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Revista Odontológica de Araçatuba, v.27, n.1, p. 49-53, Janeiro/Junho, 2006
ISSN 1677-6704
ASPECTOS CLÍNICOS E HISTOLÓGICOS DA CÁRIEAGUDA X CÁRIE CRÔNICA
CLINICAL AND HISTOLOGICAL ASPECTS OF ACTIVECARIES X ARRESTED CARIES
Flávia Pereira de França PAIVA1
Isabela Albuquerque PASSOS2
Anagélica Tolentino MADEIRO3
Andressa Feitosa Bezerra de OLIVEIRA4
Ana Maria Barros CHAVES5
RESUMOA dentina é um tecido mineralizado, de natureza conjuntiva, capaz de reagir às diferentesagressões externas e se encontra intimamente relacionada com a polpa dental. Nodente humano, podem ser reconhecidos cinco tipos de dentina: primária, secundária,reparadora, esclerosada e opaca. O presente artigo objetiva fazer uma revisão críticada literatura, enfatizando os aspectos clínicos e histológicos da dentina, importantespara o diagnóstico diferencial nos processos cariosos. A estimativa da atividade deuma lesão cariosa, baseada no diagnóstico clínico, associado à sua estruturahistológica, é de grande importância para o entendimento do progresso da lesão,bem como da terapêutica mais adequada a ser utilizada em cada caso.
UNITERMOS: Cárie dentária; dentina; histologia
Em virtude do seu aspecto tubular, a dentina éum tecido altamente dinâmico, possibilitando, atravésdo fluido dentinário, a propagação de estímulos até otecido pulpar16. Os efeitos patológicos da cárie, aabrasão, o atrito e o desgaste, provocados porprocedimentos operatórios, levam a alterações naestrutura da dentina que podem ser observadas comotrechos inertes, esclerose e/ou adição de dentinareparadora, comumente presentes nas lesões agudasou crônicas em dentina17. Diante disto, este trabalhotem por objetivo realizar uma revisão crítica da literatura,elucidando os aspectos clínicos e histológicos dascáries aguda e crônica, em dentina, importantes parao diagnóstico diferencial e tratamento da lesão cariosa.
REVISÃO DE LITERATURA
Aspectos clínicos e histológicos da cárie aguda.A cárie em dentina do tipo aguda, clinicamente,
se apresenta com cor clara, variando de amarelo acastanho claro, com consistência macia, friável e comouma massa de aparência necrótica, conforme relatamMiller13 e Bjorndal e Mjör2 - Figura 1. Normalmente,mostra-se sensível aos doces, ao frio e aos ácidos,com um progresso rápido que normalmente expõe apolpa, pois a dentina sob a camada superficial é
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1- Cirurgiã-dentista pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB.2- Acadêmica do Curso de Odontologia da Universidade Federal da Paraíba - UFPB; Bolsista PROBEX.3- Acadêmica do Curso de Odontologia da Universidade Federal da Paraíba - UFPB; Monitora da disciplina de Histologia eembriologia Odontológica.4- Doutora em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco - FOP/UPE; Professora Adjunta e Chefe doDepartamento de Morfologia do Curso de Odontologia da UFPB.5- Doutora em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco - FOP/UPE; Professora Adjunta de Histologiada Universidade Federal da Paraíba.
INTRODUÇÃO
A dentina é um tecido conjuntivo mineralizado,especializado, cujas células formadoras estão napolpa dentária, sendo esta um tecido conjuntivofrouxo. Como a polpa e a dentina são embriológica,estrutural e funcionalmente o mesmo tecido, podemser considerados conjuntamente como o complexodentinopulpar19.
No dente humano, podem se reconhecer cincotipos de dentina: a) dentina fisiológica primária,depositada rapidamente durante o desenvolvimento dodente até a formação do forame apical; b) dentinafisiológica secundária, depositada nas paredespulpares, num ritmo muito mais lento do que a primária,depois que a anatomia do dente está estabelecida19;c) dentina terciária ou reparadora, com estruturairregular, formada em zonas subjacentes às áreas deirritação externa, como atrição e cárie8, 9, a partir dascélulas diretamente afetadas pelos estímulos10,19; d)dentina esclerosada, que se caracteriza pela presençade túbulos dentinários obliterados com materialcalcificado, processo este que é acelerado frente adeterminados estímulos9,19; e) dentina opaca,representada pelos túbulos dentinários ocos, semprolongamentos, devido a lesões nos odontoblastos.
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descalcificada e sensível13, conforme está descrito noQuadro 1. Acredita-se que, como o caráter destrutivo émais evidente nesses casos, a sensibilidade dolorosaacompanha essa destruição5. De acordo com Hiraishi7et al., as alterações no tecido dentário decorrentes daprogressão da cárie aguda resultam em uma diminuiçãono valor do pH e um aumento na perda de mineral.
Diante das várias agressões ao complexodentinopulpar, os odontoblastos podem reagir dediversas maneiras, que, histologicamente, sãovisualizados com a formação de dentina do tipoesclerosada, opaca e/ou reparadora. Nos casosde cárie aguda, a dentina esclerosada praticamentenão é formada, devido à rapidez da destruição dostecidos dentários sadios4. Os odontoblastos, porsua vez, se defendem retraindo seusprolongamentos e deixando os túbulos vazios,característicos da dentina opaca. Quando observadoao microscópio óptico (MO), um corte de dentepor desgaste, estas zonas aparecem negras (Figura2), pois os túbulos encontram-se cheios de ar.Freqüentemente, a dentina opaca encontra-seacompanhada por dentina reparadora na sua base6.
Frente a uma cárie de progressão rápida, oesmalte e a dentina afetados poderão ser destruídosrapidamente, resultando em mudanças na regiãoda pré-dentina, com subseqüente destruição dosodontoblastos1. O tecido pulpar subjacente irá reagirà transmissão dos produtos microbianos oriundosdos túbulos dentinários, liberando ou ativandomediadores das células de defesa ou plasmasangüíneo. Essas reações irão iniciar o processoinflamatório, conduzindo os estágios de pulpite,reversível ou irreversível, que podem ou não estarassociados com a sensibilidade ou dor2.
A relação entre a sintomatologia, o aspectohistológico pulpar e o tipo de cárie, em 40 molaresdecíduos cariados, foi verificada por Di Nicoló5. Osautores verificaram, histologicamente, que aslesões de cárie ativa estavam associadas cominflamação pulpar do tipo agudo e lesões de cáriecrônica com infiltrado inflamatório crônico. Destaforma, concluíram que a sintomatologia e o tipo decárie (aguda ou crônica) estavam associados como padrão de resposta das células pulpares.
Após a destruição dos odontoblastos, a polpase defende formando dentina reparadora com umpadrão tubular irregular e onde, com freqüência,pode-se encontrar odontoblastos incluídos6, comomostra a Figura 3. Em geral, essa dentinareparadora com células, denominada de dentinareparativa18, é secretada por novos odontoblastosdiferenciados a partir das célulasectomesenquimais indiferenciadas presentes napolpa na camada sub-odontoblástica10, 11,15.
Tratamento da cárie agudaNa cárie aguda, tem-se uma progressão
rápida, necessitando de depósitos intra-tubularespara se obter uma dentina impermeável,
funcionando como barreira para bactérias e toxinas,protegendo a polpa. Sendo assim, de acordo comBjorndal e Mjör2, esta lesão deve receber atençãoclínica imediata. O tecido infectado, maisamolecido, deve ser removido e a restauraçãorealizada com o objetivo de impedir a progressãoda lesão e converter a sua atividade de aguda paralesão menos progressiva (crônica), com base noconhecimento dos aspectos da biologia docomplexo dentinopulpar e evitando a remoçãoexcessiva do tecido dentinário.
Vale salientar que o processo de cicatrizaçãodo tecido dentinário será intensificado se oambiente cariogênico for removido ou alterado18.No entanto, caso não seja realizado intervençãona lesão cariosa e esta progredir, a polpa irá setornar infectada e danificada irreversivelmente,necessitando de tratamento endodôntico antes darestauração2.
Aspectos clínicos e histológicos da cáriecrônica
Segundo Miller13,14, a cárie crônica possui umasuperfície escura e de consistência endurecida(Figura 4), como mostra o Quadro 2. O progresso dalesão é lento e intermitente, e a dentina sob asuperfície é indolor, esclerótica e pigmentada. A suacor escura decorre da presença de produtosbacterianos, de produtos da proteólise, bem comode produtos advindos do meio bucal, como porexemplo, dos alimentos2, 17. Consolaro e Pereira3
afirmam que quanto mais pigmentada apresentar-seuma dentina esclerótica, menor será suapermeabilidade.
A natureza crônica dessa cárie promove aformação da dentina esclerótica, com umaacelerada deposição de dentina peritubular,obliterando os túbulos dentinários e levando a umaredução na permeabilidade dentinária12. Dessaforma, ao observarmos cortes histológicos dedentes por desgaste, ao microscópio óptico (MO),a dentina esclerosada apresenta-se maismineralizada e mais translúcida que as demais,de acordo com Campos e Muñoz6 - Figura 5.
Além da dentina esclerosada presente nasuperfície da lesão cariosa, histologicamente, ocomplexo dentinopulpar se defende das agressõescrônicas formando a dentina reparadora1, 3. Quanto maisacentuada a agressão, mais rápida e irregular será adeposição de dentina reparadora. No entanto, na cáriecrônica, essa dentina se deposita mais lentamente,apresentando um padrão tubular mais regular, comausência de células no interior da sua matriz4 (Figura6). As células que formarão esta dentina são osodontoblastos, que, normalmente, não danificados,conseguem secretar essa barreira de proteção10, 11,15.
A esclerose dentinária, bem como os demaisfenômenos reacionais, é uma tentativa de retardaro progresso da cárie, sendo a esclerose o primeiroaspecto microscópico que se estabelece na cáriede dentina3, 9.
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FIGURA 1 - Aspectos clínicos da cárie aguda em dentina na faceoclusal (seta) dos elementos 74 e 75. Observar a coloraçãoacastanhada e o aspecto brilhante da dentina infectada.
FIGURA 2 – Fotomicrografia da dentina opaca (seta),evidenciada nos processos de cárie aguda, em dentepreparado por desgaste. Microscópio óptico – Aumento 200x.
FIGURA 3 – Fotomicrografia da dentina reparadora comcélulas (seta), evidenciada nos processos de cárie aguda,em dente preparado por desgaste. Microscópio óptico –Aumento 500x.
FIGURA 4 – Aspectos clínicos de uma cárie crônica na faceoclusal (seta) do elemento 85. Observar a pigmentaçãoescurecida na superfície da dentina.
FIGURA 5 - Fotomicrografia da dentina esclerosada (seta),evidenciada nos processos de cárie crônica, em dentepreparado por desgaste. Microscópio óptico – Aumento 400x.
FIGURA 6 - Fotomicrografia da dentina reparadora, comausência de células na sua matriz, evidenciada nosprocessos de cárie crônica, em dente preparado pordesgaste. Notar a irregularidade dos túbulos dentinários(seta). Microscópio óptico – Aumento 500x.
Tratamento da cárie crônicaO tratamento da cárie crônica não requer,
necessariamente, intervenção cirúrgica, exceto porrazões estéticas e para reabilitar a função doelemento dentário4,12. No entanto, as lesões devemestar sob constante observação2 devido àpossibilidade do estabelecimento de cáriessecundárias nas bordas da restauração, diante dehigienização não adequada por parte do paciente.
CONCLUSÃO
Baseado na revista da literatura, em casos clínicose em cortes histológicos de dentina, verifica-se que aestimativa da atividade de uma lesão de cárie é um fatorimportante para o processo de diagnóstico da cárieaguda ou crônica. A classificação da atividade da lesãoestá diretamente relacionada com a intervenção a sertomada em cada tipo de cárie diagnosticada.
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ABSTRACT Dentin is a mineralized tissue from a conjunctivenature that is closely related with the dental pulp,forming the dentinopulpar complex which has thecapacity to react to different aggressors. Five typesof dentine can be recognized in human teeth: pri-mary, secondary, tertiary, sclerotic and dead tracts.This article presents a literature review of importantclinical and histological aspects related to the di-agnosis of cariosos lesions. The ability to estimatecarious lesion activity, based on clinical diagnosticof its histological structure, appears to be crucialin understanding and selecting the most adequatetreatment for that specific lesion.
UNITERMS: Dental caries; dentin; histology.
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QUADRO 2 – Critérios Utilizados para a Identificação da Lesão de Cárie Crônica em Dentina.
Fonte: MILLER, W. A.Layering in dentincaries asdemonstrated bylocalization of dyes.1959. Thesis (Master).University of Illinois, IIIinois.
QUADRO 1 – Critérios Utilizados para a Identificação da Lesão de Cárie Aguda em Dentina.
Fonte: MILLER, W. A.Layering in dentincaries asdemonstrated bylocalization of dyes.1959. Thesis (Master).University of Illinois, IIIinois.
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Endereço para correspondência:
Flávia Pereira de França PaivaR. Rita de Alencar Carvalho Luna, 72/1003
Jardim LunaJoão Pessoa - PB. Brasil
CEP: 58033-080E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 04/10/2005Enviado para análise em 19/10/2005
Aprovado para publicação em 20/03/2006
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