atividade hesse e lassale

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DIREITO CONSTITUCIONAL - WPOS Sandro José de Oliveira Costa Força Jurídico-Normativa da Constituição e os Fatores Reais do Poder: articulando o pensamento de Konrad Hesse e Ferdinand Lassale e repensando os dilemas do constitucionalismo dirigente para o Brasil. A presente dissertação tem o objetivo de estabelecer um diálogo entre o pensamento de Konrad Hesse e o de Ferdinand Lassale, sob a ótica dos dilemas do constitucionalismo dirigente para o Brasil. Por mera questão cronológica, inicia-se salientando a idéia principal proposta por Ferdinand Lassale, vale dizer, a existência de fatores reais do poder que são a verdadeira essência de toda carta política: monarquia (poder coercitivo); aristocracia (poder econômico); banqueiros e bolsa de valores (poder financeiro); pequena burguesia; classe operária, militares, dentre outros. 1 Nessa linha de pensamento, a constituição escrita não seria mais que mera folha de papel, uma vez que sua legitimidade estaria sempre condicionada à conformidade com os fatores reais de poder, sob pena de caducidade. Trata-se de uma visão de constituição ligada ao poder, ao conjunto das forças sociais em ebulição no país. Não é, evidentemente, uma visão jurídica de constituição. Ao criticar a proposta de Lassalle, Konrad Hesse elaborou a tese da força jurídico-normativa da constituição. Referido autor 1 LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988. p. 29.

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Page 1: Atividade Hesse e Lassale

DIREITO CONSTITUCIONAL - WPOS

Sandro José de Oliveira Costa

Força Jurídico-Normativa da Constituição e os Fatores Reais do Poder: articulando

o pensamento de Konrad Hesse e Ferdinand Lassale e repensando os dilemas do

constitucionalismo dirigente para o Brasil.

A presente dissertação tem o objetivo de estabelecer um diálogo entre o pensamento

de Konrad Hesse e o de Ferdinand Lassale, sob a ótica dos dilemas do constitucionalismo

dirigente para o Brasil.

Por mera questão cronológica, inicia-se salientando a idéia principal proposta por

Ferdinand Lassale, vale dizer, a existência de fatores reais do poder que são a verdadeira

essência de toda carta política: monarquia (poder coercitivo); aristocracia (poder econômico);

banqueiros e bolsa de valores (poder financeiro); pequena burguesia; classe operária,

militares, dentre outros.1

Nessa linha de pensamento, a constituição escrita não seria mais que mera folha de

papel, uma vez que sua legitimidade estaria sempre condicionada à conformidade com os

fatores reais de poder, sob pena de caducidade. Trata-se de uma visão de constituição ligada

ao poder, ao conjunto das forças sociais em ebulição no país. Não é, evidentemente, uma

visão jurídica de constituição.

Ao criticar a proposta de Lassalle, Konrad Hesse elaborou a tese da força jurídico-

normativa da constituição. Referido autor reconheceu a existência da constituição real e da

jurídica, mas negou uma mera interdependência entre uma e outra, chegando à conclusão de

que toda norma jurídica precisa de um mínimo de eficácia, sob pena de não ser aplicada: a

constituição jurídica apresenta distinta força normativa.

A noção de força normativa da constituição impõe uma interpretação constitucional

que se proponha a observar suas normas como atuais e eficazes, de maneira que se deve dar

1 LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988. p. 29.

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preferência às soluções que possibilitem a concretização de suas normas, garantindo-lhes

eficácia e permanência.2

Em outras palavras, a interpretação da norma constitucional deve objetivar a máxima

eficácia social. A mesma idéia é perfilhada por Canotilho3: “deve dar-se primazia às soluções

hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais,

possibilitam a actualização normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e

permanência”

Retornando a Hesse4, compreende-se o que busca o intérprete da Constituição: o

resultado “exato” em um procedimento racional e controlável. É nesse contexto que um

Tribunal Constitucional, ao adotar a interpretação tradicional, vale dizer, os métodos de

interpretação gramatical, histórico, sistemático e teleológico, individualmente considerados,

encontra um resultado inseguro e insuficiente.

Para se obter o melhor resultado, segundo Hesse5, deve-se entender a interpretação

constitucional como concretização, o que já demanda por parte do intérprete uma

compreensão da própria norma que parte da premissa da existência de uma pré-

compreensão.

Segundo Lenio Streck, a teoria de Konrad Hesse parte da hermenêutica filosófica de

Hans-Georg Gadamer:

“Assim, partindo de Gadamer, Hesse mostra como o momento da pré-compreensão

determina o processo de concretização: a concretização pressupõe a compreensão do

conteúdo do texto jurídico a concretizar, a qual não cabe desvincular nem da pré-

compreensão do intérprete nem do problema concreto a solucionar. O intérprete não pode

captar o conteúdo da norma desde o ponto de vista quase arquimédico situado fora da

existência histórica, senão unicamente desde a concreta situação histórica na qual se

2 HESSE, Konrad. “Escritos de Derecho constitucional”, Centro de Estudos Constitucionales, Madrid, 1983. p. 43.3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ªed. 1998. p. 73.4 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991. p. 55.5 Op. Cit. p. 60.

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encontra, cuja elaboração (maturidade) conformou seus hábitos mentais, condicionando seus

conhecimentos e seus pré-juízos.”6

Konrad Hesse aponta três soluções para o dilema da da força normativa da

constituição: 1) reconhecimento da existência de uma subordinação recíproca entre a

Constituição Jurídica e realidade político-social; 2) análise do espectro de atuação da

Constituição Jurídica; 3) diagnóstico sobre a eficácia da mesma.7

No caso específico da Constituição de 1988, é preciso salientar que sua força

normativa ainda depende de um aspecto destacado por Hesse a ser adequadamente

lapidado: a “vontade de Constituição”.8 Mais do que a mera correlação entre a realidade e o

texto jurídico, tal vontade representa um pressuposto básico para que se possa falar em força

normativa. Trata-se de levar a democracia a tal nível que os preceitos constitucionais possam

efetivamente irradiar a vontade estabelecida pelo titular do poder, ainda que a despeito de

interesses políticos ocasionais:

“Deve-se ter claro que a Constituição, como documento jurídico-político, está submersa em

um jogo de tensões e poderes, o que não pode significar como querem alguns, a sua

transformação em programa de governo, fragilizando-a como paradigma ético jurídico da

sociedade e do poder, ao invés de este se constitucionalizar, pondo em prática o conteúdo

constitucional.”9

Em busca de uma articulação entre as idéias até agora apontadas, impõe-se que a

Constituição precisa estar conectada à realidade social, jurídica, política, mas não como mero

elemento dessa realidade, como como fator determinante da mesma. Tal compreensão afasta

a idéia da Constituição como mero programa, conjunto de orientações para o Estado. Nesse

sentido, merece menção a chamada constituição dirigente, que, segundo Bercovici10, tem

como núcleo “a defesa da não-disponibilidade da Constituição pelo legislador e a questão da

6 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica (em) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 255.7 SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 72-73.8 Op. Cit. p. 15-24.9 STRECK, Lênio Luiz. MORAES, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do estado. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006, p. 153.10 BERCOVICI, Gilberto. LUANOVA Nº 61— 2004. Disponibilizado como material complementar da disciplina.

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discricionariedade legislativa”. O grande dilema apontado pelo autor é que o

constitucionalismo dirigente, ao se preocupar com os excessos do poder legislativo em face

dos preceitos constitucionais, tenta resolver o problema outorgando excessivo poder ao

Judiciário. Conclui-se que tal solução é perigosa, dando margem a um ativismo judicial

desenfreado, marcado pelo exercício indevido da função atípica legislativa por parte do

Judiciário.

Não se está a negar o importante papel do STF na interpretação constitucional. O que

se defende como conclusão do estudo das propostas dos autores abordados no presente

texto é que se deve harmonizar a força normativa da constituição e os titulares do poder. Não

se pode excluir o fator social, as questões políticas, os fatores do poder como se não

exercessem nenhum tipo de influência sobre a “vontade de Constituição”.

Incumbe assim, ao intérprete constitucional, especialmente, na realidade brasileira,

ao Supremo Tribunal Federal, adotar uma hermenêutica que extraia do texto o máximo de

efetividade, partindo de uma compreensão do momento em que a Constituição foi escrita,

mas atualizando essa carga normativa com força máxima diante do caso concreto, sem

esquecer que a Constituição não está apenas na folha de papel, mas no cotidiano de todos

que são destinatários de suas normas.

Referências

BERCOVICI, Gilberto. LUANOVA Nº 61— 2004. Disponibilizado como material complementar da disciplina.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ªed. 1998. p. 73.

HESSE, Konrad. Escritos de Derecho constitucional. Centro de Estudos Constitucionales: Madrid, 1983. p. 43.

______. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio

Antonio Fabris Editor, 1991. p. 55.

LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988. p. 29.

SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre:

Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 72-73.

Page 5: Atividade Hesse e Lassale

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica (em) crise: uma exploração hermenêutica da construção do

Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 255.

STRECK, Lênio Luiz. MORAES, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do estado. 5ª ed. Porto Alegre:

Livraria do advogado, 2006, p. 153.