augel, moema parente. ficção ou profecia - aspectos da prosa contemporânea dna guiné-bissau

36
Revista de Filatagia Ron¡ánña. Anejos ISSN: 0212-999X 2001, II: 49-83 ISBN: 84-95215-18-7 Ficyio ou profecia? Aspectos da prosa contemporánea na Guiné-Bissau MOEMA PAREN-LE AUGEL Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP). Guiré-Bissau. tiniversitát Bielefeid. Ajemania Dos países africanos de colonizayáo portuguesa, a Guiné-Bissau, - tuada na costa ocidental africana, com urna populagáo de cerca de um milhAo de habitantes espaihados cm 36.000 km 2, pouco mais de iirn tergo de Portugal, é pouco conhecida. Solo de muitas etnias, parte do antigo e po- deroso reino do Kaabu, conta hoje entre os mais pobres países do mundo. Ah, entretanto, deu-se urna das mais renhidas guerras anticolonjais, exem- piar para multas outras lutas libertárias. Depois de onze anos de conflito ar- mado (1962-1973) contra o poder colonial portugués, a Guiné-Bissau de- clarou unilateralmente sua independéncia cm 24 de setembro de 1973. Em lO de setembro do ano seguinte, Portugal reconheceu oficialmente a eman- cipayáo da Guiné-Bissau. OS PRIMEIROS PASSOS No dominio da prosa ficcional, a produ9áo literária na Cuiné-Bissau ainda é bastante reduzida. Parece ter sido Jaime Pinto Buil o primeiro gui- neense a publicar um conto no país: Amor e trabal/jo, no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, cm 1952 (n.a 25, PP. 183-187). Artur Augusto da Sil- va, nascido em Cabo Verde, mas considerando-se guineense, publicon também contos, tanto cm Portugal como na Guiné-Bissau, embora seja discutível inseri-Io, assim como o seu irmáo Joáo Augusto da Silva, no rol dos escritores guineenses. Artur Augusto da Silva (1912-1983) nilo é nenhuin principiante. E au- tor de muitos ensajos de ordem jurídica e etnográfica e portanto náo é de admirar que se tenha exercitado também na prosa de ficyáo. Ainda cm 49

Upload: anderson-frasao

Post on 07-Dec-2015

280 views

Category:

Documents


7 download

DESCRIPTION

.

TRANSCRIPT

Page 1: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Revista de Filatagia Ron¡ánña. Anejos ISSN: 0212-999X2001, II: 49-83 ISBN: 84-95215-18-7

Ficyio ouprofecia?Aspectosdaprosacontemporáneana Guiné-Bissau

MOEMA PAREN-LE AUGEL

Instituto Nacionalde Estudose Pesquisa (INEP). Guiré-Bissau.tiniversitátBielefeid. Ajemania

Dos paísesafricanosde colonizayáoportuguesa,a Guiné-Bissau,sí-tuadana costa ocidental africana,com urna populagáode cerca de ummilhAo dehabitantesespaihadoscm36.000km2, poucomaisde iirn tergodePortugal,é poucoconhecida.Solo de muitasetnias,partedo antigoe po-derosoreino do Kaabu,contahojeentreos maispobrespaísesdo mundo.Ah, entretanto,deu-seurnadasmaisrenhidasguerrasanticolonjais,exem-piar paramultasoutraslutas libertárias.Depoisde onzeanosdeconflito ar-mado(1962-1973)contrao podercolonial portugués,a Guiné-Bissaude-clarouunilateralmentesuaindependénciacm 24 de setembrode 1973. EmlO de setembrodo anoseguinte,Portugalreconheceuoficialmentea eman-cipayáoda Guiné-Bissau.

OS PRIMEIROSPASSOS

No dominio da prosaficcional, a produ9áoliterária na Cuiné-Bissauaindaé bastantereduzida.Pareceter sido JaimePinto Buil o primeiro gui-neenseapublicarum contono país:Amor e trabal/jo, no Boletim Culturalda GuinéPortuguesa,cm 1952 (n.a25,PP. 183-187).Artur Augustoda Sil-va, nascidoem Cabo Verde, mas considerando-seguineense,publicontambémcontos,tanto cm Portugalcomo na Guiné-Bissau,emborasejadiscutívelinseri-Io, assimcomoo seuirmáoJoáoAugustoda Silva, no roldosescritoresguineenses.

Artur Augustoda Silva (1912-1983)nilo énenhuinprincipiante.E au-tor de muitos ensajosde ordemjurídica e etnográficae portantonáoé deadmirarquese tenhaexercitadotambémna prosade ficyáo. Ainda cm

49

Page 2: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moerna ParenteAugel Ficgáo onprofrela? Aspectosdaprosacontemporánea,

vida,publicouem diversasocas¡oesamostrasda suaprosaficcional, cujosecoschegaramatéManuel Ferreiraque‘assim a eleserefere: Um homemque ah vive há la1~gos anos,Artur Augusto,escritor dotado, de origerncabo-verdiana,ensaistado pritneiro númerode Claridade, com cOiflospublicadoscmO Mundo Portugués(dc 1935 a 1936)e o romancede roo-tiva~ño angolanaA grande aventura(1941), tiño passouda fronteira da

Jkáo colonial (M. Ferreira,1987: 101).Um volumereunindoseuscontosestavaprontoparaserpublicadoem

Hissau,peíaKU Si MON Editora, quandoeclodiu o confuto armadodejunho de 1998.A edi~áoda suaprodu9áopoéticafoi lanQadaapenasre~centementeem Bissau(¡997). A sériedc contosqueestácm vias depubiLca9aonaopodeser, entretanto,enquadradadiretamentena «ficg~o colo-nial». Trata-sede estóriasdas mais diferentestemáticas,de excelentequalidade,escritasnum estiloelegantee fluente, muitasvezesde fino hu-more grandecriatividade.Tambémo tratamentofonnal é variadoe seguro.refletindoapenade um veterano.O livro ern apreyoaindanilo tern título,mas urnaamostradessescontos fol apresentadana revista Tcholona,nos6/7,Os hornenslobos. Possoadiantaro título de algunsdeles:Zé Fa-oeca,Oprofesorde História, O últñno viajante,Zeferino. Coisasdo man-do vistaspelorneu barbeiro, O hornero que/o?Deus.

Além dasobrasnomeadas,há aindaproduyóesdediferentesautoreses-parsascmjornaislocais,maso quesc publicouparecesobretudoreferir-seá transcriyilode contostradicionaisdasdiferentesetnias,da fixayáoescritado quese convencionoudenominarde oratura

Náo interessa,nestecspaGo,tratarnemdessetipo de materialnemdaassimchamadaliteraturacolonial e por isso passareiás publicayóespós-in-dependéncia,isto é, ásobrasquedc fato integrarnas letrasguineenses.

DOMINGAS SAMY: A MARCA DA MULHER

Em setenibrode 1993 foi publicadoo primeiro livro de fic® propria-mentedita da Guiné-Bissau:umacoletáneadc contos,da autoriadc Do-mingasSamy,com o título A escola.

DomingasBarbosaMendesSamy,quenasceucm Bula, cm 1955,nánéde todo deseonhecidano campoda literatura, pois participoucm 1990

Sobreo assunto.cf. cutreoutros o artigodelaiciano Caetanoda Rosa (¡993). A mais nl—portante obra da oralura guifleense é o ¡Nro dc Teresa Montenegro ( 995b).

R,’si.ocs Ji’ FiIohs,~h, Ro,,,án¿íu.Anelos2001 [L49-53

50

Page 3: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Patente Augel Ficyáo mi profecia? Aspectos da prosa contemporanea...

com cinco poemasna Antologíapoética da Guiné-Bissau.Além disso,tinhadivulgadoanteriormente,na antigaUniáoSoviética,ondeconcluiuocursode FilologiaRománicacm 1981,poemascm russo,cm tártaroe emportugués,na épocaem que lá estudou.Seuspoemas,entretanto,pare-cem-meantesum exercíciodajuventudequenilo a habilitama integraraincipientepléiadepoéticaguineense.

O mesmonilo dinadasuaficyáo. Estánreunidosno senlivro em prosatréscontosperfazendoum conjuntode 78 páginas:A escola,Maimunae Odestino.Comoamaiorparteda literaturaafricana,oscontosde DomingasSamyestánenraizadosnasculturasquefioreseemno solo do Continente,falam de costumesedo poyo do seupaís.

Em A escola,o conto queemprestao título an livro, osacontecimentosdesenrolam-secm Bissaue envolvema sortede váriasmuiheres,de idades,temperamentose situayóesde vida muito diversos.A autoraconcentrouaímuitasdasquestóesligadasácondiyáofeminina.O choqueentreoscostu-mestradicionaise a moderniza9ioadvindada urbanizaQioaceleradaé tra-tadofiecionalmenteapartir daperspectivada mulher: agravidezprecoce,arejeigio da cnianyaporparteda mie, jovem demaise ansiosapor gozaravida («Quese lixe, essebebé.Por que veio?E só para me estragar avida», p. 6), o comportamentooportunistae levianoda juventudeurbanadirecionadaparao prazere o divertimento(«Confio na miohabelezae naminha capacidadede muiher.Estemundoéde quero ten¡ costaslargas ecuohas/brtes», p. 17), a problematizagiodo aborto (~<Por isso équeeaqaeriafazeraborto», «Masdepoisficastecoro medo,oño é?», p. 6), asi-titayáoda mulher madura,abandonadapelomaridoquevai constituirumasegundafamilia cm detrimentoda pnimeira (c<a casa dois»),o trabaihofe-minino,aabordagemdosproblemasligadosaostabusqueaindaenvolvema síndromeda imunodeficiénciaadquirida(SIDA). Essessilo algunsdoste-masdestecontoqueocupaas vinte primeiraspáginasdo volume.

A estóniaMaimunadesenrola-seno interiordo país,cmGabú,numam-bientepredominantementefula, no qual a autoramesmatem suasraizes.Fía soubemuito bern traduzir a tensioexistentetambémno meio rural,ondeantigose arraigadoscostumesentramcm choquecomurnamentali-dademaismodernae maisadaptadaaostemposatuais,comoporexemploosrelativosá posiyáoda mulbernassociedadestradicionaise á tomadadeconsciéncia,por partede umaaindapequenaminoria de mulheresguine-enses,da necessidadede dirigir com as suasprópriasmíos o seudestino,comose podever no seguintetrecho,na voz deMaimuna: Aquelecabe~a-dura do veiho e as minhasirmús quenáo mecompreendero,elasacharo

sí Ree/sal cte Fttolcmíu, Rcnn6 o/cc,. Anejos2001. tt: 49-83

Page 4: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moenía Parente Auge/ Fic~ño oc profrc la? Aspec tos do prosa cOfltefllporáflecl..

quea estolaéparaoshoroensequeo lugar da muí/teré ero casa (p. 25 es.). A poligamia,o direitode o pai decidir sobreo casamentodasfilbas, es-coihamuitasvezesmotivadapor questóesde interesseeconómico(Eu,Mamadá, passarvergonhapor causade uní garoto queoñopodecomprarcuecasparapór 00 rabo. ¡ssonunca vai acontecer,p.32).a obriga~iodeobediénciaabsolutapor partedasesposase dos fimos ao patriarcada fa-mfhae aoshomeosgrandesdo clásilo postoscm contrastecomo desejodeMairnunade aprendera ler e a escrever,de habilitar-sea exercerurnapro-fissiofora dosestreitoslimites da suamoran~a.E, vencendotodasas difi-cuidades,náoquerendoseguiro destinodesuasinnáse dasdemaismuihe-resda suacomunidade,Maimunaconseguelivrar-se do casamentoimpostopelo pai e escoihercomo marido o homem queela ama. Nestetonto, adescriqiode costumese cerimóniasda sociedadefula constitul um ele-mentopreciosonáoséde informayáo,como tambémdevalorizayáoétnica.

A sociedadecolonial, a arrogánciae o abusodo poder por parte daentilo carnadadirigentee a discrimina~ioexercidasobretudoern relay’áo ámuihernegrasilo tambémtematizadose encontratnsuarnanifesta9iolite-raria na fic9io de DomingasSamy. fvlais urna vez tendoa sorte dc urnamuiher comocentro, o conto O destinositua-secronologicamentenumaépocaanterior aosprimeiros. aindaduranteo períodocolonial, e as suasperxsonagens espelbam a sociedadedaqtieietempo.Mas, comotalvezfossede esperar,a autoranilo Ihes emprestaurn comportatnentoestereotipado.Nilo se repeteaqui o velbo esquemasegundoo qualos brancossilo todosmausesemcaráter,ospretossilo semprenobrese bons.A tramadesteton-to, o mais longo dostrés, bascia-sena situayáobastanteconhecidado Lo-mem brancoqueseduza criadanegraedepoisa abandona,nilo reconhe-cendoo fruto daquelaiigayáo. Mas o filbo, grayasao csforyo da milehumildee pobre,consegueestudare transformat-senum advogadofamoso.Um outro aspectoalabordadoé o dacondiyio do/dhoon fi/ha de cria<ño,geralmenteconsideradoscomocriadoon criadada casa,sujeitosamaustra-tos e semnenhumdireito, nem mesmode freqúentara escoia.No tonto,en-tra em cenatambémum comercianteportuguésqt¡e reconheceo valordeumn dessesflihos de cria~:áo e o ampara.ievando-oparaa metrópole,pos-sibilitando-ihecontinuaros estudos.Há aindao aspectoimportantee deli-cadodo casarnentointerracial,abordadosobóticasdiversaspeíaautora.Naprirneiraparteda estéria,Joáo,o rapazbranco,nánteve coragenidc con-trariar amile e abandonoua africanaAnazinhaparacasar-secom quemaFamilia desejava.ImportantesobressairqueLurdes.anoiva escolitidapeíafamilia portuguesada alta sociedadeguineense(p .37), náoera nenhuma

RévísIcí cli ii/olccglc¿ Ru,múoh-sr Anejos2001.tt: 49-83 52

Page 5: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moen2a Parente Augel Fic~ño ou profecía? Aspectos da prosa contemporanea...

ariana,massimfi/ha de um comerciantesirio bastanterico e de umafidade Boé (p. 41), oquemostraqueos interessesqueregema seleyiloestilo li-gadossobretudoá posiyáosociale aodinheiro.No final do mesmotonto,asituayio se invertee o amorvencetodasas barreirasdo preconceitoe dasregrasfamiliaresde obediénciafilial. E aqui mais uma vez DomingasSamy revelasitatendénciaan~o seguirospadréesmaiscomunsdo com-portamento:é urnamuiherjovem, brancae ricaqueescollteo maridonegroesoctaimenteinferior,enfrentandoa forte oposiyáofamiliar.

Os tontosdeDomingasSamyestáoimpregnadosda preocupagiopeíacondiyio feminina,peíaposiyio da muiherna sociedadeguineensee issojásertamotivo paradespertaro interessedo público ledor. Vivendointensa-menteo momentopeloqualseupaísestápassando,essapreocupagiose fil-tra atravésda suaconscienteáticade mulberede africana.Na Guiné-Bis-sau,depoisda independéncia,comoem todasas áreasem quese verificammudangassoclais,mulherese criangas,asstmcomo grupossoctatsespe-cialmentedesfavorecidos,silo afetadosde modo muito intensonas suascondiyéesde vida. As transformayéestanto no mundoagráriocomona vidaurbana,aconfrontagiocomnovospadrñesde consumoqueVilo surgindo,oquestionamentode comportamernose devalores,assimcomodoscor~ceitosde familia ern mudangae muitosoutrosfatorestrazemconsigournarevt-ravoitafundamentalna interagio social. O confrontocom os valoresoci-dentais,consideradosde maiorprestigionumasociedadeem vias de mo-dernizagio, acarretagrandesconflitos e muitos descaminhos.Muitasmuiheres¡ánio aceitamsemcontestagioo seupapeltradicional nadivisiosocial do trabaiho,na comunidadenemna familia. Novasposiyéese novasidéiasparecemincentivara buscado conhecimentode si mesmae de urnarnaiorauto-afinnagioda individualidadefeminina.

Bastantediferentesentresí, as estóriasde DomingasSamy,apesardainexperiénciada autora,que se reflete tambémna fragilidadeformal dostextos, prendemdo comegoanfim aatengiodo leitor. Verifica-seno con-junto, é verdade,taivezde urnamaneirapordemaisinsistente,um certodi-datismo,urnapreocupa9iomoralizanteum tanto ingénnapor partedaes-critora.Essaintengiopedagógicadeconvencera partirde episódiosque sepretendemrealistas,separandocorn métodoo berndo mal e concretizando-os atravésde exemplaresligóesde moral, admoestandotacitamentecontrao erradoe incentivandoa trilhar o bomcaminhoatravésda exaltagiodasvirtudes,está,comefeito,disseminadaaolongo de todosos trés textosqueDomingasSamy apresentaao público guineense.Também incomodaurnpoucoo discursopor demaisenfáticoe repetitivodandoum lugarde des-

53 Re ‘[vta dc Ii/dÁogíc¡ Ramániccí Anejos200t. II: 49-83

Page 6: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moenza Patente Angel F¡c~áooíl profi’ciai> Aspectos da proscí conteniporanea...

taqueá instruyio,ao valor intrínsecodaestolae de urnaboaformayio pro-fissionai: Epor ¡ssoquetiño me canso defalar convosco,de vospedir queseagarremcoro unhase tientesibos inros, para que¡n.ssaroaroanhacoro—prarpdocorn o russoproprio suar e osvossosfdhosvcnhan¡a ter no fa—turo boa comida,boa casa (ib.: 15), aconseihaNha Santao seufilito Ne-gado, no tonto que dá o título ao iivro. o que está na mesina linhaedificante,constituindournadasconstantesdos tréstextos, náotendosidocertamentepor acasoquea autoratenhadenominadoo seuiivro de A es-cola. Entretanto,é precisotambémlevarem tonta o quantoé desoladoraepreocupanteaextremadebilidadedo sistemaescolarguineense:aoladodalaltade instituiyóesde formayio e do baixo nivel de preparagiodos pro-fessorcse da inadequayñodoscurrículos,emparelltam-seo alto índicedeanalfabetismoe a baixaescolaridade,o éxodoescolare muitosoutrosfa-tores. A constiénciadesselatnentáveiestadodo sistemaescolardo seupaíse a visio das tonseqtiénciasdai advindaslevaramtalvez DomingasSamy,elamesmanaépocaprofessora.a umatal énfase.

Certamentese poderlaprocedera uma leitura maisexigentedestelivri-nhoprimeiro,criticandoos rnuitosdeslizeslingilisticos, a poucaprofundi-dadena caracterizayáodas personagens.a falta (le densidadedastramas,umacerta ingenuidadedasestóriasou a escassezde inovayáoestiiística.Tambémseriamotivo decomentáriosaquelainteny~odidatizanteque levouaautoraa foryar um poucoa transmíssaode «rnensagens>s.debilizandoofluxo ficcional. Paramim, apesardetodasas restriyées,foi com prazerquetravei conhecimentocomostontosde DorningasSanty.

ABDULAI SILA, PIONEiRODO ROMANCE GUINEENSE

Abdulai Sila destaca-sena literaturanacionaltomo o pioneiro do ro-manceguineense.Inaugurousuasatividadesde prosadorcom Eternapaixúo (1994), a que se seguiramA última tragédia (1995) e Mistida(1997), todospublicadospeía KU SI MON Editora, a primeiraeditorapri-vadado país.

Nascidoem Catió cm 1” de abril de 1958,Abdulai Sila é engenheiroeletrotécnico,tendofeito a suaformayio cm Dresden.na Alemanha,ondeviveu porseisanos.A vocayiopelascienciasexatas,porém,¿ apenasumadasfacetasda personalidadedestehomeminvulgar. Abduiai Sila faz partedo grupodejovensdosprimeirosmomentosda construg~odo país,jovensquenáoficaram apenasno sonho,na elocubrayáode utopiasinatingíveis.

R visía cli Filc,lcsg/o Rcnncinicca Anejos21.10 t, ti: 49-83 54

Page 7: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Fictáo ou ptofecia? Aspectos da prosa con temporanea...

Em Bissau,foi um daquelesqueconstituiramo pequenonúcleode intelec-tuaisfundadoresdo InstitutoNacionalde Estudose Pesquisa,o INEP, ms-tituiyáo queatéhojecontinuade forma independentea pesquisasocialnaGuiné-Bissaue gozade renomeinternacional,apesardeter tido seuacervobrutalmentedestruidoduranteo recenteconfito arnudo(1998-99).

A críticaao abusodo podere ao sistemapolítico vigenteno país,a de-silusio faceaosideaisrevolucionáriose libertáriostraídose desprezadossiotematizadaspormuitos escritoresafricanosda gerayáopós-independéncia.Muitos delesfizeramumadenúnciaabertae desapiedadatanto da desmora-iiza~ilo dos governantescomodaburguesiaafricanaatuantenosapareihosdoEstadoe naeconomia.Todosessesescritores,atravésda fityilo, muitasve-zeslanyandomio de umafina ironia, póemadescobertoainconstiénciae ocinismodaselitesdetentorasdo poder,corrompidase apenascentradasnospróprios interesses,completamenteafastadasdo poyo e dos ideaisque asmobilizaram.A literaturanegro-africanade 1960 em diante,diz Midio-houan,nio importade quepontode vistasejatratada,éo reflexo do fracas-sodasindependénejasafricanas(1986: 148). Surgeurnanovatorrentequesepreocupaem desvelaras tarase osantagonismosda sociedadeafricanadepoisdasindependéncias,o quese podeinterpretarcorno avontadedoses-critoresde influireme participaremda construyiodanayáo.Lanyandomaodosmaisdiversosrecursosliterários,predominaa tentativadedevolverá so-ciedade,tomoum espelbo,a suaprópriaimagem.Até aospróprioschefesdanac§osiLo prodigalizadascríticase«liyóes»(ib.: 164).Ea literaturade de-núncia,na suaatepyilomaislarga,urnadasfacetasda literaturaengajada.

UMA APOSTANA ÁFRICA E liMA ETERNA PAIXÁO

lima dasoriginalidadesdo primeiro romancede Abdu(ai Sila ¿ tertomoprotagonistaum afro-americanoqite imigraparaaAfrica, numdesejode retomarás suasraizes.Paraosdescendentesde africanosnasAméricas,marcadospeloestigmada escravidio,a imagemda África representaumpapelde sumaimportántia,se bernquede modonenhumuniformee único.

Todo aquejequeconhecea literaturami amúsicaafro-americana,afro-antillianaou afrobrasileiraexperimentoutambémaemoyáotransmitidapelostextosreferentesáÁfrica. África éfreqílentementesímbolodeum passadofe-liz e sern degradayio.sinónimode umaépocade equilibrio e de Itarmonia,em quea ordemsocialaindanio tinhasidoalteradapelotráficodcescravos.É o lugar da liberdadeanteriorá escravidioe porextensioda liberdadeda

Roc ss/a aY’ /d<u/rsg,a Rmcch&c -a. Acicju,s-20t)t II 49.3355

Page 8: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Fic<do <rn profecía? Aspectcss da prosa contemporánea...

opressiosocial, dasmisériaseconómicas,de redenyio.Nascidoe triadoemalgumapartedo Novo Mundo, é cornumo afrodescendentesublimarsuasfrustra~ñesecatapultarseussonhosparao outro ladodo Oc-cano.O pal deDaniel foi assassinadopeíaKu Klux KJan,a infAncia do protagonistafoi sa-crificadae insegura,o quecorrespondeá história de tantosnegrosamerica-nos: Pidohá política nenhumana Américapara osajro-amerícanos.Aspor-tasestñotodasf¿’chadas(p. 84). MasDaniel, corn a vida que escolbelevardepoisde emigrar, sente-serecompensadode todasas humulhayóese difi-culdadespor quepassoua pontode auto-identificar-secomo africano,ne-gandoserestrangeiro.apresentando-secomojdhode emigrantes(p. 105).

Parao protagonista,primeiramente,tal comoaconleciacoro a quaseglobalidadedosafro-ame;-icanos,a Africa e;a qualquercoisade atrasado,ruim, horrível, cuja referénciaconvinha evita;’ semprequepossíí-el(p.33).Náo é por acasoqueé justamentea partirdasegundantetadedo século,con>as lutasde independénciadospoyos africanose maistardecomo crescenteprotestocontraa segregayioracialnaÁfrica do Sul queo continenteafricanose vai tomandomaisconcretoe maisconhecido,verificando-seumanovaar-titulayáodegruposnegrosno mundointeiro eurn recrudescerda literaturadcexpressilcinegra.Essalomadade tonstiéntiafez o estudanteDaniel olIvar aAfrica igualmentedeforma maisconcreta,sejaporpassara reconiteterasra-izes dassuasorigens(É O nossocontinente,o ¡en-adosnossosavás,p. 34),sejapeíaempatiaqueunetodosos quelutarn i~cla liberdadeou contrao ra-cismoe todasas formasdeopressáo.Assim,as guerrasde iibertayio tizeramenfocara Africa numanova ótica. contribuiramdefinitivamenteparaa mu-danyadessaimagemnegativae vergonltosa.Parao protagonistaDaniel, osacontecimenlosempoigantesdo inicio (le umanovaerado continenteafrica-no lcvaramo afrodescendentea sentir-senAo apenassohdário.masmaisaín-da, umaparteintegrantedessemundo,impeiindo-oa lá ir viver, convencidode seraquelaa terraparaondequalquerdio a gentepoderegressar(p.34).

Em Eternapaíváo.o autorapresentauma‘Isio críticae sen>ilusdesdaépocapós-independénciano seupaísaLavésdasvivénciasdo afro-amen-canoDaniel Baldwin que, depoisde formar-secm engenheiroagrónomo,influenciadopelasidéiaspan-africanistasde MarcusGiarveytemigrapara

Mareus (iarvey t 887—1940), jamaicano. apojon a tiiia dos airo—americanos cm pi-ot demenos discrimina~áo e major jusrig¡ sociaL Fol o ideajizador do Pan-Africanismo e fundador dauniversal Negro hnprovenwnt iisso-iotio,, (¡9 [4), que esteve á frente (le Oc” movimento que pre—conizava a volta á África (Conw bock to A/tic o). te grande reperco ssáo mis décadas de vinie etrinta nos Estados Unidos.

Ncc/sa, cié Ii/cctngia R,,o,6,,/c -ci. Anej,s2(tot. ti: 49-83 56

Page 9: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moena Parente Auge! Fic<áo ou profrela? Aspectos da prosa contemporanea...

um paísafricanocujo nomenáoérevelado,dispostoa contribuircom seusconhecimentose seutrabalho paraa construyiodaquelanayáo,livre dojugo colonialista.

NosprirneiTosanostudo tonemuito bern,o idealismode Danielpodeconcretizar-senumtrabalhoútil e reconhecidoem prol do desenvolvimen-to do paísqueelegeu.Casa-secomRuth, urnaafricanaquetinhaestudadonos EstadosUnidos, muiher de muita personalidadeeboaformayáopro-fissional.No entanto,ojoven> casalvai passarpor diferentesevoluyóes:en-quantoDaniel seafricanizacadavez mais,encantadocon> aculturae como poyo quedescobree passaaamare a respeitar,Ruth se afastapoucoapoucodassuasorigense dos ideaiscomunsa ambos,desenvolveum gostodirecionadoparaos valoresocidentais,distanciando-seinclusivedosprin-cípiosmoratse ideológicosqueantesa norteavam,pactuandotantocomacorrupyáocomocoma perseguiyiopolíticadaquciesquenilo comungavamcom aorientayáodosdirigentesda nagio. O casalse desentendee a sepa-rayio é inevitável.

O regimepolítico vigentetoma-secadavez maisopressivo,sin própriamuiherse envolvecm irregularidadese no abusodo podereDaniel, depoisde ter sido perseguido,presoe torturado,já separadode Ruth, decideins-talar-secm Woyowayan,a tabancade origem de sua antigaempregadaMbubi, outra figura femininaquedesempenhaum papelmuito importantena trama romanesca,mulher de meiaidade,guardiádas tradiyñesdo seupoyo queproporcionaa Daniel consoloe apoio. Em poucotempo,aquelepequenolugarejo transforma-senumacomunidadeexemplar.A famadaprosperidadede Woyowayanchegaaté acapital e,comoa situagiopolíticasemodit~icara,urnavez quesopravamos ventosrenovadoresda democra-cia, Daniel é convidadoa integrar o novo govemoe a pór cm práticaasidéiasquetinhasobrearecuperayioda economiado país.Acabapor acet-tara tarefaqueIhe queren>confiar mas,depoisde algumtempo,sentequeseaverdadeirolugarécm Woyowayan,suaeternopaixñoé defato aqueletrabalhopioneirono modestolugarejo.

WOYOWAYAN: PROJECÁODO FUTURO

Á primeiravistaum locai ficticio, produtoda irnaginayáodo autor,Ab-dulai Sila tirouo norneda comunidademodelode Woyowayando lugarejoWoyowayan-Ko(cujagrafiapodevariar:Wéyá-Wéyilnkoou aindaWéyán-ko), situadocm território da atual Guiné-Conakry,nasproximidadesdas

57 Rey/sta dé riIcctcn<ía Románica. A ncjos200t. II: 49-83

Page 10: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Fic(áo ou profhia? Aspeé -los da prosa c -onleinporanea..

fronteirascom o Mali. Lnspirou-seno episódiohistórico ligadoágestadeSamoriTuré(i 830-1900),un> dosmatorese maisfamososchefesafricanos,ferrenhoe incansávelopositordo dominio francésna África Ocidental,fi-nalmentevencidoe aprisionadoem 1898. Apesardo desfechopoucofavo-rável da sualonga e movimentadavida, continuaa ser respeitadoe cele-bradocomo um dosmarcosda resisténciaafricanaá dominayaobranca.Aiicm Woyowayan-Ko,segundoinclusive a tradiyio oral, perpetuadapormuitascanyóese lendasaindahojevivas no seiodo poyo,um irmio de Sa-mori Turé,quechefiavaum dosseusexércitos,tena(lerrotadoos franceses.depoisde gloriosabatalha,ern 2 de abrii de l882~.

Woyowayané fity~o. semdúvida,masfundeadana verdadehistórica.Woyowayané maisquesimplesmenteo sonhoutópico de Abduiai Sila (Aí’ida ero Wovowavanmudou.Mudou profundamente.Depois/61 a i’idadastabancasvizinhas.Era comoo/ogo numala la na c’staQaoseca,p. 130).Em meio ao atordoamentogeral,é a suaprojeyiodo futuro, o sinaí da suateimosia,a suaeternapaixio. A partir do esboyode urnasociedadeideal, aaideiaWoyowayanreflete tanto a visáodo autora respeitoda política,daeconon>iae da organizagiosocial de urnacomunidade,quantoigualmentereveíaseuposicionamentofaceá realidadeque o rodeja,diagnosticandoosmalese as mazelasdessarealidade,recusando-sea resignar.Abduiai acre-dita—e nosestirnulaa acreditar—na possibilidadedeurnatransformayio.Nilo é por acasoqueo autorescolheuurnapequenaaldeiatradicionai paraah fazerseuheréirealizarseuprojeto de desenvolvimento,numaanteci-payáo do quebojecm dia tantospensamparaaAfrica: urn respeitoe un>aproveitamentodo tradicional conjugadoscom aapiicay~ode um modelode desenvolvimentointegradoe adaptadoás reaisnecessidadesdo país.E,se nRo é possívela conipícta hannonia,pelo menosé imprescindíveloempenhoda sociedadecm aproximar-sede urnamaiorperfeiyáo.

O professoramencanoRussellG. Hamilton vé em Eternapaliño ummito do heréinacional,comsobrctonsde parábola,de fábula(R. Hamilton,1996: 75) e dealegoria.con> a intenyio dechamaraatenyáoparaas realida-dessociaise políticasdahistériacontemporáneaafricana(ib.: 83). 0 amorin-condicional—e suaeternapaixóo—pelo «edénicomicrocosmode Woyo-wayan»(ib.: 81), constituiurnaespéciede válvula de escape(ib.) parao autordessanarrativa—um romancecomourn¡nito deproporyóesépicas—emqueo cursoda históriaafricanaadquireun> significadoideológico (ib.).

Sobre os aconteclínentos históricos tigados a essa balaiha. cf. Yves Person. t, t 9(38, pp. 407e ss.

Reí/cta dc 1//a/cg/a Rcnnáaií a- Anejos200t . tt: 49-83 58

Page 11: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Paren/e Auge! Fic{áo ou profrcia? Aspectos da prosa contemporanea...

Se ben> quese reconheyacm certaspassageíisqueestamosdiantedeum trabalhode estréia,o romanceEternapaixño,comsuascentoe quarentae tréspáginas,é urnaobrapromissora,e isso nilo apenasno sentidoliterário.Abdulai Sila dominacom seguranyaa arte decontar,sua linguagen>é co-lorida e originale o narradoroniscienteconseguefazercon> queo leitor ealeitora se sintamtransportadosao palcodos acontecimentos,acompanhan-do participativamenteas peripéciasde Daniel Baldwin.

A ÚLTIMA TRAGÉDIA

Un> anodepois,Abdulai Sila contempiao público guineensecommaisum romance.Trata-sedeA última tragédia,cujatramaétecidaen> torno deNdani,ajoven>quefugíu aostreze anosde umaaldelade Biombo, tentan-do escaparda sinaque Ihe fora vaticinadapor un> curandeirode que eraportadorade má sorte; tendochegadoá capital,conseguiutrabalbocon>oempregadadomésticacm casade um casalportugués.

Na capital,a jovemteve o destinode grandepartedasmeninasquescempregamcornocriadas:aprendeubastantebemn~o sóa linguacomooscostumesportugueses,foi batizadae catequizadapeía patroae violadapelo patráo. Mais tarde,foi escolhidacomo a sextaesposado régulodeQuinhamel,un> cliefe muito respeitado,cheiode sabedoriae idéias muitopessoaisde liberdadee dignidade.Mas Ndanifoi porelerejeitadana noitenupcialpor nilo sermais virgem.Do conítecimentocomo jovem professorda tabanca,formado na semináriocatólicoda capital, idealista,altivo ededicadoao seutrabalho,nasceua paixáo da vida de ambos.Depois damortedo régulo,parternosdois paratentara sorteem outraparte,na cida-de de Catió. No meio da felicidadequejulgavamter conquistadoparasempre,rodeadosdos filbos, ambosúteis e respeitadosna comunidadeondese tinhan> integrado,um atrito duranteum jogo defutebol faz o filborepetirahistóriado pai: nilo aceitandoas ofensase a agressáocorporalqueo brancoIhe fez,o professorreagecom igual agressiofísica.A vinganqadapartedo poder local nilo se faz esperar:é acusadode ter assassinadoo ad-ministrador, misteriosamenteencontradomoflo. De nadaadiantaramasprovasda suainocénciae ele foi condenadoe degredadoparaSilo Torné.Amaldiyio quesempreacompanhouNdanidestróia suafelicidadeecontinuaapersegui-la.

O autor ultrapassouaqualidadedo seu livro de estréia,escrevendocon> maiselegáncia,desenvolturae seguranyado pontode vistado estilo,

59 Reí/vta di: EiIísIcn<ía Rumánjí -a. Anejos200t. tt: 49-83

Page 12: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Paren/e Auge! FIé5áo o:, profrc,a? Aspectos da prosa contemporánea.

da caracterizayiodaspersonagense da pinturado ambiente.Abdulai Sila,situandoosacontecimentosno períodoanteriorá independéncia,mostra-seespecialmentehábil en> retratarcenasda vida cotidianatanto da cidadecomo dospequenoslugarejosinterioranosdo seupaíse cm captaroscon-flitos entrea mentalidadedo colonizadore a dosnacionais.Cedasparticu-laridadescontribuemparaumamaiorexpressividadedosquadrosesboyadoscorno,por exemplo,a decisáodospatróesportuguesesde mudaro nomedeNdaniparaDaniela.incapazesde aceitaremo verdadeironomeda mocinha,paraelesestranhoede difícil pronúncia.E con> urnaponíade ironia queoautor emprestaa voz á senhoraLinda, a patroa, que«explica» ir criadaguincensearazáodaprescnsadoscolonosportugueses:ovemostíos os <‘it-

ropeusquenr para a Africa, ensínara reiigiaocrista e salvarosvossc¡sal-mas(p. 26). Imbuidadesschistórico dever,nilo percebeuque ir á missaonir catequeseeraparaNdanicomo lavar prato su/o. istoé, niro passavaparaa jovem de uro trabaihoquecriado tinha que/ózcr por obrigayño,nadamais(p.38).

Os trésdiferentescaminhospercorridospor Ndani exen>plificarnosdestinosda muiher africana:como criadadependentedos patróesestran-geiros,comoesposanum casamentotoryado,como mulher independentequeescolbecia mesmao seucompanheiroe enfrentatodasas convcnyéessociaispor esseamor. Mais urnavez Abdulai Sila sabeemprestara essafi-gurafeminina,cornoo fez anteriormentecon> Mbubi, umaforya simbólicae catalizadoraqueimpregnatodaa tramaromanesca.

A verdadeiraidentidadedo Professorpermaneceencoberta.Seuforneniro aparecee o romancejá val adiantadoquandoele¿ apresentadocornofllho de ObemKa, um camponésde famalegendária,cuja altivez o levou irmortee quepermaneceuna memóriacoletivacomosímboloda resisténciae rebeliáncontraos atosde injustigada autoridadeinstituida(p. 87). 0 pro-tagonista,educadopelospadres.foi primeiro fruto da m¡ssaoevangeliza-dora dos colonizadores,assumindoele próprio o elñ missíonaríonelein-culcado,evoluindo depoisparaurna independénciade pensamentoe deayáo.onsadiaquedic custouo degredoe a morte. Aqui, o autortrayaa fi-gura do africano que se aculturae incorpora os valoresdo colonizadortransformando-senurn «bon> cristáo»,masnen> por isso desprezaas suasprópriastradiyóes.O Professoré un> hornen>digno e senideal comomestreniio é transmitiraosseusalunosa culturado branco,massobretudoinstru-mentá-Losparaenfrentaras mudanyasda modernizayiroquenilo poden>sermais evitadas.A populayáoestranhouqueeleniro ficasseamigodo Chefe.ja queeramduaspc’ssoascoro escola,portarito, coro pensaníentoparecido

Rcv/sta di Ii/o/u gía Rooíán/c -cl .

túíc ¡civ2001.ti: 49-83 6<.)

Page 13: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Mocmna Pareare Angel Fic~:ño oi-i profecw? Aspectos da prosa contemporánea...

(p. 85). 0 Professordeveriater interessenessaantizade,parapoderriostraraosoutrcsqueelenño era uro indígena,massim um assimiladoe talvezatéuro civilizado (ib.).

O Régulo Bsum Nanki, niais aindaque o Professorou Ndani, seriacomoquea ilcarnagiodacontestayioe da resisténciainteligente.Sen>re-cusarabertarnenteas regrassociaisvigentes,rebela-secontudocontraa si-tuaqiopolíticaestatuidapeíapresenyado podercolonial e eneontrametosde opor-sesubrepticiamenteesemalardeao opressor:contra-atacandoaochamaro administradorde Sanchoen> vez de Santos,valendo-seda ig-noránciadaqueleque,desconhecendoa língualocal, sómaistardeentendenaagressáodc ser cognominado~<n>acaco>~,pois o vocábulosantchutemessesignificadoen>crionlo; ou quandose decideaconstruirurnaimponentecasa,superiorir do chelebraneoe atémesmournaestola,fazendoface sub-versivamenteir ideologiado poder colonial,quenegavaeducayiioaos«na-tivos»ou «indígenas»,tendoconseguidoconvencera senhoraDonaMariaDeolindada necessidadede se ter urnainstituigándeensinona pequenalo-calidadede Quinhamele alcanyandoaté mesmoqueparaah mandassemum professornegro,porelemesmoescoihido.

Paratentarcompreendero fracassoda independéncia,o escritorval re-tomaraoperíodocolonial, procurandoal umaexplicayáoparaa origen>e ascausasdos malesatuais.ComodisseCarlosLopes,«o romancede Silaéurnailustrayiodo debatede classesnumasociedadedominadapeíarelagiocultural,política e económicadasrayas»(C. Lopes,1 995a: 18). 0 Réguloéexemploda resisténciados pepéis—e nilo sé—contrao jugoopressor.Éatravésdo testamentodo Réguloqueo autorfaz transparecersuamensagempolítica.As idélasdo RéguloEsun>Nanki, bastanteevidentes,sio expostasde formapitoresca,e se poden>resumircm poucaslinhas:duascabeyasva-1cm maisdo queurnasó; todocorpo ten> urnacabeya;nio é por acasoquea cabeyatem séumaboca,masdoisolhose duasoreihas;o régulodeveterconselheiros,outrascabeyasqueo ajuden>apensar.Con> bonsconselbeirosnilo se precisade polícia.Sépodemandarquen> sabepensar.Siro osmora-doresda tabancaqueescolben>o chele,mas¡ssonaosio eleiyóes,pois essainstituiyaodosbrancossé traz confusio(Pp. 91-95).Masháaindaoplanodo Régulo,urnaestratégiaparaexpulsaros invasoresda terraquenio Ihespertence.Masesgeplanonilo chegaaserrevelado,o ~<homemgrande»mor-re con> sensegredo.

Pode-se,a rneuver, falar de urnaopqáoideológicadaescritacmA úl-lima Ira gédia, quedeterminono estilo do rornancistaAbdulai Sila,orien-tandoseuprojetoe suacomunicayáohiterária.De modonatural,o autorin-

61 Réí’iv-tcs dc FiloIc,ghí Rc>mciniccí - Ancjos2001,¡1: 49-33

Page 14: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Angel Fi<áo o,, pro/hia? Aspec-tox da píos-a conícntpoun-¡eo

sereexpressdesem crioulo no fluxo narrativotui portugués,empregacomespontaneidadevocábulosqueíém quever coni o universoguineense:re-fere-seaos 4/ambacus(feiticeiros) e aos balobciros (chefesreligiosos),quedetémo podersagradoda comunidade;integracerimoniasanimistassemfoiclorizá-lasou cenasondeoshomensgrandesou o balobeiroe osirñs, isto é, as divindades,tém lugar dc destaque.Cadanula daspersona-gensprincipais,uesteromancede Abdulai Sila, é portadoradeun> registrolingiiístico diferente,tornandobern tiara a proveniénciae o contextodecadaurna.O autorapresentaornenredamentotextual ondese alternamdi-ferentesníveisdiegéticos,fazendocomquea narrativaganhedinamismoeveracidade.Parafugir ir linearidadenarrativa. Abdulai Sila recorre fre-qúenternenteao monólogointerior, manipuladocorn habilidade.

Abdulai Sila centralitaa ayáodramáticaprimeiro nos esforyosdeadaptayáodajoven> ir vida na capitalda provincia,enquanioa segundapar-te gira en> torno do Régulode Quinhantele nuní terceiromomento ressaltaa presenyado Professornegroe seusdescaminhos.Desvendaa vida naal-deja,os usose costurnesdo poyo naspequenaslocalidadesdo interior. Noromance,destaca-setarnbémum ontro aspectoimportante,que¿a presenyado colonizador,corn todaa suacargade injustiyae prepoténcia,ora narra-da atravésdasdiferentesvivénciasda jovern Ndani, do Réguloe do Pro-fessor,ora atravésda ayáodosprópriosbrancos,nadaenvaidecedoraparaeles, ou aindasemnegar ou minimizar a desabonadoracolaboragilodeninitaspessoasdo lugarcon> os estrangerros.

CitandoCarlosLopes,hojeen> dia na Guiné-Bissauapresen~abranca,no romancefixadapelochefede postoou o polícia. foi substituidapeíadoscooperantesinternacionais.Tantouns cornooutros recorren>ir prestayaodeserviyodosenipregadosne-gros,fazencloperú/toara velayao de classede-terminadapeíacor do pele.

Tanto a personalidadedo réguloBsum Nanki, na suasabedoriade Izo-merograndee de chefe,ciosoda prépriaautoridade,preocupadocornajus-tiya e com o bern estarda suacornunidade,cornoa tigurado professorjo-vem,idealista,altivo e consciente,constituen>urnaprojeqirodo autornumaesperanyaparao futuro do seupaís.A humilbayáodo réguloe a prisáoedegredodo professorsáoum desfechorealistaparao romance,quesepre-tendeespelbode urnasituayilo históricaverdadeira.Assim,o autor,quedáao seuromanceo título deA última tragédia, parececoni issoquereres-conjurarosdemóniose pretender,peíaayáodasuaforya criativa.que o dra-ma de Ndani sejaaderradeirainfelicidadea abater-sesobreo poyo guuxie-ense,ávido de liberdadee dejustiya.

Pci-ir/a dc Pi/dorio Roniá,íico. Anejos200t. II: 49-83 62

Page 15: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Eic§o ou projcc/a? Aspectos da prosa contemporanea..

MISTIDA: FIC§7A0 OU REALIDADE?

Em junho de 1997, foi lanyadoo terceiroromancede Abdulai Sila,Mistida, maisumavez urnaediyio da KU SI MON, quecontinuaa únicaeditoraprivadado país,em atividadeapenasdesde1994, constituindoo seudécimoquintotítulo publicado.TambémAbdulai Sila continuavaa ser,atéessadata, o único romancistado país.

Destafeita, Sila abordaum momentohistórico atual. Un> dos trayosmatsmareantesda evoluyáoda produyáoliterária africanaé o interessepeíaquestiodosnovospoderesa partir da independéncia.Numafaseanterior,dominavaa dicotomiaentreaÁfrica antesedepoisdo colonialismo.Hojecm dia, aoposigáose faz entreos sonhosde paísemancipadoea triste re-alidadereinante,ojugo de governantesinescrupulososdepoisda liberayion~odiferindodo jugo colonialista.Os escritoresquetematizamessascon-tradiyñesprocuran>captaragénesee asignificayáodo complexofenómenopolítico que se estádesenvolvendoen> certospaísese póemen> dúvidaapertinénciadas antinomiascolonizagio/descolonizayio,dependéncia/in-dependéncia.A constatayilodo caráterproblemáticodaemancipayiopolí-tica, con> todaasuacargade desilusóes,despertao escritorparaumacedarelativizayáodosvalores.A identidadecultural continuaaprocurarrneiosde desenvolver-se—e mesmodefinir-se— o que nilo aconteceucorn osimplesato da independéncia.Tem que ser asseguradanumaluta penta-nentepeíaautodetenninaqáo,tendoquecontarcomelementosperturbado-resadversosvindos do subdesenvolvimentoe da necessidadede rnoderni-zay~o.

Sente-seclaramenteurnaevoluyio em Abdulai Sila, umanecessidadede rompercon> aescritatradicional,procurandoumanovaestética.Um dostrayosmatsmareantesdessenovo romanceéa recusair linearidade.O ro-manceMistida ten> dezcapítulos,dezestórias,dezdestinos,dezmistérios,comoum jogo de encaixes,comumamontagen>estruturadaen> dezblocosde diferentesfalas. Nilo há centralizayáoem tomo de cedaspersonagens,nem de un> herói. A diversidadeintencionadapelo autor correspondeirdiversidadee ir complexidadedasestruturassociaise políticas da Guiné-Bissau.

Cadaepisódiopode ser lido separadamentee constitui urna estóriacompleta,nen> semprehavendoir primeiravista umaligayáológicaentreoscapítulos.Tudo écuidadosamenteestruturadoepensadonos mínimosde-talhesnesselivro intrigantee instigante.Cadacapítuloobedecea urna es-trutura paralelae semeíhante:um mini-texto introdutório, cm cursivo, de

63 Ríí’iitu de EjIo/cigía Ro,ííchíic -a. Ancjoií20{ii, ti: 49-83

Page 16: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Fic<áo en prqfr<ia? Aspectos da prosa contemporánea...

naturezaespeculativa,que introduz simbolicamenteo episódioe terminaquasesemprecom urna interrogayio;cadacapítuloten>, depoisdo título,urna epígrafe,constituidade versosde algumacanyáo,em crioulo, en>mandinga,en> portuguésou en> inglés,e quenáoestáoah poracaso.Os ca-pítulos trazemum elo de ligayáo: em todoseles,a personagen>principaltern umaimportanteroistida a safar. isto é, urnatarefa urgentea sercum-prida, un> negócioinadiávelasertratado,urn certoeenigmáticoempreen-dimento a realizar.Em cadacapítulo interagen>duas personagens.rara-menten>ats.De caracteresantagónicos,contraponteiam-semastambén>secompletam.Quasesempreo antagonismoé resolvido, o capítuloterminacomun> re-conliecirnento,umaaproximayáocordial daspersonagens.

Desenvolvendoa ay~io em torno de um roubofora do comun>—o rou-bo da memória,sema qual a História n~oé possivel—o autor retratacmMistida diferentesconseqtiénciasdessaperda. Essccrime metaforizadocorrespondeir realidadede um país, talvez imaginário,ondefoi ceifadaaesperanya,as pron>cssasforarnqucimadas,averdadeadiadae se cantararooshinosda ¡-‘ioléncia (p. 155).

Cadavez novosprotagonistas—anti-heróis—-apresentarn-secnt sí-tuayócsaparentementeirrealistase irs vezesmesmochocantes,represen-tantesdadesestruturaqiopor quepassao país,procurandonicios deescaparir aniquilayáodadesesperanyae cadaun> a seumodomostrandoas seqúclasdaquelecrime inicial: un> delesperdeo domda palavra.outro perdeaca-pacidadede ver, un> outro de ouvir, muitos mesmode sentire. na medidaem queo livro evolui, os sinais dc deterioraqáoe decadénciatornan>-secadavez mais evidentes.

O autorpermitequeaconteyamsucessose ¡nsucessosas suaspersona-gensqueparecen>ás vezesbastanteincomuns,ultrapassandoas raiasdo ve-rossímil. Pode-sedizerqueen> Mistida há trayosbastantenítidosdo realis-mo maravilhoso,movimento ou estilo hiterário até agora atribuidoessencialmenteir literaturalatino-americana.SegundoIrlemar Chiampi.há quefazera distinyáoentreo realismo,o rnaravilhoso,o lantásticoe o re-alismomaravilboso(Chiampi, 1980: 13). Essaautoravai procuraro signi-ficadode maravilboso,lembrandoquena suadefinigio lexical, n>aravilho-so é o extraorchnc¡rio, o insolilo, c) c~íic’ c’scapc; cío curso ordinario dascoisasedo humcmo[...] A extraordinaric’dadese constilulda/tequencíaOh

densidadecoro queosjatoso;; osobjetose.vorhitam as ieis’f>’shas e osnor-mashumanas(ib: 48). Segundooutraaeepyáo.o maravilhosonadatenaquever con> o humano,sendoo resultadode utna intervenyiode seressobre-naturais,pertencendoa outrasesferasque nilo podernter urna explicayío

Nc -¿cta di-: ¡uIok,ícuí Rúoicinica Ane os20/it, tI: 49.83 64

Page 17: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Paren/e Augel Fíc~do ou profec:ía? Aspectos da prosa contemporanea..

natural.Mesmosernnosdecidirmosquantoa umaou a outradefiniyáo,am-baspodemservaliosasparaa compreensiodos acontecimentosnarradosemMistida.

O recursoao imaginário constitui um dos aspectosinovadoresdessanovaescritadeAbdulai Sila,quepretendedesceraomaisfundodo serhu-mano,penetrarevasculharno mundointeriorparadaí procurartirar talvezaessénciado mal. A narrativade Sila em Mistida rompecom os limites doadmissivel,desarticulaqualquerlógica,penetrandona loucuraeno delirio doqueo autorpensaestaracontecendono momentohistóricoatualcm Africa.

Pararealizarseuprojeto literário,o autorlanyamaode un> processonar-rativo que se apoia tanto no absurdoe no fantásticocomo no real mara-vilhoso, na ironia etambémno humor,ondea intengiosatíricaé evidente,tan>bémvisando acorreyáoe o melhoramentodo comportamentoe damentalidadedos agentessociais.

OtermoMisiL/a, sen>explicayioen> partenenhumado livro, ten> vá-rtos significadoseSila joga intencionalmentecoma suapolivaléncia,en>-boraparaqualquerguineenseberninformadosejabastanteclaraasignifi-cayiodesejada,escolhidapeloautor.A palavravemdo verbo misti, muitocomun> cm crioulo, con> origen>bemclarano portuguésantigo, do vocá-bulooriginário do latin> ministe¡-ii(est), remanescenteaindanasexpressóeséde mister,émister, tendoentreoutrasacepyóes,a de «oficio,ocupayio>Y,<oneumbéncia»,ny «propósito,nieta,fu» (cf. NovoDicionário da LínguaPortuguesa,de Aurélio Buarquede HolandaFerreira).Mistida, segundooVolcabuiari kriol-portugis de Biasutti (1982), significa vontade,cobiya,necessidade,enquantoqueo verbomisiléusadona acepyáode querer,pre-Jérir, desejar,cobiyar.

TeresaMontenegro,no prefácio ir segundaediyáo do romance,queacabade sair no CaboVerde,urnavez quea primeiraediyio foi destruidapeíabarbaridadeda guerra,apresentandoumapreciosaexplicagiodo títu-lo da obra, diz: «No quotidianourbano,amistidc-¡ é bojesobretudoescravada sobrevivéncia,da procuralimitada da canecade arroz,as duascoiheresde óleo [... 1. Mistida servede eufemismoparadesignarassuntostambémmais ou menosescuros».O termo mistida ¿ hoje en> dia empregadonaacepyáode ~<negócio>s,«algo a serrealizadoen> proveitopróprio»,e é irsvezesconotadocomurnavalorayáonegativa;safar urnamistidaseriarea-lizar un> negócioou urnatarefa,muitasvezescomun> sentidode urgéncia,transparecendonaexpressáo«safarmistida».

E é apartirdessasmuitas tarefasa cumprir,dasmistidasa sú¡far, quetalvezse possacaptaro sentidosubjacentedo livro deAbdulai Sila,quena

65 Rí:vi3ta c/e Fi/c>Ií>gía Ronzán/c a- Ancjos200t, tI: 49-83

Page 18: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Eic~áo OH profecia? Aspectos da prosa conteníporánea.

verdadedá pistasparamúltiplas interpretayóes.O autorafasta-sedo dis-cursodosmantenedoresdo poder,dospolíticosprofissionais.En> MistidaAbdulai Sila continua,e talvezcon> maisagressividade,sualinha dc críticasocial,suaarqueologiados malespresentesnassociedadesafricanas,reve-landournaintenyáotransfiguradorada realidaderetratada.

Comoo título do livro, muitosdosepisódiostambémapresentan>o tí-tulo en> crioulo: Timba (p. 87), queé um pequenoanimalquevive debaixoda terra,o urso forn>igueiro (Orvcteropusafer senegalensis),comumnenteassociadoirs foryasdo mal no fabulárioguineense(T. Montenegro,1995a:25); Muntudu(p. 117),quesignifica lixo, monturo; Kambansa(p. 193),apassagernde un> parao ontroladode un> rio; on Sila 1an~amáo de urnaon-tra língualocal, o fula, comocm Mand¡udho(p. 15), termo quesignificaperdido,enquantoqueo vocábuloMantchudhoé usadona acepyiode es-cravo,empregado,criado;ou chamaunu outrapersonagen>de Yen,,nomequeem crioulo querdizersiléncio,enquantoquea palavrarepetida,Yero-Yem,por intensificayio,significa siléncioabsoluto.

Entreasdiferentespersonagens,vale destacaralgurnas.O Comandan-te quese recusaa voltara ver,fixado no passadoe sen>aceitaras mudangasdo presente(Pp. 15-37), refugiado no mundo irreal queconstruiuparasi,comumabússolaservindode medaihae vivendonumburacocomose es-tivessenumpostomilitar, con> o pára-brisasde un> «Volvo» cotnoportaeduascaixasde cervejaCicercomo assento.Os presosreunidosnumacelafantástica(Pp. 41-58)nilo térn nomes,apenasnúmeros.E essesnúmerossáoalén>disso,por cúmulo,numa¡ínguasé conhecidaporurnacertapercen-tagen>da populayio(masnáo tilo pequenaassirn,pois osmandingascons-tituen> cercade 12 a 14% dos habitantesdo país).O ComissárioPolítico,vegetandono fundodaquelaprisio e em total siléncio,recusando-seafalarquando,como antigodirigente,galvanizavaopiniñescom o poderda suapalavrae con> suacapacidadede persuasiroconquistavaa juventude,todaumacoortede adeptose militantesparaa causaquedefendia;o outro pri-sioneiro,Woro,náoconseguiarompero pudore discorrersobresuaprópriabistória,sobreahistóriada suaprisño, minimizandoseucrime,espelhodoprisioneiroanonimo,torturadosen>saberporqué.Oex-soldado,de tempe-ramentonen> un> poucobeligerante,que náopodia esqueceras mortesdequefoi responsável,vivendocon> a sombrade suaprimeiravítima agarra-da ao próprio corpo.

As representayóesfemininassilo personageusfonese atuantesen> Mis-tida. A muihergrande Mama Sabel,quese identificano final con> a ma-ternal Mbubi da Eterna paiiváo; Nhelém, lúcida na sua juventude,Djiba

Rei’ic/cí dc Fi/o/ng/a Rcrníán/i o Anejos200t. tt: 49-83 66

Page 19: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

MC>ema Furente Auge! Fic~áoou prolecia? Aspectos da prosa contemporanea

Mané,primeiro in>agemda mulbermodernae vítima dasmazelasdaurba-nizayáodesorganizada,masdepoisassun>indourna dasmaisaltasfun~Y5esgovernativasdo país (p. 152),apresentadacomosímboloda emancipayñodamulher(p. 151).

Do outro lado da galeriade personagensde Abdulai Sila, um desfilealucinantede figurasabsurdas:Amambarka,Nham-Nham,Yem-Yen>. So-bressai-seo aberrantee assustadorAmambarka,parricida,ganancioso,vt-ciadoe execrável,cujostrayosrepugnantesforam hiperbolizadospeloro-mancistaaté a exaustáo.Essenomefoi tirado do mandinga,sendoun>lexemaque temconotayio de coisa ruim, que nilo presta.Nham-Nham,onomatopéiaindicadorado ato de comer,é un> serrepugnantee alienado,cegopelopoder,entorpecidopeíabajulayáo,idiotizadomasperigoso,com-pletamentedependentedo diabólicoAmambarka.Yen>-Yem,o «carrasco»,é outrafigura intangível,enredadona buscadapalavraesquecida(p. 161),aterrorizadordaspessoas,queten> derepentesuafardamaldita transmuta-da en> límpido e bonito bubu branco(p. 171).

Essessereschocantes,porén>, foran> inspiradosen> pessoasreais,de-formadase caricaturadas,impossíveisde seren>reconhecidasmasnen>poríssomenosverdadeirasnen> menosameayadoras,pois faz parteda artedeconvencerlangarmilo de recursosdo horror. Sen>dúvida, levaren> contaqueo autorteveen> mentetambémurnadimensioparódicaaodelinearsuaspersonagenspodeconstituirun> caminhoe urnachaveparaa compreensioplural do texto desteromancetilo instigante.

O lixo, como tesouroabsurdoe ambicionadode vários lados,omontio de lixo crescendocadavez mais,nio deixandoespayoparamaisnada,o lixo éumadaspersonagensprincipaisde Mistida. Quen>peran>-bulapelasruasde Bissaunilo podeignorá-lo.Metonimiaextravagante,oautor foi buscarun>a partede un> todo simbólico quevai muito maisalén>dosdetritos,dejetose sucatas,muito maisalén>do excrementoe dapodridio material e palpável, visível e aspirável.O camposemánticodessetema lixo amplia-sesensivelmente,penetrandona áreamaisalar-gadado despotismo,da corrupyáo,da traigio aosideais,da falsidadeedaambiyio desmedida.

Conquistadaa independéncia,as novasburguesiase asnovaseliteses-tatais africanasconseguiran>estabelecerun> sistemade conservayáodopoderquepassoua funcionara todopreyo,baseadona repressáo,no parti-do único e no governodo «homemforte». O resultadofoi queen> muitospaisesse instalouumaoligarquiacorrompida,preocupadacon> o seupró-prio enriquecimentoe con> as suaspróprias vantagens,enquantoque O

67 Nr í/sto de tI/o/c>gía Narnán/c-ci - Anejos2001 . II: 49-83

Page 20: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

MoemaParente Auge! Fic~áo on pro/cc-la? Aspectos cía ¡~íosa contemporánea.

poyo continuounasmesmasdificuldades,lutando por umasobrevivénciamateriale moral, cadavez matsmiserável.As esperanyasexistentesoutro-ra, quandoo fin> da colonizayáo,cadavez mais próximo e concreto,ani-mavaaosque lutavan>peíalibertayáo,acenandoparaun> mundode igual-dadee justiga, foran> substituidaspeía frustrayio, pelo derrotismoe peloacomodamento.As conseqúénciasnáose fizeran>esperar:deu-sequasequeumaorden>do «salve-sequen>puder>0.

Os protagonistasde Mis/ida, aparentementeabsurdaspersonagens,sioentretantoverdadeirosatoresda sociedadeatual—e nilo sóde seupaís eestio,cadaun> aseumodo,en> buscade estratégiasindividuaisposiasen)jogo a procura de saldase novossentidosquepermitarosobreviverO de-sestrutura<ño, comodisscTeresaMontenegrono prefácio.Mais umavez,nesteseuterceirolivro, Sila lanyaa suamensagemde esperariya,de teimosaesperanya:existeumaperspectivaparao sen sofrido país. Apesardosn>ontñesde lixo, material ou humano,há as Marna Sabel,as Mbubi, asNdanie as Djiba Mané.con> as quaiso autorse identifica.

Essenovo romancede Abdulai Sila é, assin>,tantoa afirn>ayáoda re-cusada desorden>estabelecida,quantoé tan>bémao mesmotempoumatentativade reajustamentoou de correyáodo cursopatológico—e patéti-co— do destinoguineense.Trata-sede urnaestratégianarrativa,ondedi-versosuntversosdiegéticossc encontran>ou desencontram,un> textoplu-ral e desconcertante,provocandoun> clima opressivodominadopeíaangústia,medo,mistério,desespero.ComoMongo Beti no seuromancePerpétueou ihabitudede maiheur, tambén>Abdulai Sila buscaelementosquemelhorpossamespelbaro caráteratroz,desumanoe absurdoda reali-dade,urna realidadeque dificilmente se deixa captaren> todos os seuscomponentes,assímcomose tornadifícil parao leitor ou leitora penetrarnas implicayóes secretasde cadaun> dos capítulosou «momentos»deMistida.

Abdulai Sila acreditaque,por suamediayáoartística,peíapráticacons-cientedo ato de escrevere peíaestratégiadiscursivaadotada,oferecendoaosleitoresun> espayode reflexio crítica, lanyandomilo da estranhezaedomaravilboso,da distorsioedo desconcerto,podecontribuir paraumade-salienayioe un> autoconhecimentodo público ledor. Nilo Ihe interessaoimediatismode situayñesfactuais,historicarnentefiéis. Suaperspectivaémaisampla, seureferenteéo inundo alienadodo qual ele —e nós, os re-

Algunns das idéjas aqui descnvotvidas foram inspiradas ctn Midiohonan, ¡986, yp. 208 e Ss,

Reí-iva, ch lí/dácigící Rímiánica. Anejos2001.tt: 49-83 68

Page 21: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

MoemaParenieAngel Ficcán cte profrela? Aspee/os da prosa conternporanea..

ceptores—fazemosparteequeé precisoultrapassar.Mistida náoé umaes-tória de coisaspassadasou quesepassaram—e um romancedo devir, en-volto en> perpíexidadese esperanyas.

A ESCRITADE ABDULAI SILA

Abdulai Sila renuncioupropositadamente,nesteseuterceiroromance,a acrescentarun> glossárioao livro. É precisoestara par do código daculturaguineenseparaalcanyaro significadode certasalusóes:conhecertanto o código«moderno»—porexemplo—o papelrepresentadopeloscar-ros de marcaVolvo (falava-semesmoda «volvocracia»na Guiné-Bissau,do poderexercidopelosproprietáriosdessescarros,símboloda elite diri-gente); ou o significado da Cicer, a companhianacionalde fabricay~odecervejas(urnafundagáoquedala daépocada guerra,quandoPortugaltevequesatisfazercertasnecessidadesdo grandecontingentedosseussoldados)eurnadaspoucastentativasindustriaisdo paísindependente,masqueaca-bou faihando;sabero queé un> ¡dandO,osbareslocaisde urnacefla épocalogo depoisda liberayáo;decifraro significadode um sotode baixo,enun-ciadoen> portuguésde un> termocrioulo (sukudi bas),relativo ao dinheiropagocorruptamenteparasea1can~aralgoda partede um funcionáriopú-blico. Mas tanibén>¿ precisodominaro código «tradicional»,paracon>-preenderreferénciasfeitas aos djambakus,manís,yrans, aos poderesdaalma biajóda, ao ¿¡poló, ao kambletche assim por diante.En> todo o ro-mancehá símbolose situaqóesquepodemserimediatamentedescodifica-dospelosguineenses,mastambémhá muitaspassagensquesáopurafan-tasia.A verossimilhanyan~o tem que fazerparte do discursonarrativo,mullo petocontrário. A referénciaao código lógico nilo causaespantonen> admirayáo,yassapraticamentedesapercebida,afirmaIrlemar Chian>-pi (1980: 166). E a transgressáoa essecódigoquesurteefeito. Massetal-vez a total legibilidadedeMistida estejareservadaaus insiders,acompre-ensiloe o prazerda leituranáoestilo restritossomenteirquelesquepossuemou dominan>o conjunto de referénciase de informayóesquepermitemurnaperfeitadescodificagio.

Abdulai Sila, con>Eternapaixáo,A última tragédiae Mistida, deformacadavez mais firme, semprecon> maior seguranya,pereorreessamesmatrilha, pertencendoir geraqioquevivenciou aeuforiada concretizayáodossonliosde liberdadedetodo un> continente,ir mesmagerayioqueviu essessonhosrealizarem-seedesmoronarem-se,auto-destruidos.Abdulai Sila ¿

69 Revioci dc F//c/og tí. Rc,mán/ca. Anejos200t.tt: 49-83

Page 22: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moerna Furente Angel Ficycio ox; prqfrcia? Aspectos cta prosa ccmtem1,o;ánea.,

un> daquelespoucosque, comodiz CarlosLopesno scuprefácioir Eternapaiivño,niio foi inundadopeíacorren/e e que, fazendodas/tases,cartu-c:heirase daspatavras, balas,Pilo párade lutar por aquilo en> que un> diaapostou,plenamenteimbuidoda suaduplaresponsabilidadee fun~áocomoescritore intelectual.

FILINTO DE BARROS E SUA RELEITURA DO PASSADO

Filinto de Barrosnasceua 28 de dezenibrode 1942 em Bissau.Entrouparaas fileiras do PAIGC cm 1963 na ZonaZero, istoé, en> Bissau.Du-ranteas lutasde libertayio, desenvolveuatividadesen> Bissaue en>Lis-boa,ondeestudouengenhariae foi dirigente daquelepartidona claudes-tinidade.Proclamadaa independéncia,foi durantemais de umadécadaativo participantedos destinospolíticos do país~:foi membrodo ComitéOrganizadordo Partidoe do Cornité do SectorAutónornode Eissau:foitambén>SecretárioGeral e Secretáriode Estadoda Presidéncia.Foi Em-baixadorda Guiné-Bissaucm Portugal,Ministro de lntormayáoe Cultura,Ministro dos RecursosNaturaise Indústria,Ministro da JustiQae MinistrodasFinanGas.Desde 1994, con> as eleiyócsmultipartidáriase o inicio deumanova erana históriapolítica do país,Filinto de Barrosretirou-sedavidapública.Até 1998,quandoestouroua guerracivil, exerceuen> Bissauun> cargode conselheirotécnicona USAID, umaentidadede cooperayñodosEstadosUnidos.

Autor de ensajosde orden>política, filosófica e técnica,Filinto deBa-rros surpreendeucon> o Ianyamentode umapublicagio suano campodaficgáo: o romaneeKikia rnatcho,publicadocm dezembrodc 1998.

KIKIA MATCHO - EXERCÍCIODE EICQAO

Trata-sede un> romancede centoe quarentae nove páginasde texto(Pp. 11-159), dividido en> dozecapítulossem títulos, de diferentesex-tensóes,acrescidode um glossáriode centoe dezesseteentradas(Pp. 163-171).Comoo próprio autordeclara,kl/da matcho¿uropequenoexerciciodeficcúo.New bis/dna,nern sociología.newetnologia,newpolítica, túoson;ente umaabordagero quese prelcnt/editiamwado proccssode sin/esesocio—culturaldc’ uro Poro (p. 7).

Reí/sta cié’ k//ú/agícs Ncrníáo¡c -a - Aíicjos2001,11:49-83 70

Page 23: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Patente Auge! Ficcáo ou profecía? Aspectos da prosa contemporanea...

Umaexcelenteestória,sabendoprendera atenQiodo leitor e da leitorado comegoao fin>. O título é a designagioerioulaparao mochoea essaave silo atribuidasna Guiné-Bissaupropriedadesdiversas:podesermen-sageirado ben> e do mal, massobretudoé ligadaa mauspresságiose ir másorte. Atravésdo kikia eda suasimbologia,Filinto de Barrosintroduzo lei-tor ea leitorano mundomágicoe mítico africanoaomesmotempoein que,peíainterayio daspersonagens,estabeleceaponteentreo passadoe o pre-sente.

A tramado romancese desenrolaem váriosplanos,en> torno da mortede ‘N Dingui, antigo Combaten/eda Liberdadeda Pótria, queterminouseusdiasnun> bairro decadenteda capital, relegadoao abandonotantope-los familiares como pelas instituiqóespúblicas.O sobrinhoBenaf, queacabaradechegarrecém-forn>adoda Europa,ondepassaraalgunsanoses-tudando,é obrigadoa participardo «choro»,isto é, dascerimóniasfúnebresdo tio. Papai,un> companheiroe amigodo falecido,comoele antigocon>-batente,sente-seemocionalmentemobilizadopeíamorte do camaradaerevive saudosamenteas lembrangasdaslutaslibertárias.A sobrinhaJoanatinha emigradopara Portugal e mesmolá segueos costumesafricanos,passandoa noitedo velório en> vigilia, acompanhadadeoutrosconterráneostambén>emigrados.

A estóriaé tecidaen> tomodevárias decepgóes:o velbo ‘N Dingui mor-reu sen>ver realizadaa promessafeita aosantigoscombatentesde melhorpensio,de integragiona sociedade;seusamigose camaradastambén>es-peraramen> vilo, tendocomoúltimo desapontamentoaausénciados «co-mandantes»no enterrode ‘N Dingui. Semdinheiro,pois a magrapensñode Combaten/enñochegavapara comprarum saco de aí-roz (p. 20), sen>trabalho,sen> honrarias,sen>reconhecimentode espéciealgumapeloquefi-

zeran>peíapátria duranteas lutasde libertagio,essesvelbosguerrilbeiros,con>suasmedalhase suasrecordagóes,sioa imagen>mesmodadecadénciae da desolagio.Vivem na periferiada cidade,passamos dias en> cafésalembraren>osgloriososanosda LUTA (p. í 8), en>bebedam-sediariamente,afogandono álcoolas fnistragóes.

OSOBRINHODOUTOR

António Henaf, o sobrinho «doutor»que tinha vivido na Europa,constataqueseutítulo académiconilo Ihe tem trazidoatéo momentonenhu-mavantagen>;continuadesempregadoe sen> ver chegaragrandeoportu-

Reí/sta ác Fi/o/os/a Rcrniánií a Ánejos200t It: 49-8371

Page 24: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Fic<áo c)t< pro/tcia? Aspectos da prosa c:c;ntemporánea..

nidade de tomar-serico e poderoso,fantasiosaan>bigáoqueo luvia in-fluenciadoa voltarparaa terranatal.Comoparentepróximo —ftlho de umairmil do falecido—sáomuitasas suasobrigagóes:náosó tem quecompa-recerao funeralcomoquearcarcon> asdespesasnecessárias,emboranáopossuameiosfinanceirosparatal. A cerimóniado «choro»tenaqueserre-alizada,e aindaoutras,pois eraprecisolavar o sanguc’derramadopelo ‘PiDingui no Luta (p. 21). Enquantomuitos dos conhecidosaparecian>paradar as condolénciase iam embora,Benaften> quepermanecertodaa noitena vigilia do velório,deverda familia, tendoassimtempopararefletir sobreo n>undode contradigóesem quevive metido:os anosna Europa—depas-sagemaludeaosestudosen> Sófia (p. 51)— havian>feito dele um materia-lista, interessadonossucessospessoais(p. 21), afastadocompletamentedosvalorese dastradiyéesdo seugrupoétnico.A Africa /inha-seesfumadodosease¡~. Voltouporque era afx-icanc e intelectual,portantc)podia sermi-nistro ou presidente(ib.). Cínico e decididoa usar dabajulayáoe do opor-tunismoparaconseguirum postovantajoso,na ilusio de quesendoosdi-plomadosaindapouconumerososno país,as oportunidadespor issoPilo Ihepoderian>faltar,amargaé a decepgiode nilo teraindaseusplanosrealiza-dos.Desdequechegoudasoropasquetení vistoosadaptadosa saírem-semuito bern, con; boascasas,boasmuiherese segundoIhe disseraro,comtontasno estrangeiro.Era issoqueele pretendiae quantoantesme/hor!(p. 154).

Pode-sequalificar o protagonistaBenafde problemático,cuja vida sedesenrolair procurade un> equilibrio entreos dois mundoscomos quaisseconfronta.Filinto de Barros,na linha de Cheik HamidouKanecon> asuaAven!ureambigué(196!), un> dos clássicosda literaturaafricana,re-tratao dramade un> dessesafricanosdivididose inadaptados.Benafniioconseguefazera sinteseentreos valorestradicionaise os do Ocidente.Mostra-searrependidode ter retornadoao paísnatal, somentecon> difi-culdadeconsegueentrarno papel de «sobrinhodo falecido»e convivercon> as pessoassimplesqueconstituían>o ambienteem queviveu o tio.Sente-sesecretamenteansiosoparaque terminen> as ceriméniasfúne-bres,parase livrar daquelagen/a/ha.Desprezaascrengase osrituais, sebemque nilo deixede sertornadopeloterror ante a ameagaclarada pre-sengado LiLia ma/choeda cenade transee incorporagioa queassistiu,quandoo defuntoexigia, incorporadona pessoada joven>Ofitchar,quefossemfeitascerimóniaspararedimir osmuitos pecadose erroscometidosduranteas luta libertárias,niro sópor ele,maspor tantosoutroscomba-tentes.

Ree/cta dc’ Fito/cígio Roncánic -ci - Aiícjos2001.11:4983 72

Page 25: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Fic~:áo ou profecia? Aspectos da prosa contemporéznea...

As mudangaseconómicase o ajustamentosilo questionadosde formabastantedireta,comocausadoresdemuitosdesajustessociais~. Ospaisdefa-milia nilo conseguen>maismantero sustentodosseus,as filhas siro levadasaprostituirem-se,a moral impostapeloscolonizadoresse esfumou,a crenganastradigóesdesmoronou(p. 53). 0 que imperaé a bajulagáoe o sucodibass,isto é as propinas,paracomelasse compraren>vantagens,favores,ali-mentandoa corrupgio sutil ou ás claras. O ajustamentoe a liberalizagáoeconómica,causandoumadesestruturagáodossetoreseconómicostradicio-nais.silo apresentadoscomoresponsáveispelosub-en>prego,peíadecadénciadoscostumes,peíafalta derespeitoaosmaisveihos.A modemizagilogalo-pantequein>aetapas,nilo deixatempoparaun>aadaptagáoharmoniosa.As-stm,maisurnadecepyioque,de formageneralizada,abateatodos.

O COMPANIIEIRO

Un> entropóio en>tomo do qualsedesenrolaatramaécentralizadoen>Papai,o amigo e companheiroinseparáveldo defunto.O subn>undoem quevivia ‘N Dingui é povoadopor gentecomoele,fracassadose marginaliza-dos, tanto antigossoldadosda luta como outros pobresmiseráveis,ho-mense mulheresmarcadosigualmentepelas dificuldadese durezasdavida. Alén> de Papai,figuran> nessagaleriaalgumasoutraspersonagensquasecon> valor de protótipos:Pan> tinha feito a tropa com os tugas,transformando-sedepoisem criado servindona casados brancos,sendo-Ihepermitidogozarde urnacidadaniaportuguesa,emborade segundacíasse(p. 65), acabandopor tomar-sesoldadoafricano que combateuao ladodos portugueses;o mugulmanoDjan>ancavivia odiandoe amaldi=oandoodia cmqueos tugasentregarama terra aosturras de Cabral (p. 71), niloperdendooportunidadede achincaiharoscombatentes,pois apesardenun-cater apreciadosermandadopelosbrancos,pior aindaconsideravater deaceitar ordensdoshomensde lopé (ib.) 6• E haviatambén>un> antigo ca-maradadaluta, un> intelectualqueatendiaaindapelonomede guerra,InfaliSissé,e que,pordivergir de Cabral,haviadesertadoe abandonadoa causapatriótica.

Sobreos efeitos do ajustamento estrutural na Guiné-Bissau, cf. Faustino Imbalí (1993) cAn-tónio IsaacMonteiro (1996).

O lopé é urnaparteda vestimenta masculina das etniasdosmanjacos.pepéise mancanhas econsistenuma simples tanga ou pedayo de tecido para cobrir o sexo.

Ncile/cc dc Pi/cílog[ci Ncnná,iic -ci - Anejos2001.II: 49-83.73

Page 26: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

~oema Pczrentc Auge! Fic<áo on p;otécic¡? Aspectos dci prosa ccrntemporáneo - -

Con> o desenrolardosacontecimentos,a figura de Papaiadquireun> pa-pel inesperado,pois foi o escoihidopelomortoparamandarrealizaras ce-rimóniaspurificadorasde queaalmaatormentadanecessitava.A grande,an>aior dasdecepgóesfol justamentea quebrados costumespelo própriomorto: desnorteantemente,estenilo esperouo funeralparamanifestar-se,separou-sedo corpodefuntoantesmesmodo caixio terbaixadoir terra,apequenacomunidadede amigose parentesperdendocon> isso qualquersen-tido de realizaro sepultamento,urnavez queo espirito do falecidon~omaisah se encontrava.E os«comandantes»,como sempredandomostrasde quetudo conhecen>e tudo dominam(sabiaro tudo dc an/eroño,p. 138),estavamantesde todoscientesdo fato extraordinário(tinharo adivinhadomaisunzavez,conclui Papai,p. 158) e nen> ao menosse deramao trabalbode com-pareceren>aoenterro.

Muito ben> caracterizado,o bairro do Coroborodi Bandéservede panode fundoparaos acontecimentosmais mareantesda narrativa.Essebairrode Bissau,quese desdobraentreo espagodo Bandin>e o Chio-de-Papehoutrora cheiode ógua,de hortas,está Izo/e jeduzidoa lixeira comositialmacabrode quea secatinha chegadopara nuncamaispa/~tir (p. 1 8). 0Chio-de-Papeleraconsideradoun> bairro antigo roas pitoresco,moradadefamilias tradicionais,comoalgunsdosGós(grandesfamilias): Cá da Silva,Gil de Bar, Ci Cume,Ci Tixéra, etc. (p. 15). Fazendopartedo bairro, o seucentromísticoerao Coniborodi Bandé.Beni pertoficavao Peréré,outroralocal de belashortase pomares,de propriedadesabastadas,alémda fonterntsteriosae encantadae de seupoderosoiril (p. 92).

A SOBRINHA EMIGRANTE

Do outro ladodo Oceaiiovíve Joana,asobrinhaemigrante,que um dialuvia saidode Bissauir procurade umavida melbor.Mas jánio alimentanenhumailusio, sabendoque nio passariajamais de umaestraneetraenilo chegarianuncaa un> níve! social digno; quandomuito conseguiriadeixaro pardieiroondemorava,um cómodomiserávelnumacasacm de-moligio, paraalcangar¡tota casado Social(p. 88), urna moradamenospro-míscua,nun> dos bairrospopularesde Lisboa,verdadeirosghe/tosespe-cialmenteconstruidosparaos emigrantespobres.por partedas estruturassociaisdo governoportugués.Enfermeira.continuavaa ter umavida pau-pérritlia, apenassobrevivendoás custasde- mtiito esforgoe amargura.A dis-crtminacaoracial é mostradasen>ser amentzada.tanto atravésdos soliló-

74Níviví, 1/e hi/cclccgíí, Rímíchílí -ci - Anejos2001. II: 4055

Page 27: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Fic<áo ou profecia? Aspectos da prosa contemporánea..

quiosde Joanacomoporexemplopeíareagiodo filho, quenilo quenaserchamadode ChicoPre/o ou pretinhoda Guinéquelavo a cara coro caféevai a missade lopé (p. 30).

As causasda emigragiosilo enumeradaspelonarradoronisciente:a fal-ta de víveres,oshorroresdo racionamento,a falta de competénciadosno-vos chefes,sen>qualificagioparaos cargosque assun>iam;os problemascrescentesdo país,ondeo novo poder,amarrado nas suasprópriascon-tradi~y3esnáoconseguiatomarpé antea ¡tova realidadeduropaír carentede recursoshumanoscapazes(p. 25). E a propagandadesenvolvidapeloex-colonizador,quequenaprovarqueosafricanos,nilo satisfeitoscon> onovo regime,dirigian>-seen> rnassaparaa «pátriaportuguesa».Abandonaro paísera,pois, comotrair a revolugio,tomara nacionalidadedo iniroigof.../ dizer náoó nossaLuta (p. 26), conformeo tio Ihe haviadito antesdasuapartida.Tal sacrificionilo tevea recompensamaterialtilo esperada,masosanosna capital européiaa tinhan>de tal mododistanciadoda suaterraeda sungentequeas coisasquedantestinham valor ero Bissau,agora nóotéronada a ver coroigo, confessa(p. 84).

No pequenoquarto queservede moradaa Joana,reúnen>-seoutroscompatriotasemigrantes,solidárioscon> o seuluto. E tambén>aío autorse servedessepretextoparaalinharalgunstiposhumanoscaracterísticos,cadaqual representantede umacomponentedo mosaicoétnico e socialqueconstituia Guiné-Bissaupós-colonial:ah estáDjaló, ex-comandofu-gido das vingan~?asdo partido pelasatrocidadesquecoroetera,meta-morfoseadoen> pensionistade guerrado governoportugués(p. 82); Má-río, quesonhouen> tomar-sefamosocomojogadordefutebol,achando-sepor isso superior,nilo querendorebaixar-senostrabalbosdas«obras»eque,nilo tendoondecair morto, vivia ás custasde Joana;Daniel, o cabo-verdiano,o burmedjo,casadocon> umaguineenseamiga,agredidoouhostilizadopor Mário que, porserflího e netodosdoxiosde tchon, se con-sideravaportantomais guineense;masDaniel sabemuito ben> defenderasua«guineidade»:Ionge da patria queo viu nascere ¿¡os seuspais,Da-niel sentia-sesegurode sic’ da suaGuiné! (p. 37). Mais tarde,con> o de-senrolarda estória,aparecen>ainda‘N Malé e o marido,representandodois tiposhumanosqueaindafaltavan>ir galeriado romancista:sen>pro-fissio, amulber transforn>ou-seen> djarobacus,isto é, feiticeira; o mari-do,ex-militar nasfileiras portuguesas,con> ínfima pensio,pois náoma-tou coro requintesde malvadez,náo bebeusanguedo iniroigo, logo náoteyúdireito a roedalhaalgurna (p. 143),vivendode pequenosexpedien-tes.

75Recincí de Fi/o/ogíci Rcnncáí,ií ci Anejos

2001.11:49-83

Page 28: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Fic<áo ou prcfecia? Aspectos da prosa contcmporanea..

Joana,emborareconhegaserdifícil voltar novamenteparasuaterrana-tal, nilo pareceterperdidocompletamenteasuaidentidade,faz questáodeeducaro flího no amorerespeitoás coisasda Guiné,concordaen> procurara djarobacus‘N Malé, suaconterránea,paraconsultá-laa respeitodo es-tranho sonhocon> o LiLia apresentandoa carado tio morto e, se vive na«metrópoles~,é pornilo encontraroutrasolugio.A integra~ño/¿iuro fiasco(p. 142),conclui.

A realidade¿ assimtransmitidaatravésda problemáticareducionistados protagonistas.Benafé incapazde enfrentarumarealidadequeele re-cusae despreza;o mesmoacontececon> Papaie seuscompanheirosde in-fortúnio, desnorteadosdesdequeperderamo objetivo queos sustentava,istoé, a expulsiodos inimigos. Joananilo queraceitarquesuavida naci-dadeestrangeirasejadestituidade todoe qualquersentido.

KIKIA MATCHO - SIGNOE SÍMBOLO

Kikia matchoé un> retratosen>retoquesdasituagiode poucaesperangareinanteno paísdepoisda independéncia.Que relagio existiria entre osignificadodo título da obrae os significadosqueo conteúdopossaence-rrar?

Elo comun> interligandoas tréspersonagensprincipaise emprestandocoesioaoentrosamentodiegéticoé o aparecimento—real ou apenassonha-do— da ave pressagiadorado mal e da catástrofe,da infelicidade e dasadversidades.O mistérioe o agourodo LiLia silo urnamaldigioda qual nin-guémparecepoderescapar:comoo falecido‘N Dingui. tantoJoanacomoo primo Benaf ou o camaradaPapai nio conseguirlofugir da sortemes-quinhadaspessoasvulgares,desíitt idasde todoe qualquerpoder,as qua¡ssaorecusadostodoe qualquersuccssoou brilbo.

Extrapolandoas partesparao todo,metonimicaniente.o país,ás voltascon> osefeitosdo ajustamentoestrutural(apartirde cercade 1986) eda re-formado aparatopolítico(a partir do multipartidarismo)e agoraenvolvidonas teias da integragiona comunidadefrancófonae nas inalhas emara-nhantesda globalizagio,o paísestá com os pés no mundotradicional econ> acabegavoltadaparao futuro, o paísnilo conseguiuaindasacudirdecimade si osLi/das agourentose atrasadoresdo desenvolvimento.O paíséPapai,o paísé Benaf, o paíséJoana,no momentopresenteenredadono cír-culo viciosoe desesperantede crescenteinviabilidade.Seráisso queFilin-to de Barros quercxpressar?O cx-con>batcnte‘N Dingui, moflo e trans-

Ríe ií-tcí de Ej/eí/ci cf ci Reimíhulí c,. Ancjos 76200t. It: 4983

Page 29: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Patente Auge! Fic<áo ou profecía? Aspectos da prosa contemporánea..

formado en> ícassissa,isto é, en> serque nilo ¿ destemundo, eseolhidoparacorrigire mudartudoo queaconteceucontrárioaosideaisrevolucio-nários,precisade cerimóniasparalibertar-sedo mal quefez e purificar-sedos errosda luta. Masquecerimóniarealizar,elenilo revelou.E a dúvidapermaneceráatéo fin> daestória.E precisoqueosvtvos encontren>umaso-lugáo,um meiode purificagio dosdesmandoscometidospelosqueforanoinstrumentoda libertagio.Nilo foi aintengiodo autorapresentarun> estu-do de caracteres,muito maispareceter elebuscadoun> instrumentoparapodertransmitirosseusrecados.A mensagemven> da bocadosmatssim-ples,dosmaisingénuoscomoPapaie Joana,dosqueacreditamsen>pesta-nejarna forga eno poderdo LiLia. E precisoverificar o que se fez de tdonzaue de tdo diferentedc’ Cabra/paraestaren>a correr todosestesperigos(p. 136). É precisoenxergarmaislongee descobrirosbene/icióriosúltimosdasac<c3es criroinosasde ‘PV Dingui, os verdadc’irosautores.pois nio haviadúvidaqueaquelarevolugiose tinha autodestruido(p. 138),se tinhaa/ós-ladodo caminhotragado(p. 140).É precisoqueos comandantesescutemcertasveídades(p. 142).0 LiLia lá está,imóvel maseloqtiente,a fazertre-meros vivos.

Filinto de Barrosescreveuun> romancede revisio,de balangogeraldeurnaépoca,balangofeito por urnapersonagen>histórica—o autor—quetalveztenhaescolbidoessen>eio paraun> acertode contascon> a própriahistóriaqueeleajudoua construir.Seráessaafungio simbólica proféti-ca do signoKiícia matcho?Parao atual impassedo paísé precisoumare-visio, maisque isso,urna purificagio antesde un> recomego.A primeiravista,podeparecerquenilo há n>ensagemde futuro no romanceKikia roat-cho. Masa fungioda aveagourentapodeser ade urnaadverténcia,un> si-naí do quepodemasnilo devesuceder.Partindode alguén>de dentrodoststen>a,e por ¡sso mesmoseu profundoconhecedor,quenio devenen>quer calar-se,un> tal aviso é un> aceno—ansioso?—en> diregio aoan>anhi.

A ESCRITADE FILINTO DE BARROS

Analisandointernamentea escritade Filinto de Barros queé, comotodaescrita,un> reflexo de si mesmo,saltalogo ir vistaqueun> dos metospor ele usadoé o apeloao crioulo. As muitas expressóesnessalíngua—cercade umacentena nio perturban>o usodo portugués,aquiemprega-do segundopadrñesde corregiogramatical.Representan>mais urnacon-

Reí-ls la cJe Flio/ogia Rorciánuí -a Anejos2001 II: 49—8377

Page 30: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Eic<áo on profecia? Aspec/c« da prosa cc~ntemporánea...

tribuigiro «exótica»,ornatosparaavivar pitorescamentea «cor local» econtribuirparao clima voluntariamenteguineensedanarragilo.Vejo nesseaproveitamentodosvocábulosda linguaregionala intengiodo autorde re-fletir na suaobraaquestioda identidadenacional,apropriando-sedo pa-trimónio lingilístico especiftcan>enteguineense,recriandoum clima e umaambiénciapeculiares.E urnatentativaaindaun> tanto tímida pois, na ver-dade,nilo basta«colorir» o texto literário con> empréstimoslexicais parare-produzira fala popular,o registrooral. Nilo houvetransfiguragáoda escri-ta, náo se deu un> efeito transgressornen> houve um processodeinterferénciamais profundano sistemalíngíiístico padráo.Mas tambén>podeperfeitamenteserque nilo tenhasido essaa intengiodo autor.Aqui osmuitoslexemascrioulos silo apenasun> ornamentoquepodedivertir osbi-linguese irritar un> poucoosquesáoobrigadosarecorrera todomomentoao glossário;masquede todo ¡nodo marcade forma indisfargávela per-tengageográficae culturalda obra.Náo pretendo,portanto.fazercon> tssournacrítica, pois foi alcangadode todomodo o objetivo—seé quehouveun>— de aproximara expressáoliterária dasrealidadesnarradase tetnati-zadas(M. A. E. de Oliveira, 1990: 290).Esseintencionalrecursoao parti-cular,ao guineenseno caso,é comournaespéciede solidariedade,de con-luio mesmo,entreo eu e o coletivo específico,numaatitudeconspirativa,ou ao menosde simpatiae aceitagio,exprimindoassin>o posicionainentode nilo aceitarcertasimplicagóesculturaisou psicológicas—e quemsabemesmopolíticas—envolvendoo estatutode ex-colonizadoem oposig~oaoonipresenteex-colonizador.

Raramenteo autorlangamilo do registrooral crioulo dentrode un> con-texto de n>aiorautenticidade,corno ir página 14, quandotodo um diálogofoi transcritonaquelalíngua,talvezcon> o desejode reproduzira atmosfe-radaambiénciadeun> bar decadente,numa«transcriyiomiméticada falapopular»(AbdalaJr., 1985: 450),pretendendoconferir fidelidadeao idio-leto dos intervenientes,nun> texto inipossível dc compreenderpara umnaocrioulófono.Maso autornáomaislangou¡nilo desseprocedituentolin-gúisticoao fazeragir osmesmosfalantesen>outrosmomentosda traínanar-rativa.A traduyáodessareferidapassagcn>,postaem separadono glossá-rio (p. 171), tentamanteroclima «popular»e de oralidade,empregandopalavrastambén>do «callo» do portuguéscontinental.Mas eni geral,aolongo do romance,sejao joven> doutorque fale, sejan>os velhoscomba-tentescompanheirosdo falecido ‘N Dingui. ou a prima Joanacon> seusconterráneosnun> subúrbiolisboeta,é semprea mesmafala, náohá va-riagóesestilísticas,é a voz igual do narradoronipresentequese faz ouv¡r.

Re vista cíe EiIc/ngia Rc,rncánica Anejos200t. ¡1: 49-83

78

Page 31: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Fic<ác; cm profecía? Aspectos da prosa contemporánea..

Os mullos tennosen> crioulo ao longo do texto sáo esclarecidosnoglossárioao fin> do INro. O glossárioregistranáosóas palavrasna línguaguineensecomo termose expressóesde uso local, tais comoplásticos(parasandálias),comadre(paraamante),mastambén>lexemasen> portu-guésrelativos ir culturaguineense,como panode pente,palhota,a desig-nagáode algumasetnias,de instrumentosmusicaisou dangaslocais,etc.

Apesarde refletirmuito envolvimentopor partedo autorem certaspas-sagens,sobretudono queé relativo irs questñesligadasaosdestinosdo país,hávários indiciosemKikia matchoquedeixan>transpareceraneutralidadede un> narradorexógeno,quecontauma estóriasemse misturara ela.Logo no inicio, a explicayáodo significadodo termo LiLia é dadacon> oapostopara osda terra (p. 13), comose delan~ofossequen>escreve.O nar-radortambén>niro assumeen> nenhun>momentoosreceiosnen> as dúvidasdaspersonagensen> relagáoaospoderese aosagourosdo LiLia. Pelocon-trário, oscomentáriosqueexprimea respeitosilo sobretudode ceticismo,dandoa in>pressiocomoseo intelectualde formagiromarxistae materia-lista náopudesseaceitartais fraquezasou ingenuidades,náodisfargandoseudistanciamento.Interessantetambén>seriaanalisaro papelda apresen-tay~ográficado texto.As muitasmaiúsculase o empregofreqiientedascur-sivasme parecen>traduzirumaemogioparticipativaen>francaoposigáo‘¿oque acabode constatar.Palavrascomo Luta, Combatente,Comandante,Partido(masnio só) adquiren>urnacertaforga tníticaqueo autornilo em-prestaa nenhun>enunciadoen> crioulo.

PROFECLA

Sente-se,peíaestruturagiodaspersonagense da narrativa,quese estádiantede un> romancede estréia,massente-setambén>queFilinto de Bar-ros prometemuito, quenio deve,nio podeparar.Nun> paíssen>tradigiodeprosaficcional 1, ~ compreensívelqueseuspioneirosaindase comporten>de formaexperimental.E ameuver, a experiénciaé válida, as qualidadesdo romanceultrapassamdelongeas deficiéncias.Do pontode vistafonnal,

Esteartigojé esuvaprontoquandotivemos o conhecimentodarecentfssimapub¡ica~áodemausuni romance, desta vez escritopor urna inuiherguineense:FilomenaEmbalé,com seoro-manceTiara. edi~áodo Instituto Candes,de Lisboa.Cor,vém registrarigualmenteaexisténciadolivro de crónicas do sociólogoCarlosLopes,coite Cera!, publicadopeíaEditoralCaminho.cm1997, saborosostextos,entreo divertidoco irónico,verdadeirosinstantáneosdo cotidiano gui-Ileense,

79 N,íevkc eh Fi/í/íigía Rímí¡icí/c a. Artejos200[¡1:49-83

Page 32: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Paren/e Auge! Fic4áo ox, profecía? Aspee tos da prosa cox-z/enipc>ánea

osníveisdiegéticosda narrativaestiloben> definidos,nabasedasunidadesde aqilo en>quea estóriaé constituida;sobressaisen>prea antinomiaentrealuta comseussonhosde igualdadeedejustiya e a realidadecruelda eons-tata9áodetarefamal cumprida.A linguagen>é amena,a narrativaprendeaaten~ioe é ben> estruturada.pecandoapenaspelo excessivozelo em n~odeixarescaparnenhun>pormenorda avaliayáodas razéespor queo ¡no-mentopresentenilo correspondeirs expectativasdo sucessoabsolutodacau-sapeíaqualo autor¡nesmose bateue se doou.As personagens,se nilo pos-suen> urna individualidadetnuito mareante,tén> entretantouma fun9áoparadigmáticaimportante.

No seu conjunto,o livro Kikia matcho encerrautnasoma de infor-n>agóessobreo proeessoda independénciaeos prirneirospassosde umaEstadoen> forn>ayio. Essasinforma9óessaoa raziode serda obra,a estó-ria constituindoapenasum pretexto.Ao mesmotempocm queinfonna,ati-yo participanteque foi da gesta9áoe do momentodesseparto, Filinto deBarros mobiliza os diferentesníveis da narrativa,direcionando-ostantoparao exercíciodialéticoda compreensiodo proeessocomoparao julga-tnentodosseusresultados.Inforrna~áoanivel do passadoe interpretayáoanivel do presente,o romancedeixatransparecersombriasperspectivasparao futuro. E sobretudournaconstata9iodos acontecimentospresentescomum olbarparaojá acontecido,con> o fito de esclarecer,explicara situagioatual. A históriarecenteda Guiné-Bissaué expostae reletnbradaen> seusdiferentesaspectos,ouaatravésde comentáriosdasprépriaspersonagens,ora ‘¿travésde alargadasassertivasda partedo narrador.

Nosnovos estadosafricanos.é comurnos intelectuaisparticiparen>dasesferasdirigentes,fazerenimuitas vezespartedo poder.havendoun> certoenredamentoentreas elitespolíticas e as elites intelectuais.Designareiaqui.de forma simplificada,de intelectualaquelesquesc ocupan>coin as idélas,silo consumidorese divulgadoresda cultura por assmm dizer «moderna»eque,possuindoun> diplomauniversitárioou mesmosósecundário,nilo estilodiretamenteenvolvidosna produqiomaterial (N’Da, 1987: 7-1<)). Nio é di-ficil compreender-sea razáo,umavez queo númerode quadrosformadosé—e sobretudono alvorecerdasindependénciasera— aindamnuito pequeno.É digno de notaquemuitosdos queestio ligadosa essaesfera,exercendomesmocargosde diregio no topoda hierarquiado Estado,contan>ao mesmotempoentreosquemais ativamentecontestan>essemesmopoder.

No casodos escritoresguineenses.cis Filinto de Barros, várias vezesministro, membroativo do partido clandestino,desdea suafundayáo,mcm-bro de govemodesdeosalvoresda novarepública.Na solenidadedo lanya-

Re vis/ej c.C Ii/o/cígia Ncnncinuí -o - Anejos21)01 ti: 49—83 8<)

Page 33: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Furente Auge! FicQáo ou profecía? Aspectos da prosa contemporanea...

mento de seulivro, estiverarnpresenteso Ministro dos NegóciosEstran-geiroseda CooperagáoInternacional,a Ministra de Educa9áo,a MinistradosAssuntosSociais,embaixadores,assin>comomuitas outrasautoridades,o quenilo é casoassimtilo rarona Guiné-Bissauenemindicanecessaria-menteun> espiritode aceita~áoen> relagioás idéiase críticasimplícitas doautor.Mastambémpoderserinterpretadocomosinaíde nilo rejeigilo.

Nilo se trataaquide um exemploúnico. Nun> pequenopaíscomumaténuecarnadaintelectual,é naturalun> certograude entrela9an>entode ati-vidadesdos individuos. Tambén> outrosescritoresafricanosestilo direta-¡nenteenvolvidosna maquináriaexecutiva,inclusivena Cuiné-Bissau.

A preocupaQiocomun>aosdois romancistasé, numan>aiorou menorintensidade,o interessena Guiné-Bissaue a vontadede falar cm nomedaquelesquenilo poden>falar,a vontadede articularas razóese osporquésque levaran>o país‘¿o pontoem queestá.O processoescolbidopor Filintode Barrosé o daobserv¾ioda pessoahumana,tendocomofio condutoratrajetóriade algunsdestinosexemplares,massen>descera seusabismospsicológicos.Abdulai Sila n~o trilhou caminhodiferentecom seusdoisprimeirosroma¡ices.Tambén>aelesfaltaran>aindadensidadena análisedocaráterhumanoou sutilezana diferencia9iodoscomportamentos.Masen>Mistida o autor moya e ultrapassa-sea si mesmo.Sila n~o expóeah si-tua~óescrcunstaneiaise sin> desnudametaforicamenteatitudese fatos,compara-os,sobrepesa-os,distorce-osatéo absurdoparachamara atenyáopeíaestranhezae pelochoque.

Numareflexio sobreo papelqueessesdois prosadoresrepresentamnasoctedadeguineense,ocorre-meprocurarum paraleloentre,de um lado,oex-con>batcntee ex-ministro EngenheiroFilinto de Barros,marxistadeformayio, naseidonaelite erioulabissauense,posicionadocomoadeptodaideologiapartidáriamajoritáriae, do outro, o empresárioe cientistasocialEngenheiroAbdulai Sila,originário dosmeiosruraisde Catió,descenden-te de mandingase sussosdo lado paternoe de fulas pelo ladomaternoeque,do pontode vista ideológico,é norteadopor um espirito de oposigioaostatusquo político. Os intelectuaisde dentrodasesferasda agio governa-mental estilo envolvidosnun> jogo de colaboragioe de conflito, de re-jeigio e de procurade integragio,enquantoqueaquelesqueestiode an-temnio fora e contrao poderestabelecidoconsideran>estaragindocm favorda transformayáosocialinterpelandoosdirigentesebatalhandopor un> Es-tadomaisnacionale maiscentradona vidadoscidadios.Todos,porén>,unse outros,queren>.con> a forgada suapalavra,intervir no rumodosaconte-cimentos,participarinterativamentecm favor damudangada situagio,nio

81 Reillicí cdc Fi/cc/e,5 a Ncmchíic-a - Áuejos

2t>Ot. ¡1: 49-83

Page 34: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Paren/e A//ge! kic-<c3o oíl profecía? Aspectos da prosa cc)ntemporclnea. -

suportandorelegarapenas‘¿os políticosprofissionaiso poderdasdecisóesedas interferénciassociais.

Segundoo ivorianoPaulN’Da, faz partedo papeldo intelectualutn im-pulson>issionário,a partir do qual elese vécomomediadorentrea socte-dadee o que ele supócexistir paraalén> das sociedades,a Verdade, aRazáo,a dustiga,a Ciéncia,a História, cm todo casoalgoqueestarianabaseda sociedadee cujos principios a comandarian>.O intelectual tenaigualmenteun> papelprofético,pois éa pessoaquefala en> nomedosqueniro poden>tomara palavra,to/hidospc/a roiséria ou pelomedoou aindapelo egoismoou pc/o aprúndizadofin~ado do aplauso(N’Da. 1987: 8).Esepapelproféticose manifestatambémnacapacidadede concebera his-toricidadefutura, de antecipar-seaosaconteciientose anunciaro quecíadevevn’ a ser.Cotnodecorrénciade tudo isso,cabe-Iheigualmentecriticaro caossocial vigente, levantar-secontraa orden> autocráticaon a domi-na9áoestrangeira.denunciara corrup~áo,amentira,aganánciaea in¡usliyacomodesordensno seioda sociedade,in>perdoáveise urgentesde seren>sa-nadas.Convencidoda legitimidadede seusvalores,o intelectualse arvoraa assun>¡run>a atitudeteleológica.istoé, aapontaros fins últimos e definirfinalidadese direyóes. con> a intenyáode assin> colaborarpara a cons-truyáode umasociedademaisjustae harmoniosa(ib.: 8 e ss.).

Os aconteci¡nentosqueocorreramna Guiné-Bissau,dejunho dc 1998 an>aio de 1999,parecemconfirmarosagourosdo LiLía matehoe a urgénciade u¡na /nistida asafar: o sangrentoconfrontamentofratricida entrefowasopostasdo exércitoguincensepós en> questáoa legitin>a~áodo partidomajoritárioqueestavano governodesdea independéncia.o legendárioe ca-rismáticoPAIGC. onipresenteno romancedeFilinto de Barros.O levantechefiadopeloantigochefedo EstadoMaior do Exército,AnsumaneMané,contrao governolideradopor Joio Bernardes(Nino) Vieira fbi a pontadoicebergqúehámulto se estáacumulandono país&doqualo desconténtá-mentodos antigoscombatenleséapenasum exemplo.

BIBLIOCRAFIA

AUCEL. MoemnaParente(1996): A nova literatura da Guiné-Bissau,Instituto Na-cional de EstudosePesquisa(INEP). Bissau. SérieliterárianS

HAIZIZOS, Filint- o de (1997): KiLia niatcho Instituto Caniñes/CentroCultura] Por—

Luguésda Guiné—Bissau,Bissat¡.

Reilvlce cli lu/u/ogi <ci Itoncíl ciii ii - A ríe ¡ss2(8)1.11:dsr 82

Page 35: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau

Moema Parente Auge! Ficcáo ou profecía? Aspectos da prosa contemporanea.

FERREIRA,Joáo(1986): Uaná. Narrativa africana, GlobalEditora/InstitutoNacio-nal do Livro, S~oPaulo.

FERREIRA, Manuel(1987):Literaturasafricanasde e.vpressáoportnguesa,EditoraÁtica, SáoPaulo.

HAMtLroN. Russell0. (1996):~<ReadingAbdulai Síla’s EternaPaixáo:Guinea-Bis-sau’sPremierNovelas PosteolonialMyth, Parable,andFable»,in: Luso-Bra-

zi!ian Review,University of Wisconsin-Madison,vol. 33, ni’ 2, Winter,75-84.

Mto¡oIIOUAN, Guy Ossito(1986):L’idéologie ¿lausla !iuérature négro-africained expressionfran<aise,L’ Harmattan,Paris.

MOTA, MarcusSantos(1990): «Resenhado livro dei. Ferreira,Uanci. Narrativaafricana», Global EditorallnstitutoNacionaldo Livro, SáoPaulo,1986.in: Pa-pia. Revistade criou/os de base ibérica, Universidadede Brasilia, Brasilia,ni> 1, 18.

N’DA, Paul(1987): Lesintel/ecruelset íepouvoiren Afrique nofre,L’Harmattan,Paris.

OLIvEIRA, Mário António F. (1990):Re/erAfrica, Instituto deAntropologia,Uni-versidadede Coimbra,Coimbra.

PERSON,Yves (1968):Sarnorí. Unerévo!ution dyula,Mémoiresde l’lnstitut Fon-damentald’Afrique Noire, Dakar,Tome1,407e ss.

SAMY, DomingasBarbosaMendes(1993): A estola(con(os),Edi~áoda Autora,Bissau.

SILA, Abdulai (1994):Eternapaixcio, KUSIMON Editora,Bissau.

— (1995):A última tragédia,KUSLMON Editora,Bissau.

(1997): Mistida, KUSIMON Editora,Bissau.

SilvA, Artur Augustoda (1996): «Oshorneaslobos».in: Tcholona.Revistadele-

tras, arte e c:u!tura, GREC,Bissau,nS>6/7,abril/julho, 11-14.— (1997): E o poetapegounuro peda~odc’ papel e esc:reveu.Poemas,Instituto

Carnóes/CentroCultural PortuguésdaGuiné-Bissau,Bissau. in 8.’>

83 Re -¡sta sic Fi/a /og leí Rc>cnchiiecc Anejos20(11 II: 4983

Page 36: AUGEL, Moema Parente. Ficção Ou Profecia - Aspectos Da Prosa Contemporânea Dna Guiné-Bissau