraes contidas nos ideais sobre os modos de organizao da universidade podem
constituir um ponto de partida para a posterior anlise das transformaes nas representaes
da docncia ao longo do tempo. 3
Na medida em que esses ideais foram contribuindo para a conformao das
experincias universitrias, eles foram carregando consigo um ideal de ensino e um ideal de
docncia na universidade. Ainda que estes modelos correspondam a vises idealizadas da
relao do professor com seus alunos, estes modelos se prestam a produzir um substrato
imaginrio sobre os docentes na atualidade.
No interior deste imaginrio sobre o ensino podemos encontrar elementos que
permitem a crtica da noo de bom professor. A existncia de um imaginrio do bom
professor, na produo de um discurso sobre o ensino na universidade, retrata certas
formaes ideolgicas em torno do ensino na universidade. Ainda que estas formaes
idealizadas no correspondam ao professor real, elas tratam de oferecer elementos que
subsidiam a anlise desses discursos na medida em que possvel trabalhar com traos e
indcios.
Concordo com as ideias de Ricoeur, em prefcio obra de Jacques Drze e Jean
Debelle (1983), Concepes de universidade, quando coloca em questo as concepes
curriculares, por vezes, distantes das realidades objetivas das instituies de cada pas, para
pens-las a partir de suas matrizes filosficas, realizando assim um esforo de entendimento
dos fins da universidade atravs dos tempos.
3 A Histria da universidade se fez a partir da existncia de modelos institucionais que expressavam a crena
num determinado tipo de formao. No correto afirmar que as instituies tenham tido xito em levar adiante
todo o projeto curricular da Universidade de Berlim idealizado por Humboldt (1983) ou todo o projeto de
Newman (1983). Tampouco se pode defender que cada instituio de ensino superior tem para si alguma clareza
quanto ao ideal de universidade ao qual aderiu na sua fundao.
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Tal a idia da Universidade; no uma idia da universidade alem ou anglo-
saxnica, mas a idia da Universidade pura e simplesmente. To logo uma nao
confia a uma instituio particular a tarefa de elaborar, de conservar e de perpetuar
os conhecimentos tericos, coloca-a explicitamente, ou implicitamente, sob a idia
da Universidade. (DREZE; DEBELLE, 1983, p.15)
Com efeito, as idias sobre a universidade no so mais que um idlio do que deveria
ser uma formao orientada neste ou naquele sentido para um sistema de ensino. Todavia,
mais do que uma viso ingnua da complexidade da universidade, a idia de universidade
pode nos fornecer uma dimenso da misso que esta assume com relao a uma determinada
sociedade e para um modelo de conhecimento. Por outro lado, se ela indica a misso da
instituio, ela tambm revela algo sobre o papel da atuao docente no sentido de formar a
juventude para a vida poltica, intelectual e profissional.
Em suma, esses modelos idealizados revelam qual tipo de relao pedaggica se
espera que advenha das interaes entre os professores e os alunos e quais as competncias
desejveis para a realizao de um projeto profissional adequado aos propsitos de um dado
contexto de trabalho; e tambm quais cdigos podero reger a atividade de ensino e como a
avaliao poderia dar conta de reafirmar a misso formativa da instituio de ensino superior.
O estudo dos diferentes modelos de universidade trata de apontar mudanas nas mentalidades
sobre o ensino no mbito desta instituio inicialmente configurada como corporao de
ofcio e, portanto, reitera-se que consiste num mecanismo de resgate das representaes da
profisso docente em nvel superior.
Partindo assim das idias de Jaspers (DREZE; DEBELLE, 1983) acerca da misso da
universidade, encontramos sua funo precpua e original. Para o filsofo, universidade cabe
a funo de realizar o direito da humanidade busca pela verdade. Nessa esteira, a
universidade serve sociedade quando realiza uma funo de crtica ao invs da produo de
uma elite ciosa de seus privilgios que tanto a tradio acadmica quanto as posses de ttulos
lhe conferem. Em suas palavras, a universidade deve ser, em primeiro lugar, crtica:
Que a Universidade seja, aqui ou ali, e sem dvida, um pouco em toda parte, uma tal
oligarquia, que explora um privilgio reservado, concordo facilmente. Mas, com
que direito denunciamos esse abuso, seno sobre a base do postulado de que o
direito procura da verdade um direito da humanidade como tal? (DREZE;
DEBELLE, 1983, p.13)
Portanto, a busca da verdade sem constrangimentos coloca para a universidade uma
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nobre funo: a de guiar a humanidade a um futuro. Nada de mais utpico pde ser dito a esse
respeito, mas em que pesem os limites dessa assero, o caso que a ordem de funcionamento
da universidade se d em termos de um futuro sonhado para uma nao. A nosso ver, o sonho
de ver erradicada uma doena como fruto das pesquisas na rea mdica bem como o sonho
democrtico de ver os cidados conscientes de que a manuteno da ordem pblica lhes
reserva benefcios so expresses dos anseios que esta instituio, que encontra suas razes na
idade mdia, tem o dever de cumprir.
Com efeito, a sociedade teria muito a ganhar se a funo crtica prevalecesse sobre as
estruturas burocrticas na universidade. Assim, a primazia da funo crtica chama ateno
para a importncia da autonomia de pensamento como fundamento para a busca da Verdade.
Essa funo inextrincavelmente ligada produo de conhecimento a partir da pesquisa
cientfica livre. A comunidade cientfica , portanto, o ideal fundador da universidade.
Conforme assinala o Ricoeur, A Universidade crtica tanto quanto o exerccio livre do
conhecimento terico. (DREZE; DEBELLE, 1983, p.23)
Aprofundando um pouco mais as definies acerca das funes da universidade e as
idias de universidade que inspiraram a criao das variadas instituies no mundo ocidental,
Dreze e Debelle (1983) apontam a existncia de ao menos cinco concepes distintas de
universidade, cada qual com objetivos, prticas e modos de avaliao variados:
1) Um centro de educao (NEWMAN);
2) Uma comunidade de pesquisadores (JASPERS);
3) Um ncleo de progresso (WHITEHEAD);
4) Um modelo intelectual (NAPOLEO);
5) Um fator de produo (URSS).
Cada qual com suas peculiaridades, esses modelos ideais de universidade inspiram
projetos de universidade, mas no determinam a histria de formao de uma instituio que
pode se organizar em torno de um hbrido de concepes e se firmar atendendo a demandas
distintas. A partir da, essas idias sobre a universidade, exploradas por Dreze e Debelle
(1983), do conta de permitir a crtica das nuances nas figuras da docncia no interior ao
menos nos trs primeiros modelos apontados acima: um centro de educao, um expoente do
iderio de Newman (DREZE; DEBELLE, 1983), uma comunidade de pesquisadores, que
exprime as concepes de Jaspers (DREZE; DEBELLE, 1983) e um ncleo de progresso,
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representando a viso progressista de Whitehead (DREZE; DEBELLE, 1983).
1.3.1 Um centro de educao: um docente modelar
Esse modelo influenciou sobejamente a criao das universidades britnicas em torno
do modelo dos colleges. Segundo Dreze e Debelle (1983), o iderio de Newman refere-se a
uma declarada ciso entre o ensino e a pesquisa, ambas compreendidas como atividades
diferenciadas que demandam perfis variados de profissionais. Numa instituio pensada a
partir da idia de transmisso, a atividade docente ser valorizada pelo que ela pode fazer do
ponto de vista da transmisso da cultura. A cultura interpretada como um elemento capaz de
formar o esprito dos jovens alunos muito mais do que promover avanos cientficos. Nesse
sentido, os conhecimentos valorizados sero aqueles da chamada cultura geral.
Esse modelo atende a um princpio de educao liberal no sentido de que a avaliao
dos mritos um fim em si mesmo. Sem dvida, o perfil profissional esperado dos
professores encontra-se ligado intelectualidade e moral. Segundo o modelo apresentado, o
professor deve ser um cavalheiro capaz de inspirar seus alunos a seguir seus mtodos e seus
modos. Este no deve ensinar a seus alunos os preceitos de um ofcio determinado, mas deve
ensin-los a ter um esprito elevado que lhes permita guiar-se na vida, dessa maneira
mantendo com a esfera pblica uma aliana.
Com efeito, no na aula que as relaes se desenvolvem, mas nas atividades de
tutoria que aproximam o mestre e o discpulo. Evidentemente, para a manuteno deste
modelo baseado na interao, o contexto institucional deve favorecer um tipo de interao
individualizado. Nas instituies superiores britnicas inspiradas na forma da tutoria foram
construdas moradias no interior do campus para ampliar os nveis de interao entre os
professores e os alunos. Os contatos entre o docente e os alunos eram constantes em vrias
situaes externas sala de aula.
Portanto, esse tipo de relao supunha uma avaliao permanente e global das
competncias de cada aluno de tal modo que os ritmos de estudo deveriam ser constantes.
Assim, como nos alunos a idia parece ser no separar o homem do mestre e, desse modo, as
qualidades observveis no docente seriam qualidades de ordem moral. Desse modo, entende-
se que a cultura essencial para a formao do carter dos alunos.
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A figura docente como um tutor que guia seus pupilos, no entanto, pouco difundida
no caso brasileiro, mas constitui um elemento importante da representao do professor
universitrio, ainda que pesem sobre este modelo, acusaes de se tratar de uma tentativa de
domesticao das almas. O iderio baseado na tutoria se traduz na interpretao de que o
professor um homem admirvel por quem se deve procurar ter certa devoo. O modelo
baseado na tutoria exprime uma relao pedaggica em que o professor acaba deixando nos
alunos suas marcas.
1.3.2 Uma comunidade de pesquisadores: pesquisador-
professor
O princpio basilar deste modelo diz respeito busca da verdade, conforme se afirmou
acima, a propsito das idias defendidas no modelo germnico, como apontam Dreze e
Debelle (1983). Dessa maneira, no importa que tipo de homem se quer formar ou quem
dever conduz-lo nesse projeto, uma vez que a atividade investigativa preenche todos os
anseios dos membros da comunidade acadmica. O ensino passa a ser concebido a partir de
uma iniciao pesquisa que, futuramente, far dos alunos os sucessores dos atuais cientistas.
Conforme apontam Dreze e Debelle (1983), o modelo germnico esbarra nas
proposies de Kourganoff (1990), traduzida na quase inexistncia de profissionais que
consigam atuar de modo satisfatrio como docentes ou como pesquisadores. Nesse sentido,
assumir as responsabilidades pelas prticas de ensino desenvolvidas na sala de aula poderia
ser interpretado como uma espcie de desvio das funes principais no trabalho na
universidade. Enquanto que no modelo anterior era necessrio fomentar uma formao
filosfica nos alunos, aqui o eixo ordenador a formao de uma atitude cientfica e de um
esprito investigativo. A metodologia a ser utilizada deveria, portanto, estimular a reflexo
pessoal e as relaes seriam mais simtricas entre os professores e os alunos envolvidos em
projetos de pesquisa.
O professor deveria ser, portanto, um pesquisador experiente. No havia a necessidade
de um contedo rgido e, de algum modo, esperava-se dos alunos que desenvolvessem
competncias que os levassem certa excelncia acadmica. Dessa forma, levantam-se as
questes que dizem respeito noo de liberdade acadmica. A funo investigativa da
universidade s poderia existir a partir do fundamento da autonomia universitria.
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Considerando a figura da docncia, segundo o modelo alemo, o professor no era
encarado como um funcionrio pblico, mas como membro de uma comunidade qual devia
total lealdade. Assim, a imagem projetada nesse modelo, baseado no desenvolvimento de
investigaes cientificas a de que o professor encarna a figura do pesquisador, prescindido
de qualidades morais ou mesmo de tcnicas de ensino. Nesse sentido, relao de continuidade
entre a universidade e a esfera pblica para esse modelo curricular no expressiva dado que
h a centralidade da produo cientfica.
1.3.3 Um ncleo de progresso: a eficcia da docncia
A partir desse modelo, o poder da comunidade sobre o indivduo se torna marcante,
pois aqui a universidade passa a ser considerada tambm a partir de suas ligaes com o
projeto de nao. Desse modo, As universidades so os principais agentes desta fuso de
atividades progressivas num instrumento eficaz do progresso. (DREZE; DEBELLE, 1983,
p.64) Nesse caso, inversamente s idias defendidas segundo o modelo germnico, a
instituio universitria passa a ser aquela que reconhece sua ligao com o Estado,
assumindo um princpio utilitrio para a educao superior.
Assim, se na vida o homem utiliza os conhecimentos a partir do critrio da utilidade,
na universidade as escolhas curriculares deveriam seguir esse mesmo princpio. Portanto,
Dreze e Debelle (1983) assinalam que no modelo norte-americano, o fator que se tornou a
fora motriz para a escolha desse modelo foi a possibilidade de ao que une a imaginao e a
experincia para ordenar as aes dos indivduos. Tratava-se de buscar reunir o novo e o
velho num mesmo sentido; portanto, haveria de ser uma universidade ligada inovao e a
um projeto progressista de sociedade.
Com efeito, as aprendizagens so consideradas contnuas e se estendem pelo resto da
vida, o que indica uma valorizao da trajetria individual de cada um e da autonomia para
superar dificuldades. A docncia ganha muita importncia nesse modelo no sentido de que os
professores so os responsveis pela transposio de elementos capazes de congregar saberes
vivos.
As idias tericas deveriam, sempre, encontrar aplicaes importantes no interesse
do programa. Essa doutrina no fcil de pr em prtica. Ela retoma o problema de
dar vida aos conhecimentos, de impedi-los de se tornarem inertes; o problema
central de toda educao. (DREZE; DEBELLE, 1983, p.74)
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Esse modelo inspirou as instituies de ensino superior norte-americanas. Considerado
como um modelo aristocrtico, no entanto, trata-se de uma perspectiva que concebe a
educao como intrnseca ao prprio processo da vida. A despeito disso, foi nos Estados
Unidos que a massificao do ensino superior ocorreu precocemente. Desde suas razes, foi
naquele pas que as universidades ganharam cada uma, uma feio prpria, com uma alma
mater singular e local. O territrio dos Estados Unidos abriga instituies de todo tipo, desde
as mais elitistas at aquelas em que a base do ensino se d no perodo noturno.
Notadamente, consiste no modelo que mais valoriza o papel do professor, pois este
deve formar qualidades, competncias e habilidades muito peculiares em seus alunos.
Basicamente, estes devem ensin-los a ter uma viso progressista que os oriente tanto na
carreira profissional bem como na vida pblica. A representao da docncia aproxima-se da
representao da sala de aula, mas no de qualquer sala de aula dado que esta pode ser
equiparada existncia de cada um. Ela revestida de um dinamismo e de uma capacidade de
inovao que a universidade deve suscitar nos espritos dos formandos.
O professor entendido aqui como aquele que deixa marcas indelveis nos alunos,
tanto quanto a comunidade acadmica lhes empresta uma alma mater, que os faz pertencer a
uma experincia vital no ensino superior. A imagem da docncia projetada no modelo do
ncleo de progresso se aproxima da figura do mentor, que aconselha e acompanha os
progressos realizados pelo discpulo ao longo do tempo.
1.3.4 A multiversidade: um novo contexto
Cumpre ressaltar que este estudo no defende posies contrrias a uma universidade
de carter inclusivo, mas questiona a ocorrncia da massificao desordenada do ensino
superior brasileiro sem que sejam realizados os devidos debates sobre a situao da docncia
na universidade. Estes debates so condio sine qua non para subsidiar as possibilidades de
problematizao da questo da qualidade do ensino de graduao como garantia da
efetividade da incluso dos jovens que pertencem s classes desfavorecidas no ensino
superior. Desse modo, considerar as representaes veiculadas ao redor do pas indica um
esforo no sentido de consolidar um debate sobre essa universidade democrtica e inclusiva.
Elementos tais como as figuras do tutor que inspira uma moral, do cientista que busca
a verdade e do mentor que acompanha os progressos individuais no so capazes de esgotar as
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dimenses da representao do professor universitrio no caso brasileiro. Entrementes, Clark
Kerr (2005), desenvolve uma argumentao que ultrapassa todos os modelos descritos por
Dreze e Debelle (1983), inversamente, partindo da efetividade da experincia universitria
norte-americana, tomando o caso de Harvard nos anos 1960.
Precisamente, a tese de Kerr (2005) a de que a universidade plural no sentido de
que abarca diferentes grupos e, consequentemente, atende a diferentes interesses ainda que
busque se espelhar nos modelos de universidade apresentados acima. Nesse sentido, a idia da
corporao de ofcio fica prejudicada pela compreenso de que a universidade tem seus usos
particulares dependendo dos interesses de seu alunado.
Com base nisso, entende-se que existem diversas funes legitimadas pela sociedade
no ensino superior. A noo de multiversidade uma expresso no de um modelo terico,
mas de uma realidade hbrida instituda em cada espao acadmico de formao conhecido na
atualidade. esta a natureza dinmica da experincia de universidade. A concepo de
multiversidade revela as disputas existentes no interior de uma mesma instituio e, assim,
evidencia seus diversos centros de poder. Assim, essa idia expressa uma disperso dos
demais modelos de universidade, como se pode verificar a seguir:
Uma universidade, em qualquer lugar do mundo, tem como objetivo ltimo ser o
mais britnica possvel em prol de seus alunos de graduao; mais alem possvel
em prol de seus ps-graduandos e equipes de pesquisa e o mais americana possvel
em prol da comunidade e to confusa quanto possvel, pelo bem da preservao do incmodo equilbrio social. (KERR, 2005, p.27)
Desse modo, a instituio vai caminhar em mais de uma direo e isto explica a
ambiguidade temporal que esta enfrenta. De um lado, a universidade norte-americana projeta
uma imagem do futuro atrelada aos condicionantes do progresso da nao; de outro, ela
resguarda para si uma imagem austera da tradio. A isto acrescenta aquilo que chama de
professor afluente (KERR, 2005), que aparece como aquele que presta consultorias e realiza
outras atividades de cunho social para alm das atividades de pesquisa e de ensino supondo
uma zona de permeabilidade entre a instituio e o mundo externo. O professor passa a ter o
status de um diplomata que trata de manter a imagem da instituio dentro de um contexto
poltico internacionalizado.
De fato, o caso norte-americano revela as disputas entre as reas das humanidades e
das cincias exatas por financiamento para pesquisas, a coexistncia de um corpo docente e de
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um corpo no-docente que se desvincula das atividades de ensino bem como de uma
consequente degradao do ensino na universidade. Apresenta tambm uma perda da unidade
institucional e uma ciso entre universidades de pesquisa de carter pblico e as universidades
particulares cuja excelncia se mede pelo ensino de graduao. A universidade tambm passa
a ser interpretada como uma incubadora empresarial quando se volta para mundo do trabalho
e passa a ter a funo de conferir um aval que legitima certas profisses que vo surgindo com
o tempo.
A raiz dessa mudana de foco consiste no ingresso da classe mdia no ensino superior
nos Estados Unidos. Convm relembrar que Kerr (2005) analisa inicialmente o contexto dos
anos 1960. Nas suas palavras, A multiversidade, em especial, o resultado do pluralismo da
classe mdia, portanto, se relaciona amplamente com a diversidade da sociedade. (KERR,
2005, p.116) E, haja vista, o que estava em questo naquele perodo era a redefinio do papel
da educao superior para a sociedade americana do ps-guerra.
A passagem da concepo da torre de marfim torre de Babel, segundo as acepes de
kerr (2005), indica ainda uma redefinio dos fins do ensino em nvel de graduao que
pudesse contribuir para a incluso das minorias. O autor enaltece a importncia da
interveno federal para assegurar o ingresso das mulheres no sistema superior de ensino, por
exemplo. Mas, as mudanas mais significativas com certeza no vieram apenas de cima,
vieram tambm da contracultura e das mudanas introduzidas pelos prprios reitores em cada
localidade do territrio norte-americano.
No obstante, o que se seguiu na histria chamou ateno para a centralidade do
financiamento para as reestruturaes curriculares das universidades. A passagem do
financiamento federal para o financiamento estadual, por exemplo, colocou a instituies
pblicas diante de uma encruzilhada: Deste modo, o futuro das universidades de pesquisa (e
de toda a educao superior) parece estar significativamente bifurcado, com um
entroncamento (privado) em geral no mesmo nvel ou at mesmo acima do outro, que estar
em geral abaixo haver excees. (KERR, 2005, p.230)
Segundo o modelo descrito, o problema da multiversidade na atualidade refere-se
sua permeabilidade. No possvel determinar os efeitos das influncias de dentro e de fora
na construo de uma carreira docente. A universidade como fbrica de conhecimentos teis
ao mercado produtivo e de profissionais aptos a atuar num contexto de desemprego estrutural
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torna a atividade docente cada vez mais difusa e carente de um suporte institucional.
A reordenao dos fins em funo da insipincia dos recursos estatais acabou gerando
uma espcie de meia privatizao no caso das instituies pblicas. Os efeitos do influxo
neoliberal um dos elementos que permitem pensar num contexto de crise, mas h outras
variveis que pem as instituies de ensino superior numa posio delicada e, com isso, pe-
se em questo o lugar da docncia universitria nesse discurso sobre a crise do ensino superior
na atualidade.
Acerca da questo do papel desempenhado na sociedade escreve Boaventura de Souza
Santos (1989, p.212): Como fazer interiorizar numa instituio que , ela prpria, uma
sociedade de classes os ideais de democracia e de igualdade? A questo apresentada revela o
principal vetor da crise universitria nas ltimas dcadas: a definio de uma funo social.
Portanto, a compreenso da crise na universidade passa tambm pela crtica do que ela
capaz de oferecer sociedade que a sustenta.
O que tem sido reivindicado nas instituies a incluso de membros de todos os
grupos sociais, de um lado; de outro, podemos encontrar uma busca desmedida por fontes de
financiamento para o avano das pesquisas. A universidade que no mais uma expresso
hegemnica de produo cultural e cientfica e, no obstante, ela no tem a possibilidade de se
eximir do discurso da incluso social. Todavia, a questo da massificao do ensino apontada
por Bireaud (1995) quando se refere ao caso francs em vrios pases do primeiro mundo
expressa o quo desconfortvel a posio da incluso para uma instituio aristocrtica.
Talvez porque esta seja a face da crise que diz respeito diretamente, ou pelo menos,
que recai mais acentuadamente sobre a atividade docente. o professor que tem de ministrar
suas aulas segundo o modelo do anfiteatro, conforme destaca Allgre (1993), sem que tenha o
direito de questionar esse tipo de prtica. Tornar-se professor numa instituio que no
valoriza a reflexo nem a trajetria individual dos alunos acarreta consequncias para a
profissionalizao. Os professores no se pronunciam quanto s realidades enfrentadas em
suas aulas, o que conota uma situao de encobrimento discursivo (ORLANDI, 1999).
A expanso das instituies particulares organizadas como centros universitrios no
so capazes se promover uma democratizao do ensino de graduao no pas. Mas, entende-
se que esse processo de incluso certamente uma das faces mais importantes da discusso
acerca das mudanas ocorridas na representao da docncia em nvel superior.
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Em suma, no se pode pensar em democratizar o ensino superior sem esses debates e
problematizaes sobre o ensino em nvel superior e a condio dos professores universitrios
hoje. Com efeito, a tese de Vanessa Campos (2010) de que tanto a vivncia pessoal quanto a
formao pedaggica obtida ao longo da carreira docente so amalgamadas e terminam por
constituir as marcas identitrias do sujeito professor, permite avanar na compreenso dos
sentidos de que a docncia universitria pode ser interpretada como uma sntese dessas
dimenses apontadas.
1.4 A identidade em questo
Nos discursos sobre o ensino superior, a docncia sofreu um apagamento ao longo do
perodo abrangido no estudo (CHAMLIAN, 2004), conotando a necessidade de uma
problematizao da figura do professor universitrio na atualidade. A docncia em nvel
universitrio corre o risco de ser naturalizada, ou seja, representada a partir da idia de que
no h necessidade de formao para a atuao docente tal qual ocorre com os docentes de
outros nveis. Assim, em ambos os casos, a necessidade de formao pode tornar-se vazia de
sentido na medida em que serve para mistificar a ideologia do dom.
Importa relatar que o silncio acerca desta questo no poderia ser em vo, ele
marcava uma lacuna que precisava ser compreendida. Assim, a despeito da diviso social do
trabalho na rea, me instigou inicialmente a hiptese de que a ideologia do dom, ou seja, a
aceitao da docncia no como uma profisso, mas como uma vocao a ser cumprida por
poucos fosse a causadora do movimento de desprofissionalizao docente (NVOA, 1991)
que, a nosso ver, vem se intensificando tambm no nvel superior. Ainda mais vazio se torna
o sentido da docncia na universidade quando referida a uma tendncia burocratizao da
pesquisa na forma da indissociao entre o ensino e a pesquisa:
Na forma como est posto hoje, tal vnculo entre ensino e pesquisa - que deveria
existir como propsito da instituio universitria, no necessariamente como dever
de todos e cada um dos professores- na verdade, tem produzido substancialmente
uma grande burocratizao da pesquisa e uma enorme desvalorizao da atividade
docente. Pouco espao existe na Universidade para o bom professor, para a pesquisa
didtica. Em contrapartida, falta espao tambm para o bom pesquisador.
(NOGUEIRA, 1989, p.36)
Com efeito, este estudo encontrou um quadro que se sedimentou aps a Reforma de
1968, indicando que quanto mais envolvidos no meio acadmico e quanto mais tomado por
prazos, pareceres, seminrios e prestaes de contas s agncias de fomento, menos os
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professores universitrios se ocupam de refletir sobre sua atuao na sala de aula. Mais
recentemente nos meios acadmicos, a busca pelas boas avaliaes junto ao rgo de fomento
pesquisa torna cada vez mais esquecidos os espaos da sala de aula na universidade e, com
eles, a profisso docente.
Os estudos existentes se empenharam em construir um saber sobre a profisso docente
no nvel superior, contudo, os estudos que levam em conta suas representaes sociais podem
servir de esteio para o conhecimento da identidade docente e da possibilidade de construo
de uma teorizao que possa tratar das especificidades das questes do ensino em nvel
superior. Por fim, observa-se a necessidade de construo de um novo olhar sobre a questo
do professor universitrio no Brasil.
Desse modo, ao modificar o olhar em relao profisso docente, abordando-a de
outro ngulo, qual seja, atravs de sua representao nos discursos, podemos compreender as
imagens cristalizadas que tornam a realidade objetiva da profisso docente possvel. Assim, o
intento primordial deste estudo consiste em delimitar as camadas do discurso educacional
para conhecer as mudanas ocorridas nas representaes do professor de nvel superior na
atualidade.
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CAPTULO II
Representaes sociais, discurso e identidade
2.1 As representaes sociais: o domnio das imagens
O esforo de investigao que se prope uma tentativa de perseguir a construo dos
sentidos atribudos profisso docente na atualidade para alm da teorizao em Educao.
Compre